Teoria da Literatura TLI - 14

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Licenciatura em Espanhol Forma e Conteúdo na Poesia V: Análise poética Aula 14 Teoria da Literatura I Ana Santana Souza Ilane Ferreira Cavalcante

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Teoria da Literatura.

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  • Licenciatura em Espanhol

    Forma e Contedo na Poesia V:Anlise potica

    Aula 14

    Teoria da Literatura IAna Santana SouzaIlane Ferreira Cavalcante

  • TEORIA DA LITERATURA IAula 14Forma e Contedo na Poesia V: Anlise potica

    Professor Pesquisador/conteudistaANA SANTANA SOUZA ILANE FERREIRA CAVALCANTE

    Direo da Produo de Material DidticoARTEMILSON LIMA

    Coordenadora da Produo de Material DidticoSIMONE COSTA ANDRADE DOS SANTOS

    Reviso LingusticaELIZETH HERLEIN

    Coordenao de Design GrficoROSEMARY PESSOA BORGES

    DiagramaoHERBART MUNIZ DE AZEVEDO JUNIOR

    IlustraoMATEUS PINHEIRO DE LIMA

    EDUCAO, CINCIA E TECNOLOGIA

    Campus EaDRIO GRANDE DO NORTE

    INSTITUTO FEDERAL DE

    GOVERNO DO BRASIL

    Presidente da RepblicaDILMA VANA ROUSSEFF

    Ministro da EducaoFERNANDO HADDAD

    Diretor de Ensino a Distncia da CAPESJOO CARLOS TEATINI

    Reitor do IFRNBELCHIOR DE OLIVEIRA ROCHA

    Diretor do Cmpus EaD/IFRNERIVALDO CABRAL

    Diretora Acadmica do Cmpus EaD/IFRNANA LCIA SARMENTO HENRIQUE

    Coordenadora Geral da UAB /IFRNILANE FERREIRA CAVALCANTE

    Coordenador Adjunto da UAB/IFRNJSSIO PEREIRA

    Coordenador do Curso a Distnciade Licenciatura em Letras-Espanhol

    CARLA AGUIAR FALCO

    C837i Souza, Ana Santana. Teoria da literatura I / Ana Santana Souza, Ilane Ferreira Cavalcante. Natal : IFRN, 2012. Vrias paginaes : il. color.

    ISBN

    1. Teoria da literatura. 2. Literatura Estudo e ensino. 3. Literatura Conceito. I. Cavalcante, Ilane Ferreira. II. Ttulo.

    CDU 82.0

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)Joel de Albuquerque Melo Neto CRB 15/320

    charlesbamamTypewritten Text978-85-8333-032-5

  • Forma e Contedo na Poesia V: Anlise potica

    p03 Aula 14

    Ol. Vamos ltima aula da unidade sobre forma e contedo na poesia? Esta tambm a penltima aula dessa disciplina. Depois desta aula, temos uma aula de encerramento que, na verdade, ao invs de encerrar, abre mais algumas portas no processo de leitura e interpretao literria. Mas isso uma outra histria. Nesta aula, voc vai conhecer alguns passos necessrios para fazer uma anlise potica. No uma receita, pois no existem receitas, mas algumas informaes e dicas que so teis para elaborar uma boa interpretao de um texto potico. Alm disso, voc vai ler um exemplo de anlise potica que pode servir de parmetro para que voc possa fazer a sua anlise.

    Ao final desta aula voc dever:

    conhecer alguns passos imprescindveis anlise potica;

    saber como interpretar um poema.

    Apresentao e Objetivos

    Aula 14Forma e Contedo na Poesia V:

    Anlise potica

  • Teoria da Literatura I p04

    Aula 14

    Catar Feijo

    Catar feijo se limita com escrever:

    jogam-se os gros na gua do alguidar

    e as palavras na folha de papel;

    e depois, joga-se fora o que boiar.

    Certo, toda palavra boiar no papel,

    gua congelada, por chumbo seu verbo:

    pois para catar esse feijo, soprar nele,

    e jogar fora o leve e oco, palha e eco.

    Ora, nesse catar feijo entra um risco:

    o de que entre os gros pesados entre

    um gro qualquer, pedra ou indigesto,

    um gro imastigvel, de quebra dente.

    Certo no, quando ao catar palavras:

    a pedra d frase seu gro mais vivo:

    obstrui a leitura fluviante, flutual,

    aula a ateno, isca-a com risco....

    Joo Cabral de Melo Neto

    O poema Catar feijo traz, em seu ttulo, uma ao do cotidiano, simples, de dona de casa, mas associa esse ato, o de catar feijo, ao fazer potico e descreve, passo a passo, em que essas duas aes se assemelham e em que elas diferem. Elas se assemelham, diz o poeta, no fato de que o poeta, ao elaborar um poema, tem sua disposio inmeras palavras e formas, assim como aquela pessoa que cata feijo tambm tem inmeros gros para escolher. A escolha do cozinheiro se faz eliminando o que sobra: palha, pedra, gros ocos. A escolha do poeta tambm importante, ele

    Para Comear

    Fig. 01 - Catando feijo

  • Forma e Contedo na Poesia V: Anlise potica

    p05 Aula 14

    1. Para analisar um poema

    Analisar um poema um exerccio de leitura. Como tal, no basta decodificar o texto, ou indicar as figuras de estilo encontradas ou a estrutura do texto. preciso compreender o porqu, naquele texto, da presena daquelas figuras de linguagem e daqueles recursos sonoros utilizados pelo poeta. Muitas vezes, os alunos se perguntam, mas, ser que o poeta pensou realmente nisso ao elaborar o poema? Na verdade, isso no to relevante. O mais importante que, tenha sido intencional ou no, o recurso est l e, com certeza, ele contribui para a construo do todo. Mas, no se engane, em geral, o poeta sabia, sim, e pensou, sim, em utilizar aquele recurso com a finalidade de gerar um determinado efeito.

    Para elaborar uma boa anlise, preciso captar o que o texto nos oferece e trabalhar essas chaves de leitura a partir de nosso conhecimento de mundo, somado, claro, a uma boa pesquisa sobre estilo, sobre o autor, sobre tudo o que pode favorecer a nossa interpretao. As palavras nos interrogam, trouxeste a chave? nos dizem as palavras em estado de dicionrio, lembra Carlos Drummond de Andrade no poema

    Assim

    deve eliminar tudo o que sobra, pois a poesia feita de contenso, com o mnimo de palavras. Mas, alerta Joo Cabral, para o poeta, a pedra essencial. Aquela pedra que o cozinheiro joga fora, para que no quebre o dente de quem comer o feijo depois, valorizada pelo poeta, pois, diz ele, d frase seu gro mais vivo:/ obstrui a leitura fluviante, flutual, isto , chama a ateno do leitor, acorda-o, isca-o com o risco.

    Ponderar sobre o estudo da poesia, sobre as teorias que pensaram a literatura, sobre a histria das formas poticas, sobre a criao de imagens e sons no texto, tem sido o teor desta disciplina. Agora, nesta aula, voc vai perceber que tudo o que voc estudou at aqui funciona como uma espcie de alicerce, til para que voc compreenda o poema, o objeto concreto textual, elaborando uma anlise que, como o poema acima, indique o processo, (o procedimento, lembra do formalismo?) como o poema foi elaborado, desmembrando seus elementos atravs de uma anlise, com a finalidade de interpretar o texto e elaborar uma sntese dessa interpretao, uma anlise potica.

    Fig. 02 - Leitura

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    Aula 14

    Procura da poesia. Essa chave se faz a partir da leitura integrada de todos os elementos que compem o texto.

    O professor Antonio Candido, referncia imprescindvel na leitura literria no Brasil, tem um texto em que ele faz um Exerccio de leitura (1975). Eu li esse texto ainda na poca em que fazia minha graduao em Letras e nunca mais o esqueci. Gosto de retom-lo sempre que vou tratar de anlise potica. Por isso, ele ser o guia da primeira parte desta aula. Ele inicia seu texto afirmando:

    Quase sempre mais fcil lidar com os elementos difceis do texto, mesmo porque muitas vezes o leitor que os faz parecer tais. O presente artigo procura sugerir a convenincia do contrrio, isto , que a anlise correta se torna mais accessvel, tanto para o professor quanto para o aluno, quando comeamos realmente pelo que h de mais evidente e corriqueiro. (CAN-DIDO, 1975, s/p.)

    O autor nos lembra de que, quando estamos muito preocupados em desvendar os mistrios do texto, acabamos por no nos concentrar no que est mais nossa

    vista, no mais bvio. Esses elementos bvios, no entanto, so os que nos permitiro chegar s entrelinhas e aos elementos mais complexos do texto. Por isso, precisamos sempre comear por eles. E ele continua, dizendo:O jovem contista pensa que a verdadeira demonstrao de for-a consiste em descrever um estado de alma complexo, uma tempestade ou o estouro da boiada; mas O. Henry dizia que a prova dos nove seria descrever uma galinha atravessando um ptio. A, no h fuga para a grandiloqncia nem camuflagem por meio do pattico, mas a nua capacidade de escrever, - e o que importa. (CANDIDO, 1975, s/p.)

    Portanto, a simplicidade e a qualidade de uma leitura, anlise potica, interpretao, consiste em fazer um exame a partir dos indcios, daquilo que o texto nos apresenta, lendo os elementos constitutivos do texto. Primeiro a estrutura, em seus detalhes: a forma, o vocabulrio, os sons, a pontuao, o ritmo, a categoria gramatical dos vocbulos, a estrofao, enfim, os elementos significantes do corpo do texto devem ser detalhadamente analisados e trazidos luz pelo leitor.

    Aps essas consideraes iniciais, Antonio Candido nos prope oito passos para caminharmos ao longo da anlise de um poema. Esses oito passos vo ser indicados e brevemente comentados a partir de agora.

    1. O objetivo da anlise no o poeta nem o leitor, mas o poema.

    Fig. 03 - Foco no texto

    Fig. 04 - livro

  • Forma e Contedo na Poesia V: Anlise potica

    p07 Aula 14

    Ao fazer essa considerao, Antonio Candido nos lembra de que o posicionamento crtico do leitor deve ser o de ouvir o texto e tentar compreender o texto. No se deve, a priori, buscar informaes sobre o texto na vida do autor. No que a vida ou os comentrios gerais sobre a obra daquele autor no sejam teis. So e podero ser mais ou menos teis dependendo do texto. Mas o leitor no pode iniciar por esses elementos, pois cada poema um objeto nico e como tal tem elementos que lhe so intrnsecos e que precisam ser observados em primeiro lugar, como afirma o prprio Candido em seu segundo passo:

    2. Isto significa que, pelo menos a princpio, o poema deve ser tratado como um objeto independente, observado a partir de caractersticas que so prprias dele, no do poeta nem do leitor.

    Por isso, diz Candido, no se pode buscar imediatamente o tema do texto, mas fracion-lo em partes que s depois de novamente compostas luz de uma interpretao, chegariam ao tema. Isso o que ele indica em seu terceiro passo:

    3. Logo, no comear definindo o tema, pois isto equivaleria a fornecer o significado central antes da anlise, isto , importaria em dispens-la ou deform-la por uma concluso precoce. A anlise potica demonstra, frequentemente, que o tema quase nunca o assunto ostensivo, ou a concluso expressa; mas algo escondido, que preciso descobrir.

    O fato que o tema do poema geralmente surge para o leitor medida que ele avana na descoberta de sua estrutura. Ele nunca se oferece primeira vista. Ele, alis, raramente o ttulo, como muitas vezes tendemos a pensar. O tema pode at contradizer o ttulo. Ele tambm no necessariamente o assunto. Esses so elementos da superfcie do texto e o tema sempre implcito. Por isso, o autor justifica:

    4. Uma anlise objetiva e metdica deve comear pelos elementos por assim dizer palpveis do poema, isto , os que s existem nele, no no esprito do autor ou do leitor. Depois ir para a determinao dos mltiplos sentidos que brotam da sua dinmica, e acabar nos significados, projees do sistema de sentidos parciais.

    Esses significados do texto exigem, para ser descobertos, o estabelecimento de relaes. Ou seja, no basta identificar as aliteraes, rimas, metforas. preciso pensar que funo essas figuras exercem naquele texto em particular. Porque o poeta utilizou aquelas imagens Fig. 05 - Pontos conectados

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    Aula 14

    e sons e no outros. Estabelecer essas relaes vai exigir do leitor que ele recorra a outras fontes: dicionrios, textos tericos, dependendo do que se est observando. Assim:

    5. Sempre que couber, a primeira operao deve ser o estudo dos elementos relativos ao gnero onde o poema se enquadra, pois eles so normas anteriores que se tomam um ponto de partida impessoal.

    Por exemplo, o poema Cano do vento e da minha vida, de Manoel Bandeira, no se chama cano toa. Com certeza, o autor estava procurando imprimir no poema alguma melodia. No toa, portanto, que o poema apresenta inmeras anforas e outros recursos que imprimem musicalidade ao texto, como o uso das redondilhas, da pontuao, que fora pausas na leitura, etc. Veja a primeira estrofe:

    O vento varria as folhas,

    O vento varria os frutos,

    O vento varria as flores

    E a minha vida ficava

    Cada vez mais cheia

    De frutos, de flores, de folhas.

    (BANDEIRA, Manuel. Cano do vento e da minha vida. Disponvel em: http://www.literaturaemfoco.com/?p=67 Acesso em 21 de fev. 2012).

    6. A seguir, preciso esclarecer o sentido de cada palavra e cada verso.

    Compreender a forma do poema, somente, tambm no suficiente. preciso compreender o seu vocabulrio e tambm como o assunto organizado no texto. Por exemplo, leia o poema de Mrio Quintana, a seguir:

    BilheteSe tu me amas, ama-me baixinho No o grites de cima dos telhadosDeixa em paz os passarinhosDeixa em paz a mim!Se me queres,enfim,tem de ser bem devagarinho, Amada,que a vida breve, e o amor mais breve ainda...

    (QUINTANA, Mrio. Bilhete. Disponvel em: http://www.casadobruxo.com.br/poesia/m/bilhete.htm Acesso em 20 de fev. 2012).

    Fig. 06 - rvore com vento

    Fig. 07 - bilhete

  • Forma e Contedo na Poesia V: Anlise potica

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    Fica bem evidente que o poema constitudo de versos livres, o ttulo Bilhete aponta para a forma curta (apenas 8 versos organizados em uma s estrofe) e para o vocabulrio simples. Esse pretenso bilhete endereado a algum que ama o eu lrico, observe que o eu lrico em nenhum momento afirma que esse amor recproco. O remetente do bilhete pede que aquela pessoa seja discreta em seu amor, isto , que no grite, ou espalhe que o ama, porque ele, o eu lrico, precisa de paz, de um amor suave. Por qu? Porque, para ele, a brevidade da vida demonstra que o amor um sentimento ainda mais breve.

    Mas, enfim, o assunto s um bilhete para a amada? Ser que ele no diz algo mais? Bem, o fato que, para responder a essas perguntas, que podem levar ao tema do poema, preciso, primeiro, compreender o que ele diz. Para isso, no importa apenas conhecer as palavras, mas o sentido que elas produzem em conjunto. S depois se podem investigar as possibilidades significativas mais profundas.

    7. Em terceiro lugar, focalizar os elementos materiais, os mais palpveis de todos: metro, ritmo, rima, estrofao, pontuao e, sobretudo, a relao entre eles.

    Essa nova etapa da leitura implica em escandir os versos, identificar o tipo de estrofes, o esquema rtmico do poema, as figuras de linguagem mais evidentes, os recursos sonoros, rimas, aliteraes, enfim, todos os elementos que possam ser extrados do texto. Mas s identificar e indicar quais so esses elementos tambm no o suficiente. Por isso, Antonio Candido aponta o oitavo e ltimo passo.

    8. Nessas etapas, preciso fazer um esforo para passar da descrio atomizada de cada elemento para a correlao entre eles, pois esta que revela a frmula prpria do poema.

    Compreender a correlao entre esses elementos que vai nos permitir entender que o poema de Mrio Quintana, Bilhete, citado acima, no meramente um bilhete para uma amada, tambm no apenas um bilhete que pede discrio amorosa a algum que o ama. , para alm desses elementos superficiais e significantes do texto, uma reflexo sobre a efemeridade dos sentimentos, irremediavelmente ligados brevidade da vida.

    Bem, esses passos indicados por Antonio Candido, so fundamentais, como j foi dito, mas eles no so uma receita, so conselhos importantes que se deve seguir e que podem ser complementados com uma leitura sobre o estilo do autor que se est estudando ou o estilo de poca a que ele pertence, ou mesmo, sua biografia. Esses elementos podem ser muito teis para nos ajudar a compreender aspectos mais detalhados do texto. Mas eles no devem ser a nossa primeira preocupao, eles so sempre complementares quando se trata de anlise de poemas.

    Fig. 08 - Inter-relaes

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    Aula 14

    Elaborar a anlise, como dissemos, um exerccio. Esse exerccio primeiro desvela a estrutura do texto, mas depois, preciso elaborar uma sntese dessa anlise, ou seja, estabelecer as correlaes em um texto coeso e coerente. um exemplo de uma anlise que voc ver na segunda parte desta aula, mas, antes, que tal dar uma paradinha e fazer um exerccio sobre o que voc estudou at aqui?

    1. A partir do que voc leu na primeira parte desta aula, qual seria a diferena entre assunto e tema?

    __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    2. Quais so os elementos que constituem a estrutura do texto?

    ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    3. O que anlise potica?

    ____________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

    Mos obra

    2. Um exerccio de anlise

    Nesta parte da aula, voc vai ler o poema Depois do sol, de Ceclia Meireles. Leia e tente imaginar como seria uma anlise que valorizasse o estilo especfico da escritora, identificando os recursos utilizados e os sentidos propostos a partir dessa leitura.

    Depois do sol...

    Fez-se noite com tal mistrio,

    To sem rumor, to devagar,

    Que o crepsculo como um luar

    Iluminando um cemitrio . . .

  • Forma e Contedo na Poesia V: Anlise potica

    p11 Aula 14

    Tudo imvel . . . Serenidades . . .

    Que tristeza, nos sonhos meus!

    E quanto choro e quanto adeus

    Neste mar de infelicidades!

    Oh! Paisagens minhas de antanho . . .

    Velhas, velhas . . . Nem vivem mais . . .

    As nuvens passam desiguais,

    Com sonolncia de rebanho . . .

    Seres e coisas vo-se embora . . .

    E, na aurola triste do luar,

    Anda a lua, to devagar,

    Que parece Nossa Senhora

    Pelos silncios a sonhar . . .

    Fazendo uma apreciao bem rpida da estrutura do poema, voc pode identificar a formao em estrofes de quatro versos, isto , em quartetos, ou quadras. Cada estrofe apresenta um esquema de rimas finais que seguem o mesmo padro (o primeiro verso rima com o ltimo e os dois do meio rimam entre si), elaborando o seguinte esquema:

    Fez-se noite com tal mistrio, (A)

    To sem rumor, to devagar,(B)

    Que o crepsculo como um luar (B)

    Iluminando um cemitrio . . . (A)

    Fig. 09 - Ceclia Meireles

    Fig. 10 - anoitecer

  • Teoria da Literatura I p12

    Aula 14

    Tudo imvel . . . Serenidades . . . (C)

    Que tristeza, nos sonhos meus! (D)

    E quanto choro e quanto adeus (D)

    Neste mar de infelicidades! (C)

    Oh! Paisagens minhas de antanho . . . (E)

    Velhas, velhas . . . Nem vivem mais . . . (F)

    As nuvens passam desiguais, (F)

    Com sonolncia de rebanho . . . (E)

    Seres e coisas vo-se embora . . . (G)

    E, na aurola triste do luar, (B)

    Anda a lua, to devagar, (B)

    Que parece Nossa Senhora (G)

    Pelos silncios a sonhar . . . (B)

    um esquema de rimas muito bem marcado, que no se altera a no ser no final. Observe que h sempre rimas interpoladas, que se caracterizam por trazer, entre o primeiro e o quarto verso de cada estrofe, dois versos com rimas paralelas. H, portanto, uma certa cadncia, uma certa melodia, pontuada pelas rimas que se mantm constantes. A no ser no final, porque h um s verso solto. E por que ser que h essa leve alterao? Por que esse verso solto? Essas so questes que devem estar presentes quando se tentar compreender o assunto do poema.

    E o ritmo? Como esse um poema bastante regular em termos de metrificao, vamos escandir apenas a primeira estrofe e, com certeza, ela nos indicar o tamanho

    do verso e o ritmo predominante.

    Fez/-se/ NOI/te/ com/ tal/ mis/T/rio, - ER 8 (3-8)

    To/ sem/ ru/MOR,/to/ de/va/GAR, - ER 8 (4-8)

    Que o/ cr/PS/cu/lo / co/mo um/ LUAR - ER 8 (3-8)

    I/lu/mi/NAN/do um/ ce/mi/T/rio . . . - ER 8 (4-8)

    Fig. 11 - Luar

  • Forma e Contedo na Poesia V: Anlise potica

    p13 Aula 14

    Observe que o esquema de ritmo tambm se mantm regular, h sempre uma relevncia dada 3a ou 4a slaba tnica de cada verso. E depois, evidentemente, slaba final, a 8a slaba de cada verso. Essa relevncia entre a terceira e quarta slabas do meio do verso remete mesma alternncia que se observa no padro de rimas. Evidentemente, pode haver pequenas alteraes do ritmo ao longo do poema, com predominncia ou da 3a slaba do verso ou da 4a. Mas isso no altera muito o ritmo do poema, que se mantm lento e bastante suave. Essa impreciso, alis, d um tom ainda mais sutil e suave ao ritmo, como uma msica bem lenta que soa nos ouvidos do leitor a cada leitura do poema.

    Bem, se observarmos mais atentamente o plano sonoro do poema, podemos identificar a alternncia de vogais mais orais e abertas, com vogais mais fechadas, como se a autora estabelecesse uma oscilao constante entre aberto e fechado. Veja o destaque:

    FEz-se nOite com tAl mistrio,(A)

    To sem rumOr, to devAgar,(B)

    QuE o crepsculo cOmo um luAr (B)

    IluminAndo um cEmitrio . . . (A)

    claro que essa alternncia, assim como o ritmo, no precisa. Mas ela oferece uma atmosfera mais intimista ao poema. Um poema com predominncia de sons orais e abertos , com certeza, menos intimista que um que apresenta uma alternncia entre sons orais e abertos e sons fechados ou nasais.

    Se observarmos agora o plano semntico, perceberemos que na primeira estrofe a autora apresenta uma paisagem j introduzida pelo ttulo (depois do sol ...). O crepsculo, para a autora, vem devagar e comparado ao luar1. O luar ilumina um lugar especfico: um cemitrio. Essa paisagem noturna, portanto, no sensual, nem alegre, sombria. Sombra e luz, um dos contrapontos expostos no texto (positivo X negativo ou aberto X fechado) que j se insinuam no plano sonoro, como vimos no pargrafo anterior.

    Tambm se pode observar que o verso solto, ao final do poema, finalizado por reticncias, como a indicar que se deixou algo em aberto, algo a dizer, no mesmo? O mesmo uso das reticncias tambm est no titulo do poema, que deixa em aberto o perodo de tempo a que o texto remete. Se pensarmos apenas de forma literal, depois do sol seria s a noite em si, ou tudo o que vem com a noite?

    1 Identificamos uma figura de linguagem presente no poema: a comparao: o crepsculo como um luar iluminando um cemitrio.

    Fig. 12 - Tristeza

  • Teoria da Literatura I p14

    Aula 14

    Da paisagem externa, a autora passa, na segunda estrofe, aos seus sonhos e sentimentos, em que ela prioriza a tristeza e a infelicidade. Nessa paisagem interna, predominam os tons sombrios, mas, ao mesmo tempo, apesar da tristeza, h serenidade.

    Essa unio entre a paisagem externa (noturna) e a paisagem interna (os sentimentos do eu-lrico) expressa atravs do uso de figuras de linguagem como a personificao, que imprime nas coisas inanimadas, como o luar e a paisagem, sentimentos humanos, como a tristeza: paisagens que no vivem mais, nuvens com sonolncia, aurola triste.

    A paisagem permeada, nas duas ltimas estrofes, pelas lembranas, que no vivem mais, esto mortas. O contraponto entre positivo e negativo permanece, pois essa estrofe ao mesmo tempo em que lamenta a impossibilidade de reviver o passado, traz uma imagem de sono tranquilo, como um rebanho de ovelhas em nuvens que passam desiguais. Como se a morte no permitisse tristezas, nem alegrias, apenas uma serenidade melanclica.

    A perda das coisas equivale luz triste do luar. Mas a lua, to devagar, ilumina essa tristeza e conforta, numa imagem de luz que lembra Nossa Senhora. A autora, aqui, remete sua prpria religiosidade, que, como a luz da lua, ilumina as sombras e a conforta. E no silncio, a autora aponta o sonho. Um sonho que se abre em reticncias. Seria ainda o remoer das lembranas? Ou seria a fuga da tristeza? Est em aberto. Ela sugere, o leitor sensvel, interpreta. Assim, se retomarmos o significado de depois do sol..., pensando o sol como luz/dia, podemos concluir que depois do sol, h a noite, com a noite vm os sonhos as lembranas. Mas, se pensarmos a luz do sol como vida (fonte de vida), depois do sol, vem a morte. A morte pode ser nada (ausncia de vida, de sentimentos, de dor, de

    alegria, etc). A morte pode ser vista como um passar sereno pela eternidade (imagem que refora o apelo religiosidade da penltima estrofe, Nossa Senhora que, pelo cu, como a lua, sonha...2

    Enfim, esse poema oferece inmeras possibilidades de interpretao. Essa uma leitura bastante rpida do poema, mas j aponta algumas escolhas estilsticas da autora que, por sua vez, denotam a convergncia de elementos entre os planos de forma e contedo do texto. Para complementar essa anlise, poderia, por exemplo, ser feita, uma investigao acerca das escolhas temticas da autora. A melancolia e a religiosidade estariam presentes de forma recorrente em sua obra? Bem, eu deixo essa pergunta para voc, quem sabe ela o instiga a elaborar a sua prpria anlise do poema?

    2 Todas essas imagens, remontam nossa aula 11, lembra? Em que falamos da metfora como um recurso que o poeta utiliza para a criao de imagens com as palavras.

    Fig. 13 - Luar no cemitrio

  • Forma e Contedo na Poesia V: Anlise potica

    p15 Aula 14

    1. Leia o poema a seguir e elabore uma anlise procurando seguir os passos indicados ao longo desta aula e sintetizando uma sntese de sua leitura em texto.

    Morena

    Mos obra

    moa faceira,

    Dos olhos escuros,

    To lindos, to puros,

    Qual noite fagueira!

    Criana morena,

    Teus olhos rasgados

    So cus estrelados

    Em noite serena!

    Que doces encantos,

    No brilho fulgente,

    No brilho dolente

    De teus olhos santos!

    E eu vivo adorando

    Meu anjo formoso,

    O brilho radioso

    Que vo derramando.

    Em chamas serenas,

    To mansas e puras,

    Teus olhos escuros,

    flor das morenas!

    Auta de Souza (1876 a 1901) uma poetisa potiguar que apresentava traos romnticos e simbolistas em sua poesia, permeadas tambm de uma intensa religiosidade.

    Para saber mais: http://www.amulhernaliteratura.ufsc.br/catalogo/auta_vida.html

    Fig. 14 - Auta de Souza

  • Teoria da Literatura I p16

    Aula 14

    Nesta aula, voc aprendeu oito passos importantes na elaborao de uma anlise potica e compreendeu como importante observar os detalhes da construo do texto que se vai analisar e estabelecer correlaes entre eles para, s ento, construir o seu prprio texto sntese interpretando o poema.

    J sei!

    Leia o texto de Antonio Candido, disponvel no endereo a seguir e elabore uma anlise potica de um poema sua escolha, tendo como modelo a anlise que ele elabora no texto.

    CANDIDO, Antonio. Exerccio de leitura. In: Revista Texto, no. 1. Araraquara. 1975. Disponvel em http://www.cesargiusti.bluehosting.com.br/Apoio/exercicio.htm Acesso em 21 de fev. 2012.

    Autoavaliao

    Leia outro livro bastante interessante de Antonio Candido, em que voc vai encontrar vrios exemplos de anlise potica:

    CANDIDO, Antonio. Na sala de aula. So Paulo: tica, 1986.

    Um passo a mais

  • Forma e Contedo na Poesia V: Anlise potica

    p17 Aula 14

    BANDEIRA, Manuel. Cano do vento e da minha vida. Disponvel em: http://www.literaturaemfoco.com/?p=67 Acesso em 21 de fev. 2012

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    Referncias

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    Fig. 04 - http://sociedadesofia.wordpress.com/tag/como-escrever-um-livro/

    Fig. 05 - http://mysoul111.blogspot.com/2011/04/connecting-dots.html

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    Fig. 08 - http://www.portalodm.com.br/oficina-de-analise-e-interpretacao-de-indicadores--e--433.html

    Fig. 09 - http://meirelescecilia.blogspot.com/

    Fig. 10 - http://filipepachecofoto.blogspot.com/2011/01/anoitecer-26-janeiro-2011.html

    Fig. 11 - http://guriforadospadroes.blogspot.com/2011/02/hoje-noite-nao-tem-luar.html

    Fig. 12 - http://atestadodoobvio.blogspot.com/2011/06/o-microbio-da-tristeza.html

    Fig. 13 - http://www.flogao.com.br/marloncaro/38750759

    Fig. 14 - http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Auta_de_souza.jpg