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Teoria do Capital Estrangeiro Denis Borges Barbosa (1993) A Tarifa traz o investimento O mais importante mecanismo de regulação do investimento parece continuar sendo as barreiras tarifárias e não tarifárias . Nosso tema, porém, são os outros instrumentos legais e institucionais que se dirigem especificamente à regulação do capital estrangeiro. The stick and the carrot Num mecanismo regulatório do capital estrangeiro, qual os propósitos do Estado? Seduzir e controlar. Trazer os benefícios, e domar a fera. O equilíbrio ideal entre a atração absoluta e a submissão completa. Esta equação teórica quase nunca se põe em estado consciente, com a perfeição crítica de um Maquiavel. Antes mesmo de inventariar os benefícios e os instrumentos de controle (para não falar das finalidades deste), acorrem as ilusões da naturalidade das coisas - deixando correr, as águas satisfazem a todas as sedes. Ou as fantasias de que os meios bastam-se - o Estado é infindo e intrinsecamente eficiente. O que praticamente não existe é um sistema jurídico - em qualquer país, mesmo os mais desenvolvidos - que renuncie inteiramente à regulação do capital estrangeiro 1 . Sejam instrumentos de incentivo, sejam de controle, mecanismos de 1 "Few countries, either developed or developing, pursue a policy of complete non-intervention", World Investment Report, United Nations, 1992, (Report) pg 272. O recente Exon-Florio Act, que dá poderes ao Presidente dos Estados Unidos para rejeitar a entrada de capital estrangeiro que ponha em perigo o interesse nacional americano é uma demonstração candente da afirmação.

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Teoria do Capital Estrangeiro

Denis Borges Barbosa (1993)

A Tarifa traz o investimentoO mais importante mecanismo de regulação do investimento parece continuar sendo as barreiras tarifárias e não tarifárias . Nosso tema, porém, são os outros instrumentos legais e institucionais que se dirigem especificamente à regulação do capital estrangeiro.

The stick and the carrot

Num mecanismo regulatório do capital estrangeiro, qual os propósitos do Estado? Seduzir e controlar. Trazer os benefícios, e domar a fera. O equilíbrio ideal entre a atração absoluta e a submissão completa.

Esta equação teórica quase nunca se põe em estado consciente, com a perfeição crítica de um Maquiavel. Antes mesmo de inventariar os benefícios e os instrumentos de controle (para não falar das finalidades deste), acorrem as ilusões da naturalidade das coisas - deixando correr, as águas satisfazem a todas as sedes. Ou as fantasias de que os meios bastam-se - o Estado é infindo e intrinsecamente eficiente.

O que praticamente não existe é um sistema jurídico - em qualquer país, mesmo os mais desenvolvidos - que renuncie inteiramente à regulação do capital estrangeiro 1. Sejam instrumentos de incentivo, sejam de controle, mecanismos de intervenção nos fluxos de investimento estão praticamente sempre presente.

Sob o nome da moda de “política estratégica de investimento”, encontram-se, em toda parte, medidas de favorecimento de certos segmentos da atividade econômica nacional ou mecanismos visando a transferência de renda de um grupo social ou segmento econômico para outro; em ambos casos, o objetivo parece justificar-se dentro da melhor racionalidade econômica quando a ação do Estado trata uma situação de competição imperfeita, com os agentes comportando-se como oligopolistas ou monopolistas 2.

Intervindo no fluxo de investimento, o Estado tentaria obter ganhos a longo prazo a custa de ônus imediatos, em particular transferindo renda de agentes econômicos estrangeiros

1 "Few countries, either developed or developing, pursue a policy of complete non-intervention", World Investment Report, United Nations, 1992, (Report) pg 272. O recente Exon-Florio Act, que dá poderes ao Presidente dos Estados Unidos para rejeitar a entrada de capital estrangeiro que ponha em perigo o interesse nacional americano é uma demonstração candente da afirmação. 2 Esta é a doutrina oficial das Nações Unidas, vide Report, op. cit., p. 272. A regulação reagiria a uma barreira de entrada - seja de economia de escala, seja de aprendizagem, seja de diferenciação de produto ou de âmbito de utilização.

para a economia nacional 3; para tanto, utilizar-se-ía de três mecanismos principais: indutores de localização do investimento, exigências de desempenho para o investimento já localizado (por vezes, acoplados aos indutores), e mecanismos de restrição ou fechamento de mercado.

Segundo a boa doutrina 4, os indutores, conjuntamente com as exigências de desempenho, seriam justificáveis no caso de setores estratégicos - sendo os mecanismos específico para tais setores - em doses moderadas, utilizados razoavelmente e em poucos casos. Especialmente plausível seria a intervenção dirigida às situações oligopólicas ou aos setores onde a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico mantivessem-se em níveis intensivos.

As restrições à entrada, de outro lado seriam defensáveis em setores de interesse para a segurança nacional 5, para evitar o efeito pernicioso do ciclo dos produtos (as subsidiárias de empresas estrangeiras estabelecidas no País colocariam no mercado local produtos obsoletos), e para capturar externalidades, especialmente tecnologia 6.

O sistema brasileiro.

Tais ponderações, com a generalidade que se pode esperar de um estudo das Nações Unidas, não se adequam com facilidade ao caso brasileiro.

Como se viu do esboço de historiografia do tratamento do capital estrangeiro, constante da primeira parte deste estudo, não se teve no Brasil a tradição de indutores de investimento formalmente dirigidos ao capital estrangeiro; o BEFIEX, principal performance requirement de interesse das empresas de capital estrangeiro foi ligado, pelo menos nominalmente, ao comércio e não ao investimento 7.

Os sistemas de regulação de capital estrangeiro historicamente em vigor no País compreenderam dois tipos principais de mecanismos legais e institucionais. O primeiro deles foi o controle de fluxo de divisas, seja através de instrumentos próprios (monopólio cambial 8, restrições à remessa e ao retorno de capital) seja através de tributação (limites de dedutibilidade de despesas remissíveis, impostos suplementares).

3 Com a inarredável conseqüência da perda de eficiência na economia, seg. Report, op. cit., p. 278.4 Report, op. cit., p. 274.5 É esta a justificativa para o Exon-Florio Act; vide Law & Policy in Internacional Business (L & P), vol. 23, tomo 3, p. 593. A legislação americana tem outras restrições à entrada, especialmente no tocante às companhias aéreas domésticas, às estações de radiodifusão, a propriedade de navios na navegação costeira e ao setor nuclear (L&P, 23/3 p. 595), nem todas justificáveis mesmo à luz da regra de defesa militar. Aliás, à raiz do Exon-Florio Act está o episódio em que a Fujitsu quase foi impedida de adquirir a Fairschild, fabricante de elementos eletrônicos, por ser estrangeira (L&P 23/3 p. 596); curiosamente, quem tinha interesse de alienar a empresa americana era o grupo francês Schlumberger.6 O exemplo do sucesso de uma medida desta natureza seria o Japão, que teria fechado o acesso ao mercado local ao investimento, para obter tecnologia através de licenciamento.7 Na verdade, o BEFIEX, ao presumir um poder de exportação relativamente independente do mercado natural do Brasil, como pressuposto dos favores fiscais à importação de bens e equipamentos, levava em conta a capacidade das empresas multinacionais de criar oportunidades, através de transfer pricing e outros meios; em suma, propunha-se a "alugar", em favor da capacidade de exportação brasileira, uma das características mais imputadas como daninhas do investimento multinacional, que é o de transformar as variáveis econômicas locais, em função de um racionalidade supranacional e seguramente não estatal.

O efeito primário dos controles cambiais tradicionalmente existentes na lei brasileira é de conter o investimento estrangeiro na economia nacional, ou ao menos retardar o fluxo de saída. É certo que, pelo menos inicialmente, o objeto do controle cambial é o fluxo internacional de bens, com vistas especialmente aos preços de exportação; em certos períodos, também o peso dos juros e do principal dos empréstimos externos motiva a intervenção estatal no setor. Mas aos poucos, e especialmente após a II Guerra, o controle cambial do investimento tem uma tática e um estilo próprios.

Os mesmos controles, por um efeito derivado (por assim dizer, extracambial), também têm a possibilidade de direcionar o fluxo de entrada do investimento, aumentando ou diminuindo o poder de compra da moeda estrangeira - como aconteceu com a Lei de 1953, sob a qual havia câmbio privilegiado para determinados investimentos.

O outro mecanismo principal é o de vedações legais ao investimento - limites e restrições à entrada de capitais 9. Nestes, se distinguem as normas que repelem o investimento privado em geral, e aquelas que se voltam especificamente ao capital estrangeiro.

O objetivo de tais restrições é, de regra, manter o controle, seja público, seja nacional, sobre determinados segmentos da atividade econômica; disto há uma vertente de caráter político-militar, por exemplo, na vedação de propriedade estrangeira em faixa de fronteiras. Na maioria dos casos, no entanto, tem-se mecanismos de proteção de mercados, de caráter monopolista ou oligopolista, ou de correção das condições de competitividade 10.

Também se notam outros mecanismos de menor repercussão, afetando nem a entrada nem a saída do investimento, mas a sua efetividade na economia, como a imposição de uma proporção mínima de empregados nacionais.

Pressupostos da análiseAo iniciarmos nossa consideração do tema desta seção, procuramos fixar um parâmetro, se não cientificamente neutro em termos de doutrina econômica, atual e - em teoria, pelo menos - imparcial na apreciação da conveniência da regulação do investimento estrangeiro. A manifestação, oficialmente endossada, do Departamento de Desenvolvimento Econômico e Social das Nações Unidas, em sua mais recente edição - de julho de 1992 - pareceria reunir os atributos necessários a tal função.

De tal documento, é particularmente ponderável a constatação de que a intervenção estatal, em alguma forma, acompanha neste momento o investimento estrangeiro em quase todos os países. Mesmo levando em conta que tal intervenção, através de constituição de blocos

8 Álvaro Antônio Zini Jr. Taxa de Câmbio e Política Cambial no Brasil Edusp 1993. p. 17:"O regime cambial no Brasil é de monopólio cambial, isto é, só o Banco Central pode legalmente efetuar transações com divisas estrangeiras no país ou autorizar que agentes as façam, sob sua fiscalização. A determinação do preço da divisa estrangeira (a taxa de câmbio), por sua vez, não deve ser confundida com esta noção de monopólio cambial. A taxa de câmbio é estabelecida pelas forças de mercado e pelas intervenções do Banco Central". O Câmbio acha-se basicamente regido pelas Leis 4131, 4330/64 e 4595/67.9 Note-se que também o mecanismo cambial pode ser usado para deter ou direcionar o capital estrangeiro; exemplo flagrante é o da vedação, mantida por muito tempo pelo Banco Central, de registrar investimentos em setores não considerados produtivos, como, por exemplo, o investimento imobiliário com finalidade de renda passiva.10 Como, por exemplo, o acesso a determinadas fontes de crédito público.

regionais 11 ou por outras formas mais clássicas, é uma característica do Estado destes dias 12, a atuação quanto ao investimento internacional é visivelmente intensa.

Toma-se, assim, como pressuposto do estudo que alguma forma de ação interventiva - ao menos dentro dos parâmetros de moderação e contenção apontados no estudo das Nações Unidas - é plausível no contexto da economia mundial do momento.

A primeira questão a ser analisada é a dos objetivos de uma regulação: que fins são alcançáveis através da atuação estatal. Não nos cabendo estabelecer qualquer modelo substantivo de desenvolvimento, a análise levará em conta apenas os efeitos do investimento internacional de risco, apontados pela literatura, sem eleger, preliminarmente, quais destes efeitos deveriam ser perseguidos ou evitados pela ação do Estado.

No entanto, sob o risco de recair num ensaio de retórica, em abandono da funcionalidade desta proposta, é necessário, em segundo lugar, indagar se e como a regulação (ou a desregulação), em suas variadas modalidades, tem eficácia no tocante aos fluxos de investimento internacional. Para tanto, impõe-se analisar quais os indutores ao investimento internacional e de que forma a ação do Estado, brasileiro ou qualquer outro, pode influir, atrair ou controlar os efeitos dos fluxos internacionais do investimento de risco.

A quoi sert-i l?

É um valor positivo em si mesmo, ou um ônus inevitável da convivência internacional? A definição das vantagens e desvantagens do investimento internacional de risco é essencial - acima de qualquer motivação ideológica - para definir uma postura regulatória quanto ao capital estrangeiro. Essencial mesmo para decidir se é o caso de intervir no fluxo ou guardar uma neutralidade possível.

Complemento à poupança nacional

O famoso parecer do Congresso sobre a Lei do Capital Estrangeiro cita uma análise do Conselho Nacional de Economia, sobre a importância da contribuição estrangeira na formação da taxa bruta de investimento na economia brasileira no período 1954/1960: “os capitais alienígenas proporcionaram 25% da renda per capita”.

A constatação resultava de uma conta curiosa, digna da melhor retórica forense: o saldo da soma do capital de empréstimo e de risco importava em aumento de 1.3% da taxa bruta de investimento no período e o aumento líquido no PNB (descontadas as amortizações e o aumento demográfico) fora 4.8%; ergo.... Mas a proporção do capital de risco no total do investimento estrangeiro era apenas de 36.14% - ou 0.4698% do total da poupança na economia nacional.

11 A ampliação territorial dos mercados locais, abolindo barreiras clássicas das fronteiras nacionais, é claramente uma intervenção de Estado, no que não resulta, diretamente, da atuação dos agentes privados. Ao contrário, é decisão política, com propósitos não dissimilares das alianças militares dos séculos XVIII e XIX. 12 "Cette évolution récente concerne tous les pays de l'OCDE: l'universalité des responsabilités publiques dans le développement industriel est aujourd'hui un fait. Paradoxalement, ces interventions sont d'autant plus nombreuses que les économies sont plus ouvertes, ou du moins que les critéres de compétitivité se basent sur des compairaisons internationales". Bertrand Bellon, Les Politiques Industrielles dans les pays de l'OCDE, in Les Cahiers Français no 243 (1989), pg 41.

Seja a razão para o investimento direto estrangeiro, mesmo aceitando a argumentação do parecer, não mais parece que a complementação da poupança nacional justifique uma política favorável à captação de fluxo de capital de risco. As pesquisas mais recentes indicam que investimento de risco não é uma fonte significativa de poupança nacional, tanto para os países desenvolvidos como os em desenvolvimento 13. No caso dos países em desenvolvimento, a tendência desde 1980 é de diminuição da importância relativa do investimento externo na formação da poupança dos países em desenvolvimento, comparada à taxa equivalente dos países desenvolvidos 14.

Aparentemente, a função do investimento estrangeiro deveria ser avaliada, assim, quanto ao aspecto qualitativo do efeito do capital, e não quanto a sua proporção na economia 15.

Como se avalia o investimento estrangeiro?

Em termos muito gerais, segundo sua capacidade de assegurar a eficiência na alocação internacional de recursos econômicos; segundo sua capacidade de garantir um equilíbrio razoável na repartição de proveitos entre o país fonte do investimento, e o país anfitrião; segundo sua possibilidade de conviver com a soberania nacional dos países envolvidos e o desenvolvimento autônomo do país anfitrião 16. O objetivo de qualquer ação estatal quanto ao fluxo de investimento internacional - interventiva ou não interventiva - é conseguir para o país pertinente a proporção ótima destes ingredientes.

A possibilidade de obter, em cada caso individual, um investimento ótimo segundo tais parâmetros depende da existência de um conjunto de elementos objetivos 17.

Primeiro, é preciso haver uma vantagem inicial sobre os competidores, que permite a uma empresa ter acesso ao outro mercado, no exterior; é a que resulta do conjunto de seus ativos, especialmente os imateriais, e características peculiares à empresa, como intensidade de pesquisa e desenvolvimento, investimento em publicidade ou capacidade gerencial 18.

13 Report, op. cit., p. 114. O estudo cita os seguintes dados do FIM, referentes à média anual do influxo bruto de investimento direto (não descontados os retornos de capital) sobre o total da taxa de investimento bruto do Brasil: 1971/1975, 4.2%; 1976-80, 3.9%; 1981-85, 4.3%; 1986-89, 2.4%. 14 Report. op.cit., p. 60.15 Report (...), pg 119. A concentração do investimento estrangeiro em setores dinâmicos, especialmente nos segmentos manufatureiros, assim como a sobredeterminação dos ativos intangíveis sobre a função do capital monetário, explicaria a eficácia qualitativa mencionada. Vide, abaixo, a questão dos efeitos do investimento estrangeiro quanto à competitividade.16 The Determinants ..., op.cit., p. 3 a 5. O estudo das Nações Unidas, que recolhe e compila em sumário a grande parte das pesquisas sobre os condicionantes do investimento direto internacional, parece ser uma fonte privilegiada para o presente trabalho que, como indicado, não tem o cunho econômico.17 Até o momento que a fonte de financiamento secou, a América Latina optava pelo capital financeiro em vez de capital de risco como motor de seu desenvolvimento. Vide Jova, Smith e Crigler, Private Investment in Latin America: Renegotiating the Bargain, Texas International Law Jornal, vol. 19, p. 5. 18 Os conceitos expostos nesta seção devem-se à chamada teoria eclética do investimento estrangeiro, formulada por Dunning em Explaining changing patterns of international production: in defence of the eclectic theory, Oxford Bulletin of Economics and Statistics, 41 (1979), p. 269-295. Determinants, p. 3, refere-se a esta noção como "ownership advantages", as vantagens do proprietário.

Em seguida, há que haver razões para que tal vantagem seja exercida através de produção local no mercado estrangeiro, e não pela exportação dos produtos ou serviços. Seriam as chamadas “vantagens de localização”, como, outra vez, a capacidade de pesquisa e desenvolvimento, de gerência ou o investimento em publicidade; mas também a maior produtividade por custo de mão de obra, ou a proteção do mercado local por barreira tarifária 19.

Por fim, é necessário que haja razões para que a detentora das vantagens de origem e de localização opte por fazer, diretamente, o investimento produtivo, em vez de licenciar a produção a terceiros. Por exemplo, a dificuldade de manter controle de qualidade no caso de produção licenciada, ou a impossibilidade de obter, da licenciada, o efeito sinergético próprio de uma rede de subsidiárias 20.

Todas estas vantagens, se presentes, apenas darão ao titular do investimento uma oportunidade razoável de explorar o mercado local; mas o equilíbrio de interesses entre o país de origem e o país anfitrião, a garantia de soberania e de auto-suficiência depende de ação governamental específica. Tal é o espaço de negociação entre o país anfitrião e o investidor.

Uma interessante questão, ainda não resolvida pela literatura econômica, é se, como determinante do investimento não extrativo, predominam as vantagens de origem, transplantadas para o país receptor do investimento, ou as vantagens de localização específicas deste 21. Para a regulação do capital estrangeiro, a definição seria de considerável importância.

Competitividade

O afluxo do investimento estrangeiro na economia nacional impacta as empresas nela já instaladas e a eficiência do investimento doméstico. Tais impactos qualitativos, muito mais do que os efeitos quantitativos da massa de recursos introjetados na economia local, afetam favorável ou desfavoravelmente a competitividade da empresa nacional 22.

Em primeiro lugar, como demonstram inúmeros estudos econômicos, a presença de capital estrangeiro nos setores não extrativos se faz normalmente em contextos de elevada concentração industrial, e em situações que se caracterizam por exigências de capital, tecnologia, gerenciamento, financiamento ou de publicidade em nível muito mais alto do

19 Lall e Siddhartan, The monopolistic advantages of multinationals: lessons from foreign investment in the U.S., The Economic Journal, 92, Setembro de 1992, p. 668-683, citado em Determinants, op. cit., p. 22 encontraram em estudo econométrico relação direta e significativa entre proteção tarifária e investimento nos Estados Unidos.20 Dunning, Japanese Participation in British Industry, London, Croom Helm, 1986, citado em Determinants(...), op. cit., p. 44.21 Karen Alverson, Foreign Direct Investment in Indonesia: a comparison of industrialized and developing country investors, in Law & Policy in International Business, vol. 22, (1991) p. 92: " Professor Kiyoshi Kojima of Hitosubashi University advanced the thesis in 1973 that Japanese investment in LDCs, such as Indonesia, 'has been undertaken in industries in which Japan has been losing, and the developing host country gaining, a comparative advantage'. (...) In contrast, U.S. investment in LDCs is concentrated in industries in which the United States (and not the LDC) has the comparative advantage".22 Report, p. 122.

que a média local . É exatamente o que constituem as vantagens de localização do capital estrangeiro.

A tendência à monopolização dos setores onde atua o capital estrangeiro seria particularmente caracterizada no Brasil 23. A questão seria determinar se o aumento de concentração industrial e o declínio da competitividade do investimento local é causado pelo capital estrangeiro ou pela indução ao investimento externo resultante de vantagens de localização e de artificialmente causadas 24.

Argumenta-se, no entanto, que o aumento de concentração não resultaria necessariamente em diminuição de eficiência econômica ; a tecnologia, novos produtos e métodos de organização conseqüentes ao afluxo de capital de risco, ao mesmo tempo em que altera a estrutura de custos do setor e conduz a um número mais restrito de produtores, pode criar demanda local por fatores e acesso a mercados externos - a soma do que importaria em aumento de competição real apesar da concentração acrescida 25.

É fato, ao que resulta dos dados disponíveis, que o capital estrangeiro, em especial o multinacional, pode e tem trazido práticas não-competitivas ao mercado anfitrião, tais como dumping, concorrência desleal e transfer pricing 26. Considerando-se que, em grande número de casos, o padrão de comportamento reproduz formas oligopolísticas encontradas no país de origem do capital 27, não seria esta uma característica da internação do investimento, senão do mercado específico em questão.

É bem verdade que se argumenta que, no decorrer do ciclo de vida dos produtos, reduz-se a capacidade oligopolista das empresas multinacionais, permitindo-se a plena competitividade das empresas domésticas 28. No entanto, o que caracteriza exatamente a vantagem inicial do investimento externo é a capacidade de lançar novos produtos, pela pesquisa tecnológica ou pela simples diferenciação resultante da publicidade 29 .

De outro lado, pondera-se que mesmo a eventual eliminação da indústria nacional no setor considerado, resultante dos processos de concentração industrial, não seria maléfica para a economia local, tendo em vista que os recursos liberados poderiam ser melhor empregados em outros segmentos mais eficientes. Mas, na realidade, a hipótese de realocação tem-se mostrado freqüentemente ilusória 30.

23 Report, p. 122. 24 Larry Wilmore, Determinants of Industrial Structure: a Brazilian Case Study, World Development, vol. 17 (Outubro de 1989), p. 1601-1617. Newfarmer e Frischtak, Transnational Corporations, Market Structure and Industrial Performance, 1992.25 Cujo exemplo egrégio seria a indústria automobilista brasileira. O exemplo é de Frischtak: no Governo Sarney, a St. Gobain, que já tinha posição dominante no mercado de vidros refratários, chegou - sem contestações segundo a legislação antitruste - a obter 98% do setor; a posição da empresa resulta de ação própria, ou de condições artificiais (inclusive a tolerância com o monopólio)?26 Report., p. 123. O transfer pricing, aliás, seria mais do que uma prática não competitiva, uma forma de evasão de rendimentos da economia nacional, sem contribuição adequada às necessidades públicas cobertas pelos tributos gerais. Desta maneira, é transferência de renda, através da carga tributária acrescida, das empresas e famílias para o exterior. 27 Newfarmer e Frischtak, op. cit., 28 Vernon, Storm over the Multinationals: the Real Issues. 1977.29 Lall, citado em Frishtak e Newfarmer, op. cit., p. 21

Na verdade, questão essencial é determinar, ao escolher como objetivo a competitividade, a qual competitividade estamos nos referindo:

a) leva-se em conta a relação do país vis-à-vis com as macro-unidades econômicas do exterior (países, grupos regionais, grandes multinacionais) 31; ou

b) leva-se em conta o setor nacional em face do setor multinacionalizado, no contexto nacional?

Reduzindo a questão nacional à eficiência econômica, pode-se facilmente concluir que o segmento sob controle local é um empecilho à competitividade internacional, justificando-se, pelo menos quanto à racionalidade do sistema, sua eliminação.

A regulação da competitividade

Certos autores indicam que tais considerações enfatizam o papel das estruturas de preservação da competição, especialmente na prática antitruste 32.

A suposição de que tais problemas poderiam ser contrabalançados por uma política estatal efetiva de controle das práticas abusivas de concorrência ou de absorção de quase-rendas monopolísticas, reduzindo assim o incentivo a tais práticas, parece no entanto defrontar-se com dois problemas . Em primeiro lugar, o da globalização do fluxo econômico, no qual se envolve o investimento, que torna ineficazes as regulações nacionais, ao mesmo tempo que questiona a racionalidade de apurar a concentração industrial em termos de uma economia local: nem o Estado tem condições reais de intervir, nem, se pudesse, estaria contribuindo para a eficiência global da economia 33.

De outro lado, a tendência histórica vigente, em grande número de países em desenvolvimento e em especial no Brasil, é de diminuição do poder de ação do Estado. Dificilmente seria tal estrutura, fragilizada por carências internas e desígnio político, capaz de uma ação regulatória eficiente, à altura da qual não tem se mostrado eficazes os instrumentos estatais dos países industrializados 34.

Note-se, aliás, que considerável número de autores entendem que a própria causa do investimento direto estrangeiro é a estrutura oligopolista do mercado de origem 35 ou do

30 Report, p. 124. No aso específico citado, o setor doméstico da economia do Kenya foi suprimido, sem qualquer realocação; em pura perda do controle nacional e da eficiência agregada da economia. 31 O que se poderia denominar de "competitividade sistêmica", na qual a interpenetração pelas empresas multinacionais é um dado relevante enquanto o próprio sistema tem um racionalidade própria, auto-centrada. Em outras palavras, enquanto o interesse nacional sobre-determina mesmo a racionalidade do investimento transnacional.32 Frischtak, em Transnational Corporations, vol. 1, no. 2 (agosto de 1992), p. 57-80, defende a tese de que a intervenção estatal ótima seria a do controle das disfunções da concorrência.33 Dentro de uma perspectiva darwinista, onde restaria ao Estado convencer-se que a o setor doméstico da economia nacional, para o bem de todos, deveria ser eficientemente suprimido.34 Frischtak e Newfarmer, p. 49: "At the same time, the ability of TNCs (and of dominant national firms) to play strategy is generally superior to the antitrust capabilities of the Government, certainly in developing countries, and that often despite the presence of appropriate legislation and an active antitrust posture by the Government".35 Bergsten, Horst e Moran, American Multinationals and American Interests, The Brookings Institution, 1978.

mercado internacional 36, quanto à qual a estrutura regulatória do país anfitrião muito pouco pode fazer.

Mais experientes no trato regulatório específico, com mais disponibilidade de capital do que as empresas nacionais, a competitividade relativa das multinacionais poderia ser até acrescida no caso de ampliação de uma política de competição ativa, atingindo indiscriminadamente o capital estrangeiro e local.

Tecnologia

O acesso a tecnologia através da via convencional dos contratos de know how, licenças de patentes ou serviços técnicos parece vedado no atual contexto histórico 37. De um mercado tradicionalmente escasso para os países em desenvolvimento, a oferta de contratação tecnológica desceu a níveis nunca dantes alcançados; praticamente não há esperanças para os países em desenvolvimento de obtenção, por via contratual, de tecnologias sensíveis; mesmo para a parcela do países recentemente industrializados (NICs, como a Coréia) o acesso é extremamente difícil 38.

Impedida a aquisição por via derivada - comprando tecnologia - o acesso ao conhecimento de produção pelos países não industrializados fica especialmente difícil quando se diminui o papel e os poderes do Estado 39.

Salvo o desenvolvimento autônomo, o caminho para obter tecnologia pareceria resumir-se ao investimento direto de risco . Não é esperável, porém, que a tecnologia assim introduzida na economia que recebe o investimento vá ser disseminada por outras unidades produtivas 40. Pode ser que, em casos determinados, mecanismos legais ou institucionais possam favorecer em alguma proporção uma disseminação de conhecimentos pelo restante do setor produtivo 41.

36 Vernon, The Location of economic activity, in Dunning, Ed., Ecoomic Analysis and the Multinational Enterprise, 1974, p. 89-114.37 Do autor, Atos Internacionais relativos à Propriedade Industrial e ao Comércio de Tecnologia, Revista da Sociedade Brasileira de Direito Nuclear, dezembro de 1981: "No momento em que se aumentam as alíquotas do imposto de importação começa a aparecer o fenômeno do comércio de tecnologia. Quando se tem, como num certo país africano, 1% de imposto sobre a importação de automóveis, curiosamente não surge tecnologia para fabricar o produto nesse país. Nesse mercado "irracional", protegido pela tarifa, começa a aparecer o comércio de tecnologia, coisa muito distinta da transferência de tecnologia. Começa a haver compra e venda e locação de tecnologia".38 Executive Summary to the Report, p. 8 "There is an increasing tendency among transnational corporations to internalize technologies among themselves through strategic alliances. Such alliances, most frequent in new technologies, are heavily concentrated in developed countries, with developing countries accounting for less than five per cent. Thus the prospect of unbundling these technologies is very limited". Segundo Política Industrial no. 2, janeiro de 1993, p. 40, citando dados do livro de Hagedorn "Catching up or failing behind: patterns in international inter-firm technology partnering", a proporção de alianças tecnológicas estratégicas (joint ventures, joint research, participação minoritária no capital) entre empresas de países industrializados e de NICs é de 2.3% do total; apenas no setor automobilístico e de eletrónica pesada a proporção foi mais significativa. Para contratos de tecnologia de sentido mais tradicional, a proporção não é maior de 5% do total, outra vez apenas significativa (ao nível de 20%) no setor automobilístico.39 Report, p. 278: "Virtually all countries that are home to technologically dynamic firms have experienced governmental involvement in high technological innovation".40 Entenda-se, acesso aos resultados da tecnologia, não ao controle nem sequer à disponibilidade.41 Report, p. 158. "...while FDI may be a useful means of quickly benefiting from the results of new innovations abroad through the transfer of production, it does not necessarily imply a dissemination of technological knowledge to

Restringir ou liberar?

Curiosamente, há razoável suporte para a convicção de que, em determinadas circunstâncias, a restrição ao investimento estrangeiro é o melhor incentivo para a transferência de tecnologia. Tais condições parecem ser: a existência de um mercado interno muito atraente; o grau de formação básica e cultura técnica necessário para garantir a capacidade de assimilar, adaptar e reproduzir tecnologias; um grau razoável de eficiência tecnológica nas empresas de capital nacional, que possa fazer o detentor estrangeiro da tecnologia concluir que, se não adquirir, o interessado possa, a seu tempo, desenvolver os conhecimentos sozinho.

Presentes tais pressupostos, as vantagens de localização, associadas à impossibilidade jurídica ou institucional de investimento direto, podem constituir um forte indutor ao licenciamento da tecnologia. Obviamente, este é o caso do Japão .

Autores também indicam que o aumento da proteção à propriedade intelectual num país consiste em sério desestímulo ao investimento estrangeiro 42. O fundamento da tese é que a internalização do mercado externo, através do estabelecimento, diminuiria os custos ou riscos de uma estrutura competitiva não padrão, como a que decorre de proteção incompleta da tecnologia por via de patentes.

Controle

Bigodes à Pancho Villa, um jeito cansado de quem está na mesma guerra desde antes de Castro, o delegado cubano à Conferência da UNCTAD de negociação do Código de Conduta de Transferência de Tecnologia em outubro de 1979 contribuiu à discussão com a mais vívida e latina definição do problema em análise:

“Desarollo industrial con inversíon estranjera es hacer hijos con cojones ajenos. Los resultados son visibles, pero las pierdas irreparables”.

O ingresso do investimento estrangeiro, especialmente o multinacional, traz exatamente o problema da alienação do controle de parte da economia a uma racionalidade que é ao mesmo tempo privada e estrangeira. Dir-se-ía que este é correlativo necessário dos benefícios do investimento estrangeiro, e assim, um mal inevitável 43.

No sistema jurídico brasileiro, a noção de que o exercício do poder de controle sobre as empresas pressupõe responsabilidade perante a comunidade é dispositivo legal, exigível pelos que são afetados, independente de qualquer violação às leis de abuso ao Poder Econômico ou às regras de concorrência leal 44. Neste particular, a legislação brasileira não encontra, aparentemente, réplicas no exterior. O interessante deste dispositivo legal

domestic producers". Frischtak e Newfarmer, op. cit., p. 43: "there was no evidence that TNCs helped national firms to catch up to their higher levels of productivity".42 Report, p. 159. "There may be a case for a highly selective use of such requirements, however, in cases with a high probability that local producers would be able to achieve quickly international standards with assured demand for their products".43 O raciocínio que ampara este tipo de conflito entre racionalidade empresarial e desígnios nacionais foi particularmente bem expresso por Joel Davidow, um dos maiores especialistas mundiais em direito antitruste, em conversa com o autor durante a sessão de negociação do Código realizada em novembro de 1979. "O capital estrangeiro traz benefícios ao país onde é aplicado. Ubi beneficium ibi onus, - entra investimento, sai controle." E, num idiomatismo muito americano: "you can't eat the cake and have it".

brasileiro é que ele não configura intervenção estatal, mas criação de um mecanismo de conciliação de partes privadas, ainda que - eventualmente - o interesse possa ser difuso ou coletivo .

Ainda que se entenda que não cabe controle público sobre a economia, mesmo os países industrializados estabelecem limites (a segurança nacional ou a Ordem Pública, por exemplo), além dos quais a plena liberdade de investimento - ainda em contextos plenamente concorrenciais e, assim, economicamente “racionais” - deva ser controlada. A tendência presente é de que, para tais propósitos, a noção de segurança nacional englobe a chamada “segurança econômica” 45.

A questão é tanto mais importante quanto, como suscitam alguns economistas, a análise do investimento estrangeiro em bases sólidas presume a consideração do elemento “controle” como um motivo central da multinacionalização das empresas 46.

A serventia do capital

Numa resposta direta à questão deste capítulo, o investimento estrangeiro serve (ou deveria servir), do ponto do país anfitrião, para suportar o seu processo de inovação - técnico, organizacional e de comercialização. Além disto, para dar maior eficiência à economia nacional.

Não se encontram evidências de que, naturalmente e na hipótese mais provável, o investimento estrangeiro atenda a outro processo inovativo senão o próprio, ou que sirva outra eficiência senão à própria, que pode ou não coincidir com a eficiência da economia nacional.

Para que a ação da empresa multinacional atenda aos interesses do país anfitrião, é necessário assegurar que haja adequada repartição de renda entre o investidor estrangeiro e

44 A expressão deste princípio encontra-se no Artigo 117 da Lei das Sociedades Anônimas, Lei 6.404 de 15 de dezembro de 1976, um dispositivo que considera abuso de poder de controle o fato de a controladora levar a empresa para objetivos e fins contrários aos interesses nacionais e à economia nacional.45 A.Holmer, J.Bello, J. Preiss, The Final Exon Florio Regulations on Foreign Direct Investment: the Final Word or Prelude to Tigher Controls?, Law and Policy in International Business, vol. 23, p. 593, (1992): "Long considered very open to foreign investment, the United States has grown markedly less receptive in recent years to the foreign acquisition of U.S. assets and properties. This is especially true when such investment is thought to implicate the U.S. national security. In 1988, prompted in part by the country's precipitous slide into debtor status and in part by a Japanese electronics company's attempt to takeover a U.S. semiconductor manufacturer with links to the U.S. defense industry, the U.S. Congress enacted the Exon Florio Provisions, which regulate foreign acquisitions of U.S. companies that threaten to impair national security. (...) Many members of the Congress and others believe that additional controls are necessary. For example, they believe that CFIUS has been too stingy in conceptualizing national security and that Exon-Florio should cast a wider net to include assessment of the impact of foreign investment on U.S. economic security and the industrial and technology base. After all, they argue, it is the industrial and technology bases upon which U.S. national security is ultimately founded. "46 Kojo Yelpaala,op. cit. , p. 376: The fact that these observable characteristics of foreign investment and foreign investors, i.e., MNE's, have not been explained by differential rates of returns means that the capital arbitrage theory has very little if any explanatory powers concerning this FDI process. In fact, following these criticisms, S.Hymer (The International Operations of National Firms: a Study of Foreign Direct Investment 6 (1976)) suggests that any theory that seeks to explain the FDI process must explain control. In more precise terms, such a theory must explain why MNE's control or seek to control their international operations.

a comunidade onde ele atua. Em último lugar, é preciso que se preserve o controle nacional sobre seus recursos e seu destino.

Estes propósitos parecem presumir algum tipo de ação interventiva estatal, cujos métodos e limites de eficácia se tentará determinar.

As mudanças nas estruturas regulatórias nacionais

Ainda que os novos instrumentos internacionais resultantes da Rodada Uruguai do GATT não tenham entrado em vigor, as alterações nos sistemas jurídicos e institucionais nacionais relativos ao capital estrangeiro transformaram consideravelmente a tessitura regulatória do capital estrangeiro nos últimos anos. Só em 1991, trinta países modificaram suas legislações nacionais, invariavelmente reduzindo as barreiras de entrada e as exigências de desempenho 47. A tendência foi obviamente mais sensível no tocante aos países do leste europeu.

No campo bilateral, um considerável número de acordos de investimento foi celebrado, 64 só em 1990-1991; na América Latina e Caribe, dez foram assinados apenas no ano de 1991, englobando 31 dos 34 países da área - quando, até 1980, este mesmo era o número total dos instrumentos do tipo em vigor. Em ` todo mundo, o número de tratados de investimento chegou a 440. Em particular, vale notar o Acordo Quadro firmado entre o MERCOSUL e os Estados Unidos, um dentre quinze que visam liberalização monitorada das restrições e exigências impostas ao fluxo de bens e capitais.

Os processos de privatização implantados em mais de 70 países alcançaram no início de 1990 US$ 185 bilhões 48. A conversão da dívida em capital de risco alcançou, no caso do Brasil, 59% do total do estoque de capital investido, para 80% no caso do Chile, 20% na Argentina e 30% no México.49

Contra a tendência liberalizante dos últimos cinco anos, só se notaram algumas alterações legislativas nos países desenvolvidos de economia de mercado, em especial os Estados Unidos 50; uma fórmula que, ao contrário do antigo dito, não parece ser boa para o Brasil.

A questão dos países em desenvolvimento.

A situação dos países em desenvolvimento merece atenção especial no tocante ao investimento estrangeiro, não somente pela vasta elaboração ideológica quanto à matéria, como pela posição singularmente crítica em que o capital estrangeiro se encontra no presente momento, em face do terceiro mundo e, em especial, a América Latina.

A Ideologia do subdesenvolvimento

Toda o corpo de teses econômicas, políticas e de Direito Internacional a que se pode chamar a ideologia do subdesenvolvimento reconhece a capacidade seminal e inovadora do

47 Report, p. 65. A lista das modificações está nas p. 337 a 345.48 Executive Sumary, p. 7.49 Report, p. 26.50 Cujo exemplo maior, que vale sempre recitar, é o do Exon-Floro Act.

investimento estrangeiro. A discussão toda se centra na questão da adequada repartição de rendas e, principalmente, na questão do controle sobre o funcionamento e o destino da economia do país anfitrião.

Carlos Calvo, jurista mexicano, enunciou em 1868 as sementes de uma doutrina latino-americana do tratamento das empresas de capital estrangeiro 51. As regras básicas são duas: não intervenção, em nenhuma hipótese, no processo soberano dos países latino-americanos; absoluta submissão dos estrangeiros às leis do país anfitrião.

Um truísmo, dir-se-ía. Mas, no entanto, acredite: no tempo em que Calvo escrevia, havia, em Cantão, juízes ingleses. China era China, vem a ponderação. Pois, até 1855, havia juízes ingleses no Rio de Janeiro, e todas as controvérsias relativas ao investimento britânico eram julgadas, na Corte de D.Pedro II, por magistrados da Rainha Vitória. E, pelo menos em parte, as origens do Panamá, como Estado, estão ligadas à insatisfação, por parte de acionistas franceses, quanto à legislação falimentar colombiana 52.

TAis princípios marcaram fortemente a atuação dos países latino-americanos na esfera do Direito Internacional, impedindo que, por mais de cem anos, se estabelecesse na região a rede de tratados de comércio e navegação, com cláusulas de investimento, que se tornaram tão comuns em todo o mundo 53. Igualmente, a regra Calvo afastou a utilização do mecanismo de arbitragem em matéria de dissídios relativos a investimento estrangeiro.

Numa esfera mais econômica, as noções de dependência 54 e de periferia 55 também marcaram o pensamento e a ação governamental na região. Segundo tal entendimento, o aumento da industrialização resultante do investimento estrangeiro não serviu aos interesses da região, principalmente no tocante à justiça social e à auto-suficiência.

O primeiro problema seria o do deslocamento da empresa nacional, por força do investimento estrangeiro; tal se daria, seja pela capacidade organizativa e tecnológica superior, mas também pela facilidade de obter meios financeiros, não alcançáveis pelo capital nacional. O segundo problema é que, sendo o capital estrangeiro um ádvena, põe-se numa posição de contendor com as estruturas nacionais de controle, podendo a qualquer tempo eximir-se da ação pública pela ameaça ou pela ação de retirar-se da economia; e assim se impossibilitaria uma cooperação entre setores públicos e privados segundo objetivos de mais longo prazo.

Os economistas latino-americanos também expressavam especial preocupação quanto aos fluxos de transferência de tecnologia empresarial, que seriam conotados por sérias

51 Carlos Calvo, Le Droit International Théoretique et Pratique, 1896.52 A companhia de Fernando de Lesseps; liquidada após uma tentativa frustrada de repetir, no istmo do Panamá, então uma província da Colômbia, o que havia obtido em Suez, o saldo restante não foi distribuído aos acionistas. Contratado um famoso advogado de Nova York, negociações foram conduzidas entre o Departamento de Estado Americano, a companhia e líderes locais, o que resultou na proclamação da independência do novo país, com imediato apoio, inclusive militar, dos Estados Unidos. Recebendo seus honorários por força de um dos primeiros atos do novo Governo, o advogado doou-os a sua alma mater, Columbia Law School, cuja biblioteca perpetua, até hoje, a incrível história.53 E só se deixou a doutrina Calvo de lado a partir dos últimos dois ou três anos, quando tratados do tipo começaram a se reproduzir entre todos os países da América Latina e os Estados Unidos.54 F.H.Cardoso e E. Faletto, Dependencía y Desarollo en America Latina, 1969.55 Raul Prebisch, Latin America, a Problem in Development, 1971.

restrições contratuais impostas às empresas da região, constituindo em verdadeiro custo oculto do negócio 56. No tocante ao investimento no setor de transformação, quando a produção está voltada para o mercado interno sem preocupação de substituição de importações ou de incremento de exportações, ainda existe o risco de sério dano à balança de pagamentos.

As teses da dependência expressaram-se, em esfera internacional, na Carta da Nações Unidas dos Deveres e Direitos Econômicos dos Estados , e na chamada Nova Ordem Econômica Mundial. Era a idéia de que um desenvolvimento cooperativo da economia mundial presumia um tratamento diferenciado para os países não industrializados, o chamado “terceiro mundo”. Muito além da posição de Calvo, que enfatizava simplesmente o direito à independência em face do capital estrangeiro, a nova posição presume o dever positivo dos Estados desenvolvidos e de suas empresas atuar no sentido de superar a dependência do terceiro mundo, sem considerar os limites formais quanto à teórica igualdade jurídica entre os estados.

O movimento terceiromundista começara na I Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD) 57, afirmara-se em 1965 com a criação de um capítulo no GATT especial para os países em desenvolvimento 58, tivera repercussões limitadas no campo da Propriedade Intelectual com a inclusão de um capítulo especial também na Revisão de Paris de 1971 da Convenção de Berna para a proteção do Direito de Autor - e estava então em ebulição tanto no campo da transferência de tecnologia e da Propriedade Industrial como no investimento estrangeiro 59.

O grande dogma da Nova Ordem era o direito, conferido aos Estados, ao exercício soberania econômica: “Cada Estado detém e exerce livremente uma soberania inteira e permanente sobre todas suas riquezas, recursos naturais e atividades econômicas, inclusive a posse e o direito de as utilizar e de delas dispor” , Resultante deste direito, reconhecido universalmente, os países em desenvolvimento - que não teriam ainda acesso pleno à soberania econômica - seriam beneficiados pela aplicação dos princípios de não

56 Do autor, Atos Internacionais relativos à Propriedade Industrial, op. cit. "Quanto a este tem-se dois preços a pagar: o preço explícito (usualmente calculado como porcentagem sobre a produção) e, de outro lado, um preço implícito. O preço implícito da tecnologia é o que resulta da restrição que o importador sofre no seu potencial de mercado, ou na sua capacidade de desenvolvimento. Por exemplo: como condição para comprar tecnologia, o importador compromete-se a não exportar seus produtos. (...) Tentemos explicar a racionalidade desse preço implícito. O contrato de "Know-How" não tem por objetivo a transferência de tecnologia como o engenheiro concebe tal coisa. O que o empresário quer, ao contratar, não é o conhecimento técnico, mas o acesso ao mercado. é lógico que é conveniente para o empresário, se o puder, adquirir o conhecimento de forma a ficar independente; mas o que quer em primeiro lugar é acesso ao mercado. (...) Ora, quem cede sua clientela, tem o poder de limitar tal cessão. O exportador de tecnologia cede ao importador a sua parcela de mercado brasileiro mas em contrapartida, exige que o importador não desfrute a sua clientela africana; é este o preço implícito. Em outras palavras, o importador paga pela tecnologia, mas não pode exportar porque só comprou a clientela brasileira".57 Resolução da Assembléia Geral no. 3281 adotada em 12 de dezembro de 1974.58 Ou mais precisamente, na Conferencia de Bandoeng, em abril de 1955. A I UNCTAD realizou-se em 1964 e a primeira reunião dos países não alinhados - que se concretizaria no Grupo dos 77 - ocorreu em Belgrado em setembro de 1961. Mas a Carta do Grupo dos 77 data de 1967, numa reunião realizada na Argélia. A expressão "Nova Ordem Econômica Internacional" figura, porém, numa Resolução da ONU datada de 1974, quando foi iniciado um programa de ação para sua instauração (Res. 3201(5-VI) e 3203 (5-VI).59 Parte IV do GATT, assinada em 8 de fevereiro de 1965.

reciprocidade 60, de tratamento preferencial e de medidas diferenciadas para promover seu próprio desenvolvimento.

Por volta de 1985, nada mais restava deste exercício, um movimento, expressivo mas fraco, dos países em desenvolvimento que, tentando assegurar que o fluxo internacional de investimento atendesse aos interesses nacionais e aos propósitos da economia nacional, procurava extrair dos grupos econômicos transnacionais o compromisso de usar o seu poder econômico no sentido favorável à economia nacional e ao interesse nacional.

Àquela altura, o Código de Conduta de Transferência de Tecnologia, uma dos mais discutidos instrumentos da Nova Ordem, chegara ao impasse definitivo; em um sem números de outras negociações similares, o mesmo acontecia. O diálogo Norte/Sul, que já estava faisandé, terminou por deteriorar-se por completo, chegando ao seu mais baixo nível, possivelmente, na conferência da UNIDO realizada em 1981 em Nova Delhi.

O fim da ideologia

A marcante redução do papel do terceiro mundo, e da América Latina em particular, como destinatário do investimento internacional parece ter determinado, mais do que qualquer outro condicionamento externo, a mudança de atitude dos governos da região. Se em 1980 o volume de investimento direto privado estrangeiro destinado ao terceiro mundo representava 25% do total, no fim da década descera a 17%, do qual a América Latina tinha menos de um terço 61.

Apesar da impressionante redução de importância relativa, o investimento estrangeiro direto não foi, aparentemente, substituído por investimento nacional. Em termos gerais, o fluxo de capital, ainda que relativamente declinante, representou um crescimento duas vezes maior do que a taxa de crescimento do investimento dos países em desenvolvimento 62.

Neste contexto, adianta ao país em desenvolvimento modificar a estrutura legislativa e institucional para melhor se ajustar aos atuais padrões do investimento estrangeiro? Não é a conclusão que se tira da literatura pertinente, que nota a tendência da maioria do terceiro mundo terminar marginalizada do futuro sistema internacional de produção, não obstante a liberalização dos respectivos regimes 63.

60 Curiosamente, de todos os exercícios de regulação internacional em curso na época, o único a chegar a bom termo foi o relativo às práticas comerciais restritivas das multinacionais, em documento aprovado em 5 de dezembro de 1980 pela Assembléia Geral das Nações Unidas (Res. 35/63)61 O Sistema Geral de Preferências, em 1968, criou no GATT esta noção de tratamento preferencial, o que foi ratificado pela Rodada Tóquio, em 1979. Também em 1979 foram adotadas as medidas de salvaguarda para os fins de desenvolvimento, doc. MTN/FR/W/20/Rev. 2.2 B.62 Executive Summary, p. 3.63 Do nosso Letter from the Gama World, Journal of Technology Management , jan. 1995; “If such forecast is to become true, a very efficient international legal structure must be built in order to fit the flow of technology and services to the new scene. By bringing Intellectual Property to GATT, the developed nations are setting the scenery for a bargaining exercise where access to their markets would be liable to be traded for free flow of hi-tech products and invisibles. The "My data processing services for your canned manioc" kind of bargain could be implemented within this enlarged GATT”.

No caso brasileiro, embora o impacto das mudanças no regime de capital estrangeiro não se tenha ainda feito sentir por tempo suficiente para determinar a permanência de seus efeitos, notou-se sensível acréscimo no afluxo de investimento em 1992 64, logo após as alterações no imposto suplementar de renda. Não há quaisquer dados, porém, que vinculem tal fato à mudança legislativa.

Os indutores ao investimento

Há como induzir o investimento num país em desenvolvimento da América Latina? Como já se viu, as perspectivas não são róseas . No entanto, a utilização de indutores, aliados a requisitos de desempenho, pode ser um dos meios possíveis de correção dos efeitos negativos do investimento estrangeiro quanto à competitividade do segmento de capital nacional.

Indutores externos

É no tocante ao pequeno investidor estrangeiro, ainda não multinacionalizado, que se encontra a maior parte dos mecanismos de promoção ao investimento, administrados pelos países de origem. Os instrumentos incluem financiamento de estudos de viabilidade, os incentivos fiscais constantes dos tratados de dupla tributação 65, e a obtenção de informações sobre o contexto de investimento no país destinatário do capital 66.

Os Estados Unidos têm, historicamente, mantido instrumentos legais de incentivo ao investimento externo, o mais notável deles o diferimento da tributação do investimento para o momento da distribuição dos lucros e dividendos, ainda que a subsidiária da empresa americana haja apurado seus lucros em tempo anterior - o que pode ter ocorrido há anos 67. Outros mecanismos têm também sido implementados 68.

Em pelo menos um caso, considerações estratégicas, de segurança nacional, levaram os Estados Unidos a conceder incentivos ao investimento privado em uma região do continente americano: foi a Caribbean Basin Iniciative do Presidente Reagan, de propósitos

64 Report (...), p. 266: "The Report also documented that the share of developing countries in total FDI continues to decline, even though those countries have introduced many policy changes to facilitate FDI inflows into their economies, and most of them run the risk of being marginalized in the emerging international production system". 65 Segundo dados do BACEN, em 1992 se verificou o ingresso líquido de US$ 1,325 milhões, volume não alcançado desde 1981; o nível de repatriação foi bastante baixo, na faixa de US$ 169 milhões. Segundo fontes do Banco Central, praticamente não se verificaram novos investimentos, mas aumento do estoque em negócios já registrados (Gazeta Mercantil, 16/03/93).66 Report, p. 287.67 Hartke, A Foreign Trade and Investment Policy for the 1970's, in American Labor and the Multinational Corporation 54, Ed. D. Kujawa, 1973:"U.S. tax policies have been designed to encourage the outflow of U.S. Capital at the expense of domestic investment. Our present tax laws create an attractive tax shelter for any income earned abroad for a U.S. corporation. Income earned in the U.S. is ordinarily taxed in the year it is earned. Under our tax laws, however, income earned abroad is never taxed until it is brought home to the States. 68 Com o Foreign Assistance Act de 1969, Pub, L. 01-175, 83 Stat. 805, 809-18, (codificado, com emendas, em 22 U.S.C.§§ 2191-2200b (1976 & Supp. V 1981), foi instituída a Overseas Private Investment Corporation, que concedia seguro de garantia de investimento. Como quase nenhum país latino-americano se comprometeria a fornecer as contra-garantias contra desapropriação, a OPIC praticamente não teve papel entre nós; e, aos poucos, o fenômeno dos atos expropriatórios do investimento estrangeiro desapareceu completamente.

locais e limitados 69. Mas, a partir de 1962 e até 1974, o sistema tributário americano incluiu um mecanismo específico de incentivo ao investimento em países em desenvolvimento 70.

Também ao nível regional, o BID tem mantido programas especiais para incentivo financeiro ao investimento estrangeiro .

No nível multilateral, a Comunidade Européia promoveu a assinatura da 4a. Convenção de Lomé, que prevê incentivos ao investimento de empresas européias na África, Caribe, e no Pacífico.

Incentivos fiscais do país anfitrião

Como incentivos ao investimento podem ser considerados, em primeiro lugar, a eliminação de barreiras e controles ao fluxo de capital de risco; é dentro desta perspectiva histórica, comparando com o regime jurídico de há cinco ou dez anos, que se pode dizer que aumentou no terceiro mundo o grau de indutores ao investimento de risco. Mas o tema específico desta seção é o incentivo fiscal ao investimento e suas justificativas, ou seja, a criação de vantagens artificiais de localização através do sistema tributário.

Num segmento da teoria econômica comparativamente pouco cultivado, argüi-se que investimento e comércio internacional de bens são fenômenos antitéticos; o investimento direto não-extrativo seria sintoma de uma disfunção na economia, resultante da mobilidade internacional de fatores justamente com a existência de barreiras ao comércio 71. Em sentido muito amplo, o capital afluiria para onde se obtivesse taxas de retorno mais elevadas.

A teoria parece de difícil comprovação. Em primeiro lugar, porque os dados relativos à taxa de retorno, exatamente pela característica da empresas multinacionais, são pouco confiáveis. Quando existentes, os dados podem refletir diferenças de risco ou condições oligopolísticas do novo investimento, em comparação com a unidade produtora no país de origem.

Variante da mesma hipótese, a teoria do portfolio presume que o investimento em vários mercados diversos tende a diluir o risco 72, enquanto que a proposta do ciclo do produto (o

69 Proposta de 1983 (19 U.S.C. Par. 2701-2706 (1983)), pela qual o desenvolvimento econômico da região seria incentivado pelos Estados Unidos através de facilidades de acesso ao mercado americano, com finalidades político-militares muito claras - a da contenção do exemplo sandinista.70 76 Stat. 960, alterando o Código Tributário de 1954 §§ 902, 951-64, 1248. Segundo Helawell, United States Income Taxation and Less Developed Countries: a Critical Appraisal, 66 Columbia Law Review 1393 (1966), tais incentivos eram mal concebidos, incertos quanto a seus efeitos, não levavam em conta os diferentes problemas dos vários países em desenvolvimento. Como Hellawell teve oportunidade de comentar com o autor durante suas aulas de Direito Tributário Internacional dos Estados Unidos, na Columbia Law School, os incentivos não tinham a menor perspectiva de sucesso.71 Kojo Yelpaala, The Efficacy of Tax Incentives Within the Framework of the Neoclassical Theory of Foreign Direct Investment: a Legislative Policy Analysis, Texas International Law Journal, vol. 19, passim, 365-414. A tese manifesta-se na chamada Teoria de Heckscher-Ohlin, com acréscimos de Samuelson.72 B.Cohen, Foreign Investment by U.S. Corporations as a way of Reducing Risk, Yale Economic Growth Center Paper no. 151 (1972).

investimento leva para o exterior tecnologias já esgotadas no país de origem) parte de base diversa para explicar como se mantém uma taxa de retorno num capital já improdutivo 73.

Mas não é nestas teorias alternativas, e sim na hipótese clássica da arbitragem de capital, que praticamente todos os sistemas legislativos têm confiado para conceder incentivos ao investimento direto de risco 74. Em outras palavras, o objetivo dos incentivos tem sido o de aumentar a taxa de rendimentos do capital investido.

Taxa de Rendimentos

Ocorre que, por si só, a taxa de retorno de capital num mercado estrangeiro não parece ser determinante do investimento direto. Análises fundadas na teoria neoclássica do investimento estrangeiro não encontraram vínculos diretos entre uma taxa mais elevada nos países em desenvolvimento e o afluxo de novos capitais 75.

Assim, ainda que os investidores possam levar em consideração a existência de incentivos destinados a elevar a taxa de retorno, tais incentivos não parecem ser, em nenhuma hipótese, o indutor principal do investimento direto 76. O impacto dos incentivos fiscais parece ser apenas psicológico .

Cash Flow

De outro lado, alguns autores observam que os incentivos deveriam voltar-se para o volume de cash flow e não para a taxa de retorno 77. Tal diferença é sensível quando, como acontece no caso dos Estados Unidos, a incidência tributária no país de origem é diferida até o momento em que os lucros e dividendos ficam disponíveis para o sócio ou acionista

73 Buckley e Casson, The Future of Multinational Enterprise, 1976.74 Kojo Yelpaala, p. 378: "Critics notwithstanding, the history of tax incentive legislation, not only in United States but also in other incentive-granting countries, indicates a reliance in the capital arbitrage theory".75 Kojo Yelpaala, p. 374: "For example, in 1980 the average rate of return of United States foreign direct investment in developing countries was 24.1 percent as opposed to 16.6 percent in the developed countries. This rate of return differential should have resulted in the flow of a great amount of FDI to developing countries, but that was not the case".P. 376, "Even an inter-industry comparison of rate of return in 1980 indicates that the rates of return in developing countries were still higher than those in developed countries, yet the inter-industry distribution of FDI substantially favored the developed countries. Therefore, the rate of return differential does not seem to explain the inter-industry distribution of FDI either". Haveria, mesmo para as multinacionais, motivações subjetivas em favor do circuito Elizabeth Arden.76 Outras razões para a ineficácia dos incentivos fiscais: a) o aumento da taxa de retorno é absorvida pelo fisco do país de origem; b) a complexidade e incerteza dos incentivos não compensa o risco do mercado estrangeiro; c) a estratégia das multinacionais pode dar importância menor à taxa de retorno em face de, por exemplo, preservação de parcela de mercado; d) a capacidade de utilizar o transfer pricing torna os incentivos inúteis; e) a competição entre os países elimina a vantagem dos incentivos para determinar a localização. Kojo Yelpaala, p. 402.77 Kojo Yelpaala, "For instance, a policy focused on cash flow rather than profits might well meet the needs of MNE's. In other words, given the absence of complementary policy and the problems of reverse subsidy host countries can shift their focus to: "In the process, the historical aspects of the foreign investment phenomenon - and in particular its two-sided, negotiated character - tend to be forgotten. There are indeed two sides to the debate, just as there have always been two sides in the investment bargain. Each one is valid in tis own right as a negotiating position, and one must understand and weigh the respective arguments in this light in order to arrive at any useful conclusions increasing the returns to MNE's and decreasing those to the home country. The approach might force host countries and MNE's into transactional negotiations on various aspects of intrafirm transactions for the purpose of accommodation".

estrangeiro. Assim, criar mecanismos legais para a eficácia dos recursos liberados, sem distribuição, transfere a conta a ser paga do país anfitrião para o país de origem.

Incentivo ao reinvestimento

No tocante às empresas multinacionais cujo país de origem aplica a regra do diferimento de tributação de lucros distribuídos (especificamente, os Estados Unidos), incentivos ao reinvestimento poderiam ser particularmente eficazes, pois potencializariam uma tendência natural do contexto de investimento 78. Também eficazes aparentemente seriam incentivos voltados para verbas que, no sistema tributário do país de origem, fossem não tributadas, ou oneradas a alíquotas baixas.

A especificidade das subsidiárias exportadoras

O investimento se muda, saindo do país de origem para um outro mercado, aparentemente por uma questão de mercado - mormente quando o mercado está circunscrito e limitado por barreiras tarifárias e não tarifárias. O mesmo não acontece no caso em que o investimento no exterior não se destina a produzir para o mercado de destino, mas sim para terceiros mercados; são as subsidiárias exportadoras 79.

Neste caso, as vantagens de localização com repercussão no custo de produção ou de comercialização (custo/eficiência de mão de obra, transporte) adquirem importância especial. Na verdade, a análise econômica relativa às subsidiárias exportadoras se aproxima muito mais da racionalidade própria do comércio internacional de bens, de raízes ricardianas. Na proporção em que o mercado local está restrito ou vedado às subsidiárias exportadoras 80, a questão não é de taxa de retorno do investimento, mas de preço do produto no mercado de destino.

Os incentivos fiscais (de impostos indiretos) passam, neste caso, a ter importância absoluta; e pareceria muito mais transparente a contabilidade de benefícios e perdas do regime especial de exportação, em face da economia local.

Subcontratação e OEM

A produção por uma empresa nacional, sob encomenda de uma empresa multinacional, com vistas a um mercado de exportação é fenômeno de especial importância nos NICs asiáticos 81. Tal sistema toma a forma, no tocante a produtos eletrônicos de consumo, do chamado Original Equipment Manufacturer, ou OEM.

O estímulo tal tipo de atividades, especialmente no tocante aos setores que, em regime mais protecionista, desenvolveram capacidade industrial e tecnológica, pareceria de interesse não só para manter a qualificação da mão de obra técnica como para garantir a sobrevivência de empresas que, no regime aberto, estariam sujeitas a exigências de

78 Kojo Yalpaali, p.407. 79 The Determinants, p. 26 e seg.80 Como ocorreu no caso da legislação brasileira das Zonas de Processamento para Exportação.81 Report, p. 204.

mercado dificilmente satisfeitas. A idéia ganha significação especial quando se constata que, a partir de produção OEM, as empresas asiáticas (especialmente coreanas) adquiriram projeção própria no mercado internacional 82.

Os indutores possíveis

Um melhor aproveitamento dos incentivos proporcionados pelos países exportadores de capital, em particular no tocante às pequenas e médias empresas, assim como a dinamização dos acordos de dupla tributação poderiam ser objeto de programas governamentais próprios.

Dois pontos mereciam, além disto, tratamento especial na legislação brasileira: mecanismos legais que facilitassem, sem imediato ônus tributário ou de outra natureza, a emprego ou capitalização (na própria pessoa jurídica ou em outras) dos lucros e dividendos não distribuídos; e o reinvestimento. Nos dois casos, em particular quanto às empresas de capital americano, estar-se-ía concedendo disponibilidade de cash flow, aproveitando um subsídio propiciado, em última análise, pelo país de origem do capital.

Um exemplo particularmente relevante de mecanismo onde tal característica poderia ser aproveitada seria admitir provisão para despesas futuras de pesquisa e desenvolvimento tecnológico em condições em que se maximisassem as externalidades, por exemplo, em centros de pesquisa não vinculados à empresa beneficiária.

Nos setores, especialmente o de informática, em que se observam capacitações técnicas mínimas, deveria ser estimulada nas empresas nacionais a integração por via não societária com o capital externo, por exemplo, por acordos de OEM com vistas a terceiros mercados, inclusive mercados regionais.

Requisitos de desempenho

Em 1977, 14% das subsidiárias de empresas americanas no exterior indicavam a existência de algum tipo de requisito de desempenho (índices de nacionalização, uso de mão de obra local e obrigação de associar-se com capital local sendo os mais freqüentes) 83. Tais requisitos existiam tanto nos países desenvolvidos quanto nos países em desenvolvimento, sendo o Brasil o recordista mundial no gênero, com a França e a Bélgica em segundo lugar.

A estrutura da OMC, em especial a resultante do Código de Subsídios e do Estatuto das Compras Governamentais, como se lê em outros capítulos deste livro, estabelece proibições indiretas, no que os requisitos implicam em distorções no livre fluxo de bens. Especificamente voltado contra os requisitos de desempenho, o acordo TRIMs da OMC, estudado em outro capítulo deste livro, impõe sanções a partir de 1o. de janeiro de 1994, ao que anteriormente não afrontava o sistema do GATT.

82 Política Industrial, Janeiro de 1993, p. 15: "Governo e setor privado de articularam para atrair os compradores estrangeiros para a Coréia. (...) Ainda em 1988, acordos do tipo OEM respondiam por cerca de 60% a 70% da exportação coreana de eletrônicos".83 Do autor, Incentives and Trade, trabalho apresentado para satisfação dos requisitos para obtenção do grau de Master of Laws perante a Columbia University School of Law.

Numa perspectiva dos anos 90’, os requisitos de desempenho aparentemente seriam justificáveis, em condições muito precisas, seja para incentivar a exportação 84, seja para aumentar o nível tecnológico do setor nacional 85.

Embora o tema da pesquisa e desenvolvimento tecnológico realizados em países em desenvolvimento já tenha sido excessivamente repisado (não é o local da pesquisa que se torna relevante, mas a propriedade de seus resultados), é importante notar que, para efeitos de imposição de um requisito de desempenho em pesquisa, as multinacionais de determinados países já têm o hábito de manter programas tecnológicos no exterior e, possivelmente (embora os dados disponíveis não assinalem tal coisa), de encomendar a terceiros pelo menos parte de sua demanda de novos produtos e tecnologias.

Tal ocorre, especialmente, com as empresas belgas, holandesas, suíças e do Reino Unido (até 70% da pesquisa feita no exterior), enquanto que apenas 1.3% da pesquisa japonesa e 7.3% da americana tem origem estrangeira 86.

Restrições e vedações

Não, há, no Direito Internacional vigente, nenhuma proibição geral de que se imponham restrições ao capital estrangeiro. Ao contrário, o Tratado do FMI prevê a possibilidade de restrições à transferências de capital 87. Também a Carta de 1988 não estabelece tratamento isonômico e não interventivo no tocante ao investimento estrangeiro; muito pelo contrário. Apenas a implementação dos acordos no âmbito da OMC, especialmente o GATS e o futuro acordo sobre investimentos, poderá estabelecer um regime específico e genérico quanto à questão.

Ao momento da edição da Decisão 24 do Acordo de Cartagena, no início da década de 70’, os limites impostos ao capital estrangeiro, se rigorosos, não impressionavam pelo excessivo radicalismo. Remessas anuais de lucros e dividendos restritas a 14% sobre o capital investido; vedação de acesso aos recursos financeiros locais; proibição de pagamentos de royalties ou juros, que disfarçassem remessa maior que a autorizada; vedação de arbitragem comercial internacional - nada disto destoava do padrão da época, inclusive do padrão brasileiro. Somente o dever de desinvestir, repassando o controle da empresa para mãos locais, após certo período, fugia um pouco do parâmetro usual .

As vedações tinham a intenção de superar o círculo vicioso da dependência, e a confiança nas seduções de um mercado acrescido (o do Pacto Andino) fazia esperar uma reação não entusiástica, mas positiva por parte do investimento estrangeiro . Posições similares, aliás, foram incluídas na Carta de Direitos e Deveres Econômicos dos Estados 88. A decisão das

84 Report, p. 218: "Broadly speaking, there may be a justification for highly selective use of a combination of investment incentives and performance requirements in a limited number of activities which promise strong positive externalities, for example, by opening new markets or introducing new technologies".85 Report, p. 159: "There may be a case for a highly selective use of such requirements, however, in cases with a high probability that local producers would be able to achieve quickly international standards with assured demand for their products".86 Report, p. 139.87 Tratado, Art. VI.3.88 Subsistiu até 21 de março de 1991, quando foi revogada a obrigação de desenvestimento pela Decisão 291.

Nações Unidas era apenas uma entre muitas frentes abertas em foros internacionais no sentido da implantação de uma Nova Ordem Econômica Mundial 89.

Vinte anos depois, a América Latina, como a maior parte dos países em desenvolvimento, eliminou considerável parte da restrições e vedações ao capital externo. Ingerência “política” (leia-se, anti-dependência) no processo do investimento estrangeiro tornou-se tabu.

Restrições e vedações à ação do investimento estrangeiro parecem justificar-se (sem que, com isto, se garanta a eficácia da intervenção estatal) quanto às disfunções mais óbvias da produção multinacional. O controle do transfer pricing e a repressão ao abuso do poder econômico são dois exemplos flagrantes de atuação estatal recomendável 90.

Mas também, no atual contexto constitucional, não estão vedadas as ações de intervenção do Estado, coibindo o investimento em certos setores, ou dentro dos pressupostos constitucionais, dando tratamento favorecido - temporário ou não - ao capital nacional.

Como alternativa à vedação ao investimento externo, o sistema jurídico em vigor admitiria a imposição de requisitos de desempenho, dos quais se avultariam os que induzissem à pesquisa e ao desenvolvimento tecnológico em condições que favorecessem a capacitação nacional de centros e empresas não ligadas ao capital investidor.

Na verdade, a questão não é jurídica, mas fática: a existência de oportunidades de investimento sob controle do Governo, cuja atratividade justificasse o sobrepreço público, através de requisitos de desempenho.

A posição do Estado

O atual contexto internacional põe em questão, já não mais a eficácia da ação do Estado na economia, mas o próprio significado da nação-estado 91. À falta de uma estrutura estatal ao nível internacional, torna-se difícil, senão impossível, estabelecer políticas públicas eficazes num mundo em que as empresas multinacionais passam a ser os principais atores privados da economia 92.

Neste contexto, pareceria recomendável colaborar na constituição de um organismo internacional o qual, ainda que sob exigência de um contexto mais liberal para o investimento estrangeiro, estabelecesse padrões mínimos de comportamento competitivo, em escala transnacional, e determinasse os critérios mínimos de compatibilização entre os propósitos privados das empresas e as políticas públicas dos estados.

No entanto, parece indispensável manter claro que, mesmo num contexto menos interventivo, o Estado não pode renunciar à sua postura negociadora perante o capital

89 Frank Nattier, Regulation of Transnational Corporations: Latin American Actions in International Fora, Texas International Law Journal, no. 19, p. 265.90 Executive Summary, p. 14.91 Executive Summary, p. 15: "Thus, individual countries may become constrained in their abilities to develop independent industries dominated by national firms. (...) The logic of the emerging international production system weakens national policies in their ability to regulate national economic activities and dictates that many policies may shift progressively from national to international domain".92 Report, p. 302.

estrangeiro; na verdade, a diminuição dos momentos de intervenção pode resultar em maior significado específico de cada uma oportunidade de atuação pública, principalmente se for mantida a capacidade de intervenção nos setores realmente cruciais 93.

As estratégias do possível

A atuação no tocante ao investimento estrangeiro, em favor da competitividade da economia nacional, assim, importaria na intervenção estatal nas seguintes instâncias:

a) aproveitando, com a máxima eficácia, os indutores externos ao investimento, entre eles os acordos de dupla tributação os mecanismos de incentivo à pequena e média empresa estrangeira.

b) criando mecanismos de incentivo fiscal que potencializem os indutores externos ao investimento, evitando a criação de taxas artificiais de rendimento, através de benefícios creditícios ou fiscais.

c) estabelecendo requisitos de desempenho para melhor aproveitamento das externalidades do investimento estrangeiro, ligados aos mecanismos indutores, em especial incentivando o uso por parte de empresas multinacionais de centros independentes de pesquisa e desenvolvimento tecnológico para adaptação de produtos e serviços às condições de mercado.

d) mantendo, dentro dos permissivos constitucionais, as vedações ao capital estrangeiro, em áreas em que o investimento nacional possa efetivamente implantar-se e desenvolver-se dentro de padrões de competitividade pertinente.

e) utilizando-se do poder de compra do Estado, dentro dos permissivos constitucionais, para implantar indústrias ou assegurar economias de escala que garantam competitividade à empresa de capital nacional.

f) explorando diretamente a atividade econômica nos setores cobertos pelos permissivos constitucionais, sempre que predomine o interesse nacional na atividade econômica o volume de capital e de organização empresarial não estejam disponíveis à empresa privada nacional; neste caso, para minimizar o custo social da atuação, devem ser mantidas externamente as condições de mínima intervenção na economia.

g) atuando na repressão aos abusos do poder econômico do investimento estrangeiro e à utilização de práticas comerciais restritivas em desfavor de outros competidores ou da economia nacional;

h) investindo no desenvolvimento tecnológico de interesse do sistema produtivo, especialmente no aproveitamento de externalidades do investimento estrangeiro.

Duas ponderações merecem ser feitas neste contexto. A primeira, a da necessidade de compatibilizar qualquer política industrial com a consolidação regional, na esfera do MERCOSUL; se nem todos os mecanismos podem ser livremente operados na textura regional, haverá formas de integração de tais políticas, ou pelo menos, de atuação não conflitiva.

93 Jova, Smith e Crigler, Private Investment in Latin America: Renegotiating the Bargain, Texas International Law Jornal, vol. 19, p. 6 about the future of private direct investment in Latin America".