TEORIA E PRÁTICA NA IMPLANTAÇÃO DE CEP EM EMPRESAS...
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TEORIA E PRÁTICA NA
IMPLANTAÇÃO DE CEP EM EMPRESAS
GAÚCHAS
Andre Luis Korzenowski (UNISINOS )
Através de um estudo qualitativo, este artigo identifica as ações
adotadas por engenheiros da qualidade em empresas do estado do Rio
Grande do Sul na implantação do CEP e confronta esses passos com o
sugerido na literatura. Também são identtificadas as principais
similaridades e diferenças na implantação em diferentes empresas. O
estudo é baseado em entrevistas em profundidade realizadas junto a
engenheiros de qualidade com experiência prévia na implantação de
cartas de controle em empresas do setor automobilístico. Foi
evidenciado que estudos de capacidade são efetuados na primeira fase
de implantação do CEP, contrariando o sugerido pela literatura.
Verificação das suposições de normalidade e independência, por sua
vez, não são efetuadas, mesmo quando da implantação das cartas de
controle. Apesar da possível violação das suposições, os técnicos
entrevistados não percebem aumentos no número de alarmes falsos e
no ARL.
Palavras-chaves: Controle Estatístico do Processo, Cartas de
Controle, Estudos de capacidade, Setor Automobilístico
XXXIII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO A Gestão dos Processos de Produção e as Parcerias Globais para o Desenvolvimento Sustentável dos Sistemas Produtivos
Salvador, BA, Brasil, 08 a 11 de outubro de 2013.
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1. Introdução
Observa-se o desenvolvimento de procedimentos e técnicas estatísticas cada vez mais
apuradas no intuito de monitorar as características da qualidade itens de consumo dentro das
normas e especificações, com durabilidade assegurada e garantias de qualidade. Apesar disso,
os tradicionais gráficos de Shewhart1, propostos em 1924, ainda tem sido amplemente
utilizados na indústria do Japão e Estados Unidos, especialmente após os anos 80 (ELDIN &
HAMZA, 2009; SEREL, 2009). Michel e Fogliatto (2002) destacam que essas cartas de
controle (CC) são ferramentas simples e eficazes, sendo muito utilizadas na prática do
controle de qualidade.
Há duas estratégias complementares quando se aborda o CEP (MONTGOMERY, 2004;
JURAN, 1997): a primeira envolve o estudo de estabilidade do processo, onde implementam-
se as CC e a segunda contempla o estudo de capacidade, onde se verifica se o processo está
centrado e se é capaz de produzir dentro das especificações. Montgomery (2004) destaca que
“um estudo de capacidade de um processo em geral avalia parâmetros funcionais sobre o
produto, e não o processo em si” (p.221). Segundo o autor, um verdadeiro estudo de
capacidade do processo conhece a sequência temporal dos dados gerando inferências sobre a
estabilidade do processo ao longo do tempo, isto é, mescla as duas estratégias do CEP.
Qualquer que seja o tipo de CC escolhida, o processo de implantação do monitoramento
apresenta duas fases distintas: a Fase I, de exploração e entendimento do processo e a Fase II,
de controle e acompanhamento (CAULCUTT, 1995; JONES-FARMER, 2009). Na Fase I,
diagnósticos sobre as características dos dados coletados são efetuadas. As suposições dos
gráficos de Shewhart, por exemplo, são de que as amostras coletadas sejam provenientes de
uma população de dados independentes, com distribuição de probabilidade Normal e
identicamente distribuídos – i.n.d. (MONTGOMERY, 2004, WHODALL, 2000). Além disso,
é necessário verificar uma premissa básica de implantação: o processo precisa estar sob
controle estatístico para que sejam obtidas estimativas acuradas dos parâmetros do processo.
Esta premissa é a mesma se considerarmos o cálculo de medidas de capacidade do processo.
Segundo Montgomery (2004), o cálculo destas medidas (Cp e Cpk) deve ser efetuado apenas
após a verificação da estabilidade do processo, via CC pois, no caso do processo estar fora de
1 Walter Andrew Shewhart (18/03/1891 – 11/03/1967) foi físico, engenheiro e estatístico e é
conhecido como o pai do controle estatístico da qualidade.
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controle “é inseguro estimar a capacidade do processo” (MONTGOMERY, 2004, P.236).
Estudos demonstram que o desempenho das CC fica comprometido quando da violação das
suposições, aumentando a possibilidade de resultados equivocados. Considerando a violação
de independência entre as observações (presença de autocorrelação) na série de dados
observada da característica da qualidade, Alwan (1992) e Mingoti & Yasukawa (2008)
mostram resultados indicando que os procedimentos gráficos detectaram um número
excessivamente superior ao esperado de pontos fora de controle (alarmes falsos). Além disso,
elevaram o número médio de observações necessário para indicar que o processo mudou de
um estado sob controle para um estado fora de controle (ARL).
De acordo com Lin & Chou (2004), frequentemente encontram-se dados não Normais em
processo industriais. Espera-se que, com amostras suficientemente grandes, a distribuição da
média, estatística utilizada num dos principais gráficos de Shewhart, tenha convergência para
um modelo de distribuição Normal. Entretanto, nem sempre é possível obter uma boa
aproximação do modelo Normal. Korzenowski (2012) mostrou que, dependendo do nível de
assimetria das amostras de dados observados, a convergência ao modelo Normal pode ser
lenta, levando a um elevado número de alarmes falsos, mesmo com amostras relativamente
grandes como 25, por exemplo. Moore (1957) Yourstone & Zimmer (1992) e Lin & Chou
(2004) mostraram que a violação a suposição de normalidade também acarreta o aumento do
ARL.
Segundo Jensen et al. (2006), mesmo antes da implantação de CC, é necessário verificar uma
premissa importante no conjunto de dados: se o processo onde os dados foram inicialmente
coletados está sob controle. Havendo causas especiais de variação neste processo, as
estimativas de variabilidade utilizadas para a construção dos limites não refletem
adequadamente a variabilidade do processo, pois poderão estar superestimadas. Com isso,
serão gerados intervalos de controle mais amplos. Certificando-se de que os dados são
provenientes de um processo estacionário (sob controle), as verificações das suposições
podem ser efetuadas.
Deste modo, a primeira motivação deste estudo é descrever de forma sistemática quais passos
devem ser executados na Fase I de implantação de CC da qualidade a fim de caminhar em
direção a escolha da ferramenta adequada. A segunda motivação deste estudo é identificar
quais passos são efetivamente executados na implantação de CC por engenheiros da qualidade
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da indústria de transformação do estado do Rio Grande do Sul, no sul do Brasil. O
levantamento das diferenças entre o que a literatura sugere e o que é executado configura-se
em um aspecto importante a ser estudado. Isto destaca-se de sobremaneira em função dos
efeitos que a não observação das suposições geram, segundo os autores levantados. Outro
aspecto que justifica a importância deste estudo é a análise dos efeitos percebidos pelos
responsáveis na implantação e acompanhamento dos processos via CC, em contrapartida com
a forma de implantação adotada, sob o foco do que é esperado segundo a literatura. Assim, o
objetivo deste trabalho é identificar as ações adotadas por engenheiros da qualidade na Fase I
da implantação de CC e confrontar esses passos com o sugerido na literatura, apontando as
principais diferenças e buscando efetuar uma discussão crítica sobre os efeitos da implantação
deficiente.
2. Verificação das suposições para implantação de CEP
Korzenowski (2009) propôs um framework de verificação das suposições na construção de
gráficos de controle que apresenta os principais procedimentos estatísticos que podem ser
utilizados para a verificação de cada suposição das CC. A Figura 1 apresenta uma adaptação
da proposição do autor e, na sequência, são apresentados os principais testes estatísticos que
podem ser utilizados para efetuar estas verificações.
A implantação de uma CC deve iniciar-se com a coleta de amostras durante um certo período
de tempo, até que se tenha uma série de tamanho suficiente para verificar se o processo
encontra-se sob controle (a premissa básica para construção de gráficos de controle). Para esta
verificação, os estudos realizados por Korzenowski et al. (2009) indicaram a utilização do
teste de Bai & Perron (2003), um teste capaz de identificar se a série observada no processo
possui trechos com mudança de nível em relação a média do processo (se possuí quebras
estruturais), mesmo antes da construção dos gráficos. O teste baseia-se no ajuste de modelos
lineares e verificação de diferenças entre os parâmetros dos modelos ajustados.
A identificação da presença de autocorrelação se dá, geralmente, através da construção das
funções de autocorrelação (ACF) e autocorrelação parcial (PACF). Além destes
procedimentos, Gujarati (2000) destaca o teste de hipóteses das carreiras e o teste de hipóteses
d de Durbin-Watson para a verificação da não observância de independência entre as
observações amostradas. O não atendimento da suposição de independência encaminhará o
responsável a implantação de gráficos baseados em resíduos, geralmente do tipo Box et al.
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(1970) – ARMA, como sugerido por Montgomery (2004) ou a outra solução que contemple a
presença de autocorrelação serial, como por exemplo os propostos por Alwan & Roberts
(1988) e Moreira & ten Caten (2004). Ramjee et al. (2002) também aborda as questões de
autocorrelação, mas apresentando uma solução para séries que apresenta longa correlação
serial.
Figura 1. Framework para verificação das suposições para escolha de gráfico de controle
Fonte: Adaptado de Korzenowski (2009)
Para verificação de aderência ao modelo Normal, são recomendados os testes de Shapiro-
Wilk (1965), para pequenas amostras, e a correção de Lilliefors (1967) para o teste de
Kolmogorov-Smirnov, aplicado a grandes amostras. Na presença de autocorrelação, há
necessidade de um teste mais robusto para a normalidade. Nestas condições pode ser utilizado
o teste de Jarque-Bera (1980-1981). No caso dos dados serem independentes porém não
normalmente distribuídos, pode-se aplicar uma transformação nos dados. Bisgaard & Kulahci
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(2008) sugere a utilização do procedimento de Box-Cox a fim de que esta suposição seja
atendida. Dependendo do nível de assimetria dos dados, pode-se decidir pela utilização de
amostras maiores, ou ainda, assumir o aumento do erro do tipo I gerado pela decisão de
aplicar os procedimentos gráficos sob a violação desta suposição, conforme Korzenowski
(2009), Lin & Chou (2004) e Stowmbos & Reynolds (2000).
No caso dos dados i.n.d., gráficos de controle tradicionais de Shewhart são indicados. Para
dados autocorrelacionados são indicadas CC baseadas em resíduos de modelos ARMA,
atentando que, neste caso, os resíduos devem ser i.n.d.
3. Metodologia
O estudo foi conduzido seguindo uma abordagem qualitativa de natureza exploratória
utilizando-se o método de estudo de caso múltiplo (entrevista semi-estruturada e observação).
A etapa aplicada deste estudo consistiu na realização de três entrevistas em profundidade com
engenheiros de qualidade, com experiência prévia na implantação de CC em empresas da
região sul do Brasil. Durante a visita aos estabelecimentos, observações foram efetuadas sobre
o tipo de ferramentas utilizadas no CEP. Os entrevistados foram selecionados através de um
procedimento de amostragem não probabilístico por conveniência. As entrevistas seguiram
um roteiro semi-estruturado.
A análise de conteúdo objetivou verificar: (i) as principais etapas adotadas na implantação de
CC; (ii) as principais verificações de suposições efetuadas; (iii) as impressões subjetivas sobre
os resultados observados na Fase 2 e; (iv) as fontes de evidências de implementação de
gráficos de controle. As anotações realizadas durante as observações foram utilizadas como
suporte para a descrição, análise e interpretação dos dados coletados. A última etapa do
trabalho consistiu na comparação entre o framework teórico e as fontes de evidências
coletadas.
O estudo foi conduzido junto a indústrias que utilizam CC para o monitoramento em seus
processos produtivos. Buscou-se evidenciar as etapas de implantação em diferentes empresas
da indústria automobilística, a fim de identificar diferenças na implantação e uso destas
ferramentas. Os dados foram obtidos através de visitas às plantas das empresas selecionados
na amostra. Foram efetuadas observações e entrevistas com os engenheiros da qualidade
responsáveis pela implantação de cartas de controle da qualidade.
As principais empresas do setor foram contatadas. Os critérios de seleção envolveram a
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execução de controle estatístico da qualidade através de CC (eliminatório), participação no
mercado dentro do setor, e localização (classificatórios). As empresas selecionadas foram
aquelas que se enquadraram nos critérios e atenderam positivamente a participação no estudo.
Os dados foram classificados quanto ao conteúdo, etapa da ação e nível de importância. A
descrição foi efetuada sob o critério analítico, tendo como base a ordem de desenvolvimento
das questões. Os resultados obtidos foram comparados com o modelo teórico identificado na
literatura. Procurou-se identificar padrões de implantação entre as empresas destacando
diferenças tanto entre o observado e o padrão quanto entre as empresas. Foram utilizados
diagramas, mapas conceituais e tabelas resumos na apresentação dos resultados.
4. Descrição e análise dos resultados do estudo aplicado
Aceitaram participar do estudo três empresas da indústria automobilística do Rio Grande do
Sul. As empresas têm como principal ação o fornecimento de peças, sendo estas componentes
mecânicos, sensores e componentes eletrônicos. Foram entrevistados os responsáveis pela
implantação do controle estatístico do processo no intuito de identificar as ações adotadas
para a implantação das CC no segmento de produtos mais importante.
Apesar de possuírem portes diferentes, tanto quanto à faturamento quanto em relação ao
número de funcionários, os procedimentos observados na implantação e execução do controle
da qualidade em todas as empresas observadas foram conceitualmente similares. O conjunto
de procedimentos adotados incluem verificações quanto ao processo ser capaz e a avaliação
da estabilidade do processo. A Figura 2 apresenta o fluxograma básico de implantação de
Controle Estatístico do Processo (CEP) nas empresas participantes.
Figura 2. Fluxograma do processo de implantação do CEP
Verificou-se que a preocupação inicial das empresas é efetuar um estudo da capacidade do
processo, visando verificar se será possível produzir dentro dos limites de especificação
determinados pelo cliente e/ou projeto. Para efetuar esta verificação os índices de capacidade
Cp e Cpk são determinados. Sendo o processo capaz, a produção é programada e inicia-se o
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controle do processo através da construção das CC.
Para controle do nível da série observou-se junto às empresas participantes a utilização de três
tipos de CC: gráfico de média, gráfico de mediana e gráfico de medidas individuais. Para o
controle de variabilidade observou-se a utilização dos gráficos de amplitude e de média
móvel. Observou-se que a variabilidade não era controlada através de nenhum tipo de
ferramenta em uma das empresas participantes. Em uma das empresas uma inspeção ocorre
durante as primeiras 5000 peças, durante três meses ou por três setups, o que ocorrer primeiro.
O objetivo é não haver peças fora das especificações durante este período. Em relação ao
intervalo de coleta de amostras, foi verificado que é utilizado um tempo fixo como intervalo
para a seleção das amostras. Não houve relatos de seleção de amostras por um intervalo de
peças produzidas. A amostragem ocorria a cada uma, duas ou até 4 horas de produção,
dependendo da empresa ou etapa do processo de avaliação. Entretanto, um dos entrevistados
relatou que são efetuadas inspeções nas primeiras unidades produzidas a cada troca de setup.
Diferenças foram observadas quando do planejamento da implantação e controle do processo.
Nas empresas A e C, CEP está implantado a cerca de 25-30 anos por exigência do cliente. Na
empresa A o processo de implantação e controle de novos produtos, bem como as estratégias
de ação quando da identificação de causas de variação especial, nascem junto com o produto
dentro do processo de gestão do projeto. Nesta empresa, assim como na empresa C, é
utilizada a Análise de Modo e Efeito de Falha (FMEA). Isto faz com que as decisões de
alterações no processo sejam efetuadas de forma mais controlada, tendo em vista que o
trabalhador necessita apenas executar as atividades propostas para a resolução dos problemas
observados na produção. Apesar das estruturas de produção estarem organizadas do mesmo
modo nas três empresas participantes, na empresa B o trabalhador faz ajustes no setup dos
equipamentos baseado em sua experiência prévia e não a partir de uma documentação formal
de ações corretivas. Isto leva muitas vezes a um considerável aumento de variabilidade no
processo.
Nas empresas A e C os gráficos ficam junto aos equipamentos produtivos, de modo que os
trabalhadores possam, após ter o produto acabado, medir as características da qualidade e
grafar a estatística na CC. Destaca-se que na empresa C alguns equipamentos possuem
dispositivos computacionais que geram as CC. Na empresa B, por sua vez, há uma célula de
controle e, a cada amostra coletada, o trabalhador deixa o seu posto, levando as amostras até
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este ponto onde ele procede as medições e grafa as estatísticas em suas respectivas CC.
Na empresa B são consideradas cartas individuais para cada característica da qualidade,
independentemente de quantas sejam e quantos sejam os produtos produzidos em cada célula.
Assim, certos postos de trabalho possuem mais de 10 cartas distintas de controle estatístico do
processo. Em alguns casos, quando diferentes características ou a mesma característica em
diferentes produtos são avaliados na mesma célula, utiliza-se a mesma CC para mais de um
produto ou característica. Destaca-se que não há nenhum tratamento especial aos dados para
efetuar a construção conjunta (de múltiplos itens) das CC.
Nenhum dos entrevistados relatou que seja efetuado um estudo diagnóstico do processo
durante a implantação de CC. Observou-se que a Fase I é completamente negligenciada
durante a implantação das cartas nas empresas. Questões como presença de autocorrelação e
desvios da normalidade, apontados na literatura como geradores de alarmes falsos e
consequente prejuízo por paradas desnecessárias na produção são desconsiderados.
Montgomery (2004) afirma que as medidas de razão da capacidade do processo (Cp e Cpk)
são calculadas com base nas suposições de que a característica da qualidade tem distribuição
normal e que o processo está sobre controle estatístico. Entretanto estas verificações também
não são efetuadas. Aparentemente, os entrevistados não tem a percepção do aumento de
alarmes falsos apontado pela literatura quando da violação das suposições. Na empresa A, na
ocorrência de alarmes, as peças são separadas para uma re-avaliação. Caso seja confirmada a
produção de itens não-conformes, o processo é interrompido e os engenheiros da qualidade e
projeto são acionados. Na empresa C, a produção é interrompida apenas após a ocorrência de
um número pré-determinado de alarmes, independente de serem falsos ou não.
Observou-se que, nas empresas A e C, existe uma sistematização voltada para o controle do
processo. Apesar disto, a implantação, sob o ponto de vista teórico, pode ser considerada
falha. O próprio entrevistado da empresa A relata: “Nós sabemos que não verificamos a
normalidade e outras coisas necessárias, mas estamos fazendo o melhor possível”. Na
empresa C, apesar do entrevistado ter relatado a execução de estudos preliminares, também
observou-se que a verificação das suposições não é realizada.
Tanto a empresa A quanto a empresa B afirmaram que utilizam as CC em pranchetas de
papel, sendo uma folha para cada produto produzido na célula. Foi observado na planta da
Empresa que, muitas vezes, o trabalhador acaba gastando certo tempo procurando a folha
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correta para a marcação da medida realizada. Observou-se também erros no cálculo da
mediana ou da amplitude, gerando marcações equivocadas na CC. Já na empresa C, as CC
estavam implantadas em sistemas computacionais, em computadores sobre uma bancada, ou
no próprio equipamento. O código do produto era utilizado para a identificação da CC onde
deveria ser gravada as informações, sendo, neste caso, utilizada também uma CC para cada
produto produzido.
A Figura 3 apresenta um resumo comparativo entre as principais etapas apontadas na
literatura e observadas nas empresas participantes quando da implantação do CEP. O primeiro
aspecto a considerar é que há uma inversão entre os passos que são sugeridos na literatura e os
passos identificados nas empresas entrevistadas.
Figura 3. Etapas da implantação indicadas na literatura e observadas na prática das empresas pesquisadas
Passos indicados na Literatura Passos observados nas Empresas
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Segundo Antony et al. (2000) o objetivo do CEP é para eliminar as causas especiais de
variação no processo e, assim, alcançar a estabilidade do processo. Uma vez que a
estabilidade do processo é atingida, a capacidade do processo pode então ser melhorada
reduzindo as causas comuns de variação. Segundo Montgomery (2004), não sendo capaz,
deve-se verificar se o processo está centrado, se existem causas especiais de variação ou se a
variabilidade por causas comuns está demasiadamente elevada. Isto só é possível de ser
verificado se tem-se, a priori, o estudo de estabilidade dado pela implantação adequada das
CC. Esta inversão observada traz um sério problema: Como identificar quais as causas de um
processo não capaz se não efetuou-se a implantação das CC a priori?
A implantação das CC com a perspectiva adotada pelas empresas parece estar
prioritariamente voltada ao cumprimento de pré-requisitos para a conquista de certificações de
qualidade e não para aproveitar o seu papel principal de acompanhamento e melhoria do
processo. Nota-se que as empresas elaboram suas CC somente após terem efetuado o estudo
de capacidade. Esta inversão aponta claramente que o objetivo principal não é verificar se o
processo é estável, e consequentemente atacar as causas comuns de variação promovendo
melhorias, mas sim verificar se ele é conforme, isto é, se a produção está dentro das
especificações. Entretanto, em casos onde são utilizados limites de especificação ao invés de
limites de controle pode-se estar produzindo itens não-conformes mas que, em média, estejam
dentro dos limites de especificação.
O raciocínio observado nas três empresas é, sob o ponto de vista econômico, se o processo
não é estável, mas a produção está dentro dos limites de especificação, não haverão
devoluções e não ter-se-ão custos adicionais com perdas ou retrabalho. Além disso, atacar as
causas de variação especiais podem demandar recursos que poderiam estar sendo utilizados
na produção. No mesmo sentido, atacar as causas comuns de variação a fim de minimizar a
variabilidade exige investimentos que, muitas vezes, não são bem vistos pelo corpo diretor
que objetiva maximizar os lucros para os acionistas.
Deming (1986) e Taguchi (1981) explicam com clareza que esse raciocínio é equivocado:
processos instáveis exigem maiores investimentos em controle (atividade que não agrega
valor) e variabilidade, mesmo que dentro dos limites de especificação podem representar
perdas consideráveis (por exemplo, maior variabilidade pode acarretar em dificuldades de
montagem ou em menor vida útil; em função disso, o cliente pode abruptamente decidir trocar
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de fornecedor. A Figura 4 apresenta um resumo comparativo entre o que foi observado nas
empresas em termos da cultura da qualidade e o que é defendido na literatura.
O que pode ser observado foi a necessidade de implementar uma cultura organizacional
verdadeiramente voltada para a qualidade. Isso implica em uma atitude efetivamente
preocupada com o conhecimento e controle dos processos produtivos, visando a redução da
variabilidade. Uma atitude gerencial que não se satisfaz apenas por produzir itens que estão
dentro das especificações.
Figura 4. Raciocínio observado nas empresas e Raciocínio defendido pela cultura da qualidade
Fonte: Raciocínio defendido pela cultura da qualidade na Literatura
adaptado de Mason & Antony (2000)
Uma vez que a preocupação principal no CEP é que o processo seja capaz, não há uma análise
efetiva dos alarmes gerados pelas CC utilizadas. Devido a despreocupação com a correta
implantação das cartas, associado à necessidade do processo ser capaz, não há percepção
pelos entrevistados de aumento do número de alarmes falsos ou do ARL, aspectos
considerados importantes por muitos estudos apresentados e que comprometem a eficiência
das CC.
4. Considerações Finais
O principal objetivo deste trabalho foi identificar as ações adotadas pelos responsáveis pela
implantação de CC em empresas do setor automobilístico no estado do Rio Grande do Sul,
confrontando essas ações com o sugerido na literatura. Foi possível estabelecer de forma
crítica que a implantação de CC apresenta falhas e está em desacordo com o sugerido na
literatura em relação a etapa de implantação. Nas empresas participantes, observou-se que o
CEP inicia com o estudo de capacidade, através do cálculo de índices como Cp e Cpk. A
Empresa Literatura
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literatura sugere que este estudo seja efetuado apenas após a implantação das CC e
consequente verificação da estabilidade do processo. Após verificar que o processo é capaz,
as empresas participantes efetuam a construção das CC, porém sem a verificação das
suposições de normalidade e independência das observações. Destaca-se que estas suposições
também são exigidas para determinação dos índices de capacidade, sendo que estas
verificações também são negligenciadas nesse contexto.
Neste trabalho não foram levantados os efeitos da violação das suposições no cálculo de
índices de capacidade, sendo esta uma limitação deste estudo. Do mesmo modo, a sequência
de implantação do CEP, bem como, as verificações sugeridas na Fase I da implantação das
CC em outros segmentos da indústria não foram verificados. O efeito das violações nos
índices de capacidade e o formato de implantação em outros setores são sugestões para
pesquisas futuras.
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