TEORIA DA HISTÓRIA E RELAÇÕES INTERNACIONAIS

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    UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JLIO DE MESQUITA FILHOFACULDADE DE HISTRIA, DIREITO E SERVIO SOCIAL

    EDUARDO MEI

    TEORIA DA HISTRIA E RELAES INTERNACIONAIS:

    DOS LIMITES DA OBJETIVIDADE HISTRICA HISTRIAUNIVERSAL EM RAYMOND ARON

    Franca

    2009

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    Mei, EduardoTeoria da histria e relaes internacionais : dos limites da

    objetividade histrica histria universal em Raymond Aron /Eduardo Mei. Franca : UNESP, 2009

    Tese Doutorado Histria Faculdade de Histria, Direitoe Servio Social UNESP

    1. Histria Teoria. 2. Relaes internacionais. 3. RaymondAron Crtica e interpretao. 4. Histria universal.

    CDD 327

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    EDUARDO MEI

    TEORIA DA HISTRIA E RELAES INTERNACIONAIS:

    DOS LIMITES DA OBJETIVIDADE HISTRICA HISTRIA

    UNIVERSAL EM RAYMOND ARON

    Tese entregue ao Programa de Ps-Graduao daFaculdade de Histria, Direito e Servio Social, daUnesp-Franca para obteno do ttulo de Doutor emHistria e Cultura. rea de concentrao: CulturaPoltica

    BANCA EXAMINADORA

    Presidente_____________________________Orientador: Prof. Dr. Hctor Luis Saint-Pierre

    1 Examinador

    ______________________________________

    2 Examinador______________________________________

    3 Examinador

    ______________________________________

    4 Examinador

    ______________________________________

    Franca, _____de___________, de 2009.

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    Agradecimentos

    Como todo trabalho acadmico, este o resultado da colaborao direta, indireta

    ou mesmo annima de muita gente. Desde j aceitem minhas escusas porqualquer omisso.Primeiramente gostaria de agradecer ao meu orientador, professor Hctor LuisSaint-Pierre, pelo estmulo, ateno, pacincia e presso sem os quais estetrabalho jamais seria concludo.Agradeo tambm s professoras Suzeley Kalil Mathias e Teresa Malatian pelassugestes, advertncias e comentrios feitos ao meu trabalho no exame deargio desta tese.

    CAPES, pela bolsade estudos a mim concedida.A todos os professores do programa de ps-graduao em Histria, pela atenodispensada s minhas demandas bastante inusitadas.A todos os professores e colegas do DECSPI e , em especial, Vnia e a Denis,que sempre so muito solcitas para comigo.Sou tambm muito grato ao servidores da Secretaria de ps-graduao, Masa,Luzinete, Gigi, caro e Alan, que foram sempre muito atenciosos e pacientescom minha inaptido para prazos e regulamentos.

    Sou muito grato tambm aos funcionrios da biblioteca da FHDSS,especialmente, Laura e Silvana, que sempre foram muito solcitos paracomigo.Agradeo, enfim, a todos os professores e funcionrios, efetivos e terceirizados,da FHDSS, que de alguma maneira contriburam para que minha passagem pelocampus fosse mais cmoda e agradvel.Agradeo tambm aos meus amigos, que so muitos e, em especial,Ao Hctor, o terno aguilho, pelo afeto e lealdade com que sempre me tratou.

    Suzeley, que com muito carinho e zelo disps-se prontamente a corrigir otexto desta tese.Aos meus afetuosos amigos de Franca, rica, Maria Ceclia e Lucas, sempremuito atenciosos, carinhosos e leais comigo, e tambm aos de Campinas, semcujo lenitivo tudo seria mais difcil.Agradeo tambm a todos os colegas do GEDES, que indireta ou anonimamentecolaboraram para a realizao deste trabalho.Agradeo, enfim, minha me, meus irmos e Claudia, que facilitaram tudocom seu afeto.

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    TEORIA DA HISTRIA E RELAES INTERNACIONAIS:Dos Limites da Objetividade Histrica Histria Universal em Raymond

    Aron

    Resumo

    Analisamos neste trabalho a articulao entre a teoria da histria e as relaesinternacionais na obra de Raymond Aron (1905-1983). A obra de Aron assentaseus fundamentos na sua tese de doutorado de inspirao neokantiana(Introduction la philosophie de lhistoire). Essa obra ainda no mereceu suatraduo para a lngua portuguesa e talvez por isso seja pouco conhecida noBrasil. Ao criticar o positivismo, ento predominante na universidade francesa crtica hoje amplamente aceita , Aron deparou-se com um problema

    fundamental: como evitar que essa crtica implicasse numa soluo relativista oumesmo ctica e niilista? Nossa tese que a tentativa de superar o relativismoencaminha Aron para uma reflexo sobre a histria universal. Perguntamo-nosse e em que medida o estudo das relaes internacionais contribuiu para essasuperao. Defendemos que um retorno a Kant o que melhor soluciona oproblema apresentado por Raymond Aron.

    Palavras-chaves: Raymond Aron, neokantismo, historicismo, relaesinternacionais, guerra fria, histria universal.

    ResumenCon en este trabajo analizamos la articulacin entre la teora de la historia y lasrelaciones internacionales en la obra de Raymond Aron (1905-1983). La obra deAron se fundamenta en su tesis de doctorado de inspiracin neokantiana(Introduction la philosophie de lhistoire). Esa obra an no ha merecido supublicacin en lengua portuguesa, tal vez por eso sea tan poco conocida en elBrasil. Al criticar al positivismo, en aquel entonces predominante en launiversidad francesa crtica hoy ampliamente aceptada , Aron se depar conun problema fundamental: como evitar que esa critica implicase en una solucinrelativista o mismo escptica y nihilista? Nuestra tesis es que la tentativa desuperar el relativismo encamina a Aron para una reflexin sobre la historiauniversal. Preguntmonos si y en que medida el estudio de las relacionesinternacionales contribuy para esa superacin. Defendemos que un retorno aKant el lo que mejor soluciona el problema colocado por Raymond Aron.

    Palabras claves: Raymond Aron, neokantismo, historicismo, relacionesinternacionales, guerra fra, historia universal.

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    Rsum

    Nous analysons dans cette tude, la relation entre la thorie de l'histoire et

    les relations internationales dans les travaux de Raymond Aron (1905-1983). Luvre de Aron affermit son fondement dans sa thse de doctoratd'inspiration neokantiana (Introduction la philosophie de l'histoire). Cetravail n'a pas encore reu leur traduction en portugais, et peut-tre rconsquent elle soit peu connue au Brsil. En raison de sa critique dupositivisme, alors en vigueur dans l'universit franaise critiquedsormais largement admis , Aron a t confront un problmefondamental: comment viter que cette critique a entran une solutionrelativiste ou mme sceptique et nihiliste? Notre thse est que la tentativede surmonter le relativisme entrane Aron une rflexion sur l'histoireuniverselle. Nous nous demandons si et dans quelle mesure l'tude desrelations internationales a contribu ce dpassement. Nous croyons que leretour Kant est celui qui correspond le mieux de rsoudre le problmeprsent par Raymond Aron.

    Mots-cls: Raymond Aron, neokantisme, historicisme, relationsinternationales, guerre froide, histoire universelle.

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    SUMRIO

    NOTA BIBLIOGRFICA1

    INTRODUO2

    Captulo I S MARGENS DO RENO 21

    Desesperado ou Satnico? 22

    De Caminhos e Fronteiras 32

    A Terceira Repblica 40

    Captulo II LIMITES DA OBJETIVIDADE HISTRICA 58

    Captulo III A SUPERAO DO RELATIVISMO HISTRICO 83

    Captulo IV AAURORA DA HISTRIA UNIVERSAL 106

    CONCLUSO 131

    ANEXO: 139CRONOLOGIA 140

    BIBLIOGRAFIA 145

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    Abreviaturas utilizadas para as obras de Raymond Aron

    CG Chroniques de Guerre

    DAS Les dernires anns du sicle

    DCH Dimensions de la conscience historique

    EP Etudes Politiques

    EPS Les tapes de la pense sociologique

    ES tudes Sociologiques

    HP Histoire et politique

    IPH Introduction la philosophie de lhistoireLGC Les guerres en chane

    LSH Leons sur lhistoire

    Mm Mmoires

    MI Dune Sainte Famille lautre. Essai sur les

    marxismes imaginaires

    MTM Machiavel et les tyrannies modernes

    OI Lopium des intellectuels.P Polmiques

    PCH La philosophie critique de lhistoire

    PGN Paix et guerre entre les nations

    PLG I e

    II

    Penser la guerre, Clausewitz. t. I. Lge europen,

    t. II. Lge planetaire

    RI Rpublique imperiale les tats-Unis dans le

    monde, 1945-1972

    SAC La sociologie allemande contemporaneSE Le spectateur engag. Entretien avec Jean-Louis

    Missika et Dominique Wolton

    SIG La socit industrielle et la guerre

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    Introduo

    Raymond Aron nasceu em Paris, a 14 maro de 1905, e faleceu na

    mesma cidade em de outubro de 1983, consagrando-se como um dos grandes

    intrpretes do mundo contemporneo. Porm, embora seu interesse fosse a

    histria vivida e sua vida praticamente coincida com o breve sculo XX, por

    ora deixemos de lado suas tribulaes. Permita-nos, pois, primeiramente

    discorrer sobre o interesse da obra. Ao que parece, s tardiamente esta teve omerecido reconhecimento e este s aumentou aps a sua morte. A queda do

    muro de Berlim, o colapso da URSS, o fim da guerra fria so marcos dessa

    guinada. Todavia, por isso mesmo talvez a imagem que temos de Aron deva ser

    retocada. De qualquer modo, a sua obra, embora conhecida, ainda no mereceu

    muitos estudos sistemticos. Provavelmente porque, como disse um estudioso,

    a amplitude da obra de Raymond Aron sempre desesperou os comentadores.1

    Este autor manifestara a esperana de que a publicao de obras inditas e

    pstumas, das obras completas, enfim permitisse estudar sua contribuio em

    profundidade.

    No obstante, essa tarefa parece ainda longe de concluda. De fato,

    alm da amplitude em volume de pginas e diversidade de assuntos, outras

    dificuldades se acrescentam, entre as quais se destaca a de digerir sua filosofia

    da histria, formulada s vsperas da Segunda Guerra Mundial. Com efeito, nas

    suas Memrias, Aron notara que a Introduo filosofia da histria sua tese

    1Stanley HOFFMANN, Raymond Aron et la theorie de las relations internationales In:

    Politique trangre, Anne 1983, Volume, Numro 4. Disponvel em:http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/polit_0032-342x_1983_num_48_4_5707 .ltimo acesso em 15/07/2008.

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    de doutorado defendida em 1938, s vsperas da Anschluss2

    esclarecia para ele

    mesmo sua maneira de pensar a poltica (Mm, p. 125) e registrara a dificuldade

    de leitura da obra (Mm,pp. 115 e ss). Assim, no causa espanto que mais de 30anos depois algum ponderasse:

    Como possvel que teses to magistrais, to revolucionrias para apoca e que levantam tantos problemas no tenham sido antesexaminadas e discutidas? Pois enfim, eu o repito, de meu

    conhecimento, no existe ainda um estudo de conjunto digno delas.3

    Nem surpresa que, treze anos depois, reiterassem tais palavras, ou que em 1995,

    ainda notassem o reconhecimento pblico tardio da obra de Aron, acrescentando

    que talvez a especializao universitria representasse um obstculo sua

    compreenso.4

    Se assim na Frana, que dizer de outros pases?

    Alm disso, outra dificuldade se impe ao estudo da obra de Aron.

    Embora seja referncia obrigatria em vrias reas das cincias histrico-sociais,

    poucos so os estudos sistemticos que a tomam por objeto, e as referncias a

    ela esto dispersas numa mirade de artigos e livros. Por isso, faz-se necessrio

    privilegiar a anlise interna da obra em detrimento de outras abordagens. Porm,

    nesse caso, corre-se o risco de perder-se numa anlise estrutural que, embora

    tenha o seu valor, tem o inconveniente de descurar a influncia que a obra sofre

    da histria-que-se-faz, justamente no caso de um autor em que a histria em

    processo o centro da reflexo. Inconveniente maior ainda para aqueles que no

    esto familiarizados com a histria francesa e europia do perodo em questo.Por tudo isso, optei por um caminho diferente do tomado por Sylvie Mesure

    que, em Raymond Aron et la raison historique, intenta expor a crtica da razo

    2A anexao da ustria pela Alemanha.

    3

    Gaston FESSARD Apud SylvieMESURE, Raymond Aron et la raison historique. Paris: Vrin,1984, p. 7.4

    Stephen LAUNAY, La pense politique de Raymond Aron. Paris: P.U.F., 1995, p. 3.

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    histrica aroniana com base numa anlise das obras afetas a essa problemtica,

    mas no faz distino entre as obras anteriores sovietizao do Leste europeu e

    as que lhe so posteriores, como se a Segunda Guerra Mundial e suasconseqncias fossem eventos de pouca monta. Por um caminho diferente

    tambm do tomado por Stephen Launay, que intenta apresentar uma anlise

    sistemtica do conjunto da obra a partir da sua inteno filosfica.

    Meu propsito mais modesto. Trata-se apenas de apresentar uma

    interpretao da obra de Aron alicerada no estreito vnculo da sua teoria da

    histria com a teoria e a anlise das relaes internacionais. O prprio Aron

    insistia sobre este vnculo. Em um artigo intitulado "Thucydide et le rcit

    historique", Aron se pergunta se a guerra de 1914-1945 no encontraria seu

    Tucdides para conferir-lhe a devida importncia (DCH, pp. 148-9). De fato, as

    guerras que devastaram a Europa no sculo XX no se assemelhariam guerra

    que levou a civilizao helnica ao colapso? Se as duas grandes guerras

    mudaram a fisionomia do mundo, porque ento seria ilegtimo fazer-lhes a

    narrativa? Esse tema recorrente retomado em um curso ministrado no Collge

    de France em 1973-4 e publicado sob o ttulo Leons sur lhistoire, no qual

    Aron refere-se importncia da histria e teoria das relaes internacionais:

    nesse domnio que a narrativa se impe mais freqentemente, e que a narrativa

    de estilo tucididiano continua a guardar sua legitimidade. (LSH, p. 334)

    Portanto, ao que parece, esse domnio estrategicamente o mais apropriado parauma anlise da obra de Aron.

    Entretanto, mesmo excluindo da anlise uma parte expressiva da obra

    de Aron como o caso, por exemplo, da referente ao debate poltico-

    ideolgico e Sociologia das sociedades industriais , o tema referente ao

    vnculo da teoria da histria com os estudos das relaes internacionais ainda

    demasiado amplo. Diante dos limites que se nos impem, faz-se necessrio

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    circunscrever o tema a um problema especfico. Como, porm, espero contribuir

    para a compreenso do conjunto da sua obra, este problema deve envolver os

    seus fundamentos e, portanto, convm que o tema no seja perifrico. Ora,segundo o prprio Aron, em 1931 que ele define o tema de suas reflexes: a

    condio histrica do homem. Os estudos na Alemanha levaram-no ao contato

    com autores e obras de inspirao neokantiana, que partiam do pressuposto que

    Kant no conhecia a histria e que sua Crtica da razo pura aplicava-se apenas

    s cincias naturais. Da a necessidade de uma crtica da razo histrica,

    conforme a expresso cunhada por Dilthey. Haveria em Kant uma tenso entre a

    delimitao dos limites do conhecimento histrico e uma teleologia da histria.

    Contudo, os neokantianos alemes, concordes na recusa de toda metafsica,

    digladiavam-se em torno do que fundamentaria a especificidade da cincia

    histrica. Depois de defrontar-se com o que denominou filosofia crtica da

    histria, Aron assenta os alicerces da sua filosofia da histria e de toda sua

    obra. De fato, ele considera acerca da Introduo filosofia da histria (sua tese

    de doutorado e ponto culminante dos seus estudos na Alemanha): ela

    "esclareceu o modo de pensar poltico que se tornou depois disso o meu e

    assim permanece no outono de minha vida" (Mm, p. 125 [137]). Porm, no se

    deve confundir a filosofia a esboada com a filosofia da histria e os grandes

    sistemas do incio do sculo XIX (IPH, p. 9). A filosofia da histria concebida

    por ele em sua tese de doutorado consiste em uma filosofia da existncia

    histrica. Em suas palavras, o livro conduzia a uma

    Filosofia histrica que tambm em um sentido uma filosofia dahistria, na condio de definir esta no como uma viso panormicada coletividade humana, mas como uma interpretao do presente oudo passado vinculada a uma concepo filosfica da existncia.(Mm, p. 119)

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    histrico e definiam os termos da filosofia poltica aroniana. Contudo essa

    soluo denota o contexto muito particular em que suas teses foram escritas.

    Com efeito, em suas Memrias, Aron esclarece o pthos sob o qual redigiu aIntroduo. Alm de faz-lo aodadamente, devido iminncia da guerra (Mm,

    p. 129), ele pondera: as ltimas pginas da tese testemunham a tenso entre

    minhas reaes imediatas, afetivas experincia histrica, e minhas

    especulaes. (IPH, p. 128)

    Colocados nesses termos, o problema talvez parea demasiado

    abstrato. Entretanto, podemos recoloc-lo de tal modo que, dissipando as

    brumas etreas da reflexo filosfica, se apresentem mais palpveis seus

    contornos concretos. Se consideramos a objetividade histrica; se formulamos

    o problema da possibilidade ou impossibilidade de um conhecimento

    universalmente vlido, situamo-nos na Europa.6

    Porm, so tambm europias a

    criao de um mercado mundial e a presuno ou idia de uma histria

    universal, esta ltima, legado das Luzes europias. Sob essa perspectiva, o

    historicismo tanto a crtica das verdades estabelecidas da ingenuidade ou

    arrogncia positivista quanto a manifestao da crise europia. No causa

    surpresa, portanto, que essa crise apresentasse um carter gnosiolgico e moral.

    Notadamente em Husserl, filsofo judeu, que em 1935, em conferncias

    proferidas em Viena e Praga sobre A crise das cincias europias e a

    fenomenologia transcendental, considera A crise das cincias como expresso

    6Notveis a respeito as consideraes de Hans Georg-Gadamer: Quando o que est em

    questo a cincia, ns sempre necessitamos de uma reflexo sobre a Europa, sobre a unidadeda Europa e sobre o seu papel no dilogo mundial no qual entramos. Como quer que se queiradescrever mais exatamente a cincia, e qualquer que possa ser o carter particular da cinciado homem, totalmente inegvel que se trata a da cincia desenvolvida na Grcia, a cinciaque apresenta o carter distintivo da cultura mundial que teve seu ponto de partida naEuropa. CF. Hans-Georg GADAMER, Cidados de dois mundos (1985) In: Hermenuticaem retrospectiva (Vol. III: Hermenutica e filosofia prtica). (Traduo de Marco AntonioCasanova). Petrpolis: Vozes, 2007, p. 9.

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    da crise radical da vida na humanidade europia7

    mesmo que palavras como

    Europa e humanidade deixem-nos perplexos. Nem causa surpresa, que essa crise

    se manifestasse tambm em Aron, que frisa o carter histrico dos cdigosmorais e questiona os valores transcendentes. As dvidas quanto objetividade

    histrica e sua superao esto atreladas, pois, ao destino da Europa

    extremamente duvidoso at o limiar dos anos 1990, pois, dividida, no poderia

    fazer frente aos dois super-Estados.

    Podemos considerar, por conseguinte, que o cerne da teoria da histria

    aroniana constitudo por dois elementos: a demarcao dos limites da

    objetividade histrica e a exigncia de superar o relativismo que tais limites

    implicam. justamente o segundo elemento que distingue a inteno filosfica

    de Aron daquela de Weber.8

    Porm, se a demarcao de tais limites implicava a

    refutao do positivismo, ento dominante nas universidades francesas, tambm

    poderia tudo dissolver no relativismo e mesmo no niilismo. De fato, como na

    investigao histrica, no possvel pretender que o conhecimento seja uma

    simples cpia do objeto, nela intervm a subjetividade do historiador que jamais

    um sujeito transcendental. Coloca-se portanto a necessidade de determinar o

    papel da subjetividade do historiador na construo do mundo histrico.

    Entretanto, se praticado irrefletidamente, a ponderao do carter subjetivo do

    conhecimento histrico precisamente o que poderia precipitar a teoria do

    7Trata-se do ttulo da primeira parte da obra que rene as conferncias sob o ttulo

    mencionado. CF. Edmund HUSSERL, La crise des sciences europennes et la philosophietranscendantale. (Traduit de lallemand et prefac par Grard Granel). Paris : Gallimard,1976.8

    Cf. Sylvie MESURE, Note pour la prsente dition In: Introduction la philosophie delhistoire. Essai sur les limites de lobjectivit historique. Nouvelle dition revue et annotepar Sylvie MESURE. Collection Tel, n. 58. Paris: Gallimard, 1986; pp. I-X, passim. N.BAVEREZ, Raymond Aron: un moraliste au temps des idologies. Paris: Flammarion, 1993; p.143.

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    conhecimento histrico de uma tese objetivista em uma anttese subjetivista e

    relativista, e finalmente ctica.9

    Inconveniente particularmente temerrio diante

    da ameaa de uma guerra para a qual a Frana no estava preparada.

    Todavia, alm de estabelecer os fundamentos da sua obra, a tese de

    Aron coloca um problema cuja soluo o acompanhar at seus ltimos dias.

    Com efeito, a crtica da razo histrica aroniana coloca os limites da

    objetividade histrica entre margens estreitas: de um lado, os limites da

    objetividade histrica, de outro, os limites do relativismo histrico. Assim, Aron

    ensaia formular uma epistemologia da Histria simultaneamente antipositivista e

    anti-relativista.10

    Porm, como o prprio Aron observa em suas Memrias, a

    obra no atingiu o equilbrio esperado:

    A construo do universo histrico, tal como eu o descrevia, noimplicava tanto relativismo quanto freqentemente se me atribuiu(por falta minha, doutra parte). (Mm, p. 122)Depois da concluso das minhas teses, na primavera de 1937 [],eu pensava em uma introduo s cincias sociais que corrigiria orelativismo excessivo imputado Introduction. (Mm, p. 152)

    O projeto de corrigir esse excessivo relativismo permaneceu at os ltimos dias

    de Aron.11

    Entretanto, cabe lembrar que, embora assente-se em uma

    epistemologia do conhecimento histrico isto , em uma reflexo sobre a

    compreenso e a explicao causal nas cincias histrico-sociais, os limites e a

    complementaridade recproca entre ambas , a filosofia da existncia histrica

    aroniana uma reflexo sobre a condio histrica do homem, tanto do cientista

    9Cf. Sylvie MESURE, De lantipositivisme lantirelativisme. Raymond Aron et le problme

    de la relativit historique. Paris: Julliard, Commentaire, Automne 1986, volume 9/numro35, p. 473.10

    Cf. Sylvie MESURE, De lantipositivisme lantirelativisme. Raymond Aron et le

    problme de la relativit historique. Paris: Julliard, Commentaire, Automne 1986, volume9/numro 35. pp. 471-478.11

    Cf. S. MESURE, Op. cit., p. 471.

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    quanto do poltico. Isso explica a ausncia em sua tese de um estudo sobre o

    mtodo historiogrfico e a recente historiografia francesa. De fato, a

    Introduction aux tudes historiques de Langlois e Seignobos sequer mencionada. No obstante, a tese de Aron representa uma revolta contra o

    establishment acadmico francs, particularmente em seu carter positivista e

    racionalista dogmtico. Essa revolta contra o positivismo, disseminado na

    academia francesa, foi o efeito mais notrio da ascenso de Hitler e do contato

    de Aron com o relativismo historicista, dominante nas universidades alems.12

    Assim, se a subjetividade do historiador marca a perspectiva com a

    qual ele observa o passado, se do presente e das inquietaes quanto ao futuro

    que surgem os temas e problemas que levam seleo do objeto, definio do

    mtodo de trabalho, e mesmo os resultados da pesquisa, como evitar o

    relativismo? Como evitar que a prpria Histria seja condenada ao passado uma

    vez que a situao mude? Claro est que para resistir ao efeito deletrio do

    tempo, para manter-se atual, o conhecimento histrico deve ter algo de perene.

    Ento cabe a pergunta: em que medida a obra de Aron marcada pela situao

    em que produzida? Em que medida ela resistiu s transformaes que se

    processaram no mundo desde o final do sculo XX? Para responder a essas

    questes preciso examinar sua obra e o contexto em que ela foi produzida.

    Ora, Aron via o sculo XX como extremamente belicoso. De fato, a guerra, mas

    12A esse respeito sujestiva a resenha de Marrou : Votre tche est facile dfinir: liquider le

    positivisme, retrouver l'originalit de la connaissance historique. Je sais bien que lesthoriciens de l'histoire scientifique, Langlois-Seignobos par exemple, se sont toujoursdfendus en principe d'appliquer sans transposition les mthodes des sciences physico-chimiques. Bien entendu! On ne fait pas de l'histoire avec des prouvettes et une balance!Mais dfaut du dtail concret de la mthode, ils ont emprunt la physique classique sescatgories fondamentales, et son idal de connaissance. L'histoire elle aussi serait une science,objective, valable pour tous, contraignante; objective encore par son mode d'laborationcollective, progressive, procdant par accumulation de dcouvertes partielles etfragmentaires.

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    tambm a paz, est no centro de suas reflexes.13

    Desse modo, as relaes

    internacionais a alternncia de paz e guerra incidem no apenas nas suas

    obras histrico-sociais, mas tambm na prpria elaborao da filosofia que asalicera. Com efeito, a dcada de 1930 no marcada apenas pela crise

    econmica. A Primeira Guerra Mundial est ainda viva nas runas, nos

    mutilados, nas freqentes homenagens aos soldados. E, medida que a dcada

    avana, exacerba-se a terrvel ameaa de outra guerra. Porm, h os que diriam

    que guerras como aquelas so coisa do passado, ao que os cticos, realistas e

    belicistas replicariam que sob esse ponto de vista a obra de Aron no apenas

    atual, mas trata de um problema inerente condio humana, o conflito, a

    violncia e a guerra.

    Todavia, ainda de outro modo o problema do relativismo histrico se

    vincula s relaes internacionais. Como, afinal, no se colocar diante da guerra

    de uma posio que no seja relativa? O problema da objetividade histrica est

    estreitamente vinculado s relaes internacionais. Com efeito, como observa

    Aron ao comentar a obra de Rickert, o acordo quanto a valores formais

    restringe-se a uma poca ou coletividade e a objetividade do conhecimento

    histrico ou limita-se a um grupo consensual de observadores ou depende de

    valores universais (PCH, pp. 151-2, passim). Pode-se presumir que haja valores

    e interesses comuns quando se trata de estudar a histria de uma nao. Em

    13A respeito sintomtico o dilogo de Aron com Jean-Louis Missika reproduzido em O

    espectador engajado. Perguntado se sua obcecao pela guerra era uma reao ao seupacifismo dos anos 30, Aron redargiu: "Mais, dites-moi, est-ce que vous savez qu'um desgrandes vnements de cette histoire a t la Premire Guerre mondiale, et un vnementencore plus grande la Seconde?" Lamentavelmente no dispomos do vdeo da entrevista. Cf.R. ARON, Le Spectateur Engag: entretiens avec Jean-Louis Missika et Dominique Wolton.Paris: Juliard, 1981; p. 218. Sobre o pacfismo de Aron ver tambm: Jean-Franois SIRINELLI,Deux intellectuels dans le sicle, Sartre et Aron. Paris: 1995; pp. 55-76. Raymond Aronavant Raymond Aron Vingtime Sicle. Revue dhistoire, Anne 1984, Volume , Numro 1.Tambm disponvel no endereo: http://www.persee.fr/showPage.do?urn=xxs_0294-1759_1984_num_2_1_1666, acessado em 10 Jan 2008.

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    12

    alguns casos, o interesse mesmo imposto. Porm, quando se trata da histria

    das relaes internacionais, o conflito e a multiplicidade de interesses se

    impem. Em outras palavras, a superao do relativismo histrico remete possibilidade de uma Histria universal, ou ainda possibilidade de um

    conhecimento histrico de fenmenos circunscritos no tempo e no espao de um

    ponto de vista universalmente vlido. Independentemente de sermos cticos

    quanto a tal possibilidade, o problema inevitavelmente apresenta-se quando se

    trata de debater os critrios de soluo de qualquer conflito internacional a no

    ser que nos resignemos a considerar como nico critrio a fora. Alm disso,

    esse vnculo estabelecido pelo prprio Kant, e por isso possvel afirmar que

    tanto o problema da objetividade histrica quanto o da Histria universal se

    inscrevem em sua obra.

    Ora, no obstante seu grande empenho em definir os limites do

    conhecimento, Kant no se furtou a fomentar a idia de uma histria

    universal. Porm, a ausncia de uma crtica da razo histrica kantiana no se

    deve presuno de que Kant no conhecia a histria. De fato, a escola histrica

    alem posterior a Kant, mas tambm no consistiu numa cincia consensual

    como a Fsica newtoniana.14

    O prprio Aron afirma: no existe cincia histrica

    cuja validade impor-se-ia de maneira to indiscutvel como a fsica newtoniana

    impunha-se aos olhos de Kant. (IPH, p. 53) Entretanto, a ausncia em Kant de

    uma quarta crtica deve-se a motivos outros. Em Kant h trs e somente trscrticas, uma para cada faculdade da razo, numa das acepes que esse conceito

    adquire em sua obra: faculdade de conhecer, faculdade de desejar e faculdade de

    julgar.15

    Cada faculdade corresponde a um interesse da razo, expresso nas

    14

    Tambm notado por Sylvie Mesure. Cf. Op. cit. p. 9-10.15

    Gilles Deleuze apresenta uma excelente introduo filosofia crtica kantiana e esclarece osdois sentidos da palavra faculdade, bem como as complexas relaes entre as faculdades. Cf.

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    seguintes interrogaes: que posso saber? correspondente ao interesse

    especulativo; que devo fazer? correspondente ao interesse prtico; que me

    permitido esperar? correspondente ao interesse judicativo. Os trs interessessubordinam-se ao interesse prtico e correspondem interrogao sntese: que

    o homem? Todavia, o neokantismo, francs ou alemo, fez uma leitura

    desequilibrada da relao entre os interesses da razo. Como nota Henrique C.

    de Lima Vaz,

    A leitura que se pode chamar cannica da Crtica, consagrada peloneokantismo nos fins do sculo XIX, interpreta a grande obra de Kant

    sob o ponto de vista estritamente gnosiolgico, como soluo doproblema do conhecimento, tal como Descartes o formulara e que

    acabara por desenhar a linha mestra da filosofia moderna.16

    Ao que parece, a Filosofia crtica da histria tal como Aron a examinara padece

    desse vcio especulativo. De fato, a releitura da obra de Kant, que restituiria o

    primado da razo prtica, s daria seus primeiros passos na dcada de 192017

    ,

    no incidindo na obra de Weber, ltima e maior referncia de Aron entre os

    filsofos crticos da histria.

    Essa releitura permite reexaminar a concepo kantiana da histria,

    expurgando-a do vcio especulativo das interpretaes dos filsofos crticos da

    histria. Primeiramente, ao responder questo o gnero humano est em

    progresso constante?18

    , Kant considera trs casos possveis de concepo

    dogmtica da histria: terrorista, eudemonista e abderitista. Aplicam-se ao

    futuro, mas podem encerrar o passado em seu discurso. O primeiro considera

    Gilles DELEUZE, La philosophie critique de Kant. Paris: P.U.F., 1963. La philosophiecritique de Kant. Lisboa : Edies 70, 2000, principalmente a Introduo.16

    Henrique C. de LIMA VAZ, Escritos de Filosofia IV Introduo tica Filosfica. SoPaulo, Edies Loyola, 2006, p. 326.17

    Idem, ibidem, pp. 327 e 321, nota 9.18Immanuel KANT, Le conflt des facults In : Opuscules dur lhistoire. Paris: Flammarion,

    p. 203.

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    14

    que o gnero humano est em perptuo retrocesso; o segundo, em constante

    progresso quanto sua destinao moral; e o terceiro, que ela permanece

    eternamente no nvel atual, ou em perptua oscilao, voltando sempre aomesmo ponto. Essas trs concepes dogmticas da histria padecem do

    equvoco de considerar que o futuro do homem a mera repetio do passado ou

    de uma viso inevitavelmente parcial do que se passou.19

    A essas concepes

    dogmticas da histria, podemos opor a Histria composta apenas

    empiricamente (Historie).20

    Esta teria o mrito de denunciar os equvocos

    dogmticos. Como conhecimento histrico

    21

    , vale-se da evoluo do mtodoemprico, dos cuidados epistemolgicos, do convvio com as demais cincias.

    Sob sua forma emprica, a histria, ou as aes humanas, como todo evento

    natural, restringe-se s leis naturais universais.22

    Entretanto, relegada ao

    mundo fenomenal, a histria como cincia e objeto da filosofia torna-se incerta e

    confusa.23

    De fato, segundo o prprio Kant, seria at possvel ver algum

    aspecto isolado da conduta humana como manifestao de sabedoria, contudo o

    cenrio mundial mostra-se em seu conjunto entretecido de tolice, capricho

    pueril e freqentemente tambm maldade infantil e vandalismo24

    ou ainda,

    para usar as palavras postas nos lbios de MacBeth, um conto narrado por um

    idiota, repleto de rudo e fria, que nada significa.25

    Uma Histria meramente

    19Idem, ibidem, pp. 203-9.

    20Immanuel KANT, Idia de uma histria universal de um ponto de vista cosmopolita (Edio

    bilnge). So Paulo: Brasiliense, 1986, p. 21 (Nona Proposio).21

    No h propriamente falando cincia histrica para Kant, pois s h cincia onde hMatemtica. Cf. Alexis PHILONENKO, La thorie kantienne de lhistoire. Paris, Vrin, 1986, pp.8 e 14.22

    Idem, ibidem, p. 9 (Introduo).23

    Alexis PHILONENKO, Op. Cit., p. 13.24

    Immanuel KANT, Idia , op. cit., p. 10 (Introduo).25

    William SHAKESPARE, MacBeth, Ato V, Cena V.

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    15

    emprica carece, portanto, de significado. O homem condenado a errar pela

    Terra, conduzindo a carroa de tudo pela estrada de nada. Sem progresso nem

    sentido.

    Todavia, alm da Histria emprica (Historie), Kant concebe outra

    modalidade de Histria (Geschichte), a Histria universal (Weltgeschichte)

    enquanto idia da razo. Como toda idia kantiana, a idia de uma Histria

    universal no tem nenhum fundamento emprico. E nem por isso deixa de ser

    legtima. Com efeito, ela responde a um interesse prtico da razo: a realizao

    histrica da moral. Por isso, a Histria, pice da eidtica transcendental e

    horizonte ltimo das analogias encerra dentro de si a questo mais prestigiosa

    que governa o criticismo: Que o homem?26

    Assim, se na Histria emprica

    inevitvel o enredo em aes e reaes tolas e insensatas; se a histria de um

    povo muitas vezes o extermnio de outro e o fim da sua histria; se as

    civilizaes nascem e morrem sem que se chegue a nenhum consenso quanto ao

    seu sentido; para Kant legtimo e mesmo um dever conceber uma Histria

    proftica da humanidade que lhe sirva de perspectiva consoladora.27

    Um nico

    ponto de vista legtimo e confere sentido a esse enredo entretecido de tolice e

    loucura. O que nossos descendentes longnquos adotariam: o ponto de vista

    daquilo que lhes interessa, ou seja, o que povos e governos fizeram de positivo

    e prejudicial de um ponto de vista cosmopolita.28

    Desse modo, se apenas a perspectiva cosmopolita que confere

    sentido histria humana, ela tambm que deve ser considerada caso os

    26Alexis PHILONENKO, Op. Cit., p. 24.

    27

    Immanuel KANT, Le conflt des facults, op. cit., pp. 208 e ss ; Idia , op. cit., pp.22-4.28

    Immanuel KANT, Idia , p. 24 (Nona Proposio).

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    16

    documentos estejam h muito tempo perdidos29

    , ou em outras palavras apenas

    essa perspectiva que preenche legitimamente as lacunas da explicao causal. Se

    o conhecimento emprico sempre remonta dos efeitos a suas causas,restringindo-se explicao causal, e esta jamais exaustiva chegando no

    melhor dos casos explicao do mais e do menos provvel , a perspectiva

    cosmopolita que, na perspectiva kantiana, possibilita a nica compreenso

    legtima do processo histrico. Assim como o interesse prtico subordina o

    interesse especulativo, a idia de uma Histria universal subordina e orienta a

    Histria emprica, preenchendo suas lacunas. Em outras palavras, a objetividade

    prtica subordina a objetividade cientfica. A grande dificuldade, desse ponto

    de vista, consiste ento em evitar a recada numa concepo dogmtica da

    histria. Ao que me parece, o maior engodo disfarar interesses demasiado

    comezinhos com o manto sagrado de direitos pretensamente universais a paz e

    a democracia ocidental destacando-se entre esses. No que tange a isso, a tarefa

    das cincias histrico-sociais denunciar tais sofismas.

    Por outro lado, se uma histria universal possvel, aos olhos de Kant

    fiel ao esprito da Aufklrung , ela est associada ao destino da Europa, cujas

    instituies a representao dos cidados no Estado e a limitao do poder real

    moldariam as do restante do mundo. Se a guerra, ou as guerras levam a Europa

    ao colapso, impossibilidade da sua reconstruo como foi o destino da

    civilizao helnica , a histria universal desmorona com ela. Assim, sosugestivas as consideraes na Introduction sobre a possibilidade de uma

    Histria universal. Segundo Aron, h uma tendncia generalizante na filosofia

    da histria, pois ela se caracteriza por um duplo esforo para apreciar a

    contribuio de todas as pocas s aquisies comuns e conferir a seus juzos

    29Idem, ibidem, p. 24 (Nona Proposio).

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    um alcance ilimitado e na Sociologia, pois ela tem necessidade de conceitos

    que distinguem os traos comuns a todas as pocas (IPH, p. 360). Por outro

    lado, ele pondera que a poca em que viviam era aparentemente favorvel tentativa de uma histria universal, pois pela primeira vez, o planeta inteiro

    participa de uma sorte comum (IPH, p. 361). Porm, o rigor cientfico

    condena essas vises desmedidas e as relaes dos diversos povos permanece

    ainda hoje frouxa, sua comunidade pobre, sua unidade parcial e externa (IPH,

    p. 361). Alm disso, embora seja possvel falar em uma sorte comum, ou

    concordamos com Oswald Spengler e consideramos que as diversas culturas so

    incomunicveis30

    ou admitimos a existncia ou possibilidade de valores

    universais. Porm, Aron pe em dvida esta alternativa. Segundo ele,

    Se o Ocidente ainda confiasse em sua misso, escrever-se-ia,coletiva ou individualmente, uma Histria universal que mostraria, apartir de aventuras solitrias, a ascenso progressiva de todas associedades civilizao presente. (IPH, p. 361. Mm, p. 117)

    No obstante, nada disso impossibilitaria uma histria universal: O que torna

    tal histria impossvel que a Europa no sabe mais se ela prefere o que ela cria

    ou o que ela destri. (IPH, p. 360. Mm, p. 117) Os esforos da Sociedade das

    Naes para evitar a guerra no pareciam muito consistentes.

    Enfim, ao estudar a obra de Aron, parece-me interessante relacionar

    sua teoria da histria com a teoria e as anlises das relaes internacionais. Na

    impossibilidade de examinar toda ampla gama de questes que o tema suscita,ater-me-ei ao que me parece fundamental: o problema da superao do

    relativismo e suas implicaes no estudo das relaes internacionais. Teoria e

    30Nas palavras de Aron, dupla tradio ocidental, unidade da histria humana, evoluo

    para um fim mais ou menos fixado de antemo, Spengler ope os dois dogmas contraditrios:ciclos inevitveis no interior de culturas solitrias. [] Individualidades desmedidasobedeceriam cegamente a leis transcendentes que, por milagre, um crebro individual saberiadecifrar. (IPH, p. 304; cf. tb. DCH, p. 33)

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    histria articulam-se na tentativa de elucid-lo. Porm, se a teoria requer apenas

    a ateno aos principais textos que concernem o problema, a histria que lhe

    pertinente envolve desde o incio um dilema. De fato, impunha-se que a histriaviva e pulsante do sculo XX reanimasse e enriquecesse a minha reflexo. Ora,

    ningum mergulha neste rio impunemente. Como, afinal, selecionar na

    caudalosa torrente os acontecimentos relevantes para esse trabalho? Como

    organizar de maneira coerente, porm fluda, os vrios fios em firme tecido,

    trama e urdidura? Ocorreu-me, ento, que o melhor critrio para destilar esse

    riocorrente deveria ser buscado na obra do prprio Aron. O cerne da questo so

    as relaes interestatais. Trata-se primeiramente, portanto, de defini-las.

    Aron define como traos especficos das relaes interestatais a

    "ausncia de tribunal e polcia, o direito de recorrer fora, a pluralidade dos

    centros de deciso autnomos, a alternncia e continuidade da paz e da guerra"

    ou ainda weberianamente a ausncia de uma instituio que detenha o

    monoplio da violncia legtima. Considera ainda que o sistema internacional

    homogneo ou heterogneo, de acordo com os regimes internos dos atores

    coletivos e que possvel a partir disso definir a especificidade de um

    subsistema, caracterizando assim o sistema como bipolar ou multipolar, alm de

    homogneo ou heterogneo. Alm disso, essa teoria, segundo Aron, esclarece a

    multiplicidade dos fins que os atores podem propor-se e a diversidade dos

    interesses em conflito. Ora, o fato de no convir descartar a eventualidade de umconflito violento entre atores polticos obriga a

    [] um clculo de foras e, em particular, das foras armadasdisponveis em caso de guerra. [] esse clculo de foras supe terem conta o espao que ocupam os atores, a populao, e os recursoseconmicos de uns e outros, o sistema militar ou a capacidade de

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    mobilizao caracterstica de cada um e a natureza das armas." (EP,p. 371)

    31

    Enfim, os sistemas militares e as armas no so objetos transcendentes,

    acessveis apenas a uma casta de privilegiados, mas a expresso dos sistemas

    polticos e sociais. Temos a, muito sumariamente, os elementos do que Aron

    considerava uma introduo teoria das relaes internacionais, ou do que

    alguns denominaram sua Sociologia das relaes internacionais.32

    Porm, a

    narrativa dos acontecimentos julgados relevantes devem tambm pautar-se pelos

    "limites da objetividade histrica" demarcados na sua tese de doutorado. A esse

    respeito cabe frisar, primeiramente, que todo o conhecimento histrico-socialtem um carter idealtpico que marca a subjetividade do pesquisador e os

    valores em jogo. Assim, podemos definir objetivamente rio como um curso

    de gua natural, mais ou menos torrencial, que corre de uma parte mais elevada

    para uma mais baixa e que desgua em outro rio, no mar ou num lago,33

    mas

    tambm como uma fronteira, ou uma via de comunicao ou ainda um lao de

    unio. Em segundo lugar, toda explicao causal tem carter probabilstico,variando entre o mais provvel e o menos provvel.

    Isto posto, apresento no Captulo I, s Margens do Reno, o contexto

    histrico no qual Aron redige a Introduction. No se trata, contudo, de exaurir o

    tema nem quanto compreenso referente pluralidade de perspectivas

    possveis nem quanto explicao que concerne s probabilidades

    31Raymond ARON, Quest quune thorie des rlations internationales? foi publicado, em

    1967, originalmente em ingls e no mesmo ano em francs. Foi reproduzido em tudespoltiques (EP, pp. 349-72). Disponvel no stio:http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/rfsp_0035-2950_1967_num_17_5_393043ltimo acesso em 25/02/2009.32

    Idem, ibidem, pp. 349-72.33Antnio HOUAISS (DIR.), Dicionrio eletrnico Houaiss da lngua portuguesa. Rio de

    Janeiro: Objetiva, 2001.

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    retrospectivas. Para selecionar o que julgamos relevante, um critrio se impe.

    Esse critrio busco na prpria obra de Aron, o que ele denominou centro de

    interesse (DCH, p. 17). No se pense, todavia, que h nesse caso um crculovicioso que explica o contexto pela obra e a obra pelo contexto. Esse vai-e-vm

    entre o contexto histrico e a obra constitui o que Aron denominou crculo

    hermenutico ao tratar da obra de Clausewitz (PGC I, pp. 20 e ss). Trato para

    tanto da origem e destino da Terceira Repblica, ambos ligados Alemanha.

    Como contraponto percepo que Aron tinha daquele momento histrico, fao

    alguns apontamentos sobre a origem da escola dos Annales e acerca da longa

    durao do Reno.. Nos Captulos II e III, analiso sumariamente o problema dos

    limites da objetividade histrica e a soluo apresentada por Aron, isto , a

    maneira como pretende superar tais limites. No captulo IV, trato da relao do

    que Aron denominou a aurora da histria universal (DCH, pp. 305-45) com as

    relaes internacionais, tanto no que tange sua teoria como no que concerne

    analise da originalidade histrica do ps1945.

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    Captulo I

    s Margens do Reno

    No incio dos anos 1980, Raymond Aron recordava-se, talvez s

    margens do Sena, de seus passeios 50 anos antes s margens de um outro rio.

    Aps uma profunda crise existencial que se iniciara em 1928, foi s margens

    do Reno que, na primavera de 1931, ele teve a iluminao que definiria os

    rumos que tomariam seus estudos e sua vida (Mm, p. 53). Meditava, quem

    sabe, na ribeira deste rio como na ribeira daquele, no tanto no rio quepassava, mas no que o futuro reserva do que ficou para trs. Pode-se imaginar

    que, comparadas s guas tranqilas do Sena, as guas do Reno pareciam mais e

    mais revoltas como se o degelo do mais terrvel dos meses colocasse o rio, como

    a histria, outra vez em movimento. Ora, o que teria dito o septuagenrio ao

    jovem Aron se, como que transportado por um sonho, um encontro entre os dois

    fosse possvel? Afinal, meio sculo no passa em vo. Em 1931, se bem que acrise econmica se manifestasse na desacelerao da economia, no pnico dos

    especuladores, no aumento do desemprego, o futuro ainda no parecia to

    sombrio. O nazismo ainda era apenas uma ameaa. Provavelmente o

    septuagenrio alertaria o jovem que uma segunda grande guerra, ainda mais

    catastrfica que a primeira, poderia devastar a Europa. Talvez dissesse para

    reanim-lo que, se anos sombrios eram possveis e mesmo provveis, tambmpoderia vislumbrar-se um longo perodo de paz e prosperidade e que, portanto,

    ele deveria evitar o tom pessimista desesperado e satnico que a argio

    de Paul Fauconnet censurara em sua tese (Mm, p. 105). De qualquer modo, essa

    curiosidade retrospectiva assemelhar-se-ia a uma redescoberta, quase como se

    estivesse diante dum outro (IPH, p. 67; Mm, p. 116).

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    Desesperado ou Satnico?

    A vida de Raymond Aron praticamente coincide com o que

    Hobsbawm denominou a Era dos Extremos. Ora, a vida de Aron tambm

    parece como que dividida em dois perodos bastante distintos. Nos anos de

    formao, Aron era em sua prpria definio vagamente socialista e fervoroso

    pacifista. Embora tenha abandonado seu pacifismo utpico quando se deparou

    com Hitler e o nazismo, ele permanece socialista at o imediato ps-Segunda

    Guerra, momento em que os contornos do que veio a se chamar guerra fria

    ainda no estavam delineados. O adeus ao socialismo de Aron ocorre apenasaps a socializao forada do Leste europeu. em uma conjuntura muito

    especfica, portanto, que Aron assume os posicionamentos polticos pelos quais

    ele comumente reconhecido. O mundo ocidental caracteriza-se

    predominantemente como democrtico com todas as restries e crticas que

    possamos fazer a essa democracia e liberal-heterodoxo, no que concerne

    organizao da economia; o Estado de bem-estar social e os direitos sociais eeconmicos avanam; os pases semiperifricos se industrializam e

    modernizam-se; a Europa ocidental recupera-se da catstrofe com o auxlio dos

    Estados Unidos.

    No obstante, pouco tempo depois da morte de Aron, a situao se

    altera por completo: com o desabamento do muro de Berlim e da URSS, avana

    o neoliberalismo; regredimos ortodoxia anterior ao crash de 19291; os direitos

    econmicos so reduzidos quando no aniquilados; os limites da democracia

    meramente formal apresentam-se cotidianamente mais estreitos, como a cada dia

    reduzem-se as chances de reformas progressistas. Como nota Hobsbawm,

    1Porm, a crise de outubro de 2008 inaugurou o perodo de revises dessa ortodoxia.

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    Na dcada de 1980 e incio da de 1990 , o mundo capitalista viu-senovamente s voltas com problemas da poca do entreguerras que aEra de Ouro parecia ter eliminado: desemprego em massa,depresses ciclcas severas, contraposio cada vez mais espetacular

    de mendigos sem teto a luxo abundante, em meio a rendas limitadasde Estado e despesas ilimitadas de Estados. [] O colapso dosregimes comunistas entre Istria e Vladivostok no apenas produziuuma enorme zona de incerteza poltica, instabilidade, caos e guerracivil, como tambm destruiu o sistema internacional que deraestabilidade s relaes internacionais durante cerca de quarenta

    anos.2

    Ora, no se trata de enveredar por um tema to polmico e carregado de paixes,

    mas apenas de registrar as profundas transformaes que ocorreram no mundo

    nos ltimos 20 anos para melhor circunscrever o mundo ao qual Aron se reporta.

    Na iminncia da Segunda Guerra Mundial, isto , em meio

    catstrofe, Aron redige e defende sua tese de doutorado. Em suas Memrias, 45

    anos depois, ele aponta que ela define a sua maneira de conceber a poltica: o

    livro inteiro esclarecia o modo de pensamento poltico que se tornou desde ento

    o meu e assim permanece no outono de minha vida (Mm, p. 125). Asinquietaes, ou antes a angstia, de prever a guerra e nada poder fazer para

    impedi-la marcam a sua concepo da histria. Porm, para compreender o

    ambiente intelectual e poltico em que essas reflexes se inscrevem, preciso

    retroceder no tempo. De fato, a dcada de 1930 foi marcada na Frana por uma

    crescente angstia dos intelectuais. Mesmo antes de deflagrada a guerra, havia a

    percepo bastante difundida entre os cleros de que se vivia a decadncia da

    Frana. Segundo Tony Judt, A noo de que a Repblica e o mundo que ela

    representava estavam podres e condenados runa era amplamente aceita.3

    2E. HOBSBAWM, Era dos Extremos: o breve sculo XX 1914-1991. [Traduo Marcos

    Santa Rita]. So Paulo: Companhia das Letras, 1998; pp. 19-20.3 T. JUDT, Passado imperfeito um olhar crtico sobre a intelectualidade francesa no ps-guerra. [Traduo de Luciana Persice Nogueira]. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008; p. 30.Sobre a angstia dos intelectuais no apenas franceses mas europeus em geral no

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    De fato, a economia francesa soobrava desde 1930.4

    Essa profunda

    crise manifestou-se nas inquietaes de muitos intelectuais franceses no

    entreguerras e culminou na prpria Segunda Guerra Mundial, mas, maisimportante, teve reflexos importantes na academia francesa. Sugestiva a esse

    respeito a anlise que Lucien Febvre faz de uma obra de Lon Brunschvicg

    (1869-1944), coincidentemente orientador de tese de Raymond Aron.

    Brunschvicg ministrara na Sorbonne, entre dezembro de 1939 e maro de 1940,

    isto , em plena drle de guerre (03/09/1939-09/04/1940) um curso intitulado

    Esprit Europen, publicado em 1947. Iniciou-o com as seguintes palavras: Eu

    me proponho tratar do esprito europeu assunto de ordem puramente

    especulativa, e cujo estudo ser mantido nos limites de uma anlise estritamente

    filosfica. Depois de criticar o fato de Brunschvicg furtar-se a definir as

    palavras do ttulo, particularmente numa poca em que elas adquiriam um

    carter to equvoco, Febvre vaticina, no sem muita ironia, o destino da

    gerao da qual Brunschvicg era um dos prceres:

    Mais vale dizer que este pequeno livro , sua maneira e em seuslimites, uma dessas obras-primas da velha Universidade, que talvezno tenhamos mais muitas ocasies de acolher e de louvar, pois a suagerao se vai, seus autores possveis ela vai com grande pompa.Gerao ainda fortemente nutrida nas letras, nas boas letras gregas elatinas. Gerao bem enquadrada, no incio, por mestres que elatrabalhou muito naturalmente para ombrear e aos quais ela pode darcontinuidade sem aflio nem ruptura, nem verdadeira crise parafalar a linguagem de Lon Brunschvicg: pois de Lachelier [1832-

    entreguerras, ver tambm J-B DUROSELLE, L'Europe Une Histoire de ses peuples. Paris:Hachette, 1990; pp. 547-50.4

    Considerando o ndice 100 para o Produto Interno Bruto da Frana em 1929, ele atingir onvel mais baixo da dcada em 1932, tornando a subir para voltar a 100 em 1939. Embora oimpacto da crise tenha sido menor na Frana, a recuperao da economia francesa bastantelenta a mais lenta dos pases desenvolvidos. Cf. . Dominique BORNE et Henri DUBIEF, op.cit., pp. 20-35.

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    1918] e de Lagneau [1851-1894] Boutroux [1845-1921] e, acol,quais causes profundas de ruptura ou de incompreenso!

    5

    Na drle de guerre, j se ouviam os estrpitos dos alicerces: o castelo de marfim

    estava ruindo. Porm, no apenas a filosofia descurada da histria padeceria. O

    colapso da III Repblica arrastaria ao fundo do abismo algumas das mais slidas

    instituies francesas, e entre elas a prpria Histria.

    A obra de Aron gravada, pois, pela decadncia da Terceira

    Repblica; a angstia e o pessimismo dos anos 30 impregnam sua concepo de

    histria e desse modo reverberam em sua obra posterior. Contudo, no bastadizer que a obra de Aron sofre o estigma da decadncia da III Repblica. Depois

    do colapso em julho de 1940 e da guerra nos anos subseqentes, s restava

    Frana renascer no ps-guerra. Assim, a catstrofe no marca apenas a obra de

    Aron. Toda a histria da Frana ps-45 marcada pelo declnio da III

    Repblica. Tudo que estava a ela associado desmoronou com a dbcle. A

    compreenso da obra de Aron depende, portanto, da compreenso da III

    Repblica.

    A instabilidade permanente e a decadncia no entreguerras conferem

    III Repblica um carter peculiar. A tenso obstinada, os nimos exaltados, as

    polmicas crispam os ossos, msculos e tendes, e afloram pele. Dois

    momentos so os mais significativos a esse respeito: o Affaire Dreyfus e os

    decadentes anos 30. Talvez a Frana s tenha vivido um ambiente mais

    impregnado de intrigas, no ps-1945 com as polmicas pr e antibolcheviques

    no imediato ps-guerra. Porm, na questo territorial que essa crise assume um

    carter abissal. nas fronteiras que o paroxismo apresenta-se como crise de

    5L.FEBVRE,Esprit europen et phiosophie: un cousr de Lon Brunschivicg In: Combats

    pour l'Histoire. Paris: Armand Collin, 1992;op. cit., p. 290.

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    identidade. Pelo Tratado de Frankfurt, de 1871, a Frana cedia a Alscia-Lorena

    Alemanha. Durante 48 anos, o territrio permaneceria sob domnio alemo at

    que o Tratado de Versalhes o restitusse Frana. Deve-se notar que importantespersonagens da intelectualidade francesa eram ligadas regio: Lucien Febvre

    nasceu em Nancy, capital da Lorena, e com Marc Bloch lecionou, a partir de

    1919, na Universidade de Estrasburgo, na Alscia, quando ela foi restituda

    Frana, e a fundaram a revista dos Annales. Ambos alm disso, defenderam a

    Frana na Primeira Grande Guerra. Fernand Braudel nasceu em Lumeville-en-

    Ornois, vilarejo situado na Meuse, tambm na Lorena. A famlia do prprio

    Aron era oriunda da Lorena. Seu av era um negociante de tecidos que abrira

    um atacado em Rambervillers, aldeia Lorena, e depois se transferira para

    Nancy.6

    A Alscia e a Lorena no eram apenas provncias amputadas da

    Frana, elas impunham a reflexo do que era a Frana e do que era a Alemanha.

    De fato, como nota Aron, os partidrios de uma concepo fatalista da histria

    procuravam em Bismarck as origens da catstrofe alem e um ancestral de

    Hitler. Essa interpretao condenada por Aron. Em suas palavras, Eu vejo

    mal em nome de qu nos condenaramos a unidade alem seno, vtimas da

    iluso retrospectiva de fatalidade, tomando por necessrias as seqncias

    efetivas dessa unidade. (PGN I, pp. 19-20) De qualquer modo, o xito da

    realpolitik bismarckiana permitiu a unificao Alem e levou-a a suplantar aFrana no cenrio poltico europeu. Entretanto, das vrias conseqncias

    decorrentes da vitria alem em 1871, apenas uma impossibilitava a sua

    reconciliao com a Frana: a anexao da Alscia-Lorena. De fato, perguntava-

    se Aron um sculo depois, A anexao da Alscia-Lorena no abria um fosso

    6Cf. R. Aron, Mmoires, op. cit., p. 12; Memrias, p. 14. N. BAVEREZ, Raymond Aron. Paris:

    Flammarion, 1993; pp.23 e ss.

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    entre a Alemanha e a Frana que nada mais podia preencher? No semeia os

    germes de um dio que devia um dia ou outro explodir? (PGNI, pp. 25)

    Assim, podemos atribuir uma significao mais profunda recordao

    de Aron sobre o momento em que define os rumos da sua carreira intelectual e

    da sua vida como um todo. O fato que o Reno dava margem h muita

    meditao ... e polmica. Podia-se definir o Reno como fronteira simblica entre

    dois mundos diametralmente opostos: de um lado a Terceira repblica francesa,

    decadente, democrtica, pacifista; do outro, a o Terceiro Reich alemo,

    totalitria, ascendente, belicosa. No passado, uma formao francesa, idealista,

    positivista, anistrica; pela frente, uma formao alem, histrica, crtico-

    historicista, criticista em suma, aroniana. Porm, no se pense que essa

    meditao s margens do Reno uma idiossincrasia de Aron. Ao contrrio, o

    Reno a pedra angular da velha Europa ocidental e, provavelmente, guarda

    em suas margens o seu destino e est no centro da narrativa que segue. O Reno

    enseja, portanto, uma reflexo no apenas sobre toda a histria consecutiva, mas

    tambm sobre o que vem a ser a prpria Histria. A decadncia da III Repblica

    engendrar tanto a filosofia da existncia histrica aroniana como tambm as

    mutaes na Historiografia francesa.

    A escola metdica representava a Histria oficial da Terceira

    Repblica e o destino de ambas estavam atrelados. Entrementes, s margens doReno, o futuro da Historiografia francesa comeou a ser moldado logo aps o

    Tratado de Versalhes. Marc Bloch e Lucien Febvre estreitaro sua amizade num

    posto avanado da ptria francesa: a Universidade de Estrasburgo, na Alscia.

    Tratava-se de renacionalizar essa instituio, ora francesa, ora alem. Como o

    seu prprio stio registra, Em 1871, a cidade anexada pela Alemanha. O

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    Kaiser quer fazer de Estrasburgo uma vitrine da excelncia alem. Ele cria por

    isto uma universidade que deve servir de modelo.7

    a que uma nova

    concepo de histria e porque no dizer? de ptria comear a ser gestada. sugestivo que, segundo o prprio Febvre, depois de defender sua tese de

    doutorado (Rois et serf, un chapitre d'histoire captienne, publicada em 1920),

    Bloch hesitasse quanto ao rumo a dar a sua carreira acadmica. Subjacente s

    influncias multidisciplinares do filsofo durkheimiano Henri Berr e do

    gegrafo Vidal de la Blache, entre outros, havia a insatisfao com os

    historiadores de gabinete e com a Histria vnementtielle. Segundo Febvre,

    Bloch era propenso a voltar-se para a histria real: [] a geografia, era o ar

    puro, o passeio no campo, o retorno com uma braada de jacintos ou de digitais,

    os olhos vivos, a mente aberta e o gosto do real assaltando o abstrato.8

    Ora,

    aps assistir ao eloqente discurso de Henri Pirenne sobre Histria comparada,

    Bloch intui que a soluo de muitos problemas de Histria francesa se

    encontrava fora da Frana. notvel que o coroamento desse percurso faa de

    Bloch um historiador no mais francs, mas europeu. Como notou Febvre, A

    sociedade feudal s poderia ser compreendida no quadro europeu:

    em roda evidncia, a histria das sociedades medievais da qualresultou a nossa s poderia ser estudada no quadro europeu. precisamente na Idade Mdia que nasce a Europa, no sentido humanoda palavra, pela aproximao de elementos nrdicos, que Romadeixara fora de sua atrao, e de elementos mediterrneos

    dissolvidos, desagregados pela queda da Europa (sic).9

    Assim, os Annales de Strasbourg, posteriormente transferido para Paris, surgem

    no bojo de uma nova concepo de histria, de Frana e de Europa. Contudo, se

    7Disponvel no stio:

    http://www-umb.u-strasbg.fr/c1.php3?Id=001&cadre=c1Acessado em 11/04/2008.8

    L.FEBVRE,Survenirs d'une grand histoire: Marc Bloch et Strasbourg In: Combats pourl'Histoire, op. cit., p. 394.9

    Idem, ibidem, p. 400.

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    a Histria estava sofrendo uma surpreendente mutao, os Annales ainda

    estavam longe da consagrao, a qual s viria depois da Segunda Guerra

    Mundial. A escola metdica ainda reinaria sobranceira at os estertores daTerceira Repblica. No causal que as crticas mais contundentes de Febvre

    velha escola sejam publicadas a partir da decadente dcada de 30; menos ainda

    que Bloch tenha escrito a Apologie pour l'Histoire logo aps a dbcle de 1940.

    Embora a escola metdica seja identificada mais freqentemente com

    Langlois e Seignobos, autores da Introduction aux tudes historiques, Ernest

    Lavisse que melhor representa a Histria oficial durante a Terceira Repblica.10

    Franois Dosse o apresenta como o evangelista da nao.11

    Segundo Dosse, na

    obra de Lavisse,

    A Frana ento uma, integral, a mesma desde Vercingetorix atValmy, e a narrativa histrica conta batalhas hericas nas quaismuitos sacrificaram a vida pela ptria. A Terceira Repblica apresentada como o melhor dos mundos, e a partir dela so julgados

    os regimes anteriores.

    12

    Essas consideraes lembram as palavras de Febvre sobre a Histoire sincre de

    la nation franaise de Seignobos: Eis Vercingetorix sobre o Mont-Auxois. []

    Um heri nacional! Para os crdulos! E o que quer de ns essa inveno de

    10Sobre a Escola Metdica, Langlois, Seignobos e Lavisse ver: Guy BOURDE et Herv

    MARTIN, Les coles historiques. Paris Seuil, 1981; pp. 137-70. Jean Maurice Bizire et PierreVayssire. Histoire et historien Antiquit, Moyen ge, France moderne et contemporaine.Paris: Hachette, 1995; pp.155-67.11

    Franois Dosse confere sua reflexo sobre a identidade nacional do discurso histricofrancs o seguinte subttulo: O evangelho nacional: Ernest Lavisse . Cf. F. DOSSE, Aidentidade nacional como forma organizadora do discurso histrico na Frana nos sculos

    XIX e XX In: A histria prova do tempo Da histria em migalhas ao resgate do sentido.[Traduo de Ivone Castilho Benedetti]. So Paulo: Editora da UNESP, 2001; p. 16.12

    Idem, ibidem, p. 18.

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    patriotas retrospectivos? [] Os Gauleses jamais formaram uma nao

    [].13

    Alm de ser o evangelista da nao, Lavisse padecia como Seignobos

    e Langlois, do vcio factual. Nas palavras de Bloch:

    Fiel espelho da escola francesa, cerca de 1900, a Histria da Franade Lavisse avana ainda tropeando de reino em reino; a cada mortede prncipe, narrada com o detalhe que se concede aos grandes

    acontecimentos, ela marca uma pausa.14

    Ora, justamente na Histria das relaes internacionais que, ao que parece, os

    vcios da histoire vnementtielle parecem mais evidentes. notvel a esse

    respeito as crticas de Febvre Histria Diplomtica. Segundo ele,

    Eles [os redatores da Histoire diplomatique de l'Europe],entrincheirados atrs de um preconceito simples, o de no utilizarjamais seno os documentos diplomticos propriamente ditos:aqueles das compilaes oficiais, azuis, cinzas, amarelos ouvermelhos; duas das grandes colees nacionais, a alem, e a inglesana falta da francesa, recente demais; juntemo-lhes as

    correspondncias e as memrias dos atores e os testemunhos dosacontecimentos; eles se ocupam apenas com a crosta aparente de seuglobo, de sua esfera poltico-diplomtica preciso lastim-los?

    Eles, no. Os homens, no. Uma tradio, talvez.15

    A oposio Histria factual e o desdm pelos seus heris ntida. Talvez a

    decadncia da Terceira Repblica tenha conferido mutao da Historiografia

    um carter mais crtico e polmico do que teria ocorrido se fossem dias mais

    tranqilos e felizes; isto , poderia ter passado sem ruptura. Ao que parece, o

    desprezo pela histria factual tinha como paralelos o desprezo pelos heris da

    13L. FEBVRE, Ni histoire these ni histoire manuel. Entre Bernda et Seignobos In:

    Combats pour la Histoire, op. cit., p. 89.14

    Marc BLOCH, Apologie pour l'Histoire ou Mtier d'Historien In: L'Histoire, la Guerre la

    Rsistance. Paris: Gallimard, 2006; p. 972.15L.FEBVRE,Histoire ou politique (Contre l'Histoire Diplomatique en soi) In: Compats

    pour l'Histoire, op. cit., p. 62.

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    histria e pela histria do tempo presente. O desprezo pela poltica foi um efeito

    colateral da eterna decadncia da Terceira Repblica.

    Os historiadores abjuram os polticos, militares e diplomatas e

    mergulham na longa durao. Sugestiva a esse respeito a tese de Jos Carlos

    Reis sobre a evoluo da escola dos Annales. Segundo ele,

    portanto neste contexto de derrotas militares, polticas eindividuais dos chefes polticos que se elabora este tempohistrico desacelerado e que desconfia dos militares, dos polticos edos grandes indivduos. [] Minha hiptese que Braudel vai

    pesquisar as razes dessa derrota [1914-1945] l onde a Europa seanunciava e se constri como uma grande potncia: o mundomediterrnico do sculo XVI. [] Foi no sculo XVI, e no no XX,que a Europa comeou a deixar de ser o centro da histria , quando oMediterrneo foi substitudo pelo Atlntico, os Turcos no o atacarammais e o Leste tornou-se desconhecido. [] Pondo no sculo XVI oincio do declnio da Europa, ele o constitui enquanto um processo delonga durao e no o resultado de acontecimentos dramticos

    vividos em meio sculo.16

    sugestivo tambm que, aps um longo desvio, a Historiografia francesa volte-

    se novamente para a poltica e, como nota Dosse, Braudel se debruce sobre a

    identidade da Frana.17

    Em suma, nos turbulentos anos 1930, histria e

    historiografia, Frana e Europa eram temas controversos, e o Reno no fluiu

    alheio s polmicas.

    16Cf. Jos Carlos REIS, Philosophie et historiographie: Le lieu pistmologique et le temps

    historique des annalles. Thse de doctorat en Philosophie prsente l'Institut Suprieur dePhilosophie de l'Universit Catholique de Louvain. Louvain-la Neuve: 1992; p. 415. Texto

    reproduzido em Jos Carlos REIS, Nouvelle histoire e tempo histrico A contribuio deFebvre, Bloch e Braudel. So Paulo: tica, 1994; p. 93.17

    Cf. F. DOSSE, A identidade nacional op. cit, p. 31.

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    De Caminhos e Fronteiras

    No final dos anos 1920, para comemorar seu 50 aniversrio a Socit

    gnrale alsacianne de banque (fundada em 1881 em Estrasburgo, capital da

    Alscia) decidira publicar um livro sobre o Reno, tema ento muito espinhoso,

    j que, ao trmino da Primeira Grande Guerra, a Alscia como tambm a Lorena

    foram restitudas, aps quase 50 anos, Frana e que a Rennia alem fora

    recentemente ocupada pelo exrcito francs para forar a Alemanha a pagar as

    reparaes da mesma guerra. Lucien Febvre foi incumbido de redigir a parte

    histrica da obra. 18 Seu propsito ser dissipar trs mitos: o determinismopseudogeogrfico das fronteiras naturais; o racismo pseudocientfico to em

    voga na poca; e o mito dinstico, to caro Histria diplomtica.19

    Reno. A palavra significa gua que corre; curso d'gua. Rio

    Reno , portanto, uma expresso redundante, ou, antes, recorrente. :

    na histria de um rio, heraclitianamente, tudo flui, e rio e Histria se confundem.E a histria do Reno apresentar-se- a Febvre como a ocasio para questionar o

    prprio ofcio da Histria e compar-la Geografia. Para o Gegrafo, ntida

    torna-se a imagem de uma grande via renana, vales, corredores e campos

    alternados, que cria entre os pases laos de solidariedade e unio. Uma das

    reas da Terra onde mais vivamente fermenta o trabalho pacfico, a labuta

    18L.FEBVRE,Reno: Histria, mitos e realidade. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 2000.

    A primeira edio de 1931. O livro reeditado com vrias alteraes em 1935. Sobre ahistria do livro e A luta pelo Reno , cf. Peter SCHTLER, Apresentao In: L.FEBVRE,Reno, op. cit., pp. 25-33.19

    Esses temas so retomados brevemente na Aula Inaugural apresentada no Collge deFrance, em 13 de dezembro de 1933, e publicada originalmente na Revue de Synthse, em1934. L.FEBVRE,De 1892 1933 Examen de conscience d'une Histoire et d'un historienIn: Combats pour l'Histoire, op. cit., pp. 9-10.

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    produtiva da humanidade.20

    O historiador, por sua vez, tem a tarefa rdua de

    confrontar os livros dos seus predecessores que se obstinam a ver somente uma

    fronteira a conquistar ou conservar. [] A tragdia que vivem, eles a imaginameterna.

    21A Histria do Reno apresenta-se a Febvre como a frente de batalha

    contra a Histria historizante para retomar a expresso forjada por Henri Berr

    e, em particular, contra a Histria diplomtica em si.22

    Trata-se para Febvre de substituir uma histria desumana, pesada de

    mortes e guerra, por outra, extremamente humana de trocas, de emprstimos,

    de contatos intelectuais, religiosos ou artsticos.23

    Ele busca as origens do Reno

    nos primrdios da ocupao da Europa central para demolir o mito do rio

    fronteira. Mito muito em voga numa poca em que havia uma luta pelo Reno,

    e que remontava a ningum menos que Jlio Csar. Como nota Febvre, Csar

    observa em seus Comentrios que o Reno separa a Glia da Germnia.24

    Todavia, o primeiro uso que os homens fazem do rio o de uma via de

    transporte e comunicao, o bom caminho: um fio condutor que se estende

    direto, fcil de seguir, entre a plancie do P e os pases do Norte.25

    Assim, o

    que, desde a origem, clareia como um raio luminoso o destino do Reno que ele

    foi forjado pelo homem [] para que fosse no mais uma barreira, mas um

    caminho. Um lao, no um fosso.26

    Eis o Reno, portanto. Passagem por onde

    20L.FEBVRE,Reno, op. cit., pp. 63 e 65.

    21Idem, ibidem, pp. 65-6.

    22Compare-se a esse respeito as obras de Febvre sobre o Reno com os combates contra a

    Histria diplomtica. Cf. L.FEBVRE,Histoire ou politique (Contre l'Histoire Diplomatiqueen soi) In: Combats pour l'Histoire. Op. cit., pp. 62.23

    L.FEBVRE,Reno Op. cit., p. 66.24

    Idem, ibidem, pp. 80 e ss.25

    Idem, ibidem, p. 74.26

    Idem, ibidem, p. 79.

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    desfila um sem nmero de tipos humanos. Primeiramente, celtas, lgures, indo-

    europeus, que desde logo Febvre apoiado na lingstica, e consonante com a

    atual genmica esclarece que no eram raas, opondo-se ao discurso nazistae pseudocientfico ento batido e rebatido.

    27Seguem-se diversas tribos: gauleses,

    romanos, francos, frsios, chates, usipianos, tencteros, tongrianos, cugrnios,

    sunucos, vangiones, tribocos, bios, trevianos e lngones.28

    Depois, vndalos,

    alanos, suevos, visigodos, ostrogodos 29

    E em cada movimento, um trabalho

    de mestiagem, de amalgamento recomeava melhor, prosseguia com a ajuda

    de elementos em parte novos.

    30

    Tal era a miscigenao, o amlgama, que omelhor expressar-se como os romanos que, prescindindo da palavra ou do

    conceito de raa, se referiam s naes dizendo apenas nomem Latinum,

    nomem romanum.31

    Tambm por isso Febvre louva a Tcito por no falar em

    gauleses e germanos, mas em cisrenanos e transrenanos.32

    No obstante tamanha heterogeneidade, Roma estabelece no Reno um

    regime coerente, apazigua suas margens e aumenta sua navegabilidade, criando

    as condies para um comrcio em grande escala no qual no faltaram

    banqueiros e cambistas. Assim, gentes e mercadorias de toda parte afluam ao

    Reno, graas uma civilizao ecumnica geradora de poderosas empresas de

    alcance mundial.33

    Mrito tambm de Roma a criao das cidades renanas,

    fora verdadeira de regies que, durante sculos, s participaram da civilizao

    27Idem, ibidem, p. 87.

    28Idem, ibidem, p. 119.

    29Idem, ibidem, p. 120.

    30Idem, ibidem, p. 89.

    31Idem, ibidem, p. 87.

    32Idem, ibidem, p. 119.

    33Idem, ibidem, p. 102.

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    atravs desses poderosos organismos urbanos.34

    A vida dessas cidades, um

    pulular de homens vindos de toda parte sob a cobertura da unidade imperial,

    era animada pelo exrcito e pelo fausto dos administradores romanos.

    35

    Nos doisprimeiros sculos de nossa era, nas duas margens do Reno estende-se a

    civilizao romana. Avanando ao Oriente, o limes, uma srie de povos

    germnicos mais ou menos romanizados e agregados ao Imprio.36

    Limite

    lingstico mas no corte de uma civilizao, nas palavras de Febvre,

    colonial.

    Eis a grande palavra esquecida. Nessas povoaes do Reno, todivididas, to heterogneas pelo solo, pelas relaes, peloshabitantes , Roma conseguiu estabelecer um regime coerente. []

    [e] uma cultura uniforme.37

    E, subitamente, as invases brbaras. E, embora constitusse um regime coerente

    e uma cultura uniforme, o mundo romanizado parece vido de barbarizar-se.38

    E a conjuno prossegue com elementos novos. Segundo Pirenne, a converso

    dos Godos ao cristianismo trazido de Bizncio por Ulfila, seu chefe

    contribuiu para a assimilao dessas primeiras hordas de povos germnicos.39

    Estes povos ocupam o Reno e os contornos pouco ntidos de uma fronteira

    lingstica se esboam: e essa fronteira que avana e recua que vai comandar

    34Idem, ibidem, p. 102.

    35Idem, ibidem, p. 109.

    36Idem, ibidem, p. 116.

    37Idem, ibidem, p. 119. Se tomssemos essas palavras de Febvre e as colocssemos no auge

    da crise colonial, haveria certamente reaes febris. O desenvolvimento desse tema, contudo,nos levaria muito longe do Reno.38

    Idem, ibidem, p. 112.

    39 Henri PIRENNE, Historia de Europa. Desde las invasiones al siglo XVI. Mxico: Fondo deCultura Econmico, 1992; pp. 19 e ss. Cf. tb. Jean-Baptiste DUROSELLE, L'Europe UneHistoire de ses peuples. Paris: Hachette, 1990; p. 118.

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    durante sculos a vida profunda das regies renanas.40

    Entrementes, Carlos

    Magno estreita os laos com a Igreja e promove o renascimento dos estudos

    latinos. O Reno que cortava a regio central do Imprio Franco transforma-se na frente de batalha e depois na base de apoio de uma reconquista espiritual

    mas tambm secular. Ao cristianizar os brbaros, a Igreja estava criando a

    Alemanha.41

    Desse modo, segundo Febvre, o vocbulo Germnia foi

    incorporado lngua administrativa de Roma e da Igreja: Bem antes que uma

    Alemanha poltica fosse criada, ela fundava por assim dizer, uma Alemanha

    eclesistica [].

    42

    Porm, na mesma poca em que a palavra Europa (de usomuito raro at ento) passa a designar a unidade ocidental crist

    43, o Tratado

    de Verdun definia, em 843, os termos da partilha do Imprio Franco entre os

    netos de Carlos Magno, filhos de Luis, o piedoso, demarcando as terras a leste e

    oeste do Reno. Os mistificadores buscam a, mais uma vez, uma explicao para

    uma suposta hostilidade hereditria entre a Frana e a Alemanha.44

    Assim, trs influncias ou fermentos predominariam no Reno:

    Roma, o germanismo e a Igreja. Porm, alerta Febvre, tais fermentos j no

    eram puros, mas apresentavam-se adulterados e prontos para outras misturas.45

    E

    nota que tendncia da Igreja para criar sociedades ecumnicas, indiferentes

    s fronteiras, somava-se a tendncia eterna do Reno a contribuir para o

    40L.FEBVRE,Reno, Op. cit., p. 126.

    41Idem, ibidem, p. 137.

    42Idem, ibidem, p. 137.

    43J-B. DUROSELLE, LEurope, op. cit. p. 156.

    44Segundo o historiador alemo Heinz-Otto Sieburg a noo dos franceses como inimigos

    hereditrios surge entre os alemes apenas em 1840, e dos alemes entre os franceses, em

    1866. f. J-B. DUROSELLE, LEurope, op cit., p. 157 ; L.FEBVRE,Europa, op. cit., pp.112 e ss.45

    L.FEBVRE,Reno Op. cit., p. 144.

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    amlgama de diversos fermentos. Pois no eixo renano, misturavam-se alemes a

    italianos e franceses, e, por meio destes, o Reno beneficiava-se do contato com

    outro eixo e matriz comum do velho mundo: o Mediterrneo, em cujas guas asia e a frica vieram comungar com a antiga Europa.

    46Assim, mais uma

    vez, o Reno no se resigna a ser apenas um limite [] No contato entre

    civilizaes diversas, ele quer ser um cruzamento.47

    Na opinio de Febvre, contudo, um perigo havia. O risco de que os

    dinastas saxes, que tomaram o poder na Alemanha, se desviassem das

    tendncias romanas e das lies carolngias. Porm, a converso de Oto I ao

    cristianismo afastou essa ameaa e fortaleceu o esprito renano de oposio e

    resistncia ao Leste.48

    Em Roma, a 2 de fevereiro de 962, o papa Joo XII

    coroava Oto imperador. Ento, em uma Europa recm-sada da decomposio

    do imprio carolngio, feito das runas do edifcio que cara em 800, um novo

    Carlos Magno nascia.49

    Segue-se um Renascimento das artes e das letras,

    clssico, italiano e oriental, que, conjugado ao vigoroso ressurgimento do

    comrcio, recarrega as cidades renanas de energias fecundas e a vida urbana,

    adormecida desde o ocaso do Imprio Romano, renasce com novos traos

    traos no de cidades antigas, mas de cidades medievais. Essas cidades assistem

    banqueiros e ousados comerciantes misturando moedas de cem prncipes, de

    cem cidades; so influenciadas e influenciam toda a Europa. Cidades cujo ar

    liberta e onde so lanados os germes da tolerncia, da independncia crtica e

    da viso de mundo ampliada pela experincia. Cidades, enfim, que mais uma

    vez sero a passarela por onde transitam gentes de todas as partes, pois h no

    46Idem, ibidem, p. 145.

    47Idem, ibidem, p. 143.

    48Idem, ibidem, p. 140.

    49Idem, ibidem, p. 141.

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    Reno um desfile interminvel, uma mistura perptua de homens e idias, de

    costumes e linguagens.50

    Mercadores, banqueiros e artistas; estudantes,

    peregrinos e msticos; sacerdotes, doutos e hereges; de toda a Europa afluemgentes e influncias diversas que, por sua vez, a imprensa renana cuidar de

    disseminar. De fato, o prprio Gutenberg era renano de Mayena, e Frankfurt

    am Mein sedia at hoje a feira de livros mais antiga do mundo. E a, o eterno

    fermento do pantesmo popular vicejar nas inmeras pequenas comunidades

    pululando em toda uma fauna de heresias de nomes inquietantes e bizarros e

    enriquecendo o pandemnio religioso das terras renanas. O burbulhar de

    seitas, o labirinto de inquietudes mais um indicador da mestiagem e do

    amalgamento que prosseguiam no Reno.51

    No eixo renano confluem, portanto, as mais diversas influncias

    europias, mas tambm asiticas e africanas, que vieram a germinar nos pases

    baixos, no mar do Norte, na Escandinvia e Inglaterra. As palavras de Febvre

    encontram eco em conferncia pronunciada recentemente em Paris por Eric

    Hobsbawm. De fato, segundo Hobsbawm, subjacente sua fragmentao e

    heterogeneidade, a Europa articula-se em torno de um centro dinmico e sua

    periferia. O centro dinmico justamente o eixo que se estende do Norte da

    Itlia aos pases baixos, atravs dos Alpes ocidentais, da Frana oriental e da

    bacia renana.52

    50Idem, ibidem, p. 164.

    51Idem, ibidem, p. 170-72, passim.

    52E. HOBSBAWM, LEurope: mythe, histoire, ralit. Confrence donne Paris le 22

    septembre. Publi dans Le Monde, 25/09/08. Disponvel no stio: http://www.indigenes-republique.org/spip.php?article1633 . Acessado em 23/10/2008. Reproduzida parcialmenteem: E. HOBSBAWM, Uma histria da Europa . Folha de S. Paulo, Caderno Mais,05/10/2008.

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    s margens do Reno, cujas cidades s conhecero tardiamente a

    unidade sob o manto de um poder estatal, a influncia francesa se faz mais

    presente sob Luis XIV o Rei Sol. durante o reinado de Luis XIV (1654-1715) que a Frana conquista o Franco-Condado e a Alscia. Na perspectiva de

    Febvre, a Frana cresceu unificando, conciliando e introduz a ordem e a

    clareza.53

    Perspectiva no despida de preconceito, segundo Peter Schtler, que

    observa que Febvre apresenta a expanso da monarquia para o leste e a

    conquista da Alscia por Luis XIV [] como uma espcie de pacificao e a

    e a poltica hegemnica da Prssia no sculo XIX designada como uma

    Reconquista.54

    Porm, a presena francesa no se faz sentir apenas na

    poltica. No reinado de Luis XIV, a cultura francesa em seus diversos aspectos

    lngua, costumes, artes, arquitetura, filosofia, etc. conhece seu apogeu na

    Europa continental. Insinuam-se, ento, dois movimentos divergentes: em uma

    direo, o cosmopolitismo das lumires, o ideal de uma identidade europia que

    precederia as particularidades nacionais ou regionais; em outra, opondo-se

    hegemonia francesa e a esse cosmopolitismo, os nacionalismos. A Revoluo

    Francesa e Napoleo aceleraro esses dois movimentos e acentuaro sua

    divergncia. Desde ento, o confronto entre unionistas e secessionistas se

    estender at os dias atuais. No sculo XIX, novas condies econmicas e

    polticas acrescentaro histria do Reno o elemento que faltava: a unificao

    alem.

    53L.FEBVRE,Reno, op. cit., pp. 196 e 194, respectivamente.

    54Peter SCHTLER, Apresentao In : L.FEBVRE,Reno, op. cit., p. 41.

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    A Terceira Repblica

    A III Repblica proclamada durante a guerra franco-prussiana de

    1870-1. Logo enfrenta, portanto, uma primeira dbcle: a desastrosa derrota

    francesa para o exrcito alemo em 1871.55

    Bismarck havia provocado a guerra

    para incitar o sentimento patritico alemo e unificar a Alemanha. O Imprio

    Alemo proclamado na galeria dos espelhos no Palcio de Versalhes em 18 de

    janeiro de 1874.56

    A Frana perde as provncias da Alscia e da Lorena. A

    unidade alem se fizera s custas da diviso da Frana. Esta, por sua vez, alm

    de amputada de duas ricas provncias, mostrava suas fissuras internas na

    Comuna de Paris. Porm, a guerra no envolvia apenas uma questo territorial.

    O crescimento econmico tardio, mas acelerado e a unificao fizeram da

    Alemanha a primeira potncia europia e do seu Exrcito o melhor do mundo

    at 1945,57

    superando a Frana no balano do poder Europeu. A proclamao do

    Imprio o coroamento da Alemanha como a primeira potncia da Europa

    continental. A economia francesa, por sua vez, desenvolvia-se lentamentedevido escassez de mo-de-obra e mercado consumidor; a populao

    majoritariamente rural durante todo o sculo XIX e baixa e declinante a taxa

    de natalidade.58

    Na Alemanha, ao contrrio, o crescimento demogrfico e a

    55O impacto dessa derrota pode ser medido pela comemorao da revanche em 1918 e o

    bordo l'Allemagne paiera, isto , para os franceses a Alemanha e seus aliados deveriam serconsiderados os nicos responsveis pela guerra e deveriam indenizar os pases vitoriosos.56

    Jean CARPENTIER et Franois LEBRUN, Histoire de l'Europe. Paris: Seuil,1992; p. 320; J-B.DUROSELLE, op. cit., pp. 491 e ss.57

    A considerao de Aron (PGC II, p. 19). Como veremos, durante a dedada de 1920, oexrcito francs que ocupa esse posto, no por mritos prprios contudo, uma vez que oTratado Versalhes reduzira os efetivos do exrcito alemo e obrigara a Alemanha ao

    desarmamento.58O problema populacional francs ser examinado por Aron no Paz e guerra (PGN, pp. 226-

    35).

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    urbanizao so mais cleres. No fim do sculo XIX, a produo industrial

    alem equipara-se britnica, selando seu rpido desenvolvimento econmico.59

    A III Repblica nasce, pois, em um momento difcil. Quase 2/3 da

    Assemblia Nacional eleita em 1871 era monarquista, mas viu-se

    impossibilitada de um consenso em torno de quem deveria assumir a Coroa, pois

    3 grupos disputavam o trono: os favorveis casa dos Bourbons, os que

    apoiavam a casa de Orlans e os bonapartistas. Os bonapartistas eram entre eles

    uma minoria crescente, mas outra minoria, que crescia muito mais rapidamente

    era constituda por republicanos. Depois de 4 anos sem decidir-se sobre quem

    deveria assumir o trono, os deputados optam pela Repblica sem nenhuma

    convico e por um voto: 353 a 352.60

    Nos anos seguintes, a poltica parlamentar

    francesa ser disputada por radicais e moderados ambos republicanos , por

    monarquistas e bonapartistas, que depois de mais uma derrota em 1899

    denominar-se-o conservadores, e um grupo nfimo de socialistas. At o fim do

    sculo XIX, estes grupos no constituam partidos polt