Teoria Dos Numeros Um Passeio Com Primos 3ed

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    Teoria dos Numeros:um passeio com primos e outros numeros

    familiares pelo mundo inteiro

    Fabio E. Brochero MartinezCarlos Gustavo T. de A. MoreiraNicolau C. Saldanha

    Eduardo Tengan

    http://livrariavirtual.impa.br

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    Prefacio

    O tema deste livro e a chamadaTeoria dos Numeros, que e a parte daMatematica que se dedica ao estudo dos numeros inteiros e seus amigos.Nao ha duvidas de que o conceito de inteiro e um dos mais antigos efundamentais da ciencia em geral, tendo acompanhado o homem desdeos primordios de sua historia. Assim, e de certa forma surpreendenteque a Teoria dos Numeros seja atualmente uma das areas de pesquisamais efervescentes da Matematica e que, mais do que nunca, continue afascinar e desafiar as atuais geracoes de matematicos.

    Diferentemente de muitas outras areas da Matematica, a Teoria dosNumeros se distingue muito menos por seus metodos mas mais sim porseus problemas, cujo tema comum subjacente e o de numero inteiro. As-sim, por exemplo, enquanto um analista utiliza-se de metodos analticospara resolver seus problemas e um algebrista empregue metodos algebri-cos para atacar questoes algebricas, em Teoria dos Numeros um mesmoproblema pode requerer para a sua solucao a utilizacao simultanea demetodos algebricos, analticos, topologicos, geometricos e combinato-rios, alem de uma boa dose de imaginacao! Talvez seja este aspecto

    multidisciplinar, aliado a simplicidade de seus conceitos e ao seu caraterfundamental, que torna a Teoria dos Numeros um dos ramos mais popu-lares em toda a Matematica, cativando pessoas de formacao totalmentediversas. Em particular, os quatro autores sao matematicos de areas di-ferentes umas das outras e nenhum deles e propriamente um especialistaem teoria dos numeros.

    A escolha dos temas abordados neste livro pretende justamente ilus-trar esta personalidade multipla da Teoria dos Numeros. Assim, o leitor

    encontrara aqui, alem dos topicos ja consagrados como proprios da Te-oria dos Numeros, tais como divisibilidade, congruencias, primos, razesprimitivas e reciprocidade quadratica, diversos outros na interface com

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    PREFACIO

    outras disciplinas como Analise, Algebra e ate mesmo Computacao: porexemplo, estudamos entre outros o comportamento assintotico de fun-

    coes aritmeticas, a aritmetica do anel de inteiros algebricos bem comoalguns dos testes de primalidade mais eficientes atualmente conhecidos.A grande maioria dos resultados sao classicos (= vistos em classe) e

    nossa unica contribuicao original (alem dos erros) e quanto a sua apresen-tacao. Naturalmente a escolha de quais temas foram abordados e quaisforam deixados de fora e mais um reflexo do gosto e da experiencia pes-soal de nos autores do que uma meticulosamente calculada amostragemdos diversos aspectos da teoria. Ainda sim, acreditamos que cada umdos aspectos mais relevantes tenha sido coberto em pelo menos algum

    trecho do livro, de modo que o leitor nao se sentira frustrado, tenha eleinclinacoes mais para uma area do que outra!

    Devo ler este livro?

    Bem, naturalmente esta e um questao que so voce pode responder!Mas vejamos algumas das iguarias que voce estara perdendo se decidirque nao:

    1. os teoremas caracterizando quais naturais sao respectivamente so-mas de dois, tres e quatro quadrados perfeitos (captulo 4);

    2. duas demonstracoes da famosa lei de reciprocidade quadratica, umdos resultados favoritos de Gau (captulos 2 e 6);

    3. o recentemente descoberto algoritmo AKS, que demonstrou que oproblema de decidir se um numero inteiro e ou nao primo pode serresolvido em tempo polinomial (captulo 7);

    4. o teorema de Lucas-Lehmer, que fornece uma condicao necessaria

    e suficiente para que um numero da forma 2p 1 seja primo, ecujo algoritmo correspondente e responsavel pelos maiores primosexplicitamente conhecidos atualmente (captulo 7);

    5. a utilizacao de fracoes contnuas para a obtencao das melhoresaproximacoes racionais de numeros reais e os teoremas de Khint-chine, que quantificam estas melhores aproximacoes para quasetodo numero real (captulos 3 e 8);

    6. o teorema da fatoracao unica em ideais primos no anel de inteiros

    algebricos de uma extensao finita deQ (captulo 6);7. uma introducao a teoria de curvas elpticas, que e um dos temas

    centrais na Teoria dos Numeros contemporanea (captulo 9).

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    Este livro incorpora a maior parte de um livro anterior [105] sobrenumeros primos escrito por dois dos autores para o Coloquio Brasileiro

    de Matematica de 1999.Por falar em primos, inclumos o apendice A, intitulado O teorema

    dos numeros primos, escrito por Jorge Aarao. Este apendice e basica-mente a sua dissertacao de mestrado, apresentada em 1988 no IMPA,sob a orientacao de Jose Felipe Voloch. Nele sao provados o teoremados numeros primos e o teorema dos numeros primos em progressoesaritmeticas (que implica o teorema de Dirichlet). Trata-se de uma dasmelhores referencias que conhecemos sobre o assunto. Somos muito gra-

    tos ao Jorge por ter-nos permitido incluir esse texto em nosso livro.Gostaramos tambem de agradecer ao Nivaldo Nunes de Medeiros

    por suas otimas sugestoes de problemas.

    Mas a quem exatamente se destina este livro? Na verdade, este livrofoi escrito tendo em mente leitores com bagagens tecnicas diversas eem diversos estagios de seu desenvolvimento matematico, seja o leitoraluno de graduacao, pos-graduacao, matematico profissional ou apenasum curioso aficcionado em Matematica. Assim, a exposicao nao segue

    um tempo uniforme: ela pode variar desde um largo ou andante, noscaptulos iniciais, ate um prestssimo em certos trechos da segunda parte.Ainda sim, fizemos um genuno esforco para manter a exposicao o maisauto-contida possvel, mesmo quando fazemos uso de ferramentas umpouco mais avancadas, que acreditamos porem acessveis a maioria dosalunos de graduacao em cursos de Ciencias Exatas (por exemplo).

    Para facilitar a adocao deste livro em cursos de graduacao e pos-graduacao, dividimos o livro em duas partes: Fundamentos e Topicos

    adicionais bacanas. A primeira cobre o programa mais ou menos tra-dicional em cursos de Teoria Elementar dos Numeros, incluindo temascomo divisibilidade, congruencias, razes primitivas, reciprocidade qua-dratica, equacoes diofantinas e fracoes contnuas. Na segunda parte, oscaptulos sao mais ou menos independentes entre si, e varios trechospodem ser utilizados em seminarios, projetos de iniciacao cientfica oucomo topicos especiais em cursos. Em todo caso, excetuando-se os doisprimeiros captulos, cujos resultados sao utilizados constantemente ao

    longo de todo o texto, a leitura nao precisa ser linear: o leitor e com-pletamente livre para excursionar pelos diversos temas que o atrarem eapreciar a paisagem nesta, esperamos, agradavel viagem.

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    Exemplos e Problemas Propostos

    Exemplos e exerccios sao uma parte importante no aprendizado dequalquer novo assunto e nao poderia ser diferente neste livro. Mas,como mencionamos no incio, isto e ainda mais verdade em Teoria dosNumeros, cujo pilar central unificador sao exatamente os problemas. Hamais de 80 exemplos e 200 exerccios, de dificuldades as mais variadas,incluindo desde calculos rotineiros ate problemas desafiantes extradosde diversas Olimpadas de Matematica ao redor do mundo. Para estes,utilizamos as seguintes abreviacoes:

    AusPol: Olimpada Austro-Polaca de Matematica IMO: International Mathematical Olympiad

    OBM: Olimpada Brasileira de Matematica

    OIbM: Olimpada Ibero-americana de Matematica

    O numero razoavelmente grande de problemas de olimpadas neste

    livro esta provavelmente relacionado ao fato de todos os autores seremex-olmpicos. Exortamos veementemente o leitor a tentar resolver omaior numero possvel de problemas. Exerccios matematicos sao decerta forma como exerccios fsicos: voce nao ficara em forma se so olharoutros fazendo. . . E alem disso, problemas matematicos sao como es-porte amador: voce nao tem nada a perder ao tentar, alem de seremmuito divertidos! Mas nao se preocupe se nao conseguir resolver algunsproblemas deste livro: muitos deles sao (ou foram) difceis para nos

    tambem.Confessamos que nao resolvemos cada qual dos exerccios, assim pode

    haver pequenos erros na maneira em que eles sao apresentados, e nestecaso e parte do exerccio obter uma formulacao correta. Caso o leitorencare isto com um lapso da parte dos autores, queremos entao lembraros seguintes versos de Goethe:

    Irrtum verlat uns nie, doch ziehet ein hoher Bedurfnis

    Immer den strebenden Geist leise zur Wahrheit hinan.1

    1Erros nunca nos abandonam, ainda sim uma necessidade maior empurra gentil-mente nossos espritos almejantes em direcao da verdade.

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    Terminologia Frequente e Notacoes

    Utilizamos a ja consagrada notacao N, Z, Q, R, C para denotar osconjuntos dos numeros naturais (incluindo o zero), inteiros, racionais,reais e complexos. Alem disso, ao longo de todo o livro utilizaremos aseguinte terminologia:

    1. Claramente: Nos nao estamos com vontade de escrever todosos passos intermediarios.

    2. Lembre: Nos nao deveramos ter que dizer isto, mas. . .

    3. Sem Perda de Generalidade: Nos nao faremos todos os casos,

    entao vamos fazer so um e deixar voce adivinhar o resto.4. Verifique: Esta e a parte chata da prova, entao voce pode faze-la

    na privacidade do seu lar, quando ninguem estiver olhando.

    5. Esboco de prova: Estamos com muita preguica de fazer os de-talhes, entao so listamos alguns passos que fazem parte do argu-mento.

    6. Dica: A maneira mais difcil dentre as varias maneiras de se re-solver um problema.

    7. Analogamente: Pelo menos uma linha da prova acima e igual aprova deste caso.

    8. Por um teorema anterior: Nos nao nos lembramos de comoera o enunciado (na verdade, nao temos certeza se provamos istoou nao), mas se o enunciado esta correto, o resto da prova segue.

    9. Prova omitida: Acredite, e verdade.

    Julho de 2010 Fabio, Gugu, Nicolau e ET

    Young men should prove theorems, old men should write books.

    G. H. Hardy

    To get a book from these texts, only scissors and glue were needed.

    J.-P. Serre

    (comentario ao receber o premio Steele por seu livroCours dArithmetique)

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    Prefacio da segunda edicao

    Ficamos muito felizes com a boa recepcao que nosso livro encontrou.Aproveitamos a ocasiao desta reimpressao para corrigir alguns pequenoserros, varios deles apontados por leitores. Em particular, reescrevemosa secao dedicada ao algoritmo de Agrawal-Kayal-Saxena para testar aprimalidade de um inteiro, atualizamos a lista de primos, inclumos umabreve discussao sobre a relacao entre fracoes contnuas e a dinamica datransformacao de Gauss e adicionamos algumas figuras para facilitar acompreensao do texto. Alem disso, o ndice remissivo foi revisado eampliado.

    Outubro de 2011 Fabio, Gugu, Nicolau e ET

    Prefacio da terceira edicao

    Novamente aproveitamos a ocasiao da reimpressao para corrigir al-guns pequenos erros e atualizar tabelas de primos. Entre outras mu-

    dancas, inclumos discussoes sobre equacoes diofantinas lineares, sobrea conjectura de Artin e sobre a solucao negativa do decimo problema deHilbert, que mostra que nao ha um algoritmo geral que resolva qualquerequacao diofantina polinomial. A prova do Lema de Hensel foi trocadapor uma ligeiramente mais elementar; foi adicionada uma prova trigo-nometrica da lei de reciprocidade quadratica; na secao sobre a equacaode Pell alguns enunciados e demonstracoes foram reformulados, e final-mente o captulo sobre inteiros algebricos foi revisto - aproveitamos em

    particular para incluir o celebre teorema de Polya-Vinogradov.

    Maio de 2013 Fabio, Gugu, Nicolau e ET

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    Conteudo

    I Fundamentos 1

    0 Princpios 3

    0.1 Princpio da Inducao Finita . . . . . . . . . . . . . . . . . 3

    0.2 Princpio da Casa dos Pombos . . . . . . . . . . . . . . . 10

    1 Divisibilidade e Congruencias 15

    1.1 Divisibilidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15

    1.2 mdc, mmc e Algoritmo de Euclides . . . . . . . . . . . . . 18

    1.3 O Teorema Fundamental da Aritmetica . . . . . . . . . . 26

    1.4 Congruencias . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34

    1.5 Bases . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38

    1.6 O Anel de Inteiros Modulo n . . . . . . . . . . . . . . . . 41

    1.7 A Funcao de Euler e o Teorema de Euler-Fermat . . . . . 48

    1.8 Polinomios . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58

    1.9 Ordem e Razes Primitivas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 68

    2 Equacoes Modulo m 802.1 Equacoes Lineares Modulo m . . . . . . . . . . . . . . . . 80

    2.2 Congruencias de Grau 2 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 87

    2.2.1 Resduos Quadraticos e Smbolo de Legendre . . . 88

    2.2.2 Lei de Reciprocidade Quadratica . . . . . . . . . . 90

    2.2.3 Uma demonstracao trigonometrica . . . . . . . . . 95

    2.3 Congruencias de Grau Superior . . . . . . . . . . . . . . . 100

    3 Fracoes Contnuas 1083.1 Reduzidas e Boas Aproximacoes . . . . . . . . . . . . . . 119

    3.2 Boas Aproximacoes sao Reduzidas . . . . . . . . . . . . . 121

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    CONTEUDO

    3.3 Fracoes Contnuas Periodicas . . . . . . . . . . . . . . . . 125

    3.4 Os Espectros de Markov e Lagrange . . . . . . . . . . . . 126

    4 Equacoes Diofantinas 133

    4.1 Ternas Pitagoricas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 134

    4.2 Equacoes Diofantinas Quadraticas e Somas de Quadrados 138

    4.2.1 Somas de Dois Quadrados . . . . . . . . . . . . . . 142

    4.2.2 Somas de Quatro Quadrados eo Problema de Waring . . . . . . . . . . . . . . . . 145

    4.2.3 Somas de Tres Quadrados . . . . . . . . . . . . . . 148

    4.2.4 Teorema de Minkowski . . . . . . . . . . . . . . . . 1524.3 Descenso Infinito de Fermat . . . . . . . . . . . . . . . . . 155

    4.3.1 Equacao de Markov . . . . . . . . . . . . . . . . . 158

    4.3.2 Ultimo Teorema de Fermat . . . . . . . . . . . . . 159

    4.4 Equacao de Pell . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 166

    4.4.1 Solucao Inicial da Equacao de Pell . . . . . . . . . 173

    4.4.2 A Equacao x2 Ay2 = 1 . . . . . . . . . . . . . 1764.4.3 Solucoes da Equacao x2

    Ay2 =c . . . . . . . . . 179

    4.4.4 Solucoes da Equacao mx2 ny2 = 1 . . . . . . . 181

    5 Funcoes Aritmeticas 188

    5.1 Funcoes Multiplicativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188

    5.2 Funcao de Mobius e Formula de Inversao . . . . . . . . . 193

    5.3 Algumas Estimativas sobre Primos . . . . . . . . . . . . . 200

    5.3.1 O Teorema de Chebyshev . . . . . . . . . . . . . . 200

    5.3.2 O Postulado de Bertrand . . . . . . . . . . . . . . 2045.3.3 Outras estimativas . . . . . . . . . . . . . . . . . . 206

    5.4 A Funcao de Euler . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 212

    5.5 A Funcao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 217

    5.6 Numeros Livres de Quadrados . . . . . . . . . . . . . . . . 219

    5.7 As Funcoes e . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 219

    5.8 A Funcao Numero de Divisores d(n) . . . . . . . . . . . . 221

    5.9 A Funcao Numero de Particoes p(n) . . . . . . . . . . . . 225

    5.10 A Funcao Custo Aritmetico (n) . . . . . . . . . . . . . . 231

    II Topicos adicionais bacanas 238

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    CONTEUDO

    6 Inteiros Algebricos 2406.1 Inteiros de Gau e Eisenstein . . . . . . . . . . . . . . . . 240

    6.2 Extensoes Quadraticas e Ciclotomicas . . . . . . . . . . . 2546.3 Alguns Resultados de A l gebr a . . . . . . . . . . . . . . . . 2636.3.1 Polinomios Simetricos . . . . . . . . . . . . . . . . 2636.3.2 Extensoes de Corpos e Numeros Algebricos . . . . 2646.3.3 Imersoes, Traco e Norma . . . . . . . . . . . . . . 269

    6.4 Inteiros Algebricos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2756.5 Ideais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 283

    6.5.1 Fatoracao Unica em Ideais Primos . . . . . . . . . 2926.6 Grupo de Classe e Unidades . . . . . . . . . . . . . . . . . 296

    7 Primos 3087.1 Sobre a Distribuicao dos Numeros Primos . . . . . . . . . 308

    7.1.1 O Teorema dos Numeros Primos . . . . . . . . . . 3087.1.2 Primos Gemeos e Primos de Sophie Germain . . . 3107.1.3 Outros Resultados e Conjeturas sobre Primos . . . 319

    7.2 Formulas para Primos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3247.3 Testes de Primalidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 329

    7.3.1 O teste probabilstico de Miller-Rabin . . . . . . . 3327.4 Testes determinsticos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 336

    7.4.1 Testes de Primalidade Baseados em Fatoracoes den 1 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 337

    7.4.2 Teste de Agrawal, Kayal e Saxena . . . . . . . . . 3407.5 Primos de Mersenne . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3507.6 Sequencias Recorrentes e Testes de Primalidade . . . . . . 3557.7 Aspectos Computacionais . . . . . . . . . . . . . . . . . . 363

    7.7.1 O Algoritmo de Multiplicacao de Karatsuba . . . . 3637.7.2 Multiplicacao de Polinomios Usando FFT . . . . . 3647.7.3 Multiplicacao de Inteiros Usando FFT . . . . . . . 3687.7.4 A Complexidade das Operacoes Aritmeticas . . . . 372

    7.8 Tabelas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 374

    8 Aproximacoes Diofantinas 3828.1 Teoria Metrica das Aproximacoes Diofantinas . . . . . . . 3828.2 Aproximacoes Nao-Homogeneas . . . . . . . . . . . . . . . 384

    8.3 O Teorema de Khintchine . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3908.3.1 O Caso Unidimensional . . . . . . . . . . . . . . . 3908.3.2 O Teorema de Khintchine Multidimensional . . . . 394

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    CONTEUDO

    8.4 Numeros de Liouville . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 399

    9 Introducao as Curvas Elpticas 402

    9.1 Curvas Elpticas como Curvas ProjetivasPlanas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 402

    9.2 A Lei da Corda-Tangente . . . . . . . . . . . . . . . . . . 405

    9.3 Curvas Elpticas como Rosquinhas . . . . . . . . . . . . . 408

    III Apendices 418

    A O Teorema dos Numeros Primos

    (por Jorge Aarao) 420A.1 Os Conceitos Ba s i c o s . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4 2 2

    A.1.1 A Funcao Zeta de Riemann . . . . . . . . . . . . . 422

    A.1.2 A Funcao (x) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 428

    A.2 Teoremas Tauberianos e o Teorema dos Numeros Primos . 431

    A.2.1 Teoremas Tauberianos . . . . . . . . . . . . . . . . 431

    A.2.2 O Teorema dos Numeros Primos . . . . . . . . . . 437

    A.3 Carateres de Grupos, L-Series de Dirichlet e o Teorema

    em Progressoes Aritmeticas . . . . . . . . . . . . . . . . . 437A.3.1 A Funcao (x; q, ) . . . . . . . . . . . . . . . . . . 437

    A.3.2 Carateres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 439

    A.3.3 L-series de Dirichlet . . . . . . . . . . . . . . . . . 442

    A.4 O Lema de Landau . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 448

    A.5 Bibliografia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 449

    B Sequencias Recorrentes 451

    B.1 Sequencias Recorrentes Lineares . . . . . . . . . . . . . . 452

    B.2 A Sequencia de Fibonacci . . . . . . . . . . . . . . . . . . 454B.3 A Recorrencia xn+1 =x

    2n 2 . . . . . . . . . . . . . . . . 456

    B.4 Formulas Gerais para Recorrencias Lineares . . . . . . . . 457

    C Qual o proximo destino? 473

    C.1 Alguns comentarios e sugestoes . . . . . . . . . . . . . . . 473

    C.1.1 Fundamentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 473

    C.1.2 Leis de Reciprocidade . . . . . . . . . . . . . . . . 474

    C.1.3 Inteirosp-adicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 474C.1.4 Geometria Diofantina . . . . . . . . . . . . . . . . 476

    C.2 Sugestoes Bibliograficas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 476

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    CONTEUDO

    C.2.1 Textos Gerais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 476C.2.2 Textos sobre Teoria Analtica dos Numeros . . . . 476

    C.2.3 Textos sobre Aproximacoes Diofantinas . . . . . . 477C.2.4 Textos sobre Teoria Algebrica dos Numeros . . . . 477C.2.5 Textos sobre Curvas Elpticas e Geometria Dio-

    fantina . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 478

    Bibliografia 480

    Indice Remissivo 492

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    Parte I

    Fundamentos

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    Captulo 0

    Princpios

    Neste captulo preliminar veremos duas propriedades basicas dos nu-meros naturais, oPrincpio da Inducao Finitae oPrincpio da Casa dosPombos.

    0.1 Princpio da Inducao Finita

    Seja P(n) uma propriedade do numero natural n, por exemplo:

    n pode ser fatorado em um produto de numeros primos; 1 + 2 + + n= n(n+1)2 ; a equacao 2x + 3y =n admite solucao comx e y inteiros positivos.Uma maneira de provar que P(n) e verdadeira para todo natural

    n

    n0

    e utilizar o chamado Princpio da Inducao Finita(PIF), que eum dos axiomas que caracterizam o conjunto dos numeros naturais. OPIF consiste em verificar duas coisas:

    1. (Base da Inducao) P(n0) e verdadeira e

    2. (Passo Indutivo) SeP(n) e verdadeira para algum numero naturaln n0, entao P(n + 1) tambem e verdadeira.

    Na base da inducao, verificamos que a propriedade e valida para

    um valor inicial n = n0. O passo indutivo consiste em mostrar comoutilizar a validade da propriedade para um dado n (a chamadahipotesede inducao) para provar a validade da mesma propriedade para o inteiro

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    4 [CAP. 0: PRINCIPIOS

    seguinte n+ 1. Uma vez verificados a base e o passo indutivo, temosuma cadeia de implicacoes

    P(n0) e verdadeira (base)

    passo

    indutivo= P(n0+ 1) e verdadeira

    passo

    indutivo= P(n0+ 2) e verdadeira

    passo

    indutivo= P(n0+ 3) e verdadeira

    ...

    de modo que P(n) e verdadeira para todo natural n n0.Vejamos alguns exemplos.

    Exemplo 0.1. Demonstrar que, para todo inteiro positivo n,

    1 + 2 + + n= n(n + 1)2

    .

    Solucao: Observemos que 1 = 122 donde a igualdade vale paran= 1(base da inducao). Agora suponha que a igualdade valha para n = k(hipotese de inducao):

    1 + 2 + + k= k(k+ 1)2

    .

    Somando k+ 1 a ambos lados da igualdade, obtemos

    1 + 2 + + k+ (k+ 1) = k(k+ 1)2 + (k+ 1) =(k+ 1)(k+ 2)2 ,

    de modo que a igualdade tambem vale para n = k+ 1. Pelo PIF, aigualdade vale para todo numero natural n 1.

    Exemplo 0.2. Demonstrar que, para todo numero naturaln,

    Mn =n(n2

    1)(3n + 2)e m ultiplo de24.

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    [SEC. 0.1: PRINCIPIO DA INDUCAO FINITA 5

    Solucao: Veja que sen= 0 entao M0 = 0, que e um multiplo de 24(base da inducao).

    Agora, suponhamos que para certo inteiro k o numero Mk e divis-vel por 24 (hipotese de inducao) e vamos mostrar que Mk+1 tambem edivisvel por 24 (passo indutivo). Calculamos primeiramente a diferenca

    Mk+1 Mk = (k+ 1)

    (k+ 1)2 13(k+ 1) + 2 k(k2 1)(3k+ 2)=k(k+ 1)[(k+ 2)(3k+ 5) (k 1)(3k+ 2)]= 12k(k+ 1)2.

    Um dos numeros naturais consecutivosk e k+ 1 e par donde k(k+ 1)2

    e sempre par e 12k(k+ 1)2 e divisvel por 24. Por hipotese de inducao,Mk e divisvel por 24 e temos portanto que Mk+1 = Mk+ 12k(k+ 1)

    2

    tambem e divisvel por 24, como se queria demonstrar.

    Uma variante do PIF e a seguinte versao (as vezes apelidada deprincpio de inducao forte ou princpio de inducao completa), em quese deve mostrar

    1. (Base da Inducao) P(n0) e verdadeira e

    2. (Passo Indutivo) SeP(k) e verdadeira para todo naturalk tal quen0 k n, entao P(n + 1) tambem e verdadeira.

    Exemplo 0.3. A sequencia de Fibonacci Fn e a sequencia definida re-cursivamente por

    F0 = 0, F1 = 1 e Fn =Fn1+ Fn2 paran 2.

    Assim, seus primeiros termos sao

    F0 = 0, F1 = 1, F2 = 1, F3 = 2, F4 = 3, F5 = 5, F6 = 8, . . .

    Mostre que

    Fn =n n

    onde= 1+

    5

    2 e= 15

    2 sao as razes dex2 =x + 1.

    Solucao: Temos que F0 = 00

    = 0 e F1 = 11

    = 1 (base de

    inducao). Agora sejan 1 e suponha que Fk = kk para todo k com

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    6 [CAP. 0: PRINCIPIOS

    0 k n (hipotese de inducao). Assim,Fn+1=Fn+ Fn

    1

    =n n

    +n1 n1

    =

    (n + n1) (n + n1) =

    n+1 n+1

    pois 2 = + 1 = n+1 = n +n1 e analogamente n+1 =n + n1.

    Observe que, neste exemplo, como o passo indutivo utiliza os valores

    de dois termos anteriores da sequencia de Fibonacci, a base requer veri-ficar a formula para os dois termos iniciais F0 e F1 e nao apenas para oprimeiro termo.

    Exemplo 0.4. Demonstrar que, para quaisquer naturaisn m, o coe-ficiente binomial

    n

    m

    def=

    n!

    m!(n m)!e inteiro.

    Solucao: Procederemos por inducao sobre a somam+n. Sem+n= 0entao m = n = 0 e

    00

    = 1 e inteiro (base de inducao). Para o passo

    indutivo, observe primeiramente que para 0 < m < n temos a seguinteidentidade de binomiais

    n

    m

    =

    n 1

    m

    +

    n 1m 1

    que segue diretamente das definicoes:n 1

    m

    +

    n 1m 1

    =

    (n 1)!m!(n m 1)!+

    (n 1)!(m 1)!(n m)!

    =

    (n m) + m(n 1)!

    m!(n m)! =

    n

    m

    .

    Agora suponhamos que

    nm

    e inteiro para m+n k (hipotese de

    inducao). Note que podemos supor tambem que 0 < m < n, ja que se

    m= n ou m= 0 temos nm = 1 e o resultado vale trivialmente. Assim,sem + n= k +1, temos que

    nm

    =n1

    m

    +n1

    m1

    e inteiro tambem poiscada somando da direita e inteiro pela hipotese de inducao.

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    [SEC. 0.1: PRINCIPIO DA INDUCAO FINITA 7

    Um terceiro disfarce do PIF e o chamado princpio da boa ordena-cao (PBO) dos numeros naturais, que afirma que todo subconjunto A

    nao vazio de N tem um elemento mnimo. (Voce sabe dizer por que oprincpio da boa ordem nao vale para o conjunto Z de todos os inteiros?)Vejamos a equivalencia entre os dois princpios. Assuma primeira-

    mente o PBO e sejaP(n) uma propriedade para a qualP(0) e verdadeirae P(n) verdadeira implica P(n+ 1) verdadeira. SejaB o conjunto dosn tais que P(n) e falsa; devemos mostrar que B= . Suponha que nao;pelo PBO o conjuntoB possui um menor elementob. Como 0 / B (poisP(0) e verdadeira por hipotese) temos queb 1 e assimb 1 N e pelaminimalidade de b temos que b

    1 /

    B, ou seja, P(b

    1) e verdadeira.

    Mas por hipotese temos entao que P(b) tambem e verdadeira, o que eum absurdo, logo B= .

    Assuma agora o PIF e sejaA N um subconjunto nao vazio. Definaagora o conjunto B ={b N| a / A para todo a < b}. Trivialmente0 B. Afirmamos que existek B tal que k+ 1 / B e nesse caso ksera o menor elemento de A. De fato, se isto nao acontecer, teremos que0B e kB implica que k+ 1B . Logo, pelo PIF, B =N e A=,o que e absurdo.

    Exemplo 0.5. Demonstrar que toda funcao f : N N monotona nao-crescente (isto e, n m = f(n) f(m)) e constante a partir de umcerto numero natural.

    Solucao: Seja A Na imagem de f. Pelo PBO, tal conjunto possuielemento mnimo a0. Seja n0 um natural tal que f(n0) = a0. Comoa funcao e monotona nao-crescente entao para todo n n0 temos quef(n) f(n0), mas pela definicao dea0temosf(n) a0. Logof(n) =a0para todo n n0, como queramos demonstrar.

    Observacao 0.6. Dado um conjuntoS, uma relacao emS e chamadadeordem parcial emSse ela satisfaz os seguintes axiomas:

    1. (Reflexividade) a a para todo a S.

    2. (Anti-simetria) sea b eb a entao a= b.3. (Transitividade) sea b eb c entao a c.

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    8 [CAP. 0: PRINCIPIOS

    Dizemos que e uma ordem total se, dados quaisquer a, b S, oua

    b ou b

    a. Uma ordem total

    em S e uma boa ordem se todo

    subconjunto A de S possui um elemento mnimo, isto e, um elementoa A tal que a b para todo b A. E possvel demonstrar que paratodo conjunto Spodemos definir uma ordem total emSque e uma boaordem. Este fato usa o axioma da escolha (e na verdade e equivalente aele) e esta fora do proposito deste livro. Veja por exemplo [134].

    Problemas Propostos

    0.1. Demonstrar por inducao que paran 1 natural(a) 12 + 22 + + n2 = n(n+1)(2n+1)6 .(b) 13 + 23 + + n3 = (1 + 2 + + n)2.(c) (15 + 25 + + n5) + (17 + 27 + + n7) = 2(1 + 2 + + n)4.

    (d) sen x + sen 2x + + sen nx=sen (n+1)x2

    sen nx2

    sen x2 .

    0.2. SejaFn o n-esimo termo da sequencia de Fibonacci. Demonstrarque para todo naturaln 1 temos(a) F1+ F2+ + Fn =Fn+2 1.(b) Fn+1 Fn1 F2n = (1)n.

    (c) 1 11 0n

    = Fn+1 FnFn Fn1.(d)

    n0

    +

    n11

    +

    n22

    +

    n33

    + =Fn+1, onde na soma interpretamos

    mk

    = 0 sek > m.

    0.3. Demonstrar que

    (a) n3 n e um m ultiplo de6 para todo naturaln.

    (b) 5n 1 e m ultiplo de24 para todo numero naturaln par.(c) 2n + 1 e m ultiplo de3 para todo natural mparn.

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    [SEC. 0.1: PRINCIPIO DA INDUCAO FINITA 9

    0.4. Definimos a sequencia{an} pora1 = 2 e paran2 o termo an eo produto dos termos anteriores mais um. Mostre que

    1a1

    + 1a2

    + + 1an

    = 1 1a1a2 an .

    0.5. Mostre que72n 48n 1 e divisvel por482 para todo valorn.0.6. Mostre que para todo naturaln 4(a) 2n < n!.

    (b) 2n3 >3n2 + 3n + 1.

    0.7. Dado um inteiro positivo n, definimos T(n, 1) = n e, para todok1, T(n, k+ 1) = nT(n,k). Prove que existecN tal que, para todok 1, T(2010, k) < T(2, k+c). Determine o menor inteiro positivo ccom essa propriedade.

    0.8. Mostre que para todo n ek inteiros positivos

    nn + n + 1

    n + n + 2

    n + + n + k

    n = n + k+ 1

    n + 1 .0.9. Demonstre a formula do binomio de Newton paran natural:

    (x + y)n =

    n

    0

    xn +

    n

    1

    xn1y+ +

    n

    n 1

    xyn1 +

    n

    n

    yn.

    0.10. Encontrar com demonstracao uma expressao para o multinomio

    (x1+ x2+

    + xk)

    n

    em termos dos coeficientes multinomiais n

    i1, . . . , ik

    def=

    n!

    i1! ik!onde i1+ + ik =n.0.11. Consideren retas em posicao geral em um plano, isto e, sem quehaja duas retas paralelas ou tres retas concorrentes em um mesmo ponto.

    (a) Determine em funcao de n o numero de regioes em que as retasdividem o plano.

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    10 [CAP. 0: PRINCIPIOS

    (b) Demonstre que e possvel colorir essas regioes com duas cores semque duas regioes vizinhas tenham a mesma cor (duas regioes sao

    vizinhas se elas possuem um segmento de reta em comum).0.12. Sejamx1, . . . , xn numeros reais positivos. Neste exerccio vamosprovar que

    x1+ + xnn

    nx1 xn.Tal desigualdade e conhecida como desigualdade das medias aritmeticae geometrica.

    (a) Utilize o PIF para mostrar a desigualdade das medias paran= 2

    k

    .(b) Sejamx1, . . . , xnreais positivos fixados eA=

    x1++xnn a media arit-

    metica destes n umeros. Suponha que a desigualdade valha paran +1numeros reais positivos quaisquer; aplicando-a para x1, . . . , xn, A,conclua que a desigualdade vale tambem para quaisquern numerosreais positivos.

    (c) Combinando os itens anteriores, prove a desigualdade para todo n

    natural.0.13. Demonstrar que para cada numero natural n existe um numeronaturalM satisfazendo simultaneamente as seguintes duas condicoes:

    (i) M possuin dgitos pertencentes ao conjunto{1, 2}.(ii) M e divisvel por2n.

    0.14 (IMO1987). Mostre que nao existe uma funcao f:NN tal quef(f(n)) =n + 1987 para todo n N.

    0.2 Princpio da Casa dos Pombos

    E intuitivamente claro que se colocamos n + 1 objetos em n gavetasentao havera ao menos uma gaveta com mais de um objeto. Isto eexatamente o que afirma o chamado Princpio da Casa dos Pombos(PCP) ouPrincpio das Gavetas de Dirichlet: se temos kn + 1 pombos

    e n casinhas, entao existira uma casinha onde havera pelo menos k+ 1pombos. De fato, se em todas as casas houvesse no m aximo k pombos,entao o numero de pombos nao poderia ultrapassar kn.

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    [SEC. 0.2: PRINCIPIO DA CASA DOS POMBOS 11

    O PCP parece bastante inocente, mas tem muitas aplicacoes inte-ressantes, especialmente em argumentos de existencia em que nao se

    determina o objeto procurado explicitamente. Como exemplos falammais do que 103 palavras, vejamos alguns.

    Exemplo 0.7. Do conjunto A = {1, 2, . . . , 99, 100}, escolhemos aoacaso 51 numeros. Demonstrar que entre os numeros escolhidos sempreexistem dois que sao consecutivos.

    Solucao: Para provar isto, primeiro escolhamos gavetas adequadasao problema. Distribumos os numeros de A em 50 gavetas assimconstrudas:

    {1, 2} {3, 4} {5, 6} {99, 100}.

    Como ha 50 gavetas das quais retiramos 51 numeros, sempre existirauma gaveta da qual escolhemos dois numeros e estes, gracas a nossaconstrucao, serao consecutivos. Podemos generalizar este resultado con-siderando os numeros{1, 2, . . . , 2n} e escolhendo dentre eles n+ 1 nu-meros ao acaso.

    Exemplo 0.8. Do conjunto A = {1, 2, . . . , 99, 100}, escolhemos aoacaso 55 numeros. Demonstrar que entre os numeros escolhidos sempreexistem dois tais que sua diferenca e9.

    Solucao: Como no exemplo anterior o problema e descobrir como

    formar as gavetas. Consideremos as gavetas numeradas 0, 1, 2, . . . , 8,onde o numero n e colocado na gaveta i se, e so se, o resto na divisaode n por 9 e i. Como escolhemos 55 = 9 6 + 1 numeros, pelo PCPexistira uma gaveta j na qual ha 7 ou mais numeros escolhidos. Masem cada gaveta ha no maximo 12 numeros (por exemplo, o conjunto{1, 10, 19, 28, 37, 46, 55, 64, 73, 82, 91, 100}possui exatamente 12 elemen-tos). Segue, como no problema anterior, que existirao dois numeros queserao consecutivos em tal conjunto, isto e, dois numeros cuja diferenca

    e 9.

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    12 [CAP. 0: PRINCIPIOS

    Exemplo 0.9. Demonstrar que qualquer conjunto den inteiros possuium subconjunto nao vazio cuja soma dos elementos e divisvel porn.

    Solucao: Sejam a1, a2, . . . , an os elementos do conjunto, e definamosas somas parciaissj =a1+ +aj para j = 1, . . . , n. Se algum dossj e divisvel por n o problema fica resolvido. Se nenhum e divisvelpor n, entao os possveis restos na divisao por n sao 1, 2, . . . , n 1 ecomo han somas parciais pelo PCP existem duas sj esk comj < kquedeixam o mesmo. Portanto sk sj =aj+1+ + ak e divisvel porn e{aj+1, aj+2, . . . , ak} e o subconjunto procurado.

    Por outro lado, observemos que n e a quantidade mnima de ele-mentos para que se verifique tal condicao, no sentido em que existemconjuntos A com n 1 elementos tais que a soma dos elementos detodo subconjunto nao vazio de A nao e divisvel por n. Por exemplo,A= {1, n+1, 2n+1, . . . , (n2)n+1} e um destes conjuntos (verifique!).

    Exemplo 0.10. Seja um numero real. Demonstrar que, para todointeiron

    2, existe um inteiro0< k < n tal que o modulo da diferenca

    entrek e seu inteiro mais proximo e menor ou igual a 1n .

    Solucao: Vamos denotar por{x} a parte fracionariado numero realx, isto e, o unico real que satisfaz 0 {x} < 1 e x = m+ {x} paraalgum m Z.

    Considere{k}para k = 1, 2, . . . , n 1. Particione o intervalo [0, 1)em n partes de tamanho 1n :

    [0, 1) = 0,1

    n 1

    n ,

    2

    n 2

    n ,

    3

    n n

    1

    n , 1Se{k} [0, 1n ) ou{k} [ n1n , 1) para algum k = 1, . . . , n1, oproblema acabou. Caso contrario, pelo PCP havera duas partes fracio-narias{j} e{k} com 1 j < k n 1 pertencentes a um mesmointervalinho dentre os n 2 restantes. Sendo x= (k j), teremos

    {x} =

    {k} {j} se{k} {j}1 + {k} {j} se{k} < {j}

    e portanto {x} [0, 1n ) ou {x} [ n1n , 1), assim kjsatisfaz as condicoesdo problema.

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    [SEC. 0.2: PRINCIPIO DA CASA DOS POMBOS 13

    Problemas Propostos

    0.15. Escolhem-se 7 pontos no interior de um retangulo de dimensoes2 3. Demonstrar que sempre e possvel encontrar dois pontos tal quesua distancia e menor ou igual a

    2.

    0.16. Escolhem-se 9 pontos no interior de um quadrado de lado 1. De-monstrar que e possvel escolher 3 deles de tal forma que a area dotriangulo que formam e menor ou igual a 18 .

    0.17. Dadas 6 pessoas numa festa, demonstrar que necessariamente

    existem 3 pessoas que se conhecem mutuamente ou 3 pessoas que naose conhecem mutuamente. Suponha que a relacao de conhecer e sime-trica. Este e um caso particular do teorema de Ramsey, veja por exemplo[106].

    0.18. Do conjunto A={1, 2, . . . , 99, 100} escolhemos51 numeros. De-monstrar que, entre os 51 numeros escolhidos, existem dois tais que ume m ultiplo do outro.

    0.19. Dado um numero irracionalu, demonstrar que sempre e possvelencontrar infinitos numeros racionais pq , p, q Z, de tal forma queu pq

    < 1q2 .Um problema mais difcil e demonstrar existem racionais pq de tal formaque

    u pq < 15q2 .Veja o teorema 3.13 e a secao correspondente para este e outros resulta-dos relacionados a aproximacao de numeros reais por numeros racionais.

    0.20 (IMO1985). Dado um conjuntoMcom 1985 inteiros positivos dis-tintos, nenhum dos quais tem divisores primos maiores do que23, mostreque ha4 elementos emMcujo produto e uma quarta potencia.

    0.21(OIbM1998). Determinar o mnimo valor den para o qual, de todosubconjunto de{1, 2, . . . , 999} com n elementos, e possvel selecionarquatro inteiros diferentesa, b, c, d tais quea + 2b + 3c= d.

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    14 [CAP. 0: PRINCIPIOS

    0.22. Demonstrar que de qualquer conjunto de2n+11numeros inteirospositivos e possvel escolher 2n elementos de tal forma que sua soma e

    divisvel por2n

    .0.23 (IMO2001). Sejam n1, n2, . . . , nm inteiros com m mpar. Deno-temos por x = (x1, . . . , xm) uma permutacao dos inteiros 1, 2, . . . , m,e definamos f(x) = x1n1 + +xmnm. Demonstre que existem duaspermutacoesa eb tais quef(a) f(b) e divisvel porm!.0.24. Demonstrar que dados7 numeros reais sempre e possvel escolher2 deles, digamosa eb, tais que

    a b1 + ab < 13 .

    0.25 (IMO1991). SejaS={1, 2, . . . , 280}. Encontrar o menor inteiron para o qual todo subconjunto de S com n elementos contem cinconumeros que sao dois a dois primos entre si.

    0.26 (Erdos). Mostrar que toda a sequencia com n2 + 1 numeros re-ais contem ou uma subsequencia crescente com n+ 1 termos ou umasubsequencia decrescente comn + 1 termos.

    0.27. Pintamos todos os pontos do plano de azul, verde ou preto. Mos-trar que existe no plano um retangulo cujos vertices tem todos a mesmacor.

    0.28. Em um tabuleiro 9 9 sao colocados todos os numeros de 1 ate81. Mostre que exite um k tal que o produto dos numeros na k-esimalinha ediferente ao produto dos numeros da k-esima coluna.

    0.29(XII Vinganca Olmpica). Sejan um numero inteiro positivo. UmafamliaP de intervalos [i, j] com 0 i < j n e i, j inteiros e ditaunida se, para quaisquer I1 = [i1, j1] P e I2 = [i2, j2] P tais queI1 I2, entao i1 =i2 ou j1 =j2. Determine o maior numero possvelde elementos de uma famlia unida.

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    Captulo 1

    Divisibilidade e

    Congruencias

    Neste primeiro captulo veremos os topicos basicos de Teoria dosNumeros, como divisibilidade, congruencias e aritmetica modulo n.

    1.1 DivisibilidadeDados dois inteiros d e a, dizemos que d divide a ou que d e um

    divisor de a ou ainda que a e um multiplo de d e escrevemos

    d | ase existir q Z com a = qd. Caso contrario, escrevemos d a. Porexemplo, temos que5 | 10 mas 105.

    Eis algumas propriedades importantes da divisibilidade:

    Lema 1.1. Sejama, b, c, d Z. Temos(i) (d divide) Se d| a e d| b, entao d| ax +by para qualquer

    combinacao linearax + by dea eb com coeficientesx, y Z.(ii) (Limitacao) Sed | a, entao a= 0 ou|d| |a|.

    (iii) (Transitividade) Sea

    |b eb

    |c, entao a

    |c.

    Demonstracao: Se d| a e d| b, entao podemos escrever a = dq1 eb= dq2 comq1, q2 Z, logoax +by=d(q1x+q2y). Comoq1x+q2y Z,

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    16 [CAP. 1: DIVISIBILIDADE E CONGRUENCIAS

    temos d|ax+by. Para mostrar (ii), suponha que d|a e a= 0. Nestecaso, a = dq com q= 0, assim|q| 1 e|a| =|d||q| |d|. Finalmente,se a|b e b|c, entao existem q1, q2Z tais que b=aq1 e c= bq2, logoc= aq1q2 e portanto a | c.

    Vejamos como utilizar estas propriedades para resolver alguns pro-blemas de divisibilidade.

    Exemplo 1.2. Encontre todos os inteiros positivosn tais que2n2 + 1 |n3 + 9n 17.

    Solucao: Utilizando o 2n2 + 1 divide para reduzir o grau de n3 +9n 17, temos que

    2n2 + 1 | n3 + 9n 172n2 + 1 | 2n2 + 1

    = 2n2 + 1 | (n3 + 9n 17) 2 + (2n2 + 1) (n) 2n2 + 1 | 17n 34.

    Como o grau de 17n 34 e menor do que o de 2n2 + 1, podemos utilizara limitacao para obter uma lista finita de candidatos a n. Temos17n 34 = 0 n= 2 ou|2n2 + 1| |17n 34| n= 1, 4 ou 5.Destes candidatos, apenas n= 2 e n= 5 sao solucoes.

    Exemplo 1.3 (IMO1994). Determine todos os pares(m, n) de inteiros

    positivos para os quais n3+1

    mn

    1 e inteiro.

    Solucao: Vamos tentar reduzir o grau em n utilizando o d divide.Temos

    mn 1 | n3 + 1 = mn 1 | (n3 + 1) m (mn 1) n2 mn 1 | n2 + m.

    Da mesma forma,

    mn 1 | n2 + m = mn 1 | (n2 + m) m (mn 1) n mn 1 | m2 + n

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    [SEC. 1.1: DIVISIBILIDADE 17

    e, finalmente,

    mn

    1

    |m2 + n =

    mn

    1

    |(m2 + n)

    m

    (mn

    1)

    mn 1 | m3 + 1que e a mesma expressao com que comecamos, trocandonporm. Assim,temos que a condicao e simetrica em m e n e as divisibilidades acimasao todas equivalentes entre si. Portanto podemos supor sem perda degeneralidade que m n. Utilizando a limitacao temos

    mn 1 | n2 + m = mn 1 n2 + m m(n 1) n2 + 1.Se n

    = 1 temos m

    n2+1

    n

    1 = n+ 1 + 2n

    1 . Como estamos assumindo

    m n, sen 4 temos apenas duas possibilidades: m= n ou m = n + 1.Agora temos alguns casos a analisar.

    Se mn= 1 devemos ter m 1|12 +m = m 1|m+ 1 (m 1) m 1| 2 e portanto m = 2 ou m = 3, ambos oscasos fornecendo solucoes.

    Se m n = 2 devemos ter 2m1 | 22 +m = 2m1 |2(m+ 4) (2m 1) 2m 1| 9 m = 2 ou m = 5,ambos os casos fornecendo solucoes.

    Se m n = 3 devemos ter 3m1 | 32 +m = 3m1 |3(m+ 9) (3m 1) 3m 1|28 m= 5, que forneceuma solucao.

    Se m= n 4 devemos tern2 1 | n2 + n n 1 | n

    = n 1 | n (n 1) n 1 | 1o que nao e possvel pois n 4.

    Se m= n + 1 5 devemos ter(n + 1)n 1 | n2 + (n + 1)

    n2 + n 1 | (n2 + n + 1) (n2 + n 1) n2 + n 1 | 2

    o que novamente nao e possvel pois n 4.Logo as solucoes (m, n) sao (1, 2), (2, 1), (1, 3), (3, 1), (2, 2), (2, 5), (5, 2),(3, 5) e (5, 3).

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    18 [CAP. 1: DIVISIBILIDADE E CONGRUENCIAS

    1.2 mdc, mmc e Algoritmo de Euclides

    Dados dois numeros inteiros a e b com a

    = 0 ou b

    = 0, a cadaum deles pode-se associar seu conjunto de divisores positivos, Da e Dbrespectivamente, e a interseccao de tais conjuntosDa Db e finita (pelalimitacao) e nao vazia (ja que 1 pertence a interseccao). Por ser finito,DaDb possui elemento maximo, que e chamado de maximo divisorcomum(mdc) dos numerosa e b. Denotamos este numero por mdc(a, b)(alguns autores usam a notacao (a, b)). Para a= b = 0 convencionamosmdc(0, 0) = 0. Quando mdc(a, b) = 1 dizemos que a e b sao primosentre si.

    Por outro lado, se denotamos por Mn o conjunto dos multiplos po-sitivos de n, dados dois numeros inteiros a e b com a= 0 e b= 0,entao a interseccao Ma Mb e nao vazia (ja que|ab| esta na intersec-cao). Como os naturais sao bem ordenados, Ma Mb possui elementomnimo. Tal numero e chamado mnimo m ultiplo comum(mmc) de a eb e o denotaremos por mmc(a, b) (alguns autores escrevem [a, b]).

    Para calcularmos o mdc e o mmc de maneira eficiente, vamos descre-ver o chamado algoritmo de Euclides ou algoritmo das divisoes sucessi-

    vas. Primeiramente, vamos relembrar o conceito de divisao euclidiana,ou divisao com resto, que e uma das quatro operacoes que toda criancaaprende na escola. Sua formulacao precisa e: dados a, b Z com b = 0,existem q, r Z com

    a= bq+ r e 0 r < |b|.Tais q e r estao unicamente determinados pelas duas condicoes acima(veja o argumento a seguir) e sao chamados oquocienteerestoda divisaode a por b. O resto r e tambem denotado por amodb.

    Para xR, definimos o piso ou parte inteirax de x como sendoo unico k Z tal que k x < k+ 1; definimos o tetox de x comoo unico k Z tal que k 1 < x k. Por exemplo, temos2 = 1,2= 2,10=10= 10,=4 e=3. Podemos agoramostrar a existencia deqe r satisfazendo as duas condicoes acima: bastatomar

    q= a/b se b >0

    a/b

    se b

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    [SEC. 1.2: MDC, MMC E ALGORITMO DE EUCLIDES 19

    entao temos quer2r1 =b(q1q2) e um multiplo debcom |r2r1| < |b|,portanto r2 r1= 0 e assim q1=q2 tambem, o que prova a unicidade.

    Podemos agora descrever o algoritmo de Euclides para calcular omdc, que se baseia na seguinte simples observacao:

    Lema 1.4 (Euclides). Sea= bq+ r, entao mdc(a, b) = mdc(b, r).

    Demonstracao: Basta mostrar que Da Db = Db Dr, ja que seestes conjuntos forem iguais em particular os seus maximos tambemserao iguais. Sed Da Db temosd | ae d | b, logod | abq d | r

    e portanto d Db Dr. Da mesma forma, se d Db Dr temos d | b ed | r, logo d | bq+ r d | a e assim d Da Db.

    O algoritmo de Euclides consiste na aplicacao reiterada do lemaacima ondeqer sao o quociente e o resto na divisao dea porb (note queo lema vale mesmo sem a condicao 0 r < |b|). Como os restos formamuma sequencia estritamente decrescente, o algoritmo eventualmente paraquando atingimos o resto 0.

    Exemplo 1.5. Calculemdc(1001, 109).

    Solucao: Realizando as divisoes sucessivas, temos

    1001 = 109 9 + 20109 = 20 5 + 9

    20 = 9 2 + 2

    9 = 2 4 + 12 = 1 2 + 0.

    Assim, temos mdc(1001, 109)= mdc(109, 20)= mdc(20, 9)= mdc(9, 2) =mdc(2, 1) = mdc(1, 0) = 1.

    Exemplo 1.6. Sejamm =n dois numeros naturais. Demonstrar que

    mdc(a2m

    + 1, a2n

    + 1) =1 sea e par,

    2 sea e mpar.

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    20 [CAP. 1: DIVISIBILIDADE E CONGRUENCIAS

    Solucao: Suponha sem perda de generalidade quem > ne observe afatoracao

    a2m 1 = (a2m1 + 1)(a2m2 + 1)(a2m3 + 1) . . . (a2n + 1)(a2n 1).Logo a2

    m+ 1 = (a2

    n+ 1) q+ 2 com q Z e assim

    mdc(a2m

    + 1, a2n

    + 1) = mdc(a2n

    + 1, 2)

    que e igual a 2 se a2n

    + 1 for par, isto e, se a for mpar, e e igual a 1caso contrario.

    Alem de servir de ferramenta computacional para o calculo do mdc,a divisao euclidiana tem consequencias teoricas importantes. O proximoteorema mostra que e sempre possvel escrever o mdc de dois numeroscomo combinacao linear destes (com coeficientes inteiros).

    Teorema 1.7 (Bachet-Bezout). Sejama, b Z. Entao existemx, y Zcom

    ax + by= mdc(a, b).

    Portanto sec Z e tal quec | a ec | b entao c | mdc(a, b).Demonstracao: O caso a =b = 0 e trivial (temos x =y = 0). Nosoutros casos, considere o conjunto de todas as combinacoes Z-linearesde a e b:

    I(a, b)def={ax + by:x, y Z}.

    Seja d= ax0+ by0 o menor elemento positivo de I(a, b) (ha pelo menosum elemento positivo, verifique!). Afirmamos que d divide todos os

    elementos deI(a, b). De fato, dado m = ax + by I(a, b), sejamq, r Zo quociente e o resto na divisao euclidiana de m por d, de modo quem= dq+ r e 0 r < d. Temos

    r= m dq=a(x qx0) + b(y qy0) I(a, b).Mas como r < d e d e o menor elemento positivo de I(a, b), segue quer= 0 e portanto d | m.

    Em particular, como a, b I(a, b) temos que d| a e d|b, logo dmdc(a, b). Note ainda que se c | a e c | b, entao c | ax0+ by0 c | d.Tomandoc= mdc(a, b) temos que mdc(a, b)|d o que, juntamente coma desigualdade d mdc(a, b), mostra que d= mdc(a, b).

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    [SEC. 1.2: MDC, MMC E ALGORITMO DE EUCLIDES 21

    Corolario 1.8. Sejama, b, c Z. A equacao

    ax + by=c

    admite solucao inteira emx ey se, e somente se, mdc(a, b) | c.

    Demonstracao: Se a equacao admite solucao inteira, entao mdc(a, b)divide o lado esquerdo, logo deve dividir o direito tambem. Reciproca-mente, se mdc(a, b)| c, digamos c = kmdc(a, b) com k Z, peloteorema acima existem inteirosx0 e y0 tais que ax0+ by0 = mdc(a, b) emultiplicando tudo por k obtemos que x = kx0 e y = ky0 sao solucoesda equacao dada.

    Dados um inteiro n > 2 e inteiros a1, a2, . . . , an, nao todos nulos,definimos recursivamente

    mdc(a1, a2, . . . , an) = mdc(mdc(a1, a2, . . . , an1), an).

    E facil mostrar por inducao emn que este numero e um divisor positivo

    comum de a1, a2, . . . , an. Tambem podemos provar por inducao em nque existem inteiros x1, x2, . . . , xn tais que a1x1+a2x2+ +anxn =mdc(a1, a2, . . . , an). De fato, pelo teorema anterior, existemu e v intei-ros tais que mdc(mdc(a1, a2, . . . , an1), an) = mdc(a1, a2, . . . , an1)u+anv, e, se existem inteiros y1, y2, . . . , yn1 com a1y1 + a2y2 + +an1yn1 = mdc(a1, a2, . . . , an1), temos

    mdc(a1, a2, . . . , an) = mdc(mdc(a1, a2, . . . , an1), an) =

    = mdc(a1, a2, . . . , an1)u + anv=a1x1+ a2x2+ + anxn,onde xj =yj u para 1j n 1 e xn =v. Em particular, se d e umdivisor comum de a1, a2, . . . , an entao d | mdc(a1, a2, . . . , an).

    O corolario anterior se generaliza entao da seguinte forma: dadoc Z, a equacao

    a1x1+ a2x2+ + anxn =cadmite solucao inteira em x1, x2, . . . , xn se, e somente se,

    mdc(a1, a2, . . . , an) | c.Temos uma outra importante consequencia do teorema anterior:

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    22 [CAP. 1: DIVISIBILIDADE E CONGRUENCIAS

    Proposicao 1.9. Semdc(a, b) = 1 ea | bc, entao a | c.

    Demonstracao: Como mdc(a, b) = 1, existem x, y Z tais queax+by = 1 = a cx+ (bc) y =c. Do fato de a dividir cada termodo lado esquerdo, temos que a | c.

    Lembramos que um natural p > 1 e chamado primo se os unicosdivisores positivos depsao 1 epe um naturaln >1 e chamadocompostose admite outros divisores alem de 1 e n. Observemos que 1 nao e nemprimo nem composto.

    Claramente, se p e primo e p a temos mdc(p, a) = 1. Usando aproposicao anterior e inducao temos o seguinte resultado:

    Corolario 1.10. Sejap um numero primo e sejama1, . . . am Z. Sep | a1 am, entao p | ai para algumi, 1 i m.

    O proximo lema resume algumas propriedades uteis do mdc:

    Lema 1.11. Temos

    1. Sep e primo, entao mdc(a, p) e1 oup.

    2. Sek e um inteiro, entao mdc(a, b) = mdc(a kb,b).3. Sea | c, entao mdc(a, b) | mdc(c, b).4. Semdc(a, b) = 1, entao mdc(ac,b) = mdc(c, b).

    Demonstracao: O primeiro item e claro e o segundo e apenas umareformulacao do lema 1.4. Para provar o terceiro item, observe quemdc(a, b)| a e a| c implicam que mdc(a, b)| c. Como tambem te-mos mdc(a, b)| b, conclumos que mdc(a, b) | mdc(b, c) por Bachet-Bezout. Finalmente, para mostrar o ultimo item, note primeiro quemdc(c, b) | mdc(ac,b) pois mdc(c, b) divide simultaneamente ac e b. Re-ciprocamente, para mostrar que mdc(ac,b) | mdc(c, b), podemos escreverax+by = 1 com x, yZ por Bachet-Bezout. Assim, mdc(ac,b) divideac

    x + b

    cy =c e tambem divide b, logo divide mdc(c, b).

    Vejamos como podemos usar as propriedades acima para solucionaro seguinte

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    [SEC. 1.2: MDC, MMC E ALGORITMO DE EUCLIDES 23

    Exemplo 1.12. Sejaman = 100 +n2 edn = mdc(an, an+1). Calcular

    dn para todo n.

    Solucao: Aplicando a propriedade 2 temos que

    dn= mdc(100 + n2, 100 + (n + 1)2) = mdc(100 + n2, 2n + 1).

    Como 2n+ 1 e mpar, mdc(4, 2n+ 1) = 1 e pelas propriedades 4 e 2temos que

    dn = mdc(400 + 4n2, 2n + 1)= mdc(400 + 4n2 (2n + 1)(2n 1), 2n + 1)= mdc(401, 2n + 1).

    Como 401 e primo, entao mdc(401, 2n + 1) = 401 se 2n + 1 = 401k(comk= 2r + 1 inteiro mpar) e mdc(401, 2n + 1) = 1 caso contrario, ou seja,

    dn = 401 se n= 401r+ 200 com r Z1 caso contrario.

    A proxima proposicao conecta o mdc e o mmc de dois inteiros e podeser utilizada, juntamente com o algoritmo de Euclides, para o calculoeficiente do mmc.

    Proposicao 1.13. Sejama eb dois numeros naturais, entao

    mdc(a, b) mmc(a, b) =a b.

    Demonstracao: Escreva d = mdc(a, b) e a = a1d e b = b1d ondea1, b1 Z sao tais que mdc(a1, b1) = 1. Temos mmc(a, b) = al paraalgum l Z; alem disso, b| mmc(a, b) b1d| a1dl b1| a1l.Como mdc(a1, b1) = 1, isto implica que b1 | l pela proposicao 1.9.Pela definicao de mnimo multiplo comum, temos que l deve ser o m-nimo numero divisvel por b1, assim conclumos que l = b1 e portantommc(a, b) =b1a. Logo mdc(a, b) mmc(a, b) =d b1a= a b.

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    24 [CAP. 1: DIVISIBILIDADE E CONGRUENCIAS

    Dados um inteiro n > 2 e inteiros a1, a2, . . . , an, nao todos nulos,definimos recursivamente

    mmc(a1, a2, . . . , an) = mmc(mmc(a1, a2, . . . , an1), an).

    E facil mostrar por inducao em n que este numero e um multiplo po-sitivo comum de a1, a2, . . . , an, e que, se m e um multiplo comum dea1, a2, . . . , an, entao mmc(a1, a2, . . . , an) | m.

    A demonstracao que demos do teorema de Bachet-Bezout nao mostracomo efetivamente encontrar uma solucao de ax+by = mdc(a, b). Po-rem, isto pode ser feito utilizando-se o algoritmo de Euclides, como mos-

    tra o exemplo a seguir. De fato, este exemplo pode servir como ponto departida para uma segunda demonstracao do teorema de Bachet-Bezout(veja os exerccios).

    Exemplo 1.14. Encontre todos osx, y Z tais que

    1001x + 109y= mdc(1001, 109).

    Solucao: Fazemos as divisoes sucessivas para o calculo de mdc(1001,109) = 1 utilizando o algoritmo de Euclides (veja o exemplo 1.5). Emseguida, isolamos os restos:

    20 = 1001 109 99 = 109 20 52 = 2 0 9 2

    1 = 9 2 4Note que a ultima divisao permite expressar o mdc 1 como combinacaolinear de 9 e 2:

    9 1 2 4 = 1.Mas da penultima divisao, temos que 2 = 20 92, logo substituindoesta expressao na combinacao linear acima, temos

    9

    ( 20

    9

    2)

    4 = 1

    9

    9

    20

    4 = 1

    e agora expressamos 1 como combinacao linear de 20 e 9. Repetindo esteprocedimento, eventualmente expressaremos 1 como combinacao linear

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    [SEC. 1.2: MDC, MMC E ALGORITMO DE EUCLIDES 25

    de 1001 e 109. Tomamos o cuidado de lembrar quais sao os coefici-entes a e bnas equacoes ax + by= mdc(a, b) durante as simplificacoes.

    Continuando, obtemos1 = ( 109 20 5) 9 20 4 = 109 9 20 491 = 109 9 ( 1001 109 9) 49 = 1001 (49) + 109 450.

    Logo uma solucao da equacao 1001x +109y= 1 e (x0, y0) = (49, 450).Para encontrar as demais, escrevemos o lado direito desta equacao uti-lizando a solucao particular que acabamos de encontrar:

    1001x + 109y= 1001x0+ 109y0 1001(x x0) = 109(y y0).Como mdc(1001, 109) = 1 temos pela proposicao 1.9 que 1001 dividey y0, ou seja, y y0 = 1001t para algum tZ e, portanto, x x0 =109t. Assim, as solucoes da equacao dada sao todos os pontos da reta1001x + 109y= 1 da forma

    (x, y) = (x0 109t, y0+ 1001t) = (49, 450) + (109, 1001) tcom t Z.

    Em geral, o raciocnio do exemplo acima mostra que se mdc(a, b) = 1

    e (x0, y0) e uma solucao da equacaoax + by=c, entao todas as solucoesinteiras sao dadas por x= x0 bk e y=y0+ ak com k Z.Exemplo 1.15. Sejama, binteiros positivos commdc(a, b) = 1. Mostreque para todo cZ comc > ab a b, a equacao ax+by =c admitesolucoes inteiras comx, y 0.Solucao: Seja (x0, y0) uma solucao inteira (que existe pelo teoremade Bachet-Bezout). Devemos mostrar a existencia de um inteiro k talque

    x= x0 bk > 1 e y=y0+ ak > 1,ou seja,

    y0+ 1a

    < k 1.

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    26 [CAP. 1: DIVISIBILIDADE E CONGRUENCIAS

    1.3 O Teorema Fundamental da Aritmetica

    Estamos agora prontos para enunciar o teorema que caracteriza todonumero natural em termos de seus constituintes primos.

    Teorema 1.16 (Teorema Fundamental da Aritmetica). Sejan 2 umnumero natural. Podemos escrever n de uma unica forma como umproduto

    n= p1 pmondem 1 e um natural ep1 . . . pm sao primos.

    Demonstracao: Mostramos a existencia da fatoracao denem primospor inducao. Se n e primo nao ha o que provar (escrevemos m = 1,

    p1 =n). Sen e composto podemos escrever n = ab,a, b N, 1< a < n,1< b < n. Por hipotese de inducao, a e bse decompoem como produtode primos. Juntando as fatoracoes de a e b (e reordenando os fatores)obtemos uma fatoracao de n.

    Vamos agora mostrar a unicidade. Suponha por absurdo que n possuiduas fatoracoes diferentes

    n= p1 pm=q1 qm ,

    com p1 . . . pm, q1 . . . qm e que n e mnimo com tal propri-edade. Como p1| q1 qm temos p1| qi para algum valor de i pelocorolario 1.10. Logo, como qi e primo, p1 =qi e p1 q1. Analogamentetemos q1p1, donde p1=q1. Mas

    n/p1 =p2 pm =q2 qmadmite uma unica fatoracao, pela minimalidade de n, donde m=m e

    pi=qipara todoi, o que contradiz o fato de n ter duas fatoracoes.

    Outra forma de escrever a fatoracao acima e

    n= pe11 . . . pemm ,

    com p1 < < pm e ei>0. Ainda outra formulacao e escrevern= 2e2 3e3 5e5 . . . pep . . .

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    [SEC. 1.3: O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMETICA 27

    onde o produto e tomado sobre todosos primos mas apenas um numerofinito de expoentes e maior do que zero. Vamos nos referir a qualquer

    destas expressoes como a fatoracao canonica de n em primos.A fatoracao unica em primos se aplica em contextos mais gerais,como veremos mais tarde. Aqui, como aplicacao imediata do TeoremaFundamental da Aritmetica, vamos mostrar a prova atribuda a Euclidespara a existencia de infinitos primos (uma prova com mais de 2000 anose que ainda funciona!).

    Teorema 1.17 (Euclides). Existem infinitos primos.

    Demonstracao: Suponha por absurdo que p1, p2, . . . , pm fossem to-dos os primos. O numero N = p1p2 . . . pm+ 1 > 1 nao seria divisvelpor nenhum primo pi, o que contradiz o Teorema Fundamental da Arit-metica.

    Observe que nao provamos que p1p2 . . . pm+ 1 e primo para algumconjunto finito de primos (por exemplo, os m primeiros primos). Alias,

    23571113+1 = 30031 = 59509 nao e primo. Nao se conhece nenhumaformula simples que gere sempre numeros primos (veja a secao 7.2 parauma discussao sobre este assunto).

    Embora a quantidade de primos seja infinita, uma questao natural esaber o quao raros ou frequentes eles sao. Na segunda parte do livro,discutiremos mais a fundo esta questao sobre a distribuicao dos primos.Por outro lado, e interessante notar que existem cadeias arbitrariamentelongas de numeros compostos consecutivos: na sequencia

    (k+ 1)! + 2, (k+ 1)! + 3, (k+ 1)! + 4, . . . , (k+ 1)! + (k+ 1),

    nenhum termo e primo, pois eles admitem fatores proprios 2, 3, 4, . . . , k+1, respectivamente.

    Uma interessante prova alternativa, devida a Erdos, de que existeminfinitos primos e a seguinte:

    Suponha, por contradicao, que existe um numero finito de primos,digamos p1, p2, . . . , pk. Sejan um numero natural. Entao podemos es-

    crever qualquer numero m n na forma m = m21m2, onde m21 ne

    m2 =pa11 pa22 pakk onde ak = 0 ou 1 para cada k.

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    28 [CAP. 1: DIVISIBILIDADE E CONGRUENCIAS

    Assim, considerando todas as possveis maneiras de escrever os naturaism n, temos: 2k escolhas para m2 e no maximo

    n escolhas para

    m1. Ou seja, para todo n natural, vale que

    n 2kn

    absurdo, pois esta desigualdade nao vale paran suficientemente grande.

    Exemplo 1.18 (OIbM1987). A sequencia pn e definida da seguinteforma:

    (i) p1 = 2.

    (ii) Para todo n 2, pn e o maior divisor primo da expressao

    p1p2p3 pn1+ 1.

    Demonstrar quepn e diferente de5.

    Solucao: Dado quep1 = 2,p2 = 3,p3 = 7, segue-se que para qualquern 3, p1p2 pn1 e multiplo de 2 e de 3, portanto p1p2 pn1+ 1nao e multiplo nem de 2 nem de 3. Alem disso, como p1 = 2, entao pne mpar para todo n 2, assim p1p2 pn1 nao e multiplo de 4.

    Suponhamos que exista n tal que pn = 5, isto e, o maior divisorprimo dep1p2 pn1 + 1 e 5. Como 2 e 3 nao dividemp1p2 pn1 + 1,temos que

    p1p2 pn1+ 1 = 5k.

    Portanto

    p1p2 pn1= 5k 1 = (5 1)(5k1 + 5k2 + + 5 + 1),

    donde 4 | p1p2 pn1, uma contradicao.

    Exemplo 1.19. Determine todas as ternas(a,b,c) de inteiros positivostais quea2 = 2b + c4.

    Solucao: Comoa2 = 2b + c4 (ac2)(a + c2) = 2b, pelo TeoremaFundamental da Aritmetica existem dois naturais m > n tais que m+

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    [SEC. 1.3: O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMETICA 29

    n= b,a c2 = 2n e a + c2 = 2m. Subtraindo as duas ultimas equacoes,obtemos que 2c2 = 2m 2n, assim c2 = 2n1(2mn 1). Como 2n1 e2

    m

    n

    1 sao primos entre si e o seu produto e um quadrado perfeito (i.e.os expoentes das potencias de primos distintos sao pares), novamentepelo Teorema Fundamental da Aritmetica 2n1 e 2mn 1 devem serambos quadrados perfeitos, logo n 1 e par e 2mn 1 = (2k 1)2 paraalgum inteiro positivo k. Como 2mn = (2k 1)2 + 1 = 4k(k 1) + 2 edivisvel por 2 mas nao por 4, temos m n= 1. Assim, fazendon 1 =2t, temos que todas as solucoes sao da forma (a,b,c) = (3 22t, 4t + 3, 2t)com t N e e facil verificar que todos os numeros desta forma saosolucoes.

    Segue do Teorema Fundamental da Aritmetica que todo divisor den= pe11 . . . p

    emm e da forma

    pd11 . . . pdmm

    com 0 di ei. Assim, obtemos o outro algoritmo usual para cal-cular o mdc de dois numeros: fatoramos os dois numeros em primos etomamos os fatores comuns com os menores expoentes. Este algoritmo e

    bem menos eficiente do que o de Euclides para inteiros grandes (que emgeral nao sabemos fatorar de forma eficiente computacionalmente) mase instrutivo saber que os dois algoritmos dao o mesmo resultado. Alemdisso, este algoritmo tem consequencias teoricas importantes, como porexemplo o

    Corolario 1.20. Semdc(a, n) = mdc(b, n) = 1, entao mdc(ab,n) = 1.

    Demonstracao: Evidente a partir do algoritmo descrito acima.

    Para encerrar esta secao, vejamos ainda algumas outras aplicacoesdo Teorema Fundamental da Aritmetica.

    Proposicao 1.21. Sejan = pe11 . . . pemm a fatoracao den em potencias

    de primos distintospi e sejak(n) def=

    d|n, d>0 dk a soma dask-esimas

    potencias dos divisores positivos den. Entao

    k(n) =p(e1+1)k1 1

    pk1 1 . . . p

    (em+1)km 1pkm 1

    .

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    30 [CAP. 1: DIVISIBILIDADE E CONGRUENCIAS

    Parak= 0, a formula acima deve ser interpretada tomando-se o limitek

    0, de modo que a quantidade de divisores positivos den e0(n) =

    (e1+ 1) (em+ 1).Demonstracao: Como a soma na definicao dek(n) percorre todos osnumeros da forma dk =pd1k1 . . . p

    dmkm com 0diei, temos a seguinte

    fatoracao:

    k(n) = (1 +pk1+p

    2k1 + +pe1k1 ) . . . (1 +pkm+p2km + +pemkm ).

    Somando as progressoes geometricas 1+pki+p2ki + +peiki = p

    (ei+1)ki 1

    pki1 ,

    o resultado segue.

    Proposicao 1.22 (Fatores do Fatorial). Seja p um primo. Entao amaior potencia dep que dividen! ep onde

    =

    n

    p

    +

    n

    p2

    +

    n

    p3

    +

    Observe que a soma acima e finita pois os termos npi sao eventualmentezero.Demonstracao: No produto n! = 1 2 . . . n, apenas os multiplosde p contribuem com um fator p. Ha

    np

    tais multiplos entre 1 e n.

    Destes, os que sao multiplos de p2 contribuem com um fator p extrae ha

    n

    p2

    tais fatores. Dentre estes ultimos, os que sao multiplos de

    p3 contribuem com mais um fator p e assim por diante, resultando naformula acima.

    Exemplo 1.23. Determine com quantos zeros termina1000!.

    Solucao: O problema e equivalente a determinar qual a maior poten-cia de 10 que divide 1000! e como ha muito mais fatores 2 do que 5 em1000!, o expoente desta potencia coincide com o da maior potencia de 5que divide 1000!, ou seja,

    10005 + 1000

    52 + 1000

    53 + 1000

    54 = 249.Assim, 1000! termina com 249 zeros.

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    [SEC. 1.3: O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMETICA 31

    Problemas Propostos

    1.1 (IMO1959). Mostre que a fracao 21n+4

    14n+3

    e irredutvel para todo nnatural.

    1.2. Encontre todos os inteiros positivos tais que

    (a) n + 1 | n3 1(b) 2n 1 | n3 + 1(c) 1n +

    1m =

    1143

    (d) 2n3

    + 5 | n4

    + n + 11.3. Demonstre:

    (a) sem | a b, entao m | ak bk para todo naturalk.(b) sef(x) e um polin omio com coeficientes inteiros eaebsao inteiros

    quaisquer, entao a b | f(a) f(b).(c) sek e um natural mpar, ent ao a + b | ak + bk.

    1.4. Mostre que

    (a) 215 1 e210 + 1 sao primos entre si.(b) 232 + 1 e24 + 1 sao primos entre si.

    1.5. Demonstrar que(n 1)2 | nk 1 se, e so se, n 1 | k.1.6 (IMO1992). Encontrar todos os inteiros a,b,c com 1 < a < b < ctais que(a 1)(b 1)(c 1) e divisor deabc 1.Dica: Mostrar primeiro quea 4 e considerar os possveis casos.1.7(IMO1998). Determine todos os pares de inteiros positivos(a, b)taisqueab2 + b + 7 dividea2b + a + b.

    Dica: Mostre queab2 +b+ 7|7a b2 e considerar tres casos: 7a b2maior, menor ou igual a zero.

    1.8. Mostre que, sen >1, entao

    n

    k=1

    1

    k = 1 +

    1

    2+ +1

    n

    nao e um n umero inteiro.

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    32 [CAP. 1: DIVISIBILIDADE E CONGRUENCIAS

    1.9 (OBM1997). Sejamc Q, f(x) =x2 + c. Definimos

    f

    0

    (x) =x, f

    n+1

    (x) =f(f

    n

    (x)), n N.Dizemos quex R e pre-peri odico se{fn(x), n N} e finito. Mostreque{x Q| x e pre-peri odico} e finito.

    1.10. Demonstrar que semdc(a, 2n+1) = 2n emdc(b, 2n+1) = 2n, entaomdc(a + b, 2n+1) = 2n+1.

    1.11. Demonstrar que sea,b,c,d,m ensao inteiros tais queadbc= 1emn = 0, entao

    mdc(am + bn,cm + dn) = mdc(m, n).

    1.12. SejaFn o n-esimo termo da sequencia de Fibonacci.

    (a) Encontrar dois numeros inteiros a e b tais que 233a + 144b = 1(observe que233 e144 sao termos consecutivos da sequencia de Fi-bonacci).

    (b) Mostre quemdc(Fn, Fn+1) = 1 para todo n 0.

    (c) Determinexn eyn tais queFn xn+ Fn+1 yn = 1.

    1.13. Sejama eb dois inteiros positivos ed seu maximo divisor comum.Demonstrar que existem dois inteiros positivosx ey tais queaxby=d.

    1.14. Definimos a sequencia de fracoes de Farey de ordem n como o

    conjunto de fracoes reduzidas a

    b tais que 0 a

    b 1, 1 b n. Porexemplo a sequencia de Farey de ordem3 e 01 , 13 , 12 , 23 , 11 .

    (a) Demonstrar que se ab e c

    d sao dois termos consecutivos de umasequencia de Farey, entao cb ad= 1.

    (b) Demonstrar que se a1b1 , a2

    b2, a3b3 sao tres termos consecutivos de uma

    sequencia de Farey, entao a2b2 = a1+a3

    b1+b3.

    1.15. Utilize inducao emmin{a, b} e o algoritmo de Euclides para mos-trar queax + by= mdc(a, b) admite solucao comx, y Z, obtendo umanova demonstracao do teorema de Bachet-Bezout.

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    [SEC. 1.3: O TEOREMA FUNDAMENTAL DA ARITMETICA 33

    1.16. Sejama eb numeros inteiros positivos. Considere o conjunto

    C=

    {ax + by

    |x, y

    N

    }.

    Lembre-se de que ja mostramos no exemplo 1.15 que todo numero maiorqueab a b pertence aC.(a) Demonstre que o numeroab a b nao pertence aC.(b) Achar a quantidade de numeros inteiros positivos que nao pertencem

    aC.

    1.17 (IMO1984). Dados os inteiros positivosa,bec, dois a dois primosentre si, demonstrar que2abc ab bc ca e o maior numero inteiroque nao pode expressar-se na formaxbc + yca +zab comx,y ez inteirosnao negativos.

    1.18(IMO1977). Sejama, binteiros positivos. Quando dividimosa2+b2

    pora + b, o quociente eqe o resto er. Encontrar todos osa, b tais queq2 + r= 1977.

    1.19. Demonstrar que mdc(2a

    1, 2b

    1) = 2mdc(a,b)

    1 para todo

    a, b N.1.20. Encontrar todas as funcoesf : Z Z Z satisfazendo simulta-neamente as seguintes propriedades

    (i) f(a, a) =a.

    (ii) f(a, b) =f(b, a).

    (iii) Sea > b, entao f(a, b) = aa

    b f(a

    b, b).

    1.21. Mostre que sene um n umero natural composto, entaone divisvelpor um primo p comp n.1.22 (IMO1989). Prove que, para todo inteiro positivo n, existem ninteiros positivos consecutivos, nenhum dos quais e potencia de primo.

    1.23 (Chi1998). Encontrar todos osn para os quais1 +

    n1

    +

    n2

    +

    n3

    divide22000.

    1.24 (IMO2002). Sejamd1 < d2 < < dk os divisores positivos de uminteiro n >1. Sejad= d1d2+d2d3+ +dk1dk. Mostre qued < n2e encontre todos osn para os quaisd | n2.

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    34 [CAP. 1: DIVISIBILIDADE E CONGRUENCIAS

    1.25 (IMO1997). Encontrar todos os pares (x, y) de inteiros positivostais quexy

    2=yx.

    Dica: Sejamx= p11 . . . pnn ey=p11 . . . pnn as fatoracoes canonicas dexey. Mostre quej =tj ex = y

    t para algumt Qe limite os valoresdet.

    1.26. Generalizar o resultado anterior para xyn

    = yx, onde x e y saointeiros positivos.

    1.27 (IMO1984). Sejama, b, c, d inteiros mpares tais que0 < a < b 1. Entao existe uma unica sequencia(os dgitos denna based)a0, . . . , ak, . . .com as seguintes propriedades:

    1. para todok, 0 ak < d,2. existem tal que sek m, entao ak = 0,3. n=

    k0 akd

    k.

    Demonstracao: Escrevemos n = n0 = n1d+a0, 0 a0 < d, n1 =n2d+a1, 0 a1 < d e em geral nk = nk+1d+ak, 0 ak < d. Nossaprimeira afirmacao e que nk = 0 para algum valor de k. De fato, se

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    [SEC. 1.5: BASES 39

    n0 < dm, entao n1 =n0d < dm1 e mais geralmente, por inducao,

    nk < dmk; fazendo km temos nk jakd

    kj =bj+

    k>jbkdkj donde

    aj bj (mod d), o que e uma contradicao, pois 0

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    40 [CAP. 1: DIVISIBILIDADE E CONGRUENCIAS

    Exemplo 1.30. Encontrar os ultimos dois dgitos na representacao de-cimal de3200.

    Solucao: Como

    (anan1 a1a0)10 = 102 (an 10n2 + + a2) + (10 a1+ a0)= 100 (an . . . a2)10+ (a1a0)10

    temos que o numero formado pelos dois ultimos dgitos de(an a1a0)10 e o resto da divisao deste numero por 100, logo o pro-blema se resume a calcular 3200 modulo 100. Podemos utilizar o binomiode Newton para simplificar as contas:

    3200 = 9100 = (10 1)100 =

    0k100

    100

    k

    10100k(1)k,

    logo 3200 10099 10 + 100100 (mod 100) 3200 1 (mod 100) eassim os dois ultimos dgitos de 3200 sao 01.

    Exemplo 1.31. Demonstrar que, para todo n natural mpar,

    sn= 22n (22n+1 1)

    termina em28 quando escrito em notacao decimal.

    Solucao: Vamos mostrar por inducao em n que sn termina em 28.Para n = 1 temos que s1 = 28. Suponhamos que para algum n 1mpar sn termina em 28 e vamos mostrar que sn+2 termina em 28 ou,equivalentemente, que 100 | sn+2 sn. Temos

    sn+2 sn = 22(n+2) (22(n+2)+1 1) 22n (22n+1 1)= 22n (16 22n+5 16 22n+1 + 1)= 5 22n (51 22n+1 3).

    Como, para n mpar,

    22 1 (mod 5) = 22n 1 (mod 5)= 22n+1 2 (mod 5),

    temos que 51 22n+1 3 1 (2) 3 (mod 5) 51 22n+1 3 0(mod 5). Assim, sn+2 sn e divisvel por 5 4 5 = 100.

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    [SEC. 1.6: O ANEL DE INTEIROS MODULO N 41

    1.6 O Anel de Inteiros Modulo n

    As semelhancas entre as relacoes de congruencia modulo n e igual-dade nao sao mero fruto do acaso, ambas sao instancias de relacoes deequivalencia em Z. Em geral, uma relacao sobre um conjunto X edita deequivalenciase ela e reflexiva (x xpara todox X), simetrica(x y y x) e transitiva (x y e y z = x z).

    Dar uma relacao de equivalencia em X e o mesmo que dar umaparticao X=

    X deX, i.e., uma colecao de subconjuntosX= ,

    dois a dois disjuntos, cuja uniao e X. De fato, dada a particao acima,podemos definir uma relacao de equivalencia

    declarando quex

    yse,

    e somente se,x e y pertencem a um mesmoX. Reciprocamente, se euma relacao de equivalencia, dado um elemento x Xpodemos definira classe de equivalencia x de x como o conjunto de todos os elementosequivalentes a x:

    x= {y X| y x}.Observe que ou xy = (se x y) ou x = y (se x y). Assim,as distintas classes de equivalencia x formam uma particao de X. O

    conjunto{x| x X} das classes de equivalencia de e chamado dequociente de X pore e denotado por X/. Intuitivamente, X/ e oconjunto obtido igualando-se elementos equivalentes entre si.

    Agora aplicamos esta construcao geral ao nosso caso. O quociente deZ pela relacao (mod n) e chamado de anel de inteiros modulo n e edenotado por uma das notacoesZ/(n),Z/nZ,Z/nou as vezesZn. Porexemplo, para n = 2, temos que Z/2Z possui apenas dois elementos,0 e 1 (popularmente conhecidos como conjunto dos pares e mpares,respectivamente).

    A definicao de a como um subconjunto de Z raramente sera impor-tante, sendo apenas uma maneira de formalizar o fato de que estamosidentificandotodos os inteiros que deixam o mesmo resto na divisao porn (como no exemplo dos pares e mpares acima). Assim, o importantee sabermos que

    a= a a a (mod n)

    a e a deixam o mesmo resto na divisao por n.

    Se n > 0, a divisao euclidiana diz que todo inteiro a e congruo a umunico inteiro a com 0a < n; podemos reescrever este fato na nossa

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    42 [CAP. 1: DIVISIBILIDADE E CONGRUENCIAS

    nova linguagem como

    Z/(n) ={

    0, 1, . . . , n

    1}

    .

    Os itens(4)e(5)da proposicao 1.24 dizem que as operacoes de soma,diferenca e produto sao compatveis com a relacao de congruencia. Umaformulacao mais abstrata da mesma ideia e dizer que as operacoes +,epassam ao quociente, i.e., que podemos definir a soma, subtracao e oproduto de classes de congruencia por

    a + b= a + b

    a b= a ba b= a b

    respectivamente. A duvida a primeira vista seria se a escolha de a e bnao afeta a resposta: afinal existem infinitos inteirosa eb coma = a eb= b. Os itens(4)e(5)da proposicao sao exatamente o que precisamos:eles nos dizem que nestas condicoes a b = a b e a b = a b, demodo que as operacoes acima estao bem definidas.

    Por exemplo, em Z/6Z temos as seguintes tabelas de soma e produto:

    + 0 1 2 3 4 5

    0 0 1 2 3 4 51 1 2 3 4 5 02 2 3 4 5 0 13 3 4 5 0 1 24 4 5 0 1 2 35 5 0 1 2 3 4

    e

    0 1 2 3 4 50 0 0 0 0 0 01 0 1 2 3 4 52 0 2 4 0 2 43 0 3 0 3 0 34 0 4 2 0 4 25 0 5 4 3 2 1

    A proxima proposicao diz quando podemos dividir por a modulon, isto e, quando o inverso multiplicativo deamodulo nesta definido:

    Proposicao 1.32. Sejam a, n Z, n > 0. Entao existe b Z comab 1 (mod n) se, e somente se, mdc(a, n) = 1.

    Demonstracao: Temos que ab 1 (mod n) admite solucao na va-riavel b se, e somente se, existem b, k Z tais que ab 1 = nk abnk= 1. Pelo corolario 1.8 do teorema de Bachet-Bezout, isto ocorrese, e so se, mdc(a, n) = 1.

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    [SEC. 1.6: O ANEL DE INTEIROS MODULO N 43

    Dizemos portanto quea einvertvelmodulon quando mdc(a, n) = 1e chamamosbcomab 1 (mod n) deinverso multiplicativodeamodulon. O inverso e sempre unico modulo n: se ab ab 1 (mod n) temos

    b b 1 b (ab) (ba) b 1 b b (mod n).Assim,besta bem definido e, em termos de classes de congruencia, temosque ab = 1; denotamos b por (a)1. Note que pela demonstracaoda proposicao acima calcular (a)1 e equivalente a resolver a equacaodiofantina linear ax + ny = 1 e para isto podemos utilizar o metodo doexemplo 1.14.

    Definimos ogrupo de unidades (Z/nZ)

    Z/nZdo anel de inteiros

    modulo n como o subconjunto formado pelos elementos invertveis deZ/nZ:

    (Z/nZ)= {a Z/nZ | mdc(a, n) = 1}.Observe que o produto de elementos de (Z/nZ) e sempre um elementode (Z/nZ). Por exemplo, temos a seguinte tabela de multiplicacao em(Z/15Z):

    1 2 4 7 8 11 13 141 1 2 4 7 8 11 13 142 2 4 8 14 1 7 11 134 4 8 1 13 2 14 7 117 7 14 13 4 11 2 1 88 8 1 2 11 4 13 14 7

    11 11 7 14 2 13 1 8 413 13 11 7 1 14 8 4 214 14 13 11 8 7 4 2 1

    Uma aplicacao do inverso multiplicativo e o famoso teorema deWilson. Primeiramente precisamos de um lema.

    Lema 1.33. Sep e primo, ent ao as unicas solucoes dex2 = 1emZ/(p)sao 1 e1. Em particular, sex (Z/(p)) {1, 1}, entao x1 = xemZ/(p).

    Demonstracao: Temos

    x2

    1 (mod p)

    p

    |(x2

    1)

    p

    |(x

    1)(x + 1)

    p | x 1 ou p | x + 1 x 1 (mod p) ou x 1 (mod p)

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    44 [CAP. 1: DIVISIBILIDADE E CONGRUENCIAS

    donde o resultado segue.

    Teorema 1.34 (Wilson). Sejan >1. Entaon | (n 1)!+1 se, e so se,n e primo. Mais precisamente,

    (n 1)!

    1 (mod n) sen e primo0 (mod n) sen e composto en = 4.

    Demonstracao: Sen e composto mas nao e o quadrado de um primopodemos escrevern = ab com 1< a < b < n. Neste caso tantoa quanto

    b sao fatores de (n 1)! e portanto (n 1)! 0 (mod n). Se n = p2,p > 2, entao p e 2p sao fatores de (n 1)! e novamente (n 1)! 0(mod n); isto demonstra que para todon = 4 composto temos (n1)! 0 (mod n).

    Sene primo podemos escrever (n1)! 2 3 . . . (n2) (mod n);mas pelo lema anterior podemos juntar os inversos aos pares no produtodo lado direito, donde (n 1)! 1 (mod n).

    Vejamos uma aplicacao do teorema de Wilson.

    Teorema 1.35 (Teorema de Wolstenholme). Seja p > 3 um numeroprimo. Entao o numerador do numero

    1 +1

    2+

    1

    3+ + 1

    p 1e divisvel porp2.

    Demonstracao: Note que somando os extremos temos1ip1

    1

    i =

    1ip1

    2

    1i

    + 1

    p i

    =p

    1ip12

    1

    i(p i) .

    Como o mmc dos numeros de 1 ap1 nao e divisvel porp, basta mostrarque o numerador da ultima soma e multiplo de p. Equivalentemente,como p(p 1)!, devemos mostrar que o inteiro

    S def=

    1ip1

    2

    (p 1)!i(p i)

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    [SEC. 1.6: O ANEL DE INTEIROS MODULO N 45

    e um multiplo de p. Para 1 i p 1, denote por ri o inverso deimodp, ou seja, iri 1 (mod p). Note que rpi ri (mod p), assim

    S

    1ip12

    (p 1)!i(p i) iri(p i)rpi

    1ip12

    (p 1)!rirpi

    1ip12

    r2i (mod p)

    pelo teorema de Wilson. Note que como cada ri e congruente a umdos numeros

    1,

    2, . . . ,

    p1

    2 , temos que os r2i sao congruentes a um

    dos numeros 12, 22, . . . , (p12 )2 modulo p. Vamos mostrar que todos elesaparecem. De fato, se r2ir2j (mod p), entao p|(ri rj )(ri+rj), istoe, ri rj (mod p). Multiplicando por ij, temos que j i (mod p),o implica i= j pois 1 i, j p12 .

    Assim, S1ip12

    i2 (mod p) e como

    1ip12

    i2 = p(p21)24 e

    um multiplo de p (pois mdc(p, 24) = 1), o resultado segue.

    O teorema de Wilson produz ainda resultados interessantes sobre os

    coeficientes binomiais. Suponhamos que k e h sao inteiros positivos taisque k+ h= p 1 onde p e primo. Entao

    h!k! (1)h(p 1)(p 2) (p h)k! = (1)k(p 1)! (1)k+1 (mod p).

    Portanto

    h!k!p 1k (p 1)! (modp) (1)k+1

    p 1

    k

    1 (mod p)

    p 1k

    (1)k (mod p).

    Exemplo 1.36. Demonstrar que sep >3 e primo, entao p3 |

    2pp

    2.

    Solucao: Primeiramente, vamos relembrar algumas identidades comcoeficientes binomiais bem conhecidas. Para todo 1ip 1, temos

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    46 [CAP. 1: DIVISIBILIDADE E CONGRUENCIAS

    quep

    i

    = pi

    p1i1

    (basta utilizar a definicao) enquanto que

    2pp = p02

    + p12

    + + pp2

    pois podemos escolher p objetos dentre 2p escolhendo i objetos dentreos p primeiros e p i dos p ultimos para todo i entre 0 e p, logo

    2p

    p

    =

    0ip

    p

    i

    p

    p i

    =

    0ip

    p

    i

    2.

    Utilizando estas identidades, temos que2p

    p

    2 =

    1ip1

    p2

    i2

    p 1i 1

    2=p2

    1ip1

    1

    i2

    p 1i 1

    2.

    Note quep

    i

    = p!i!(pi)! e um multiplo de p para 1 i p1 pois

    o denominador desta fracao nao e divisvel por p. Assim, 1i2

    p1i1

    2

    =1

    p2 pi2 e inteiro e portanto a soma 1ip1 1i2 p1i12 e inteira e devemosmostrar que ela e um multiplo de p. Para isto observemos que cada

    1 i p1 e invertvel modulop; sejarital que 1 rip1 eiri 1(mod p). Pela unicidade de ri modulo p, temos que os ris formam umapermutacao de 1, 2, . . . , p 1. Assim, como p1i1 (1)i1 (mod p),temos

    1ip11

    i2

    p 1i 1

    2

    1ip1(iri)

    2

    i2

    p 1i 1

    2(mod p)

    1ip1

    1

    i2

    p 1i 1

    2

    1ip1

    r2i =

    1ip1i2 (mod p).

    Como 1ip1

    i2 = p(p1)(2p1)6 e um multiplo dep (pois mdc(p, 6) = 1),

    a prova acaba.

    Os termos grupo e anel empregados nesta secao estao em conformi-

    dade com o jargao usualmente utilizado em Algebra. Grupo e o nomeemprestado a um conjunto G juntamente com uma operacao binaria(produto) que satisfaz os seguintes tres axiomas:

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    [SEC. 1.6: O ANEL DE INTEIROS MODULO N 47

    1. (Associatividade) Para quaisquera, b, c G, (a b) c= a (b c).

    2. (Existencia de elemento neutro) Existe um elementoe

    Gtal que,para todo a G, a e= e a= a.

    3. (Existencia de inverso) Para qualquer elemento a G existe umelementoa1 Gtal que a a1 =a1 a= e.

    Se, alem dos tres axiomas acima, o grupo Gsatisfaz

    4. (Comutatividade) Para quaisquera, b G, a b= b a.

    entao G e chamado de grupo abeliano.

    Umanel e um conjunto A com duas operacoes binarias + (soma) e (produto) satisfazendo axiomas que abstraem as propriedades usuaisdos inteiros (por exemplo). Estes axiomas sao

    1. (A, +) e um grupo abeliano com elemento neutro 0.

    2. (Associatividade do produto) (ab)c= a(bc) para todo a,b,c A.

    3. (Elemento neutro do produto) Existe um elemento 1A tal que1 a= a 1 =a para todo a A.

    4. (Distributividade)a (b + c) =a b + a c e (b + c) a= b a + c apara todo a, b, c A.

    Se a b = b a para todo a, b A, dizemos que o anel A e comutativo.Um anel comutativo A = 0 (isto e, 0 = 1 emA) e chamado de domniose, para a, bA, a b= 0 = a= 0 ou b= 0. Por outro lado, se umanel comutativo A= 0 e tal que todo elemento nao nulo possui inversomultiplicativo (ou seja, (A\{0}, ) e um grupo) entao dizemos que o anelA e um corpo. Um importante resultado e a seguinte

    Proposicao 1.37. O anelZ/nZ e um corpo se, e so se, n e primo.

    Demonstracao: Temos queZ/nZ e um corpo se, e somente se, todo

    elementoa = 0 e invertvel, ou seja, se e somente se, mdc(a, n) = 1 paratodo a com 0< a < n. Mas isto e equivalente a nser primo, pois se n ecomposto e a | n com 1< a < n, entao mdc(a, n) =a = 1.

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