Teoria da Constituição - Carl Schmitt

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TEORIA DA CONSTITUIÇÃO – CARL SCHMITT 1. Conceito absoluto de Constituição (A Constituição como um conjunto unitário) A palavra constituição remonta à formação de um corpo, aos elementos que o compõem, assim, todo corpo ou objeto está em uma constituição particular ou tem sua própria constituição. A Constituição que se quer tratar aqui, porém, é a Constituição do Estado, da unidade política de um povo, que significa o Estado em si mesmo, ou uma forma especial e concreta de existência estatal . ( I ) Mas Constituição pode significar também um sistema fechado de normas , ( II ) também designando uma unidade, mas não concreta e sim, pensada, ideal. Ambos conceitos são conceitos absolutos de Constituição, pois oferecem um todo (concreto ou ideal). ( I ) Constituição como Estado (Constituição Real) Em um primeiro sentido, Constituição pode ser a concreta situação de conjunto da unidade política e ordem social de certo Estado, então a palavra não designaria um sistema, mas seria o Estado em sua concreta existência política (Alemanha, França, Inglaterra...), o Estado não teria uma Constituição, o Estado seria Constituição. Em um segundo sentido, a Constituição pode ser tomada como uma maneira especial de ordem política e social, uma forma especial de domínio a que o Estado se submete (monarquia, aristocracia, democracia...), Constituição se igualaria, então, à forma de governo, o Estado, portanto, não teria uma Constituição democrática, ele seria uma Constituição (seria uma democracia). [30- 31] Nesses dois sentidos, Constituição é um status, estático (do ser), que todo Estado, invariavelmente, têm, mas em um terceiro sentido, entretanto, Constituição assume um caráter dinâmico, tornando-se um devenir (fluxo ininterrupto) da unidade política, o fenômeno de formação e criação continuamente renovada da unidade política. Dos mais diferentes interesses contrapostos, opiniões e tendências, deve se formar diariamente a unidade política. Aqui, é verdadeiro modo de se constituir o Estado, pois abarca a vontade individual e a estatal, no sentido de uma força ativa resultante das relações objetivas de poder (Lassale). A constituição é a livre formação da vontade do Estado, e a ordem do Estado é execução orgânica da vontade formada. [31-32] ( II ) Constituição como norma de normas (Constituição Jurídica)

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TEORIA DA CONSTITUIÇÃO – CARL SCHMITT

1. Conceito absoluto de Constituição

(A Constituição como um conjunto unitário)

A palavra constituição remonta à formação de um corpo, aos elementos que o compõem, assim, todo corpo ou objeto está em uma constituição particular ou tem sua própria constituição. A Constituição que se quer tratar aqui, porém, é a Constituição do Estado, da unidade política de um povo, que significa o Estado em si mesmo, ou uma forma especial e concreta de existência estatal. ( I ) Mas Constituição pode significar também um sistema fechado de normas, ( II ) também designando uma unidade, mas não concreta e sim, pensada, ideal. Ambos conceitos são conceitos absolutos de Constituição, pois oferecem um todo (concreto ou ideal).

( I ) Constituição como Estado (Constituição Real)

Em um primeiro sentido, Constituição pode ser a concreta situação de conjunto da unidade política e ordem social de certo Estado, então a palavra não designaria um sistema, mas seria o Estado em sua concreta existência política (Alemanha, França, Inglaterra...), o Estado não teria uma Constituição, o Estado seria Constituição. Em um segundo sentido, a Constituição pode ser tomada como uma maneira especial de ordem política e social, uma forma especial de domínio a que o Estado se submete (monarquia, aristocracia, democracia...), Constituição se igualaria, então, à forma de governo, o Estado, portanto, não teria uma Constituição democrática, ele seria uma Constituição (seria uma democracia). [30-31]

Nesses dois sentidos, Constituição é um status, estático (do ser), que todo Estado, invariavelmente, têm, mas em um terceiro sentido, entretanto, Constituição assume um caráter dinâmico, tornando-se um devenir (fluxo ininterrupto) da unidade política, o fenômeno de formação e criação continuamente renovada da unidade política. Dos mais diferentes interesses contrapostos, opiniões e tendências, deve se formar diariamente a unidade política. Aqui, é verdadeiro modo de se constituir o Estado, pois abarca a vontade individual e a estatal, no sentido de uma força ativa resultante das relações objetivas de poder (Lassale). A constituição é a livre formação da vontade do Estado, e a ordem do Estado é execução orgânica da vontade formada. [31-32]

( II ) Constituição como norma de normas (Constituição Jurídica)

Aqui Constituição é algo normativo, um dever-ser, mas não se trata de leis ou normas particulares, mas, sim, de uma regulação total da vida do Estado, da lei fundamental, lei das leis. Trata-se de uma unidade de normas jurídicas. Nesse sentido, Constituição só equivaleria ao Estado se considerarmos o Estado como algo desprovido de existência concreta, como um sistema de normas, uma ordem jurídica. É assim, portanto, que se passou a dizer que a Constituição é soberana, uma verdadeira personificação da norma, pois apenas aquilo que tem existência real pode ser soberano. Só é possível chamar de soberana uma norma quando não é vontade ou mandamento positivo, mas sim Verdade, Razão e Justiça racional e, portanto, tem determinadas qualidades; pois, doutro modo, é soberano precisamente aquele que quer e manda. [33]

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Esse modo de enxergar a Constituição pode ser encarado como similar àquele de Kelsen, pois apresenta também o Estado como um sistema e uma unidade de normas jurídicas. Schmitt o critica veementemente, afirmando que a teoria de Kelsen torna-se inteligível se contemplada como derivação última da teoria do Estado burguês de Direito, mas, aqui, construiu-se um verdadeiro sistema, com normas jurídicas que valiam antes que e sobre qualquer ser político, pois que justas e racionais (como a propriedade privada e a liberdade individual). Em Kelsen, pelo contrário, só valem as normas positivas. É dizer, aquelas que realmente valem, valem não porque devam valer, mas somente porque são positivas, sem considerar qualidades como razoabilidade, justiça... Aqui cessa de repente o dever-ser e desaparece a normatividade decorrente dele; em seu lugar, aparece uma tautologia de simples fatos: uma coisa vale, quando vale e porque vale. [34]

Na verdade, a Constituição é válida quando emana de um poder constituinte e se estabelece por sua vontade. A palavra “vontade” significa, em contraste com simples normas, uma grandeza do ser como origem de um dever-ser. Uma norma ou vale por que é justa (então, a lógica levaria ao direito natural, e não ao positivo) ou por que se origina em uma vontade existente, nunca se estabelece por si mesma. Quem diz que uma Constituição vale como norma fundamental, afirma isso por seu conteúdo de justiça, por que encerra um sistema fechado de preceitos justos, e não só por sua positividade. [33-34]

Ademais, não existe nenhum sistema constitucional fechado de natureza puramente normativa e é arbitrário conferir caráter de unidade e ordem sistemática a uma série de prescrições particulares (chamadas leis constitucionais). A ordem jurídica deve conter tanto o elemento normativo do Direito, quanto o elemento real da ordem concreta. A unidade e ordem residem na existência política do Estado, e não em leis. As ideias que consideram a Constituição como lei fundamental são quase sempre obscuras e imprecisas, essa unidade não passa de ficção, posta a diversidade de pensamentos e conteúdos presentes nas leis constitucionais. [34]

Essas concepções de sistema fechado têm origem histórica nos movimentos de codificação e na fé racionalista dominante no século XVIII que acreditava na capacidade do legislador formular um plano consciente e completo de toda a vida política e social. Já na época de Schmitt, restava claro que o texto de toda Constituição é independente da situação política e social do momento de sua elaboração. As razões porque certas determinações legais tornam-se constitucionais ou não é matéria das contingências políticas dos partidos, das oportunidades políticas. Na realidade, hoje o não se pode mais falar em “uma” Constituição, pois o conceito de constituição se relativizou para caracterizar o conceito de lei constitucional em particular, deixando de caracterizar uma unidade, e, sim, várias prescrições legais de mesmo tipo reunidas. [35-36]

2. Conceito relativo de Constituição

(A Constituição como uma pluralidade de leis particulares)

( I ) A relativização do conceito de Constituição consiste em, ao invés de se fixar o conceito de Constituição como um todo, define-se apenas o conceito de lei constitucional, segundo características externas (formais). Para esse conceito é indiferente o conteúdo da norma, já não se perguntará se ela é

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fundamental. Todas as normas da lei constitucional, mesmo as mais importantes, numa concepção formalista, são igualmente fundamentais, mas, na verdade, tornam-se igualmente relativas (são apenas mais um detalhe da Constituição). [37-38]

( II ) Há uma pretensão de se associar o conceito de Constituição em sentido formal com Constituição escrita. Porém, o caráter formal não advém apenas da suposta maior demonstrabilidade e estabilidade da lei positivada em texto, mas também da competência do órgão emissor. Ademais, nas constituintes de Constituições escritas elas não são pensadas como leis, mas sim como uma codificação, o que só faria sentido se levássemos em conta o conceito absoluto de Constituição, como um todo e como unidade. No entanto, o que se observa é apenas uma pluralidade de leis constitucionais escritas, pois indo além do conceito de lei constitucional se perde o conceito de Constituição, ou seja, o pretendido conceito formal só levou à relativização do conceito de Constituição, ao fazer dela, entendida como uma unidade fechada, um conjunto de prescrições legais externamente caracterizadas. [38-41]

( III ) A outra característica formal da lei constitucional é a reforma dificultada, com base nisso distinguem-se as constituições flexíveis (modificadas com a mesma dificuldade de uma lei comum) e as rígidas (que exigem procedimentos especiais de maior dificuldade). Procura-se colocar no requisito de reforma dificultada certa garantia de duração e estabilidade, mas o sentido primitivo de garantia de uma Constituição se perde quando esta é relativizada em leis constitucionais diversas. O conteúdo não deve ser uma coisa fundamental e destacada em razão de sua mais dificultosa reforma, ao contrário, deveria receber a garantia de duração pela sua qualificação de fundamental. Quando se trata de leis constitucionais em particular, essa garantia torna-se uma prática partidária para proteger da maioria parlamentar os interesses inscritos na Constituição. As prescrições constitucionais não recebem sua força da dificuldade de reforma, mas mesmo as prescrições sobre reforma, devem sua força à Constituição. Dessa maneira, a definição de Constituição baseada apenas no critério formal não traz nenhuma utilidade e é lógica e juridicamente insustentável, dessa maneira, é necessário adotar-se a distinção entre Constituição e leis constitucionais. [41-45]

3. Conceito positivo de Constituição

(A Constituição como uma decisão conjunta sobre o modo e forma da unidade política)

( I ) A Constituição em sentido positivo surge por meio de um ato do poder constituinte. Esse ato constitui uma determinação consciente da forma e modo da unidade política, cuja existência é anterior. Tal Constituição é, portanto, uma decisão consciente que a unidade política do povo, através do titular do poder constituinte, adota por si mesma e dá a si mesma. [45-46]

A Constituição não é coisa absoluta, pois não surge de si mesma, tampouco vale por virtude de sua justiça normativa ou de seu sistema fechado. Não se dá a si mesma, mas é dada por uma unidade política concreta e vale em virtude da vontade política existente daquele que lhe dá. As leis constitucionais, ao contrário, valem com base na Constituição e pressupõem uma Constituição. Todo ser tem uma constituição, mas nem toda entidade com existência política

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decide em um ato consciente a forma desta existência. Frente a essa decisão existencial, todas as regulações normativas são secundárias. [46-47]

( II ) A Constituição como decisão.

A distinção entre Constituição e lei constitucional só é possível porque a essência da Constituição não está em uma lei ou em uma norma. No fundo de toda normatividade reside uma decisão política do titular do poder constituinte, ou melhor, do povo na democracia. [47]

1. As decisões políticas fundamentais são aquelas que, por exemplo, decidem a favor da democracia, da república, pelo federalismo, pelo parlamentarismo, pelo Estado de Direito e seus princípios: direitos fundamentais e divisão de poderes. Essas determinações não são leis constitucionais, não são sequer leis. São mais do que leis ou normas, são as decisões políticas concretas que denunciam a forma política de ser do povo e formam o pressuposto básico de todas as normas posteriores, inclusive as leis constitucionais. [47-48]

2. O significado prático da distinção entre Constituição e lei constitucional se mostra nos seguintes exemplos de sua aplicação:

a) Que a Constituição possa ser reformada, não se quer dizer que o parlamento possa modificar as decisões políticas fundamentais que integram a substância da Constituição. Podem-se reformar as leis constitucionais, de acordo com as exigências de reforma dificultada, mas não se pode reformar a Constituição como totalidade. A democracia brasileira não pode ser transformada em uma monarquia por maioria parlamentar, mas somente pela vontade direta e consciente do povo, aí também residem as diferenças entre a assembleia constituinte e o parlamento. [49-50]

b) A Constituição é intangível, enquanto que as leis constitucionais podem ser suspensas e violadas durante o estado de exceção. A suspensão de direitos fundamentais, por exemplo, não atenta contra a decisão política fundamental nem contra a substância da Constituição, mas se dá, precisamente, em serviço da manutenção e subsistência dela mesma. [50]

c) A Constituição garante uma série de direitos fundamentais, mas que se distinguem de sua regulação concreta em uma lei constitucional. Por meio das regulações constitucionais e legais admitem-se amplas intervenções nos direitos fundamentais garantidos, mas, a medida que esses direitos são negados, a Constituição é violada. [51]

d) Quando se jura à Constituição, não se jura a cada uma das leis constitucionais, nem tampouco se faz um (imoral) juramento em branco, que se submeteria a tudo decorrente do procedimento de reforma. O juramento é o reconhecimento da forma de existência política do Estado, denota uma Constituição entendida em seu sentido próprio e positivo. [51]

e) A alta traição é um ataque à Constituição, não a uma lei constitucional. [51]

g) Algumas prescrições constitucionais podem continuar valendo como prescrições legais após a abolição da Constituição. [51]

( III ) O caráter de compromisso da Constituição de Weimar.

1. A Constituição de Weimar é uma Constituição porque contém as decisões políticas fundamentais da forma de existência política concreta do povo alemão. Porém, no texto da Constituição encontram-se alguns compromissos e

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obscuridades que não contêm decisão alguma, mas que neles, pelo contrário, os partidos políticos buscaram contornar a exigência de se tomar uma decisão. As decisões ligadas imediatamente à decisão política não podem ser contornadas, ou então a Constituição não existiria. Elas acabam recaindo fora da assembleia, por vias violentas ou pacíficas, como no plebiscito de manutenção ou não da república presidencialista, ocorrido após a Constituição Brasileira de 1988 e prevista em suas disposições transitórias. [52]

2. No texto da Constituição também se encontra uma reunião de programas e prescrições positivas baseadas nos mais distintos conteúdos e convicções políticas, sociais e religiosas, mesclados em uma síntese frequentemente confusa. Deve-se observar que, nesses casos, em geral, é possível apenas um compromisso. Já as decisões políticas fundamentais não podem ser evitadas, mesmo que se tentasse, resultaria em uma decisão apócrifa (falsa), e a decisão concreta teria lugar, portanto, na via do direito consuetudinário, da prática. [53]

3. As determinações da Constituição de Weimar contêm, ademais, uma série de compromissos não autênticos, apócrifos, porque não afetam as decisões objetivas e se destinam somente a atrasar essas decisões. Nesses casos, ocorre o reconhecimento de princípios contraditórios, uns juntos aos outros, em um mesmo plano de igualdade, não contendo decisão objetiva alguma, mas um envio a um compromisso posterior. Isso acontece quando uma coalisão de partidos encontra um momento favorável para proteger seus interesses particulares contra as inconstantes maiorias parlamentares. Portanto, aonde não há vontade, não cabe interpretação. Não há como descobrir a vontade da lei, pois ela é inexistente, os mais opostos partidos políticos costumam poder invocar as prescrições constitucionais desse tipo, assim, a interpretação irá recair na própria decisão política a ser tomada posteriormente, e não na interpretação da lei constitucional. [54-57]

4. Conceito ideal de Constituição

(“Constituição”, chamada assim em um sentido distintivo e em razão de um certo conteúdo)

( I ) Por razões políticas, cada partido em sua luta reconhece como verdadeira Constituição apenas aquela que corresponde a seus postulados políticos. Desta forma, chega-se a um conceito singular, distintivo, de Constituição, que atende à visão política de cada grupo. Com a aglomeração de conceitos diversos de Constituição, surge, frequentemente, confusão e obscuridade, pois que, cada grupo, tem uma visão diferente do que seriam os conceitos (imprecisos por necessidade) da vida do Estado, como a Liberdade, o Direito, a Ordem Pública e Segurança. Liberdade, por exemplo, toma sentidos diferentes em um Estado laico e em um confessional, em um Estado burguês em um socialista etc. [58-59]

( II ) O conceito ideal de Constituição do Estado de Direito

Desde o Séc. XVIII, na história constitucional, um determinado conceito ideal de Constituição tem prosperado tanto, que só se denominou de Constituição aquelas que correspondiam às demandas de liberdade burguesa e continham certas garantias da dita liberdade. Outras Constituições que não

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atendiam a esses preceitos eram consideradas despotismo, ditadura, escravidão, tirania ou o que se queira chamar. [59]

1. Constituição = um sistema de garantias de liberdade burguesa.

Esse conceito assenta-se na divisão, baseada em Montesquieu, que as discrimina de acordo com seu objeto e fim imediatos em Constituições não-liberais (“glória do Estado”), e Constituições liberais (“a liberdade política dos cidadãos”). Assim, só se considerariam Constituições liberais, dignas da denominação “Constituição”, aquelas que continham algumas garantias da liberdade burguesa, como o reconhecimento de direitos fundamentais, a divisão entre os poderes e a participação popular no poder legislativo por meio de representação. [59-60]

2. Constituição = a chamada divisão (ou melhor, distinção) dos poderes.

A divisão entre os poderes é considerada, desde o Séc. XVIII, como conteúdo necessário de uma Constituição liberal e autêntica, se traduz na garantia orgânica contra o abuso de poder do Estado. Assim, a Declaração francesa de Direitos do Homem, de 1789, diz que as sociedades onde não está assegurada a garantia dos direitos, nem a separação dos poderes, “não têm uma Constituição”. [60-61]

3. Constituição = Constituição escrita.

A exigência política de uma Constituição escrita, forjada em um documento, levava a uma equiparação entre Constituição e Constituição escrita, mas, o caráter escrito só ocorre por acreditar-se garantir uma maior estabilidade contra a variante maioria parlamentar. [61]

( III ) O conceito ideal hoje dominante é o ideal de Constituição do Estado burguês de Direito. Sua particularidade consiste em que, com ele, se adota um ponto de vista crítico e negativo frente ao poder do Estado, protegendo o cidadão contra o abuso de poder estatal. A tendência do Estado burguês de Direito vai no sentido de deslocar o político, transformando as atividades do Estado em competências, limitadas em princípio, rigorosamente circunscritas. Assim, o característico do Estado burguês só pode integrar uma parte da Constituição total do Estado, enquanto a outra parte contém a decisão positiva da forma de existência política. É da união desses dois elementos que temos a Constituição particular de um determinado Estado. [62]

5. O significado da palavra “lei fundamental” ou norma fundamental

( I ) Olhar panorâmico. [63-64]

1. Em um sentido genérico, impreciso, chamam-se “leis fundamentais” todas as leis que tem singular importância política às pessoas ou grupos politicamente influentes em determinado momento.

2. Lei fundamental = norma absolutamente inviolável (não pode ser reformada).

3. Lei fundamental = toda norma relativamente invulnerável (tem sua reforma dificultada).

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4. Lei fundamental = o último princípio unitário da unidade política e da ordenação coletiva (conceito absoluto de Constituição).

5. Lei fundamental = qualquer princípio particular de ordenação estatal (direitos fundamentais, separação de poderes, princípio monárquico, princípio representativo etc.)

6. Lei fundamental = a norma última para um ordenamento normativo (se destaca o caráter normativo, o elemento “lei”).

7. Lei fundamental = toda regulação orgânica de competência e procedimento das atividades estatais politicamente mais importantes.

8. Lei fundamental = toda limitação normativa das atividades estatais.

9. Lei fundamental = Constituição em sentido positivo (não tem como conteúdo uma norma especial, mas uma decisão política).

( II ) Essas distintas significações se misturam de diversos modos, conforme se acentue um ou outro aspecto, mas resultando, quase sempre, em uma superficialidade confusa. Em geral, pode-se dizer que o conceito de lei fundamental se relativiza e pluraliza quando se dissolve a consciência da existência política, enquanto se faz presente o pensamento da Unidade quando essa consciência volta a se intensificar. [64]

( III ) Nas exposições seguinte, Schmitt passa a referir-se com a palavra Constituição, apenas seu sentido de conceito positivo. Da mesma forma, sempre faz a distinção entre Constituição e Lei Constitucional. [65]

6. O nascimento da Constituição

( I ) Uma Constituição nasce ou mediante decisão política unilateral do sujeito do Poder Constituinte, ou mediante convenção plurilateral de vários desses sujeitos.

Uma Constituição, no sentido de status idêntico à situação total do Estado, nasce naturalmente com o próprio Estado. Não é emitida nem convencionada, mas é igual ao Estado concreto em sua unidade política e ordem social. Constituição no sentido positivo, significa o ato consciente de configuração dessa unidade política, por meio do qual a unidade recebe sua forma especial de existência. [66]

( II ) Olhar histórico sobre o nascimento das modernas Constituições europeias.

7. A Constituição como um pacto

(O autêntico pacto constitucional)

( I ) Distinção do chamado contrato social ou do Estado, em relação ao pacto constitucional.

As construções de um contrato social de sociedade ou do Estado, servem para fundar a unidade política do povo. O contrato social está suposto na doutrina do Poder Constituinte do povo, pois que sua construção é necessária. O

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contrato social não é idêntico em nenhum caso à Constituição em sentido positivo, ou seja, às decisões políticas concretas, e muito menos às regulações legal-constitucionais emitidas com base naquelas decisões. Um pacto constitucional ou uma convenção constitucional não fundam a unidade política, mas a pressupõe. [80-81]

( II ) Um autêntico pacto constitucional supõe, pelo menos, duas partes existentes, cada uma das quais contém um sujeito de um Poder Constituinte, sendo, portanto, uma unidade política. Um autêntico pacto constitucional é, normalmente, um pacto federal.

Com o pacto federal surge uma nova Constituição. Todos os membros da federação recebem um novo status político de conjunto, de modo que coexistem, uma junto a outra, a unidade política da Federação e a existência política de seus membros. [82]

( III ) O autêntico pacto constitucional é sempre um pacto de status, posto que fundam um novo status para todos os Estados participantes do acordo. É um pacto livre, pois repousa na vontade dos sujeitos concorrentes, mas não é um pacto livre no conceito jusprivatista de contrato, apoiado na “liberdade de contratação” liberal-burguesa, pois abarca toda a existência da entidade política. [85]

( IV ) Mediante o pacto ou convenção só pode surgir uma Constituição Federal e só daqueles Estados que se convertem em membros da Federação. À existência política corresponde a autodeterminação. [88]