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Tempestividade da prestao jurisdicional e suas bases no ordenamento jurdico brasileiro
Marcelo Terra Reis1
Resumo: A tempestividade da prestao jurisdicional representa a concretizao da eficincia da prestao jurisdicional. No basta somente o julgamento, mas sim que a deciso seja eficaz, do ponto de vista temporal. A Emenda Constitucional n 45/2004 traz o novo direito durao razovel do processo, entretanto, esse direito possui uma trajetria muito mais antiga, mesmo no ordenamento jurdico brasileiro.
Palavras-chave: Direito fundamental, tempestividade e jurisdio.
Abstract: The efficiency of the judgement represents the concretion of the efficiency of the judgement. The judgment is not only enough, because it is necessary to has an effective decision, on the secular point of view. The Constitutional Amendment number 45/2004 brings the new right to the reasonable duration of the process, however, this right possesses a much more old trajectory, even though in the Brazilian legal system.
Keywords: Fundamental right, efficiency and jurisdiction.
1. Introduo
O termo tempo, se adentrarmos na seara semntica, veremos que j foi utilizado
para definir inmeras situaes2. Mas tal expresso, por mais que fosse empregada
em circunstncias diversas, sempre conteve um sentido central,3 qual seja, a medida
de durao dos fenmenos.
Pois, bem nesse sentido que a dvida se instala. O processo um desses
fenmenos que perduram muito tempo at chegar ao seu final. Assim, causando um
gravame para as partes e impossibilitando a efetivao da tutela jurisdicional4.
Porm, esta inconformidade dos jurisdicionados no atual. H relatos que desde o
surgimento do processo pblico, no direito romano ps-clssico, a excessiva
1 Advogado. Professor Universitrio da FACOS e da ULBRA. Discente do curso de Doutorado em
Direito linha de pesquisa Direito Civil da Universidade de Buenos Aires. 2 GRANDE ENCICLOPDIA LAROUSSE CULTURAL, n. 23. Ed. Nova Cultural, 1999, p. 5633.
3 GARCIA, Othon. Comunicao em Prosa Moderna. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora Fundao Getlio
Vargas, 1980. p. 158. 4 DUARTE, Francisco Carlos. Comentrios Emenda Constitucional 45/2004. Curitiba: Juru, 2006,
p. 28. Um estudo publicado na Revista Veja do Instituto de Pesquisa Econmica aplicada, constatou que um sistema jurdico ineficiente reduz a taxa de crescimento de longo prazo em 25%. Isso significa que, se o Brasil tivesse uma justia eficiente, teria condies de crescer 0,8% a mais todo ano. O custo da ineficincia e da lentido no pra por a: a produo nacional poderia aumentar 14%, o desemprego cairia quase 9,5% e o investimento saltaria 10,4%.
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durao do processo vem sendo tratada como forma produtora de efeitos negativos
prpria demanda e para as partes que nela esto envolvidas5.
Mas, h quem diga que a crise do Poder Judicirio foi agravada, no por questes
internas, mas sim por fatos externos e ingerenciveis pelo Estado, como, por
exemplo, a revoluo tecnolgica e digital. Hodiernamente, o mundo possui uma
velocidade estrondosa, haja vista que as informaes so instantneas, dessa
forma, a noo de tempo se alterou6.
Cruz e Tucci expe, com base nos ensinamentos de Carnelutti, que o tempo o
implacvel inimigo do processo.7 Salienta-se, dessarte, que o tempo de durao do
processo no pode ser to prolongado que venha a causar a inobservncia dos
direitos fundamentais processuais, como o direito jurisdio tempestiva. Porm, a
celeridade no pode ser uma causa geradora de inobservncia de outras
conquistas, por exemplo, a ampla defesa e o contraditrio.
No se quer, certamente, tornar esta relao tempo e processo uma causa geradora
de suprimento de garantias constitucionais e inobservncia de outros direitos
inerentes aos litigantes, pois, como lembra Marinoni, a prestao tem de ser
fornecida de forma adequada, ou seja, de acordo com os direitos fundamentais8.
Como cedio, o processo, como instrumento, tem por fim realizar os direitos e
eliminar os conflitos, ou seja, o processo que no se presta a produzir esses efeitos
normais no s evita que a jurisdio realize os seus objetivos como, tambm, gera
angstia e decepo queles que buscam a tutela jurisdicional9.
5 CRUZ E TUCCI, Jos Rogrio. Temas Polmicos de Processo Civil. So Paulo: Editora Revista dos
Tribunais, 1990, p. 93. 6 ARRUDA, Samuel Miranda. O Direito Fundamental Durao Razovel do Processo. P. 285.
7 CRUZ E TUCCI, Jos Rogrio. Tempo e Processo. So Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1997,
p. 125. 8 MARINONI. Luiz Guilherme. Teoria Geral do Processo. So Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. vol.
I. 9 MARINONI, Luiz Guilherme. Novas Linhas do Processo Civil. 2. ed. So Paulo: Malheiros, 1996,
pp. 64-65.
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2. Jurisdio tempestiva na histria
A tempestividade da prestao jurisdicional no pode ser concebida como um direito
reconhecido apenas na atualidade. Realizando uma pesquisa histrica, verifica-se a
presena de tal direito na prpria Magna Charta inglesa, datada de 1215. Neste
documento, que alguns afirmam ser um contrato, o rei se compromete, no artigo 40,
a no postergar, nem negar o direito de qualquer pessoa a obter justia, nos termos:
o direito de qualquer pessoa a obter justia no ser por ns vendido, recusado ou
postergado10.
De acordo com o artigo acima, o Rei, representado pela palavra ns, no poderia
de forma alguma postergar a justia, assim, como lembra o doutrinador argentino
Grillo Ciocchini, foi o divisor de guas para a noo de processo tempestivo e,
certamente, o incio mais claro de um derecho a recibir justicia en um plazo
razonable11.
Entretanto, nas compilaes de Justiniano, Imperador Romano do sculo V,12 j se
percebe a preocupao em proferir um julgamento rpido, quando este determinou a
tomada de atitudes para que os litgios no se tornassem interminveis e
excedessem a durao da vida dos homens13.
Permanecendo no mbito Romano, Constantino fixou a durao mxima do
processo penal em um ano, diferentemente de Justiniano que fixara o prazo de dois
anos para a durao do mesmo tipo de processo14.
O direito a um processo com julgamento clere, inicialmente, sempre esteve
vinculado com a matria penal. Neste diapaso, surge no sculo XVII, igualmente na
Inglaterra, o Habeas Corpus Act. A celeridade do processo est manifestada como
10
ARRUDA, Samuel Miranda. O Direito Fundamental Durao Razovel do Processo. P. 31. 11
CIOCCHINI, Paulo Agustn Grillo. Debido Proceso. Buenos Aires: Rubinzal Culzoni Editores, 2003, p. 177. 12
COTRIM, Gilberto. Histria Global. 2. ed. So Paulo: Saraiva, 1998, p. 82. 13
PASTOR, Daniel. El Plazo Razonable em el Proceso Del Estado de Derecho. Buenos Aires: Ad.Hoc, 2002, p. 101. Conforme o autor: tam medidas a fin de que los litigios no se hagan casi interminables y excedan de la duracin de la vida de los hombres. 14
PASTOR, Daniel. El Plazo Razonable em el Proceso Del Estado de Derecho. P. 101.
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um objetivo desta lei, desde o seu prembulo, quando esta alude que enquanto
muitos sditos do rei ficam por longo tempo aprisionados, quando podiam obter
fiana15.
Este documento postula um julgamento clere, reconhecendo, dessa forma, um bem
fundamental, qual seja, a liberdade. Depreende-se, ainda, que o Habeas Corpus Act,
estabelece uma limitao s autoridade no judiciais, pois fixa uma apreciao
judicial das prises ocorridas contra os cidados ingleses16.
No mesmo sculo XVII, mais precisamente em 25 de abril de 1682, foi editado o
Frame of Government of Pensilvnia, possuindo os mesmos moldes da Magna Carta
da Inglaterra, assegurava um julgamento sem postergaes. Entretanto, o
documento inaugural de uma nova fase do direito jurisdio tempestiva foi a
Virgina Declaration of Rights, que em seu artigo 8. trazia o speedy trial17. Salienta-
se que este dispositivo apresentado pela Declarao de Direitos da Virgnia foi
transplantado Constituio Americana, por meio da Sexta Emenda Constitucional,
auferindo, assim, uma visibilidade ainda maior ao direito ao processo clere18.
No ano de 1949 foi editado o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Polticos, que,
seguindo a linha de defesas do processo penal, fixava que para todo ru preso em
virtude de infrao penal, seria garantido o julgamento em tempo razovel19.
Como se percebe o Pacto ora apresentado bem limitado, uma vez que diz respeito
somente queles presos em virtude de infrao penal, em nada disciplinando sobre
os processos cveis, ou de natureza no penal.
Adentrando em um campo bem mais frtil para a jurisdio tempestiva, elencamos a
Conveno Europia para Salvaguarda dos Direitos do Homem e das Liberdades
15
ARRUDA, Samuel Miranda. O Direito Fundamental Durao Razovel do Processo. p. 34. 16
PASTOR, Daniel. El Plazo Razonable em el Proceso Del Estado de Derecho. p. 102. 17
PASTOR, Daniel. El Plazo Razonable em el Proceso Del Estado de Derecho. p. 102. 18
CIOCCHINI, Paulo Agustn Grillo. Debido Proceso. P. 177. 19
ARRUDA, Samuel Miranda. O Direito Fundamenta