Terra indígena, população, ambiente e saúde um estudo...
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Terra indígena, população, ambiente e saúde – um estudo sobre os A’uwe
Xavante /MT
Introdução
Este trabalho analisa questões relacionadas à Terra indígena, população,
ambiente e saúde do povo A’uwe Xavante que vive atualmente no estado do Mato
Grosso. Os Xavante pertencem ao tronco lingüístico Makro – Jê, família Akuen, sua
autodenominação Xavante é A’uwe (“gente”), enquanto dos Xerente é Akwe. Alguns
autores como Graham (2008), Maybury-Lewis (1984), consideram que Akuen ou Acuen
refere-se apenas aos Xavante e Xerente. Os Akuen que tinham seu território no Brasil
central eram conhecidos na época da colônia como Tapuias, enquanto os Tupi eram
denominados Tamoios. Os A’uwe Xavante não têm nenhuma proximidade histórica,
lingüística ou sociológica com os Oti-Xavante (SP) ou com os Ofaié – Xavante (MS).
(Maybury-Lewis,1984). Outros autores atribuem a denominação Akuen grupo
etnolinguístico aos Xavante, Xerente,Xacriabá, Acroá. Os dados se referem ora a um ou
a outro subgrupo deste conjunto de maneira confusa. Em meados do século XIX para
todo este conjunto de povos estimava-se uma população entre 3 a 5 mil pessoas.
A história deste povo esta relacionada com as inúmeras migrações a que foram
forçados, neste sentido foram desterritorializados para num outro momento se
territorializar formando assim seu território. (Haesbaert, 2004).
O contato dos Xavante com a sociedade envolvente ocorreu em diferentes
momentos, pois as cisões políticas determinaram que os vários grupos Xavante
realizassem trajetórias distintas. O período de sua História de meados do século XIX até
recentemente, refere-se aos grupos Xavante que passaram a viver no Mato Grosso, após
as travessias dos rios Araguaia, Cristalino e das Mortes.
De acordo com Lopes da Silva (1992) pode se resumir os principais fatos da
história Xavante do século XX, da seguinte forma: “ nas primeiras décadas do século
XX os Xavante vivem um período de tranqüilidade; na década de 1940 iniciou-se a
ocupação do centro- oeste pela colonização agropecuária, sob a ideologia da ocupação
dos espaços “vazios”, com a “Marcha para o Oeste” através da Expedição Roncador
Xingu e da Fundação Brasil Central; nas décadas de 1940-50 a “pacificação oficial” de
um grupo Xavante, às margens do rio das Mortes; e período de certo distanciamento na
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década 1960; nos anos 1970 o foco são as regularizações das terras indígenas Xavante
com a importante liderança de Mario Juruna- Dzuru’rã, e a imagem dos Xavante como
“índios conscientes e reivindicadores”.
O território Xavante atual, no estado do Mato Grosso está fragmentado em 09
terras indígenas, a saber: T.I.Marãiwatsede, T.I.Pimentel Barbosa, T.I.Areões (Areões
I,Areões II), T.I.Marechal Rondon, T.I.Parabubure, T.I. Chão Preto,T.I.Ubawawe,
T.I.Sangradouro/Volta Grande, T.I.São Marcos.
No quadro n° 1 dados sobre área em hectares, município, situação fundiária das
Terras Indígenas Xavante:
Quadro 1 – Terras Indígenas Xavante área (ha) e situação fundiária e localização
TERRA INDÍGENA ÁREA
(HECTARES)
MUNICÍPIO SITUAÇÃO
FUNDIÁRIA
T.I.Marãiwatsede 168.000 Alto da Boa Vista Homologada
T.I.Pimentel Barbosa 328.966 Água Boa
Canarana
Ribeirão Cascalheira
Homologada
T.I. Areões 218.515 Nova Xavantina Homologada
T.I. Areões I 24.450 Água Boa Demarcada
T.I. Areões II 16.650 Água Boa Demarcada
T.I. Marechal Rondon 98.500 Paranatinga Demarcada
T.I. Parabubure* 224.447 Campinápolis
Água Boa
Homologada
Chão Preto 8.060 Campinápolis Homologada
Ubawawe 51.900 Novo São Joaquim Homologada
T.I. Sangradouro 100.280 General Carneiro
Poxoréu
Homologada
T.I. São Marcos 188.478 Barra do Garças Demarcada
Fonte : Instituto socioambiental, 2013.
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Metodologia
O presente artigo foi propiciado pela pesquisa realizada na elaboração da tese de
doutorado na qual discutiu-se o território indígena Xavante e suas relações com os
cerrados. A pesquisa fundamenta-se, nos procedimentos de uma pesquisa participante,
no conhecimento adquirido ao longo dos anos de trabalho como assessora da
Associação Xavante Warã. A metodologia utilizada na pesquisa teve alem da pesquisa
documental e dos levantamentos bibliográficos, o trabalho de campo nas terras
indígenas e entorno. Os procedimentos foram a coleta de depoimentos e entrevistas
realizadas nas aldeias com homens e mulheres Xavante.
As entrevistas são fundamentais para a obtenção de informações sobre a realidade a ser
pesquisada. Quando se trabalha com povos indígenas é necessário buscar os
informantes que são aqueles com maior conhecimento, em geral são apontados os mais
velhos e para a tradução, os mais jovens que são bilíngües e por vezes também a escrita.
Os trabalhos de campo proporcionaram o conhecimento de parte do território Xavante,
aprofundamos o entendimento sobre a sociedade estudada, além de serem importantes
para conhecimento do entorno das terras indígenas, questão fundamental de nosso
estudo.
Demografia Xavante
Em termos populacionais os Xavante caracterizam-se por ser um dos maiores
entre os povos indígenas do Brasil na atualidade. As primeiras informações sobre a
população Xavante são apenas estimativas e não números precisos, pois nos primeiros
contatos entre índios e não-índios havia imprecisões quanto aos povos considerados.
Os dados demográficos variam até a metade do século XX, quando os Xavante
entram novamente em contato com os brancos, desta vez definitivamente. No entanto,
deve ser observado que os números são sempre aproximados e não absolutos, dada a
falta de políticas públicas eficientes relacionadas aos povos indígenas. Observa-se na
demografia Xavante um grande decréscimo da população na época dos primeiros
contatos com a sociedade envolvente, num período que vai do século dezoito até metade
do século dezenove. Um pequeno aumento populacional ocorre no final do século
dezenove após a travessia dos rios Araguaia, Cristalino e rio das Mortes onde se
instalam próximos à Serra do Roncador. Até esse momento os dados demonstram que a
população Xavante sofria as conseqüências dos contatos com diversas frentes de
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colonização como os bandeirantes, e suas expedições punitivas e as diversas epidemias
que assolaram todos os povos indígenas no Brasil.
A demografia e a saúde dos povos indígenas são condicionadas por vários
aspectos, entretanto o principal deles é a restrição territorial, ou seja, o confinamento
nas terras indígenas, que leva a drásticas mudanças culturais.
Os dados sobre a demografia indígena como um todo e aos Xavante em
particular, apontam para as altas taxas de mortalidade infantil, muito acima da média
nacional ( Souza et a.l ,2004). Os povos indígenas estariam vivendo um “complexo
processo de transição epidemiológico”, onde ao lado de doenças infecciosas e
parasitárias, ocorre aumento importante de doenças crônicas não transmissíveis assim
como outras causas externas (Souza , op. cit.).
Sem dúvida, as condições da saúde indígena são extremamente precárias em
comparação com a sociedade envolvente. Deve-se também citar que não existem “dados
suficientes que permitam traçar um perfil demográfico e epidemiológico razoável da
população Xavante” (idem), saúde, ambiente e território formam uma tríade inseparável
para a vida Xavante.
A vivência na bacia do rio das Mortes deixou–os em certo isolamento até
próximo dos anos 1940, quando são novamente contatados pelos “brancos” e sua
pacificação é oficializada. Com este contato mais efetivo e com as invasões em seu
território, inúmeras epidemias os atingem e a população volta a decrescer. Apenas
voltando a se recuperar na década de 1970 quando lutam pelas demarcações de suas
terras e têm certo apoio da missão católica salesiana e da FUNAI- Fundação nacional do
Índio.
Nos anos 1980, o crescimento da população é mantido, tendo uma taxa de
crescimento de 5,6% (Carrara,1997:45-47).
No entanto, esse crescimento não é continuo. Na década de 1990, houve ligeiro
decréscimo populacional devido à diminuição de seus territórios, à sedentarização,
mudanças nos hábitos alimentares e suas conseqüências na saúde indígena. Também
agrava –se o quadro de desnutrição das crianças e a população apresenta altas taxas de
mortalidade infantil, principalmente na faixa de 0 a 5 anos de idade. Muitas
enfermidades acometeram os Xavante, algumas diretamente relacionadas ao
confinamento territorial, como aquelas ligadas à precariedade no saneamento básico,
principalmente falta de tratamento da água. (Carrara, op.cit.)
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Em relação a sua população atual, os dados informam que esta vem crescendo.
Segundo o Instituto socioambiental, em 2000 contava-se 9.601 habitantes, passando de
acordo com a Funasa Fundação Nacional de saúde, para 10.477 indivíduos no ano de
2002, e chegando a 11.374 pessoas em 2004, (sendo que 40% do total da população
com menos de 5 anos de idade), já em 2010 a população contava com numero de 15.315
indivíduos.
Gráfico 1 - Dinâmica da população Xavante
Fonte : Funasa, Isa instituto socioambiental
Dentro dos aspectos demográficos atuais dos Xavante tem-se a alta taxa de
natalidade, crescimento médio anual de 4,4 % e para outros autores 5%, e alta taxa de
mortalidade infantil, média de 96,7 óbitos de crianças menores de 1 ano por mil
nascidos vivos (dados de pesquisa do período entre 1999 e 2004).
Gráfico 2 – Pirâmide Etária dos Xavante
Fonte: Lima (2005), a partir da DSEI Xavante, 2002.
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2000
4000
6000
8000
10000
12000
14000
19
58
19
62
19
64
19
69
19
77
19
80
19
83
19
84
19
88
19
94
19
96
20
00
20
02
20
04
20
07
População Xavante Total
-1100 -600 -100 400 900
0 a 4
5 a 9
10 a 14
15 a 19
20 a 24
25 a 29
30 a 34
35 a 39
40 a 44
45 a 49
50 a 54
55 a 59
60 a 64
65 a +
Masculino Feminino
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O gráfico n.2 pirâmide população Xavante demonstra as características da
dinâmica demográfica com altas taxas de natalidade e de mortalidade infantil. As faixas
etárias até os 15 anos de idade correspondem a 55,5% da população total.
A faixa etária dos 0 aos 4 anos são cerca de 26% da população. Outra
característica é o pequeno número de indivíduos entre os 40 e 64 anos de idade, portanto
aqueles que nasceram no final da década de 1930 até o inicio da década de 1960.
revelando que este período da História Xavante, foi particularmente marcante quanto à
mortalidade, o qual coincide com o re-contato com a sociedade envolvente. (Souza, et
all, 2004)
Ao se comparar a mortalidade infantil indígena com a brasileira têm-se os
seguintes dados: 23,7 por mil entre os brasileiros, 56,5 por mil entre os povos indígenas
e 133,6 por mil entre os Xavante. A média indígena é duas vezes maior do que a
brasileira, enquanto que a Xavante é quase seis vezes maior do que a brasileira, o que
reflete a situação de colonização a que estão submetidos estes povos. (idem)
Desta forma, conclui-se que as relações entre populações, e índices de
morbidade e saúde estão relacionados ao contato com a sociedade abrangente, aos
conflitos territoriais e socioambientais e principalmente a limitação territorial.
A Terra indígena Marãiwatsede um caso emblemático
Relação entre o território e saúde indígena
Quadro 2 – Caracterização da Terra Indígena Marãiwatsede
Tipo Situação
Situação Jurídica Atual homologada (Registro de Criação e SPU - 11/12/1998)
Documento decreto sem data – data de publicação - 14/12/1998
Administração Regional da FUNAI Barra do Garças
DSEI FUNASA Xavante ~700
Extensão da Área 165.241 hectares
Municípios / Área (IBGE) Alto da Boa Vista/ 611.903 hectares
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Fonte: ISA – Instituto Socioambiental
Uma breve historia da terra indígena Marãiwatsede
A palavra Marãiwatsede (mata alta/mata ruim) tem um significado
correspondente à biogeografia da região, pois esta é uma área de transição do cerrado
para a floresta amazônica.
Marãiwatsede localiza-se entre os rios Araguaia a leste e rio Xingu a oeste, seu
limite norte é o rio Tapirapé (afluente do Araguaia ), o divisor de águas é a Serra do
Roncador. “a Serra do Roncador faz parte do território tradicional Xavante” e era uma
área rica em caça e outros recursos utilizados pelos Xavante.
Nesta região o cerrado está localizado entre a área inundável do Araguaia e as
matas de transição da Serra do Roncador e é na faixa de cerrado que se situam as
aldeias Xavante. As áreas limítrofes são parte de seu território e utilizadas para caça e
coleta. Marãiwatsede engloba estes diferentes fitofisionomias. (FUNAI, 1992:2,3)
A trajetória histórica dos diversos grupos Xavante foi bastante distinta, o caso de
Marãiwatsede caracteriza-se pela extrema violação dos direitos indígenas, pois este
grupo foi expulso de suas próprias terras e transferido para outra terra indígena Xavante,
a T.i. São Marcos.
A área da T.I. Marãiwatsede quando usurpada dos Xavante, na década de 1960,
ficou conhecida como Fazenda Suiá-Missu, este é o nome de um afluente do Rio Xingu
que nasce na Serra do Roncador e é denominado de Marãiwatsede’pa pelos Xavante.
A implantação da fazenda culminou com a expulsão dos Xavante em 1966 e sua
transferência para São Marcos, feito que contou com o apoio do SPI e da FAB e dos
missionários salesianos.(idem) Neste sentido o depoimento coletado pela Funai comenta
que decidem “livrar-se dos Xavante” e “ foi quando tiraram os índios de suas próprias
terras, em aviões da FAB ... chegava 3,4, avião e enchia de índio, cachorro, galinha,
São Félix do Araguaia / 1.893.504 hectares
Bom Jesus do Araguaia / 427.908
Obras de Infra-Estrutura Rodovia (BR 158) Federal - construída
Rodovia (BR 080) Federal – construída
Missão Católica e Missão Evangélica Não
Fonte: ???
Elaboração: Maria Lúcia C. Gomide, 2008
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papagaio,tudo que eles tinham levavam nos aviões..” (Dossiê Itália –Brasil 1990 apud
FUNAI,1992 :17)
Assim, os Xavante foram obrigados a se mudarem para missão de São Marcos,em
agosto de 1966. Como parte desta tragédia, uma epidemia de sarampo matou muitos
Xavante que chegaram em São Marcos, em poucos dias morreram mais de cem pessoas.
Devido a todo esse sofrimento, perda da terra e das pessoas, os sobreviventes se
dispersaram, e os pequenos grupos foram viver em diferentes aldeias, em “terras
emprestadas pelos parentes”. Assim, o grupo de Marãiwatsede foi se movimentando
pelas outras áreas Xavante e em 1979 transferiram-se para a atual T.I. Parabubure, mais
tarde mudam-se para Areões em 1985 acabam por situar-se em Pimentel Barbosa
fundando a aldeia Água Branca ( existe ainda atualmente ).
A invasão do território Xavante começou com a chegada de posseiros na região
de São Felix do Araguaia e entraram em conflitos com os Xavante. Diante desses
conflitos violentos o grupo Xavante de Marãiwatsede teve parte de suas terras ocupadas
por posseiros. Em seguida a invasão deu-se a implantação da fazenda Suia- Missu que
expulsou tanto índios como os posseiros, a “fazenda Suia-Missu foi o primeiro
latifúndio escriturado que se instalou nessa região.” (FUNAI, op.cit.29)
Os Xavante desde então reivindicaram o retorno a esta parte de seu território
usurpado por grileiros, e que passou a pertencer a empresa italiana Agip , a qual depois
de 25 anos fez a “devolução” da área aos Xavante, após intensos conflitos e campanhas.
(FUNAI, op.cit.)
O retorno para Marãiwatsede iniciou-se em 1980 devido a desentendimentos
entre o grupo de Couto Magalhães e de Marãiwatsede. A primeira tentativa em 1981
foi fracassada, pois não foi possível reunir os Xavante que estavam dispersos. Apenas
em 1984, conseguem criar a aldeia Água Branca e com isto unem-se novamente.(
FUNAI,op.cit. , 65-67)
Em 2004 os Xavante conseguem retornar para sua terra, embora até o presente
ainda enfrentem constantes conflitos com os posseiros que não saíram de seu território .
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A versão dos Xavante conta a História de Marãiwatsede
Em depoimentos das lideranças Xavante à Ferraz (FUNAI,1992), contam a triste
história da perda de suas terras. No depoimento do velho Davi1 Xavante recordou
que “estava presente às primeiras lutas com os brancos. Seus avós lutaram com
armas para defender o povo, a terra e a natureza. Natureza essa que não é mais
como antes(...) naquele tempo defendiam a terra para ninguém entrar..” (FUNAI,
1992:43) Antigamente era o tempo da liberdade, quando tomavam conta de seu
território que se estendia : até o rio Tapirapé, ao norte, o rio das Garças ao sul, e o
rio Xingu a oeste.
Nos tempos que ainda tinham o domínio de seu território os Xavante exerciam
seu movimento, denominado zomori, e nestas longas caminhadas chegavam próximo ao
rio Xingu, e Tapirapés. Após estas perambulações voltavam às aldeias. (Ferraz op.cit.
50,51,52) Por este tempo os Xavante receberam muitas agressões dos moradores
regionais, como o ataque na aldeia Udzurãwawe (local com muito buriti), ocorrido na
década de 1950 :
“ (as crianças) estavam no meio da aldeia, jogando flechinha (...)
nós vimos os brancos iam atacar , estavam em cima de nós.
Então nós corremos (...) dez crianças que foram tiradas para
massacrar, para matar (...) os pais vinham tirar as crianças mas
já estavam nas mãos dos brancos para matar ...” (depoimento de
Paulo Xavante apud FUNAI, 1992 )
Os Xavante reagiram a estas invasões e conflitos com uma dispersão em varias
aldeias menores.
A T.I.Maraiwatsede foi enfim homologadas em 1998, mas isto não significou a
recuperação total dessa parte do território Xavante, pois os conflitos continuam com a
permanência de posseiros dentro da terra indígena e a pouca vontade política do
governo brasileiro em resolver a questão de Marãiwatsede.
1 Depoimento feito ao grupo de trabalho para a demarcação da T.I. Marãiwatsede , ao chegarem a
fazenda Suia Missu ( Ferraz ,1992)
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Figura 1 - Mapa
de localização da
Terra indígena
Marãiwatsede/MT
Os conflitos recentes
Destaca-se entre os problemas enfrentados pela população Xavante de Marãiwatsede, a
morte de crianças por desnutrição e/ou doenças diarréicas e respiratórias nos últimos
anos. Assim, em 2013, os dados da SESAI apontam que 80% das crianças estava
desnutrida. Em carta denunciando a situação precária os Xavante ressaltaram que a
restrição ao seu território tradicional, ocasiona o quadro de desnutrição generalizado,
inclusive a ausência de água potável sendo um dos graves problemas ocasionados pela
dificuldade de acesso ao território.
“Queremos ocupar integralmente a nossa terra, mas queremos nosso povo saudável”
dizem os Xavante.
O desmatamento da Terra indígena Marãiwatsede, é recorrente, esta é considerada
como uma das terras indígenas que mais sofre degradação ambiental na Amazônia. De
acordo com o IMAZON (2013), os dados de monitoramento do desmatamento por meio
de imagens orbitais, revela que a T.I. Marãiwatsede, já tinha perdido em 2013, cerca de
60 % de sua cobertura florestal. Este desmatamento é conseqüência da ocupação pelos
invasores que desenvolvem atividades do agronegócio em especial cultivos de soja e
pecuária. Estas atividades provocam vários problemas socioambientais como a
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contaminação de cursos d’água por agrotóxicos2. O impacto ambiental está diretamente
relacionado aos graves problemas de saúde que acometem a população indígena, não
apenas com diarréia, mas também com descontrole da tireóide, do sistema neurológico
em geral, surdez, diminuição da acuidade visual, entre outros.(IMAZON,2013)
Na fala de uma importante liderança Xavante, ressalta os graves problemas de saúde
conseqüentes da restrição terra e degradação do ambiente :
“precisamos de uma solução ao problema da saúde. Saúde é só política, nós somos
usados e jogados. Hoje o vento esta contaminado. Quem acabou com a floresta? Foi
fazendeiro grande. Hoje as crianças estão fracas e magras. Eu cresci gordo e sadio e
alto. Mas hoje acabaram com a natureza que é a nossa defesa. ... já sofremos muito.”
Cacique Damião Xavante.
A desintrusão da terra indígena iniciou-se em novembro de 2012, (com apoio do
Exercito, força nacional, policia federal, policia rodoviária), mas “incentivados por
fazendeiros e políticos locais, os ocupantes decidiram não cumprir a decisão judicial e
procuraram desestabilizar o processo forçando conflitos.” (ISA, 2013) com isso o
processo de desintrusão foi longo e conflituoso, sendo finalizado em janeiro de 2013.
Assim, em meio ao luto, pela morte de varias crianças, em abril de 2013, foi entregue
simbolicamente a terra aos Xavante, depois de 50 anos de ocupação ilegal. (idem)
No entanto, por mais inadmissível que seja, as noticias de 29 de janeiro de 2014,
informam que a terra indígena Marãiwatesede, voltou a ser invadida.
“ exatamente um ano após autoridades federais terem cumprido
a ordem judicial que determinava que todos os não índios
deixassem voluntariamente ou fossem retirados do interior da
T.I. Marãiwatsede um grupo de pessoas voltou a ocupar
irregularmente a área. A retirada dos invasores foi concluída no
final de janeiro de 2013”. (Agencia Brasil, 29/01/2014)
2 A instrução normativa do ministério da agricultura e pecuária, a IN n.2, 2008, regulariza que a
pulverização de agrotóxicos por avião deve respeitar 500 metros de distancia de nascentes de águas, onde
vivam populações, mas em geral não é respeitado como o caso de Maraiwatsede. (ISA).
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Considerações finais
Neste breve histórico relaciona-se os conflitos pela terra e a degradação
ambiental aos problemas de saúde advindos. Desde a época da transferência da
população de Marãiwatsede para a terra indígena São Marcos na década de 1960, onde
muitos morreram de sarampo até os problemas atuais com as doenças vinculadas à falta
de saneamento básico, vindos com a sedentarização das aldeias, a desnutrição
decorrente da falta de segurança alimentar e a contaminação da água por agrotóxicos,
são todos conseqüências da restrição territorial e do desrespeito a que estão submetidos
os Xavante de Marãiwatsede.
Finalizamos lembrando que todas as Terras Indígenas Xavante foram
demarcadas em meio a intensos conflitos, e numerosas vezes foram reivindicadas
revisões dos limites, que por vezes resultaram em decretos de demarcação, no entanto
seu território encontra-se fragmentado e ilhado. Mas, mesmo cercados pelos “brancos-
waradzu”, os Xavante numa incrível resistência, ainda tentam sustentar a sua
cosmologia e as representações de mundo e se manter enquanto um Povo.
Referencias
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desmatamento em 2012-2013. Belém. Instituto do homem e meio ambiente da
Amazônia, IMAZON. 2013.
CARRARA, Eduardo. Relatório do Diagnostico Antropológico da EIA: Hidrovia
Araguaia-Tocantins (trecho do rio das Mortes),(quatro mapas). Dezembro,1997.
_________________ Tsi Tewara um vôo sobre o cerrado Xavante. Dissertação de
Mestrado. FFLCH, Departamento de Antropologia / USP, São Paulo: FFLCH, 1997.
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FUNAI, Relatório de Identificação, Terra Indígena Marãiwatsede. Depto. de Assuntos
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13
HAESBAERT, Rogério – O Mito da Desterritorilização : do "fim dos territórios" à
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LOPES DA SILVA, Aracy. Dois séculos e meio de História Xavante In: Cunha,
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Escola Nacional de Saúde Pública Centro de Estudos em Saúde do Índio de Rondônia
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Diversidade socio –histórica , demografia e saúde dos Xavante de Mato Grosso (1999-
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SOUZA, Luciene Guimarães de; CAMARGO,Paulo S.; SANTOS, Ricardo V.- Analise
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SIASI ,DSEI Xavante de Mato Grosso , 1999-2004