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Francisco do Rosário Monsanto Ludovino Reis FDUNL l 2019 TEORIA DO CRIME

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Teoria do crime

Francisco do Rosário Monsanto Ludovino Reis

FDUNL l 2019

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A evolução histórica da Teoria Geral do Crime Segundo Figueiredo Dias, só o facto constitui o fundamento e o limite dogmático da

Teoria Geral do Crime; desta forma, é correto falar-se em direito penal do facto e não

em direito penal do agente. Compreender a sua existência, é compreender a evolução

histórica e plurifacetada do que, ao longo do tempo, foi sido considerado como facto

que constitui crime. Assim, todo e qualquer crime tem, nos dias de hoje, reunir cinco

elementos:

A Teoria Geral do Crime aparece, pela primeira vez, nos Tratados de direito penal do

séc. XVI através de Tiraqueau. Este autor já definia crime através da distinção dos seus

elementos que encontraremos na chamada escola clássica:

Ele via o crime como um facto ilícito e punível, praticado com dolo ou

negligência.

Neta linha de análise, distinguir-se-ão, em seguida, quatro grandes fases da evolução

do conceito de crime:

A Escola Clássica;

A Escola Neoclássica;

A Escola Finalista;

A Escola Pós Finalista.

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CRIMEAção

Tipicidade

Ilicitude

Culpa

Punibilidade

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Como ponto de partida, Figueiredo Dias e Jescheck ressalvam que nenhuma das teorias

conseguiu afastar completamente as outras, sendo o conceito atual de crime

composto por pensamentos procedentes dos sistemas de pensamento anteriores.

Escola clássica

Formulação clássica de Liszt

A formação que se denomina como clássica é a formação que a Teoria do Crime tem

em Liszt em finais do séc. XIX. Importa salientar que esta formulação foi a primeira

formulação perfeita e completa que foi desenvolvida e que inspirou todas as

posteriores formulações.

Liszt era filosoficamente1 um positivista. Para ele, a realidade é dada na

experiência. Os positivistas negam a metafisica, sendo que o saber não poderá

ir para além da realidade.

O direito teria como ideal a exatidão científica própria das ciências da

natureza.

Assim, entende que o crime é uma realidade no mundo da experiência e os

seus elementos serão parte dessa realidade e serem empiricamente

comprováveis.

Liszt considerava haver quatro elementos do crime essenciais que se bipartiam em

elementos objetivos e elementos subjetivos. Vejamos:

1 O pensamento filosófico que está por detrás das teorias em estudo é bastante importante, pelo que

será sempre estudado.

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Ação – aqui, Liszt adorava um conceito naturalístico de ação, segundo o qual

ação traduz-se num movimento corporal que leva a uma transformação no

mundo exterior, estando esse movimento e essa transformação ligados por um

nexo de causalidade com a vontade do agente – conceito causal da ação;

Ilicitude – consistia apenas na contrariedade da conduta para com uma norma

jurídica;

Culpa – já os chamados elementos subjetivos do crime como o dolo e a

negligência, ainda faziam parte da culpa e por isso todos os processos anímicos

e espirituais que se desenrolavam no interior do autor ao praticar o crime,

pertenciam à culpa; o dolo, consistia na vontade de realizar o facto e a

negligência consistia na deficiente detenção da vontade que não permitia ver a

realização do facto;

Punibilidade – a punibilidade seria um conjunto de elementos adicionais,

geralmente objetivos, que permitiam distinguir determinado crime de outros

atos ilícitos e culposos.

A tipicidade e os seus conceitos

Posteriormente, em 1906, Beling faz uma alteração profunda na Teoria Geral do Crime,

introduzindo um novo elemento:

A tipicidade.

Em termos gerais, o autor vem dizer que para haver o crime é necessário que também

exista uma correspondência ou conformidade do facto praticado com a previsão da

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Crime

Elementos objetivos: pertencentes à

facticidade do mundo exterior

Ação

Punibilidade

Ilicitude

Elementos subjetivos: processos psíquicos

internosCulpa

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norma incriminadora; isto é, tem de haver uma conformidade do facto com o tipo

legal de crime. Assim, já na altura distingue-se dois conceitos de tipo que iremos

analisar adiante:

Tipo indiciário ou provisório – abrange apenas as circunstâncias incluídas na

norma incriminadora e por isso, sempre que um facto corresponde às

circunstâncias descritas na previsão da norma, verifica-se a tipicidade desse

facto;

Tipo essencial ou definitivo – abrange o conjunto de elementos constitutivos

do crime, isto é, abarca-se todas as circunstâncias de que depende a

consequência final; assim, para além das circunstâncias descritas na norma

incriminadora, incluem-se circunstâncias relacionadas com a ilicitude ou culpa

do facto. Este tipo chega mesmo a incluir o conteúdo das normas processuais

penais.

Liszt recebe então este conceito de Beling. Porém, quando Liszt acolheu como

elemento do crime a tipicidade, ele resolveu colocar esse elemento no fim da definição

de crime. Porém, nas últimas edições do seu Tratado, Liszt já coloca a tipicidade logo a

seguir à ação2.

Assim, crime passa a ser toda a ação típica, ilícita, culposa e punível.

Atualmente, o crime é definido como uma ação típica, sendo que o “típica” surge

como tipo indiciário. Porém, este tipo indiciário, para além de abranger os elementos

constitutivos do tipo legal, abarca as circunstâncias que vêm descritas nas chamadas

normas extensivas da punibilidade e que se encontram na parte geral do Código Penal.

Por exemplo, a norma que prevê a tentativa é considerada uma norma

extensiva da punibilidade ou tipicidade.

Para além da distinção acima mencionada de tipo, há que fazer outra distinção:

Se o ponto de referência é a previsão da norma incriminadora, fala-se do tipo

em sentido abstrato;

Se o ponto de referência ou análise é o facto/caso concreto, as circunstâncias

de que depende a consequência jurídica fazem parte do tipo em sentido

concreto.

2 Esta hesitação ocorre devido à dualidade do conceito de tipo. Liszt, quando coloca a tipicidade no final,

pensa no tipo essencial; porém, quando o coloca logo a seguir à ação, já está a pensar no tipo indiciário.

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O método subsuntivo

Assim, para averiguarmos se determinadas circunstâncias previstas na lei estão ou não

presentes num determinado caso concreto, dá-se o chamado método subsuntivo3 que

consiste numa operação lógica pela qual o facto concreto se determina como um caso

suscetível de ser integrado em certa norma.

Assim, teremos de saber se um facto concreto se subsume em certa norma.

Esta operação lógica é constante uma vez que estaremos sempre a passar da

norma para o caso.

Há quem critique este método subsuntivo pois considera que este método implica

uma dissociação analítico-objetiva de dois termos: o facto e a norma. Além disso, de

acordo com esta doutrina, não existe um facto objetivo; através da aplicação do direito

ao caso, constrói-se antes um caso.

Porém, como contracrítica, é possível afirmar que sempre que se critica uma

doutrina, não basta criticar. Tem de se propor um método melhor, o que esta

doutrina não o faz.

Além disso, o método subsuntivo também vê o caso penal como um caso em

construção. É claro que para a subsunção de um caso a uma norma sem

sempre basta fazer este raciocínio; há que fazer valorações que não impedem

que se utilize o termo subsunção.

Em suma, a propósito do conceito de tipo, existem muito outros conceitos para além

destes. Existe o tipo de garantia (tipo relevante do ponto de vista constitucional e que

abrange todos os elementos que fundamentam positivamente a punibilidade), o tipo

de culpa (o tipo de ilícito vai abarcar todos os elementos de que depende o juízo de

ilicitude, sendo que esse conceito, por sua vez, pode ser indiciário ou essencial) ou

ainda o tipo objeto do dolo e de ilícito.

(Críticas do Professor Figueiredo Dias à Escola Clássica)

1. O conceito de ação, ao exigir um movimento corpóreo e, de todo o modo, uma

modificação do mundo exterior, restringia de forma inadmissível a base de toda a

construção, o que conduzia a afirmações tão estranhas à realização da vida como a de

que a ação, no crime de injúria, consistiria na emissão de ondas sonoras dirigidas ao

aparelho auditivo do recetor;

3 Este conceito provém de Kant e consiste em saber se algo cai debaixo de uma lei determinada.

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2. A conceção psicológica de culpa esqueceria que também o inimputável que – por

definição, é incapaz de culpa – pode agir com dolo ou negligência.

Escola neoclássica

Mezger é o principal autor desta Escola (1930) em que o conceito de crime continua a

ser uma continuação do sistema anterior, não sendo um sistema totalmente

autónomo do mesmo; parte então das críticas ao à Escola Clássica e formula uma nova

teoria.

Esta escola, do ponto de vista da filosofia, assume contornos neo-kanteanos; assim, ao

contrário dos positivistas, os neo-kanteanos consideram que ao lado do mundo natural

há o mundo da cultura, dos valores, sendo que esses valores são atributos não

descritivos da realidade. São ainda uma qualidade que fundamenta uma atitude

positiva ou uma atitude negativa.

O Direito passa então a pertencer ao mundo dos valores, sendo que a ilicitude

e a culpa já não são comparadas tendo em conta a sua distinção material, mas

sim valores/desvalores.

O próprio conceito de ação passa a ser um conceito valorativo, deixando de ser

uma realidade do mundo natural – conceito social de ação.

De acordo com esta Escola:

Ação é um comportamento humano, voluntário e socialmente relevante; esta

formação é a última da escola neoclássica.

Quanto ao tipo, o mesmo deixa de se situar ao lado da ilicitude, para se

transformar no tipo de ilícito; assim, o tipo passa a ter a mera missão formal de

conter os elementos da ilicitude, surgindo como uma fundamentação positiva

da ilicitude. Materialmente, o tipo passa a ser visto também como uma

unidade de sentido socialmente danoso como comportamento lesivo de bens

juridicamente protegidos.

Já a ilicitude, surge como um desvalor e, para além de conter elementos

objetivos, passa a conter, por vezes, elementos subjetivos. Começa-se então a

perceber que para valorar, por exemplo, um facto como furto, não basta provar

a subtração; é essencial provar ainda a intenção de apropriação. Distinguem-se

então:

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o Elementos positivos de ilicitude – fundamentam a ilicitude;

o Elementos negativos de ilicitude – causas de exclusão da ilicitude.

Por outro lado, distingue-se ainda a:

o Ilicitude formal – ocorre sempre que houver a contrariedade à norma

jurídica;

o Ilicitude material – surge no sentido de danosidade social de ofensa

material dos bens jurídicos; assim, já não interessa saber apenas se um

facto é ilícito ou não, passando a ser importante a medida do desvalor

dos bens jurídicos.

Quando à culpa, na escola neoclássica, surge uma nova teoria: A teoria

normativa da culpa, desenvolvida por Frank.

A teoria normativa da culpa

De acordo com este autor, percebe-se que o essencial na culpa é um juízo de censura

que só existiria se fosse exigível ao agente um comportamento contrário ao adotado e

se, além disso, houvesse uma motivação negativa do agente. Assim, esta ideia é

meramente normativa. Porém, apesar desta evolução, eram ainda considerados como

forma de culpa, o dolo e a negligência; o dolo existia quando a pessoa tinha condição

para se motivar pelo direito, mas não o fez e a negligência era quando houvesse falta

de atenção no cumprimento do dever de cuidar.

(Críticas do Professor Figueiredo Dias à Escola Neoclássica)

1. Os seus fundamentos ideológicos e filosóficos devem considerar-se, em larga

medida, ultrapassados;

2. O Ilícito continuaria, apesar de nele se terem introduzido já elementos subjetivos, a

constituir uma entidade fundamentalmente objetiva, que esqueceria ou minimizaria a

sua carga ético-pessoal e não poderia servir por isso para corretamente caraterizar a

contrariedade da ação à ordem jurídica;

3. A culpa, apesar de se dizer concebida como um juízo de censura, continuava ainda a

constituir um conglomerado heterogéneo do objeto, submetendo ao mesmo

denominador caraterísticas que, como a imputabilidade e a exigibilidade, são na

verdade elementos de um puro juízo, e caraterísticas que, como o dolo e a negligência,

são elementos do substrato que deve ser valorado como censurável, o que ainda não

acontecia.

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Escola finalista

A Escola Finalista surge, por via de Welzel, a partir de 1930 e determinou os caminhos

da dogmática até hoje. Esta Escola corresponde, na filosofia à escola ontológica.

Assim, de acordo com esta Escola, é possível determinar as formas de ser ou essências,

nomeadamente através do método fenomenológico e ontológico.

Desta forma, os valores não são mais do que essências e formas de ser que

existem numa zona da realidade e por isso não resultam de atos de valoração,

como defendia a escola neo-kanteana. Além disso, o Direito deve partir da

realidade objetiva ou ôntica.

Figueiredo Dias refere que, após a II Guerra Mundial, ficou claro que o normativismo

de raiz neo-kanteana não oferecia garantia bastante de justiça, havendo a necessidade

de substituir a ideia de Estado de Direito Formal pela ideia de Estado de Direito

Material e de tentar limitar a normatividade pela via ontológica.

Os finalistas defendem desde logo que a ação é uma essência que o Direito não pode

alterar e, por isso, existe independentemente do Direito. O que passa a ser decisivo é

determinar a estrutura dessa ação; assim, para os finalistas, a ação é essencialmente

finalística, ou seja, a ação consiste num processo causal conduzido pela vontade para

determinado fim. A ação humana é uma essência, sendo que o seu central é ser uma

supradeterminação final de um processo causal.

Como o conceito de ação é final, quer o dolo, quer a negligência, passam a ser

averiguados logo ao nível da tipicidade.

Partindo deste conceito, começa-se a perceber que, para se poder afirmar que uma

ação é típica, há que ter em conta os elementos subjetivos; a tipicidade passa a

resultar da conjugação do tipo objetivo com o tipo subjetivo e, portanto, nos crimes

dolosos, o tipo só estaria preenchido se houvesse dolo; já nos crimes negligentes, o

tipo só estaria preenchido com a violação do cuidado necessário.

Na escola finalística, a tipicidade surge como uma valoração autónoma face à

categoria da ilicitude. Além disso, como a ilicitude era uma valoração sobre o ato do

homem, a ilicitude passa a compreender dois desvalores:

O desvalor da ação que se relaciona com a vontade ilícita;

O desvalor do resultado que se relaciona com a lesão do bem jurídico.

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Ainda ao nível da ilicitude, na escola finalista, surge a chamada teoria dos tipos

permissivos. Para a escola finalista, as causas de justificação surgem como tipos

permissivos que, quando se verificam, excluem a punibilidade.

Já a culpa, no essencial é um juízo de censura pelo facto do agente não ter agido de

outra maneira, podendo fazê-lo de outra forma.

Assim, a análise da culpa coincide com as causas de exclusão da culpa em

sentido amplo.

Assim, teremos de verificar se existe alguma causa de exclusão da culpa em sentido

amplo – técnica negativa da exclusão.

Pós finalistas

Atualmente, maior parte da doutrina pode inserir-se na categoria dos pós finalistas

pois, segundo a Professora Bárbara Sousa Brito, tal como os finalistas, os pós finalistas

consideram que o dolo e a negligência são elementos do tipo; não é possível dizer que

um facto preenche materialmente um tipo de crime se não houver dolo ou

negligência. Consequentemente, a análise da ilicitude, só pode ser feita tendo em

conta os elementos subjetivos.

A grande vantagem do conceito final de ação foi perceber que só era possível

afirmar a ilicitude de um comportamento tendo em conta os elementos

objetivos e também subjetivos.

A diferença é que o dolo e a negligência passam a fazer parte do tipo.

Dentro dos pós finalistas, podemos identificar a seguinte conceção doutrinária:

Corrente ou doutrina teleológico-funcional ou racional-final do Direito Penal:

os defensores desta orientação vêm dizer que o sistema do Direito Penal só se

pode guiar pelas finalidades do próprio Direito Penal.

Quem defende esta conceção vem explicar que só é possível chegar aos

conceitos nesta disciplina, partindo das próprias finalidades do Direito Penal,

nomeadamente das teorias dos fins das penas e das bases politico-criminais da

teoria do crime. Roxin é quem arranca com esta conceção em 1970 em que ele

faz um estudo sobre as relações entre a político criminal e o sistema do crime

ou facto punível. Jakobs também se distinguiu na defesa desta teoria, mas

apresenta uma grande diferença de pensamento comparando com Roxin; para

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Jakobs, o Direito Penal só pode determinar-se em concordância com as teorias

dos fins das penas. Porém, o grande defeito deste autor (apontado por Roxin) é

o esquecimento de outros princípios e valorações do Direito Penal,

nomeadamente o princípio da culpa; assim, ao contrário deste autor, a culpa

não deve ser absorvida pelo conceito de prevenção geral positiva, mas sim

avaliada pelas capacidades do agente4.

Outra corrente ainda considera que um Direito Penal que se proponha a

justificar cabalmente as suas propostas normativas como justas e eficazes, não

pode deixar de considerar os contributos das outras ciências sobre o seu

próprio objeto de valoração; assim, o Direito Penal não pode ignorar os

conhecimentos que as outras ciências têm acerca do seu objeto de estudo que

é o comportamento humano. Os penalistas não podem ter medo de ir buscar

conhecimentos às outras ciências uma vez que isso não significa substituir o

direito por outras ciências.

A professora Fernanda Palma afirma que tem de haver uma ligação do Direito

com a realidade social; esta realidade social terá de ser um instrumento de

interpretação do Direito. Para Bárbara Sousa Brito, tal realidade social não

pode deixar de ter em conta as ciências que estudam o comportamento

humano e que nem sempre são conhecidas pela realidade social.

4 Por isso, há quem denomine o funcionalismo de Roxin como um funcionalismo teleológico e o

funcionalismo de Jakobs como um funcionalismo sociológico.

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O conceito de ação jurídico-penalmente

relevante Funções do conceito de ação

Para maior parte da doutrina, o primeiro elemento do crime é a ação; se não há uma

ação jurídico-penalmente relevante, não importa avançar na análise de determinado

comportamento. Assim, como estudado acima, existem diversos conceitos de ação em

Direito Penal. Temos, por exemplo, ação:

Causal: conceito da Escola Clássica;

Social: conceito da escola neoclássica;

Final: conceito da escola finalista;

Pessoal: conceito dos pós-finalistas, como Roxin.

O conceito de ação aparece, pela primeira vez, como pedra básica do sistema do

crime, em 1857 pela voz de Berner. Atualmente, maior parte da doutrina está de

acordo quanto às funções que o conceito da ação deve cumprir, sendo inclusivamente

a base autónoma e unitária da construção do sistema do crime, capaz de suportar os

posteriores requisitos da teoria do crime. Para que assim possa ser, um conceito de

ação tem então de cumprir, fundamentalmente, quatro funções:

Função classificatória: um conceito de ação tem e deve de abarcar em si todas

as formas de comportamento humano que possam ser relevantes para o

Direito Penal (tanto a forma ativa como omissiva, a forma dolosa como a

negligente),

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Função delimitadora: o conceito de ação deve permitir por si só excluir todos

os comportamentos irrelevantes para o Direito Penal. Por exemplo, o caso do

sonâmbulo que não será responsabilizado criminalmente se agredir outrem ou

atos reflexos;

Função de definição: um conceito da ação tem de ser um conceito com um

conteúdo material suficientemente amplo para servir de suporte aos restantes

elementos do crime (ação típica, ilícita, culposa, punível);

Função de elemento de ligação: o conceito de ação deve ser neutral em

relação aos restantes elementos do crime; se um conceito de ação é a base de

todos os elementos do crime, ele tem de ser neutral face aos restantes

elementos sob pena da sua confusão entre elementos.

Posto isto, persiste um problema: o problema de saber qual o conceito que ação que

consiga abarcar todas estas finalidades.

Ação como primeiro elemento do crime?

A doutrina de Figueiredo Dias

Maior parte da doutrina entende que a ação é o elemento primário do crime. Porém, o

Professor Figueiredo Dias considera que o primeiro elemento do crime é a ação típica,

devendo renunciar-se a colocar como elemento básico do sistema um conceito geral

de ação. O conceito geral de ação tem um papel secundário no sistema teleológico,

dando-se primazia ao conceito de realização típica do ilícito. Mas quais os argumentos

para esta posição?

1. Ao direito penal só interessam as ações típicas e por isso não faz sentido

começar pela ação.

2. Não é possível chegar a um conceito geral de ação previamente ao tipo que

tenha um conteúdo neutral e geral em relação aos restantes elementos do

crime.

Porém, Bárbara Sousa Brito considera que é possível chegar a um conceito de ação

suficientemente geral para servir de base aos restantes elementos do crime. Por outro

lado, apesar de Figueiredo Dias defender que ao Direito Penal só interessa a ação

típica, quando o mesmo se depara com casos como o sonâmbulo que ataca outra

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pessoa, Figueiredo Dias vai buscar o conceito de ação para excluir a relevância de tal

comportamento para o Direito Penal, sem recorrer ao tipo.

Além disso, tendo em conta o artigo 10 do CP, o legislador fala em ação e

omissão.

Em suma, teremos então de começar com o conceito de ação porque tem de haver um

substrato de todos os outros elementos do crime; a ação vai ser a base.

Sem ação, não temos responsabilidade jurídico-criminal.

Mas que conceito de ação adotar?

Conceitos de ação

Conceito casual de ação

Doutrina favorável: Beling

Noção: o conceito casual de ação surgiu com a Escola Clássica e de acordo com ele há

uma ação jurídico penalmente relevante quando houver um movimento cultural que

leva a uma transformação no mundo exterior, estando esse movimento e essa

transformação ligados por um nexo de causalidade. Fala-se em conceito casual de ação

não só porque atende-se à vontade como causa do comportamento físico, mas

também porque se dá relevância à relação causal entre o comportamento e a

consequência no mundo exterior.

Outra denominação para este conceito é conceito naturalístico.

Críticas: este conceito foi sujeito a várias críticas, pois não inclui uma figura central

para o Direito Penal que é a omissão5. A omissão não cabe neste conceito de ação,

pois na omissão não há nenhum movimento cultural, nem existe vontade em sentido

natural.

Beling respondeu que tal não era verdade alegando que na omissão havia

vontade de reter os músculos. Tal como afirma Roxin, tal não é verdade, pois

não existe qualquer vontade de reter os músculos.

Conceito social de ação

Doutrina favorável: Fernanda Palma, entre outros.

5 Este conceito admite ainda outra fragilidade: a sua extensão em demasia.

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Noção: surge com a escola neoclássica o conceito social de ação. De acordo com este

há uma ação sempre que houver comportamento humano, voluntário e socialmente

relevante. O comportamento em causa:

Tem de ser praticado pelo Homem, não podendo ser por uma pessoa coletiva;

Tem que ser voluntário, isto é, tem de ser uma resposta a uma situação

reconhecida ou reconhecível. Sempre que estivermos perante uma tomada de

posição face a uma exigência situacional reconhecida ou reconhecível, há uma

ação jurídico-penalmente relevante que pode consistir numa atividade ou

inatividade.

Tem de ser um comportamento socialmente relevante, ou seja, terá de ter

efeitos no exterior6 e de afetar a relação do indivíduo com a sociedade.

Críticas: uma das críticas que se pode fazer é a de que este conceito não era

suficientemente neutral, não podendo servir de base aos restantes elementos do

crime; se vamos exigir que um comportamento seja socialmente relevante, esse na

maioria das vezes é resultante da lei e isso não confere suficiente neutralidade ao

conceito pois já recorre ao elemento da tipicidade; tem de ser possível afirmar a

existência ou não de uma ação independentemente de ela ser típica ou não. Por

exemplo, não pagar os impostos num determinado prazo só é socialmente relevante

porque juridicamente a lei lhe deu tal relevância.

Porém, os defensores desta teoria vêm dizer que quando se exige que um

conceito de ação seja neutral surge no sentido de afirmar a existência ou não

de uma ação independentemente de ela ser típica ou não.

Conceito final de ação

Retomando o que vimos anteriormente, a Escola Finalista acredita que existem

essências que o Direito não pode alterar, sendo que a ação é dessas essências. Mas

qual a essência da ação?

Doutrina favorável: Welzel

Noção: para a Escola Finalista a essência da ação começou por ser a existência de um

processo causal, conduzido pela vontade para determinado fim. Assim, para haver

uma ação eram necessários três momentos:

Um primeiro momento em que o agente antecipa mentalmente o seu objetivo;

6 Uma vez que o Direito Penal não pune intenções.

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Um segundo momento em que o agente elege os meios necessários para

atingir o seu objetivo;

Um terceiro momento em que o agente põe em andamento os processos

causais com vista à prossecução do fim.

Críticas: este conceito não abrange a totalidade dos comportamentos relevantes para

o Direito Penal; à partida, este conceito não abarca assim as omissões e não pune as

ações negligentes, nomeadamente as ações negligentes e inconscientes.

Existem duas formas de negligência:

A negligência consciente – o agente prevê a realização do facto típico, mas não

se conforma, afastando a ideia;

A negligência inconsciente – o agente não prevê a realização do facto típico,

mas podia ou tinha a possibilidade efetiva de o representar.

Por exemplo, o caso dos mendigos russos fez com que a doutrina tivesse de olhar de

outra forma para a distinção entre dolo ou negligência inconsciente.

Para se acusar com dolo, é necessário provar que o agente se conformou.

Face a estas críticas, a escola finalista vem corrigir o seu conceito de ação; assim, numa

segunda fase, quando exigem que uma ação seja final, não estão a exigir que a ação

seja intencional, mas sim que seja conduzida ou conduzível por parte do sujeito.

Assim, para haver uma ação final, o que tem de existir é a possibilidade de um

comportamento alternativo por parte do agente.

Por exemplo, o sonâmbulo que dá um soco não teria a possibilidade de um

comportamento alternativo; desta forma, não existe ação jurídico-penalmente

relevante.

Conceito pessoal de ação

Doutrina favorável: Roxin e Arthur Kaufmann7.

Noção: segundo este conceito, ação é então a exteriorização da personalidade do

agente entendida como unidade de corpo e espírito. Assim, segundo Roxin, este

conceito cumpriria integralmente as funções de classificação, de ligação e definição e

delimitação que dele se espera. Neste âmbito, a exteriorização significa que a conduta

7 Este conceito tem como seu defensor principal, Roxin, embora tenha surgido em 1966 com Kaufmann.

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está sujeita ao controlo do “eu” que provem da autodeterminação do sujeito. Para

além disto, a ação traduz-se sempre numa valoração social; por isso o conceito pessoal

de Roxin é também um conceito social.

Críticas: Figueiredo Dias considera que este conceito, ao remeter para o conceito

social de ação, não se liberta de algumas críticas que foram apontadas ao conceito

social de ação. Para além disso, o mesmo autor defende que este conceito não é capaz

de cumprir eficazmente a sua função de delimitação, como por exemplo a questão dos

atos reflexos. Outra das críticas que se pode fazer a este conceito é que parece dar a

entender que só há ação quando ela for culposa, o que já não é aceitável segundo a

evolução da Teoria do Crime. Porém, a Professora Bárbara Sousa Brito não concorda

com esta questão pois considera que uma coisa é a exteriorização da personalidade;

outra é considerar essa exteriorização como um desvalor.

Conceito de ação de Jakobs

Doutrina favorável: Jakobs

Noção: para este autor, ação surge como evitabilidade de uma diferença de resultado.

Portanto, todo o comportamento que for evitável, é uma ação jurídico-penalmente

relevante. Assim, um comportamento será evitável se for conhecido ou cognoscível

pelo agente. A ideia de evitabilidade está ainda associada à ideia de dirigibilidade;

sempre que existir um comportamento humano controlável ou controlado pelo “eu”,

há uma ação jurídico-penalmente relevante.

Um denominador comum

Para haver ação em Direito Penal temos sempre de ter um comportamento controlado

ou controlável pela vontade. Todos os conceitos acima estudados exigem assim uma

ação alternativa. Sempre que existe então esta alternativa, existe uma ação jurídico-

penalmente relevante.

Porém, coloca-se a grande questão: quando é que temos um comportamento

humano controlável? Veremos já de seguida.

A experiência de Libet

Para dar uma resposta a esta questão, é essencial ter em conta o que as outras

ciências que estudam o comportamento humano dizem acerca do mesmo; de entre as

várias disciplinas que estudam este comportamento, é a neurociência que tem

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alcançado os resultados mais importantes, não só pela sua novidade, mas pela

influência que eles passaram a ter nas outras ciências.

Libet desenvolveu esta ciência e percebeu que quando tocava no dedo de uma

pessoa durante uma operação, essa pessoa demorava algum tempo a perceber

que lhe estavam a tocar no dedo.

Libet tentou então perceber se o mesmo se passava com as nossas decisões.

Pediu então às pessoas para irem para uma sala com o cérebro ligado a

máquinas. Essas pessoas teriam de descrever em que ponto estava o ponteiro

do relógio quando decidissem levantar o pulso. Com esta experiência,

descobriu-se que as pessoas diziam que decidiam levantar o pulso, 350

milésimos de segundo depois de terem decidido levantar o pulso.

Esta descoberta trouxe uma grande discussão pois veio dizer-se que as nossas

decisões são tomadas inconscientemente. Entre a tomada de consciência e o

atuar, ainda restam 350 milésimos de segundo. Colocou-se então em causa o

livre-arbítrio.

As pessoas, quando decidem atuar, decidem de forma inconsciente; porém, há

uma altura em que as pessoas tomam consciência dessa decisão e podem

continuar ou vetar essa decisão. O grande problema disto é que não sabemos

se esse vetar da ação é determinado inconscientemente; porém, Libet vem

afirmar que o mais provável é que não o seja.

António Damásio vem refutar Libet dizendo que os 350 milésimos de segundo

não são relevantes para analisar o livre arbítrio do ser humano.

Porém, as ações de que a neurociência se ocupa são as ações voluntárias8; em Direito

Penal, para além de punirmos as ações voluntárias nesse sentido, vamos punir as

pessoas que não representam o facto, mas tem a mera possibilidade de o representar

(ações negligentes inconscientes). Pelo facto de poder representar o facto típico, essa

pessoa pode ser responsabilizada jurídico-criminalmente.

Por exemplo, o médico que atua negligentemente numa operação, será punido

caso essa negligência seja provada.

Assim, o Direito Penal, em certo sentido, debruça-se sobre ações que a neurociência

não se ocupa. Logo, a possibilidade de controlar uma ação passa pela possibilidade

8 Libet só estudou este tipo de ações.

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da sua representação. Basta então provar que a pessoa tinha a possibilidade de

controlar a ação; se o controlar dá-se com a representação do facto, uma ação será

controlável se a pessoa tiver a possibilidade de a representar.

Exemplos práticos

1. A, vai numa estrada à velocidade permitida por lei e de repente aparece uma criança

a correr no meio da estrada e a mata.

Em princípio a pessoa não teve a possibilidade de representar a ação.

2. A, vai numa estrada ao pé de uma escola a 80 km/hora. Vê o sinal e ouve crianças a

falar, mas continua e atropela uma criança que acaba por falecer.

No momento em que a pessoa vê o sinal e não reduz a velocidade, não prevê

atropelar a criança, mas tinha a possibilidade de prever essa situação – era algo

controlável efetivamente. Assim, teremos de punir A por negligência

inconsciente, uma vez que existe claramente uma ação.

3. B, foi picada por uma abelha e atropelou uma pessoa que veio a falecer.

Estamos perante um ato automático em que a pessoa não proveu nem tinha a

capacidade de prever aquele facto típico.

Porém, Roxin afirma que nos atos automáticos como o da abelha, há uma ação

porque para ele é uma resposta pessoal do agente.

4. A e B são marido e mulher, respetivamente. Certo dia, B pediu a A para deixar o filho

de ambos, C, no infantário, algo que A nunca teria feito. Porém, A esqueceu-se de ir

deixar o filho ao infantário e deixou-o no banco de trás do carro enquanto foi

trabalhar. Às 19h, quando a mãe liga para saber da criança, o pai recorda-se de que

não entregou a criança no infantário. Quando vai ao carro verificar o estado da criança,

constata que a mesma tinha falecido.

Para Bárbara Sousa Brito não existe aqui uma ação jurídico-penalmente

relevante pois o pai não representou o facto típico. Nunca lhe passou pela

cabeça que ele se fosse esquecer da criança pelo que nem sequer tinha a

possibilidade de representar tal comportamento. O pai só representa a

presença da criança no caso, mas, a partir do momento em que a criança

adormece, o pai deixou de ter consciência da presença da criança9.

9 Porém, se o pai soubesse que costuma esquecer-se das coisas em situações de stress, já havia

oportunidade de representar o facto ilícito, não se tratando de um ato automático.

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5. A e B estão de visita a uma exposição de arte. A certa altura, há uma troca de

palavras entre os dois e B dá um murro a A, caindo este desamparado sobre uma obra

de arte, destruindo-a. Poderá A ser responsabilizado por um crime de dano?

Neste caso, a pessoa que caiu sobre a obra de arte não levou a cabo uma ação,

no sentido de comportamento humano. Do ponto de vista dos fins do Direito

Penal, não faz qualquer sentido discutir, sequer, a responsabilidade dessa

pessoa, porque ela funciona como uma força inanimada, como um objeto.

Casos práticos

1. Bernardo dá um encontrão a Amadeu e este cai sobre C que parte uma perna.

Pode ou não A ser responsabilizado jurídico criminalmente pelo crime de

ofensa à integridade física?

Amadeu não consegue controlar a ação; em princípio, ele não tinha sequer

capacidade para controlar a sua ação – ações sobre vis absoluto em que o

corpo da pessoa é quase como um instrumento.

Como a ação não era sequer controlável pela vontade do Amadeu, ele não

praticou uma ação jurídico-penalmente relevante.

2. A, condutor de um camião TIR que viajava há três dias seguidos, parando só

para comer, com o intuito de chegar mais cedo a casa, já perto de Coimbra,

deixou-se adormecer ao volante e nesse estado acabou por embater no carro

de C, provocando a sua morte. Quid iuris?

Será que existe ação? No momento em que ele se apercebe que está cansado e

mesmo assim continua, dá-se então o momento relevante para saber se existe

ação. Nestas situações fala-se numa figura, que é a chamada ação livre na

causa.

Assim, o momento relevante não é a altura em que ele lesa o bem jurídico, mas

sim o momento em que ele se apercebe que está com vontade de dormir e

mesmo assim continua a conduzir; neste momento, ele tinha a capacidade de

controlar, ganhando consciência de algo que lhe permite antecipar o facto

ilícito.

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A ação jurídico-penalmente relevante: o caso

especial da omissãoAção como comportamento humano?

Breve introdução

Dentro do conceito de ação, para grande parte da doutrina, quando se fala em ação

jurídico penalmente relevante, pensamos numa ação em sentido amplo; isto significa

que o conceito de ação abarca, quer as ações em sentido estrito, quer as omissões.

Para Figueiredo Dias, nos crimes de omissão, o agente não levou a cabo a ação

esperada ou imposta. Porém, isto tem um limite: não podemos esquecer-nos que uma

punição generalizada ou demasiado alargada da omissão conduzirá seguramente a

uma sistemática e inadmissível intromissão de cada um na esfera jurídica de outros.

Como exemplo típico de omissão, destaca-se a mãe que deixa de alimentar o

filho, vindo o mesmo a falecer.

Uma das grandes discussões em Direito Penal é a de saber se a omissão faz ou não

parte do género comportamento humano.

Doutrina de Welzel e José de Sousa e Brito

Para uma parte da doutrina, a omissão só faz sentido dentro do género comum à ação

em sentido amplo. Assim, a omissão cabe no género comportamento humano e deve

ser vista como uma realidade que tem existência no mundo exterior ao lado da ação.

Dito de uma outra forma, a omissão, tal como a ação, é uma resposta controlada ou

controlável pela vontade do agente. Assim, quando o agente não tem sequer

capacidade de agir, não haverá omissão.

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Para Bárbara Sousa Brito, que concorda com esta teoria, decorre que para

haver omissão, o agente tem de ter capacidade de agir/adotar uma ação

alternativa.

Doutrina de Eduardo Correia

Para outra parte da doutrina (Eduardo Correia), a omissão não existe como realidade

do mundo exterior, sendo que a mesma deve ser encarada como uma negação da

ação; a omissão é um produto ou juízo por parte do julgador. Dentro desta corrente,

existem autores que defendem a teoria lógica ou normativa da ação esperada, isto é, a

omissão continua a ser um juízo efetuado por quem julga a ação ao relacionar o que

aconteceu com a conduta esperada.

Crítica: quem faz este juízo, é o julgador. Desta forma, será que faz sentido o

direito penal efetuar valorações sobre juízos, em vez de efetuar valorações

sobre os comportamentos do arguido?

Para Bárbara Sousa Brito, a doutrina subjetiva da negação é a doutrina que está

na base desta teoria, sendo que esta deve ser substituída pela chamada

doutrina diferenciada da negação.

A doutrina subjetiva da negação traduz a negação na palavra “não ser isto”. Já com

base na doutrina diferenciada da negação, há uma diferença entre “não ser isto”

(ação) e “ser não isto” (omissão).

Por exemplo, A não salvou B. Esta afirmação pode ser verdadeira, não só

porque A nunca teve sequer oportunidade de salvar B, mas também nas

situações em que A não se encontra na possibilidade de salvar B.

Assim, a omissão é um comportamento humano que se diferencia da ação (“ser não

isto”). Por exemplo, quando o pai não salva o filho que se está a afogar na praia, é

sempre uma tomada de posição.

Doutrina de Roxin e Jakobs

Não obstante, há uma parte da doutrina que entende que o sistema penal e os seus

conceitos derivam só de valorações jurídico-criminais e, por isso, a ação e a omissão

são equiparáveis enquanto valorações, embora as duas sejam valorações.

Roxin defende esta posição.

Para Roxin, a ação traduz-se numa exteriorização da personalidade; porém, este

conceito é valorativo, sendo que o autor em causa não defende um conceito ôntico.

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Jakobs, na mesma linha, tende a concluir que a ação e omissão não são distinguíveis na

perspetiva da competência desempenhada pelo agente na interação social. Assim,

para ele, o que importa é a identificação de estruturas comportamentais

identificáveis socialmente; assim, a definição de comportamento humano não será

naturalista, mas centra-se na significação social dos comportamentos.

Doutrina de Figueiredo Dias

Quarta parte da doutrina: Figueiredo Dias, defende que, como não há uma base

comportamental no crime, tende a integrar na categoria do tipo, a ação e a omissão.

Assim, ação e omissão são duas formas de realização do direito.

Omissões puras e impuras

Segundo Figueiredo Dias, o crime de omissão reside na violação de uma imposição

legal de atuar, pelo que, em qualquer caso, só pode ser cometido por pessoa sobre a

qual recaia um dever jurídico de levar a cabo a ação imposta. Já para Teresa Beleza, o

preenchimento do facto típico é feito através de um comportamento negativo.

Quando concluirmos por uma omissão, a análise do crime será diferente. Por isso, tal

não é irrelevante na prática porque dentro das omissões existem dois tipos:

Omissão pura ou própria – são aquelas que, independentemente do resultado,

integram o tipo (exemplos: artigos 200 e 284 do CP). Independentemente de

qualquer resultado que resulte dessa não prestação de auxílio, o crime de não

prestação de auxílio está consumado.

Por exemplo, o médico que se recusa a prestar cuidados de saúde, preencherá

o tipo de crime independentemente da pessoa vir a falecer ou não lhe

acontecer nada.

Omissão impura ou imprópria – são aquelas que estão relacionadas

causalmente com o resultado, não se encontrando descritos num tipo legal de

crime10; assim, teremos de recorrer ao artigo 10 do CP para resolução do

10 Segundo Teresa Pizarro Beleza, são crimes em que, através de uma omissão, uma pessoa deixou que

um certo resultado acontecesse.

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problema. De acordo com o artigo 10/2 do CP, não é qualquer pessoa que

preenche o tipo de omissão; só pode ser punido por omissão impura, as

pessoas sobre as quais recai um especial dever de agir (por exemplo, o pai que

tem o especial dever de agir ao salvar o filho que se está a afogar).

´

Critério de distinção entre ação e omissão

Existem critérios que a doutrina propõe para saber se estamos perante uma ação ou

omissão:

Engisch dizia que na ação havia um dispêndio de energia que já não existia na

omissão. Porém, isto não cabe para a distinção pois pode haver grande

dispêndio de energia na omissão;

Em casos de dúvida, Kaufmann defende que a omissão só devia ter relevância

quando aquele comportamento não pudesse ser encarado como ação.

Já Roxin ou Figueiredo Dias vêm dizer que o que importa é a forma da criação

do perigo para o bem jurídico tutelado pela norma que está em causa.

Na ação, o agente cria ou aumenta o perigo; já na omissão, o agente não afasta

o perigo.

Há ainda quem defenda que na ação há uma intervenção modificadora na

situação por parte do agente e na omissão tal não existe.

Como é tão difícil distinguir na prática a ação de omissão, Roxin criou uma figura que

se denomina omissão por ação, em que a ação permanece ação, mas, nestes casos, ela

é punível dentro de um crime omissivo. Por exemplo, se A empreende a atividade de

salvamento e no último momento desiste de salvar. O que existe nestes casos?

Roxin afirma que tal se deve valorar como uma omissão por ação.

Para ser punido por omissão de auxílio, basta que o agente não auxilie. Já na omissão

impura, para o tipo ficar preenchido, é preciso que ocorra um resultado; em relação a

estas, só podem ser punidas as pessoas que têm o especial dever de agir.

Tal faz sentido, porque, caso não fosse essencial este especial dever de agir, a

restrição que o DP faria à liberdade seria enorme.

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As omissões impuras e o especial dever de agir

Para Figueiredo Dias, ao se exigir o especial dever de agir equipara-se a omissão

imprópria à ação. Assim, existem dois critérios para aferir o especial dever de agir:

O critério formal ou teoria formal dos deveres de garante;

O critério material.

O Critério Formal

O critério formal, defendido por Feuerbach e Stubel, afirma que são três as fontes do

especial dever de agir:

Lei;

Contrato;

Ingerência – traduz-se numa ação perigosa, precedente criada pelo omitente.

Porém, este critério tem várias críticas e encontra-se hoje abandonado pela

jurisprudência e pela doutrina.

Em primeiro lugar, este critério não consegue abarcar todas as situações em que deve

haver o especial dever de agir. Por exemplo, a baby-sitter, que tem um contrato verbal

com os pais para tomar conta da criança até à meia noite; à meia noite os pais não

aparecem e a mesma vai-se embora e deixa a criança sozinha. A criança acorda,

levanta-se e parte uma perna. O que acontece?

De acordo com o critério formal, há contrato até à meia noite. Logo, este

critério formal falha porque não abarca situações em que materialmente

continua a haver o especial dever de agir.

Em segundo lugar, este critério falha relativamente à lei, pois a lei pode nem sempre

fundamentar uma posição de garante11.

O Critério Material

Face às fraquezas do critério formal, surge a defesa do chamado critério material; este

critério vai permitir ligar a infração daquele dever a um sentido de ilicitude material

face à nossa ordem jurídica. Assim, tem de existir um critério que permita distinguir a

relevância jurídica da relevância meramente ética que terá de vir do conceito da

ilicitude material (do que faz sentido punir).

11 Figueiredo Dias identifica o caso das leis extrapenais.

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Armin Kaufmann apresentou este critério.

De acordo com Kaufmann, deve haver uma divisão bipartida do especial dever de agir:

Casos em que há o dever específico de assistência a um titular de bens

jurídicos independentemente da fonte de perigo (por exemplo, pais

relativamente ao filho menor). Nestes casos, o bem jurídico carente de guarda

deve ser protegido contra todos os perigos englobáveis no âmbito de proteção;

Casos em que há dever de vigiar uma fonte de perigo, independentemente do

titular do bem jurídico em causa (controlador de tráfego aéreo relativamente à

movimentação de aviões); aqui, o garante tem unicamente de fiscalizar fontes

de perigo determinadas.

O primeiro caso pode, por sua vez, derivar (1) da chamada solidariedade natural para

com o titular do bem jurídico apoiada num vínculo jurídico (por exemplo, os pais e

filhos, os avós e os netos, etc.). Em segundo lugar, (2) este dever pode resultar de uma

estreita relação de comunidade de vida ou de proximidade (relação entre cônjuges,

vizinho/vizinha, amigo/amigo, etc.). (3) O dever específico de assistência pode resultar

ainda numa assunção fáctica voluntária de deveres de custódia (professor, médico,

instrutor de condução, polícia, etc.).

Atualmente, para maior parte da doutrina, acrescenta-se outra fonte de especial

dever de assistência:

As chamadas relações de comunidade de perigo: há um conjunto de pessoas

que decide, em conjunto, efetuar uma atividade perigosa no pressuposto de

que se alguém estiver em perigo, a outra pessoa ajuda. Aqui, (1) tem de existir

uma relação estreita e efetiva de confiança (2) que a tal comunidade de perigos

exista e não seja meramente deduzida de uma proximidade suposta ou

presumível (3) e que esteja em perigo um bem jurídico concreto.

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Dever de agir?

Dever específico de assistência a um titular de bens jurídicos

Solidariedade natural

Estreita relação de comunidade

Assunção fáctica voluntária de

deveres de custódia

Relações da comunidade de

perigo

Dever de vigiar uma fonte de perigo

Comportamento prévio perigoso

Âmbito social de domínio

Dever de vigiar a ação de terceiros

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Por exemplo, um conjunto de pessoas que decide fazer uma escalada e, a certa

altura, uma delas escorrega. Será que os outros têm dever de agir? Face ao

exposto, em princípio sim, verificados os pressupostos acima referidos.

Porém, Fernanda Palma considera que só pode haver responsabilização nestes

casos se fosse previsível para o agente a responsabilidade inerente à sua

atividade; assim, tal só existirá se houver uma auto vinculação de

responsabilidades ainda que implícita por parte do agente. Se alguém vai

esquiar com um amigo para um sítio perigoso e dá-se uma avalanche, em que

um deles fica soterrado, só podendo salvá-lo com algum risco pessoal, não será

aceitável equiparar a omissão de socorro à ação causal omissiva.

Quanto ao segundo grupo, este pode derivar:

1. De um comportamento prévio perigoso – situações de ingerência; assim, o agente

tem de vigiar uma situação de perigo cuja mesma foi da sua responsabilidade.

Há uma discussão interessante na doutrina de saber se o comportamento prévio

perigoso pode ou não ser uma conduta lícita ou terá de ser sempre uma conduta

ilícita. Fernanda Palma considera que caso a pessoa atue em legítima defesa, não

existe dever de agir pois ele não ultrapassou a sua esfera de liberdade de ação própria

e por isso não adquiriu nenhuma responsabilidade pelos bens da esfera privada de

outrem; já Figueiredo Dias considera que poderá haver especial dever de agir.

Porém, e o que acontece quando alguém está a guiar o seu carro e os travões deixam

de funcionar? Haverá ação? Em princípio não pois a pessoa não tinha a possibilidade

de controlar a ação. Neste caso, a Professora Fernanda Palma considera que já há o

dever de vigiar a fonte de perigo.

Mas até onde deverá ir a solidariedade humana? Esta é uma das grandes questões do

Direito Penal.

Para a Professora Fernanda Palma, depende do comportamento prévio. Se ele

for lícito, não há qualquer dever de agir; exceção: carro que avaria pois não faz

sentido fazer a outra pessoa suportar a intromissão do agente da esfera jurídica

do outro.

2. Âmbito social de domínio – deve-se poder confiar em quem exerce o poder de

disposição sobre um determinado âmbito de domínio. Por exemplo, o dever do

controlador aéreo que tem o dever de vigiar a fonte de perigo que resulta do seu

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âmbito de domínio. Por outro lado, qualquer pessoa que possua um estabelecimento

comercial, tem o dever de conservar as condições de segurança e precaver os perigos

que podem advir dessa atividade.

3. De um dever de vigiar a ação de terceiros por parte de quem exerce sobre esse

terceiro um poder de domínio ou de controlo (por exemplo, pais, professores, etc.).

Conceção Formal Material

Figueiredo Dias propõe a conjugação das teorias formais e materiais pois vai buscar à

ideia de solidariedade natural para com o outro, a principal fonte do especial dever de

agir e, nesse sentido, falamos em critério material. Porém, tal não basta, sendo preciso

que essa solidariedade material tenha apoio num vínculo jurídico que é retirado do

sentido da ilicitude material.

Quando, face, a um certo tipo de crime, se chegar à conclusão que o desvalor

da omissão corresponde no essencial, ao desvalor da ação, então a tal

solidariedade natural passa a ter um apoio na norma do ilícito.

Quando o dano à sociedade é tão grave como aquele bem por ação, deve haver

equiparação entre ação e omissão. Figueiredo Dias considera que a solidariedade

natural é essencial para descobrir a gravidade do dano; isto é essencial pois estamos a

restringir a liberdade do agente caso consideremos que o sujeito tem o dever de agir.

As situações de monopólio

Face a isto, existe uma discussão de saber se existe o especial dever de agir nas

chamadas situações de monopólio. Estas situações são:

Acidentais;

Instantâneas, criadas pelo destino ou acaso;

Limite, uma vez que o agente é a única pessoa que está em posição de evitar o

resultado, sendo que evitá-lo não exige grande esforço.

Por exemplo, A está na praia, a água está calma, e vê B a afogar-se. Para o salvar, a

pessoa apenas precisa de dar o braço a outro. Será que esta pessoa tem o especial

dever de agir?

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Outro exemplo: A está a passear numa rua deserta e vê B, invisual a caminhar no meio

da estrada onde será provavelmente atropelado. Será que A tem o dever de ir

encaminhar a pessoa para o passeio?

Há uma parte da doutrina que entende que não existe especial dever de agir,

mas apenas um dever moral.

Há outra parte da doutrina que diz que, nestes casos, faz sentido haver um

especial dever de agir.

Para Bárbara Sousa Brito, esta situação está ligada com a ideia de

solidariedade natural, havendo especial dever de agir. São situações limite.

Fernanda Palma considera que não existe especial dever de agir porque não se

pode ficcionar que o agente tenha aceitado o dever de evitar a morte de

outrem nestas situações. Quando alguém vai à praia, não está à espera de que

vá acontecer algo do género. Por outro lado, no caso de A acompanhar B ao

hotel, terem relações sexuais e B vem a ter um ataque cardíaco. A, sai do

quarto e B morre por falta de assistência médica; nestes casos, a pessoa já se

auto vinculou ao dever de agir.

Para Figueiredo Dias, desde que haja (1) um número de pessoas que se consiga

determinar, (2) uma situação de domínio fáctico absoluto e (3) um perigo para

o bem jurídico iminente, existe especial dever de agir. Neste sentido, André

Leite afirma que o dever de agir assenta na abissal desproporção entre o bem

jurídico em perigo e o esforço exigido ao omitente no decurso do processo

salvador.

Nos EUA, um homem casado resolveu passar o fim de semana com uma senhora e

durante esse fim de semana a senhora ingeriu uma dose de morfina e a mesma

morreu porque não foi assistida. Neste caso, o STJ considerou que ele não tinha o

especial dever de agir, pois não existia um domínio fáctico absoluto.

Caso prático

1. A, tendo ficado grávida, ocultou o facto a todos. Quando sentiu as dores do

parto, fechou-se no quarto da sua residência e não pediu nem aceitou a

possível ajuda à criança. Nascida a criança, não laqueou o cordão umbilical

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nem desobstruiu as vias respiratórias do recém-nascido, o que ocasionou a

sua morte. Quid iuris?

Haverá uma ação jurídico-penalmente relevante? Claro, é uma ação controlada pela

vontade. Haverá uma ação em sentido estrito ou uma omissão?

Uma omissão, pois, a pessoa não foi ao hospital, não chamou ajuda. O

relevante é o não ter diminuído o risco. Já na ação, o agente aumenta o risco, o

que não acontece. Como próximo passo, teremos de ver se existe especial

dever de agir. A pessoa tinha o dever de vigiar aquele titular pela relação de

solidariedade natural que mantinha com o filho.

2. António e Bento estavam a trabalhar num andaime situado a 5 metros do

solo quando este último, vítima de um choque elétrico que o projetou para

trás, empurrou António, fazendo-o cair do andaime. António ficou

gravemente ferido. Bento, imigrante brasileiro em situação ilegal, receando

vir a ser descoberto, decidiu vir a fugir do local sem prestar qualquer auxílio a

António. Determine a responsabilidade criminal de Bento na hipótese de

António vir a falecer por não ter sido tempestivamente auxiliado.

Será a ação que decorre do choque elétrico é jurídico-penalmente relevante? Não, é

como se o corpo da pessoa fosse um corpo morto, sem qualquer atividade – ato vis

absoluta.

Posteriormente, teremos de avaliar o comportamento de Bento, que desaparece do

local. Estamos claramente perante uma omissão: há um risco para a vida de outrem e

Bento nada faz para o evitar. Mas teria o especial dever de agir?

Neste caso, não faz sentido colocar o risco que Bento criou na esfera de

outrem. Assim, deverá haver especial dever de agir.

Se se verificar que existe dever especial de agir, não se pune por omissão pura, mas

sim por impura.

A constitucionalidade do artigo 10/2

É ou não constitucional o artigo 10/2 do CP, ao equiparar a ação à omissão quando

haja especial dever de agir? Para maior parte da doutrina, este especial dever de agir

deverá ser encontrado pelo critério material.

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Coloca-se então em causa o princípio da tipicidade, no âmbito do princípio

“não há crime sem lei”.

Para Bárbara Sousa Brito, a ação e a omissão são realidades que se inserem no mesmo

género do comportamento humano, quando o legislador afirma “quem matar

outrem”, está a prever a morte por ação ou por omissão. Assim, o artigo 10/2 atua

como uma cláusula restritiva.

Por outro lado, há quem considere que a omissão é um juízo de valor, o que significa

que não existe uma norma determinada; assim, existe violação da constitucionalidade.

Assim, para Figueiredo Dias, este artigo é compatível com o sentido garantístico do

princípio da legalidade, embora defenda que o legislador deveria incluir um artigo no

CP que incluísse quais as situações em que existe um especial dever de agir.

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A Tipicidade Depois da conclusão pela existência de uma ação jurídico-penalmente relevante, há

que analisar se essa ação é típica.

A tipicidade foi criada pela Escola Clássica, nomeadamente por Beling. Assim, teremos

de ver se aquela conduta se subsume a um determinado tipo legal de crime.

Este conceito de tipo é um conceito de tipo indiciário.

O tipo indiciário e o tipo essencial

O tipo indiciário abrange as circunstâncias descritas na previsão do tipo legal. Não

obstante, este tipo é um conceito mais amplo do que o de Beling pois, nesta altura,

cabe também no tipo indiciário, aquelas circunstâncias que se encontram nas

chamadas normas extensivas da punibilidade.

A tentativa e a comparticipação são normas extensivas da punibilidade.

Quando está preenchido o tipo, indicia-se a ilicitude do comportamento que será

avaliada pela técnica negativa da exclusão. Se se verificam causas de exclusão da

ilicitude, não há ilicitude.

Já o tipo essencial abrange o conjunto das circunstâncias de que depende a

consequência final descritas não só na norma incriminadora como noutras normas.

Elementos objetivos e subjetivos do tipo

Temos de averiguar ainda se estão presentes os elementos objetivos do tipo – ação,

agente, objeto de ação, bem jurídico, resultado e imputação objetiva do resultado à

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conduta do agente – assim como os elementos subjetivos do tipo – dolo (direto

necessário ou atual) ou negligência (consciente ou inconsciente).

Maior parte da doutrina entende que, sempre que teremos de subsumir uma ação ao

tipo, averigua-se a presença dos elementos objetivos e apenas os elementos

subjetivos. Porém, Bárbara Sousa Brito tem um entendimento diferente.

Classificações de crime com base nos elementos objetivos do tipo – o agente

O autor da ação será, em princípio, uma pessoa individual, mas que pode ser também

um ente coletivo (situação rara).

Consoante o autor, distinguem-se dois tipos de crimes:

Crimes gerais ou comuns – pode ser realizado por qualquer pessoa. Por exemplo, o

homicídio (artigo 131 do CP: “quem matar outra pessoa (...)”) ou o furto (artigo 203 do

CP);

Crimes específicos – é um crime que só pode ser efetuado por determinadas pessoas

com certas qualidades. Por exemplo, o crime de omissão de auxílio médico (artigo 284

do CP: “o médico que (...)”).

Dentro dos crimes específicos temos ainda:

Crimes específicos impróprios – são aqueles que têm correspondência com

outro crime que pode ser praticado por qualquer pessoa, isto é, é uma variante

de um crime fundamental que pode ser praticado por qualquer pessoa. Porém,

o facto de ter sido praticado por aquela pessoa, agrava a responsabilidade (por

exemplo, se houver violação de domicílio praticada por qualquer pessoa,

teremos de recorrer ao artigo 190; porém, se esse crime for praticado um

funcionário, aplicamos o artigo 378 do CP). Em suma, a qualidade especial do

autor agrava a responsabilidade penal.

Crime específico próprio – são aqueles crimes que não têm correspondência

com outros crimes e por isso só podem ser praticados por pessoas com

determinadas qualidades (por exemplo, a omissão impura que só pode ser

praticado por quem tem especial dever de agir ou o artigo 370 do CP). Nestes

casos, a qualidade especial do autor fundamenta a responsabilidade penal.

Autonomamente, existem ainda:

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Crimes de nome próprio ou mão própria – são crimes que só podem ser

praticados na forma de autoria direta e singular, isto é, o crime só pode ser

praticado pelo próprio (por exemplo, bigamia).

Classificações de crime com base nos elementos objetivos do tipo – a ação típica

Ação;

Omissão.

(ver capítulo acima relativo à ação jurídico-penalmente relevante)

Classificações de crime com base nos elementos objetivos do tipo – objeto da ação

Trata-se de um objeto do mundo exterior ao qual ou em relação ao qual se realiza a

ação típica. Aqui, não existe qualquer tipo de distinção.

Classificações de crime com base nos elementos objetivos do tipo – o bem jurídico

Segundo Figueiredo Dias, podemos definir bem jurídico como a expressão de um

interesse da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo

estado, objeto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso juridicamente

reconhecido como valioso.

Dentro do bem jurídico, distinguem-se os crimes:

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Bem jurídico

Crimes de lesão

Crimes de perigo

1º classificação

Abstrato

Concreto

Abstrato e concreto

2º classificação

Singular

Comum

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De dano ou de lesão – é um crime para cuja consumação a lei exige a efetiva

lesão do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora (por exemplo, crime

de homicídio – artigo 131 do CP);

De perigo – ao contrário dos crimes de dano, não implicam a efetiva lesão do

bem jurídico, sendo que a colocação em perigo do bem jurídico surge como

fundamento da punição.

Dentro dos crimes de perigo, temos:

Os crimes de perigo abstrato12 – para o tipo estar preenchido basta haver uma

ação adequada a produzir o crime, não sendo necessário que o perigo seja

comprovado no caso concreto (por exemplo, o crime de condução por

embriaguez ou o crime de porte de arma proibida).

Os crimes de perigo concreto – são aqueles para cuja consumação já se exige

que seja realmente colocado em perigo determinado bem jurídico, sendo que

o perigo faz parte do tipo (por exemplo, o crime de exposição ao abandono –

artigo 138 – em que é preciso provar que a criança correu perigo para punir o

agente; temos ainda como exemplos, os artigos 291 e 272 do CP).

Crimes de perigo abstrato concreto – o próprio tipo exige que a ação tenha de

ser adequada a causar perigo; desta forma, o perigo converte-se em parte

integrante do tipo e não num mero motivo de incriminação, como sucede nos

crimes de perigo abstrato. Por exemplo, o artigo 139 do CP.

Dentro dos crimes de perigo temos ainda:

Crimes de perigo singular – um só bem jurídico é colocado em perigo – por

exemplo, artigos 138 e 180 do CP.

Crimes de perigo comum – são aqueles em que são colocados em perigo um

conjunto de bens jurídicos – por exemplo, artigos 21013 ou 263.

12 Tem sido levantada a questão da constitucionalidade deste tipo de crimes por constituírem uma tutela

demasiado avançada de um bem jurídico, colocando em risco o princípio da legalidade e o princípio da

culpa. Todavia, a doutrina maioritária e o próprio TC têm considerado a não inconstitucionalidade deste

tipo de crimes quando visem a proteção de bens jurídicos de grande importância, quando for possível

identificar claramente o bem jurídico tutelado e a conduta típica for descrita de uma forma tanto

quanto possível precisa e minuciosa. Figueiredo Dias considera que a criação da categoria dos crimes de

perigo abstrato concreto é uma resposta a esta possível inconstitucionalidade.13 Neste crime, tutelam-se os bens jurídicos propriedade e integridade física.

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Classificações de crime com base nos elementos objetivos do tipo – o resultado

O resultado é o evento espaço temporalmente separado da ação. Aqui, distinguem-se:

Os crimes formais – são crimes onde não é necessário verificar-se um certo

resultado para o tipo ficar preenchido; por isso, basta que se verifique uma

certa conduta. Podem ser por ação14 (crimes de mera atividade) ou omissão

(omissão pura).

Os crimes materiais ou de resultado: são aqueles crimes que pressupõem a

verificação de um certo resultado para o tipo ficar preenchido. Podem existir

crimes materiais por ação15 ou crimes formais por omissão (omissões impuras);

Quanto ao elemento resultado, não é possível confundir o mesmo com lesão de bem

jurídico pois o resultado, por vezes, não é a lesão do bem jurídico.

14 Por exemplo, violação de domicílio (190 do CP) ou coação sexual (163 do CP). 15 Por exemplo, homicídio (131 do CP) ou ofensas à integridade física (143 do CP).

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O resultado

Crimes materiais

Por ação

Omissão impura

Crimes formais

Crimes de mera atividade

Omissão pura

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Além disso, existem crimes de lesão que não são crimes de resultado – por exemplo, a

violação de domicílio em que não existe qualquer resultado, mas sim lesão do bem

jurídico, vida privada.

A propósito do momento da consumação distinguem-se:

Crimes instantâneos: quando o tipo está preenchido ou concluído com a

provocação de determinado resultado ou estado. Por exemplo, o crime de

homicídio;

Crimes duradouros eu permanentes: o tipo fica preenchido com a criação de

determinado estado, mantendo-se o crime enquanto subsiste o estado criado

pelo autor. Por exemplo, o crime de condução com álcool.

Classificações de crime com base nos elementos objetivos do tipo – imputação

objetiva do resultado à conduta do agente

O sentido do problema

Quando temos um crime de resultado é essencial que impute o resultado objetivo à

conduta do agente. Tendo em conta o princípio da culpa, só é possível atribuir

responsabilidade criminal quando se consiga atribuir uma ligação objetiva do sujeito

ao facto. Isto implica que não só a ação, mas também o resultado sejam controláveis

pelo agente.

Já a imputação da ação ao agente analisa-se no pressuposto do crime ação.

Em primeiro lugar teremos de saber se aquele resultado foi causado pela ação; tem de

existir uma relação causal. Segundo Figueiredo Dias, esta é a exigência mínima do

processo de imputação do resultado à conduta do agente.

Porém, não basta provar a relação causa efeito, mas temos de conseguir atribuir o

resultado à conduta do agente sob o prisma de uma justa punição. No fundo, teremos

de determinar se tal resultado pertence ao universo de resultados que a norma quer

impedir com a proibição.

Isso implica que aquele resultado seja, em última análise, controlado ou

controlável pelo agente.

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Os passos lógicos

Mas quando podemos imputar o resultado à conduta do agente? Teremos de ir passo

a passo:

1. A causalidade e a teoria da conditio sine qua non como exigência mínima

Em primeiro lugar, teremos de averiguar a relação causa-efeito entre ação e

resultado; a relação causal é uma relação estabelecida por uma lei causal

segundo a qual, verificados certos antecedentes, se verificam certos

consequentes. Esta lei é obtida pelo método da indução entre um antecedente

e o consequente no sentido de que, se se verifica o antecedente, verifica-se o

consequente. Mas como averiguar isto na prática?

Teremos de aplicar a teoria da conditio sine qua non ou teoria das condições

equivalentes16. De acordo com esta teoria, uma ação é causa do resultado

quando esta não pode suprimir-se mentalmente sem que desapareça o

resultado tal como se produziu. Teremos de fazer um juízo hipotético que se

traduz em eliminar mentalmente a ação e perguntamos se o resultado mesmo

assim subsiste. Se subsiste, é porque não foi causal. Se não subsiste, é porque

foi causal, havendo uma indivisibilidade da ação e do resultado17.

Por exemplo, o caso de A que dispara sobre B. B é socorrido por uma

ambulância e vem a morrer em virtude de um acidente rodoviário. Podemos,

neste caso, estabelecer uma relação causa efeito pois se eliminarmos

mentalmente a ação de A, B não teria falecido por via do acidente, mas tal não

basta para provar a imputação objetiva à conduta do agente18.

16 Esta é a teoria mais antiga para analisar a relação causa-efeito em Direito Penal. 17 Figueiredo Dias entende que esta teoria falha nos casos da causa virtual (por exemplo, A dá um tiro a

B quando este tem um AVC; neste caso, se eliminássemos a conduta do agente, o resultado subsistiria) e

casos de dupla causalidade ou causalidade alternativa. Por outro lado, casos existem em que é muito

difícil eliminar mentalmente o resultado e perceber se a ação subsiste. Vejamos o exemplo de

Figueiredo Dias: será condição sine qua non da morte das pessoas, o facto de se alimentar o gado

bovino com rações animais e com isso provocar neles a doença das vacas loucas, cuja carne será

consumida por pessoas que posteriormente contraíram uma doença mortal? 18 Teresa Beleza afirma que esta teoria é defeituosa pois, em última análise, estaríamos perante

exageros inqualificáveis: A e B são casados e geraram C; aos 18 anos, C matou D; se eliminássemos

mentalmente o facto de A e B terem casado, D não teria morrido. Assim, teremos de imputar o

resultado (morte de D) à conduta de A e B? Claro que não, pois se assim fosse, chegaríamos facilmente a

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2. A teoria da adequação e teoria do risco

A teoria sine qua non, embora sempre necessária, não é suficiente para se

constituir em si mesma como doutrina da imputação objetiva. Assim, teremos

de imputar o resultado à conduta do agente com recurso a mais duas teorias

que ajudam a resolver esta questão: (1) a teoria da adequação e (2) teoria do

risco. Sem uma resposta afirmativa a estas três teorias (contando com a teoria

sine qua non) não poderemos imputar o resultado à conduta do agente,

segundo Figueiredo Dias. Já Bárbara Sousa Brito considera que deve apenas ser

aplicada a teoria do risco e a teoria das condições equivalentes, embora

reconheça que deveremos, em sede de caso prático, proceder a análise de

todas.

2.1 A teoria da adequação

Segundo a teoria da adequação ou teoria da causalidade adequada19, terá de

se colocar um Homem médio na conduta do agente e perguntar-se se lhe era

previsível aquele resultado e aquele processo causal concreto. Assim, nem

todas as condições são relevantes, mas apenas aquelas que, segundo as

máximas da experiência e a normalidade do acontecer, são idóneas de produzir

o resultado20.

Utiliza-se um Homem médio pois este Homem conhece as regras da

experiência que, naquele momento são conhecidas, colocando-se na posição

do agente. Caso o agente tenha conhecimentos especiais, o homem médio terá

esses conhecimentos especiais, que a generalidade das pessoas não dispunha;

fazemos então um juízo de prognose póstuma, ou seja, de previsão à

posteriori. Assim, em princípio, a atuação de terceiros que se integrem no

Adão e Eva.

Em suma, dentro da teoria das condições é não só impossível delimitar até onde é que faz sentido dizer

o que é causa de um certo resultado para o Direito Penal, como por outro lado, é difícil fundamentar

como é que se escolhe ou como se fundamenta que uma certa circunstância seja considerada como

causa e a outra não. 19 Figueiredo Dias defende que o CP (artigo 10) acolheu esta teoria, quando refere “ação adequada”. 20 Consequências imprevisíveis, anómalas ou de verificação rara são pois juridicamente irrelevantes.

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processo causal desencadeado pelo agente excluirá a imputação, salvo se ela

aparecer como previsível e provável.

Passando aos exemplos, no caso acima estudado da ambulância, o homem

médio, colocado na posição do agente, não conseguiria prever o processo

causal, pelo que não poderíamos ter imputação objetiva.

Outro caso interessante é o caso da talidomida. Um conjunto de mulheres

grávidas que tinham certas perturbações mentais nervosas tomaram este

medicamento que era adequado para a sua doença. Só mais tarde, quando os

bebés começaram a nascer, percebeu-se que os mesmos nasciam com

malformações. A dúvida que se colocou era a de saber se se podia atribuir

essas malformações ao médico que prescreveu aquele medicamento. Assim,

para maior parte da doutrina, o médico médio, colocado na posição do médico

em causa não conseguiria prever aquele processo causal uma vez que não

haveria qualquer indicação que o medicamento trouxesse tais consequências21.

Porém, esta teoria tem as suas falhas, havendo 4 casos que a teoria da

adequação não consegue resolver satisfatoriamente. É por isso que a teoria

atual é a teoria do risco.

2.2 Teoria do risco

De acordo com a teoria do risco, o resultado pode ser imputado à conduta do

agente quando (1) o agente cria, aumenta ou não diminui um risco proibido

para o bem jurídico e (2) esse risco concretiza-se no resultado típico.

Barbara Sousa Brito considera ainda que tem de existir uma conexão entre o

risco criado e o resultado obtido.

Esta teoria consegue assim resolver os seguintes casos que a teoria da

adequação não conseguia resolver.

Casos de diminuição do risco: são casos em que o agente intervém no processo

causal para diminui o risco. Devido a essa intervenção, haverá imputação

objetiva? Vejamos.

21 De acordo com a teoria das condições aparentes, existia ação causal.

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A, tem uma arma apontada à cabeça de B; no momento em que A dispara, C dá

um safanão no braço de A, com o objetivo de que a arma dispare para o pé de

B. Poderemos imputar objetivamente as ofensas corporais ao C?22

- A ação foi causal, nos termos da primeira teoria.

- Já o homem médio colocado na posição de C conseguia prever aquele

resultado causal.

Então iriamos imputar o resultado objetivo a C? Tal não faz sentido pois o

agente diminuiu o risco; a teoria da adequação falha nesta questão, sendo

essencial recorrer à teoria do risco.

Silva Dias considera que nestas situações estamos perante ações de

salvamento e, por isso, resolve-se logo no conceito de ação, afirmando que

esta ação não é jurídico-penalmente relevante.

Casos de criação de risco permitido ou não existe a criação de um risco

juridicamente desaprovado: são situações em que existe uma conduta

adequada a produzir um resultado só que o mesmo não deverá ser imputado

ao agente pois a conduta praticada não é proibida porque (1) o agente atuou

dentro dos limites que a lei impõe ou (2) a ação ocorre dentro do âmbito de

atividade social regulada por regras de cuidado que não são violadas. Nestes

casos, o agente pratica uma conduta socialmente normal.

Por exemplo, o sobrinho que compra um bilhete de avião para a tia na pior

companhia aérea do mundo para receber a herança e o avião efetivamente cai.

De acordo com a teoria da adequação, tal seria imputado ao agente. Já de

acordo com a teoria do risco, é permitido pois esta conduta não é proibida.

Outro exemplo é o caso de uma mulher que compra cogumelos há 10 anos na

esperança que o marido morra. Um dia compra então um cogumelo venenoso

e o marido morre. Também não existe imputação do resultado à conduta do

agente, segundo esta teoria pois, quer neste exemplo, quer no exemplo acima,

22 Outro exemplo dado por Figueiredo Dias: A empurra B, causando-lhe leves lesões a fim de que este

seja atropelado por um veículo conduzido por C. Também não existe imputação objetiva do resultado à

conduta do agente.

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tratam-se de riscos que fazem parte da vida normal: comer um cogumelo,

podendo ser venenoso ou andar de avião, podendo o mesmo cair23.

Figueiredo Dias dá outros exemplos:

- A vai na estrada em dia de chuva. Não obstante ter todos os cuidados, perde o

controlo do seu carro devido a um inesperado lençol de água na estrada e

embate violentamente no automóvel de B que seguia em sentido contrário,

acabando B por falecer. Neste caso, Figueiredo Dias defende que o agente se

manteve dentro do risco permitido, não lhe devendo ser imputado qualquer

resultado.

- O médico A receita um medicamento ao paciente B, não havendo qualquer

razão para supor que ele era hipersensível ao medicamento. B vem a falecer 10

dias depois em virtude da toma do medicamento. Segundo Figueiredo Dias,

estamos perante um risco geral de vida, uma vez que o médico não era

obrigado a falar TODOS os exames complementares para saber se o doente era

hipersensível a qualquer componente do medicamento.

Casos de comportamento lícito alternativo: este grupo de casos faz parte das

situações em que teremos de aplicar critérios complementares à teoria do

risco. De acordo com esses critérios, deve afastar-se a imputação objetiva

quando se demostre que caso o agente tivesse atuado licitamente, mesmo

assim o resultado ter-se-ia produzido nas mesmas circunstâncias do tempo,

modo e lugar. São situações em que seria injusto punir o agente porque, na

realidade, o seu comportamento foi irrelevante para o processo causal que

conduziu ao resultado.

Vejamos o caso muito famoso dos pêlos de cabra. Um fabricante chinês de

pincéis para a barba adquiriu pêlos de cabra ao seu fornecedor para produção

dos tais pincéis. Porém, esqueceu-se de passar os pelos de cabra pelo processo

de desinfeção que eles tinham de passar. Daqui resultou que dois

23 Teresa Pizarro Beleza dá ainda outro exemplo interessante: A é dono de um monte no Alentejo e

manda B, seu empregado, ir apanhar laranjas num dia de tempestade, sabendo que a mesma era

particularmente violenta, havendo possibilidade de queda de raios. Quando vai apanhar laranjas, cai um

raio em cima de B e o mesmo vem a falecer em consequência desse acontecimento. Mais uma vez não

existe imputação objetiva do resultado (morte) à conduta do agente pois trata-se de um risco de vida

normal.

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trabalhadores morreram por via de uma infeção. Veio a provar-se que aquela

bactéria que matou os trabalhadores não teria desaparecido porque era

totalmente desconhecida naquele momento. Aqui, não existe qualquer

imputação objetiva pois o resultado teria tido seguramente lugar. Segundo

Roxin, não podemos afirmar sequer que o comportamento do agente criou um

risco não permitido.

Outro exemplo: António, atira-se do 15º andar com objetivo de se suicidar. O

senhor Carlos está na sua casa a limpar a espingarda e dispara sem querer e

atinge António que está a cair. Nestes casos, maior parte da doutrina considera

que existe imputação objetiva pois uma coisa é morrer do tiro e outra é morrer

da queda.

Roxin indica ainda outro exemplo: um camionista ultrapassa um ciclista bêbado

e ao fazê-lo não obedece às regras de segurança que devia ter obedecido. O

ciclista, com a ultrapassagem assusta-se e vai parar à roda de trás do camião.

Provou-se em tribunal que caso o camionista tivesse obedecido às normas de

segurança, provavelmente, o resultado ter-se-ia verificado nas circunstâncias

de tempo, modo e lugar. Roxin vem dizer que só se pode aplicar o critério do

comportamento lícito alternativo quando a resposta é conclusiva. Já outra

parte da doutrina (Figueiredo Dias, por exemplo) defende que, quando se

provar que provavelmente o resultado se teria verificado, teremos de aplicar o

princípio in dúbio pro reu. Como a dúvida é de facto, poderemos aplicar este

princípio e afastar a imputação objetiva.

Outros tipos de casos: tem de aplicar o critério do âmbito da proteção da

norma. São situações em que o resultado cai fora do fim da norma de

proteção. Assim, não deve haver imputação objetiva quando o resultado

produzido não é nenhum daqueles a que a norma visou salvaguardar ou limitar

ao proibir determinado comportamento; nestes casos, o agente não criou o

risco que a norma violada queria impedir.

Imaginemos que estavam dois ciclistas a andar numa estrada à noite, um atrás

do outro, sendo que nenhum leva a luz acesa do farol. Em certa altura, aparece

um terceiro ciclista em sentido contrário e choca com o primeiro e morre. Será

que podemos imputar o resultado à conduta do segundo? Se o segundo ciclista

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tivesse cumprido a norma de cuidado a que estava adstrito, o resultado não se

verificaria, tendo aumentado o risco. Quando à primeira teoria, encontra-se

verificada pois se eliminarmos mentalmente a conduta do agente (não ir com a

luz acesa), o resultado não se teria verificado. Quanto à teoria do risco, existe

aumento do risco proibido; existiu um resultado e o facto materializou-se no

resultado morte, embora a norma que proíba a circulação noturna sem luzes só

tenha como fim evitar acidentes que sejam causados diretamente pelo próprio

veículo e não impedir outro choque com terceiros. Assim, justifica-se a criação

deste novo critério.

O Professor Figueiredo Dias dá outro exemplo24: imaginemos um homem (A)

que resolve ultrapassar um carro perto de uma passadeira. Porém, o homem

que ele estava a ultrapassar (B), sem avisar, vira para a esquerda e o passageiro

do carro de B morre. Poderemos atribuir a morte ao homem que ultrapassou?

A norma violada não tinha como fim prevenir os perigos da manobra de A, pelo

que não lhe é imputável o resultado.

De Roxin, poderemos retirar outro exemplo. A, nadador salvador está distraído

enquanto B se está a afogar. C lança-se à água, morrendo na tentativa de

salvamento. Será que podemos responsabilizar A pela morte de C? Não, pois a

esfera de proteção da norma não abarca estes danos indiretos.

Casos especiais

A propósito da imputação objetiva surgem duas situações:

Casos de causa cumulativa: são situações em que há mais do que uma

conduta e ambas as condutas são necessárias para a produção do resultado;

por si só, uma conduta não é idónea a produzir o resultado.

Por exemplo, A deita uma dose de veneno num copo que não é suficiente para

matar C; B, sem saber do que A fez, deita uma dose de veneno no mesmo copo

que também não é suficiente para matar. Porém, as duas doses juntas já são

suficientes para causar a morte. Haverá imputação objetiva do resultado

morte? São ações causais e, de acordo com a teoria do risco existe um

aumento do risco. Porém, não há conexão entre o risco criado e o resultado

obtido.

24 Ver acs. da Relação do Porto de 25/06/97 e 09/07/2003.

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Caso houvesse dolo, apesar de não haver imputação objetiva, poderia punir-se

por tentativa. Já se houvesse negligência, seria apenas possível punir por

ofensas à integridade física.

Porém, se os dois soubessem um do outro e haver acordo entre os dois,

existiria um caso de coautoria.

Casos de causa alternativa ou causalidade redundante: são situações em que

são colocados dois processos causais paralelos a funcionar, sendo que cada um

deles é suficiente para causar o resultado.

Por exemplo, A coloca no copo veneno suficiente para matar e, logo a seguir, B

faz o mesmo.

Nestas situações, toda a doutrina considera que os dois seriam punidos pelo

crime de homicídio pois criaram um risco proibido e esse risco concretizou-se

no resultado. Existe causalidade pois se retirássemos uma ação, as condições

de tempo, modo e lugar seriam diferentes.

Outros casos de resolução mais complicada:

Casos de crimes agravados pelo resultado: imaginemos que A dá uma bofetada

ao B; B desequilibra-se, cai com a cabeça no bico da comoda e morre. Quid

iuris?

Esta figura está prevista no artigo 18 do CP e tem como principal característica

o dolo em relação ao resultado menos grave e negligência quanto ao crime

mais grave. Neste caso, A tinha dolo de ofensas e, para se falar nesta figura,

teria de ter negligência para se aplicar o artigo 18 do CP.

A questão é a de saber se é ou não previsível que B venha a morrer. Se não for

de todo previsível, não é possível atribuir o resultado à conduta do agente.

Porém, tem de haver ainda conexão entre o risco criado e o resultado do

agente.

Casos em que a vítima tem uma constituição anormal e o agente não sabia:

imaginemos que A dá um arranhão a um hemofílico. Nestes casos, nem sequer

pela teoria da causalidade adequada poderíamos imputar objetivamente a

conduta ao agente pois o Homem médio não conseguiria prever tal solução.

Porém, se A soubesse que B era hemofílico, não haveria qualquer dúvida de

que o resultado seria imputado à conduta do agente.

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Como resolver casos práticos?

Na análise do caso prático, teremos de começar por averiguar se existe uma ação

controlável ou controlada pelo agente; Bárbara Sousa Brito considera que deveremos

ir buscar o significado deste conceito a outras ciências.

Posteriormente teremos de ver se a ação se subsume ao crime, integrando-a no tipo. A

técnica de subsunção implica estar sempre a passar da norma para o caso concreto e

vice-versa.

Posteriormente, teremos de analisar os elementos objetivos e subjetivos do tipo.

Assim, quanto aos elementos objetivos:

Agente: quem pratica a ação, havendo determinados crimes que exigem que o

agente tenha certa qualidade (por exemplo, omissões impuras, em que só pode

ser punido por omissão quem tem especial dever de agir);

Ação típica: por exemplo, a ação de matar ou subtrair;

Objeto da ação: objeto em relação ao qual se realiza a ação (se A dispara sobre

B, será o B);

Bem jurídico;

Resultado, nos crimes que o exigem; nestes casos, teremos ainda de imputar o

resultado à conduta do agente, analisando as diversas teorias acima estudadas.

Quanto aos elementos subjetivos do tipo, teremos de determinar se existe dolo ou

negligência. Se concluirmos que não existe dolo, teremos de ir para negligência,

determinando se existe negligência consciente ou inconsciente.

Estando presente o tipo objetivo e subjetivo daquele tipo de crime, teremos de saber

se aquela ação típica é ilícita, apesar de o facto da ação ser típica já indiciar que ela é

ilícita. Porém, teremos de adotar a técnica negativa da exclusão, analisando se existem

causas de exclusão da ilicitude; caso não existam, passamos à culpa; caso existam,

termina neste momento a análise do crime. No âmbito das causas de exclusão da

ilicitude, teremos de perceber se estão presentes, quer os elementos objetivos, quer

os elementos subjetivos de cada causa.

No âmbito da culpa (elemento difícil de análise), teremos de a analisar da mesma

maneira do que a ilicitude: técnica negativa da exclusão. Assim, teremos de averiguar

se, naquele caso concreto, estão ou não presentes causas de exclusão da culpa (por

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exemplo imputabilidade) em sentido amplo. Caso existam, termina a análise da culpa;

caso não existam, teremos de prosseguir a análise do crime.

Por último, teremos ainda de verificar a punibilidade da conduta que é uma espécie de

figura residual do crime pois acrescenta elementos extrínsecos ao facto típico ilícito

que o legislador exige para que o comportamento tenha relevância penal. Assim,

analisaremos:

As condições objetivas de punibilidade;

Causa pessoal de isenção da pena.

Casos práticos

1. A e B discutem irritamente. A certa altura, A decide por fim à discussão,

apontando uma pistola ao peito de B. No momento em que A dispara, C, que

estava ao lado de A, empurra-lhe a mão e com isso consegue que o projétil só

acerte nos intestinos de B, em vez de acertar no peito. B é transportado de

urgência para o hospital, constatando-se que só sofrera uma perfuração

traumática do intestino. Suponha, alternadamente, as seguintes subhipótese:

a) Operado de urgência, B vem, todavia, a falecer dois dias mais tarde,

em consequência de uma infeção intestinal;

C impediu que o tiro acertasse no peito e acertasse no intestino. Adotando a

posição do professor Silva Dias, que defende um conceito social de ação, a

mesma tem de ter uma consequência exterior e afetar negativamente a relação

do agente com a sociedade. Neste caso, podemos afirmar que estamos perante

uma ação de salvamento onde se pretende que o bem jurídico não seja

afetado. Assim, para Silva Dias, terminava aqui a análise da conduta de C.

Não adotando esta teoria, estávamos perante uma ação. Teremos então de

averiguar a imputação objetiva:

- A ação de C foi causal ao resultado;

- Colocando um homem médio na posição de C, haveria imputação objetiva;

- Só de acordo com a teoria do risco, teríamos uma resposta satisfatória, uma

vez que o agente diminuiu o risco produzido para o bem jurídico. Porém,

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teremos de provar que houve efetivamente diminuição do risco, constituindo a

prova possível.

Assim, não é possível imputar o resultado à conduta do agente.

Em relação a A, existe uma ação jurídico-penalmente relevante porque é

controlável pela vontade. Por outro lado, teremos então de avaliar se estão

presentes os elementos objetivos do tipo:

- Agente (A),

- Ação típica (matar),

- Objeto da ação (B),

- Bem jurídico (vida) e

- Resultado (morte).

A partir do momento em que existe resultado, teremos então de o imputar à

conduta do agente. Mas haverá imputação objetiva?

- Se eliminarmos mentalmente a conduta de A, o resultado subsiste nas

mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar? Claro que não, logo foi causal.

- Já de acordo com a teoria da adequação, colocando um homem médio na

posição do agente, poderia prever aquele resultado (morte)? Claro que sim

pois a morte produziu-se em consequência do tiro e daí estar preenchido o

processo causal, ainda que ele depois venha a falecer por via de uma infeção.

Já se tivesse existido negligência por parte do médico, não era previsível que o

agente previsse aquele resultado causal, não havendo imputação objetiva.

- Quanto à teoria do risco, A aumentou o risco. Mas será que se concretizou no

resultado morte? Se houve negligência ou apanhou determinada bactéria, não

é possível; teremos então de punir o agente em concurso aparente (relação de

subsidiariedade) por tentativa25 e ofensa à integridade física. Caso esse

resultado se tiver concretizado por via do tiro, teremos de punir por homicídio.

b) B morre logo após ter chegado ao hospital. Todavia, na autópsia

constata-se que sofria de um cancro em estado avançado que lhe

provocaria a morte em escasso tempo;

25 A tentativa não ocorre apenas quando não se dá o resultado. Sempre que não conseguirmos imputar

o resultado à conduta do agente, aplica-se a tentativa.

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Maior parte da doutrina considera que não tem qualquer relevância o

facto de ele ter um cancro. Em Direito Penal, a causa virtual26 não tem

relevância negativa porque não permite excluir a imputação objetiva.

Aplicando a teoria do risco é a única forma de punir o agente. Assim, é

irrelevante saber que ele irá morrer passado três semanas.

Não estamos perante um comportamento lícito alternativo; caso o

agente atuasse licitamente, ter-se-ia o resultado produzido nas mesmas

circunstâncias de tempo, modo e lugar? Claro que não.

Podemos atribuir o resultado à conduta do agente? Sim.

Quanto ao C, afastaríamos a imputação objetiva pela teoria do risco

pois ele diminuiu o risco.

c) D, esposa de B, que se encontrava no local da discussão e sofre do

coração, ao ver o desenrolar dos acontecimentos, sofre um ataque

cardíaco, vindo também a falecer.

Para uma parte da doutrina, neste caso, não existe ação; o homem que

disparou não praticou uma ação face à situação típica de homicídio da

esposa pois nunca conseguiu prever esse resultado. Neste caso, ele não

tinha a cognoscibilidade de realização do facto do típico, não havendo o

elemento subjetivo típico.

Por outro lado, para outra parte da doutrina (maioritária), existia uma

ação jurídico-penalmente revelante pois A tinha uma ação controlada

ou controlável pela vontade.

Estamos então perante um problema de imputação objetiva. Vejamos:

- De acordo com a teoria sine qua non há causalidade pois se

eliminarmos a conduta de A, o resultado morte da esposa desaparece.

- De acordo com a teoria da causalidade adequada o homem médio, em

princípio, não conseguiria prever aquele resultado. Porém, caso tivesse

conhecimento dos problemas de coração da esposa de B, já existiria

imputação segundo esta teoria.

26 A causa virtual é aquela que irá ocorrer por força de uma ação de terceiro ou de um acontecimento

natural.

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De acordo com a teoria do risco, o agente aumentou o risco e

concretizou-o no resultado morte? Não, pois, poderíamos ir para o

âmbito da proteção da norma; a norma visa abarcar os riscos que

resultam diretamente da conduta do agente e não os que resultam

indiretamente e não são previsíveis.

Porém, se o agente tivesse praticado o crime apenas para que a esposa

de B viesse a falecer de coração, claramente que já lhe é imputável o

resultado da morte de D. Teresa Beleza afirma que nestes casos existe a

utilização de um processo causal anormal e atípico para

propositadamente produzir um resultado premeditado. O facto de a

pessoa utilizar este processo atípico, não exclui a sua responsabilidade

penal.

2. Na autoestrada Lisboa-Porto, António lançou uma pedra sobre um automóvel

conduzido por Bento. Bento, atingindo no rosto por fragmentos do vidro

para-brisas, guinou, subitamente, embatendo num automóvel conduzido por

Carlota. Em consequência dos factos descritos, Carlota foi conduzida ao

hospital onde viria a falecer por não ter sido sujeita a uma intervenção

cirúrgica. Provou-se que se a intervenção tivesse sido levada a cabo, Carlota

ter-se-ia salvo. Bento, por seu turno, sofreu ferimentos graves. Provou-se que

Bento conduzia na ocasião do acidente, com taxa de 1,1 gramas por litro de

álcool no sangue.

António, veio a confessar ter lançado a pedra, mas afirmou que nunca pensou

que ela pudesse quebrar o vidro de um automóvel e muito menos provocar

ferimentos a alguém.

a. António preencheu, com a sua conduta, algum ou alguns tipos de

crimes?

Existe uma ação jurídico penalmente relevante? Sim, pois é foi controlada

ou controlável pela vontade.

Relativamente à ação típica, teremos de ver se ela se subsume a algum tipo

legal:

- 290 e 293 em que existe uma relação de subsidiariedade expressa;

- 143 relativamente à integridade física de B;

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- Homicídio?

b. Bento praticou alguma ação jurídico penalmente relevante?

Em relação a B, B não praticou uma ação jurídico penalmente relevante.

Estamos perante um ato automático.

Em relação ao álcool, Bento não preencheu qualquer tipo de crime pois

teria de ter 1,2 g/l de álcool no sangue.

c. A que conduta pode ser objetivamente imputada a morte de Carlota?

Segundo a teoria sine qua non, há imputação subjetiva. Já segundo a teoria

da causalidade e do risco, estaríamos dependentes de diversos fatores:

- Se o médico tivesse embriagado, não imputaríamos o resultado à conduta

de A pois interrompe-se o processo causal e o homem médio não

conseguiria prever que o médico estivesse nesse estado.

- Se a pessoa não fosse atendida a tempo no hospital porque o mesmo

estava lotado, esse risco já seria previsível para o agente, não se

interrompendo o processo causal e devendo o homem médio prever essa

situação.

Em suma, só devemos imputar resultados controláveis pelo agente; isso

implica a cognoscibilidade do processo causal.

d. A que conduta pode ser imputada objetivamente a ofensa corporal de

Bento?

Teríamos de afastar a ideia de comportamento alternativo lícito.

3. A e B são casados. Certo dia, ao chegar a casa, A constatou que B se

encontrava deitada no chão a esvair-se em sangue, presumivelmente por ter

caído e batido com a cabeça na esquina de uma mesa. A decidiu que não a

ajudaria, voltando imediatamente a sair. Pouco depois de A sair de casa,

chegou C que ligou para o posto médico da aldeia, solicitando a presença de

D, médico de serviço.

Aconteceu, porém, que este se encontrava profundamente embriagado,

ainda em consequência do bem regado almoço que acabara de saborear, não

estando sequer em condições de se suster em pé. Foi por isso solicitada a

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presença do médico da aldeia mais próxima que, devido à distância e ao mau

estar das estradas, chegou tarde demais.

Analise, até ao momento da tipicidade, os comportamentos de A e D.

A: Temos uma ação jurídico-penalmente relevante controlada pela vontade, na

forma de omissão uma vez A não diminuiu um perigo já existente, segundo a

doutrina de Roxin e Figueiredo Dias. Mas existiria especial dever de agir?

Dentro das omissões, trata-se de uma omissão impura pois é necessário um

resultado para o tipo ficar preenchido (artigo 10 do CP). Nas omissões impuras,

nem toda a gente tem o dever de agir; porém, baseado num vínculo jurídico –

casamento – A teria o dever de agir. Isto advém de uma relação de

solidariedade natural (artigo 131, conjugado com o artigo 10/2 do CP)27.

Assim, face à ação típica, existia um agente (A), um objeto da ação (mulher),

bem jurídico (vida), resultado (morte) mas haverá imputação do resultado à

conduta do agente?

- Segundo a teoria sine qua non sim, pois se eliminássemos mentalmente a

ação, a mulher não teria morrido;

- Segundo a teoria da causalidade adequada, o homem médio colocado na

posição do agente e tendo os conhecimentos do agente, não conseguiria

prever aquele processo causal. Porém, se o agente soubesse que, por exemplo,

o médico estaria bêbado ou que costuma ter almoços bem regados, já existiria

conhecimento.

- De acordo com a teoria do risco, existe aumento do risco; porém, é preciso

que esse risco se concretize no resultado? Não, pois, há uma interrupção no

processo causal feita pelo médico que cria um novo risco que se concretizará

no resultado morte.

Em suma, uma vez que não existe imputação objetiva, A será então punido por

tentativa do crime de homicídio por omissão, pois o seu resultado não foi

imputado à conduta do agente.

D: já quanto a D, ao estar embriagado e não atender atempadamente a

senhora, não diminuiu um risco proibido, sendo que essa não diminuição do

risco se concretizou no resultado morte.

27 Segundo o critério material.

51

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Classificações de crime com base nos elementos subjetivos do tipo – o dolo

Noções introdutórias

Maior parte da doutrina considera que teremos de primeiro analisar os elementos

objetivos e só depois os elementos subjetivos. Os elementos subjetivos do crime são:

Negligência;

Dolo.

A regra geral é a de que a lei penal requer o dolo; só a título excecional se pode punir

por negligência. Isto significa que, se não tivermos um tipo de crime previsto na forma

negligente, não é possível punir aquele tipo de crime a título de negligência. O

legislador terá de o punir de forma expressa28.

Por exemplo, o homicídio pode ser punido por negligência (137 do CP); já o

furto não pode ser punido por negligência pois não existe qualquer norma

nesse sentido.

Desta forma, Figueiredo Dias defende que entre o dolo e a negligência há uma

diferença de culpa.

Elementos do dolo

Há dolo quando existe conhecimento e vontade de realização do facto típico. Assim,

maior parte da doutrina considera que os elementos constitutivos do dolo são:

Elemento intelectual29 ou cognitivo que se traduz no conhecimento,

representação ou consciência da realização do facto típico. Assim, o agente

deve conhecer tudo quanto seja necessário a uma correta orientação da sua

consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à ação

intentada, para o seu caráter ilícito.

Elemento volitivo que se traduz na vontade de realizar o facto típico.

28 As penas dos crimes por negligência são (muito) mais reduzidas do que o crime praticado na forma

dolosa. Por outro lado, Figueiredo Dias afirma que apenas 1/10 dos crimes na parte especial do CP são

puníveis a título de negligência.

TERESA BELEZA: só se pode punir por negligência naqueles casos em que expressamente o CP diz que o

crime é punido sobre a forma de negligência. 29 FIGUEIREDO DIAS: Este elemento não basta pois também os crimes negligentes podem conter a

representação pelo agente de um facto que preenche um tipo de ilícito (a chamada negligência

consciente).

52

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Para o professor Figueiredo Dias existe mais um elemento do dolo:

Elemento emocional que se traduz numa consciência ética que vai permitir ao

agente resolver o problema da ilicitude do seu comportamento; assim, para

afirmarmos o dolo, teremos de provar uma atitude pessoal do agente contrária

ao dever jurídico-penal.

Isto relaciona-se com o conceito especial de culpa que Figueiredo Dias

apresenta. Quando o agente quer realizar o facto típico, ele tem,

necessariamente, uma atitude pessoal contrária à ordem jurídica, sendo muito

difícil separar o elemento emocional do elemento volitivo do dolo.

Já para outra parte da doutrina tal não faz sentido pois esta atitude do agente face à

ordem jurídica é um elemento comum ao dolo e à negligência, não devendo ser

analisado ao nível do tipo, mas sim da culpa. Assim, é na culpa que temos de analisar a

atitude do agente pessoal face à ordem jurídica, sendo um elemento autónomo do

dolo e da negligência.

A culpa é um juízo de censura que se faz ao agente pelo facto de, podendo-se

motivar pelo direito, não o ter feito. Assim, este juízo de censura exige como

elemento a atitude do agente face ao Direito.

Por exemplo, no caso da dinamarquesa que veio abortar a Portugal, parece

claro que há a separação destes elementos.

53

Conhecimento Vontade DOLO

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O elemento intelectual em especial

Num caso prático, teremos de provar os dois elementos do dolo. Vejamos, em mais

pormenor, o elemento intelectual, em que se exige que o agente conheça, saiba,

represente corretamente ou tenha consciência das circunstâncias de facto que

preenche um tipo de ilícito objetivo.

54

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Situações de erro ao nível do elemento intelectual

Erro, em Direito Penal, traduz-se não só na discrepância entre a representação do

autor e a realidade, mas também quando existe falta de conhecimento ou ignorância

da realidade.

Mas que regime aplicar?

Teremos de excluir o dolo (artigo 16/1 do CP);

Porém, poderemos ainda punir por negligência (artigo 16/3 do CP).

Quando o artigo 16/1 CP estabelece que se “exclui o dolo”, tal não significa que o

mesmo foi eliminado, mas sim que não chegou sequer a constituir-se.

55

O agente conhece os elementos objetivos do tipo. Assim, não basta o conhecimento de meros factos, mas torna-se indispensável a apreensão do

seu significado correspondente ao tipo. Porém, se o agente conhece o conteúdo dos elementos, mas desconhece a sua consequência jurídica, trata-se de uma situação de erro que nada releva

para o dolo; não só os juristas podem cometer crimes dolosos. Por exemplo, basta que perceba o caráter "alheio" nos crimes patrimoniais (artigos 203, 204, 209, 212, etc.).

Outro exemplo: para que uma pessoa pratique um crime de violação é essencial que que tenha consciência de que está a ter relações sexuais contra a vontade da mulher.

A representação ou conhecimento do agente terá de ser atual. Por exemplo, A, médico, sabe que B, doente, é alérgico à substância X. Se a pessoa aparecer

passado 10 anos em emergência e A administra a substância X a B, ele não terá a representação atual, não existindo dolo. Para Teresa Beleza pode existir, nestes casos, homicídio negligente

(eventualmente)

A representação ou conhecimento do agente terá de ser concreta. Não basta que o agente conte com a eventualidade da verificação de um certo perigo abstrato; é essencial que ele conte com a possibilidade real do perigo inerente à conduta. Por exemplo, não

é por uma pessoa entrar no carro e pensar que corre risco de ter um acidente que existe dolo; tem de haver uma representação concreta do perigo.

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Vejamos os exemplos:

1. A, caçador, vai à caça com o amigo e pensa que atrás da árvore está um

veado, mas afinal está o tal amigo. Neste caso, o agente não representou o

objeto do artigo 131 do CP, só podendo ser punido por negligência e não

por dolo. RESULTADO: exclui-se o dolo, podendo julgar-se por um crime de

homicídio negligente.

2. A quer matar B e vai para a porta da sua casa, mas quem sai da casa é C,

sendo que A dispara; não há erro sobre o objeto pois A representa matar

uma pessoa e fá-lo efetivamente, sendo os objetos tipicamente idênticos.

RESULTADO: não se exclui o dolo30.

30 Para Teresa Beleza, tal faz todo o sentido pois, tanto faz que tenha sido B, C ou D a morrer para

preencher o tipo de crime de homicídio.

56

Erro

Erro sobre o objeto

Há erro sobre o objeto e não há identidade típica dos objetos.

Exemplo 1.

Há erro sobre o objeto e há identidade típica dos objetos. Exemplo 2.

Erro sobre o processo causal

Há erro sobre o processo causal mas não há um desvio essencial entre o processo causal pensado e o processo causal realizado.

Exemplo 3.

Há erro sobre o processo causal, mas há um desvio essencial e imprevisível entre o processo causal pensado e o processo causal realizado.

Exemplo 4.

Erro sobre os elementos normativos do tipo

Elementos normativos com uma estrutura iminentemente jurídica, sendo necessário que o

sujeito conheça os critérios determinantes da sua classificação. Exemplo 5: matéria coletável

Elementos que exprimem uma valoração moral, social, sendo bastante que o agente conheça os seus pressuposos materais para a formação do dolo, não se excluindo o mesmo. Exemplo:

posição de garante nas omissões impuras.

Erro sobre normas que recaem sobre comportamentos axiologicamente neutros

Erro sobre proibições cujo conhecimento é indispensável para que o agente possa tomar

consciência sobre o caráter da conduta. Ele tem de conhecer a proibição para ter a noção do

caráter desvalioso da sua conduta. Exemplo 6.

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Já se alguém pretender matar o seu pai, mas mata por engano outra

pessoa, para uma parte da doutrina não há uma verdadeira identidade

típica dos objetos e, por isso, teremos de punir por tentativa de homicídio

qualificado e pelo crime que realizou na forma homicídio negligente.

Porém, outra parte da doutrina, defende que a pessoa só deve ser punida

pelo crime de homicídio doloso simples31. RESULTADO: não se exclui o dolo.

3. A atira B da ponte do Tejo e pensa que B vai morrer devido ao embate na

água, mas, afinal, vem a falecer porque bateu com a cabeça no pilar da

ponte. Porém, o facto de ele ter batido com a cabeça no pilar é irrelevante,

sendo que A vai ser punido com crime doloso. RESULTADO: não se exclui o

dolo.

4. A atira B da ponte do Tejo e pensa que B vai morrer devido ao embate na

água, mas, afinal, vem a falecer porque um tubarão o comeu antes de

chegar à água. Nestes casos, não existe imputação objetiva, sendo que o

agente será punido por tentativa; o desvio entre o processo causal pensado

e realizado é essencial, uma vez que não é de todo previsível haver um

tubarão no Tejo.

Outro exemplo: A dispara sobre B. B vai parar ao hospital e morre por via

de um incêndio. Há interrupção do processo causal, só podendo ser punido

por tentativa. RESULTADO: não se exclui o dolo.

5. Os elementos objetivos podem classificar-se em elemento:

- Descritivo: ser imediatamente apreensível pelos sentidos. Por exemplo,

pessoa, corpo, etc.

- Normativo: não são imediatamente apreensíveis pelos sentidos e

implicam uma certa valoração para poderem ser compreendidos, isto é, são

elementos que só podem ser pensados partindo da sua compreensão

intelectual. Por exemplo, teremos de ter a ideia do que é um documento

face à ordem jurídica.

Dentro dos elementos normativos do tipo, existem elementos de (1)

estrutura eminentemente jurídica (por exemplo, matéria coletável,

obtenção indevida, etc.) ou (2) elementos que exprimem uma valoração

31 Ao nível do tipo subjetivo, existiu dolo qualificado, representando matar o pai.

57

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moral ou social (por exemplo, funcionário, alheio, Governo, Estado, etc.).

Quanto aos primeiros, requer-se o máximo de conhecimento; quanto aos

segundos, não se exclui o dolo pois são facilmente apreensíveis pelos

sentidos.

Por exemplo, A, vai a uma discoteca e deixa o casaco no bengaleiro. Porém,

quando vai buscar o casaco, pensa que é o seu e vai-se embora. Pode a

pessoa ser punida por furto? Não, pois exclui-se o dolo; há um erro sobre os

elementos normativos do tipo.

6. Na próxima semana vem a Portugal um Chefe de Estado muito importante

estrangeiro e o legislador, para fazer face a isso, cria uma norma temporária

que proíbe o porte de armas brancas. António, que não vê televisão, e vai

todos os fins de semana à caça é apanhado com uma caçadeira pela polícia.

Terá um comportamento neutro se for apanhado pela polícia pois tem de

realmente conhecer a norma para se aperceber da ilicitude do seu

comportamento. Trata-se de um erro sobre normas que recaem sobre

comportamentos axiologicamente neutros; o legislador afirma que se a

pessoa não conhecer essa proibição, exclui-se o dolo (artigo 16/1 do CP) 32.

RESULTADO: exclui-se o dolo.

Já no caso da dinamarquesa que vem a Portugal e pensa que é permitido o

aborto, não se exclui o dolo por esta via pois não se trata de um

comportamento axiologicamente neutro. Não é preciso conhecer a norma

para se aperceber da valoração do seu comportamento.

Distinção entre erro e aberratio ictus ou (execução defeituosa)

No erro sobre o objeto, o resultado produz-se no objeto elegido pelo agente,

enquanto que na aberratio ictus o resultado produz-se num objeto distinto do elegido

pelo autor. Por exemplo, se A quer acertar em B, falha a pontaria e acerta em C. Aqui,

não há qualquer confusão entre objetos, mas apenas uma execução defeituosa. Já no

caso de A disparar atrás do arbusto porque pensa estar lá o veado, mas afinal está o

seu colega, estamos perante um erro sobre o objeto pois A atingiu exatamente o que

queria: o que estava atrás do arbusto.

32 Já se se trata de um erro sobre a ilicitude (que será analisado adiante), teremos de recorrer ao

exemplo da dinamarquesa que aborta em Portugal.

58

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Por outro lado, imaginando esta mesma situação, mas C coloca-se à frente do

arbusto no momento em que A dispara. Neste caso, já existe aberratio ictus

pois A queria disparar para o que estava atrás do arbusto e não para C.

Para a doutrina maioritária (Figueiredo Dias), o agente deve ser punido em concurso

efetivo por tentativa do crime que visou realizar e pelo crime que realizou na forma

negligente – teoria da concretização.

Para a doutrina minoritária (Rui Pereira), sempre que há uma execução defeituosa e

existe coincidência típica entre o tipo de ilícito projetado e o tipo de ilícito consumado,

o agente deve ser punido por um só crime consumado doloso (homicídio doloso) –

teoria da equivalência33.

Em suma, na execução defeituosa o agente quer sempre acertar num determinado

objeto; mas devido a uma execução imperfeita (por exemplo, porque a vítima se

desviou), ele acerta num objeto distinto. Já no erro sobre o objeto, a pessoa

representa e acerta no objeto que representou.

Distinção entre erro e dolus generalis

No dolus generalis há duas ações, mas, tendo em conta a relação que existe entre

essas duas ações, elas devem ser valoradas como uma só. Aplica-se esta figura quando

o resultado se consuma em dois atos e o autor previu erradamente criar o resultado

apenas com a primeira ação; mas, na realidade, o resultado concretizou-se com a

segunda ação.

A dispara sobre B e atira o corpo do mesmo ao rio; vem-se a provar na autópsia

que B veio a falecer por afogamento. A pensa que conseguiu o resultado pela

primeira ação, mas apenas na segunda se deu o resultado.

Este tipo de casos, são casos em que na ação que causa o resultado (ação 2) não existe

dolo do facto, neste caso de morte.

33 Ver AC. da Relação do Porto de 20/10/2004.

59

Ação 1 (A dispara sobre B): o agente pensa ter produzido o resultado típico.

Ação 2 (A atira o corpo de B ao rio): o resultado veio efetivamente a concretizar-se.

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Stratenwerth e Tereza Beleza afirmam que, se antes de praticar a primeira conduta, o

agente já tinha pensado representar a segunda, como o dolo abarca toda a situação

num momento prévio, isto é, o dolo abrange todo o processo causal que conduziu ao

resultado, o agente deverá ser punido apenas por um crime consumado a título de

dolo. Já, se antes de praticar a primeira ação, não pensou na segunda, deve ser punido

por tentativa de homicídio e por homicídio na forma negligente.

Por outro lado, para Figueiredo Dias, o que importa é determinar se o risco que se

concretiza no resultado pode ou não se reconduzir ao quadro dos riscos criados pela

primeira conduta, isto é, o que interessa é saber se, segundo as regras da experiencia,

era normal que o agente praticasse a segunda conduta. Se é uma consequência,

previsível e caracteristicamente associada à primeira conduta, devemos punir por

crime consumado. Já se assim não o for, a punição só poderá ter lugar a título de

tentativa, eventualmente em concurso com um crime negligente consumado.

No exemplo acima, podemos concluir que se trata de um risco associado;

assim, iremos punir a pessoa por homicídio doloso.

A doutrina atual e a jurisprudência tendem a não utilizar a expressão dolus generalis,

afirmando que só se deve utilizar esta expressão por tradição jurídica. As questões de

dolus generalis podem também ser resolvidas pelo desvio do processo causal,

resolvendo-se ao nível da imputação objetiva; isto é, se o desvio não for essencial,

existe crime consumado e dolo. Já se o desvio for essencial, existe tentativa uma vez

que se quebra a imputação objetiva.

Porém, o que ocorre quando o agente quer alcançar o resultado pela segunda

conduta, mas sem querer alcança logo pela primeira. Por exemplo, A quer matar B

com duas pancadas; na primeira, quer deixar a pessoa atordoada e na segunda quer

matar. Porém, mata logo na primeira. Poderá ser aplicado o mesmo raciocínio?

De acordo com a doutrina, iremos punir apenas por um crime de homicídio

doloso consumado pois as ações devem ser valoradas como uma só.

Imaginemos que A quer matar B e dá-lhe uma pancada forte. Quando vê a pessoa

inconsciente, tenta reanimá-la, pois, arrepende-se, mas, convencido que ela está

morta, deita a pessoa ao rio. Como resolver este caso?

O elemento volitivo em especial e as modalidades do dolo

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Já sabemos que o dolo exige também uma vontade atual34 dirigida à realização do

crime. Importa agora, a propósito do elemento volitivo, estudar as modalidades do

dolo. Quais são?

Face ao artigo 14 do CP, o dolo pode revestir três formas:

Dolo direto, dolo de primeiro grau ou dolo direto intencional (artigo 14/1 do

CP) – o agente prevê e quer a realização do facto típico como fim último da sua

conduta, não interessando, por exemplo, o grau de previsão da mesma.

Exemplo: imaginando que A está a uma distância considerável do B e quer

matá-lo, basta que preveja a realidade do facto típico como possível e queira a

realização do mesmo para que exista dolo.

Também se afirma o dolo direto quando a realização do tipo não constitui fim

último da atuação do agente, mas aparece como estado intermédio necessário

da sua conduta e do seu fim último.

Exemplo: A quer assaltar um banco como fim último e apercebe-se que a única

forma que ele tem de conseguir realizar o assalto é matar o vigilante. Neste

caso, matar o vigilante trata-se de uma conduta com dolo direto. Por mais

desagradável ou lamentável que se tenha demostrado matar o segurança, o

agente dirigiu intencionalmente a sua vontade à realização do facto.

Dolo necessário, dolo de segundo grau ou dolo direto necessário (artigo 14/2

do CP) – a realização do facto típico não surge como degrau intermédio para

alcançar a finalidade última da conduta, mas como consequência necessária no

sentido de inevitável da sua conduta, se bem que lateral.

Exemplo: A quer matar B e põe uma bomba no avião. Ele prevê como

consequência necessária da sua conduta, morrerem os outros ocupantes.

Neste caso, quanto à morte de B, A tem dolo direto; quanto à morte dos outros

ocupantes, existe dolo necessário.

Exemplo: A provoca um incêndio na sua casa para obter o prémio do seguro

com a sua mulher, B, lá dentro. Embora o seu intuito imediato seja obter o

34 TERESA BELEZA: imaginemos o seguinte exemplo. A decide matar a mulher durante uma caçada,

simulando um acidente. Porém, na véspera à noite, enquanto limpava a arma, esta dispara sem ele

querer, vindo a atingir mortalmente a mulher. Neste caso trata-se somente de um homicídio negligente

pois o dolo seria apenas para o dia seguinte.

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prémio do seguro, se A está perfeitamente seguro de que B está lá dentro e

tem a perfeita noção de que, com aquele ato, matará B, parece existir dolo.

Dolo eventual (artigo 14/3 do CP) – caracteriza-se por o agente prever a

realização do tipo como provável e possível e conforma-se com essa realização.

Existe semelhanças com a negligência consciente pois em ambos o agente

prevê a realização do facto típico como possível e provável; porém, no dolo

eventual, a pessoa conforma-se com essa realização; já na negligência

consciente, o sujeito prevê, mas não se conforma com essa realização.

Exemplo (Teresa Beleza): A provoca um incêndio em sua casa para receber o

prémio do seguro, mas não tem a certeza se está alguém dentro de casa,

embora admita essa probabilidade. Porém, quer esteja, quer não esteja, ele irá

incendiar a casa na mesma. Neste caso, a pessoa não tem como objetivo final a

morte das pessoas nem a vê como consequência necessário do seu ato, mas

admite que ela aconteça.

Dolo eventual e negligência consciente. Como distinguir?

Esta distinção é muito relevante pois:

As penas, no caso de negligência, são muito mais reduzidas que no caso de

dolo. Veja-se o exemplo do homicídio: pena de 8 a 16 anos por homicídio

doloso e pena até 3 anos em homicídio por negligência;

Os crimes podem não ser punidos sob a forma de negligência (grande maioria);

Teorias da probabilidade – estas teorias defendem que a distinção deve ser feita com

base no elemento intelectual. Por isso, no dolo eventual, o agente tem uma

representação do facto típico qualificada, não bastando o agente prever como

possível, mas é também preciso que ele preveja como provável. Já na negligência

consciente, o agente prevê a realização do facto típico como consequência possível.

Em suma, nem tudo o que é possível é provável.

Críticas: (1) esta corrente não é possível face à nossa ordem jurídica, (2) porque é

muito difícil saber o que é possível e provável no caso concreto e (3) porque apesar da

improbabilidade de realização do tipo, pode o agente querer firmemente alcançar o

resultado (A está a 500 metros de B e não pode aproximar-se mais; tendo má pontaria

sabe que é quase impossível acertar-lhe mas mesmo assim quer fazê-lo a todo o custo;

neste caso existe claramente dolo).

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Teorias da vontade ou aceitação – de acordo com estas teorias, no dolo eventual, o

agente aprova a realização do facto típico, aceitando intimamente a realização do

facto típico ou mostrou-se indiferente quanto ao mesmo. Já na negligência consciente,

o agente repudia a verificação do resultado, esperando que o resultado não se

verifique.

Teorias emocionais – estas teorias fazem a distinção com base na atitude do agente

face à ordem jurídica; assim, no dolo eventual, haveria uma atitude de indiferença

face à nossa ordem jurídica.

Bárbara Sousa Brito não defende esta teoria porque o elemento emocional não

faz parte do dolo; este elemento só interessa ao nível da culpa.

A teoria da conformação – esta é a teoria dominante pela doutrina e aceite pela

ordem jurídica no artigo 14/3 do CP. Há dolo eventual quando o agente, ao atuar, se

conformou com a realização do tipo; por outro lado, existe negligência se o agente

confiou que o preenchimento do tipo não se iria verificar.

Mas quando saber se o agente se conformou ou não?

Frank, deparou-se com esta questão e resolveu criar uma fórmula para o

auxiliar.

Temos então a fórmula hipotética de Frank; de acordo com esta fórmula, teremos de

ficcionar que o agente previu como certa a realização do facto típico e, de seguida,

questiona-se se o agente, ainda assim, atuaria. Se sim, existe dolo eventual; se não,

existe negligencia consciente.

Esta fórmula teve de ser afastada por via do caso dos mendigos russos: havia

um grupo de criminosos que tinha como atividade estropiar crianças para que,

com a sua deficiência, elas ganhassem mais esmolas. Às vezes, algumas dessas

crianças morriam em função da perda do membro. A dúvida que se colocou foi

saber se agiram com dolo ou negligência. Se eles tivessem previsto o resultado

como certo, não teriam atuado, porque o que pretendiam não era matar, era

crianças vivas deficientes. Isto conduziria à aplicação da negligencia consciente

e não dolo eventual, o que parece extremamente injusto.

Frank, perante esta evidencia, disse que a fórmula hipotética não era válida. Criou

então a fórmula positiva de Frank. Assim, se o agente, ao atuar, previu como possível

a realização do facto típico e pensou, “aconteça o que acontecer, eu atuo”, existe dolo

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eventual; se não, não há dolo eventual. Assim, no caso anterior, seria dolo pois eles

pensavam que “aconteça o que acontecer, eu atuo”.

Segundo Fernanda Palma35, a forma positiva de Frank pressupõe que se saiba o que o

agente pensou. Mas como provar isto?

Para Fernanda Palma, existem dois critérios para determinar o que o agente pensou:

Critério da coerência das motivações: quanto mais forte for a motivação,

maior o indício do dolo eventual;

Critério do grau de previsibilidade de lesão do bem jurídico: quando mais alto

for esse grau de probabilidade, mais haverá a probabilidade de termos dolo

eventual.

Imaginando que alguém infetado com o vírus da sida tem relações sexuais com outra

pessoa. Existe dolo ou negligência?

Se for propositado, existe dolo direto;

Figueiredo Dias recorre à ciência para afirmar que existe uma probabilidade de

1% de passar o vírus da SIDA pelo que existe negligência; porém, Fernanda

Palma defende que existe dolo eventual.

Concluindo

Em suma, e face à importância dessa questão, Figueiredo Dias defende a criação de

uma terceira figura que se denominaria temeridade e que abarcaria as situações de

dolo eventual e negligência consciente. Assim, o dolo passaria a ter apenas duas

formas, sendo que a negligencia passa a ter apenas a forma de negligência

inconsciente.

A intenção especial

Em certos tipos de crime doloso, exige-se um elemento subjetivo especial e adicional:

este elemento não se refere a elementos do tipo objetivo de ilícito, mas não deixa de

ser um elemento ligado à vontade do agente. Quando o mesmo elemento falta, o tipo

de ilícito daquela espécie de delito não se encontra verificado.

Por exemplo, no tipo subjetivo do crime de furto, para o mesmo estar preenchido,

teremos de provar a “intenção de se apropriar” que constitui um elemento subjetivo

especial (artigo 203 do CP). Já na burla, o legislador exige que o agente tenha a

35 Para melhor perceber esta matéria, ler a tese de mestrado da Professora Fernanda Palma.

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“intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo” (artigo 217 do

CP).

Em suma, trata-se de um elemento que se adiciona ao dolo.

Classificações de crime com base nos elementos subjetivos do tipo – a negligência

Elemento subjetivo do tipo ou ação típica e ilícita?

Em Direito Penal, a outra forma que pode assumir o tipo subjetivo é a negligência,

podendo ser estudada como um elemento subjetivo do tipo ou, segundo outra parte

da doutrina, como uma ação, típica e ilícita.

Figueiredo Dias e quase toda a doutrina tratam da negligência como uma forma

especial do crime como um todo36.

Porém, Bárbara Sousa Brito não concorda com este entendimento uma vez

tratar-se de um elemento subjetivo; esta ideia foi introduzida por Jakobs.

A negligência é hoje em dia, por força do artigo 13 do CP um tipo de responsabilidade

excecional no Direito Penal. Assim, como afirmado anteriormente, só existem tipos

negligentes quando a lei expressamente se refere à possibilidade de responsabilizar

uma pessoa apenas por negligência.

Por exemplo, artigos 148, 152-B, 156, etc.

Elementos caracterizadores

Segundo Figueiredo Dias, o que caracteriza a negligência é a violação do dever de

cuidar. Porém, como crítica, é possível afirmar que podemos violar normas de cuidado

e atuar de forma dolosa: por exemplo, o médico pode matar uma pessoa, querendo,

violando normas de cuidado37.

Assim, segundo Bárbara Sousa Brito, o que permite então perceber se estamos

perante um crime doloso ou negligente é a caracterização do elemento subjetivo.

O elemento central da negligência é o elemento subjetivo do tipo.

Negligência consciente36 Segundo Figueiredo Dias, a punição por negligência é justificada do ponto de vista da dignidade penal,

sempre que estão em causa bens jurídicos e da carência da pena, sobretudo quando se trata da

contenção de fontes de perigo.37 A doutrina de Figueiredo Dias, um dos autores do CP, é um pouco estranha pois contradiz-se

claramente com o que a lei afirma.

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Importa relembrar que esta figura é muito próxima do dolo eventual. Neste tipo de

negligência, o agente prevê o resultado, mas não se conforma com o resultado.

Negligência inconsciente

Na negligência inconsciente, o agente não prevê a realização do facto típico, MAS

PODIA ter previsto. Dito de outra forma, a realização do facto típico era cognoscível.

Porém, quando é que se pode afirmar que o agente, apesar de não ter previsto, tinha a

possibilidade de prever?

1. Bárbara Sousa Brito indica que teremos de provar que o agente teve

consciência de sinais objetivos de perigo que o podiam fazer pensar na

realização do facto típico. Por exemplo, os pais que se esquecem dos filhos

no carro, não têm consciência de sinais objetivos de perigo, havendo

necessidade de o agente ter consciência de algo que o possa levar a

representar o facto típico.

E se uma pessoa for distraída por natureza, coloca uma máquina de café a

funcionar, esquece-se da máquina ligada, e chega a tempo de apagar o

incêndio? Se na semana a seguir a pessoa faz o mesmo, em princípio terá

de ser punida por um incêndio no prédio em que morram pessoas. A pessoa

tinha a possibilidade de prever a realização do facto típico.

2. Por outro lado, é ainda exigido ao agente a possibilidade de ter a

consciência do perigo abstrato e concreto da sua conduta.

Por exemplo, uma mulher alemã tem um filho raquítico e vive numa

pequena aldeia alemã. A aldeia convence a mulher de que a forma de tratar

o filho é colocar o filho em água a ferver. Segundo Bárbara Sousa Brito, a

mulher tinha consciência dos sinais de perigo, mas não tem consciência do

perigo concreto.

Num outro exemplo, imaginemos que uma mulher deixa uma vela acesa

num quarto com crianças e fecha o quarto. Neste caso, a pessoa tem

consciência do perigo abstrato, mas não do perigo concreto da sua

conduta. Não há negligência neste caso porque a mulher nem sequer podia

prever a realização do facto típico.

Em suma a negligência inconsciente estabelece o elemento mínimo subjetivo do crime.

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O dolo de perigo

Uma questão já antiga e que divide opiniões é a de saber se a negligência consciente

se identifica inteiramente com dolo de perigo, nos casos de perigo concreto.

O dolo da mãe que abandona a criança na floresta é um dolo de perigo; assim, temos

de provar que a mãe tinha negligência quanto ao dano e dolo necessário quanto ao

perigo. Como o perigo é a possibilidade de dano, para afirmarmos o dolo de perigo

temos de provar a relação do sujeito com o dano.

Por exemplo, se a mãe abandona a criança na floresta, representa a morte da

criança e conforma-se. Existe dolo eventual e a mãe será punida por homicídio.

Se a criança não morrer, existe tentativa de homicídio.

O crime de perigo concreto pressupõe perigo. Rui Pereira defende que se o agente

tiver dolo direto de perigo, ele terá dolo de dano; assim, se tem dolo de dano não

poderá haver crime de perigo. Se o agente tiver dolo eventual de perigo, terá dolo

eventual de dano, não podendo ir-se para o crime de perigo.

Assim, a única forma de dolo em relação ao perigo só pode ser a de necessário. O

agente tem de representar o perigo como consequência necessária da sua conduta.

Imaginemos que a mãe tem dolo direto de perigo: a mãe representa e quer a

possibilidade de dano para a vida da criança;

Em suma:

O crime de dano caracteriza-se por exigir a lesão do bem jurídico; para estar

preenchido, é necessário que exista a lesão do bem jurídico vida;

Já os crimes de perigo não exigem a lesão do bem jurídico porque o crime é

que vai ser o fundamento da punibilidade.

Quanto aos crimes de perigo, os mesmos podem ser abstratos (basta uma ação

abstratamente perigosa para o tipo ficar preenchido: por exemplo, a condução

por embriaguez). O legislador antecipou-se a qualquer lesão do bem jurídico e

puniu a conduta. Como podemos compreender, esta figura é absolutamente

anormal pois o conceito material de crime afirma que apenas é crime o que

lese bens jurídicos. Assim, o legislador só pode recorrer a estes crimes de forma

muito excecional, sob pena de criar normas inconstitucionais

Já no crime de perigo concreto, teremos de provar que houve a criação de um

perigo para o bem jurídico para estar preenchido o tipo. Porém, este perigo

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não é dano, mas apenas a mera possibilidade. Assim, no exemplo em estudo,

teremos a exposição ao abandono é um crime de perigo concreto.

Nos crimes de perigo concreto, tal como em todos, existe tipo objetivo e

subjetivo. No âmbito subjetivo, se perigo é a possibilidade de dano, teremos

então de ter uma relação do sujeito com o dano. Mas que relação é esta?

A relação com o dano, não pode ser de dolo pois se o agente tiver dolo de

dano, será punido pelo crime de dano. Por exemplo, se a mãe abandona a

criança representando a morte e conformando-se será punida por homicídio e

não pelo crime de perigo concreto.

Assim, não podendo ser de dolo, só sobra a negligência; assim, no dolo de

perigo, teremos de ter negligência quanto à morte da criança.

Como segunda conclusão, quando a agente representa a criação de perigo

como consequência necessária da sua conduta, não pode ser nem dolo direto

de perigo nem dolo eventual de perigo. Ou seja, se a mãe representou a

possibilidade de perigo para a vida da criança e quis criar essa possibilidade de

perigo, ela teve de representar a morte e conformar-se. Assim, mais uma vez a

única forma de dolo que sobra é o dolo necessário.

Casos práticos

4. Abel, quer matar o cão de Carlos, seu vizinho, uma vez que o “bicho” lhe dá

conta das galinhas. Como vê mal ao longe, dispara sobre o próprio Carlos,

julgando tratar-se do cão. Carlos morre. Quid iuris?

Temos de saber se Abel preenche o tipo de homicídio. Existe uma ação jurídico-

penalmente relevante pois era controlada pela vontade ou pela consciência do

sujeito.

Quanto ao tipo38, temos:

- Agente (A),

- Ação típica (matar),

38 Se existir uma situação de concurso, teremos de a resolver ao nível do tipo.

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- Objeto da ação (C),

- Bem jurídico (vida) e

- Resultado (morte).

Imputação objetiva do resultado à conduta do agente?

- Teoria sine qua non: verificada;

- Teoria da causalidade adequada: verificada;

- Teoria do risco: aumentou o risco, logo verificada.

Como todos os elementos anteriores estão preenchidos, teremos de ir para o

tipo subjetivo. Dolo ou negligência?

Trata-se de erro sobre o objeto (16/1), sem identidade típica dos elementos.

Há uma discrepância entre o que agente representou (animal que não é um

objeto do tipo do 131) e o que se verifica na realidade. Assim, exclui-se o dolo –

16/1 do CP.

Mas quanto à negligência? Poderá o agente ser punido? Sim, por via do artigo

16/3 que estabelece a possibilidade de punir por negligência. Neste caso, o

agente podia ter previsto que afinal não estava lá o cão, podendo ser punido

por negligência inconsciente.

5. Álvaro decidiu matar Bruno a golpes de enxada. De acordo com o seu plano,

dar-lhe-ia um pequeno golpe que apenas o deixaria inconsciente. De seguida,

daria um segundo golpe que o mataria em definitivo. A autópsia provou que,

ao contrário do que Álvaro planeou e representou, Bruno morreu logo por

efeito do primeiro golpe. Qual a responsabilidade criminal de Álvaro.

Iremos punir apenas por um crime de homicídio doloso consumado pois estas

ações devem ser valoradas como uma só – é uma situação inversa de dolus

generalis pois matou à primeira, pensando que só matou na segunda. Porém,

para a doutrina atual, a figura do dolus generalis é dispensável, podendo ser

utilizada apenas por uma questão de tradição jurídica; atualmente, tende-se a

ver estas situações nas situações de erro sobre o processo causal, mas em que

o desvio não é relevante. Assim, não existe consequências ao nível da

imputação objetiva e subjetiva.

6. Ana, grávida, está na praia com um grupo de amigos. A certa altura, os

amigos decidem iniciar um jogo de rugby e desafiam Ana a participar. Ela

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começa por rejeitar, invocando que é perigoso dado o seu estado de gravidez.

Mas, alguns minutos depois, sem nada dizer, começa a participar no jogo.

Posteriormente, cai e aborta. Ana pode ser punida por um crime de aborto?

Em primeiro lugar, existe uma ação jurídico penalmente relevante. Quanto aos

elementos objetivos do tipo parecem não existir problemas.

O grande problema desta questão é ao nível do tipo subjetivo; teremos de

discutir se existe dolo eventual ou negligência consciente. O que existe de

comum nestas duas questões é o facto de o agente representar a realização da

conduta típica. Só que no dolo a pessoa conforma-se e na negligência não. Mas

como saber se o agente se conformou?

Frank afirma que se o agente pensou “aconteça o que acontecer eu atuo”,

existe dolo. Claramente neste caso, Ana não pensará isso.

Posteriormente, teremos de recorrer aos critérios utlizados pela Professora

Fernanda Palma: critério das motivações (ela teve intenção de brincar, sem

qualquer motivo forte) e grau de probabilidade de lesão do bem jurídico (baixo,

pois estava na praia com amigos).

Assim, estamos perante um caso de negligência consciente; porém, com base

no artigo 13 do CP, não existe crime aborto por negligência, pelo que não

poderemos punir Ana por negligência.

7. Abel quer matar a sua prima Beatriz. Para esse efeito, envia-lhe, para esse

efeito, uma caixa com bombons envenenados. Resolva os seguintes cenários:

7.1 Carlos, carteiro, amante daquele produto, não resiste ao aroma da

encomenda e come alguns bombons, vindo mais tarde a falecer.

7.2 Beatriz, recebendo a oferta, compartilha os bombons com as suas

amigas durante o chá que todas as quartas feiras oferece em sua casa,

acabando todas elas por morrer. Quid iuris?

No caso do carteiro, existe uma aberractio ictus em que o agente atinge um

objeto distinto do que visava atingir. Assim, teríamos de punir por tentativa de

homicídio da tia e homicídio negligente do carteiro.

Porém, quanto ao carteiro, poderemos colocar o problema da imputação

objetiva; assim, quando se diz que o agente será punido em concurso, é uma

situação “em princípio”.

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Na segunda subhipótese, o agente já poderia prever a questão. Em relação às

amigas da tia, Abel seria punido por negligência.

A comparticipação criminosaEnquadramento da matéria

Até agora estivemos a analisar o crime na perspetiva de um único agente material e

imediato que pratica a ação. Porém, existem muitas formas de participar no crime e,

sempre que isso acontece, entra uma figura fulcral na teoria do crime – a

comparticipação criminosa.

Sempre que houver uma pluralidade de agentes a realizar o facto típico, temos

de determinar qual o papel que essas pessoas desempenharam no

cometimento do crime: se assumiram a forma de autores ou se são apenas

participantes.

Imaginemos que 5 pessoas decidem assaltar um banco. Um deles é o cérebro

do grupo, o outro leva os explosivos, o outro agarra o polícia, o outro aponta a

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arma à pessoa que está na caixa e o outro aponta uma arma às pessoas que

estão presentes. Nenhuma destas pessoas subtraiu e usou violência para essa

subtração, tal como o artigo 210 exige, sendo que todas acabaram por

contribuir um pouco para o resultado. Como punir então estas pessoas?

Em sentido amplo, esta figura abarca39:

A autoria;

A participação.

Normalmente, a figura da comparticipação é estudada no fim dos manuais como uma

forma especial de surgimento do crime ao lado da tentativa, crimes negligentes e

crimes omissivos. Porém, para Bárbara Sousa Brito e Figueiredo Dias, a forma correta

de estudo da comparticipação é ao nível da tipicidade pois um dos elementos objetivos

do crime é o agente; assim, teremos de saber qual a forma que o agente tem naquele

crime: se é agente material, mediato, instigador, cúmplice, etc.

Crimes dolosos e crimes negligentes

Em primeiro lugar, para perceber melhor esta questão, teremos de distinguir entre:

Crimes dolosos – o legislador adota um conceito restritivo de autoria.

Aplicando a teoria do domínio do facto que a doutrina dominante utilizava para

determinar quem é autor, é autor quem tem o “se” e o “como” da realização

do facto típico. No fundo, é autor quem controlar o processo causal que leva

ao resultado típico. Assim, o facto surge como obra da sua vontade e fruto de

uma contribuição para o acontecimento com determinado peso e significado

objetivo.

Crimes negligentes – é autor todo aquele que contribui causalmente para o

resultado a título de negligência – conceito unitário de autoria. Esta

contribuição implica a cognoscibilidade individual da realização do facto típico

por parte dessa pessoa.

Dentro dos crimes doloso, há quem distinga diferentes tipos de autoria, consoante o

crime doloso seja:

Comum – pode ser praticado por qualquer pessoa;

39 Segundo Figueiredo Dias e Teresa Beleza, não podemos incluir nesta área a figura do encobridor pois

trata-se de uma participação depois do facto ter sido cometido. Deve então ser tratado como um crime

autónomo.

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Específico – só pode ser praticado por determinadas pessoas.

A distinção entre autoria e participação

Ao longo dos tempos, surgiram diversas teorias para esta questão:

A teoria formal objetiva: esta teria afirmava que só podia ser autor todo

aquele que executar o facto por si mesmo, pessoal e diretamente. Esta teoria

veio a relevar-se insuficiente por não abarcar as situações de autoria mediata.

A teoria subjetiva: a distinção entre autor e participante deve ser feita com

base no elemento subjetivo, isto é, na intenção, vontade e motivos da pessoa.

Assim, seria autor quem atuasse com animus auctoris uma vez que ele

entende, quer e vê o crime como seu e seria participante quem atuasse com

animus socii de participante agindo tendo a consciência e vontade de que está

a ajudar outra pessoa a cometer um crime alheio. Esta teoria levou a alguns

absurdos tal como um caso em que um tribunal alemão condenou como

cúmplice um espião russo que, a mando da US, matou dois conterrâneos seus

na Alemanha porque o mesmo não tinha uma vontade independente;

claramente que neste caso o agente cometeu voluntariamente o crime de

homicídio, sendo absurdo não o considerar autor.

Assim, tal como Figueiredo Dias afirma, não é por alguém se sentir autor que

uma tal qualidade lhe deve passar a caber.

Como síntese de ambas as conceções e de aplicação atual quase unânime em toda a

doutrina, desenvolveu-se a teoria do domínio do facto, em que a autoria, pressupõe

que o agente tenha o domínio do “se” e do “como” na realização do facto típico, ou

seja, que tenha nas suas mãos o comando de um certo processo. Já a participação

pressupõe que o agente preste uma certa ajuda, mas que não dependa dele que o

processo vá ou não até ao fim.

Roxin, um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento da teoria do domínio do

facto, considera que deve ser aplicado um conceito restritivo de autor aos crimes

dolosos comuns, não podendo este conceito ser tomado como universal. Sempre que

houver um crime doloso específico, para Roxin, nestes casos, não tem de haver

domínio do facto para se falar em autoria. Para estes crimes, Roxin considera que é

autor apenas quem violar o dever a que está adstrito não sendo necessário o domínio

do facto.

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Assim, por exemplo, no crime de prevaricação, será sempre necessário um

advogado (artigo 370 do CP). Se se incluir outra pessoa na prática do crime,

essa pessoa só poderia ser o participante.

Já Figueiredo Dias não concorda e afirma que mesmo nos crimes específicos não basta

a violação do dever do titular para se falar em autoria; é necessário que haja domínio

do facto.

Por exemplo, A, titular do poder específico, utiliza B, estranho, para praticar um

crime. Neste caso, quem tem um poder específico denomina-se por intraneus e

quem não o tem será o extraneus.

O juiz pede ao irmão para proferir uma sentença: neste caso, o titular do dever

é o juiz e o irmão é o extraneus; para Roxin, isto basta para se dizer que o

titular do dever tem autoria; já Figueiredo Dias, considera que tal não é

suficiente, pois teria de dominar a vontade do irmão, tendo o domínio do facto

em relação a ele.

O regime legal

O CP atual, distingue formas de autoria e formas de participação:

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Conclusões:

Só há participação se houver autoria.

A autoria – autoria mediata

A autoria imediata

Segundo Figueiredo Dias, nos termos do artigo 26, é autor imediato quem executa o

facto pelas suas próprias mãos, em termos de preencher na sua pessoa a totalidade

dos elementos objetivos e subjetivos do tipo, detendo, por isso, o domínio da ação.

A autoria mediata

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Comparticipação criminosa

Autoria (26 do CP)

Imediata

O autor tem domínio do facto através do

domínio da ação; é o autor que executa a

ação pelas suas próprias mãos. "É punível como

autor quem executar o facto, por si

mesmo"

Mediata

O autor tem o domínio do facto

através do domínio da vontade; ele não executa a ação mas

domina a vontade do executante.

"É punível como autor quem executar

o facto por intermédio de

outrem"

Coautoria

O domínio do facto obtém-se através do domínio funcional do

facto; o agente, durante a execução, possui uma função

relevante para a realização típica, em

conjunto com os outros agentes.

Participação (26 e 27 do

CP)

Instigação Cumplicidade

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O artigo 26 estabelece que também é punível como autor quem executar o facto por

“intermédio de outrem”. Assim, pratica-se um facto por intermédio de outrem quando

esse outrem (homem da frente) é utilizado como instrumento da vontade do chamado

autor mediato ou “homem de trás”. Mas como obter o domínio da vontade?

Para maior parte da doutrina, obtém-se das seguintes formas:

1. Por erro que exclua o dolo ou a culpa do executor;

2. Por coação que exclua a culpa do executor;

3. Por domínio da organização ou domínio da vontade no quadro de um aparelho

organizado de poder;

4. Por utilização de inimputáveis.

Antes do estudo de cada uma destas formas, tal como defende Teresa Beleza, não

existe autoria mediata quando o autor material não chega sequer a praticar uma ação

jurídico-penalmente relevante.

Por exemplo, A empurra B. B cai sobre C. Há autoria mediata por A? Não, pois,

B foi um mero instrumento, não havendo qualquer ação por parte do mesmo.

Assim, A será autor imediato e não mediato.

A hipnotiza B para B matar C; não existe qualquer ação de B.

Em suma, nestes casos, não existe autoria mediata pois a outra pessoa é utilizada

como instrumento.

Autoria mediata por erro

O autor mediato induz o autor imediato ou direto em erro ou explora um erro do autor

imediato.

Por exemplo, A diz a B que quem está atrás da árvore é o veado, quando sabe

perfeitamente que é C. Desta forma, conseguiu dominar a vontade do B.

B será punido, eventualmente por homicídio negligente. Não existe dolo pois

existe erro sobre o objeto.

A, por homicídio doloso como autor mediato.

Outro exemplo: A diz a B que dispare sobre C porque o C está com uma arma apontada

a D, filho de B. B dispara. O auto mediato vai ser punido por homicídio doloso e B será

punido por homicídio negligente.

Mais um exemplo: a dinamarquesa que vem a Portugal e pensa fazer o aborto na 13ª

semana. Vai a uma advogada e a mesma, por inveja, afirma que a dinamarquesa pode

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fazer o aborto. Neste caso, a dinamarquesa não será punida, mas a advogada será

como autora mediata pois conseguiu o domínio da vontade da dinamarquesa.

Autoria mediata por coação

A aponta uma pistola à cabeça de B e diz: “ou disparas sobre C, ou eu dou-te um tiro”.

B dispara. Neste caso, A consegue o domínio do facto através do elemento volitivo da

decisão do autor mediato. B não será punido, por não ter culpa. Este exemplo é

parecido com o exemplo da tábua de Carnéades.

Outro exemplo: estão três alpinistas a subir na vertical. O primeiro diz ao segundo “ou

cortas a corda ao C, ou eu corto a corda aos dois”. A domina a vontade de B porque

domina o elemento volitivo da decisão.

Autoria mediata por domínio na organização ou por fungibilidade do instrumento no

âmbito de aparelhos organizados de poder

Estamos perante situações em que temos uma (1) organização estruturada

hierarquicamente, com uma forte disciplina interna, em que o (2) modo de

funcionamento dos seus elementos é quase mecânico; isto é, eles reagem às ordens

do chefe porque sabem que, caso eles não cumpram, outro praticará. Nestes casos,

maior parte da doutrina defende que (3) as suas atividades têm de se situar fora do

quadro da ordem jurídica.

Estamos perante casos, por exemplo, de chefe da máfia.

Nestes casos, para Figueiredo Dias, só haverá autoria mediata por domínio da

organização se o autor imediato estiver a atuar sobre coação ou sobre erro; já Roxin

defende que utilizaremos as primeiras formas.

Autoria mediata por utilização de inimputáveis

Pode ser-se inimputável em função:

Da idade;

De anomalia psíquica.

Nestes casos, o autor mediato tem o domínio ético-social pelo facto. Nesta linha, há

outra parte da doutrina que considera que só existe autoria mediata quando se prove

que existe também o domínio da vontade de quem sofre de anomalia psíquica por

parte do autor imediato.

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Assim, se alguém utilizar um jovem para praticar um crime e se se perceber que

o jovem tem vontade de perceber o que está a fazer, não há razão alguma para

considerar a existência de autoria mediata, para esta parte da doutrina.

(Critério da professora Conceição Valdágua)

Há autoria mediata em todos os casos em que o executor material se subordina

voluntariamente à decisão do homem de trás até ao último momento; isto é, o

homem da frente não tem uma vontade autónoma própria que faz depender o fazer

ou não fazer da vontade do homem de trás.

São casos de acordo, ajuste ou pacto criminoso no qual o agente de trás se

compromete a realizar determinada prestação e, em contrapartida, o agente

imediato obriga-se ao cometimento do crime e faz depender até ao último

momento a vontade do homem de trás.

Já Jakobs considera que só nestes casos é que existe instigação.

Autoria – a coautoria

A coautoria está presente no artigo 26 do CP e contém os seguintes elementos:

Tem de haver execução conjunta;

Tem de haver decisão conjunta.

Para Figueiredo Dias, trata-se de uma situação de domínio do facto coletivo ou

condomínio de facto. Cada coautor realizará a tarefa que lhe coube na “divisão de

trabalhos”.

Mas qual a importância de chegar a uma situação de coautoria? Imaginemos o

exemplo de Teresa Beleza. A e B combinam assaltar um banco. No dia e hora

combinados, chegam em conjunto ao banco e A retira o dinheiro do cofre enquanto B

ameaça o funcionário do banco com uma pistola. Caso não considerássemos a

existência de uma situação de coautoria, A seria punido por furto e B por crime de

ameaças ou ofensas (se se verificarem). Porém, havendo coautoria, iremos punir A e B

por um crime de roubo.

Porém, se estão A e B no banco e B decide ameaçar o funcionário do banco por este

lhe andar a tirar a namorada e A, aproveitando a situação, decide ir ao cofre retirar o

dinheiro, não existe uma situação de coautoria, uma vez que ambos serão punidos

pelo crime que cometeram.

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Decisão conjunta

No âmbito da coautoria, tem de haver sempre um acordo em sentido amplo40, sendo

que esse acordo pode ser:

Prévio – antes de se executar o facto;

Durante a execução – ação concertada que implica uma consciência recíproca

de colaborar na realização do facto.

A decisão conjunta não se basta com o mero acordo, mas sim com a existência

material desse acordo, no sentido de que cada coautor leve a cabo parte da atividade

total e as ações dos outros sejam um complemento da sua participação própria.

Seguro é que a responsabilidade dos coautores só se verifica quando estiver coberta

pela decisão conjunta. Se houver excesso na execução do facto, esse excesso, por

regra, não poderá ser imputado ao coautor. No caso de ser um excesso previsível,

poderá ser atribuído ao autor a título de negligência como autor e não como coautor.

A e B combinam dar os dois uma sova a C. B, sem dizer nada a A, leva uma pistola e

durante a sova e mata C. Como punir os agentes?

A e B são coautores no que concerne à sova;

Quando ao excesso, o mesmo não pode ser imputado a A; porém, caso ele

pudesse ter previsto a situação, será punido como autor paralelo a título de

negligência.

Nos crimes negligentes é autor todo aquele que contribui causalmente para o

resultado.

Execução conjunta

Neste caso, interessa recorrer ao artigo 26 do CP em que o legislador afirma que cada

um dos coautores tem de ter o domínio da sua parte e contributo na execução,

repartindo tarefas. Neste sentido, os elementos típicos do crime não necessitam de

estar previstos por todos os sujeitos, para que todos sejam punidos, em coautoria,

pelo mesmo crime.

Roxin acrescenta que, para além de termos de provar que cada um domina a sua parte

na execução, é necessário provar que cada um dos coautores tem a titularidade de

uma contribuição essencial na execução do facto, isto é, nos termos do plano, a

40 Pode ser expresso ou tácito.

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contribuição de cada um dos coautores tem de ser considerada indispensável, ao

ponto de poder fazer fracassar o plano com a não prestação do seu contributo.

A pessoa, ao não realizar a sua contribuição, faz com que fracasse o plano.

Outra parte da doutrina considera ainda que não basta a titularidade do plano; há

quem considere que, em concreto, esse contributo tenha que ser essencial.

A leva B ao local do crime (porta do banco) e a partir do momento em que o

deixa no local do crime vai-se embora. Neste caso, a execução do crime começa

quando o outro se vai embora.

Já na situação de A dar instruções a B pelo telemóvel. Será coautor?

Poderá ser pois não é necessário que a pessoa se encontre no lugar em que vai

dar-se a execução material.

A doutrina diverge. Há quem considere que é necessário um contacto direto e

outros que consideram que este contacto pode ser indireto. Caso não se

consiga punir como coautor, poderemos punir como cúmplice moral.

Participação

As formas de participação são:

Instigação (artigo 26 do CP);

Cumplicidade (artigo 27 do CP).

Participação – a instigação

Será o instigador autor, por via do artigo 26 que tem como epigrafe a “autoria”?

Figueiredo Dias considera que se houver determinação de outrem a praticar o

crime, o instigador deve ser uma forma de autoria porque ele pressupõe

através do domínio da decisão o domínio do facto. Para este autor, o instigador

cria no executor a decisão de atentar contra um certo bem jurídico-penal

através da comissão de um concreto ilícito típico. Assim, este entendimento é

comum à ideia da chamada responsabilidade do verdadeiro “senhor” do facto,

isto é, daquele que criou no homem da frente a decisão da realização típica.

Porém, outra parte da doutrina não concorda com este entendimento e

considera a instigação como uma forma de participação – Teresa Beleza.

O fundamento da punibilidade do instigador é ele determinar outro a praticar o crime.

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Elementos

Os elementos da instigação são:

Determinação de outrem a executar dolosamente o crime;

Duplo dolo do instigador.

Quanto à determinação de outrem a executar dolosamente o crime, implica-se que o

instigador produza e crie no executor a decisão de realizar o facto. Isto significa que

para haver instigação não basta que se influencie a decisão do executor ou que se

sugira algo ao executor. Na instigação, o instigador faz nascer no executor a vontade

de executar o crime. Assim, a decisão de executar o crime foi produzida pelo

instigador.

Como segundo pressuposto, o executor tem dolo; apesar da decisão ter sido

provocada por parte do instigador, ele terá dolo da ação executada.

Por exemplo, A paga 5000 euros a B para matar C; quem fez nascer neste caso

a vontade de matar C foi A, na cabeça de B; porém, a partir do momento em

que a decisão surgiu na cabeça do outro, passa a ter dolo na ação instigada.

Além disso, o instigador tem de ter dolo de determinar, querendo determinar o outro

a praticar o facto; além disso, ele tem de ter dolo da ação instigada.

Problemas possíveis

1. Mas o que acontece quando A paga 5000 a B para matar C e B confunde C com D?

Neste caso, maior parte da doutrina (Roxin) entende que este erro deve valer

como uma aberractio ictus para o homem de trás.

2. A pede a B para matar C; B está atrás de uma árvore, faz pontaria para o C e acerta

em D que está ao lado. Em relação ao executor houve uma aberractio ictus e em

relação ao homem de trás também.

3. A pede a B para dar uma sova em C; B entusiasma-se e além da sova mata C. Quanto

às ofensas corporais é instigador; quanto ao homicídio, trata-se de negligência, caso

fosse previsível.

4. Importa ainda falar da instigação em cadeia em que o agente não tem contacto

direto com o executor do facto mas surge como elo de uma cadeia conducente à

determinação da prática de um facto típico ilícito.

A, amante de B, convence-o a determinar C a matar D, marido de A.

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No caso de mea culpa (em Amarante) em que o dono de um bar de meninas (A)

quis incendiar o bar de meninas concorrente; A contratou B, que por sua vez

contratou C para provocar um incendio nesse bar. Neste caso, a porta de

incêndio não funcionou e morreram muitas pessoas. Ao dono do bar

concorrente, aplicou-se a figura de autor mediato pois a lei apenas afirma

“determinar outra pessoa à prática”.

Existe outra parte da doutrina que diz que a lei não define se direta ou indiretamente,

pelo que poderíamos aplicar ao dono do bar a figura da instigação.

Já Figueiredo Dias e João Raposo defendem que devemos partir de quem executou o

facto e perguntar o que determinou a sua atuação. Se na cadeia causal encontrarmos

elos que não tenham determinado a sua atuação, eles não serão punidos como

autores mas apenas como cúmplices.

Cumplicidade

Para haver cumplicidade tem de haver:

Contributo direto do cúmplice para facilitar ou preparar a execução; esse

contributo pode ser material, mas não pode ser um contributo material ao

ponto de ele tomar parte direta na execução ou contributo moral em que,

neste caso, não pode ser um contributo essencial ao ponto do contributo moral

ser determinante da vontade do executor.

Por exemplo, alguém empresta uma arma sabendo que a mesma vai ser

utilizada num assalto.

Tem de haver causalidade em relação ao resultado tal como se produziu:

imaginando que uma pessoa emprestou uma arma que não foi utilizada, não

existe causalidade;

Tem ainda de haver execução ou começo da execução;

Tem de haver dolo por parte do autor material/executor

Quanto aos elementos subjetivos:

Tem de existir duplo dolo por parte do cúmplice: o cúmplice tem de ter dolo de

auxílio e dolo quanto ao facto ilícito praticado.

Como resolver casos práticos? O princípio da acessoriedade limitada

Numa hipótese de comparticipação, deveremos sempre analisar em primeiro lugar o

autor material porque, face ao princípio da acessoriedade limitada, a responsabilidade

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do participante é determinada em função da responsabilidade do autor material;

assim, só podemos punir o participante se o autor material tiver praticado o facto

típico e ilícito.

Se houver uma causa de exclusão da ilicitude, essa ilicitude estende-se ao participante.

Já a culpa, vai ser analisada individualmente.

Artigo 29 do CP.

O artigo 28 do CP

O artigo 28 aplica-se para os crimes específicos próprios e impróprios; assim, ao

contrário do princípio da acessoriedade limitada, não se aplica a todos os crimes.

Este artigo visa responder ao problema de saber se eventuais comparticipantes que

não têm a qualidade exigida no tipo podem ou não ser responsabilizados por esse tipo

de crime.

Em relação a esta questão, a professora Teresa Beleza afirma que o artigo 28 só se

aplica quando o autor material não tem essa qualidade específica. Basta que o

comparticipante tenha essa qualidade, para se estender ao autor material? O artigo 28

afirma que sim, segundo o entendimento desta doutrina.

O princípio da acessoriedade limitada aplica-se quando falamos de participação, isto é,

só se aplica às formas de participação. Já o artigo 28 aplica-se a todas as formas de

comparticipação, quer de autoria, quer de participação.

Este artigo afirma que são comunicáveis todas as qualidades ou relações especiais do

agente que servem para fundamentar ou graduar a ilicitude; já não o são as que

servem para graduar a culpa.

Por exemplo, o crime do artigo 369 só pode ser praticado por quem for

funcionário. Imaginando que o funcionário é juiz e o mesmo utiliza o irmão

gémeo para produzir a sentença. Neste caso, ele não é funcionário.

Imaginemos que o pai paga a uma pessoa para matar o filho. Como será punida

a pessoa que executa o facto? O pai será punido por homicídio qualificado e o

executor por homicídio simples. Porém, para outra parte da doutrina, o artigo

132, no que concerne ao executor, considera que passa também pela culpa.

A professora defende que os elementos estão todos ligados.

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Assim, quando funciona o 132 nestes casos, não poderemos funcionar com o

artigo 28 do CP. A qualidade de pai não será estendida à pessoa a quem ele

pagou pois está relacionada com a culpa, sendo que a mesma é analisada

individualmente. Assim, o autor material será apenas punido por homicídio

simples.

Casos práticos

1. Abel oferece a Bernardo uma recompensa pelo assassínio do Carlos.

Bernardo, aceita a oferta de Abel lhe fornecer, para além da recompensa, a

espingarda e munições. Abel acede ao pedido e Bernardo aceita a oferta. No

dia seguinte, Bernardo aguarda Carlos à porta de casa e ao avistar Frederico,

pensa que é Carlos e dispara. Ao aperceber-se do erro, resolve esperar por

Carlos; quando este surge, dispara novamente. Determine a responsabilidade

jurídico criminal dos agentes.

Tendo em conta o princípio da acessoriedade limitada, os participantes só

serão punidos se o autor material tiver praticado um ato típico ilícito – assim,

deveremos começar a análise do crime pelo autor material.

Bernardo praticou uma ação jurídico-penalmente relevante; os elementos

objetivos do tipo estão todos presentes segundo o crime de homicídio. Já

quanto aos elementos subjetivos, existe um erro; porém, o mesmo não tem

relevância pois os objetos são tipicamente idênticos. Assim, o dolo direto não

se exclui.

Para maior parte da doutrina, aplicamos o instituto da aberractio ictus para o

homem de trás. Em princípio, Abel será punido por tentativa de homicídio

(como instigador) de Carlos e por homicídio negligente de Frederico (apenas

como autor paralelo e não como instigador).

Quanto à morte de Carlos, serão ambos punidos por homicídio doloso. Porém,

Abel apenas será punido por homicídio uma vez que existe uma relação de

concurso aparente.

Abel é instigador, sendo necessário provar que existe duplo dolo do agente e

houve execução do facto. Por outro lado, é também cúmplice material pois

contribuiu para a realização do facto, auxiliando materialmente Bento; teremos

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de provar o contributo material de Abel, a causalidade em relação ao resultado,

duplo dolo do cúmplice (dolo de auxiliar e dolo de realização do facto). Assim,

Abel é instigador e cúmplice em relação ao mesmo facto; porém, ele não pode

ser punido por ambos os crimes, sendo punido apenas como instigador pois é a

forma mais grave de realização do facto típico; conseguimos assim abarcar toda

a ilicitude do agente – subsidiariedade implícita.

2. Havia já algum tempo que Carlos não gostava de Duarte. Porém, quando ficou

a saber que este começara a namorar com a sua irmã Elsa, ficou furioso.

Contava Carlos o seu drama a Filipe, um amigo, quando este lhe disse

“conheço um tipo, o Gustavo, que já limpou o sebo a uns quantos e anda com

dificuldades económicas. Por algum dinheiro, ele faz o que tu quiseres”.

Carlos pediu então a Filipe que, em seu nome, contactasse Gustavo e lhe

oferecesse 500 euros para dar uma sova a Duarte. Este aceitou prontamente

a proposta. Mais tarde, nesta noite, esperou por Duarte à porta de uma

discoteca e, vendo sair uma pessoa de aspeto físico semelhante ao de Duarte,

mas que era Hugo, agrediu-o violentamente. Hugo foi transportado ao

hospital, onde acabou por falecer por não ter sido possível realizar

imediatamente uma transfusão de sangue, uma vez que aquele hospital não

dispunha em stock sangue do tipo do seu (que era efetivamente um tipo de

sangue muito raro).

Começando pelo autor material (Gustavo), não existe erro sobre o objeto;

como os elementos são tipicamente idênticos, não relevância este erro.

No âmbito do tipo objetivo, coloca-se a dúvida da imputação objetiva. Haverá

imputação objetivo do resultado morte do Hugo à conduta do Gustavo?

- A teoria da conduta sine qua non está verificada pois se eliminarmos a

conduta de Gustavo, o resultado morte não subsiste.

- A teoria da causalidade adequada não está verificada pois o homem médio

não conseguiria prever aquele resultado segundo aquele processo causal. O

homem médio não conseguia prever a falta de sangue por parte do hospital,

mas tudo dependia da razão da falta de sangue.

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- A teoria do risco não está verificada pois o agente criou um risco proibido,

mas que se concretizou no resultado. O risco concretizado no resultado foi o

risco criado pelo senhor do stock.

Assim, a Gustavo apenas pode ser imputada a tentativa de homicídio e ofensas

corporais graves; porém, existe concurso aparente sob a forma de

subsidiariedade.

Porém, Gustavo foi contratado para dar uma sova a Duarte; porém, ele deu

uma sova noutra pessoa que não era supostamente a sua vítima. Existe um

erro sobre o objeto, mas não é relevante pois existe uma identidade típica

entre os objetos não se excluindo o dolo.

Quanto à responsabilidade de Carlos e Filipe, teremos de analisar a

participação criminosa. Temos a figura da instigação em cadeia pois quem

contacta Gustavo é o Filipe; mas Filipe fala com Gustavo em nome de Carlos e,

além disso, Gustavo trabalha a troco de dinheiro. O problema é que quem

contactou o Gustavo foi o Filipe. Neste sentido, segundo o artigo 26, parece

que apenas é possível punir o Filipe pois foi ele que determinou. Como resolver

esta situação?

- Para uma parte da doutrina, estão incluídas neste artigo o contacto direto ou

indireto com o autor material.

- Para outra parte da doutrina, para que se considere uma pessoa como

instigador, essa pessoa tem de contactar diretamente com o autor material.

Assim, Carlos só pode ser punido como cúmplice e não como instigador.

- Temos ainda uma terceira posição: partindo do autor material, teremos de

perceber o que foi determinante para ação do mesmo. Se foi o dinheiro,

considera-se que o instigador é quem contribui de forma determinante para o

crime.

Porém, temos de analisar a situação de excesso uma vez que o autor faz mais

do que foi pedido; poderemos atribuir esse excesso ao homem de trás?

- Poderia ser instigador, mas caso lhe fosse previsível que o executor ia exceder

os seus poderes, ele podia ser considerado não instigador da morte, mas autor

negligente do crime de homicídio. Nos crimes negligentes, é autor todo aquele

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que contribui causalmente para o resultado, pelo que ele seria autor e não

instigador.

- Neste caso, em princípio, o excesso não poderá ser atribuído porque não se

verificam os elementos da instigação.

Por fim, resta analisar o erro por parte do autor material. Terá esse erro

relevância para o homem de trás (instigador)?

- Em princípio não, pois ele pediu para bater na pessoa X e não na outra. Mas

poderemos considerar a identidade típica dos objetos? Para maior parte da

doutrina, esse erro equivale e deve ser tratado como uma aberractio ictus para

o instigador. Assim, a solução será a punição por tentativa do crime que era

para ser realizado e como autor negligente de ofensa à integridade física do

homem que realmente sofreu o dano, se lhe fosse previsível.

- Porém, outra parte da doutrina considera que, quando na aberractio ictus os

objetos são tipicamente idênticos, o agente deve ser punido por um só crime

doloso; por isso, o homem de trás será punido pelo crime de ofensa à

integridade física dolosa da pessoa que o autor material atingiu (Hugo).

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A ilicitudeO método utilizado

Não basta que uma ação configure um tipo especial de crime, uma vez que, em certos

casos, apesar de típica, uma ação pode não ser ilícita. Pode ser então permitido matar

alguém ou ofender a pessoa corporalmente.

Assim, depois da tipicidade, teremos de analisar a ilicitude de ação. Mas como fazê-lo?

A ilicitude analisa-se pela técnica negativa da exclusão. Para chegarmos à

conclusão de saber se uma conduta é ilícita ou não, teremos de averiguar se se

verifica ou não alguma causa de exclusão da ilicitude (causa de justificação).

Assim, caso de verifique alguma delas, termina a análise do crime.

O tipo essencial e indiciário

No tipo indiciário da ilicitude estão em causa os elementos positivos da ilicitude e são

necessários para dizer que o tipo está preenchido. No tipo essencial, já iremos ter em

conta os elementos que podem ou não afastar a ilicitude.

Porém, para se afirmar a ilicitude de um facto, teremos de ver se estão

preenchidos o tipo indiciário e o tipo essencial. Posteriormente, teremos de

analisar se existe alguma causa de exclusão da ilicitude.

Em suma, o juízo essencial da ilicitude só estará completo depois da análise das causas

de exclusão da ilicitude.

O artigo 31 do Código Penal

O artigo 31/2 do CP estabelece uma enumeração de causas de exclusão da ilicitude.

Mas será este elenco taxativo? Vejamos os argumentos.

A expressão “nomeadamente” pode ser interpretada como uma possibilidade

de abertura deste artigo a outras causas de exclusão da ilicitude;

Na mesma linha, a expressão “ordem jurídica considerada na sua totalidade”

remete para a utilização de outras figuras de outros ramos do Direito

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(nomeadamente no direito civil): por exemplo, a ação direta. Teresa Beleza

defende esta mesma posição.

Assim, a ação direta, caso se verifique, será uma causa de exclusão da ilicitude.

Para além disso, existem causas de exclusão da ilicitude previstas na parte

especial do CP: por exemplo, no caso do aborto, há uma parte da doutrina que

considera que quem o realizar até às X semanas, será um caso de exclusão da

ilicitude.

Temos ainda as causas de justificação supralegais como a legitima defesa

preventiva; esta causa não está prevista, mas é aceite pela doutrina pois a

razão de ser da legitima defesa está presente nesta figura. Já o estado de

necessidade defensivo, é também uma causa de justificação supralegal.

A legitima defesa preventiva não exige como pressuposto uma agressão atual,

bastando provar uma agressão futura e que aquele comportamento era a única

via que o agente tinha para se defender. Já o estado de necessidade defensivo,

não exige, ao contrário do direito de necessidade, que o interesse a

salvaguardar seja sensivelmente superior ao interessa sacrificado e não exige

que será razoável impor ao lesado o sacrifício do seu interesse;

Podem ainda ser estabelecidas causas de exclusão da ilicitude por analogia. Tal

não viola o princípio da legalidade pois tratam-se de normas que excluem ou

diminuem a responsabilidade criminal do agente.

O regime geral das causas de exclusão da ilicitude

1. Será que, para um determinado comportamento estar justificado, é preciso, para

além dos elementos objetivos estabelecidos pela lei, que se verifiquem também

elementos subjetivos? Para excluir a ilicitude, é preciso, para além da existência da

situação justificadora, que o sujeito conheça a existência dessa situação? Por

exemplo, para atuar a figura da legitima defesa, basta que se verifique a existência de

uma agressão atual e ilícita ou é ainda necessário provar que o sujeito sabia que existia

uma atuação atual e ilícita?

A resposta varia consoante o crime seja doloso ou negligente.

2. Quais as consequências se houver um erro sobre os elementos objetivos de uma

causa de justificação? Por exemplo, A vê B, seu inimigo a aproximar-se e vê B a colocar

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a mão no bolso e pensa que é uma pistola, mas afinal B iria retirar uma carteira. A

dispara. Quid iuris?

Para resolver estes casos, teremos de recorrer ao artigo 16/2 do CP, excluindo-

se o dolo. Trata-se de um caso de legitima defesa putativa.

A primeira questão

Durante muito tempo, o Professor Cavaleiro Ferreira defendeu que as causas de

justificação só exigiam a presença de elementos objetivos. Atualmente, maior parte da

doutrina defende que as causas de exclusão integram, para além de elementos

objetivos, o elemento subjetivo, isto é, é preciso que o sujeito conheça a situação

justificadora. Mas qual a principal razão disso?

Só é possível justificar um comportamento se conseguirmos compensar o

desvalor da ação e do resultado desse comportamento.

A ação de A de matar é composta por desvalor de ação e desvalor do resultado;

o desvalor da ação ocorre devido ao facto de ele conhecer e querer matar B; o

desvalor do resultado é a morte. Para dizer que essa ação é culposa, estamos a

fazer um juízo de censura ao agente porque ele podia ter-se motivado para o

direito, tinha liberdade para o fazer e não o fez.

Assim, para excluir a ilicitude, teremos de eliminar o desvalor da ação e o

desvalor do resultado. O desvalor do resultado elimina-se com a presença dos

elementos objetivos; já o desvalor da ação elimina-se com a presença dos

elementos subjetivos.

A dispara sobre B, mas porque o B estava com uma pistola apontada à cabeça de A.

Podemos neste caso excluir a ilicitude? Será este comportamento lícito?

DESVALOR DA AÇÃO: neste caso, A representou uma agressão por parte de B,

querendo repelir essa agressão; esta representação elimina claramente o

desvalor da ação. Na realidade, ele não quer matar, mas sim defender-se.

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Ilicitude

Desvalor da açãoApenas se se verificar os

elementos subjetivos

Desvalor do resultado

Apenas se se verificar os

elementos objetivos

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DESVALOR DO RESULTADO: por outro lado, teremos de anular o desvalor do

resultado (morte de B) com o facto de B estar com uma arma apontada a A,

verificando-se os pressupostos da legítima defesa.

Assim, a consequência da não existência do elemento subjetivo, é o facto de não se

eliminar o desvalor da ação. Será então punido por tentativa pois essa é a figura que

pune o desvalor da ação.

O mesmo ocorre por via do artigo 38/4 do CP. A propósito do consentimento do

ofendido, o legislador exige claramente esse conhecimento. Mais uma vez aqui, caso

esse consentimento não esteja justificado, teremos de punir o agente por tentativa,

com a pena aplicável à tentativa.

Este artigo pode ser aplicado analogicamente uma vez que não se aplica o

princípio da legalidade. Trata-se de uma norma penal negativa.

Assim, maior parte da doutrina considera que o artigo 38/4 é aplicável a todas

as causas de exclusão da ilicitude.

Se A dispara sobre B e mais tarde se vem a saber que B estava com uma arma

apontada a A, não é possível compensar o desvalor da ação; assim, teremos de

punir o agente por tentativa. O facto de se provar que estavam presentes os

elementos objetivos da legitima defesa, tal deve conferir um tratamento

especial.

Resumindo...

- B pratica uma agressão atual e ilícita e A sabe disso – legítima defesa;

- B pratica uma agressão atual e ilícita e A não sabe disso – tentativa, pois falha o

elemento subjetivo;

- B nada faz e A dispara – Homicídio.

Outros casos...

A vai numa estrada e, de repente, vê no meio da estrada uma caixa de papelão e pensa

que nada é e passa por cima. Depois, constata que estava lá dentro uma pessoa.

Neste caso, o tribunal puniu por homicídio negligente. Mas havia razões para o

homem constatar isto?

Porém, imagine-se que a pessoa estava com o propósito de obrigar o carro a parar, a

pessoa sair de dentro da caixa, dar um tiro ao condutor e fugir com o carro.

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O agente atuou negligentemente; nestes crimes, o desvalor da ação é muito

diminuto, sendo que não se vai exigir a presença do elemento subjetivo na

causa de justificação para compensar essa ação.

Assim, nos crimes negligentes, para excluir a ilicitude, não necessitamos do

elemento subjetivo.

A segunda questão

Chama-se a esta situação erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de

exclusão da ilicitude. Resolve-se esta questão pelo artigo 16/2 do CP e exclui-se o

DOLOOOOOOO.

Neste artigo, o legislador refere-se a um erro sobre os elementos objetivos de

uma causa de exclusão da ilicitude.

Assim, o que acontece é que há uma discrepância entre a representação do agente e o

que se passa na realidade. Porém, também há erro em Direito Penal quando há uma

ignorância total da situação.

Nestes casos, existe um elemento subjetivo das causas de exclusão da ilicitude,

representando uma agressão, atual e ilícita. Porém, não existe qualquer causa de

exclusão da mesma.

Em suma, exclui-se o dolo e o agente pode ser, eventualmente punido, por

negligência (artigo 16/3 do CP). Nestes casos, só conseguimos compensar o desvalor

da ação, permanecendo o desvalor do resultado – assim, exclui-se o dolo, podendo

punir-se a título de negligência.

A evolução do artigo 16/2 do CP

1. A teoria do dolo, defendida por Eduardo Correia, considera que faz parte do

elemento do dolo, a consciência do ilícito. Se a consciência do ilícito faz parte do dolo,

o dolo, para além de ser comporto pela representação e o querer realizar o facto

típico, também é composto pela consciência do facto ilícito.

Como a consciência faz parte do dolo, exclui-se o dolo.

Já Figueiredo Dias considera que o dolo que se exclui quando há erro sobre os

pressupostos de facto de uma causa de exclusão da ilicitude é o dolo que se analisa em

sede de culpa; isto é, como falta o elemento emocional, o agente não se motivou

contra a ordem jurídica.

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2. A teoria da culpa rigorosa considera que, como o dolo pressupõe o conhecimento e

vontade da realização do facto típico, não é possível excluir o dolo pois o agente

representou e quis a realização do facto típico; apenas podemos excluir a culpa.

3. A teoria moderada ou delimitada da culpa (doutrina dominante) afirma que este

erro está entre o erro sobre o facto típico e o erro sobre a ilicitude. Por um lado, este

erro, tal como o erro sobre o facto típico, é um erro de natureza fáctica em que há

uma representação errónea da realidade; o agente representa algo que não se verifica.

Por outro lado, é, tal como o erro sobre a ilicitude, um erro em que a vontade do

agente é conforme ao Direito; isto é, a pessoa que quer defender-se não pensa que

está a atuar contra a ordem jurídica.

4. Assim, nestas situações exclui-se o dolo pois temos uma situação incompatível com

esta figura. Como nestas situações o desvalor da ação é tão diminuto, que não é

possível ir buscar o dolo.

5. Fernanda Palma considera que, para tomar uma posição sobre o regime a aplicar ao

erro sobre os pressupostos de facto, não temos de aceitar os pressupostos das teorias

anteriores; o que importa é analisar o sentido substancial deste erro. Assim, importa

analisar a natureza deste erro; se é um erro de natureza intelectual ou um erro de

natureza moral. Para Bárbara Sousa Brito estamos perante um erro de natureza

intelectual pois há uma discrepância entre o que ele representa e o que se passa na

realidade. Já no erro moral, o agente representa corretamente a realidade; porém, o

que ele representa mal é a ordem jurídica41.

Nos erros de natureza moral, aplica-se o artigo 17 em que, caso o erro não seja

censurável, exclui-se a culpa.

A legitima defesa

O professor Cavaleiro Ferreira resolveu dividir em pressupostos e requisitos da

legítima defesa:

Pressupostos (condições sem as quais não se verifica uma causa de justificação

da ilicitude): (1) agressão, (3) atual, (3) ilícita que (4) ameace interesses

juridicamente protegidos do agente ou terceiro.

41 Por exemplo, no caso da dinamarquesa, estamos perante um erro de natureza moral.

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Requisitos: (1) meio de defesa necessário; (2) inexistência de provocação

preordenada; (3) animus defendendi.

A legitima defesa tem como elemento subjetivo o animus defendendi.

Pressupostos – a agressão atual e ilícita

1. Uma agressão tem de ser uma ação jurídico-penalmente relevante que terá de

ameaçar interesses juridicamente protegidos do interesse ou de terceiro.

Assim, a título de exemplo não é possível legitima defesa contra o sonâmbulo.

Por outro lado, a agressão poderá dar-se sobre a forma de comportamento ativo ou

omissivo.

2. É ainda necessário que haja uma possibilidade efetiva da lesão do bem jurídico;

assim, não é possível legitima defesa se houver uma tentativa impossível que não se

pode concretizar, ou porque o objeto não existe, ou porque o meio é inidóneo.

3. Esta agressão tem ainda de ser atual, isto é, tem de estar em execução ou ser

iminente.

Por exemplo, o disparo de B que ocorre quando A se prepara para retirar a

pistola do bolso do casaco com que pretendia matar B, está justificado, pois

trata-se de uma agressão atual.

Há uma discussão na doutrina de saber se para uma agressão ser atual tem de ser um

ato de execução à luz do artigo 22/c) do CP; assim, há quem entenda que os atos de

execução têm de caber, pelo menos neste artigo e outros (como Figueiredo Dias) que

não concordam com essa ideia e exigem apenas uma expectativa.

Este requisito também significa que não é possível legitima defesa contra uma

agressão já consumada ou futura (neste caso, pode existir legitima defesa preventiva

ou mesmo o direito de necessidade).

Figueiredo Dias afirma que o término da atualidade da agressão ocorre no momento

exato em que a defesa já não é suscetível de colocar fim à agressão.

4. É ainda necessário que essa agressão seja ilícita42, ou seja, a ação jurídica

penalmente relevante não pode estar justificada. Não há legitima defesa contra

legitima defesa.

42 Figueiredo Dias: a ilicitude da agressão afere-se à luz da totalidade da ordem jurídica, não tendo de ser

especificamente penal.

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Esta ação não tem de ser violenta para ser ilícita: por exemplo, A vê B a furtar a

carteira de C e, nesse momento, dá-lhe um safanão. Por parte de B não existe uma

agressão violenta, mas sim ilícita.

Além disso, essa ação não precisa de ser culposa ou dolosa; é possível atuar em

legitima defesa se a ação provier de um inimputável ou se for negligente.

Pressupostos – a ameaça de interesses juridicamente protegidos do agente ou

terceiro

É possível atuar em legitima defesa de um terceiro; mas pode essa atuação se dar

quando esse terceiro dispõe dos meios para se defender e não se quer defender?

A está a bater em B; B tem possibilidade de se defender, mas não quer. Pode C

intervir? Para Bárbara Sousa Brito, esta questão relaciona-se com os bens

jurídicos disponíveis e indisponíveis. Porém, quando há especial dever de agir,

admite-se sempre essa intervenção.

Por outro lado, pode a legitima defesa incidir sobre bens jurídicos sociais?

Para Bárbara Sousa Brito, tal não é um problema, nomeadamente se esses bens

atingirem bens individuais: por exemplo, A rouba um carro do Estado; B pode

claramente intervir.

Requisitos – o meio de defesa necessário

Para este requisito estar preenchido:

Não é possível recorrer à força pública; caso seja possível, o meio deixa de ser

necessário;

Tem de ser um meio eficaz ou idóneo;

Tem de ser um meio menos gravoso entre todos aqueles que o agente tiver ao

seu alcance e/ou o único possível43. Tem de haver uma proporcionalidade

entre o bem jurídico lesado e o bem jurídico protegido; isto é, tem de haver

uma proporção entre a agressão e defesa.

Por exemplo, se A tiver uma arma de fogo apontada a B, B deverá primeiro ameaçar ou

atirar para o ar para verificar se o A se demove daquela ação. Posteriormente, poderá

disparar, mas apenas acertando em partes não vitais do sujeito (por exemplo, pernas).

43 Porém, isto é muito difícil de concluir no caso concreto, pelo que temos de fazer um juízo de prognose

póstuma; teremos de colocar um homem médio na posição do agente, com todos os conhecimentos

que o agente tem (nomeadamente o tempo que ele tem para pensar no assunto.

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Só quanto todos os procedimentos anteriores se mostrarem preenchidos é que B pode

então disparar para a cabeça ou para o tronco de A.

Requisito – inexistência de provocação preordenada

Se houver uma agressão que foi dirigida com objetivo de obter do provocado uma

reação agressiva, por forma a conseguir colocar o provocador na situação de

defendente, não poderá haver legitima defesa.

Por exemplo, A ofende B, fazendo com que B dê um murro a A. Neste caso, se

A ferir B, não poderá ser aplicado o instituto da legítima defesa.

Elemento subjetivo – animus defendendi

É preciso provar que o agente tinha conhecimento da agressão atual e ilícita e, além

disso, tinha vontade de repelir essa agressão. Este elemento subjetivo não é

incompatível com uma motivação negativa por parte do agente que atua em legítima

defesa.

Limites da legitima defesa

Assim, para além de se provar que o meio era o necessário, é essencial demostrar que

há proporcionalidade entre a agressão e a defesa. Por exemplo:

B, jovem, vai todos os dias furtar maças ao pomar de um vizinho, A

(paraplégico). A já fez de tudo para impedir o rapaz de furtar as maças: chamou

os vizinhos, falou com os pais, chamou a polícia, comprou um cão, etc. Certo

dia, para impedir B de furtar as maças, A conclui que a única solução é disparar

B.

Mas imaginemos que B quer furar um olho a A. Poderá A dar um tiro a B?

Parece que neste caso não é admissível legitima defesa pois não existe

proporcionalidade entre os bens jurídicos. O princípio que justifica a legitima defesa é

a proteção de bens jurídicos, havendo necessidade de encontrar limites ético-sociais.

Tendo em conta o sistema de valorações da ordem jurídica em geral, há que haver

uma proporcionalidade entre o bem jurídico lesado e o bem jurídico ameaçado.

Figueiredo Dias, afirma que a legitima defesa tem como princípio fundamentador, o tal

direito de defesa que o agente deve ter face a uma agressão ilícita. Esse direito é um

direito subjetivo como outro qualquer; assim, como todos eles, está limitado pela

figura do abuso de direito.

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Já a professora Fernanda Palma entende que basta recorrer ao fundamento da

legítima defesa que, para ela, é a dignidade da pessoa humana, ou seja, a

insuportabilidade da lesão do bem tendo em conta a dignidade do agente. A

proporcionalidade exige-se quando a lesão não é insuportável.

Por outro lado, imaginemos que alguém vê outro a furtar o seu carro. A única hipótese

que ela tem de evitar o furto é disparar. Quid iuris?

Não se justifica a legitima defesa pois os bens jurídicos são muito diferentes

(vida e património).

Direito de necessidade (artigo 34)

Pressupostos:

Tem de existir um (1) perigo (2) atual e (3) real que (4) ameace interesses

juridicamente protegidos do agente ou de terceiro

Requisitos:

O facto praticado ser o meio adequado para afastar o perigo;

A sensível superioridade do interesse a salvaguardar face ao interesse lesado;

A razoabilidade da imposição do sacrifício;

A não provocação voluntária pelo agente de uma situação de perigo.

A existência de um perigo atual e real

1. Na legítima defesa, a causa do perigo tem de ser uma ação humana que se traduza

numa ação jurídico penalmente relevante. No direito de necessidade, a causa de um

perigo tanto pode ser um comportamento humano que não se traduza numa ação

jurídico penalmente relevante, como pode ser ataques de animais ou acontecimentos

naturais.

2. O perigo tem de ser atual e encontrar-se muito próximo da lesão, não podendo

haver erro sobre os pressupostos de facto do estado de necessidade;

3. Têm de se verificar os elementos reais para se poder atuar em direito de

necessidade; se não for real, o agente está em erro sobre os pressupostos de facto de

uma causa de exclusão da ilicitude.

A adequação do meio

O legislador utiliza a expressão “meio adequado”. Este meio tem de ser:

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Necessário, sendo o menos gravoso para afastar o perigo entre os disponíveis.

Assim, terá de responder de forma socialmente aceitável à situação.

Exemplo: A roubou o valor de 4 euros num supermercado. O STJ afirmou que

este homem atuou em estado de necessidade pois não tinha outra forma de se

alimentar a não ser esta.

Outro exemplo: determinada pessoa precisa de um medicamento para se

salvar. Ele pretendeu obter aquele medicamento através dos meios legais (SS e

Sistema de Saúde) e não conseguiu. Se for a uma farmácia e furtar o

medicamento, poderemos aplicar o Estado de Necessidade? A professora

considera que sim.

Se assim for, poderemos, por outro lado, retirar a legitima defesa ao dono da

farmácia.

A sensível superioridade do interesse a salvaguardar face ao interesse lesado

Para Bárbara Sousa Brito, teremos de analisar os fatores essenciais para considerar o

interesse superior, recorrendo à hierarquia dos bens jurídicos em confronto. Para isso,

Figueiredo Dias defende que devemos em primeiro lugar analisar a medida da pena e,

dessa forma, perceber qual o bem jurídico que prevalece. Para além disso, devemos

ainda atender:

À intensidade de lesão do bem jurídico;

Ao grau dos perigos que ameaçam os interesses em jogo;

Ao respeito pela eminente autonomia e dignidade da pessoa humana.

Exemplo: A, é assaltado no metro e roubam-lhe a carteira que continha lá dentro o seu

ordenado. A tenta perseguir o assaltante e empurra B, milionário, partindo-lhe os

óculos. Os óculos têm o valor do ordenado de A. Pode haver crime de dano? Não, há

aqui direito de necessidade, pois o interesse de A prevalece (é mais importante o

ordenado de A do que os óculos de B).

Um dos fatores a ter em conta é também a proximidade ou grau do perigo. No caso

da ambulância que vai em emergência e conduz de forma perigosa, ela coloca em

causa a vida e integridade física das pessoas que estão na estrada. Comparando os

bens jurídicos, podemos chegar à conclusão de que eles têm o mesmo valor. Porém,

teremos de analisar a proximidade do perigo. Como o perigo para a pessoa que está

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na ambulância é muito mais próximo, poderá a ambulância estar em excesso de

velocidade.

Porém, Figueiredo Dias defende que já não é assim quando a ambulância

apenas transporta um sujeito com uma pena partida.

Imaginando que alguém mata o cão do vizinho para salvar umas flores. Neste caso,

mesmo que fosse umas flores muito raras, esta ação não é lícita.

Ainda a propósito disto, coloca-se a questão da fábula do homem gordo, relacionado

com o princípio da igualdade do valor vida. Imaginemos que um homem gordo está

numa caverna e, a única forma de sair da caverna é por um buraco, sendo que o

homem gordo é o primeiro a meter-se no buraco. A dúvida é: pode fazer explodir-se o

homem gordo?

A razão de ser deste princípio é garantir que as posições mais fracas não são

absorvidas pelas posições mais fortes.

Neste caso, há uma parte da doutrina que considera que nem se pode aplicar a

legitima defesa nem o Estado de necessidade. Porém, pode aplicar-se uma

figura do estado de necessidade defensivo que se trata de uma causa de

exclusão da ilicitude supralegal. Para quem não queira aplicar esta figura,

podemos chegar à culpa e excluir pela figura do estado de necessidade

desculpante.

Em suma, matando o Homem gordo, nunca poderíamos punir o agente.

A razoabilidade da imposição do sacrifício

Imaginemos que há uma situação de emergência num hospital e é necessário um

determinado tipo de sangue. Só A é que tem esse sangue e é preciso o seu sangue para

salvar a vida de B, que precisa do sangue para sobreviver. Mas A recusa-se a dar

sangue porque tem medo de agulhas. Será aceitável que o médico tire sangue de A

contra a sua vontade?

Teremos de nos questionar até onde deve de ir a solidariedade das pessoas. Assim,

tem de ser razoável imputar o sacrifício, não podendo existir qualquer violação da

autonomia pessoal do sujeito. Já se ele fosse obrigado a doar um rim, já existe

claramente violação da sua autonomia pessoal.

A não provocação voluntária pelo agente de uma situação de perigo

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Maior parte da doutrina entende que quando a situação de perigo for dolosamente44

criada pelo próprio para o colocar numa situação de perigo e dessa forma ele poder

atuar ao abrigo do direito de necessidade, neste caso não se pode aplicar esta figura.

Porém, se ela criar a situação de perigo negligentemente, já poderá ser aplicada a

figura do estado de necessidade.

Conflito de deveres

Pressupostos: tem de existem uma situação de conflito no cumprimento de deveres

jurídicos ou de ordens legítimas de ação, de natureza idêntica.

Cumprimento de um dever de valor igual ou superior àquele que não cumpre

Exemplo: dois doentes precisam de ser ligados à máquina sob pena de morrerem.

Havendo apenas uma máquina, o médico tem de escolher um. Estamos perante um

caso em que há um conflito de deveres em que com o cumprimento de um não se

pode cumprir o outro. Para aplicar uma causa de exclusão de ilicitude, o dever

sacrificado tem de ser de valor inferior ou igual àquele que é salvaguardado . Mesmo

perante deveres iguais, o agente deve sempre cumprir um deles, sob pena de a sua

atuação ser ilícita.

No exemplo acima, estando já uma pessoa ligada à máquina e chega outra que precisa

de ser ligada. Se o médico desligar a pessoa que está ligada à máquina e ligar a nova

pessoa, não pode ser aplicada esta figura.

O legislador valora de forma mais grave a ação. Por isso, o dever de não

desligar é superior ao dever de liga. Em suma, isto só acontece se ele não ligar a

máquina.

Elemento subjetivo

Este elemento subjetivo traduz-se no conhecimento.

Se o médico não ligar a máquina, não comete qualquer ato ilícito pelo que a

mulher do senhor não pode atuar em legitima defesa por parte do médico.

Consentimento do ofendido

Esta figura pode surgir com três formas:

44 Neste caso, Figueiredo Dias utiliza a expressão “intencionalmente”.

100

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Como elemento positivo do tipo em que é preciso haver consentimento para o

tipo estar preenchido.

Como elemento negativo do tipo em que a sua existência levar ao não

preenchimento do tipo. Considera-se que isso acontece quando o bem jurídico

em causa só tem valor quando associado à sua livre disposição: por exemplo,

crime de intromissão em casa alheia em que, se a pessoa der consentimento, o

tipo não está preenchido.

Assim, o consentimento impede o próprio tipo de estar preenchido.

Como causa de exclusão de ilicitude quando o bem jurídico tem um significado

valioso por si só, independentemente da posição do seu titular face a esse bem.

Há uma parte da doutrina (por exemplo, Silva Dias e Conceição Valdágua) que

afirma que o bem jurídico só tem valor quando associado à sua livre disposição.

Por isso, o consentimento do ofendido atua sempre como causa de exclusão da

tipicidade. Porém, Figueiredo Dias entende que há bens jurídicos (por exemplo,

propriedade e integridade física) que só têm valor se associados à sua livre

disposição; mas existem outros bens jurídicos que têm valor objetivamente,

isto é, independentemente da posição do seu titular face ao bem jurídico.

Assim, no caso dos bens jurídicos que só têm valor quando se vêm associados à

sua livre disposição, o consentimento do artigo 38 atua como causa de exclusão

da tipicidade. Porém, nos bens jurídicos com valor por si só, o consentimento

do lesado atua como causa de exclusão da ilicitude.

Por exemplo, se alguém consentir outrem em entrar em sua casa, não estamos

perante uma ação típica. Assim, havendo consentimento, o tipo nem sequer está

preenchido.

Os pressupostos são:

Tem de existir bens jurídicos livremente disponíveis;

Idade superior a 16 anos;

Discernimento necessário de quem consente;

Não ofensa aos bons costumes pelo facto consentido (por exemplo, uma

pessoa de 18 anos consente que outra pessoa lhe corte os braços; aqui releva o

artigo 149/2 do CP);

Quanto aos requisitos:

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Consentimento expresso por qualquer meio que traduza uma vontade séria,

livre e esclarecida. Aqui releva o consentimento presumido que se aplica,

quando no momento em que o agente atua, era de considerar que caso a

vítima tivesse conhecimento do facto, daria o seu consentimento. Por exemplo,

A entra de urgência no hospital e, para lhe salvar a vida, teremos de lhe cortar

a perna. Claramente que aqui presume-se o consentimento pois, em princípio,

a pessoa queria continuar a viver.

Já nos casos, em que por questões religiosas, a pessoa não quer levar

transfusões sanguíneas, não se presume o consentimento.

Elemento subjetivo.

Casos prático

1. A, de regresso a casa, caminhando pela rua, ouve proferir graves insultos.

Logo supondo serem efetuados por B, que se encontrava uns metros à frente,

imediatamente atira a este uma pedra, atingindo, porém, C, que saia de um

café próximo, causando-lhe ligeiras escoriações. C era o verdadeiro autor dos

insultos, mas dirigia-os a D, com quem estava envolvido numa zaragata de

café. Aprecie a responsabilidade jurídico-criminal de A.

Ação jurídico-penalmente relevante controlada pela vontade. Elementos

objetivos preenchidos.

Quanto ao dolo, existe uma execução defeituosa (aberratio ictus), uma vez que

A queria acertar em B e acertou em C. Para maior parte da doutrina, nestes

casos, iremos punir por concurso efetivo de tentativa de ofensas corporais de B

(artigos 143 + 22) e o crime realizado na forma negligente (artigo 148). Porém,

outra parte da doutrina afirma que quando os objetos são tipicamente

idênticos, poderemos punir A por crime de ofensas à integridade física de C na

forma dolosa.

Quanto à ilicitude da tentativa de B, há um erro sobre os pressupostos de facto

pois A representou uma agressão atual e ilícita. Consequência: exclui-se o dolo.

Como não existem tentativas negligentes, termina a análise do crime.

Isto apenas será assim se se demostrar que o meio era o adequado.

102

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Quanto a C, existe um crime negligente. A estaria a atuar em legitima defesa

alheia de D, uma vez que C nada disse. Aplicaríamos o artigo 32 referente a

defesa de terceiro.

2. António decidiu levar os dois irmãos mais novos B e C a uma praia deserta.

Quando olhou para o mar, estavam ambos a pedir ajuda. António, que não

podia salvar os dois, decidiu ajudar Bruno. Celso morreu afogado. Mais tarde,

pressionado, Bruno acabou confessar que não necessitava de ajuda, tendo

decidido simular que se estava a afogar porque odiava Carlos. Determine a

responsabilidade António e Bruno.

Responsabilidade Penal de A:

Sempre que temos um crime de resultado provocado por omissão (impura)

temos que aplicar o artigo 10/2 do CP, de acordo com o qual só pode ser

responsável quem tem especial dever de agir. Neste caso, A tinha ou não

especial dever de agir?

- Segundo o critério formal a fonte é a lei. Segundo o critério material afirma-se

que A tem o dever de vigiar a fonte de perigo que pode derivar de uma relação

de proximidade.

Então, como havia especial dever de agir, o tipo em causa é o tipo de

homicídio por omissão.

Temos então:

- Agente: A - Autor material.

- Ação típica: Não salvar

- Objeto da ação: C

- Bem jurídico: Vida

- Resultado: Morte de C.

Quanto à imputação objetiva do resultado morte à ação típica do A:

Conditio sine qua non: omitindo a omissão o resultado não subsiste nas

mesmas circunstâncias de tempo, modo e lugar.

Adequação: um homem médio colocado na posição do A conseguia prever a

morte de C e segundo aquele processo casual.

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Risco: o agente criou um risco não permitido e há uma conexão entre o risco

criado “não salvar” e o resultado produzido “morte de C”.

Em suma, o tipo objetivo está preenchido, então passamos para o tipo

subjetivo: há dolo nos termos do artigo 14/2 ou 14/3 do CP.

Quanto à ilicitude, se fosse verdade que ambos estivessem mesmo a precisar

de ajuda, o A não atuava ilicitamente, uma vez que atuava ao abrigo do artigo

36 - conflito de deveres.

MAS, ao contrário do que o A pensava, o B, não estava aflito. Representou que

estava aflito, mas não estava. Portanto A achava que estava em conflito de

deveres, mas não estava. Verifica-se um erro.

Erro sobre as circunstâncias de facto: aplica-se o artigo 16/2 do CP e exclui-se

o dolo. Neste caso exclui-se o dolo e pode o agente ser punido por homicídio

negligente se fosse possível perceber que o B estava a fingir.

Porém, neste caso, muito dificilmente se punia por negligência, uma vez que o

agente não sabia que ele estaria a fingir.

Responsabilidade Penal de B:

Será que podia ser punido como autor mediado pelo crime de homicídio de

omissão pelo A? Sim porque uma das formas, diz o art.26º é a utilização de

outra pessoa como instrumento, induzindo-o em erro. Utiliza A como

instrumento da prática do crime. Sendo assim o B era autor mediato por erro.

Além de mediato é imediato. Também tem especial dever de agir, porque era

irmão de C, tal como B. Há um concurso aparente entre autoria mediata e

imediata. E vai ser punido por autoria imediata porque é a forma mais perfeita

da realização do crime e vai ser punido por crime por omissão.

104

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A culpaA culpa é um novo elemento adicionado ao tipo de ilícito. Independentemente do que

é a culpa materialmente, importa saber que mesma se traduz num juízo de censura

dirigido ao agente pela prática do facto, ao contrário da ilicitude, que consiste num

juízo de desvalor que recai sobre o comportamento em si.

Assim, na ilicitude o juízo de desvalor recai sobre o comportamento do agente

e na culpa o juízo é de censura e dirige-se ao agente.

Para Bárbara Sousa Brito, a culpa traduz-se num juízo de censura pelo facto de, tendo

o agente podido se determinar pelo direito, não o fez. O que se analisa na culpa é a

possibilidade que o agente tem de se determinar numa norma de dever; isto é

diferente da possibilidade de adotar uma ação alternativa.

A palavra censura está relacionada com moral, mas é uma moral normativa,

estabelecida pelo Direito.

Em determinadas situações, apesar de o agente se poder determinar pelo

Direito, mesmo assim não lhe era exigível que o fizesse, por razões aceites pelo

mesmo.

Assim, a culpa também envolve uma avaliação moral/jurídica da atitude do agente

face ao direito.

Há outra parte da doutrina, nomeadamente Figueiredo Dias que defende que, o que

se avalia na culpa é a atitude interna juridicamente desaprovada por parte do agente.

Isto é, na culpa fazemos um juízo de censura ao agente, pelo facto de o agente ter de

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responder pelas qualidades pessoais juridicamente censuráveis, que se exprimem no

ilícito típico que ele praticou. Assim, não interessa tanto o real psicológico ou o

concreto poder de o agente se motivar pelo direito, mas sim o facto de o agente ter ou

não de responder pelas qualidades pessoais manifestadas aquando da prática do facto.

Se forem censuráveis há culpa; se não forem não há.

Bárbara Sousa Brito não concorda com esta visão. Esta diferente conceção de

Figueiredo Dias vem do facto de ele não aceitar que há livre-arbítrio.

Porém, os estudos de Libet não negam o livre-arbítrio. Como há livre-arbítrio,

podemos dizer que essa qualidade existe no agente.

Já Roxin defende um conceito de culpa social, que para a Professora Bárbara Sousa

Brito é inconcebível.

Não devemos fugir da culpa em concreto. A culpa está sempre relacionada com

a culpa em concreto que o agente tem sendo um juízo de censura, que está

ligado à moral; mas essa moral não pode ser arbitrária; tem de ser normativa.

Isto não implica transformar o conceito de culpa em culpa social.

Teresa Beleza afirma que age com culpa quem tem consciência da ilicitude do seu

comportamento e tem liberdade para se motivar consoante esse conhecimento da

ilicitude.

Esquema de análise da culpa

Tal como a ilicitude, a culpa deve ser analisada pela técnica negativa da exclusão, isto

é, teremos de averiguar se, no caso concreto, se verifica alguma causa de exclusão da

culpa em sentido amplo. Em caso afirmativo, exclui-se a culpa.

106

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Porém, há quem não analise a culpa desta forma, começando por averiguar em

primeiro lugar se estão presentes os chamados elementos da culpa:

O agente ter capacidade de culpa, ou seja, o agente ser imputável.

O agente ter consciência da ilicitude do seu ato.

Só depois iremos analisar as causas de exclusão da culpa em sentido estrito.

A inimputabilidade (artigos 19 e 20)

Temos dois tipos de imputabilidade:

1. Em razão da idade, face ao artigo 19 do CP, só a partir dos 16 é que se é imputável e

suscetível de sofrer um juízo de culpa. Assim, existe uma presunção legal absoluta de

que no dia antes dos 16 anos a pessoa não é responsável pelos seus atos e, no dia

seguinte, passa a ser.

De qualquer forma, há que ter em atenção que existe um regime especial para

os jovens entre os 16 e os 21 anos, que está regulado no DL 401/82 de 23 de

setembro.

Entre os 12 e os 16 anos, se os menores praticarem um facto qualificado como

crime, aplicam-se os regimes da Lei Tutelar Educativa e do regime de Proteção

das Crianças e dos Jovens em Perigo.

107

Caus

as d

e ex

clus

ão d

a cu

lpa

Em sentido amplo

Inimputabilidade

Em razão da idade (19 do CP)

Em razão de anomalia psíquica (20 do CP)

Erro não censurável sobre a iliciitude (17/1 do CP)

Em sentido estrito

Estado de necessidade desculpante

Excesso de defesa devido a medo, susto ou perturbação não censuráveis

Obediência indevida desculpante

Outras causas de exclusão da culpa "típicas" em sentido estrito que resultem da ordem jurídica, nomeadamente da parte especial

do CP

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2. Também, em razão de anomalia psíquica, o agente pode ser inimputável. Para isso,

o agente tem de sofrer de qualquer transtorno ao nível psíquico e que pode ser

congénito ou adquirido:

Em primeiro lugar, coloca-se a questão das psicoses, que consistem num

defeito corporal ou orgânico que pode ser exógeno ou endógeno: exógeno,

quando provocado por fatores externos como intoxicações, por exemplo;

endógeno, quando provocado por fatores internos, como por exemplo, a

esquizofrenia.

Oligofrenia que são casos de fraqueza intelectual congénita ou não, como é o

caso da idiotia, em que o individuo não atinge o desenvolvimento mental de

uma criança de 6 anos ou da imbecilidade, que é próprio de quem não atinge o

desenvolvimento ligado à puberdade.

Perturbações da personalidade ou desvios do comportamento social, que não

tenham fundamento corporal ou orgânico; aqui cabem todas as psicopatias.

No momento da prática do facto, por força da anomalia psíquica, o agente não tinha

sequer capacidade de valorar o facto que estava a praticar ou, apesar de ter

capacidade de valoração, não tinha capacidade volitiva, ou seja, não tinha capacidade

de se motivar pelo direito.

O psicopata em série tem capacidade de distinguir o bem do mal, mas não tem

a capacidade de se motivar por essa valoração.

Quanto à anomalia psíquica, teremos de distinguir:

Casos em que o agente provoca a sua anomalia psíquica, sem qualquer

intenção. Alguém toma uma droga que sabe que lhe irá causar perturbações,

mas toma sem qualquer intenção. Neste caso, ele não vai ser punido pelo ato

que praticou.

Maior parte doutrina considera que o agente vai ser punido pelo artigo 295 do

CP; trata-se de uma ação livre na causa.

Casos em que o agente provoca uma situação de anomalia psíquica, mas com

intenção de praticar o facto. Como o agente se colocou naquela posição com

intenção de, continuará a ser imputável (artigo 20/4 do CP).

Maior parte da doutrina entende que, nestes casos, há que haver dolo direto

ou necessário quanto ao facto que praticou.

108

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Erro sobre a ilicitude

Quando o agente estiver em erro sobre a ilicitude, há a possibilidade de excluir a

culpa, uma vez que a culpa exige que o agente tenha consciência da ilicitude do seu

ato. Mas quando se exclui a culpa por esta causa? Temos de distinguir dois tipos de

erros:

Erro direto;

Erro indireto.

O erro direto, tal como o nome indica, ocorre quando o erro recai sobre proibições

cujo conhecimento é dispensável à tomada da consciência da ilicitude do ato, isto é,

são proibições que já transportam consigo uma carga valorativa.

Estas proibições têm já uma carga desvalorativa forte. Já as proibições do artigo

16/1 do CP (última parte) recaem sobre comportamentos axiologicamente

neutros, isto é, que não têm qualquer desvalor, havendo necessidade de existir

uma norma que os puna para seres desvaliosos. Por exemplo, o DL sobre a

proibição do uso e porte de armas.

Por exemplo, não é necessário conhecer a norma que proíbe o homicídio para que o

mesmo seja desvalioso. Assim, teremos de aplicar o artigo 17. Tal como afirma

Fernanda Palma, este erro choca com as valorações da ordem jurídica, sendo moral. O

que é essencial é que exista a consciência de que algo é proibido.

A consequência do artigo 16/1 é a exclusão do dolo. Já a consequência do erro sobre

as proibições do artigo 17 é:

Mas como saber se o erro é censurável?

Critério da evitabilidade.

Critério da retitude da consciência errónea.

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Erro

CensurávelNão se exclui a culpa

Não censurável

Exclui-se a culpa

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Critério da evitabilidade

Coloca-se um homem médio na posição do agente e questiona-se se ele podia

ter evitado o erro.

No exemplo da Dinamarquesa e do aborto, se a mesma consultou um

advogado e ele afirmou que tal era possível, o erro não era censurável. Caso

não tenha feito nada, esse erro já é censurável, pois podia ter evitado esse

efeito.

Critério retitude da consciência errónea

De acordo com este critério de Figueiredo Dias, o que importa é averiguar se o agente

ao atuar se pautou por motivos que são permitidos pela ordem jurídica, apesar de se

ter esquecido de outros que a ordem jurídica também considera relevante.

Por exemplo, A pede a B, amigo sueco deste, para o matar. Poderemos punir B

pelo homicídio? B pensa que a ordem jurídica portuguesa é igual à dele,

devendo a resposta depender do critério utilizado.

O que interessa é saber se a motivação por detrás é boa: B, ao ver o amigo em

sofrimento, tem pena desta e mata-o.

Há erro indireto sobre a ilicitude quando o agente está em erro sobre a existência de

uma causa de justificação e sobre os limites da mesma. O que acontece é que o agente

que existe uma causa de exclusão da ilicitude, mas afinal não existe.

Isto é diferente do erro sobre os pressupostos de facto de uma causa de

exclusão da ilicitude; trata-se de um erro fáctico e intelectual. Já no erro

indireto, o agente tem uma ideia errada da nossa ordem jurídica porque pensa

que existe uma causa de exclusão da ilicitude, quando ela não existe.

Por exemplo: A pensa que em Portugal é possível fazer o aborto quando o feto sofre

de uma anomalia até à 18ª semana. Trata-se de um erro indireto sobre a ilicitude.

Causas de exclusão da culpa em sentido estrito

Para além da imputabilidade e do erro sobre a ilicitude, teremos ainda de verificar se

existe alguma causa de exclusão da ilicitude em sentido estrito.

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Por exemplo, a tábua de Carnéades. Se a tábua só aguentar com uma pessoa, não é

razoável exigir ao agente que se mate para salvar o outro. O direito Penal não exige

que as pessoas sejam heróis.

Estado de necessidade desculpante

Para aplicar o estado de necessidade desculpante do artigo 35 do CP, teremos de

verificar os requisitos:

Exista um perigo atual;

Que esse perigo coloque em causa um número limitado de bens jurídicos

presentes no artigo 35. Se for, por exemplo, o património, tal já não vale;

Não seja razoável, face às circunstâncias do caso, exigir do agente, que adote

outro tipo de comportamento;

Que o agente conheça a situação de perigo.

Assim, nos casos de doação forçada de sangue, o médico que tira o sangue da pessoa à

força pode atuar sobre um estado de necessidade desculpante (quando não se consiga

excluir a sua ilicitude).

Excesso de defesa devido a medo, susto ou perturbação não censurável (artigo 33/2

do CP)

O excesso pode ser intensivo ou extensivo. Intensivo quando a pessoa utiliza meios

superiores ao necessário para a defesa ou não há proporcionalidade entre a agressão e

a defesa. Extensivo quando alguém se defende de uma agressão que já deixou de ser

agressão atual.

Os estados emocionais por detrás do excesso, têm de ser asténicos, ou seja, têm de

resultar de uma tensão emocional inconsciente (medo ou susto). Por exemplo, o ódio

ou a vingança não constituem excesso de defesa, pois são estados esténicos que não

resultam de uma tensão emocional inconsciente.

Em suma, se for um estado valorado positivamente pela ordem jurídica, é aceite como

excesso de defesa.

Obediência indevida desculpante (artigo 37)

Ocorre uma causa de exclusão da culpa quando alguém cumpre uma ordem sem saber

que ela conduz à prática de um crime e, além disso, não era evidente que essa ordem

conduzisse à prática de um crime.

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Por exemplo, o funcionário que falsifica um documento sem saber. Neste caso

o funcionário não será punido pois há uma causa de exclusão da culpa.

(Erro sobre os pressupostos de facto de exclusão da culpa)

Exemplo: na tábua de Carnéades, se se vier a provar que a tábua aguentava sobre os

dois, aplica-se o artigo 16/2 do CP; neste caso, exclui-se o dolo. E a culpa?

Esta solução está completamente errada, mas terá de ser aplicada. Faria

sentido que o legislador dissesse que se teria de excluir a culpa e não apenas o

dolo.

Casos práticos

1. A, encontrava-se certa noite, numa conhecida discoteca de Lisboa, a

comemorar com os amigos o seu 20 aniversário, quando reparou que B, seu

inimigo de estimação, acabara de entrar na discoteca. A, comentou com C,

um dos seus amigos, que, se continuasse a beber, poderiam acontecer

consequências imprevisíveis. Decidiu, contudo, continuar a beber, uma vez

que era o seu aniversário.

Duas horas e muito álcool mais tarde, acabou por se envolver numa briga

com B, da qualquer resultou um traumatismo craniano. Determine a

responsabilidade jurídico criminal de A.

Será que existe negligência, quando o agente prevê que pode acontecer

qualquer coisa e não se conforma? Sim, poderá existir negligência na

aceitação, o que neste caso não se verifica, segundo a Professora, pois a pessoa

não teve a possibilidade de prever a realização do facto.

Porém, esta pessoa colocou-se numa situação de inimputabilidade com o

propósito de atacar B; neste caso, maior parte da doutrina considera que existe

dolo direito ou dolo necessário.

Face ao artigo 20/4 não é possível excluir a culpa. Porém, se a pessoa não se

coloca de propósito nesta situação, não é possível considerar a pessoa como

capaz de culpa; pode, antes, ser punida pelo artigo 295.

2. No preciso momento em que A se preparava para realizar uma curva mais

apertada, entra no carro que conduzia, uma abelha. A, num gesto instintivo,

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tira as mãos do volante, acabando por embater em B, motociclista, que

circulava em sentido contrário. Assustado, A decidiu fugir sem prestar auxílio

a B. C e D, dois policias que circulavam alguns metros atrás de A, tendo visto o

acidente e a fuga, seguem em perseguição de A, não prestando, também eles,

qualquer auxílio a B. C, fê-lo, porque julgou que, dada a violência do embate,

B já estaria morto, o que não era naquele momento verdade. D, porque

julgou que o principal dever de um polícia é prosseguir o criminoso e não

salvar a vítima. B, acabou por morrer algum tempo depois. Determine a

responsabilidade jurídico criminal de A, C e D.

Responsabilidade jurídico criminal de A:

1ª conduta: ter tirado mãos do volante por ter entrado abelha no carro. Sendo

um ato automático, não se trata de uma ação jurídico penalmente relevante

pois não havia possibilidade de controlo nem de prever o facto típico. A

possibilidade de controlar é o mínimo que o DP exige para uma ação ser

jurídico penalmente relevante e advém da possibilidade de o agente a prever.

2ª conduta: fugiu sem prestar auxílio a B. Trata-se de um crime de homicídio

por omissão (omissão impura) porque A tinha o dever de vigiar o perigo que

criou (fonte de especial dever de agir, ingerência). Quanto ao tipo objetivo:

- Agente tem especial dever de agir;

- Objeto: B;

-Bem jurídico: vida;

- Resultado: morte de B;

- Imputação objetiva: segundo teoria sine qua non, se suprirmos a omissão de

A, o resultado não subsiste no mesmo tempo, modo e lugar; segundo a teoria

da adequação, A não poderia prever o resultado segundo aquele processo

causal (que passavam polícias e não ajudavam B); segundo a teoria do risco, o

agente criou um risco ao ir-se embora e esse risco, apesar de não ser

diminuído, não foi o risco criado pelo A que se concretizou no resultado de

morte pois entretanto aconteceu um novo risco criado pelos polícias. A

omissão impura por parte dos polícias vai interromper o risco causado pelo A e

o resultado morte (interrupção do processo causal). Então, não podemos

imputar o resultado a A, mas podemos puni-lo por tentativa de homicídio.

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Quanto ao tipo subjetivo da tentativa, tem de haver dolo, pois não é possível

haver tentativas negligente. A vê B a precisar de auxílio e foge. Há elemento

intelectual e volitivo. A tem a possibilidade de prever a morte e conforma-se –

dolo eventual.

Responsabilidade criminal dos polícias:

Homicídio por omissão pois não auxiliam uma pessoa que está em perigo.

Quando é o polícia que não auxilia, há uma omissão impura pois existe sempre

especial dever de agir (artigo 10 do CP). Não há coautoria pois não existe

decisão conjunta.

1º polícia: não fez nada porque achou que estava morto. Artigo 16/1 do CP –

erro sobre o objeto pois representou um objeto que não existe. Representação

de uma pessoa morta e ela estava viva. Consequência: exclui o dolo. Não há

dolo de homicídio. A única hipótese é punir por homicídio por omissão

negligente.

2º Polícia: não há erro porque não acha que o senhor está morto. Há elemento

volitivo (dolo eventual ou necessário – só falamos nas teorias se houver dúvida

entre dolo eventual e negligencia consciente), conforma-se com a morte

porque o que quer é perseguir o criminoso. Quanto à ilicitude, teremos de

verificar se ocorre ou não alguma causa de exclusão da ilicitude. Não havia

conflito de deveres porque não era um dever igual ou superior. A vida era mais

importante. Quanto à culpa, teremos também de verificar se há ou não alguma

causa de exclusão da culpa. Trata-se de um erro moral porque não representa

corretamente a ordem jurídica. Ele julga que o dever do polícia é perseguir o

criminoso e não salvar a vítima. Está em erro sobre a ilicitude. Art.17º/1 E 2.

Teremos de recorrer ao critério da evitabilidade: o homem médio na posição

do agente podia ou não ter evitado o erro? Claro que sim. O polícia tem que

saber que é mais importante salvar as pessoas.

Critério de FD – retitude da consciência errónea. O agente ao atuar em erro

pautou-se ou não por motivos que a ordem jurídica defende? Não se pode

defender esta conclusão. Sendo censurável, não se exclui a culpa e o agente

será punido por homicídio por omissão doloso.

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3. A, B e C decidiram aventurar-se numa descida pelos rápidos de um perigoso

rio na zona norte do país. A certa altura, A foi projetado para fora do bote em

que se faziam transportar. Embateu com a cabeça numa pedra e ficou a boiar

inanimado. Quando B se preparava para se lançar à água para o ajudar, C,

que verdadeiramente nunca gostava de A demoveu-o dessa ideia, dizendo

que A andava à muito a traí-lo com a sua namorada, o que bem sabia não ser

verdade. B acreditou e nada fez, tendo A morrido afogado. Determine a

responsabilidade criminal de B e C

Quanto a B, podia ser punido por homicídio simples por omissão. Tinha o

especial dever de agir pois tinha a relação de comunidade de perigos (maior

parte da doutrina entende que dá origem a um especial dever de agir). Assim,

aplicam-se os artigos 131 e 10/2 do CP. O facto de ele achar que o amigo o

enganava, não tinha qualquer relevância. Dolo direto.

Quanto a C, é instigador do crime de homicídio por omissão porque determina

B a não salvar A, tendo duplo dolo. Por outro lado, tem também o especial

dever de agir devido à comunidade de perigos, sendo neste caso autor

imediato.

Assim, como temos um conflito entre instigador vs. autor imediato, existe um

concurso aparente, sendo apenas punido por autoria imediata por homicídio

por omissão que é a forma mais perfeita de praticar o crime.

Punibilidade Considerações gerais

Depois de chegarmos à conclusão de que existe um facto típico ilícito e culposo,

normalmente o facto também é punível.

Mas, pode acontecer que, no caso em concreto, exista uma condição de punibilidade

em sentido amplo que terá de se verificar para que o facto seja punível. Por vezes, o

legislador exige certas condições de punibilidade e temos de verificar se elas existem.

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Por detrás da punibilidade está a ideia de dignidade penal; porém, existem casos em

que o facto concreto fica aquém do limiar mínimo da dignidade penal.

Roxin afirmava que era muito importante estudar a punibilidade pois colocam-

se em causa as ideias preventivas dos fins das penas, nomeadamente a ideia

de prevenção geral e especial.

Já Figueiredo Dias afirma que só pode ser crime o comportamento que se

revele digno de punição.

Condições da punibilidade em sentido amplo

Condições objetivas de punibilidade45: em determinados tipos de crime, para além de

ter de haver um facto tipo ilícito e culposo, o legislador exige que se verifiquem certas

circunstâncias extrínsecas para que o facto possa ser punível. Essas circunstâncias nada

têm que ver com o tipo de ilícito ou de culpa.

Por exemplo, na tentativa é necessário que a pena aplicável ao crime

consumado seja superior a 3 anos, para a mesma ser punida. Esta é uma

circunstância que o legislador resolveu exigir para que a tentativa tenha

dignidade penal e por isso, uma condição objetiva da punibilidade é que ao

crime consumado seja superior a 3 anos

Por exemplo, para o 29546, o legislador exige como condição objetiva da

punibilidade que a pessoa pratique o crime nesse estado: “e nesse estado

praticar um facto ilícito típico”.

Se a pessoa apenas se embriagar com dolo ou negligência, apesar da sua

conduta já ser ilícita, não é suficiente para existir punibilidade.

Causas pessoais de isenção da pena/levantamento da culpa: condições que ocorrem

após a prática do facto e que impedem a sua punibilidade; são pessoais porque só se

aplicam apenas àquela pessoa.

45 Teresa Beleza realça que estamos perante condições exteriores à ideia de ação, tipicidade, ilicitude e

culpa. 46 Outros exemplos poderão ser dados:

Artigo 151/1, quando da participação em rixa não resultou morte ou ofensas à integridade

física graves de pessoas;

Artigo 135, quando o suicídio não se verificou.

116

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Desistência voluntária: por exemplo, artigo 24 do CP em que, se a pessoa

apenas praticou uma tentativa e antes do crime estar consumado desiste e

essa desistência for voluntária (podia prosseguir e não o fez), o facto praticado

não será punido. O legislador dá relevância a um facto posterior e vai

determinar que o agente não vai ser punido. Já existe um facto praticado

porque houve uma tentativa.

Exemplo: alguém mete uma bomba na casa de outra pessoa, mas depois vai lá

tirá-la.

Exemplo: agente tenta matar alguém, mas, entretanto, arrepende-se e leva-a

ao hospital, neste caso, a pessoa não vai ser punida pela tentativa de

homicídio, mas vai ser punida pelo crime de ofensas à integridade física.

Nestes casos, para Figueiredo Dias, o facto praticado não exige punição do

ponto de vista da prevenção geral ou especial.

Princípio da insignificância: apesar do tipo e ilícito estarem preenchidos, tendo

em conta que há uma lesão insignificante face aos fins das penas (prevenção

geral e especial) do bem jurídico, aquele facto não é merecedor da pena.

Exemplo: caso do pai que se esquece da criança o carro, não faz sentido à luz

das finalidades das penas, punir este pai.

Verificada a punibilidade, estão confirmados todos os pressupostos para haver

punição. Mas não significa que haja punição:

Terão de existir condições de procedibilidade, em que se estabelece a exigência

de um processo penal conforme à lei. Por exemplo, se não houver notícia do

crime e abertura do inquérito, não se verificam as condições de

procedibilidade.

Há institutos da despensa de pena (artigo 74 do CP) que têm que ver com o

regime da consequência da pena e não com os elementos constitutivos do

crime.

Por exemplo, tendo em conta as condições do delinquente, há possibilidade de

haver dispensa da pena.

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Resolução de casos práticosAção

Se não se colocar nenhum problema, não é necessário explicar que o agente praticou

uma ação jurídico-penalmente relevante.

Ação livre da causa surge a propósito da culpa. Quando alguém é inimputável, exclui-

se a culpa. Porém, quando se provar que ele se colocou naquela situação com o

propósito de praticar o facto típico e ilícito, não se exclui a culpa, por via do artigo 20/4

do CP.

Quando o agente decide embriagar-se, é aí que existe uma ação livre na causa,

uma vez que o momento para definir se existe ou não ação antecipa-se.

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Tipicidade

A tipicidade é o segundo elemento do crime. Contém elementos objetivos e subjetivos.

Dentro dos elementos objetivos, relativamente ao autor, teremos de distinguir se se

trata de autoria mediata, coautoria, instigação ou cumplicidade.

Temos ainda a ação típica, em que se deve analisar se existe uma ação ou omissão, o

bem jurídico, o objeto da ação e a imputação objetiva. Neste último caso, quando não

existem problemas, não vale a pena abordar todas as teorias.

Temos ainda os elementos subjetivos do tipo: dolo ou negligência.

Ao nível do dolo, teremos de analisar:

Elemento intelectual, em que poderão existir problemas de erro (sobre o

objeto

Quando há uma execução defeituosa, devemos identificar logo de início esta figura e

avaliar posteriormente os diferentes tipos de crime.

Dolo de perigo – dolo que só interessa perante um crime de perigo concreto. Perigo

trate-se de uma possibilidade de lesão do bem; desta forma, temos de perceber qual a

relação que o agente tem com o dano.

O crime de exposição ao abandono é um exemplo paradigmático de um crime de

perigo concreto. Neste crime, apenas temos de provar que a pessoa criou um perigo

para a vida ou integridade física de outrem; a pessoa não tem de lesar qualquer bem

jurídico, bastando criar um perigo.

Se assim o é, há negligência consciente quanto ao dano e dolo quanto ao perigo.

Rui Pereira considera que este dolo só pode ser necessário.

Crimes de instigação: como punir o instigador?

Há o princípio da acessoriedade limitada, valendo para a instigação e

cumplicidade. O instigador só pode ser punido pelo facto típico e ilícito que o

instigado praticar. Assim, deveremos sempre começar a analise do crime pelo

autor material.

Erro sobre os elementos normativos?

A distinção entre elementos descritivos e normativos é uma outra, a par da

distinção entre elementos objetivos e elementos subjetivos.

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Os elementos normativos pressupõem uma valoração. Exemplo: A trás o casaco

que não é dele. Ele não representou o caráter alheio do casaco.

Ilicitude

Teremos de averiguar se está presente ou não algum caso de exclusão da ilicitude.

Legais: artigo 30

Supralegais: estado de necessidade defensivo e legitima defesa preventiva.

Nos crimes negligentes apenas é necessário verificar os elementos objetivos. No caso

dos crimes dolosos terão de se verificar os elementos objetivos e subjetivos.

Culpa

Analisam-se as causas de exclusão da culpa, tal como na ilicitude.

Punibilidade

Trata-se de uma categoria residual. Teremos de avaliar se se verifica alguma condição

de punibilidade. Isto relaciona-se com a dignidade penal do comportamento, tendo

isto mais relevo ao nível da tentativa:

Artigo 23/2 do CP;

Uma causa especial de exclusão da pena:

É a desistência voluntária de um crime – artigo 24 do CP.

1. Xavier apostou 100 euros com Zacarias em como este não seria capaz de

percorrer 5 kms de estrada em sentido contrário. Zacarias aceitou a aposta e

a meio do percurso embateu no carro de Célia, causando-lhe a morte. Deve

Zacarias ser punido por homicídio doloso ou negligente?

A grande dúvida desta hipótese é a de saber se existe dolo eventual ou

negligência consciente de Zacarias. Será que o agente se conformou com o

resultado morte?

Claramente que o agente representou o resultado morte. A fórmula positiva

de Frank afirma que, se o agente ao atuar pensou “aconteça o que acontecer

eu atuo”, há dolo eventual; em caso negativo, existe negligência consciente.

Esta é a forma mais utilizada por maior parte da doutrina e jurisprudência. Esta

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forma adapta-se à teoria da conformação, que é a teoria aplicada pelo CP, no

artigo 14/3 do CP.

Mas como saber o que o agente pensou? Recorrendo aos critérios da

Professora Fernanda Palma que não são cumulativos:

- A motivação é forte ou não? Não, são apenas 100 euros; não se trata de uma

motivação forte, a não ser que o agente precise dos 100 euros para salvar a

mãe.

- Grau de probabilidade de lesão do bem jurídico? Depende da circunstância e

dos fatores a ter em consideração (por exemplo, hora do dia, tamanho da

estrada, etc.), mas em princípio sim.

Assim, em princípio existe dolo eventual.

Mas será Xavier instigador? Não.

2. Caso prático do teste

António e Bento estão em erro sobre um pressuposto normativo que recai

sobre um comportamento axiologicamente neutro. Trata-se de um erro que

não cabe no erro do artigo 17 pois o erro deste artigo é um erro moral que

choca com a ordem jurídica. Tem de existir mesmo uma norma para que se

perceba que esse comportamento é crime.

A consequência, com base no artigo 16/1 do CP, é a da exclusão do dolo.

Quando a Carlos, estamos perante uma execução defeituosa, preenchendo,

para maior parte da doutrina (teoria da concretização) dois tipos de crimes.

Apenas por erro na execução o agente acerta noutra pessoa. Assim, o agente

será punido:

Pelo crime que visou realizar na forma de tentativa – tentativa de homicídio do

chefe de estado;

Pelo crime que realizou na forma negligente – homicídio negligente de Daniel.

Quando a Eduardo, existe um erro sobre os elementos objetivos da legítima

defesa. A consequência é a aplicação do artigo 16/2, excluindo-se o dolo. A

punição apenas pode ser feita a título de negligência.

Elisa estava a atuar contra os próprios agressores. Poderá haver legítima

defesa? Foi por caso que ela impediu que Carlos e Guilherme. Neste caso falha

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o elemento subjetivo da legítima defesa; porém, nos crimes negligentes basta a

presença dos elementos objetivos.

A tentativaA tentativa poderia ser abordada na tipicidade. Porém, Barbara Sousa Brito considera

que toda a análise da tentativa é feita da mesma forma de um crime consumado. Só

depois de se identificar a tentativa é que analisaremos a ilicitude, a culpa e a

punibilidade.

Aliás, as normas que preveem a tentativa são consideradas normas extensivas da

tipicidade porque vêm punir a forma de tentativa a todos os crimes

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Quando há uma tentativa, o seu tipo resulta sempre da conjugação entre o artigo 22 e

a norma incriminadora da parte especial.

O elemento subjetivo da tentativa

Só há tentativas dolosas, não sendo possível existir tentativas negligentes, com base

no artigo 22. Temos então de analisar o dolo da pessoa, sabendo o que ela decidiu

fazer, uma vez que, segundo Figueiredo Dias, quem tenta alguma coisa é porque a

decide realizar.

A discussão que se faz na doutrina é se o dolo pode assumir todas as formas no âmbito

da tentativa.

Maior parte da doutrina e jurisprudência entendem que todas as formas do

dolo permitem a figura da tentativa, uma vez que qualquer forma de dolo exige

sempre ser integrada por uma decisão.

Porém, quando há dolo eventual, Faria e Costa considera não há tentativa

porque, de acordo com este autor, o agente não decidiu praticar o facto.

Porém, Bárbara Sousa Brito considera que o agente decidiu fazer algo e, neste

âmbito, existe tentativa.

Os crimes de resultado cortados ou parciais são crimes que exigem como elemento

subjetivo especial um certo pressuposto. Sempre que tivermos este tipo de crime, para

punir uma pessoa, para além do dolo, temos de provar a existência desse elemento

subjetivo especial.

Por exemplo, para punirmos a pessoa por tentativa de furto (artigo 203 do CP),

para além do dolo, tem de estar verificado o elemento subjetivo especial de

intenção de apropriação.

Tipo objetivo

Neste tipo, temos de provar, em primeiro lugar, que existe a prática de atos de

execução, não bastando os atos preparatórios. Em segundo lugar, teremos de verificar

a não consumação do crime por parte do agente por duas razões:

Ou porque não há produção do resultado;

Ou porque, apesar de haver resultado, não é possível imputar objetivamente o

resultado à conduta do agente.

Existência de atos de execução

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Teremos de ter em conta o artigo 21 do CP pois, por regra, não se punem os atos

preparatórios a não ser que o legislador transforme esses atos preparatórios num tipo

de crime:

Por exemplo, a contrafação de moeda – artigo 262. Aqui, o legislador

pretendeu apenas criar um tipo em que se pune apenas a contrafação indevida.

Mas quando é que existem atos de execução?

Artigo 22/2/a) – são atos de execução todos aqueles que caem sobre a alçada

de um tipo de ilícito, sendo abrangidos pelas palavras da norma incriminadora.

Este tipo de atos de execução só ocorre nos chamados crimes de forma

vinculada (que só podem ser praticados de uma determinada forma). Estamos

perante a chamada teoria formal objetiva47 defendida por Liszt.

Exemplo: furto com introdução em casa alheia. Esta forma de furto só pode ser

feita com introdução em casa alheia. Assim, a introdução na casa alheia é um

ato de execução que cabe na própria letra da lei.

Artigo 22/2/b) – para fazer face às insuficiências da teoria formal objetiva,

estabelece-se que sempre que existe um ato adequado a produzir um resultado

típico, há um ato de execução. Estamos perante a teoria material objetiva48.

Exemplo: A dispara sobre B. Este ato é claramente um ato de execução.

Porém, para Figueiredo Dias, este preceito tem de ser interpretado em

conjugação com alínea c) pois só assim haverá a iminência de um perigo para o

bem jurídico.

Artigo 22/2/c) – esta é a alínea mais importante que permite distinguir os atos

preparatórios dos atos de execução. Assim, maior parte da doutrina interpreta

esta alínea de uma forma restritiva porque entende que não basta serem atos

que, segundo a experiência comum, sejam de natureza a fazer esperar que

imediatamente a seguir lhe sigam atos das alíneas anteriores. Desta forma, a

doutrina acrescenta que só há atos de execução de acordo com o plano

concreto do agente. Mas porquê? Porque só nestes casos se pode afirmar que

47 Segundo esta teoria, a tentativa pressupõe a prática de atos que caem já na alçada de um tipo de

ilícito e são, portanto, abrangidas pelo teor literal da descrição típica. 48 Segundo esta teoria, são atos de execução os atos que em virtude de uma pertinência necessária à

ação típica, aparecem como suas partes componentes.

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existe um perigo concreto para o bem jurídico, não só porque há uma estreita

conexão temporal com a efetiva lesão do bem jurídico, mas também há já

uma relação direta com a esfera da vítima.

Exemplo: o atirador que está pronto para atirar ao chefe de Estado, sendo que

o ato seguinte será o disparo. Imaginando que o chefe de Estado apenas

aparece daqui a 2 dias, tal significa que não há uma estreita relação temporal

entre aquele ato e a lesão do bem jurídico. Assim, para haver tentativa, tem de

se colocar em perigo a lesão de um bem: este é o fundamento PRINCIPAL da

tentativa.

Chama-se a esta doutrina, a doutrina do último ato parcelar.

O fundamento da punibilidade da tentativa

Ainda a propósito do fundamento da punibilidade da tentativa, para além de ter de

existir o tal perigo iminente de lesão do bem jurídico, há ainda outro fundamento da

punibilidade da tentativa – a existência de dolo, ou seja, de desvalor da ação.

Assim, há uma discussão na doutrina de saber a qual destes elementos se deve dar

primazia: se ao dolo ou à criação de um perigo iminente para o bem jurídico.

A não consumação do crime por imputação do resultado à conduta do agente ou não

verificação do resultado

Quando à imputação objetiva do resultado à conduta do agente, essa questão já foi

analisada acima.

A ilicitude, a culpa e a punibilidade da tentativa

A ilicitude e a culpa analisam-se pela técnica negativa da exclusão. Assim, se

concluirmos pela ilicitude e pela culpa, temos ainda de analisar se a ação típica, ilícita e

culposa é punível.

As condições objetivas da punibilidade

Artigo 23/1 do CP: ao crime consumado, tem de ser aplicável uma pena

superior a 3 anos. Exceção: quando o legislador afirma que a tentativa é punível

(por exemplo, o crime de furto – artigo 203/2 do CP).

Artigo 23/3 do CP: o caso das tentativas impossíveis que são tentativas que não

podem levar à produção do resultado ou porque (1) o meio utilizado não é

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idóneo a produzir o resultado ou porque (2) o objeto do crime não existe.

Assim, na tentativa impossível estão presentes os elementos objetivos e

subjetivos, mas não há lugar à produção de um resultado típico pelas razões

acima mencionadas.

Exemplo 1: A dispara, mas a arma não está carregada;

Exemplo 2: A dispara sobre uma pessoa que já estava morta.

Na tentativa impossível, o legislador afirma que, é condição objetiva de

punibilidade, o ser manifesto para a generalidade das pessoas que o meio era

idóneo ou que o objeto do crime era existente, equiparando-se assim a

tentativa impossível à tentativa possível.

Assim, o legislador aplica a chamada teoria da impressão: se para um

observador médio colocado de fora era percetível que o meio era inidóneo ou

que o objeto não existia, a tentativa não é punível. Se a generalidade das

pessoas ficasse impressionada, é porque era manifesto que o meio existia ou

que o objeto existia.

Se for manifesto, não fica abalada a confiança na ordem jurídica, podendo a

tentativa não ser punível – assim, passamos a ter um facto que não é digno de

tutela penal. Só quando a confiança da sociedade ficar abalada é que faz

sentido punir a tentativa impossível49.

A tentativa impossível não se confunde com a sua situação inversa – o erro sobre os

elementos do facto típico que leva à exclusão. Imaginemos que A pensa que está

grávida já na 13 semana e toma um produto abortivo. Como poderemos punir a

Antónia? Por tentativa impossível, pois, ela acha que vai cometer um crime, mas afinal

não vai porque o objeto não está lá.

Mas e se Antónia pensa que ela não está grave e toma um produto abortivo? Trata-se

de um crime de aborto em que ela pensa que não praticará um crime, mas vai praticar

– exclui-se o dolo (16/1 do CP)50.

49 Alguns ordenamentos jurídicos, que seguem à risca a ideia de que o Direito Penal serve para tutelar

exclusivamente bens jurídicos ofendidos, recusam a punibilidade da tentativa impossível.

Figueiredo Dias defende que a punibilidade da tentativa impossível relaciona-se com o facto desta

tentativa, apesar de estar impossibilitada de produzir o resultado típico, ser suficiente para abalar a

confiança comunitária na vigência e na validade da norma de comportamento. 50 Embora ela não possa ser punida por negligência.

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Também o crime impossível não pode ser confundido com a tentativa; neste caso, uma

pessoa pensa que determinado facto é crime quando na realidade não há. A, que tem

uma certa idade, pensa que ao praticar o adultério comete um crime, pratica um crime

impossível e não será punido. A situação inversa desta questão é o erro sobre a

ilicitude (artigo 17/1 do CP).

Causas pessoais de isenção da pena

Face ao artigo 24/1 do CP, o seu pressuposto básico é o de que a consumação não

pode ter lugar. Assim, existem três tipos de desistência51:

Abandono da prossecução do crime: Como o próprio nome dá a entender, se o

agente praticar certos atos de execução, mas ainda falta praticar uns quantos a

seu cargo para a consumação de um crime. Nestes casos, basta haver a

desistência passiva, bastando que o agente omita os atos que ainda faltam.

Exemplo: A aponta a pistola a cabeça de B, mas não puxa o gatilho.

Impedimento da consumação: o agente já praticou todos os atos de execução

que estão a seu cargo e, por isso mesmo, a desistência terá de ser ativa, no

sentido de ter de haver a prática de atos do próprio agente para impedir a

consumação do crime, mesmo que tenha ajuda do terceiro (por exemplo,

médicos, polícias, bombeiros, etc.).

Desistência em caso de consumação: quando, não obstante a consumação

formal, a pessoa desiste antes da consumação material. Isto pode ocorrer nos

crimes de perigo concreto – nestes crimes, para o tipo estar preenchido, basta

haver perigo para o tipo estar preenchido. Porém, supondo que a mãe volta

atrás e salva a criança, ela impede a consumação material do crime.

Porém, o mais importante é estabelecer que estas desistências têm de ser voluntárias.

Mas quando é voluntária? Quando o agente poderia prosseguir com a prática do crime

com êxito, segundo o que ele pensa e, mesmo assim, decide não terminar a execução

normal. Se o agente desistir porque tem receio face a circunstâncias exteriores (medo

de ser apanhado), nesse caso não existe desistência voluntária; só é voluntária, a

desistência em que o autor diz que não quer alcançar a sua finalidade, embora o

conseguisse – formula inventada por Frank.

51 Esta figura só aproveita ao próprio.

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Assim, tal como Figueiredo Dias defende, a desistência tem de ser uma obra

pessoal do agente; o agente tem de ter o domínio do “se” e o “como” da

execução do facto típico.

Essa decisão poderá estar relacionada com o facto do agente ter ganho piedade

da vítima ou a realização do facto se ter tornado mais difícil.

O fundamento jurídico da impunidade da desistência voluntária é muito discutido pela

doutrina. Surgiram diversas teorias:

Teoria da ponte dourada em direção à impunidade, em que a impunibilidade

leva a que o agente desista do seu intento criminoso;

Teoria que premeia a pessoa que quer regressar ao direito, atribuindo um

prémio a todo aquele a quem couber o mérito de desistir da tentativa;

Teoria que relaciona a desistência com os fins das penas que deixam de fazer

sentido neste caso.

Figueiredo Dias afirma que não existe uma única teoria que fundamente a impunidade

quando há desistência voluntária, mas todas acabam por o fazer. Assim, é uma decisão

de política criminal que está justificada.

Em suma, o mais importante é que essa desistência seja voluntária e constitua uma

obra pessoal do agente.

O artigo 24/2

Aplicamos este artigo, não punindo a tentativa quando o agente se esforçar

seriamente e são casos em que a consumação do crime ou o resultado foram

impedidos pelo facto independente da conduta do desistente.

A abandona o seu filho à porta de um convento. Se A ligar para o convento e

fizer tudo o que está ao seu alcance para afastar o resultado, tal é suficiente

para aplicar este artigo, embora seja a freira a impedir formalmente esse

resultado.

O artigo 25

A desistência só impede a punição do próprio agente. Porém, o legislador refere que,

se num caso de coautoria um desiste e faz tudo ao seu alcance para que o crime não se

realize, ele não deve ser punido.

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Porém, se o agente apenas desistir do crime, não se exclui a punibilidade.

Na coautoria, existe uma questão muito interessante. Surge uma grande discussão na

doutrina que consiste em saber qual a solução a dar quando são praticados atos de

execução de um determinado tipo de crime acordados pelos coautores, mas apenas

um dos coautores praticou atos.

Há a solução global que afirma que a tentativa começa para todos a partir do

momento que é praticado um determinado ato de execução de qualquer um

deles. Argumentos: (1) a partir do momento em que os agentes elaborarem um

plano comum e, nos termos desse plano, têm um contributo essencial na

execução do crime, tal é suficiente para que, quando um deles pratique um ato

de execução, os outros são punidos por tentativa. (2) O argumento do acaso

afirma que é injusto punir apenas o coautor que no plano tem o ato de

execução inicial e não punir os restantes coautores só pelo facto de, por acaso,

a execução ter ficado pelo primeiro ato.

A solução individual é defendida pela professora Conceição Valdágua que defende que

os outros não podem ser punidos como coautores, mas apenas como cúmplices morais

pois não basta a titularidade do domínio funcional ao nível do plano; é essencial que

exista o seu exercício. Nestes casos, em que só foram praticados atos de execução pelo

autor que atuava em primeiro lugar, os outros aurores não adquiriram a execução do

domínio funcional.

Casos práticos

1. Apercebendo-se que Z, chefe de contabilidade da empresa X, havia

descoberto o desvio de fundos que fizera, Álvaro decidiu que o mais seguro

seria matá-lo. Para o efeito e utilizando a ameaça de divórcio, conseguiu

convencer Beatriz, sua mulher e funcionária da secção de contabilidade da

empresa a matar o seu chefe. Beatriz, sabendo que Sónia, secretária de Z, lhe

costumava servir todos os dias uma chávena de chá, decide aproveitar-se

desse facto para, durante uma distração de Sónia, misturar no mesmo, umas

gotas do que pensava ser um poderoso veneno (veneno que havia pedido a

Hugo, ajudante de farmácia, que desconfiava das intenções de Beatriz,

resolveu antes dar-lhe um líquido perfeitamente inócuo dizendo que era

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veneno). Sónia, sem se aperceber do sucedido, serviu o chá a Z, com as ditas

gotas. Mais tarde, encontrava-se Z já em casa quando recebeu um

telefonema de Beatriz, que arrependida, decidiu contar-lhe o sucedido, na

esperança de o veneno ainda não ter atuado e de assim conseguir evitar a sua

morte. Z dirige-se então à única farmácia da aldeia a fim de tomar o antídoto.

Como a mesma estava fechada, Z, que tinha conhecimentos do assunto, uma

vez que tinha chegado a fazer o terceiro ano do curso de medicina, arrombou

a porta a fim de tomar rapidamente um medicamento que ele sabia que

poderia neutralizar o efeito do veneno que julgava ter tomado. Analise a

responsabilidade jurídico criminal dos intervenientes.

Sónia

Sónia não sabe de nada. Apenas levou o chá todos os dias como faz, pelo que

não praticou uma ação jurídico penalmente relevante; nunca poderia

representar que estava a matar o chefe.

Estamos perante atos neutros pois teremos de analisar a ação sempre em

relação a um determinado tipo.

Beatriz

Em relação à compra de veneno, não se trata de um ato de execução.

Em relação à colocação do veneno por parte de Beatriz, há uma ação jurídico

penalmente relevante pois tem consciência de sinais que levam à produção

daquele tipo de crime.

Estamos perante um tipo de tentativa de homicídio (131/132 + 22). Estará

presente o elemento subjetivo? Sim, existe dolo pois ela representa e quer

matar o chefe. Quanto ao tipo objetivo, existe a prática de atos de execução,

existindo uma tentativa impossível pois o meio é inidóneo a produzir o

resultado. Porém, ela será punida por via do artigo 23/3 do CP uma vez que a

generalidade das pessoas ficaria impressionada com a ação.

E quanto à desistência? Trata-se de uma tentativa inacabada ativa pois a

pessoa teve de se mexer para que a desistência acontecesse; trata-se de uma

desistência voluntária.

Álvaro

130

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Álvaro é quem cria na cabeça da Beatriz a ideia de matar; desta forma, é

instigador pois tem dolo na morte e dolo de determinar.

Assim, ele seria punido por tentativa impossível de homicídio pois este crime

foi punido por tentativa.

Hugo

Hugo não praticou uma ação jurídico penalmente relevante. Neste sentido,

para maior parte da doutrina ele nem sequer é cúmplice pois teria de ter duplo

dolo.

Z

Estamos perante um concurso aparente em que ele seria apenas punido por

um crime de furto em casa alheia.

Porém, ele está em erro sobre os pressupostos de facto do direito de

necessidade, pelo se exclui o dolo por via do artigo 16/2 do CP, que remete

para o 16/1 (última parte).

Como não existe furto negligente, não é possível punir o agente.

2. Exame de 31-03-2016

A e B serão coautores? Teremos de verificar a existência de uma decisão

conjunta (que se verifica) mas não existe uma execução conjunta. Assim, não se

verificam os elementos da coautoria.

António é autor material e não coautor. Assim, teremos de analisar a conduta

do António que entrou pela janela no quarto de Celeste e dá de caras com a

sua empregada que fechou na casa de banho.

Relativamente à morte de Elsa, existe uma ação e teremos de analisar se todos

os elementos objetivos do crime estão cumpridos, nomeadamente o problema

da imputação objetiva:

- A conduta do António é causal em relação ao resultado morte. Aplicando a

teoria da conditio sine qua non que implica suprimir mentalmente a conduta

do António e perguntar se, mesmo assim, o resultado subsistiria nas mesmas

circunstâncias de tempo, modo e lugar. Se eliminarmos a conduta de António,

não existiria morte de Elsa.

- Segundo a teoria de adequação, teremos de fazer um juízo de prognose

póstuma, colocando o homem médio na posição do agente com os

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conhecimentos dele. É muito difícil que António previsse esta situação, pois de

acordo com as regras da experiência normais, quando se coloca uma fita na

boca da pessoa, não se espera que ela morra. Porém, se António conhecesse a

situação de Elsa, tal já seria imputável.

- Segundo a teoria do risco, parece não existir conexão entre o risco criado e o

resultado obtido.

Assim, está afastada a imputação objetiva.

E quanto ao elemento subjetivo? Se considerarmos a negligência, não pudemos

punir por tentativa. Porém, continuaríamos a punir por ofensas à integridade

física.

António praticou ainda uma tentativa impossível de furto qualificado quando

levou a caixa, pois o objeto não existe. Esta tentativa era punível pois não era

manifesto que o meio não servia (artigo 23/3 do CP); aplicamos a teoria da

execução pois a generalidade das pessoas ficaria impressionada.

Bento será cúmplice moral, pois ele não chega a tomar parte direta na

execução. Mas procedeu a atos de execução? Não, logo não existe qualquer

tentativa.

Teremos de analisar a desistência enquanto cúmplice, embora esta desistência

não seja voluntária.

Diogo tem, em princípio, dolo. Mas será Diogo coautor? Ele era essencial

durante a execução, embora não exista decisão conjunta.

3. Exame (sem data)

Temos uma tentativa impossível pois o objeto não existe. Nesse momento ela

será inimputável. Porém, questiona-se se ela praticou uma ação jurídico-

penalmente relevante: para a professora existe uma ação livre na causa que

preenche o tipo da tentativa impossível. A discussão situa-se agora ao nível da

culpa.

Será que quando ela aceitou a injeção foi para praticar o crime ou apenas

porque precisava?

Nos termos do artigo 20/4 do CP, existe uma parte da doutrina que considera

que tem de existir dolo direito ou necessário.

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Quanto à punibilidade, como estamos perante uma tentativa impassível, temos

de decidir se era manifesto ou não que o objeto existia, segundo a teoria da

impressão, o que claramente se verificava. Quanto à tentativa impossível

temos de perceber se o meio é idóneo a produzir o resultado (artigo 23/3 do

CP), o que se verifica. Assim, esta tentativa era punível.

Quanto a Bruno, será em princípio instigador porque faz nascer na Ana a

vontade de praticar o facto típico. Porém, podemos também defender que ele

é também coautor; considerando que existiam as duas formas, ele será punido

por autoria em concurso aparente.

Segunda conduta da Ana

Existe uma aberratio ictus em que o agente deve ser punido em concurso

efetivo por tentativa do crime que visou realizar na forma dolosa e homicídio

doloso do crime que realizou.

Quanto à tentativa, temos uma ação jurídica controlável pela vontade. Temos

também, quanto ao tipo objetivo, um ato de execução (elemento objetivo) pois

este era idóneo à realização do facto típico (artigo 22/2/b)) e não se verificou

qualquer resultado. Existe ainda dolo direto.

Aqui, o grande problema é a culpa. Ele só lhe deu o revólver depois de lhe ter

dado a dose de heroína; assim, poderíamos aplicar o artigo 20/1 do CP. Temos

então uma causa de exclusão da culpa.

Quanto ao homicídio negligente de Ana, não existe imputação objetiva, uma

vez que não existem tentativas negligentes. Podem ainda existir ofensas à

integridade física negligentes; porém, ela não será punida porque não tem

culpa.

Quanto ao médico, existe omissão de auxílio, sendo controlável pela vontade

pois o momento relevante é o momento em que ele decide beber sabendo que

está a fazer urgências. Existia um especial dever de agir (artigo 131+10/2 do CP)

por assunção fáctica de deveres de custódia.

Bruno

Bruno não pode ser autor mediato pois a Ana é inimputável; assim, é instigador

e coautor quanto ao furto. Quanto à tentativa de homicídio ele é autor mediato

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por utilização de inimputáveis. Por outro lado, ele não poderia ser autor

negligente das ofensas pois nem sequer tinha possibilidade de prever.

Quanto à outra ação, como há um erro na execução por parte de bruno ele

poderia ser puído por tentativa de homicídio de Carlos e crime de homicídio

negligente de Ana.

Quando à tentativa de Carlos, existe um erro sobre os pressupostos de facto de

uma causa de exclusão da ilicitude – 16/2 do CP; porém, se considerarmos que

existiu excesso, não podemos ir aplicar esta figura.

Porém, nem se pode excluir a culpa – o homem não tem medo.

Quanto a Ana, há negligência. Porém, foi Carlos quem puxou Ana para a sua

frente: há uma interrupção do processo causal.

A morte de Ana, relativamente a Carlos, existe um estado de necessidade

desculpante (artigo 35 do CP). Face a um perigo para a vida não lhe é razoável a

adoção de outro tipo de comportamento.

Correção do teste

I

B não praticou uma ação jurídico-penalmente relevante. Nestes atos, o agente não

tem controlo nem possibilidade de controlo da sua ação. Para o Direito Penal

interferir, é necessário que exista uma ação que caiba no âmbito da autonomia do

agente. Se o mesmo não tem a possibilidade de controlo, essa ação não cai no âmbito

da sua atuação.

Quanto a António, será autor imediato e não apenas mediato por faltar ao executor

material a capacidade de ação. Não se trata de instigação pois nesses casos ele teria de

determinar outrem a executar dolosamente o facto.

A figura da autoria mediata pressupõe que exista uma ação jurídico-penalmente

relevante por parte do B.

Quanto a Carlos, a legitima defesa pressupõe uma ação atual e ilícita, não se aplicando

aqui essa figura. Mas podia aplicar-se outra causa de exclusão da ilicitude, como seja o

estado de necessidade defensivo.

II

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Quanto ao E, ele terá especial dever de agir? Por via de uma relação de comunidade

próxima. E quanto ao monopólio? Pode existir.

Quanto à culpa, poderá existir um erro sobre a ilicitude. Trata-se de um erro moral em

que o agente tem uma ideia errada da ordem jurídica – artigo 17/1 do CP. Só se exclui

a culpa se o erro não for censurável, pelo critério da evitabilidade e da retitude da

consciência errónea.

Já se ele não soubesse que era seu filho, tratava-se de um erro do artigo 16/1 do CP.

Quanto a G, a dúvida era se ele era instigador ou autor mediato. Neste caso, nem todo

o erro exclui a culpa, pelo que teria de se afastar a autoria mediata, podendo o agente

ser punido como instigador.

Se o E não tivesse especial dever de agir, poderíamos aplicar o artigo 28.

G tinha também o especial dever de agir; poderá ser fundado em questões de

monopólio ou em assunção fáctica de deveres de custódia.

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