TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social...

38
1 UnU de Ciências Sócio-Econômicas e Humanas Curso de História – Modalidade Licenciatura TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O NASCIMENTO DE UM NOVO PARADIGMA SOCIAL. Bruno Thiago Tomé Anápolis, dezembro 2009

Transcript of TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social...

Page 1: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

1

UUnnUU ddee CCiiêênncciiaass SSóócciioo--EEccoonnôômmiiccaass ee HHuummaannaass

CCuurrssoo ddee HHiissttóórr iiaa –– MMooddaall iiddaaddee LLiicceenncciiaattuurraa

TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O NASCIMENTO DE UM NOVO PARADIGMA

SOCIAL.

Bruno Thiago Tomé

Anápolis, dezembro

2009

Page 2: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

2

Bruno Thiago Tomé

TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA, UTOPIA E O NASCIMENTO DE UM NOVO PARADIGMA

SOCIAL.

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Universidade Estadual de Goiás, UnUCSEH, Anápolis, para obtenção de grau de Licenciado em História.

Orientador (a): Profª. Dr. Nildo Viana

Anápolis, dezembro

2009

Page 3: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

3

SUMÁRIO

Introdução.................................................................................................... 03

Capitulo 1

1.1-Ideologia e Utopia na perspectiva Marxista................................................................

05

Capítulo 2

2-Sociedade e Mudança no paradigma político e social da Igreja....................................

2.1-Converta-se o indivíduo e a sociedade se transformará .............................................

2.2-A responsabilidade social da Igreja e do cristão.........................................................

2.3-A reação contra o pensamento de responsabilidade social..........................................

15

16

18

26

Capitulo 3

3.Responsabilidade Social, Revolução e Utopia na práxis Protestante.........................

27

Conclusão........................................................................................................................... 36

Bibliografia........................................................................................................................ 37

Page 4: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

4

Introdução

A pesquisa monográfica se desenvolveu a partir da análise de um grupo religioso

protestante que percebia a insuficiência de uma teologia que não fosse pensada a partir

da realidade social, articulando sua teologia para entender a sociedade brasileira e sua

função de transformação política e social desta sociedade, o grande desejo desse grupo

era fundamentar uma nova teologia que desse conta de integrar teologia e práxis

revolucionaria a sua ação.

Os grupos protestantes, com o seu modo de interpretar a sociedade, produzia

uma prática, numa articulação, cheia de sentido para o grupo, que visava transformar o

país. A problemática da pesquisa se funda para desvelar o caráter do movimento de

responsabilidade social da igreja, que é engendrado a partir da década de 30 até a

década de 60, estudar esse movimento e buscar entender sua formulação é importante

para vermos como a igreja tem lidado historicamente com os problemas da sociedade

brasileira. Suas formulações teóricas nos permite analisar a qual perspectiva teórica esse

movimento se inseriu, e também saber qual ação a igreja praticava para cambiar o

cenário social e político brasileiro.

Partindo dessa problemática chegamos na hipótese que os protestantes na

medida que se identificavam tinham a intenção de transformar a sociedade a partir de

sua visão especifica sobre o mundo que os rodeava. No século XX, houve entre os

protestantes um pensamento que seria possível participar das transformações do país a

partir de um ponto de vista evangélico. A expressão desse grupo é utópica – abstrata,

haja vista que não consegue promover de forma revolucionaria a articulação entre

teologia e práxis revolucionária.

O movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu

entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As relações de poder, principalmente após

64, penderam contra as idéias de responsabilidade social.

No primeiro capitulo buscamos expor nosso referencial teórico, e assim o

fizemos sempre nos apoiando em autores como Marilena Chauí para discutirmos e

definirmos conceitos como ideologia, Ernest Bloch para definirmos “Utopia e

Esperança”, e também Karl Manheim para definirmos os termos “Ideologia e Utopia”,

fazendo a relação disso com o grupo religioso, entre outros autores.

Page 5: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

5

No capítulo segundo, procuramos entender como o grupo protestante desenvolve

seu pensamento de responsabilidade social, expondo o engendramento da teologia com

os intelectuais, suas reuniões, e os documentos produzidos a partir da publicação das

idéias desse grupo nas revistas de escolas dominicais, e nos jornais das confissões

religiosas.

No terceiro capítulo situamos a perspectiva da igreja ao tema “responsabilidade

social”, numa perspectiva evangélica, e também apontamos os conceitos de revolução,

sempre tentando juntar isso com a perspectiva histórica que o grupo protestante

assumiu. A partir disso analisamos qual perspectiva utópica esse grupo assumiu.

Page 6: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

6

1 - Ideologia e Utopia na perspectiva marxista.

O termo “Ideologia”, a muito se acha ligada ao marxismo, embora o mesmo não

fora o que primeiro que fez a colocação inicial do tema,que a tempos já havia sido

trabalhado em outras perspectivas, indo da proposição feita por De Tracy,

Cabanis(ideólogos franceses) e também pelo celebre sociólogo Augusto Comte que

trabalhou perspectivas próximas aos os primeiros autores supra citados,entretanto a faz

mais minuciosamente. Neste trabalho iremos nos ater a perspectiva marxista sobre o

termo ideologia, que se configura muito presente nas obras de vários autores, tanto de

forma propedêutica no livro de Marilena Chauí “O que é ideologia”, quanto de forma

mais profunda no livro do escritor alemão Karl Mannheim “Ideologia e Utopia”.

Segundo Marilena Chauí a história pode ser examinada sob dois

aspectos:história da natureza e história dos homens, essas relações entre os homens e

deles com a natureza constituem as relações sociais, como algo produzido pelos

próprios homens, ainda que estes não tenham consciência de serem seus únicos autores.

Dentro dessa perspectiva percebemos como os homens atuam e raciocinam de formas

determinadas atribuindo nexos a relações de conservação ou de transformação,a partir

disso encaramos essas relações como processos históricos, segundo Marilena Chauí

“A história não é sucessão de fatos no tempo, não é progresso

das idéias, mas os modos como homens determinados em

condições determinadas criam os meios e as formas de sua

existência social, reproduzem ou transformam essa existência

social que é econômica, política e cultural”(Chauí,1987,p.20).

Os homens criam formas de convivência através de instituições determinadas, a

partir disso fabricam idéias que expliquem sua vida individual, social, suas relações

com a natureza e o sobrenatural,entretanto essas idéias na verdade esconderam a

realidade de forma que a exploração econômica e a dominação política não pudesse ser

vista, os homens maquiam a condição de explorados, de dominados fazendo que

pareçam justas e verdadeiras,ao ocultamento da verdade social, chama-se ideologia.

A conceituação do termo ideologia em Marx, se desenvolve no livro “Ideologia

Alemã”, embora ele tenha trabalhado de forma geral seu pensamento, é bastante

especifico porque se desenvolve após os pensadores alemães como Hegel. Existe duas

particularidades sobre esse “novo” desenvolvimento do conceito de Ideologia,primeiro

que Marx não dissocia a produção da idéia e as condições sociais e políticas, na qual ela

Page 7: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

7

é produzida, e em segundo lugar que o desenvolvimento do seu pensamento pressupõe a

critica as filosofia de Hegel.

Marx critica os ideólogos alemães porque para ele, esses ideólogos

pretensamente criticavam o sistema Hegeliano, pensando que era suficiente criticar

apenas um aspecto da filosofia de Hegel, em lugar de abarcá-la como um todo, outra

critica de Marx dirigida a esses ideólogos é que eles tomam um aspecto da realidade

humana, e convertem em uma idéia universal e deduzem todo o real desse aspecto

idealizado. Para Marx não há crítica alguma porque simplesmente ignoram a realidade

histórica alemã.

Para entendermos a Ideologia segundo Marx propõe, é preciso pautar as

considerações na sociedade capitalista européia do século XIX,que segundo Marx tem

como pano de fundo a ciência da história.

A obra de Hegel reverbera dentro da obra de Marx, porém Marx critica de forma

severa o idealismo de Hegel.Para entendermos onde essas obras se fundem e se

completam mutuamente para a caracterização da ideologia recorreremos a algumas teses

de Hegel que nos ajudara a explicar esse processo: 1)Marx compartilha de Hegel “o

conceito de dialética,cujo movimento interno de produção da realidade é a

contradição”,aqui a contradição ocorre entre homens reais em momentos históricos e

sociais reais,com o nome de luta de classes

“A história é historia do modo real como os homens reais

produzem suas condições reais de existência.È história do modo

como se reproduzem a si mesmos, como produzem suas relações

com a natureza(pela natureza),do modo como produzem e

reproduzem suas relações sociais(pela divisão social do

trabalho,pela forma da propriedade,que constituem as formas

das relações de produção)”(Chauí,1987,p.47);

2) Marx conserva também as diferenças entre abstrato/concreto, imediato/mediato,

aparecer/ser. Definindo o concreto como “unidade do diverso, síntese de muitas

determinações”, o conceito de determinação deve ser entendido como resultado que

forma a realidade no processo pelo qual é produzida. Para captarmos o método

histórico-dialético Marx afirma que devemos partir do que é mais abstrato ou mais

simples, para enfim trilharmos o caminho do real, e chegarmos ao concreto.

Marx também conserva a afirmação hegeliana, de que a realidade é histórica e

que por isso é reflexionante,ou seja, realiza reflexão, essa afirmação teórica significa

Page 8: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

8

dizer que a realidade é um movimento de contradições que se relacionam e reproduzem

a existência social dos homens, e Marx entende as relações sociais como relações de

produção, o materialismo histórico-dialético, são os homens que em dado momento

histórico organizam sua a vida afim de reproduzirem como homens.

O que nos interessa nas relações entre os homens é como se projeta a divisão

social do trabalho e a relação dos homens através do trabalho dividido. O fermento da

dialética são as condições de produção social, que existem entre os homens.

Para finalizarmos as influências de Hegel sobre Marx, temos que introduzir a

questão da alienação,que no principio foi desenvolvido como alienação religiosa em

Feuerbach, portanto depois Marx imprimira modificações nesse conceito. Marx

trabalhara com a alienação dos homens em condições reais, principalmente inseridos

nas relações de trabalho, então a partir de agora a alienação se dá na ordem do trabalho,

o produtor não se enxerga no produto do seu trabalho, ele não se vê como resultado do

seu trabalho, o produto então nasce separado do produtor e como um poder que o

domina e ameaça.

As relações sociais e de trabalho aparecem como relações sociais entre pessoas e

também aparecem como relações sociais entre coisas. Dentro desse modelo de produção

capitalista onde os homens são transformados em coisas e as coisas em gente, o

trabalhador começa a ser denominado como força de trabalho, o que ele produz de

mercadoria, nesse patamar de relação o proprietário das condições de trabalho detém o

capital, e a capacidade de ter lucro, segundo Marilena Chauí

“Em contrapartida, as coisas produzidas e as relações entre

elas(produção, distribuição, circulação e consumo) se

humanizam e passam a ter relações sociais...os homens se

tornam suportes dessas operações, instrumentos

delas”(Chauí,1987,p. 58).

A partir disso os homens conservam essa realidade, fazendo que a condição

humana a seja roubada, sendo explorado naquilo que faz, é nessa perspectiva que insere

o fenômeno da ideologia, que legítima o status quo.

Neste rastro Marx e Engels determinam que as ideologias surgem no instante da

separação entre trabalho material, intelectual e manual, essa tripartição faz com que

apareça uma certa autonomia do trabalho intelectual em detrimento do trabalho

material,nessa condição o trabalho intelectual aparece como autonomia das idéias,que

Page 9: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

9

são forjadas e sustentadas pela classe dominante, segundo Marilena Chauí a autonomia

dessas idéias se da pela seguinte explicação

“A autonomia é produzida no momento em que se faz uma

separação entre os indivíduos que dominam e as idéias que

dominam, de tal forma que a dominação de homens sobre

homens não seja percebida”(Chauí,1987,p.102),

gerando assim a ilusão que as idéias dominam a todos os homens.

As condições de existência social que coloca o indivíduo deslocado nos sistemas

que constituem cada época, juntamente com o conjunto das forças produtivas,

estamentam a sociedade em classes, isso significa dizer que existe a dominação de uma

classe sobre a outra, a ideologia é esse meio esse instrumento, e a classe dominante faz

com que sejam verdadeiras e racionais essas idéias.

A divisão social do trabalho se completa quando o trabalho material e o trabalho

espiritual se separam, nesse momento segundo Marx a ideologia surge como um sistema

ordenado de idéias separado e independente das condições materiais, visto que não

estão ligados a produção material das condições de existência, neste pressuposto à

desvinculação por meio das idéias, produzidas pelo pensamento, dando a impressão que

os pensadores estão separados da condição material, revelando que as idéias estão

separadas do mundo, temos ai como diz Marilena Chauí

“As idéias não aparecem como produtos do pensamento de

homens determinados, aqueles que estão fora da produção

material direta, mas como entidades autônomas descobertas por

tais homens”(Chauí,1987,p.66).

A divisão social, é advinda da relação desigual entre membros da sociedade,

assim cria-se os explorados e os exploradores, os proprietários e destituídos, assim se

realiza como luta classe, que deve ser entendido dentro do conjunto de procedimentos

institucionais, jurídicos, religiosos, também aqui a ideologia é meio de dominação de

classe.

A ideologia é conhecida a partir da nossa experiência imediata, como algo feito

dado e acabado, entretanto nos nunca nos perguntamos como foi concretamente

produzida, ela pra se estabelecer conta com condições que se articulam internamente de

maneira necessária. A ideologia sempre toma o resultado de um processo de maneira

invertida, o fim pelo começo, o determinante como determinado, assim se admite os que

são desiguais, simplesmente porque Deus os fez assim: desiguais, ou então pela

Page 10: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

10

desigualdade social que é produto da situação social e não porque é fruto da relação

social.

O imaginário social reproduz a ideologia, transformando em um conjunto

coerente, lógico e sistemático da idéias que funcionam como representação da realidade

e como normas e regras da conduta e do comportamento, unindo isso temos um tecido

de imagens que explicam a realidade, e dizem como toda a sociedade deve pensar, falar,

agir e sentir. A ideologia assegura que todas as formas de entender a realidade e de se

comportar diante dela, passam pelo mesmo crivo de idéias que explicam e controlam a

sociedade.

A ideologia não é o resultado de uma vontade deliberada de uma classe social

para enganar a sociedade, mas é o efeito necessário da existência social da exploração e

dominação, é a interpretação imaginária da sociedade do ponto de vista de uma única

classe social.

Se por um lado a ideologia se mostra um sistema de idéias criadas pra

dominação de uma classe sobre a outra, vemos na outra tangente a utopia que surge

como uma alternativa, como contestação das realidades sociais dadas, Carl Mannhein,

em seu livro “Ideologia e Utopia”, mostra como se forma a utopia, como ela se encadeia

dentro da realidade da qual se insere, considerasse utopia nessa perspectiva

“Todo estado de espírito que volitivamente se mostre diferente

do estado de realidade dentro do qual ocorre” (Mannheim,

1986, p. 216).

Segundo Antonio Rufino a utopia faz parte da estrutura histórica do homem,

porém,

“A utopia não é desejada por todos, ela é desejada apenas por

aqueles que estão insatisfeitos com a sociedade existente e cuja

insatisfação assuma uma certa radicalidade”(Viana,2008,p.1).

A utopia concreta, ou seja, realizável, é uma “consciência antecipadora”

(Bloch, 2005).

Karl Mannhein chama atenção para o fato de não podermos considerar como

utópico todo estado de espírito que esteja em incongruência com a situação imediata e a

transcenda. No caminhar da história os homens se preocupam mais com os elementos

que transcendem a realidade, do que com as imanentes a ela, dentro desse quadro há o

controle das idéias e interesses situacionalmente transcendentes , para manter a ordem

vigente e não afetar o status quo.

Page 11: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

11

As utopias sempre pretenderam construir novas realidades, resgata-se o sentido

de utopia, como pondera Nildo Viana(1991,p.4)

“A utopia, sendo um projeto, é um sonho, um plano, um desejo,

voltado para o futuro. Utopia e futuro são inseparáveis. Pensar

a utopia é pensar um futuro radicalmente diferente do

presente”.

O termo utopia foi forjado por Thomas More, como concepção de uma realidade

que não existe, mas que poderá a vir existir, a utopia nasce com os olhos no futuro, as

utopias tem duplo caráter um é o afirmativo e outro negativo. O negativo é a critica a

sociedade, em contrapartida o afirmativo é o projeto de uma nova sociedade, neste

sentido o futuro e a utopia são coisas inseparáveis.

As utopias surgem a partir do momento que os indivíduos rompem com as

legitimações tradicionais,

“O caráter transformador da utopia revela-nos que existe, entre

crise e utopia, uma relação profunda: toda a utopia é,

simultaneamente, quer um sintoma da crise, do viver dum certo

mundo como crise, quer a forma imaginaria (o que não significa

“irrealizável” ou “ilusória”)de superação dessa crise. Por isso,

a cada sociedade corresponde a sua utopia, não há utopias a-

históricas”(Serra,2007,p.7).

Na esteira ainda de Mannhein podemos ver que as determinações concretas do

que seja utópico procede sempre de um certo estágio de existência, é possível que as

utopias de hoje venham a ser realidades de amanhã “Utopias são verdades prematuras”,

por isso não podemos desqualificar as utopias, simplesmente porque a realidade nos

mostra algo parece impossível de ser superado, todavia, são imprescindíveis que

existam condições materiais para a concretização da utopia, superando, assim, as

atitudes abstratas por atitudes concreto-revolucionárias.

As classes sociais somente se tornam eficientes na transformação da realidade

histórica, quando suas aspirações encontram-se encarnadas em utopias apropriadas para

a situação em mudança. O pensamento desiderativo sempre figurou nos assuntos

humanos, quando a imaginação não encontra sua satisfação na realidade existente busca

refúgios em lugares.

Ernest Bloch demonstra que o espírito utópico, embora pareça estar

desvinculado da realidade, enxerga que o “aqui e agora” é objeto de preocupação da

Page 12: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

12

utopia, por isso a utopia sempre se lança a uma critica do presente, o homem não pode

ser desvinculado da construção utópica a isso Bloch chama de “homem situado”, que

está ligado às questões político-econômico-tecnológicas, então a partir disso a utopia é

engendrada a partir de uma ética material de vida, criada a partir das vitimas, que

segundo Enrique Dussel são capazes de superarem a historia e criarem o novo, deixando

de lado as concepções idealistas onde o futuro é esperado sem o devido trato com o

presente, sem ser levado em consideração.

Segundo a linha de reflexão de Bloch, a utopia não é algo fantasioso, simples

produto da imaginação, mas possui uma base real, com funções abertas à reestruturação

da sociedade, obrigando a militância do sujeito, engajado em mudanças concretas,

visando à nova sociedade. É, por isso que, ao analisar a relação entre marxismo e

antecipação concreta, Bloch afirma que

“Engajar-se no pensamento do que é justo é uma determinação

que precisa persistir mais do que nunca” (Bloch,v.

II,1991,p.174).

As condições sócias que dão direção ao futuro, e a esperança é fundada na práxis

histórica, a partir da crítica e análise do real e da relação entre presente e passado. Para

Bloch a esperança não é algo psicológico, mas sim uma determinação da realidade

objetiva, a esperança se encontra na insatisfação do homem diante a sua condição

histórico-social, confrontado com os antagonismos e contradições do presente, e deste

confronto que confere à esperança a concretude, aí que os absurdos do mundo são

explicados, nas próprias contradições históricas da humanidade, nessa perspectiva o

“novo”, deixa de ser esperado comodamente, e passa a ser buscado com afinco, de

forma a superar o status quo, como precisa Antonio Rufino

“é a esperança animando todo o movimento social dos

oprimidos, pois eles sabem que algo melhor é possível. A

esperança é instrumento objetivo, ajudando o homem a superar

o medo das conseqüências de um possível ato libertador, além

de ajudá-lo a superar a atitude niilista de negação do

mundo”(Rufino,2003,p.4).

A esperança atuando sobre uma realidade objetiva que virá, permite ao homem

uma saída para o futuro. Para Bloch,

“o marxismo foi o único que promoveu a teoria prática de um

mundo melhor, não para esquecer o mundo presente, como era

Page 13: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

13

comum na maioria das utopias sociais abstratas, mas para

transformá-la em termos dialéticos-econômicos”(Bloch,

III,1991, p.456).

O processo pelo qual passa as utopias nos conduzem à transformação da

realidade, entretanto não são todas as forças ou idéias que podem adotar uma função

utópica, mesmo porque as situações externas que combatem as utopias podem mudar a

forma e o conteúdo das mesmas, é importante notar que a utopia surge nos campos da

vida social vinculados a estágios históricos, atinentes a particulares estratos sociais,

segundo Mannhein a concepção utópica não pode ser de apenas um individuo, já que o

mesmo sozinho não pode irromper com a situação histórica e social, segundo Mannhein

“quando, sob esta forma, reflui de volta ao horizonte de todo o

grupo, sendo por este traduzida em ação, somente então pode a

ordem existente ser desafiada pela luta por outra ordem de

existência”(Mannhein,1988.p.230).

É no horizonte de uma criação transformadora que Mannhein, evoca o exemplo

dos anabatistas que uniram forças contra à ação opressora dos estratos superiores da

sociedade, a idéia de um reino terrestre de uma terra sem males, sempre conteve

tendência revolucionária, esse é um caso emblemático, onde um extrato religioso

propõe de forma clara uma mudança de paradigmas as aspirações deixam de ser

extraterrenos e assumem uma compleição mundana, como diz Mannhein

“Sentia-se que eram viáveis, aqui e agora, e infundiam um ardor

singular à conduta social” (Mannhein,1988,p.30).

Segundo Mannhein a “espiritualização da política”, começava a afetar as

correntes da época, é graças a tensão espiritual que se acelerava o crescimento da

mentalidade utópica originada nos estratos oprimidos da sociedade, é neste ponto que a

utopia tem sua finalidade mundana, em contraste com o fatalismo dos acontecimentos

como são, ou sendo controlados por alguém acima.

Toda essa situação revalorizou as tendências espirituais que se fundiram aos

movimentos práticos que há muito se desvinculavam aos movimentos revolucionais

práticos, ao invés da preocupação que anteriormente transcendia a vida, passamos a

operar com as preocupações imanentes a condição terrena dos indivíduos, assim diz

Mannhein

“o impossível faz nascer o possível, e o absoluto interfere no

mundo e condiciona os acontecimentos efetivos. Esta forma

Page 14: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

14

fundamental, a mais radical de utopia moderna, foi conformada

a partir de um material singular. Correspondeu à fermentação

espiritual e ao excitamento físico dos camponeses, de um estrato

que vivia o mais próximo da terra. Era ao mesmo tempo

robustamente material e altamente espiritual”(Principio

Esperança,v I, p. 237).

Esse movimento se legitima dentro da perspectiva da utopia, porque introduz

elementos de inconformismo com a realidade presente.

Marx ao analisar a religião, analisa a dissolução, faz a elaboração da ciência do

capital, e dirige seu olhar para os horizontes futuros, em busca de uma sociedade sem

oprimidos e sem opressores. Marx procede sua analise num procedimento

rigorosamente materialista de análise, onde o sistema só conhece o poder dos fatores

materiais.

Marx travou discussões, e chegou a conclusão de que a religião não tinha culpa

das mazelas do povo, a religião não era culpada pela simples razão de que ela na fazia

diferença alguma, porque ela não era causa mas sintoma apenas, as idéias não são as

causas da vida social mas sim efeitos Marx dizia que “não é a consciência que

determina a vida, é a vida que determina a consciência”(Marx), o pensamento de Marx

invade os horizontes da utopia, a religião para Marx surge no momento que os homens

trabalhando, sob condições que não escolheram, fazendo dos seus corpos um mundo

que não desejam, é daí que surge a religião como utopia, mas também surge como

ideologia ilumina com ilusões que consolam os fracos e legitimações que consolidam os

fortes,

“a religião é a teoria geral deste mundo, seu compêndio

enciclopédico, sua lógica em forma popular, sua solene

completude, sua justificação moral, seu fundamento universal

de consolo e legitimação”.(Marx,1981.p.76)

Quanto o oprimido, do profundo do seu ser diz “É a vontade de Deus, cessam

todas as razões, as injustiças se transformam em mistérios de desígnios insondáveis, e

sua miséria, uma provação a ser suportada com paciência, em contrapartida os

poderosos usam as mesmas palavras, e invocam os poderes da divindade com cúmplices

da guerra.

Nada se altera, nada se transforma, mas sobre todas as coisas dos homens

coloca-se sua mão

Page 15: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

15

“ religião expressão de sofrimento real, protesto contra um

sofrimento real,suspiro da criatura oprimida, coração de um

mundo sem coração, espírito de uma nova situação sem espírito,

ópio do povo”(Marx,1981,p.105).

É assim que as palavras de sofrimento se transformam em balsamo provisório

para a dor que ele é impotente para curar. Marx coloca que as pessoas não podem ser

convencidas a abandonar as idéias religiosas, porque elas são sintomas, e se elas as tem

é porque a situação as exige, é necessário que a situação seja mudada, para que as

ilusões desapareçam.

Peter Berger aponta que a religião é feita por homens e o “produto religioso” é o

resultado de uma atividade humana de construção de mundo, a religião nesse prisma é

órgão construtor da sociedade que reproduz a ordem, tornando plausível e duradoura as

construções sociais da realidade, desvenda-se o caráter propriamente ideológico da

religião, que obedece as leis de expansão e a mesma lógica do capital.

Page 16: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

16

1. Sociedade e Mudança no paradigma político e social da Igreja

1.1-Converta-se o indivíduo e a sociedade se transformará

No seu livro Protestantismo e Repressão, Rubem Alves mostra que a idéia do

protestantismo brasileiro para transformar a sociedade brasileira, era converter todos os

indivíduos ao protestantismo. Significando que havia um projeto para a sociedade e

nessas palavras está um projeto, ingênuo, por certo de cunho individualista também;

mas, ainda assim, havia uma maneira de enxergar a sociedade e de relacionar-se com

ela. Teólogos protestantes como Richard Shaul, Rubem Alves e outros, percebiam a

insuficiência de uma teologia que não fosse pensada a partir da realidade social

brasileira, essa foi a tônica do novo pensamento protestante, que se erigia no novo

quadro do pensamento teológico brasileiro. Essa transformação teológica acompanharia

as mudanças pelas quais o país passava em sua estrutura econômica e urbana.

Sabe-se que a industrialização do país apresentou descontinuidade, ocorre o

que se chamava de industrialização por substituição; como caracteriza Maria Conceição

Tavares, a economia brasileira havia passado por uma fase “primaria exportadora”,

seguida por uma “substituição de importações”, a primeiro momento os olhares se

concentravam na dinâmica de exportações de produtos primários, entretanto com os

problemas econômicos como a Grande Depressão e a I Guerra Mundial, o país se volta

a buscar o mercado interno, procurando produzir os bens que eram importados, já que

as necessidades supridas pelas importações não eram mais satisfeitas, inicia-se

tentativas de produzir internamento o que era importado,era um novo modelo de

crescimento. A federação era dominada pelas oligarquias cafeeiras.

Embora débil, a industrialização no inicio do século XX começava a indicar

uma possível classe média que, basicamente, ainda nem se apresenta em movimento

como a coluna prestes. Esses movimentos com ideais liberais tinham certamente alguns

pontos de contato com o protestantismo chegado no pais. Boris Fausto lembra que

houve uma certa radicalização das reivindicações tenentista após 1930, passando a

“propor a nacionalização dos bancos estrangeiros, das minas e

queda de água, o combate gradativo ao latifúndio, reformas na

área trabalhistas, como a instituição do salário mínimo,

proteção da mulher e do menor, limitação da jornada de

trabalho”(FAUSTO, 1990,p.248).

Page 17: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

17

Embora o protestantismo tenha se desenvolvido inicialmente no mundo rural

(Mendonça, 1978), podemos perceber nesse momento uma relação de grupos sociais

protestantes com as idéias presentes no movimento de inspiração liberal. Em São Paulo,

o Mackenzie College, instituição presbiteriana, tornou seu campus em um hospital de

campanha apoiando a revolução constitucionalista e, no Rio de Janeiro, em 1932,

quando o país se preparava para eleger os representantes para a nova Constituinte, um

manifesto assinado por vinte pastores de diferentes denominações lança um manifesto:

“Memorial dirigido aos crentes Evangélicos de todo o Brasil”. No memorial são

lançadas sugestões para o funcionamento político e social do país. Tal manifesto foi

publicado nas páginas de “O Puritano”:

“Urge abandonar de vez a atitude de simples observadores,

atitude de expectativa, de aparente bem-estar, de indiferença e

comodismo! [...] Urge que a vos dos evangélicos de todo o

Brasil se faça ouvir por aqueles que vierem a compor a

Assembléia Constituinte.[...] Os abaixo assinados vêm pedir aos

ministros, aos oficiais de igrejas, aos crentes professos de

ambos os sexos, aos amigos do Evangelho, em todo o Brasil,

que, sem perda de tempo, se qualifiquem como eleitores e

adotem os seguintes pontos básico de orientação cívica”. (O

PURITANO,1932, p. 3).

Quanto à ordem política, defende-se: 1) a forma presidencialista republicana,

2) a verdade eleitoral absoluta, baseada no voto secreto;3) “Justiça popular, rápida e

gratuita”; 4) “completa laicidade do Estado e, conseqüentemente, a do ensino oficial”.

Quanto a ordem social, propõe: 1) absoluta liberdade de pensamento e sua

manifestação; 2) regime cooperativista nas relações entre operário e patrão, participação

dos empregados nos lucros, assistência medica e judiciária; 3) proteção a família, com o

casamento civil gratuito, divorcio, reformatórios para mulheres, cuidado com a infância

e velhice; 4) educação popular obrigatória para todos, com programa mínimo nas

escolas de todo o pais, instrução secundaria, profissional e superior acessível aos menos

favorecidos; 5) pacifismo.

Em 1933, reuniu na sede do Partido Democrático Socialista e no Salão Alvaro

Reis, da Igreja Presbiteriana, no Rio de Janeiro, o “Congresso Regional Pro Liberdade

de Consciência”, sendo eleito presidente o pastor presbiteriano Mattathias Gomes dos

Santos. Os assuntos discutidos foram: nacionalização do clero; laicidade do estado;

Page 18: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

18

partidos políticos estrangeiros; laicidade do ensino oficial; racismo; divorcio; a mulher e

a política; reacionarismo do clero católico (O PURITANO, 1933, p.10).

O partido Democrático Socialista ou Partido Democrático Social teve sua

fundação noticiada pelo Diário de Noticias, em 1931, sendo comentado por Mattathias

G dos Santos em O PURITANO, porque ele notou que

“os pontos fundamentais [...] coincidem perfeitamente com as

aspirações do protestantismo brasileiro, em matéria de

renovação política e social do Brasil”.

Os pontos coincidentes se referem a ampla defesa das liberdades para todos,

como os protestantes já buscavam, “sem cogitar de religião”. Os princípios são:

governo parlamentar; honestidade eleitoral; justiça popular e gratuita; laicidade

completa do estado e do ensino oficial; liberdade de pensamento e sua manifestação;

socialização do capital e trabalho, com regulamentação do trabalho da mulher e do

menor; casamento civil gratuito, divórcio, proteção a mulher e assistência a infância;

extinção do analfabetismo; “extinção do parasitismo militar”(O

PURITANO,1933,p.10). São, como se observa facilmente, conclusões semelhantes

aquelas do Congresso Pro - Liberdade de Consciência.

Havia, portanto, um projeto para a sociedade baseado no ideal liberal.

Acreditava-se que um povo livre política e religiosamente formaria uma nação próspera,

especialmente se os indivíduos se convertessem a Jesus Cristo. Surgiria, no entanto, um

novo modo de perceber e interpretar teologicamente a sociedade, pois as próprias

condições da sociedade brasileira apresentava grandes e rápidas transformações.

1.2-A responsabilidade social da Igreja e do cristão

As mudanças no país serão cada vez mais acentuadas no decorrer do século

XX. O processo de industrialização que recebeu grande impacto no período de Getúlio

Vargas iria transformar as cidades e a política do país, embora, ainda em meados do

século, a indústria não exercesse papel tão determinante na cena política, a qual

continuava dominada pelos fazendeiros e comerciantes mas que vinham perdendo a

influência frente a indústria. Os operários estavam começando a ter alguma

organização, mas ainda não tinham tanta influência por estarem desarticulados e por

serem relativamente um grupo pequeno. Mas, as transformações se processariam cada

vez mais rapidamente. Getúlio Vargas elaborou Plano Quinquenal com propostas

objetivas de investimentos na indústria, transportes e energia, além de criar, em 1952, o

Page 19: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

19

Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico para implementar e financiar o

desenvolvimento do país. Com Juscelino Kubitschek foi proposto o crescimento de

cinqüenta anos em cinco.

Cresce no país, como em toda a America Latina, o chamado populismo, o que

nos dá uma visão também do crescimento urbano do pais, pois, sem a marcante

presença da cidade os lideres chamados de populistas não teriam a mesma condição de

atuação e de exercer o domínio carismático que tiveram.

As mudanças drásticas nas décadas de cinqüenta e sessenta obrigariam a igreja

protestante a se manifestar. Porém, nem todo o protestantismo aliou-se numa mesma

linha de pensamento e de interpretação da sociedade e da teologia, mas o que foi

formulado nesse período constitui-se em importante reflexão sobre a igreja e a

sociedade que deve ser transformada a luz do evangelho. Nesse ponto é importante a

Confederação Evangélica do Brasil (CEB), através de seu setor de Responsabilidade

Social. A CEB foi fundada em 1932, fruto de outros esforços anteriores que procuravam

fazer do protestantismo um agente importante na sociedade brasileira. A dissertação de

Paulo Goes, do Individualismo ao Compromisso social - A contribuição da

Confederação Evangélica do Brasil para a articulação de uma ética social cristã, dá bem

uma amostra, só pelo titulo, da mudança de paradigmas pelo qual passava o

protestantismo brasileiro com relação ao pensamento teológico acerca de política e

responsabilidade social. Deve-se lembrar aqui, ainda, que o pensamento de brasileiros,

em geral bastante ligados a CEB, foi fundamental na constituição do movimento ISAL –

Igreja e Sociedade na America Latina, também engajada na luta por alcançar um

pensamento teológico que desse parâmetro adequados aos protestantes para participação

na transformação da sociedade.

A CEB criou, em 1955, o Departamento de Estudos e, dento deste, a Comissão

Igreja e Sociedade. Um dos motivadores para essa atividade foi o CMI – Conselho

Mundial de Igrejas que realizara sua segunda Assembléia em 1954 e que contou com a

presença de alguns brasileiros que se sentiram de tal modo encorajados, que retornando

ao pais, logo começaram a propor a criação desse Departamento que depois se

transformaria no Setor de Responsabilidade Social. As reuniões do Setor eram bastante

dinâmicas, como se pode observar pela documentação que deixou. Muitos protestantes

dessa época não tiveram medo ou vergonha de se encontrarem com intelectuais de

primeira linha do pensamento brasileiro e ouvir deles a avaliação sobre o pais e a

avaliação (ate negativa se fosse o caso) sobre as igrejas e sua importância e participação

Page 20: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

20

social. Nomes como os professores da USP Almeida Junior, Florestan Fernandes, Jose

Francisco Camargo e Walter Schutzer (este na verdade, protestante), estiveram já na

segunda reunião de estudos do Setor. Outros como Gilberto Freyre, Celso Furtado, Paul

Singer, Juarez Brandão Lopes se fizeram presentes na grande reunião em Recife em

1962. Ouvindo atentamente as avaliações dos intelectuais, os protestantes propunham-se

a debater o papel da igreja cristã, especialmente daqueles protestantes, no contexto

estudado.

Os temas dos encontros já são por si mesmo um diagnóstico importante das

preocupações e de como houve uma mudança no modo de se fazer uma teologia

engajada na sociedade: “I Reunião de Consulta sobre a Responsabilidade Social da

Igreja”, em 1955; “A Igreja e as Rápidas Transformações Sociais”, em 1957; “Presença

da Igreja na Evolução da Nacionalidade”, em 1960; e a quarta e última reunião ocorrida

em Recife, em 1962, teve como tema “Cristo e o Processo Revolucionário Brasileiro”.

Vê-se, assim, que o ponto de partida para a tarefa teológica não é mais nenhum tipo de

pensamento abstrato ou metafísico, mas são as circunstâncias cotidianas, os problemas

sociais, pois é na sociedade que os membros da igreja estão vivendo, e é esta mesma

sociedade que deve ser transformada pelo poder do evangelho. Não se trata apenas de

converter o indivíduo para transformar a sociedade, mas tratar a sociedade como um

todo, como passível também de ser evangelizada tanto nos seus indivíduos como em

suas estruturas políticas e econômicas.

Essa mudança paradigmática já se encontrava embrionariamente na década de

trinta. Ao final da década de 1930, um jovem pastor presbiteriano, que fora estudar na

Europa, Wilson Fernandes, começou a levantar questionamentos e a argumentar,

propondo uma teologia feita a partir desta terra e deste povo, e não simplesmente

copiando o que era feito na Europa e nos Estados Unidos, como os protestantes

brasileiros vinham fazendo desde o inicio:

Se tudo é diferente por que levantar no Brasil problemas que só

interessam particularmente a outros povos?Por que em vez de

imitar e importar não auscultamos as nossas necessidades e não

fazemos nossa teologia? Se devemos de ler e conhecer o que se

passa no estrangeiro sobre teologia porque é útil, também

devemos de cogitar de fazermos a nossa teologia sugerida pelas

necessidades da nossa igreja e do nosso povo. A grande

preocupação do momento é fazer uma teologia prática que

Page 21: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

21

irradie calor divino destinado a reanimar e vitalizar as partes

glaciais e mortas da sociedade(FERNANDES,1938, p.1-2).

Assim, a teologia passa a fazer sentido como busca para encontrar ação

relevante diante da sociedade. Havia, por aquele tempo, uma exacerbação do sentimento

nacionalista. A segunda grande guerra estava prestes a começar. Buscava-se em cada

nação lutar contra tudo que representasse a interferência estrangeira, enaltecendo as

condições e capacidades autóctones. A igreja, inserida como é em uma realidade social,

embora nem sempre muito consciente disto, também luta por nacionalizar a teologia. O

desafio de Wilson Fernandes para uma teologia dinâmica, como busca constante, como

tentativa de resposta as necessidades de um povo, é como uma pequena fonte que junto

de outras formaram o caudaloso movimento acerca da responsabilidade social da Igreja

nas décadas de 1950 e 1960.

Outro elemento que pode ser alistado como formulador desse pensamento se

encontra na criação da revista Fé e vida (depois Unitas). Empreendimento

interdenominacional, a revista tinha objetivos ousados de se apresentar perante a

sociedade brasileira com discussões de primeira linha acerca da religiosidade, a

psicologia aplicada as questões sociais, relacionando a teologia à cultura da época.

Importante para nossa discussão é que a revista apresentou desde os primeiros números

uma seção chamada “Problemas Sociais”, onde por muito tempo o presbiteriano João

Del Nero, juiz de direito, foi o responsável e principal articulista. Paulo de Góes avalia

bastante positivamente a contribuição de João Del Nero, tendo-o como um dos

predecessores da formulação de uma ética social cristã no protestantismo brasileiro.

Embora ainda não tivesse propriamente saído do escopo liberal, sua pesquisa incessante

e sua avaliação do problema social, considerando teólogos e cientistas sociais

contemporâneos destacados, foram “um grande avanço para a época”, como diz Góes

(1989, p.95-107), com o que se pode concordar.

Retomando a década de cinqüenta deve-se relatar a importância de Richard

Shaull, que esteve ativamente presente com o professor do Seminário Presbiteriano do

Sul, membro do Setor de Responsabilidade Social da CEB, um dos promotores do

ISAL, e como líder da UCEB. Este teólogo ajudou a formular um pensamento que desse

conta dos problemas sociais,mesmo que isso implicasse mudanças na Igreja:

A tarefa de atualização da nossa mensagem e de relacioná-la

com a vida latino-americana pode exigir de nós mudanças em

Page 22: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

22

muitos aspectos do programa das nossas igrejas, especialmente

na educação teológica, tanto de pastores como de leigos

(Góes,1989, p. 14).

Nessa nova estrutura da Igreja o que deve ser buscado e enfatizado é a

experiência de uma nova comunidade ou, dizendo melhor, de uma comunidade

resgatada da experiência mesmo mais primitiva do cristianismo.

A igreja Cristã, desde os primórdios começos, foi uma Koinonia,

um grupo cujos membros partilhavam as alegrias e tristezas uns

dos outros, a mesma fé, a mesma esperança, e até as posses

materiais. A recuperação desta verdadeira Koinonia cristã é

indispensável para a revitalização da Igreja em nossos dias, ela

também pode ser a única expressão de cristianismo que

sobreviva em um mundo totalitário (Shaull,1963,p 100).

A igreja precisa descobrir como dar forma as relações

comunitárias que temos em Cristo, numa situação em que todas

as estruturas, até as mais primárias, perderam a importância

que tinham outrora. Isto quer dizer que, na igreja local,

precisamos descobrir de que maneira pessoas que crêem em

Cristo e se relacionam na vida diária – na família, no trabalho,

no lugar onde mora, etc, - podem expressar esta riqueza de

vida que Cristo lhes oferece em comunhão umas com as

outras(SHAULL, 1963, p.79-80).

Os jornais e revistas tiveram um papel bem importante entre os protestantes.

Além de dar um senso de unidade e de pertença as comunidades das regiões mais

distantes dos centros denominacionais, faziam circular as idéias. Lembremos que sua

herança fazia com que entre os protestantes o índice de analfabetismo fosse bem menor

do que na população do país em geral, o que indica o apego com a palavra escrita

presente nessas comunidades, afinal, ler a Escritura sagrada e os cânticos era parte

essencial da liturgia do mundo protestante. Por isso apresentam-se a seguir alguns

exemplos dessa literatura denominacional que circulava entre os grupos protestantes.

O jornal O Puritano noticia com destaque e com foto a criação do

Departamento de Estudos da CEB, da Comissão de Igreja e Sociedade e sua primeira

Reunião de Consulta sobre a Responsabilidade Social da Igreja (O PURITANO, 1956,

Page 23: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

23

p.4). Daí em diante, as Reuniões de Estudos, atividades e os materiais produzidos são

noticiados com ênfase, muitas vezes na primeira página.

José Borges dos Santos Jr, então Presidente do Supremo concilio da Igreja

Presbiteriana, professor no Seminário e dirigente de programas de rádio, escreve um

artigo, em 1957, sobre “A Responsabilidade Social da Igreja”, quando a Comissão da

CEB realiza sua segunda Reunião de Estudos. Enaltece a reunião e o preparo esmerado

da mesma e defende uma ampla participação da Igreja nas questões sociais:

Não hesito em dizer que uma igreja fora do mundo [e uma igreja

que desertou. Não hesito em afirmar que o lugar da Igreja é no

mundo, bem como insisto em dizer que é indispensável trazer o

mundo para dentro da Igreja. Sim, é preciso trazer o mundo para

dentro da igreja, porque só a Igreja, como instrumento do poder

e da graça de Deus, tem recursos para salvar o mundo, isto é a

política, a indústria, a lavoura, o trabalho e tudo aquilo que é do

homem. Se fosse para ficarmos alheios, o Senhor não teria

pedido ao Pai: ‘Não rogo que os tires do mundo, mas que os

livre do mal’.

Só há um meio de orientarmos a Igreja com inteligência,

eficácia e aproveitamento de forças na sua ação e influência

sobre os problemas reais que a defrontam no Brasil: estudar o

assunto.

De que modo, sem comprometer a sua pureza, sem arriscar a

sua dignidade e sem perder a sua liberdade, pode e deve a Igreja

influir nos problemas que afetam e afligem o nosso povo?Esse é

o problema. Evangelizar não é preparar e rotular um homem de

modo que ele fique pronto para ser despachado para o outro

mundo quando chegar a sua vez. Como homens de coração

convertido a Jesus Cristo temos o dever de levar para todos os

setores da vida humana o reino de Deus e a sua influência.

Está na hora da Igreja evangélica do Brasil tomar consciência e

desobrigar-se, valorosamente, da sua responsabilidade social(O

PURITANO,1957, p.1-2)

Em 1962, a IPB reuniu-se em seu Supremo Concilio, no Rio de Janeiro e,

enfim, elaboraria o “Pronunciamento Social da Igreja Presbiteriana do Brasil”, que

Page 24: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

24

havia sido solicitado e do qual muito se falou pelo jornal da igreja. O credo foi

publicado na integra(BRASIL PRESBITERIANO,1962,p.12), dando forças aos que

defendiam uma participação intensa na sociedade.

Um colaborador assíduo do jornal nas primeiras décadas dos anos sessenta foi

o jovem pastor Rubem Alves. Num de seus artigos assim, se expressou:

Não podemos pensar que Deus despreze o que é humano, o que

é histórico. O seu Reino tem de se estabelecer no nível da

encarnação do Rei. Seu propósito não é nos libertar do mundo,

mas transfigurar o mundo. Não destruir a sua criação seja o

espelho da sua glória. Qualquer tentativa de interpretar o Reino

de Deus simplesmente em termos subjetivos faz violência ao

caráter universal do seu domínio (ALVES,1962,p. 3-4).

A escola dominical é, sabidamente, um dos mais importantes setores do

protestantismo brasileiro para o ensino e a divulgação de idéias. A CEB publicava lições

para o ensino e a divulgação de idéias. A CEB publicava lições para a escola dominical

que serviam a diversas denominações. Depois, os presbiterianos e as demais igrejas

começaram a se preocupar com a elaboração de revistas com cunho mais

denominacional; tal preocupação denota o valor que era percebido na escola dominical.

Alguns exemplos do que se discutia nas classes são apresentados para mostrar a

circulação dessas idéias. Uma lição de 1962 fala sobre “A questão econômico-social”,

com uma linguagem denotando maior engajamento político, avaliando a atuação

governamental, propondo ação dos cristãos perante a situação dramática do país:

“Os recursos estão muito aquém das nossas grandes

necessidades. Exatamente por isto, respira-se o ar de uma

revolução de resultados imprevisíveis” (CURSO POPULAR,

1962,p.42-45).

Na lição seguinte, quando se fala em “Assistência Social”, procura-se avançar

em relação ao assistencialismo, aplicando análises sociais e econômicas para

identificação de problemas e planejamento de ação:

Importa que a Igreja exerça a sua vos profética. É necessário

determinar as causas da pobreza ou do sofrimento, ver que

fatores estão concorrendo para esse estado de coisas. Se as

causas da pobreza e da miséria vêm de desorientação dos

poderes constituídos, a Igreja igualmente deve levantar sua voz

Page 25: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

25

para conclamar os poderes públicos a corrigirem suas falhas

(CURSO POPULAR,1962,p.50).

Alguns meses depois, na lição “O Testemunho Cristão Perante as Autoridades”,

diz que “é de grande necessidade que a Igreja hoje dê seu testemunho diante das

autoridades”, mas esta ação não se faz apenas por testemunho pessoal, individual, pelo

contrário, “a Igreja deve formular declarações públicas e oficiais sobre questões

delicadas que estão em jogo”. Isto porque há sofrimento e pobreza, e

o pobre tem um lugar de destaque na Bíblia. Diante das

calamidades que existem hoje, a caridade individual é quase

inoperante, não pode atender senão a poucos casos. Para os

sofrimentos de origem política, não há senão remédios políticos.

Amar os homens hoje significa agir politicamente. Conservar-se

indiferentemente à política em nossos dias é trair o Senhor a

quem serviremos (CURSO POPULAR,1963,p. 48-53).

A revista destinada aos jovens metodistas, Cruz de Malta, entre vários artigos

que começam a aparecer sobre o cristão e sua responsabilidade social pode-se destacar,

em agosto de 1956, um artigo que falava sobre “O Brasil e o magno problema da

educação política”, chamando à atenção que no país não se encontra um povo ainda

bem preparado politicamente e que muitos políticos disso se aproveitam, cabendo aos

cristãos ajudarem a transformar o quadro (CRUZ DE MALTA, 1956,p.41). Alguns

meses depois, há um desafio aos jovens metodistas para a participação política mais

ampla no artigo “Você e a Política” (CRUZ DE MALTA, 1957, p.43).

Uma série de artigos foi publicada em Cruz de Malta a partir de julho de 1958

com o propósito de estudar “O Caminho da reforma Social”, que era o título do

primeiro deles, com uma contextualização histórica das transformações recentes no

mundo, como as mudanças na comunicação, a segunda guerra mundial, e outras mais. A

seguir, começa a propor as transformações na sociedade com os valores do evangelho

defendidos nos artigos seguintes: “A necessidade de uma revolução”, “O método da

Revolução Social”, “A verdade vos libertará”, “Porém, eu vos digo”, “O papel da

religião na Reforma Social”(CRUZ DE MALTA,1958).

O jornal o Expositor Cristão, órgão de comunicação oficial da Igreja

Metodista, também procura desenvolver o tema. Como exemplo, temos reportagens

sobre a Assembléia do Conselho Mundial de Igrejas (O EXPOSITOR

CRISTÃO,1954,p.1) e duas delas em edições consecutivas do jornal com o titulo

Page 26: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

26

“Unidos, avançar!”(O EXPOSITOR CRISTÃO, 1954,p.1;1954, p.1) enfatizando a

responsabilidade da igreja em cada sociedade onde está inserida. Em 1956, um artigo

desafiava dizendo que havia chegado “A Hora das Classes Operárias”, reconhecendo

que uma revolução social estava em marcha e que as transformações que a sociedade

necessitava deveriam ser promovidas pela igreja cristã e não pelas forças comunistas (O

EXPOSITOR CRISTÃO,1956, p. 3). Em 1960 apresenta-se a proposta da terceira

Reunião de Estudos da Comissão Igreja e Sociedade e um estudo com o titulo “A tarefa

da Igreja na preparação de uma sociedade responsável” (O EXPOSITOR CRISTÃO,

1960,p. 1 e 7).

Temos, assim exemplos de como no protestantismo histórico, ou missionário,

houve uma mudança de paradigma no entendimento da relação da igreja com a

sociedade e na interpretação da própria sociedade. Passa-se a usar instrumentais das

ciências humanas para interpretar o mundo ao redor e procurar desenvolver uma

teologia que se torne eficiente na transformação dessa sociedade. Mas, nem todos

pensavam do mesmo modo.

1.3-A reação contra o pensamento de responsabilidade social

Nossa proposta é que, sem excluir outras explicações, a reação veio de dois

focos distintos: Primeiro o fundamentalismo teológico do protestantismo brasileiro.

Desde o inicio da mudança proposta houve aqueles que se manifestaram contra as novas

idéias, entendendo que a igreja estaria perdendo o seu sentido espiritual primordial.

O protestantismo cresceu junto com as cidades recebendo muitos que estavam

deixando o campo para compor o cenário urbano. Ora, essa população desarraigada da

terra e de seus símbolos religiosos não tinha condições de participar daquela discussão

que se fazia acerca da responsabilidade social da igreja e do cristão. Era uma discussão

em grande medida de uma elite teológica e intelectual e aqueles chegados do mundo

rural não estavam aparelhados para trilhar os mesmos caminhos. A versão teológica

conservadora lhes parecia mais clara. Isso ajuda a explicar a forte reação à Teologia da

Libertação que, tendo seus primeiros sinais entre os protestantes nos seminário e nas

lideranças intelectuais, foi totalmente rejeitada, tornando-se, aparentemente, uma forma

de pensar católica tão somente.

O segundo foco da reação foi a assimilação da igreja aos valores das classes

médias urbanas. Com a vitória do movimento militar que assumiu as rédeas da direção

política do país, muitos protestantes estavam inscritos entre aqueles grupos médios da

sociedade brasileira que apoiaram o golpe militar. A mesma urbanização que propiciou

Page 27: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

27

uma nova proposta foi a que também possibilitou tal apoio. As classes médias e medias

altas, temerosas da propalada anarquia e do comunismo repressor das liberdades

individuas e econômicas, especialmente, deu seu apoio ao golpe. O temor da perda da

liberdade religiosa em um regime declaradamente ateu, como seria o comunismo, uniu

os protestantes que tanto lutaram no país a favor de uma completa laicização do Estado,

mas que lutaram, também, por uma ampla liberdade para se escolher a religião.

Assim, o fundamentalismo juntou-se aos temores especialmente da classe

media urbana e das elites defendendo o golpe militar. Uma mudança do discurso

acontecerá a partir de então. Essa reação e essa mudança trazem ao menos duas

conseqüências importantes: Primeiro, a dificuldade do protestantismo histórico com os

temas sociais, chegando, quando muito, a algum tipo de assistencialismo como

responsabilidade da Igreja. Perde-se quase todo um discurso que fora elaborado em

diversos setores ecumênicos e no âmbito de instituições teológicas e internamente nas

denominações.

Em segundo lugar, será um dos fatores para a perda de terreno do

protestantismo histórico, especialmente diante do pentecostalismo. Como a igreja não

conseguiu articular uma resposta adequada as questões sociais por um lado, e por outro

lado, dados seu escopo teológico bastante discurso com reduzido espaço para símbolos

do sagrado e para o misticismo, ocorreu um vão por onde muitos membros dessas

igrejas a deixaram, e não membros nem as procuravam, em troca de opções pentecostais

que,se não tinham um discurso bem elaborado quanto a questões sociais, pelo menos

apresentavam uma possibilidade de recuperação do sagrado e do místico.

Page 28: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

28

3. Responsabilidade Social, Revolução e Utopia na práxis Protestante.

O material exposto no capitulo anterior apresentou uma série de estudos

estratégicos da igreja protestante que foi produzido por um grupo de intelectuais que se

envolveram em um projeto teológico diferente do que a igreja experimentara até aquele

momento, que se constituiu um projeto alternativo, diferente daquele que a séculos

havia sido engendrado pela cúpula eclesiológica brasileira, os caminhos nunca antes

percorrido pelo protestantismo brasileiro nos revelaram uma outra maneira de se fazer

teologia, teologia essa focada num cristianismo encarnado, um cristianismo que até o

momento não dava conta dos problemas sociais, políticos e culturais vividos pelo povo

brasileiro.

A partir da análise do material produzido pelos protestantes dentro os quais

podemos falar de presbiterianos e metodistas, os materiais nos mostram uma aceleração

vertical rumo ao amadurecimento da idéia da igreja dentro de uma perspectiva social

mais abrangente que desse conta do indivíduo de forma ampla, em vários segmentos de

sua vida, o protestantismo passava por mudanças com relação ao pensamento teológico

político e responsabilidade social. Para entendermos responsabilidade social do cristão é

importante fazermos uma leitura evangélica desse tema, haja vista que este movimento

tem como cerne a igreja protestante brasileira, conforme expõe Alderi Souza (2003, p.5)

“Em grande parte da história da igreja os cristãos entenderam que o

socorro aos sofredores era uma parte importante da sua vocação no

mundo. Eles não acreditavam que havia qualquer conflito entre essa

preocupação e outros interesses da vida cristã. As diferenças, quando

existiam, referiam-se a questões secundárias como que tipos de

pessoas deviam ser auxiliadas e os métodos a serem utilizados. Foi

somente no século 20 que o envolvimento social da igreja se tornou

um pomo de discórdia, rompendo o consenso que havia imperado por

longo tempo”.

Os leitores bíblicos não podem deixar de perceber o espaço que a bíblia dedica à

temática social. O Antigo Testamento está cheio de preceitos, instituições e narrativas

referentes ao assunto. A própria figura do pobre, do órfão, e de outras pessoas em

situação de risco e desamparo povoam as Escrituras. Quando se chega à literatura

profética, em especial aos chamados “profetas éticos” do século oitavo antes de Cristo

(Isaías, Oséias, Amós e Miquéias), a justiça, a misericórdia e a generosidade no trato

com os sofredores se tornam um tema dominante, quase que onipresente(Alderi Souza).

Page 29: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

29

A partir disso, dessa ética material de vida, criada a partir das vitimas, Ernest

Bloch, demonstra que os projetos humanos tem que enxergar “aqui e agora” deve ter

preocupação com o presente, o homem não pode ser desvinculado da construção utópica

a isso Bloch chama de “homem situado”, que esta ligado as questões político-

econômico-tecnológicas. Essa atitude profética não é a simples promessa de um

ultramundo a-histórico, mas trata-se de um esperança que lança incendiárias fagulhas à

práxis transformadora. Em termos blochianos,

“essa esperança está fundada no impulso humano para a

felicidade e dificilmente poderá ser destruída, e com suficiente

clareza ela sempre foi um motor da história”

(Bloch,apud,Apolinario,2005,p.6).

Jesus retoma essas preocupações e as aprofunda. Sabendo que a religiosidade

judaica havia priorizado três práticas formais – as esmolas, a oração e o jejum – Jesus

corrigiu algumas distorções vigentes, ensinando que a prática da caridade devia ser

humilde, desinteressada e motivada pelo amor. Segundo Alderi Souza(2006,p.1)

“Ao anunciar o evangelho do reino, ele apontou como uma de suas

principais características a sensibilidade diante da dor alheia e a

prontidão em assistir os desafortunados. Ele mostrou isso de modo

magistral através de alguns de seus ensinos mais apreciados, como a

parábola do Bom Samaritano. O ensino apostólico colocou a

beneficência no centro da vida cristã – a misericórdia ou benignidade

; deve-se fazer o bem a todos; a solidariedade deve ir além das meras

palavras ou boas intenções, para manifestar-se em ações concretas. A

instituição do diaconato, uma classe de oficiais voltada

especificamente para a assistência aos necessitados, testifica sobre a

importância desse aspecto da vida cristã.”

Desde os tempos mais remotos os cristãos praticavam a misericórdia, exerciam a

hospitalidade, sem fins lucrativos, faziam coletas para discípulos que passavam

dificuldades, assistiam materialmente os presos,ou os que sofriam perseguição. Em

momentos de agitação social a igreja ajudava as minorias afligidas pela guerra ou

catástrofes, segundo Alderi Souza(2003,p.4)

“a história desse longo período atesta o profundo envolvimento dos

cristãos com o suprimento das necessidades dos seus semelhantes”.

Segundo Calvino Rocha (2003,p.3), sobre a conceituação de responsabilidade

social cristã ele introduz as seguintes palavras:

Page 30: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

30

“O tema reveste-se de profundo significado, ao ser confrontado

com as afirmações bíblicas e ao voltar-se os olhos para a

história da cristandade e ainda, ao constatar-se a crise social,

cujas estruturas encontram-se marcadas e maculadas pelo

pecado e pela injustiça. Referir-se à responsabilidade social da

igreja não significa apenas filantropia, toda ação, por mais

importante que seja,começam no campo da filantropia, e

necessariamente tem que alcançar as estruturas mais profundas

que visem a uma grande transformação. Ao falar sobre

responsabilidade social precisamos ir mais adiante.

Insofismável abarcar os atos de misericórdias e os atos de

justiça”.

Para explicitar o pensamento sobre responsabilidade social a definição de Hélcio

da S. Lessa(1998, p.77) dividi o tema em três categorias: Assistência Social, Serviço

Social e Ação Social. Para facilitar sua definição, Lessa tenta contextualizá-la com uma

história:

Nos idos do escravagismo, alguns cristãos, sensibilizados com

os escravos castigados e violentados no pelourinho, resolviam

ajudá-los com água, pão ou tratamento de suas feridas. Aquela

atitude nobre, que não se relacionava com as causas da

escravatura e mantinha o escravo na mesma situação,

exemplifica o que se pode chamar de Assistência Social.

Na assistência social existe compaixão e manifestações práticas

dessa compaixão. Existe coragem para, mesmo numa ínfima

proporção, confrontar o erro, mas não existe transformação

histórica, o escravo continuará sendo escravo e permanecerá

sofrendo no pelourinho, esperando que uma alma caridosa

venha cuidar de suas necessidades mais urgentes.

Outros cristãos, com uma visão mais aberta, mais ampla, vão

além da assistência. De alguma forma, buscam assegurar a

liberdade do escravo, através de levantamento de recursos para

que ele seja comprado e libertado. Buscar-se-ão mecanismos

para que o liberto encontre um trabalho e possa sobreviver

Page 31: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

31

nessa nova condição. Esse tipo de atitude, por mais louvável

que seja, pode ser chamado de serviço social.

O problema neste tipo de ação, conquanto o senso de

misericórdia tenha ultrapassado em muito a assistência social,

pois neste caso se conseguiu a liberdade e um meio de

subsistência do livre, é que de fato não operou aqui uma

transformação histórica. Resolveu-se o problema de um

escravo, mas a escravidão continuará a passos rápidos

atingindo a outros e estes continuarão a ser espancados,

levados ao pelourinho e muitas vezes violentados até à morte.

Alguns cristãos lançar-se-ão na luta contra a escravatura, para

que se elimine definitivamente a opressão sobre o ser humano.

Ação esta verdadeiramente eficaz, pois as estruturas serão

alcançadas, a instituição escravagista será afetada

significativamente. Agora sim, a possibilidade de uma

transformação histórica se avizinha. Tal atitude pode ser

chamada de ação social.

No bojo da responsabilidade social cabe a igreja a responsabilidade de

empreender uma luta ao lado dos oprimidos contra as estruturas que os dominam, sem

esse aspecto a igreja não pode ser igreja, não é possível a igreja alienar-se. A igreja tem

de estar alerta as injustiças e não se calar diante delas, pelo contrário, fazer com que se

faça justiça, e o ser humano seja tratado com dignidade.

Caio Fábio D'Araújo Filho afirma que: “O Brasil é um país completamente tomado por antagonismos. De um

lado, tem-se uma economia forte, um parque industrial moderno e

uma das maiores riquezas naturais do planeta; de outro lado, tem-se a

sexagésima quarta renda per capita do mundo, uma concentração

econômica na qual urna minoria da população controla cerca de 70%

dos bens do país, e uma dívida social descomunal, caracterizada pela

existência de milhões de miseráveis. Lado a lado, convivem mansões -

copiadas das revistas mais sofisticadas do primeiro mundo – e

casebres feitos de papelões e cheios de tanta sujeira que, nem mesmo

os cães, acostumados à boa vida da casa dos ricos, conseguiriam

neles viver... É dentro deste caldeirão de ambigüidades e

Page 32: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

32

antagonismos, que emerge, vive e acontece a Igreja Evangélica. A

Igreja Evangélica não pode ficar fora de qualquer análise que se faça

desse país”. (Filho,apud,Rocha,2003.p.3)

É em meio a um país em crise que a igreja esta inserida e precisa dar uma

resposta que crie uma alternativa de transformação, foi nessa perspectiva que a CEB se

inseriu e promoveu seus encontros “I Reunião de Consulta sobre a Responsabilidade

Social da Igreja”, em 1955; “A Igreja e as Rápidas Transformações Sociais”, em 1957;

“Presença da Igreja na Evolução da Nacionalidade”, em 1960; e a quarta e última

reunião ocorrida em Recife, em 1962, teve como tema “Cristo e o Processo

Revolucionário Brasileiro”.

É importante notar que o movimento cresce em direção nacional aos

movimentos democráticos que a sociedade brasileira engendrava naquele momento, não

a nível consorcial, as lideranças e movimentos populares não faziam os movimentos em

consorcio um com o outro, mas tinham aspirações similares, não era apenas um

“currículo” despretensioso, mas um “currículo” que andava no curso dos movimentos

de libertação brasileiro, movimentos que podemos inserir nos patamares utópico

brasileiro, nesse momento podemos decifrar o caráter de transcendência desse

movimento na categoria da utopia porque visava um projeto maior, um plano, um desejo

voltado para o futuro, já que utopia e futuro são coisas inseparáveis,o movimento

protestante brasileiro, visava a transcender as matrizes políticas, sociais e humanas do

povo brasileiro, era um movimento que visava a integralidade de um povo, pensando a

realidade a partir dos problemas nacionais, foi a partir de uma busca teológica dinâmica,

como tentativa de respostas ao povo, é que se fez de uma pequena fonte um rio

caudaloso .

Ai se faz a tentativa da revolução que se aplica ao tema para representar

mudanças drásticas e violentas da estrutura da sociedade, essa mudança revolucionária

que é capaz de mudar as estrutura da sociedade, essa mudança revolucionaria que é

capaz de mudar as estruturas ou mexer nas estruturas, que subverte a ordem imperante

na sociedade(Florestan Fernandes). Esse foi o intuito maior do movimento protestante,

propor uma mudança drástica da relação da teologia com a práxis social

A partir disso entendemos que o movimento propõe, na propostas de revolução,

que é mudar o status quo, é fundar outro modelo político, econômico e social,

significando a própria ruptura com o modelo hegemônico, pra se ter a Abolição das

relações de dominação. A principal arma é o dominado entender o que está acontecendo,

Page 33: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

33

assim fica mais fácil defender dos abusos e as violações cometidas pelos donos do

poder, entretanto a discussão ficou estacionada em grande parte na elite intelectual

teológica.

As lutas pela libertação sempre se deram pela batalha de classes subalternas que

precisavam se libertar da tutela que era imposta pelas classes dominantes isso se deu em

vários momentos da história brasileiras.

“A revolução constitui uma realidade histórica a ‘contra

revolução é sempre a seu contrário, não apenas a revolução

pelo avesso é aquilo que impede ou adultera a revolução”

(Fernandes,1989,p 23) .

Florestan Fernandes nos mostra que para se desempenhar tarefas práticas

especificas e criadores, a classe que busca a libertação não pode compartilhar com

outras classes que não estão empenhadas ou que não podem realizar aquelas tarefas sem

se destruírem ou sem se prejudicarem irremediavelmente, a práxis revolucionária passa

incisivamente pela atuação particular de quem se deseja libertar.

Existe a tendência em tornar a revolução em fato “mítico, individualizado e

romântico, existe a convergência de atos para se anular o papel das massas e salientar

figuras centrais, e foi assim que a burguesia criou a tradição que mesmo quando busca

os fatos externos, concentra-o no culto dos heróis e da ênfase aos papeis criadores dos

grandes homens.

O marxismo nunca anulou a importância da personalidade nos processos

históricos, mas sempre buscou fundamentalmente entender a revolução como fenômeno

sociológico de classe. Proclama a utopia, a do seu período de ascensão efetivamente

revolucionária, e prática uma ideologia de mistificação sistemática nas relações entre

meios e fins, indispensavelmente para que pudesse ser modernizadora, em um nível, e

conservadora, reacionária, e ultra reacionária, em outro.

Ernest Bloch fundamentalmente divide a utopia em duas categorias, Abstratas e

Concretas, as utopias abstratas apresentam criticas e alternativas a sociedade, entretanto

são criticas limitadas e os projetos aludidos por elas por vezes atendem a alguns

indivíduos e a pequenos grupos, outro gargalo dessa perspectiva é que a proposta por

eles defendida não encontra possibilidade real de implantação, e também não apontam o

caminho pelo qual passa a sociedade presente para a futura,assim diz Nildo Viana

“O marxismo ocidental de Ernest Bloch classifica a utopia em

dois tipos fundamentais: as abstratas e as concretas. A partir

Page 34: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

34

disso podemos dizer que Morus e Campenella, entre outros

produziram utopias abstratas, pois apesar de apresentarem uma

critica e uma alternativa a sociedade existente, elas

apresentavam criticas muito limitadas e projetos que as vezes

atendiam a caprichos de alguns indivíduos e pequenos grupos

sociais e não aos interesses da coletividade. As suas propostas

de sociedade alternativa chocava-se com a possibilidade real de

implantação na época em que foram escritas. Mas o grande

defeito das utopias abstratas e que lhes caracterizam, segundo

Bloch, é que elas não apresentam como se passa da sociedade

presente para a sociedade futura”.(Viana,1992, p. 3)

Na outra ponta da discussão temos a utopia concreta que para Bloch é, realmente

aquilo que é tangível que se pode alcançar, fora da utopia abstrata,

“a utopia concreta é a teoria revolucionaria que não só é

possível e necessária sua concretização como é provável

resultado do processo histórico”.(Viana, 1992, p.3)

É imprescindível que as condições materiais para a realização da utopia exista,

superando as atitudes abstratas por atitudes concreto-revolucionárias.

“Não se trata simplesmente de instituir um fantasioso

paradigma ideal da sociedade, mas, significativamente, de

levantar uma crítica das condições já postas”

Bloch pondera que o marxismo provocou e construiu a teoria prática de um

mundo melhor, porque para ele, o marxismo não esqueceu-se do mundo presente, como

era costume da maior parte das utopias sociais abstratas, mas sim para transformar a

sociedade em termos dialético-econômico,

“Todo o não-ilusório e o realmente possível nas imagens da

esperança remontam a Marx”(Bloch,apud,Apolinário,2005,p

23).

Bloch revisa a utopia dizendo que ela não é um simples produto da imaginação,

mas pelo contrario ela possui uma base real, com vistas a reestruturação da sociedade,

entretanto a primeira contrapartida do individuo rumo a mudança é o engajamento na

militância, buscando mudanças concretas, é nessa hora que a utopia tem o potencial

para se realizar, quando é realizada coletivamente.

Page 35: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

35

O movimento protestante aludido no capitulo anterior, se mostrou forte no

princípio, entretanto, de pouco longevidade, o movimento não conseguiu sustentar de

forma plena e vigorosa toda a sua envergadura. A partir dessa perspectiva, podemos

inferir que essa tendência não teve solo favorável dentro do protestantismo brasileiro,

por isso podemos o incluir dentro da perspectiva utópica-abstrata, já que não houve

meios exeqüíveis para a tão propalada mudança social, não que faltasse suporte teórico

pra isso, haja vista que o discurso se enquadra na representatividade de um discurso

utópico, não houve uma correlação entre utopia e práxis utópica concreta, é nessa hora

que temos que conferir a práxis em consonância com a esperança, mas uma verdadeira

esperança, fornecer as condições de efetivação da transformação social

(Apolinário,2007), nas palavras de Paulo Freire

“Enquanto necessidade ontológica a esperança precisa da

prática para tornar-se concretude histórica. É por isso que não

há esperança na pura espera, nem tampouco se alcança o que

se espera na espera pura, que vira, assim, espera vã.”

(Freire,apud,Apolinário,2005,p. 5).

Page 36: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

36

Conclusão

Houve, no protestantismo brasileiro, o desenvolvimento de uma teologia que

procurava entender a sociedade e apresentar como a igreja e os cristãos deveriam

relacionar-se com o mundo para transformá-lo. O protestantismo no inicio mergulhado

numa proposta que para transformar o país só era necessário que os indivíduos se

convertessem a verdade evangélica. Entretanto essa idéia se mostraria insuficiente para

transformar a realidade. Descobre-se no evangelho princípios, propostas e apelos à ação

dos cristãos para transformar a sociedade brasileira.

A reação conservadora, fundamentalista teologicamente, das classes médias

urbanas não são capazes de acompanhar a discussão que era feita, levou o

protestantismo histórico a deixar de lado aquela discussão e a perder terreno para os

outros movimentos de cunho pentecostal.

Concluímos que o movimento de responsabilidade social não obteve o êxito que

buscava, por todos esses motivos que expomos acima, e também por não articular de

forma sustentável o projeto de mudança social, desembocando numa perspectiva

utópico-abstrata, já que não propunha uma forma exeqüível de mudança.

Page 37: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

37

Bibliografia

APOLINÁRIO, José Antônio Feitosa. A Práxis no Pensamento Utópico de Ernst Bloch.

Disponível em: http://www.fflch.usp.br/df/cefp/Cefp13/apolinario.pdf. Acesso em 05

dezembro de 2009.

ALVES, Rubem Azevedo. Protestantismo e Repressão. São Paulo. Ática. 1979.

BERGER, Peter. O Dossel Sagrado: elementos para uma teoria sociológica da religião.

São Paulo, Paulus,1985.

BLOCH, Ernest. Principio Esperança. Vol III.São Paulo. Contraponto. 1991.

CONFEDERAÇÃO EVANGÉLICA DO BRASIL. Estudos sobre a responsabilidade

social da Igreja. Rio de Janeiro, Comissão de Igreja e Sociedade.

CHAUÍ, Marilena. O que é ideologia. Coleção Primeiros Passos. Brasiliense.1997.

FAUSTO, Boris. A revolução de 1930. In:MOTA, Carlos Guilherme (Org). Brasil em

perspectiva. Rio de Janeiro. Bertrand Brasil, 1990.

FERNANDES, Wilson. Teologia Moderna. O Puritano, 1968.

FERNANDES, Florestan. O que é revolução. São Paulo.Brasiliense.1990.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança - Um reencontro com a Pedagogia do

Oprimido. Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1992.

GÓES, Paulo de. Do individualismo ao compromisso social. A contribuição da

Confederação Evangélica do Brasil para a articulação de uma ética social cristã. São

Paulo. IMS. 1989.

LESSA, Hélcio da Silva. Missão da Igreja e Responsabilidade Social.São

Paulo.Ediouro.1990.

MANHEIM. Karl. Ideologia e Utopia. São Paulo. LTC. 1986.

MARX, Carl. Ideologia Alemã. São Paulo. Boitempo.2007

MENDONÇA, Antonio G. O celeste porvir: a inserção do protestantismo no Brasil. São

Paulo. Paulinas. 1984.

POSSAS, Maria Silvia. Pensamento Econômico no Brasil Contemporâneo. Revista

Estudos Avançados n.15.2001. Disponível em:

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S01030142001000300028.Acesso em

29 de novembro de 2009.

ROCHA, Calvino. Responsabilidade Social da Igreja. Descoberta. 2003.

SHAULL, Richard. Alternativa ao desespero. 2 ed. São Paulo. Uceb,1963.

________.O cristianismo e a revolução social. São Paulo. Uceb. 1953.

Page 38: TEOLOGIA DA PRÁXIS: IGREJA,UTOPIA E O · PDF fileO movimento de responsabilidade social da igreja e do cristão, se desenvolveu entre intelectuais, mas sofreu forte oposição. As

38

SOUZA, Alderi.Os cristãos e a responsabilidade social. Disponível em:

http://solomon1.com/a/2008/14/os-cristaos-e-a-responsabilidade-social/. Acesso em 1 de

novembro 2009.

SERRA, Paulo. Informação como utopia. Disponível em:

http://www.livroslabcom.ubi.pt/pdfs/serra_paulo_informacao_utopia.pdf. Acesso em 21

de agosto de 2009.

VIANA, Nildo, Quem tem medo da Utopia, Revista Brasil Revolucionário, 1992.

_________,Utopia no universo fictício de Leo Joanon, Revista Espaço Acadêmico, n

96,2009.Disponível em: http://www.espacoacademico.com.br/096/96esp_viana.htm.

Acesso em 12 de setembro de 2009.

VIEIRA, Antonio Rufino, Principio Esperança e a “Herança Intacta do Marxismo” em

Ernest Bloch. Disponível em:

http://www.unicamp.br/cemarx/anais_v_coloquio_arquivos/arquivos/comunicacoes/gt1

sessao6/Antonio_Rufino.pdf.Acesso 1de agosto 2009.

Jornais

Brasil Presbiteriano. Órgão Oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil.

O Expositor Cristão. Órgão Oficial da Igreja Metodista do Brasil.

O Puritano. Órgão Oficial da Igreja Presbiteriana do Brasil.

Revistas

Curso Popular. Periódicos de Educação Religiosa. Confederação Evangélica do Brasil.

Cruz de Malta. Órgão Oficial da Mocidade Metodista do Brasil.

Fé e Vida. Instituto de Cultura Religiosa. São Paulo, SP.

Unitas. Instituto de Cultura Religiosa. São Paulo, SP.