Teologia Dos Sacramentos

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TEOLOGIA DOS SACRAMENTOS Programa do ‘curso’. DOUTRINA GERAL DOS SACRAMENTOS “Os sacramentos do Novo Testamento, instituídos pelo Cristo Senhor e confiados à Igreja, como ações de Cristo e da Igreja, constituem sinais e meios pelos quais se exprime e se robustece a fé, se presta culto a Deus e se realiza a santificação dos homens; por isso, muito concorrem para criar, fortalecer e manifestar a comunhão eclesial; em vista disso, os ministros sagrados e os outros fiéis, em sua celebração, devem usar de suma veneração e devida diligência” 1 . “Celebrados dignamente na fé, os sacramentos conferem a graça que significam. São eficazes porque neles agem o próprio Cristo; é ele quem batiza, é ele quem atua nos sacramentos, a fim de comunicar a graça significada pelo sacramento [...]” (Cat, 1127). Introdução. 1.1. Lugar. Sacramentos são manifestações da vida da Igreja. Por essa razão são tratados em conexão com a eclesiologia. Nela se falou das três manifestações básicas: martyría, leitourgía e diakonía. Sacramentos fazem parte da área da leitourgía. 1.2. A problemática de hoje. Há vários decênios vem diminuindo continuamente a participação de cristãos católicos nos sacramentos em vários países do mundo. Acaso revela-se nisso, ao lado de outras razões, também uma crescente incompreensão? Por outro lado, desenvolveu-se nos últimos anos uma nova compreensão para atos simbólicos, para a linguagem dos gestos, um novo interesse pelo tema “símbolo”. Estaríamos diante aí diante de uma nova chance para a compreensão de liturgia do sacramento? Podem princípios teológicos correspondentes, que desenvolvem a teologia do sacramento a partir do símbolo, ser conciliados com a tradição? Na consciência de fé hodierna a pergunta pela salvação se deslocou: em primeiro plano está menos a preocupação com o futuro depois da morte, e, sim, mais a preocupação com um vida bem-sucedida e com o rumo a ser dado à história da humanidade. Essa mudança também tange a compreensão dos sacramentos, especialmente lá onde, até agora, foram entendidos precipuamente como meio para garantir a salvação no além. A pergunta se impõe com força tanto maior quanto maior a clareza com que se vê o elemento socioprático da fé: Se “evangelização” significa um convite para uma vida engajada em favor dos outros, os sacramentos perdem seu significado? Acaso, na colocação de seus objetivos, pastoral e missão são colocados diante da alternativa: “sacramentalizar ou evangelizar” 2 ? Ou seria possível mostrar uma inter-relação entre celebração litúrgica e prática de vida formadora de história? 1 CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO, 840. São Paulo: Loyola, 1983. 2 F. TABORDA. Sacramentos. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 12. 1

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TEOLOGIA DOS SACRAMENTOSPrograma do curso.

DOUTRINA GERAL DOS SACRAMENTOSOs sacramentos do Novo Testamento, institudos pelo Cristo Senhor e confiados Igreja, como aes de Cristo e da Igreja, constituem sinais e meios pelos quais se exprime e se robustece a f, se presta culto a Deus e se realiza a santificao dos homens; por isso, muito concorrem para criar, fortalecer e manifestar a comunho eclesial; em vista disso, os ministros sagrados e os outros fiis, em sua celebrao, devem usar de suma venerao e devida diligncia.Celebrados dignamente na f, os sacramentos conferem a graa que significam. So eficazes porque neles agem o prprio Cristo; ele quem batiza, ele quem atua nos sacramentos, a fim de comunicar a graa significada pelo sacramento [...] (Cat, 1127). Introduo.

1.1. Lugar.Sacramentos so manifestaes da vida da Igreja. Por essa razo so tratados em conexo com a eclesiologia. Nela se falou das trs manifestaes bsicas: martyra, leitourga e diakona. Sacramentos fazem parte da rea da leitourga.1.2. A problemtica de hoje.

H vrios decnios vem diminuindo continuamente a participao de cristos catlicos nos sacramentos em vrios pases do mundo. Acaso revela-se nisso, ao lado de outras razes, tambm uma crescente incompreenso? Por outro lado, desenvolveu-se nos ltimos anos uma nova compreenso para atos simblicos, para a linguagem dos gestos, um novo interesse pelo tema smbolo. Estaramos diante a diante de uma nova chance para a compreenso de liturgia do sacramento? Podem princpios teolgicos correspondentes, que desenvolvem a teologia do sacramento a partir do smbolo, ser conciliados com a tradio?Na conscincia de f hodierna a pergunta pela salvao se deslocou: em primeiro plano est menos a preocupao com o futuro depois da morte, e, sim, mais a preocupao com um vida bem-sucedida e com o rumo a ser dado histria da humanidade. Essa mudana tambm tange a compreenso dos sacramentos, especialmente l onde, at agora, foram entendidos precipuamente como meio para garantir a salvao no alm. A pergunta se impe com fora tanto maior quanto maior a clareza com que se v o elemento socioprtico da f: Se evangelizao significa um convite para uma vida engajada em favor dos outros, os sacramentos perdem seu significado? Acaso, na colocao de seus objetivos, pastoral e misso so colocados diante da alternativa: sacramentalizar ou evangelizar? Ou seria possvel mostrar uma inter-relao entre celebrao litrgica e prtica de vida formadora de histria?No dilogo ecumnico se tornou mais aguda a pergunta pela forma de ao dos sacramentos: Como se pode falar de sua eficincia sem que surja a impresso de um pensamento mgico? Acaso a confiana no poder dos sacramentos se ope convico de que somente a graa de Deus aceita na f justifica? Estaria a Igreja se interpondo como mediadora da salvao entre Deus e os homens? Isso implicaria a reduo do conceito de Cristo como nico mediador? Certamente est superada (ao menos teoricamente) a contraposio esquematizante de que a Igreja evanglica seria a Igreja da Palavra, e a Igreja catlica, a Igreja dos sacramentos. Como, porm, se deve definir com mais exatido a relao de Palavra e Sacramento?1.3. Conceitos.

Com o vocbulo latino sacramentum se reproduz, com freqncia, desde as antigas tradues latinas da Bblia, o vocbulo grego . Para a Doutrina geral dos Sacramentos, resulta a pergunta pelos critrios segundo os quais deve fazer o levantamento dos enunciados bblicos e do desenvolvimento histrico e apresent-los.1.4. Conseqncias para o mtodo.

Para a apresentao dos dados bblicos e da Igreja antiga encetaremos, dois caminhos na DGS: 1. esboaremos a histria dos significados das palavras e sacramentum e, 2. tentaremos descobrir um pensamento sacramental tambm fora dessa terminologia, isto , testemunhos de corporificao em sinais da salvfica proximidade de Deus e da f que responde a essa proximidade. Nisso, porm, se evidencia imediatamente que a atua certa pr-compreenso de sacramento como interesse orientador do conhecimento.2. FUNDAMENTOS BBLICOS2.1. O termo .O emprego neotestamentrio do termo mystrion deve ser visto sobre o fundo de seu emprego na cultura grega e na apocalptica. No grego, tem a ver, antes de mais, com o culto. O radical significa o fechar dos olhos ou da boca: reao a uma experincia que foge do pensamento discursivo, que no se pode formular em palavras. A pessoa iniciada no culto (o mstico) no participa do evento sagrado de modo intelectivo-racional (...), mais atingido numa camada de experincia mais profunda. Por isso o contedo do culto e do prprio evento cltico chamado de . Para nosso contexto interessam dos aspectos: (1) Um dos mistrios centrais do culto de mistrios a ligao de vida de morte, muitas vezes a vida a ser conquistada por meio da passagem pela morte; (2) o mistrio no concedido por meio de ensinamento racional, e, sim, por meio de experincia; por isso somente a pessoa engajada no culto pode experiment-lo. Somente por meio da prtica de manter os cultos de mistrio em segredo a palavra adquire um significado mais restrito, que, muitas vezes, tambm associado ao termo alemo Geheimnis (segredo): o que silenciado. O significado bsico, porm mais amplo: com mistrio se expressa uma realidade e uma participao nessa realidade, que transcendem a linguagem e o discurso racional.Na apocalptica fala-se de uma variedade de mistrios. Eles so a origem da realidade oculta, transcendente a tudo que e acontece, especialmente daquilo que ser revelado no fim do tempo, o plano divino dos acontecimentos histricos futuros, revelado a determinados videntes em experincias extraordinrias (arrebatamento, sonho, viso), ao qual tambm eles, por sua vez, so capazes de transmitir somente em figuras. Aqui o conceito recebe uma colorao fortemente apocalptica.De modo semelhante tambm deve ser entendida a palavra em algumas passagens neotestamentrias. Assim, por exemplo, o poder escatolgico da ilegalidade (2Ts 2,7), a transformao dos seres humanos por ocasio da parusia de Cristo (1Cor 15,51), a futura histria de Israel (Rm 11,25s) so chamados de mistrio.Para o uso lingstico do NT a concentrao no evento crstico. A vs foi confiado o mistrio do reino de Deus (Mc 4,11). O reino de Deus que irrompe na atuao de Jesus eis o mistrio em si. Ele dado queles que seguem a Jesus. Paulo coloca o acento cristolgico de modo ainda mais expresso. Ele no pretende anunciar outra coisa seno a Jesus Cristo, o Crucificado, o que se tornou Senhor da glria e o chama de o mistrio da sabedoria oculta de Deus (1Cor 2,2.7-8). O mistrio divino, que Cristo, diz Cl 2,2, de modo convincente. Paulo associa esse mistrio comunidade na qual Cristo anunciado. Este o mistrio de Deus entre os povos: Cristo em (no meio) de vs (, Cl 1,27). De modo semelhante, Ef une Cristo e a comunidade: o fato de os gentios serem co-herdeiros, de pertencerem ao mesmo corpo o mistrio de Cristo (gen. caracterizante = o mistrio que Cristo, Ef 3,4-6). A relao em amor, santificadora e purificadora de Cristo com a Igreja, comparvel ao amor entre homem e mulher, ele denomina de grande mistrio (Ef 5,32). Assim resulta uma linha de pensamentos: o mistrio de Deus Jesus Cristo esse mistrio se torna presente na comunidade em que Jesus Cristo anunciado.Em parte alguma do NT o vocbulo relacionado a atos litrgicos. No obstante, as referncias acima expostas so importantes para a doutrina dos sacramentos. Com o auxlio de mistrio pode-se descrever a relao dos sacramentos com o evento crstico e com o mistrio de sua presena na Igreja.2.2. Pensamento sacramental: a corporalidade da histria salvfica.

Com pensamento sacramental quer-se expressar a convico de que a histria de Deus com os homens acontece em eventos, em atos e encontros historicamente constatveis: esse se tornam sinais da proximidade de Deus. Neles Deus se mostra: aos homens, e neles se aproxima deles, transformando-os.A dupla estrutura (mostrar-se dar-se) tambm determina o conceito da revelao como autocomunicao: Deus se doa a si mesmo e mostra, desse modo, como ele : pensamento sacramental significa: Deus se comunica aos homens corporalmente, se torna experimentvel corporalmente. Todavia o fato de ser realmente Deus que age e experimentado no se pode comprovar independentemente da f; pois da experincia sempre faz parte no apenas o evento, mas tambm sua interpretao. Pensamento sacramental o contrrio de pensamento mtico, no qual eventos histricos no tm importncia, porque o divino se d a entender atemporalmente, e do pensamento contemplativo, no qual encontros corporais no tem importncia, porque a comunicao com o divino acontece exclusivamente no interior do indivduo. Toda tradio bblica est fortemente impregnada do pensamento sacramental.2.2.1. No Antigo Testamento.Um sinal central do AT o xodo do Egito. Um evento historicamente constatvel (a fuga bem-sucedida, a travessia do mar, a constituio de Israel em povo) se torna uma decisiva experincia de Deus para Israel: Deus acolhe Israel, liberta, salva e se revela nesse evento como Ihwh, Libertador, Salvador, Deus forte e confivel. A festa anual do pesaH sempre coloca essa experincia na atualidade. Ele , de certo modo, o sinal do sinal: a reiterada narrativa e a repetio no drama ritual lembram o incio da histria com Ihwh, e justamente assim essa histria se torna novamente realidade para Israel.Sinal realizador da dispensao de Deus sobremodo a Torah. Nela se revela a eleio de Israel, com ela Deus possibilita vida bem-sucedida para seu povo na Terra Prometida. Ela no uma palavra vazia, que fosse sem importncia para vs, e, sim, [ela] vossa vida (Dt 32,47; 4,32-40). A Torah lida no culto (Dt 31,10), o sbio a recita para si dia e noite (Sl 1,2), em tempos ps-exlicos, Israel celebra a Torah anualmente na festa da alegria da Torah, por ocasio da qual os rolos so tirados do armrio e so conduzidos em alegre procisso, e recolocados em seu lugar.Estrutura sacramental possuem igualmente os gestos simblicos dos profetas. Elias lana seu manto sobre Eliseu (torna-se seu discpulo, 1Rs 19,19-21); Osias casa-se com uma meretriz, retrata a atitude de Deus com seu povo rebelde (Os 3,1-5; 1,2-9); Jeremias compra um campo, e assim prenuncia um futuro no qual se poder novamente casas, campos e vinhas (Jr 32,6-15). Entre o gesto simblico e a realidade que se quer expressar existe, desse modo, um elo de ligao sacramental. O gesto proftico no apenas um meio de expresso, mas ao carregada de acontecimentos; no apenas um sinal expresso, e, sim, um ato eficiente.Toda a histria de Israel tem carter simblico. Nos processos polticos de sada da escravido, instituio da Lei, tomada da terra e retorno do exlio desenvolve-se uma histria com Deus que liberta, institui uma ordem de vida, d a terra, perdoa e possibilita um recomeo. Em sentido mais amplo, inclusive toda a terra criada pode ser entendida como sinal de Deus, e em especial do homem, criado imagem de Deus (Gn 1,26s). Na criao Deus revela e realiza sua benevolncia.No Novo Testamento.O NT fala do mundo em ambigidade. O eterno poder e divindade de Deus pode ser reconhecido a partir do mundo criado (Rm 1,20); as aves do cu e as flores do campo falam do cuidado previdente de Deus (Mt 6,25-34); mas o gemido da criao fala de sua escravatura e perdio, o mundo encontra-se em dores de parto at o dia presente, ele ainda tem que ser libertado (Rm 8,21s), transformado em novo cu e nova terra (2Pd 3,13; AP 21,1; cf. Is 51,6; 65,17; 66,22).O sinal inequvoco de Deus no NT Jesus Cristo. De suas palavras e obras se pode deduzir o que Deus faz no homem. Por isso os sinticos descrevem com expressiva plasticidade determinados atos de Jesus: ele toca o leproso (Mc 1,41), no culto da sinagoga traz o homem deficiente fsico para o meio (Mc 3,3), leva o surdo-mudo parte, afastado da multido, coloca-lhe os dedos nos ouvidos, toca a lngua do homem com saliva (Mc 7,33), coloca as mos nas costas da mulher encurvada (Lc 13,13): desse modo corporal-concreto Deus se volta para os homens. A comunho de mesa de Jesus, especialmente com os publicanos e pecadores, entendida como sinal de solidariedade, criticada por sua vez pelos escribas e fariseus (Mc 2,15s; Lc 15,2) e interpretada pelo prprio Jesus como sinal de solidarizao de Deus (Mc 2,17; Lc 15,3-32). Nesses sinais, porm, a proximidade de libertao, cura, perdo e congregao realizadas por Deus no apenas representada, nelas ela acontece: Se pelo dedo de Deus expulso os demnios, certamente o reino de Deus j chegou a vs (Lc 11,20).O Evangelho segundo Joo denomina os grandes feitos de Deus freqentemente de sinais (, Jo 2,11.23; 3,2; 4,54; 20,30 etc.) e ainda vai mais uma vez alm do conceito de sinal das narrativas de milagres dos sinticos: o prprio Jesus o grande sinal de Deus. Jamais algum viu a Deus. O nico, que Deus e descansa no seio do Pai, o revelou (Jo 1,18). No homem Jesus Deus se corporificou: (Jo 1,14).Entre os discpulos da comunidade ps-pascal os sinais continuam: Em meu nome expulsaro demnios, [...] e os enfermos aos quais impuserem as mos sero curados (Mc 16,17s; v. 20). At evidencia a inter-relao dessas coisas por meio de um sinal lingstico: por meio de milagres e sinais Deus aprovou a Jesus (At 2,22), e agora acontecem milagres e sinais por meio das mos dos apstolos (At 5,12; cf. 2,43; 8,13; 14,3; 15,12). No entanto, o Senhor mesmo que faz os milagres e sinais por meio deles (At 14,3).Assim, o resultado do levantamento semelhante ao encontrado em relao ao emprego da palavra no NT. Assim como Jesus Cristo o mistrio de Deus por excelncia e assim como esse mistrio se torna presente na comunidade, assim Jesus Cristo o sinal realizador de Deus por excelncia, e a comunidade se torna sinal porque e na medida em que nela atua o Jesus ressurreto. Alguns procedimentos da comunidade finalmente se tornam sinais, porque e na medida em que a comunidade anuncia neles a Jesus e o experimenta como presente.3. ABORDAGEM HISTRICO-DOGMTICA3.1. Igreja antiga.1.1. Histria dos conceitos.

A partir do sculo II, fundem-se os conceitos e sacramentum na teologia ocidental.1.2. .

Os telogos da Igreja antiga empregam a palavra em amplitude de significado semelhante como o faz o NT. Em decorrncia da discusso com a gnose e cultos de mistrio, porm, fazem mais outra associao: s doutrinas ocultas dos gnsticos e aos cultos pagos, denominados mistrios, os apologetas, especialmente os alexandrinos Clemente (+ antes de 215) e Orgenes (+254), contrapem os contedos da f crist como os verdadeiros mistrios. Disso resultam duas mudanas essenciais em relao ao NT: 1) contrariando a concentrao paulina no nico mistrio, que Cristo, fala-se agora em mistrios no plural; 2) agora tambm os ofcios litrgicos passam a ser chamados de mistrios.1.3. Sacramentum.O significado bsico do radical latino sacr designa a esfera do sagrado, religioso; sacrare significa: destinar algo ou algum esfera do sagrado, consagrar; sacramentum tanto o ato de consagrao como tambm o meio consagrador. No uso lingstico concreto da Antiguidade latina, o vocbulo tem colorido acentuadamente jurdico: so denominados sacramentum o juramento no processo civil, o juramento bandeira no exrcito e a quantia de dinheiro em que os partidos em litgio tinham que depositar como cauo no processo. Em ambos os trs casos, o aspecto jurdico tem conotao religiosa: juramento e juramento bandeira entregam a pessoa ao juzo da divindade, a cauo processual a um santurio no caso de uma derrota.1.4. Sacramentum como traduo do .

As primeiras tradues latinas da Bblia procedem de modo diverso com o termo grego : as verses surgidas na Itlia preferem o termo mystrion, entre as quais, a Vulgata; as tradues de origem africana, porm, usam sacramentum. Inclusive Tertuliano aplica o vocbulo sacramentum tambm ao Batismo. A comparao com o juramento bandeira (como rito de ingresso no servio militar) lhe parece bem um acesso aproveitvel para a compreenso do Batismo com iniciao ao cristianismo; tambm chama a Eucaristia de sacramento. Com isso esto colocadas linhas decisivas para o uso lingstico futuro na Igreja Latina.Entretanto, a palavra sacramentum preserva ainda, semelhana de , seu significado amplo: em Tertuliano (+220) e no perodo depois dele, no somente Batismo e Eucaristia so chamados de sacramenta, mas tambm os planos salvficos de Deus e os eventos da histria salvfica vtero e neotestamentria, especialmente a humanizao, morte e ressurreio de Jesus, os artigos da doutrina de f, os diversos ritos eclesisticos, o juramento, as alegorias bblicas; inclusive toda a religio crist chamada de sacramentum.Agostinho usa as palavras sacramentum e como sinnimos. Em sua acepo, sacramentum ou significa, em sentido mais amplo, todo fato perceptvel pelos sentidos, cujo significado no se esgota em ser aquilo que aparenta ser imediatamente, mas que, alm disso, aponta para uma realidade espiritual. Entre eles contam os sacramentos de Israel (circunciso, sacrifcios, festa da pscoa, a uno dos sacerdotes e dos reis etc.), bem como todas as cerimnias da Nova Aliana. O sacramento mximo, para o qual convergem todos os demais, a encarnao de Deus em Jesus Cristo. Ao lado dessa concepo, encontra-se, em Agostinho, ainda outra, mais restrita: pelo menos um tero do emprego da palavra sacramentum se refere ao Batismo e Eucaristia.2. REFLEXO TEOLGICAO amplo aspecto de significado sugere procurar a reflexo teolgica dos Padres da Igreja no tanto na discusso do conceito sacramentum, e, sim, na anlise de alguns sacramentos separadamente, principalmente Batismo e Eucaristia, por serem testemunhados preferencialmente.2.1. Padres gregos.

O pensamento da maioria dos Padres gregos se move no horizonte de compreenso do smbolo real. Ser humano e mundo so interpretados de tal maneira que uma realidade smbolo de outra realidade, de uma realidade superior, no entanto, no smbolo apenas no sentido de se enxergar uma semelhana e estabelecer uma relao, mas smbolo no sentido de a realidade superior se expressar na inferior, de estar nela e atuar por meio dela, ainda que numa forma deficiente, atenuada. O pano de fundo desse horizonte de compreenso formado pelo pensamento platnico em termos de imagem original e imagem-cpia: a imagem original se mostra na cpia, ela est presente na cpia, ainda que de modo mais fraco quanto essncia.O pensamento em termos de imagem simblico-real determina tambm a interpretao da Eucaristia. Como na figura se torna presente o que figurado, assim Cristo se torna presente na eucaristia. Esta denominada de figura (), imagem (,), semelhana (), smbolo () do Senhor exaltado. Com isso no se tem em mente apenas uma figura esttica, mas tambm um evento figurativo-realizador, de modo que se pode falar, conforme a compreenso dos patrsticos gregos, no apenas de uma presena real, mas tambm de uma presena atual de Cristo. No evento figurativo-ilustrativo da celebrao eucarstica os celebrantes so envolvidos na histria de Jesus Cristo; ele prprio se comunica nesse evento figurativo. Quem se envolve com a figura, envolve-se com aquele que figurado.Pensamento semelhante se expressa por meio do conceito da imitao (). Originalmente (p. ex., Incio de Antioquia [+ c. 117]) empregado para designao de toda a existncia crist imitao no sentido de discipulado , no decorrer do tempo esse conceito mais associado liturgia. Assim, por exemplo, as Catequeses mistaggicas de Jerusalm (atribudas ao bispo Cirilo de Jerusalm, + 386) interpretam os ritos batismais como imagens e imitaes de paixo, morte e ressurreio de Cristo: no gesto de despirem as roupas antes do banho batismal, os batizados imitam a Cristo, que foi despido na cruz; na tripla imerso seu morrer e os trs dias e as trs noites em que permaneceu no seio da terra. Imitao significa aqui, repetio dramtica com forte cunho de experincia na liturgia, por meio da qual os batizados tm parte na histria de Cristo, conquistando desse modo a salvao.A terminologia figurativa se encontra sobremodo, entre os Padres gregos; entretanto, ela no se restringe Igreja Oriental. Assim se l, p. ex., na tradio latina do texto (sc. IV) da ordem eclesistica (originalmente grega) de Hiplito (c. 215), que o bispo recita a orao de agradecimento sobre o po para que ele se torne exemplum, quod dicit graecus antitypum do corpo de Cristo, e sobre o clice com vinho, para que se torne antitypus, similitudo do sangue de Cristo. Tambm da Igreja Oriental essa terminologia no era consensual. Cirilo de Alexandria (+444) critica o vocbulo typos, Teodoro de Mopsustia (+428), a palavra smbolo e Joo Damasceno (+ c. 749), a expresso figura, aparentemente porque tambm na Igreja Grega, figura e smbolo nem sempre puderam ser entendidos no sentido de smbolo real (real porque na figura), e, sim, tambm como aposto realidade (no real, apenas como figura).2.2. Agostinho de Hipona.

Grande influncia sobre a teologia ocidental do sacramento tem a sua teoria dos sinais. Ele parte da distino entre res (coisa) e signum (sinal). Segundo ele, coisas no verdadeiro sentido so as que no existem para designar algo, mas representar a si mesmas, como madeira, animal e semelhantes. Sinais, porm, sempre apontam para algo diferente. Ao lado disso, existem tambm coisas que existem entre si e que so, ao mesmo tempo, sinais para outras coisas. Exemplos bblicos para isso so madeira que Moiss atirou na gua amarga, para lhe retirar a amargura (Ex 15,25), e o animal que Abrao sacrificou por seu filho (Gn 22,13). Dentre os sinais deve-se distinguir os sinais naturais (signa naturalia) dos sinais dados (signa data). Sinais naturais do a reconhecer uma coisa sem que tenham a inteno, como p. ex., a fumaa aponta para a existncia de um fogo e a expresso de rosto de uma pessoa entristecida revela seu estado de esprito. Sinais dados, porm, como, por exemplo, um aceno consciente com a cabea, um gesto intencional com a mo ou uma sinalizao militar do estandarte, so dados intencionalmente, para dar a conhecer algo. Entre esses figura, sobretudo, a palavra. Essa tem uma primazia tal para Agostinho que chega a chamar todos os demais sinais de, por assim dizer, palavras sensveis.Sacramentos so sinais dados. So denominados sinais sagrados (signa sacra) porque apontam para uma realidade sagrada. Por meio das coisas visveis a pessoa crente conduzida s realidades invisveis. A gua do Batismo toca a palavra, e que a gua seno simplesmente gua? A palavra se agrega ao elemento e ele se torna sacramento. Assim o sacramento como que uma palavra visvel. A elevada posio que compete palavra, porm, no tem apenas fundamentao fenomenolgica (numa teoria geral dos sinais), mas tambm teolgica: a palavra sacramental palavra de f da Igreja, palavra extrada da Bblia, em ltima anlise, palavra de Cristo. Da tem seu poder.Pela enftica distino de Agostinho entre sinal e realidade e por meio de sua nfase na palavra em relao ao sinal visvel a teologia ocidental recebe uma tnica diversa da teologia oriental: em contraposio ao pensamento mais voltado para figuras e mais real-simblico da Igreja Oriental, no Ocidente ganha espao o pensamento mais analtico, determinado por palavra e conceitos.3.2. Escolstica. 3.2.1. procura de uma definio.

O conceito de sacramento amplo da Igreja antiga, no definido com preciso, vigora at o sculo XII. Na poca da pr-escolstica ainda proliferam idias muito divergentes sobre o nmero dos sacramentos. Os bispos Fulberto de Chartres (+1028) e Bruno de Wrzburg (+1153) admitem somente dois: Batismo e Eucaristia, enquanto Bernardo de Claraval (+1153) admitem dez (entre eles o lava-ps), e o cardeal Pedro Damio (+1072) quer doze (inclusive a uno do rei). Outros se movem entres essas grandezas. Somente o interesse sistematizante da Escolstica primitiva surgem os primeiros tratados sobre os sacramentos, e, com eles, tentativas de definio, bem como (por volta da metade do sc. XII) a fixao em sete.Hugo de so Vitor (+1141).Influente telogo da Escola Agostiniana dos Cnegos de Paris, procura uma definio que vale somente para os sacramentos no sentido mais restrito. O termo sinal lhe parece demasiadamente amplo: sinais sinalizam, mas no so capazes de conceder o que sinalizado; no sacramento, porm, no se trata apenas de sinalidade, e, sim, tambm de eficcia. Os sacramentos contm a graa que sinalizam; portanto no so apenas sinais, mas tambm vasos da graa. Na figura do vaso tambm se expressa a compreenso teraputica da doutrina sacramental da Escolstica: a graa sacramental entendida em grande parte (ainda que no exclusivamente) como medicamento contra o pecado e suas conseqncias, os sacramentos em si so algo como recipientes do medicamento.Sua obra De sacramentis christianae um exemplo tpico para a mudana que se d no uso lingstico. No ttulo, sacramentum ainda tem o sentido de mistrio, contedo da f. Nela, Hugo desenvolve, depois de tratar da criao, da f e dos sacramentos da Antiga Aliana no primeiro livro, um tratado sistemtico sobre os sacramentos no sentido mais restrito. Cuja definio Sacramento um elemento material, apresentado exteriormente perceptvel aos sentidos e que, em virtude de uma semelhana, representa (repraesentans), em virtude da instituio (por Cristo), significa (significans) e em virtude de uma consagrao santificadora, contm (continens) uma graa espiritual invisvel.Pedro Lombardo (+1160), cujo quatro Livros de Sentenas se tornaram leitura obrigatria para todo telogo no sc. XIII, formula: Sacramentum [...] proprie dicitur, quod ita signum est gratiae Dei [...], ut ipsius imaginem gerat et causa existat. O termo imago (imagem) lembra a tradio da Igreja antiga, e o vocbulo causa sinaliza o novo interesse: a pergunta pela causalidade. Com isso est colocada a tarefa central por cuja soluo se empenha a teologia sacramental da Escolstica: como pode algo ser sinal de tal modo que simultaneamente retrata e causa?3.2.2. Causa da graa.

O conceito causa, inicialmente, aceito com hesitao e empregado em forma modificada. Falam contra ele a preocupao teolgica de que a soberania de Deus sofreria restrio quando se fala de influncia causal de sua graa, e o problema antropolgico: como coisas materiais (os elementos do rito) poderiam atuar sobre algo espiritual (a alma humana). Por isso a Summa Halensis (a obra conjunta de telogos franciscanos primitivos, depois de 1235) ensina um efeito dispositivo: o sacramento efetuaria certa disposio, ou seja, um efeito na alma, que ainda no seria a prpria graa, mas prepararia para a graa. Boaventura (+1274) rejeita expressamente a idia de um princpio causal no sacramento; pois a graa seria infundida unicamente por Deus, e Deus no teria vinculado seu poder aos sacramentos (cf. Breviloquium). As palavras vaso e causa deveriam ser entendidas somente no sentido de que, em virtude de uma ordem divina, a graa teria que ser recebida nos sacramentos e atravs deles. O fato de, desse modo, de fato acontecer cura no se deve a uma fora prpria dos sacramentos, mas unicamente ordem de Deus, ou, promessa divina, firmada como que por um pacto (ex quadam pactione), de atuar por seu poder toda vez que o sacramento recebido. (cf. Comentrio s Sentenas). Essa interpretao se denomina de teoria do condicionamento, ou teoria do pacto na histria dos dogmas.Toms de Aquino (+1274) no est satisfeito com a teoria do pacto, preferida por Boaventura, pois desse modo os sacramentos no seriam causas, e, sim, apenas condies da graa. Sua eficcia no seria fundamentada objetivamente, mas puramente por decreto: os sacramentos seriam comparveis a uma moeda de chumbo, que recebeu o valor de cem libras apenas por decreto do rei, mas que, ao contrrio do ouro autntico, em si no tem valor algum. Por isso Toms defende a idia da causalidade instrumental: os sacramentos so instrumentos (causa instrumentalis = causa instrumental) na mo de Deus. O prprio Deus permanece sendo o verdadeiro sujeito do agir da graa; no entanto, os sacramentos no so necessrios apenas em virtude de uma ordem divina (que tambm poderia no ter sido dada), mas em virtude da causa em si. Os sinais fsico-materiais so adequados so ser humano fsico. Nesta viso positiva de matria e corporalidade se evidencia a diferena em relao teologia franciscana contempornea, que via o fato de ser o humano espiritual ter que envolver-se com sinais materiais antes como prova de obedincia para humilhao do esprito humano.Na verdade, ao menos no Comentrio s Sentenas, Toms entende a instrumentalidade causal em sentido restrito: como causa instrumentalis, o sacramento atua no que concerne ao efeito sacramental intermedirio ( preparao da alma para a graa); quanto ao ltimo efeito (da prpria graa), o sacramento atua somente de modo dispositivo. Se essa associao restritiva de causalidade instrumental e causalidade dispositiva vale tambm para a Summa theologiae controvertida na pesquisa atual.3.2.3. Ex opere operato.A convico de que a eficincia do sacramento no depende da f pessoal do ministrante ou do recebedor, mas se fundamenta no agir de Deus, expressa na Escolstica com a frmula que diz que os sacramentos so eficientes ex opere operato (por fora do rito executado) e no apenas ex opere operantis (por fora daquele que executa o sacramento).A validade do Batismo no depende da f reta e tambm no da integridade moral do batista; pois quem, na verdade, atua sobre o sacramento Deus, respectivamente Jesus Cristo. Desse modo o sacramento adquire certa objetividade: j antes do fator subjetivo da f e da sinceridade dos seres humanos que efetuam o sacramento a graa de Deus est seguramente presente.Para designar essa objetividade, os telogos da alta Escolstica empregam uma terminologia que, a princpio (na Escolstica primitiva), foi usada na soteriologia. Em relao morte e ressurreio de Jesus distingue a verdadeira (boa) obra redentora de entrega da vida por Jesus, como o opus operantum, da obra (m) dos homens que o levaram morte, como o opus operans. Na alta Escolstica usa-se o par de conceitos ex opere operato ex opere operantis para distinguir entre fator objetivo divino e subjetivo humano no sacramento. Essa terminologia serve tambm para delimitar os sacramentos da Nova Aliana dos da Antiga Aliana e dos sacramentais. Estes atuam em virtude do opus operatum (da obra divina, contida no sacramento).3.2.4. Res et sacramentum character indelebilis.

Importante para a idia da eficincia sacramental. Agostinho distinguiu entre o sinal exterior (signum, sacramentum) e o efeito interior (res sacramenti). Entre esses dois conceitos a alta Escolstica insere um terceiro: o efeito sacramental intermdio (res et sacramentum ou res et signum), algo que, por um lado, j efeito (res) do ato sacramental, mas que, por outro, ainda no a graa visada em ltima anlise pelo sacramento, e, sim, uma vez mais, sinal e causa da mesma (signum, sacramentum).No caso do Batismo, Confirmao e ordenao sacerdotal, a Escolstica identifica esse efeito intermedirio com o character indelebilis, a caracterstica indelvel que o sacramento concede. Trata-se aqui de uma realidade que marca o receptor do sacramento permanentemente, inclusive quando esse se fecha para a graa ou a perde novamente pelo pecado. Em virtude do character indelebilis o sacramento no pode ser repetido. Em formao positiva: na doutrina do character indelebilis se reflete a convico de que o batismo, confirmao e ordenao sacerdotal provocam no receptor um efeito permanente, um fato objetivo, que existe independentemente da santidade do receptor.3.2.5. Materia sacramenti e forma sacramenti.

Na discusso sobre a causalidade est o pensamento aristotlico das causas, assumido especialmente por Toms de Aquino. Desse pensamento se adota tambm o par de conceitos hilemorfista materia () e forma (). Dentro do sinal sacramental, Agostinho havia feito uma rigorosa distino entre elemento visvel (ou coisa) e palavra audvel. Toms pergunta pela unidade do sinal e responde: [...] das palavras e das coisas resulta, de certo modo, uma unidade nos sacramentos, como de forma e matria. Visto que no hilemorfismo aristotlico forma e matria no so partes separveis, e, sim, constituintes de um todo que se condicionam mutuamente, esse par de conceitos se presta para caracterizar o ato sacramental simblico como um s evento.De fato, porm, o conjunto do contexto litrgico se perdeu de vista. A ateno da teologia estava to presa questo da eficincia e validade do sacramento que, diante da pergunta sobre qual seria o mnimo de palavras e sinais visveis absolutamente necessrio para se constituir o sacramento, o interesse pela liturgia como um evento simblico desdobrado passou para segundo plano. Ao contrrio do que aconteceu na Igreja antiga, a dogmtica (usando terminologia hodierna) se havia separado da liturgia.Resumo do magistrio.

O Conclio de Florena (1438-1445) apoiado estreitamente em Toms de Aquino elabora o Decreto para os armnios: H sete sacramentos da Nova Aliana: batismo, confirmao, eucaristia, penitncia, uno dos enfermos, ordenao, matrimnio. Eles se distinguem muito dos sacramentos da Antiga Aliana. Pois estes no efetuavam a graa, mas apenas indicavam que um dia a graa seria dada pelo sofrimento de Cristo. Esses nossos sacramentos, porm, contm a graa e a conferem queles que os recebem dignamente [...]. Todos esses sacramentos so realizados em trs partes: pela realizao concreta como matria, pelas palavras como forma, pela pessoa do ministrante, que administra o sacramento na inteno de fazer o que a Igreja faz. Faltando uma dessas trs partes, o sacramento no realizado. Entre esses sacramentos temos trs: batismo, confirmao e ordenao, que imprimem alma um carter, i.., um sinal espiritual indelvel, o que os distingue dos demais. Por isso no so repetidos na mesma pessoa. Os outros quatro sacramentos no imprimem um carter e admitem uma repetio.3.3. Controvrsias na poca da Reforma.

Os protestos reformatrios contra a doutrina sacramental da Escolstica devem ser vistos sobre o pano de fundo da prtica da Idade Mdia tardia.

O grande nmero de missas, muitas vezes, uma se sobrepondo outra, celebradas simultaneamente em numerosos altares na mesma igreja, alm disso freqentemente sem comunidade, por um s sacerdote, as ofertas e a doutrina dos frutos do sacrifcio da missa, a venerao do po eucarstico com relquia preciosa em lugar da ceia conjunta, praxes de tocar a hstia, sugerindo prtica de magia, o comrcio de indulgncias e muitas outras coisas colocaram a doutrina da eficcia do sacramento ex opere operato sob luz diferente do que fora intecionado em sua origem. Sacerdotes que persignavam o po e o vinho obstinadamente, como se a consagrao consistisse nisso, ainda reforavam a impresso, j favorecida pela recitao dos textos litrgicos em tom de voz inaudvel e numa linguagem incompreensvel para o povo, de que a palavra anunciadora desvalorizada, que o sacramento, que outrora fora palavra visvel (cf. Agostinho), se transformou em ao meramente ritual.3.3.1. Posies reformatrias.

Em oposio a isso, os reformadores insistem, de acordo com a sua trplice confisso de f bsica: sola gratia sola fide sola scriptura, na decisiva importncia da graa de Deus aceita na f e numa reorientao na vontade de Cristo, como o testemunha a Escritura. Isso leva a certa desconfiana em relao ao conceito geral sacramento (que no ocorre na Bblia) e reduo do nmero de sacramentos a trs, respectivamente dois: Batismo, Eucaristia e Penitncia. Decisiva a instituio por Jesus Cristo, conforme consta no texto do NT. Lutero (+1546) emprega o conceito de sacramento conscientemente, por toda a vida, em vrios sentidos (ficando assim prximo da tradio da Igreja antiga), e, em De captivitate babylonica (apoiado no NT), concentrado cristologicamente: Se quero falar de acordo com o costume da Escritura, no tenho mais que um sacramento e trs sinais sacramentais. A crtica teolgica mais acirrada se volta contra a frmula ex opere operato. Nela os reformadores enxergam um automatismo sacramental: sem Cristo, sem f, sem participao interior do corao, a mera execuo exterior do rito efetuaria a graa: Essa opinio mpia e perniciosa eles encontram ensinada em todo o reino pontifcio. A isso opem com nfase a importncia da f pessoal que creia essas promessas e receba as coisas prometidas, que so oferecidas no sacramento.Na relao entre sacramento, f e graa, todavia, se mostram diferentes: para U. Zwinglio (+1531) os sacramentos so meros sinais de identificao, de certo modo cerimnias de admisso e comprometimento (como juramento bandeira), por meio dos quais as pessoas manifestam sua filiao Igreja e sua f em Jesus Cristo. Eles no possuem poder de justificao da parte de Deus. So, na melhor das hipteses, sinais da graa acontecida; mas no operam a graa, apenas a testemunham. Os sacramentos no foram institudos no somente como sinais por que se possam conhecer exteriormente os cristos, mas para serem sinais e testemunhos da vontade divina para conosco, com o fim de que por eles se desperte e fortalea a nossa f.3.3.2. O Conclio de Trento.

O Conclio tridentino (1545-1563) refuta ao repto lanado pelos reformadores, e confirma o nmero de sete sacramentos. Batismo, confirmao, eucaristia, penitncia, extrema-uno, ordem e matrimnio so institudos por Cristo nosso Senhor (DH 1601). O Conclio rejeita tambm a idia de que os sacramentos seriam to iguais entre si que, sob considerao alguma, um seria de maior importncia que o outro (DH 1603), dando assim espao para um escalonamento diferenciado quanto a sua importncia. Ele condena aqueles que dizem que esses sacramentos teriam sido institudos apenas para alimentar a f (DH 1605). Sem que citasse algum nome, visa-se a teoria de Zwnglio com sentena: Quem diz que os sacramentos da Nova Aliana no conteriam a graa que designam, ou que no concederiam a prpria graa queles que no opem nenhum bice, como se fossem apenas sinais exteriores da graa ou da justia conseguida pela f, e certos sinais de reconhecimento da confisso crist, segundo os quais pessoas crentes se distinguem das no crentes perante os seres humanos, esse seja antema (HD 1606). A frmula da Escolstica do ex opere operato, rejeitada por todos os reformadores, expressamente defendida pelo Conclio: Quem afirma que, por meio dos sacramentos da Nova Aliana, a graa no seria concedida ex opere operato, mas que para conseguir a graa bastaria a mera f e a promessa divina, esse seja antema (DH 1608).3.3.3. As condenaes atingem o lado oposto?

A justaposio das formas ex opere operato e mera f (sola fide), formulada na ltima frase, parece, primeira vista, conduzir a controvrsia confessional a esse ponto. Estudos histricos mais recentes, porm empreendidos com intenes ecumnicas, revelaram que as sentenas condenatrias tanto dos reformadores quando do Conclio Tridentino passam de largo pela respectiva oposio.A compreenso da frmula ex opere operato estava determinada por perspectivas distintas: O partido reformatrio tem em vista o recebimento do sacramento [...], o lado catlico tem em vista a administrao do sacramento. [...] Deixando de observar a respectiva perspectiva, o lado reformatrio v na confirmao catlica do ex opere operato, a confirmao de um efeito salvfico automtico dos sacramentos, e, inversamente, o lado catlico v na rejeio reformatria do ex opere operato [...] uma negao da eficincia dos sacramentos. Ambos os lados, porm, rejeita essa interpretao. Tambm para o lado catlico a aceitao em f exigida para a recepo dos sacramentos para a salvao. Ao definir a Cristo como sujeito ativo do sacramento, a frmula contradiz tendencialmente a uma concepo que entende os sacramentos no sentido da justificao por obras. Inversamente, tambm para o lado reformatrio os sacramentos surgem em virtude da instituio de Cristo, independentemente da dignidade tanto do ministrante [...] quanto do receptor, no entanto, somente se tornam eficazes na f.Tambm jogos de palavras distintos contriburam para que se entendesse erroneamente a posio da respectiva oposio. Isso vale, sobretudo para o conceito f (fides). Enquanto os telogos romanos partiam de conceito de f mais restrito (f como considerar verdadeiro), os reformadores defendiam um conceito de fides [...] segundo o qual sua recepo inclui a transformao da existncia, que a tradio catlica designou especificamente com o conceito da gratia faciens (graa santificadora). Efeitos semelhantes se verificam no caso de uma pr-compreenso diferente em relao instituio. Para ambos os lados a instituio por Jesus era elemento constitutivo do sacramento. No entanto, a compreenso medieval de instituio (institutio) por Jesus Cristo mais abrangente do que a moderna, cunhada por fatores histricos; para ela, os sacramentos foram colocados em vigor pela obra salvfica de Cristo em cruz, ressurreio, concesso do Esprito e envio dos apstolos. Institutio nesse sentido encerra, portanto, o desenvolvimento ps-pascal da vida sacramental da Igreja, sendo que fundamentalmente no se faz diferena entre a instituio por Cristo e a ao do Esprito Santo na Igreja. , pois, essa linguagem que constitui o pano de fundo do cn. 1 do decreto tridentino sobre os sacramentos (DH 1601). A concepo reformatria se distingue desta pelo fato de exigir a instituio por Jesus Cristo mesmo diretamente comprovvel, respectivamente, por um expresso mandatum Dei (ordem de Deus). A partir da deve ser entendida a controvrsia sobre o nmero dos sacramentos.3.4. Teologia ps-tridentina.

Na teologia catlica dos sacramentos dos tempos modernos, se d, inicialmente continuidade aos princpios da Escolstica, no entanto, com um acento anti-reformatrio. Porque a teologia protestante enfatiza mais o carter de sinal dos sacramentos, a teologia catlica refora o aspecto da eficcia.Da se destacam trs teorias. a) o modo de agir fsico ([Tiago de Vio Caetano]: segundo a qual os sacramentos exercem uma influncia fsica sobre Deus. Porque Deus fez dos sacramentos instrumentos de sua graa, agora o poder que lhes inerente produz diretamente a graa designada. b) o modo de agir moral (escotistas): os sacramentos comovem a Deus a conceder a graa; atribui-se valor fora causadora dos sacramentos, eles tm o poder de influenciar a Deus; c) o modo de agir intencional (Louis Billot, sj, +1931) defende que os sacramentos visam graa, mas no a efetuam diretamente, e, sim, uma disposio no receptor, que traz a graa em sua esteira, se no lhe for posto nenhum bice. Esse princpio retoma a doutrina tomista da causalidade dispositiva.3.5. Redefinies no sculo XX.

3.51. Renovao litrgica.Uma redefinio radical ocorre no sc. XX. Antes da mudana na teologia, porm, vem a mudana na prtica litrgica. O movimento litrgico redescobre, apoiado por uma nova conscincia de Igreja, o fundamental carter comunitrio e a essencial sinalidade do sacramento. Na liturgia ele tenta superar o abismo entre sacerdote e comunidade, e comea a perceber, compreender e co-realizar os sinais de modo novo. O Conclio VT II toma essa preocupaes em conta na constituio litrgica: Com esta reforma, porm, o texto e as cerimnias devem ordenar-se de tal modo, que de fato exprimam mais claramente as coisas santas que eles significam e o povo cristo possa compreend-las facilmente, na medida do possvel, e tambm participar plena e ativamente da celebrao comunitria (SC 21). A teologia contempornea inspirada por esse movimento de renovao surgindo na base e, posteriormente, adotado oficialmente pela Igreja. Ao mesmo tempo, o movimento litrgico e um novo interesse na patrstica levam a perguntar pelas fontes mais antigas da f, anteriores Escolstica.3.5.2. Teologia dos mistrios.

Defendida por Odo Casel, osb (+1948), no recurso aos Padres ocidentais. Seu modelo de compreenso so os antigos cultos de mistrios (pagos), nos quais, na participao ldica dos prprios mistrios, na participao dramtico-teatral do evento simblico-cltico [...], o iniciado ganha simultaneamente parte na vida divina. Esta para Casel a chave de compreenso da liturgia da Igreja antiga, a partir desse princpio tambm pretende renovar a prtica sacramental e a teologia dos sacramentos de sua poca.Do meio da graa para o evento simblico.Liturgia um ato ldico dramtico, no, porm, espetculo para espectadores estranhos, e, sim, um evento ldico que envolve os prprios participantes e os transforma. O sacramento eficaz justamente porque sinal e pelo fato de ser sinal. O sinal eficiente, todavia, abrange mais do que aquele mnimo de elementos rituais, que a dogmtica da Escolstica considerava teologicamente decisivo no sacramento. O sinal sacramental um ato dinmico, evento dramtico = figurativo, no qual, se possvel, todos os celebrantes devem ser envolvidos; pois a vivncia elemento essencial do sacramento: [] tanto para a intensidade do com-viver como para a perfeio da expresso simblica necessria a participao, tambm a participao exterior, do ato litrgico.3.5.3. Do meio da graa para o evento simblico.Com a teologia dos mistrios anuncia-se uma mudana de perspectiva: do conceito do meio da graa como princpio para o conceito do smbolo como princpio. Tal mudana acompanha a tendncia de entrosar a doutrina dos sacramentos mais com outros temas teolgicos (eclesiologia, cristologia, antropologia, teologia da palavra, ocasionalmente tambm com a doutrina da criao).Otto Semmelroth (+1979) publica em 1953, o conceito de Igreja como sacramento original. A Igreja no apenas distribui sacramentos, mas ela prpria sacramento, sinal eficiente da graa de Deus. Com base numa reflexo de aprofundamento sobre a fundamentao cristolgica dos sacramentos, ele e outros telogos catlicos, modificaram essa terminologia e passaram a chamar a Cristo o sacramento original, a Igreja, o sacramento fundamental, e os sete sacramentos individuais auto-realizaes (respectivamente realizaes bsicas) da Igreja. Assim surgiu, em maior proximidade com a Igreja antiga, um conceito analgico de sacramento. O dilogo ecumnico inspirou a teologia catlica a repensar a relao de palavra e sacramento. Em tempos mais recentes, o termo smbolo se tornou conceito fundamental da doutrina dos sacramentos de muitos telogos catlicos.4. REFLEXO SISTEMTICA4.1. Definies bsicas do sacramento.

Os sacramentos podem ser descritos como as celebraes centrais da Igreja. Celebrao encerra os elementos smbolo, palavra e atividade ldica. Como celebraes realizadas corporalmente, eles so sinais de um mundo redimido.4.1.1. Sinal realizador, smbolo real.

No termo smbolo se renem a atual redespertada conscincia da unidade do ser humano, o reconhecimento da corporalidade essencial de toda comunicao inter-humana, bem como a experincia de que a realidade multidimensional, que coisas visveis primeira vista apontam coisas profundas invisveis, que o fundo se mostra nas coisas perceptveis pelos sentidos como em figuras, inclusive comunicando-se a si mesmo em expresso corporal. Para a teologia dos sacramentos hodierna o pensamento em smbolos poderia ter uma funo-chave semelhante do pensamento das causas para a doutrina dos sacramentos da escolstica da alta Idade Mdia, orientada em Aristteles.O que se quer expressar com smbolo na teologia dos sacramentos pode ser desenvolvido inicialmente a partir de um ponto de vista antropolgico. Em virtude de sua estrutura corpo-esprito, o ser humano se realiza em expresso corporal: no riso sua alegria, no choro sua tristeza, no punho cerrado sua raiva etc. [...] Nesses smbolos a aproximao e a rejeio no so apenas sinalizadas, e, sim, tambm realizadas, no apenas reconhecidas, e, sim, tambm experimentadas.Para caracterizar esses fatos fundamentais para a compreenso do smbolo e dos sacramentos, distingue-se entre smbolo real e smbolo representativo, ou, em outras palavras, entre sinal realizador e sinal meramente informativo.Os sacramentos, aqui, so entendidos como smbolos reais, sinais realizadores.

Karl Rahner (+1984) em sua teologia do smbolo, parte da ontologia e aplica o conceito de smbolo doutrina dos sacramentos, passa pela teologia trinitria, pela cristologia at a eclesiologia: O ente necessariamente simblico de si mesmo, porque se expressa necessariamente, a fim de encontrar sua prpria essncia. O verdadeiro smbolo (smbolo real) a auto-realizao, elemento constituinte da essncia, de um ente no outro. Isso j vale intratrinitariamente: O Logos a Palavra do Pai, sua perfeita imagem, [...] seu reflexo, seu auto-enunciado. O Pai ele mesmo ao contrapor a si mesmo a imagem consubstancial com ele como aquele outro de si, possuindo deste modo a si mesmo. Isso, porm, significa: o Logos smbolo do Pai. Uma cristologia que parte do smbolo poderia restringir-se quase exegese do dito: Quem v a mim, v o Pai (Jo 14,9). O Logos humanado o smbolo absoluto de Deus no mundo. A categoria do smbolo no pretende substituir os enunciados da doutrina escolstica dos sacramentos, e, sim, traduzi-los (e coloc-los simultaneamente num contexto maior); pois no conceito de smbolo se relacionam objetivamente sinal e causa, os dois conceitos bsicos da escolstica: o sacramento causa da graa conquanto seu sinal [...] Numa s palavra: no sacramento, a graa de Deus se coloca eficazmente presente ao criar sua expresso, sua concretude histrica dentro de espao e tempo, ou seja, seu smbolo.4.1.2. Palavra criadora de realidade.Movimento litrgico e movimento bblico, o dilogo ecumnico com as Igrejas da Reforma levaram a uma compreenso dos sacramentos no somente a partir de uma reflexo sobre a importncia dos sinais, mas tambm a partir de uma teologia da palavra.Na dogmtica catlica se desenvolveu uma teologia da palavra somente nas ltimas dcadas. Ela apia-se amplamente no testemunho bblico. Pois o que na tradio doutrinria catlica vale como enunciado bsico sobre a natureza do sacramento: que ele efetua o que designa, isso a Bblia afirma claramente a respeito da palavra, tanto a respeito da palavra de Deus quanto a respeito das palavras humanas (p. ex., Gn 1,3.6 e outras; Is 48,13; Sl 33,9; Rm 4,17). Ao ser enunciada, ela cria o que ele disse, surge o que ele ordenou. Ela palavra criadora de relao: com a palavra do Sinai Deus institui sua aliana com Israel (cf. Ex 19s, esp. 19,3; 20,33). A palavra atinge os seres humanos, transformando-os, vence resistentes, de modo que tm que ser profetas (Jr 1,4-9; Ez 2,1-3,3). A palavra proftica tem parte no poder transformador, criador de realidade da palavra de Deus: Como a chuva e a neve cai do cu e no retorna para l, mas rega a terra e a faz germinar e brotar [...], a mesma coisa acontece com a palavra: ela no volta para mim, mas efetua o que quer e alcana tudo para que a enviei (Is 55,10s).Tambm a pregao do Evangelho mais do que apenas trazer uma notcia.A constituio SC menciona diferentes modos da presena de Jesus em sua Igreja, e coloca lado a lado: Presente est pela Sua fora nos sacramentos, de tal forma que quando algum batiza Cristo mesmo que batiza. Presente est pela Sua palavra, pois Ele mesmo que fala quando se lem as Sagradas Escrituras na igreja (SC 7). A constituio sobre a revelao DV cunha a frmula da mesa de Deus para a salvao (DV 17), fala do poder e da eficcia presente na palavra de Deus, que ela constitui sustentculo e vigor para a Igreja, e, para seus filhos, firmeza de f, alimento da alma, pura e perene fonte da vida espiritual (DV 21) e exige uma acrescida venerao pela palavra de Deus (DV 26).Sacramento palavra criadora de realidade, discurso realizador, tanto no sentido da palavra que atinge algum pessoalmente, transforma interiormente e cria relaes (anncio do perdo, a narrativa da Ceia), quanto no sentido da palavra eficaz juridicamente (o batismo como admisso Igreja, ou a ordenao a um ministrio).A teologia dos sacramentos pode basear-se tanto na palavra quanto no smbolo. Ambos os princpios so conciliveis sem contradies. Tambm o discurso realizador smbolo real, sinal realizador. Por isso o sacramento pode ser discutido tanto como palavra visvel (como em Agostinho) quanto (como acontece de modo mais enftico na tradio oriental) como evento figurativo evidenciado pela palavra.4.1.3. Atividade ldica transformadora.

Na celebrao do sacramento, smbolo e palavra se encontram num relacionamento de ao, que pode ser descrito como atividade dramtica, que envolve os participantes.Atividade ldica significa agir sem visar qualquer objetivo, mas justamente por isso eficaz. (Atividade ldica no um oposto de seriedade, mas de agir dirigido a um objetivo). Com atividade ldica dramtica no se tem em vista, em primeiro lugar, um espetculo para espectadores, e, sim, um modo como os participantes de uma celebrao se envolvem com o evento celebrado: participando ludicamente da atividade ldica, os participantes deixam envolver-se no evento representado, e ao inclurem a si mesmos, suas prprias palavras e gestos, de modo criativo na atividade ldica, eles colaboram em sua forma concreta.[...] Atividade ldica, pode ser entendida igualmente como categoria fundamental de liturgia. Para isso apontam a dramaturgia litrgica da Igreja antiga, a idia da mmica nas Catequeses mistaggicas de Jerusalm, a teologia dos mistrios de Odo Casel e o apelo do C. VT II de que os cristos no deveriam assistir Eucaristia como estranhos ou espectadores mudos (SC 48); pelo contrrio, na renovao da liturgia se deveria levar todos os fiis [...] quela plena, cnscia e ativa participao (totius populi plena et actuosa participatio, SC 14; 19.21.41.48).4.1.4. Celebrao da Igreja.

O que foi dito acima, tambm vale para a celebrao. Tambm ela acontece livre de finalidades (onde uma celebrao organizada para certa finalidade, errou-se sua essncia como celebrao); tambm ela transcende a situao atual, descortina um horizonte maior, lembra origens (de aniversrio ou dia de casamento etc.) e esperanas no cumpridas (a celebrao da memria de uma rebelio numa situao de opresso); desse modo ela tem feito subversivo sobre situaes de injustia reinantes (o que se pode reconhecer muitas vezes em sua proibio). Alm das categorias smbolo, palavra ldica, celebrao expressa com maior clareza o convvio de uma comunho e o conjunto de muitos elementos: da celebrao fazem parte tanto a palavra como tambm o gesto e a atividade ldica.Celebrao (celebratio, celebrare) um conceito bsico da constituio de liturgia do C. VT II. As aes litrgicas no so aes privadas, mas celebraes da Igreja (SC 26; SC 6-8.11.17.21.27). A introduo geral ao Missal fala, no cap. 1, sobre a importncia e dignidade da celebrao da Eucaristia e usa em todos os seis pargrafos o vocbulo celebrao. Com isso est colocado um acento diferente em comparao a documentos similares mais antigos, que falavam da administrao e de distribuio dos sacramentos, e nos quais inclusive a palavra celebrao se tornou termo tcnico para as funes do sacerdote em seu papel e dificilmente evocava a idia de uma celebrao comunitria: o sacerdote celebra, os crentes ouvem a missa (CIC de 1917, cn. 804 1; c. 806 1; c. 1248s).Sacramentos so celebraes da Igreja. Neles se constitui comunidade: como reunio em nome de Cristo, como comunho comemorativa presentificadora e comunho da esperana antecipadora do futuro, como povo de Deus que anuncia o Evangelho e representa a nova vida simbolicamente. No entanto, a Igreja no celebra a si mesma, e, sim, a histria qual ela se deve, e a esperana que a move.Com a categoria celebrao se associam vrias caractersticas do sacramento:1) Sacramentos so atos de comunho, pois nenhum sacramento est destinado a ser celebrado por uma s pessoa (SC 27);2) A comunho (no um indivduo) tambm o sujeito da celebrao sacramental. Juntamente no contexto do vocbulo celebrao (celebratio), a constituio de liturgia insiste na exigncia de cnscia e ativa participao de todos os fiis (SC 14; 21.27.41). A partir da as tradicionais definies de ministro e receptor como categorias bsicas para a distribuio de papis no sacramento so problemticas.3) Toda celebrao vive de uma esperana, pois com sua alegria (ou sua consolao), ela transcende as circunstncias atuais. Sem esperana, a celebrao seria supresso anestesiante da realidade. Na celebrao, a realidade esperada antecipada. Assim, em batismo e Eucaristia, celebramos, em meio experincia de sofrimento, injustia e pecado, a ressurreio e a comunho de mesa no vindouro reino de Deus. Como imagens virtuais do mundo vindouro, os sacramentos tm, ao mesmo tempo, efeito tranqilizador e relativizador em face do que existe de fato: eles fortalecem o empenho por um mundo melhor e permitem simultaneamente crer no sentido dos pequenos passos;

4) A partir da tambm se pode mostrar a relevncia da prtica do sacramento. Agir teolgico e celebrao sem intenes, prtica e festa so interdependentes. A prxis enlouquece, porque pouco a pouco o homem se v pequeno diante das tarefas. [...] A festa, porm, com o riso, tem o dom de mediar entre magnitude ingente das tarefas histricas e a limitao das foras do agente, diante do pano de fundo das experincias no movimento libertador latino-americano. Como festa e celebrao, tambm o sacramento no deve desviar do engajamento prtico, mas lembrar seu sentido e a esperana a ele associada;5) A partir disso, porm, evidencia-se igualmente que os sacramentos no podem perfazer o todo da existncia crist ou da vida eclesistica. Como do todo da vida fazem parte festa e prtica, assim fazem parte do todo da Igreja, alm da liturgia, tambm a proclamao e a diaconia: essas, na verdade, so representadas simbolicamente no sacramento; mas o sinal se torna vazio, se o representado no fosse tambm realizado na prtica;6) Tomar por point dpart partida a celebrao sugere, por fim, tambm uma contemplao holstica do sacramento. Uma celebrao no pode ser reduzida a um nico fator, que fosse o causador de tudo que essencial. Por isso, o objeto da teologia dos sacramentos no um cerne dogmaticamente relevante (p. ex., a exigncia mnima de palavras da instituio para que a missa seja vlida), e, sim, a celebrao como um todo. 4.1.5. Sinais de um mundo redimido.Os sinais sacramentais no representam uma linguagem religiosa particular; pelo contrrio, elementos fundamentais do mundo: gua, po, vinho, leo e gestos elementares do homem imposio das mos, uno, ceia, casamento se tornam sinais de salvao. [...] Os elementos do mundo e os gestos do ser humano no so, por natureza, caminhos de salvao, e, sim, sempre somente num contexto redentor, consumador da criao: sinal sacramental no o poder catico gua, e, sim, a gua em seu poder purificador e doador de vida; no o perecer nas ondas, e, sim, o passar pela gua; no o po em si ou a mera ingesto de alimentos, e, sim, o po repartido e comido em comunho; no o vinho como causa de um xtase inebriante, e, sim, o clice que passado adiante; no o gesto do poder, e, sim, o gesto da cura; no a palavra que se apossa do outro, e, sim, a palavra que aceita o outro como parceiro.Sacramentos so sinais de um mundo redimido. Isso significa, portanto, duas coisas: a) eles so expresso de f na criao e da esperana na consumao; b) eles apontam a direo em que se h de procurar redeno e consumao.4.2. Redefinindo precisamente os conceitos.

4.2.1. Conceito analgico de sacramento.

Na reflexo sobre o sacramento como smbolo foi apontada uma perspectiva de fora a fora trinitria, cristolgica, eclesiolgica, teolgico-sacramental. Atrs dela encontra-se um conceito analgico de sacramento: Cristo como sacramento original, a Igreja como sacramento fundamental, os sacramentos individuais como manifestaes de vida da Igreja fundamentados em Cristo e que o representam. O sacramento original Jesus Cristo. Ele o sinal realizador, o smbolo real por excelncia, a corporificao de Deus para dentro de nosso mundo. Ele sinal de Deus em dois sentidos: a) nele, em sua vida, suas palavras, sua atuao e seu destino, pode-se reconhecer como Deus age no ser humano e nele prprio Deus realiza sua histria com os seres humanos; b) ele a palavra de Deus que no apenas fala a respeito de Deus, mas que traz o prprio Deus para dentro da Histria.A partir do sacramento original Jesus Cristo, a Igreja pode ser chamada de sacramento. A realidade complexa da Igreja, em que se funde o elemento divino e humano, , mediante uma no medocre analogia, comparada ao mistrio do Verbo encarnado. Pois como natureza [humana] assumida indissoluvelmente a Ele serve o Verbo Divino como rgo vivo de salvao, semelhantemente o organismo social da Igreja serve ao Esprito de Cristo que o vivifiva para o aumento do corpo (LG 8). A vida da Igreja, inspirada pelo Esprito de Cristo, sua proclamao, sua diaconia e liturgia, serve para ser sinal de Jesus Cristo, para testemunhar e realizar sua permanente presena e atuao no mundo. [...] a Igreja em Cristo como que o sacramento ou o sinal e instrumento da ntima unio com Deus e da unidade de todo gnero humano (LG 1; SC 5; GS 42.45; AG 1.5).Ao se definir a Igreja como sacramento fundamental, quer-se expressar, em sentido contrrio, o nexo entre o sacramento, que a Igreja, e os sacramentos individuais: esses so sinais, manifestaes da vida da Igreja, celebraes da Igreja, que o sacramento da unidade (SC 26). Assim, p. ex., na Eucaristia no se realiza somente o mistrio do pascha de Jesus Cristo, mas nela tambm se expressa o que a Igreja deve ser: unio, comunho de esperana em gratido e partilha fraternal; e o isso no apenas representado, mas tambm realizado: na Eucaristia e por meio dela a Igreja se torna o que ela .4.2.2. Origem em Jesus Cristo.

O problema da instituio pode ser abordado a partir da relao entre Igreja e sacramento. Tanto na tradio doutrinria escolstica e catlico-ps-tridentina quanto na protestante, a instituio por Jesus Cristo faz parte da definio do sacramento (cf. DH 1601).A est em discusso sobretudo, a importncia teolgica do sacramento. Os sacramentos esto fundamentados nos gestos simblicos de Jesus, testemunhados biblicamente. Neles tem continuidade o agir salvfico simblico-corporal de Jesus. Neste ponto a compreenso catlica de sacramento e a evanglica coincidem em grande parte: Sacramentos so ddivas do Senhor sua Igreja, no obras da Igreja inventadas por ela. Cristo presente est pela Sua fora nos sacramentos, de tal forma que, quando algum batiza, Cristo mesmo que batiza (SC 7).4.2.3. A ddiva precedente de Deus.

No sacramento atua o prprio Cristo. Esse tambm o sentido (escolstico) original da frmula ex opere operato, posteriormente controvertida (na poca da Reforma). O sacramento no recebe sua fora da obra humana, da sbia direo de uma celebrao litrgica, ou da santidade das pessoas participantes de uma celebrao, e, sim, do agir redentor de Deus em Cristo. Esse Cristo est seguramente presente onde o sacramento celebrado. A frmula ex opere operato quer expressar essa pr-ddiva de Deus, a confiabilidade da dispensao de Deus. Isso no significa que a f e a disposio pessoal fossem irrelevantes para o efeito do sacramento, mas, sim, que a f e toda a participao ativa na celebrao no o primrio, mas um envolver-se num movimento que j foi desencadeado anteriormente por Deus. Na linguagem da teologia dos mistrios: Quem se envolve na celebrao, co-realiza a morte e a ressurreio do Senhor no sinal, esse faz e experincia de que, como imagem ele , ao mesmo tempo, integrado, cuja existncia redefinida por Cristo e seu feito salvfico.4.2.4. O proprium do sacramento.O que um sacramento? O conceito de sacramento desenvolvido na escolstica e em uso hoje uma abstrao posterior. A inexatido no uso lingstico da Igreja antiga (percebida a partir de uma compreenso hodierna) contm um enunciado positivo indireto sobre a realidade como um todo: entre os patrsticos e os telogos da Idade Mdia primitiva, o que hoje chamamos de sacramento, delimitando-os em relao a outras formas de vida, era bem mais entretecido em todo um universo de sinais, nos eventos da histria salvfica de Deus com seu povo, que atinge seu auge na humanizao do Filho de Deus e que, passando por batismo, Eucaristia e uma variedade de manifestaes religiosas, se estendem at o mundo do profano.Resumidamente, podemos formular: sacramentos so celebraes da comunho eclesistica, orientadas na pregao de Jesus Cristo, nas quais apresentada corporalmente a salvadora e transformadora dispensao de Deus, imitada em comunicativa atividade ldica, em palavras e gestos e, desse modo, recebida em f.

Essa descrio da essncia no fornece uma caracterstica de distino exata, que delimitasse os sacramentos de outras celebraes eclesisticas. Perguntamos pelo especfico, o que distingue o sacramento de todo o mais, ento se haver de apontar para o engajamento efetivo da Igreja: sacramentos so aquelas celebraes que a Igreja reconhece, com vistas a Jesus Cristo e ao testemunho do NT, como suas manifestaes litrgicas centrais, com as quais se identifica oficialmente em grau mximo e nas quais ela se engaja radicalmente.Com isso se concedeu Igreja uma grande competncia no que diz respeito deciso sobre o que deve ser considerado sacramento. Com efeito, o fato de exatamente essas sete prticas, todas elas e nenhuma outra, serem sacramentos no pode ser fundamentado inequivocamente pela Bblia nem ser deduzido de um conceito de sacramento preestabelecido. I.., antes de mais nada, o resultado contingente do desenvolvimento da histria da Igreja.Ademais, naturalmente deve ser tomada a srio a passagem com vistas a Jesus Cristo e ao testemunho do NT. Esse olhar para a origem levar sempre de novo a correes em teoria e prtica da Igreja. Assim, p. ex., em nosso sc., motivado por uma nova ocupao com a Bblia, redescobriu-se e realizou-se de modo novo o carter da Eucaristia como celebrao de uma ceia e a importncia teolgica da pregao da palavra. Assim, tambm a teologia catlica atribui a batismo e Eucaristia (sacramentos de longe melhor testemunhados na Bblia) uma importncia maior em relao aos demais sacramentos.BIBLIOGRAFIA PARA APROFUNDAMENTO1. Introduo geral teologia dos Sacramentos.

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F. TABORDA. Sacramentos. Petrpolis: Vozes, 1987, p. 12.

H. KRMER. . In. TDNT II, p.1099.

Ibid., p. 1100.

Georg FOHRER. Die symbolischen Handlungen der Propheten. Zrich: Zwingli-Verlag, 1953, p. 115s.

Cf. J. FINKENZELLER. Lehre, p. 39.

A. GERKE. Theologie, p. 67.

Cf. J. BETZ. Eucharistie, 1/1, p. 65259.

CIRILO DE JERUSALM. Catequeses mistaggicas II, 2-5.

HIPLITO. Trad. Apost. 21.

AGOSTINHO. De Doc. Christ. II, 3,4.

AGOSTINHO. Tract. Io. Ev. 80,3.

Hugo de So Vitor. Dial. 34 D.

Hugo de So Vitor. De Sacr. 19,2.

Denomina-se de sacramento no verdadeiro sentido [...] o que sinal da graa de Deus de tal modo [...] que leva sua imagem e sua causa, Sent. IV.

TOMS De AQUINO. Summa theologiae, III. q. 60 a. 6 ad 2.

DENZINGER, Heinrich. Compndio dos smbolos, definies e declaraes de f e moral. DH 1310-1313/501-504. So Paulo: Loyola/Paulinas, 2007.

LUTHER, Martin. Capt. Bab. WA 6,501; cf. Obras selecionadas, v. 2, 349.

Cf. Apol. 13,18s. In. Livro da Concrdia, 226.

Cf. Escritos Confessionais; CA 13 Livro da Concrdia, 34.

Cf. K. LEHMANN/ W. PANNENBERG (Ed.). Lehrverurteilungen 1,82.

Arno SCHILSON. Sakrament, p. 127.

Odo CASEL. Das christliche Kultmysterium. Regensburg: Pustet, 1960, p. 91 (trad. castellana, El misterio do culto Cristiano. San Sebastian: Dinor, 1953).

Cf. H. SCHLIER. Wort, p. 846.

F. TABORDA. Sacramentos, p. 54.;

U. KHN. Sakramente, p. 309.

Cf. A. SCHILSON. Sakrament, p. 127.