Terra Livre 26

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TERRA LIVRE TERRA LIVRE TERRA LIVRE TERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL BOLETIM Nº 26 NOVEMBRO DE 2010 - Alice Moderno (1867-1946) - uma singela homenagem - Manifesto “Em Defesa do Animal” - Ética Libertária Interdependente - A agroenergia serve à vida ou ao capital? - O Ecologismo não tem nada a dizer sobre a greve geral?

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Boletim do CAES

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TERRA LIVRETERRA LIVRETERRA LIVRETERRA LIVRE PARA A CRIAÇÃO DE UM COLECTIVO AÇORIANO DE ECOLOGIA SOCIAL

BOLETIM Nº 26 NOVEMBRO DE 2010

- Alice Moderno (1867-1946) - uma singela homenagem

- Manifesto “Em Defesa do Animal”

- Ética Libertária Interdependente - A agroenergia serve à vida ou ao capital?

- O Ecologismo não tem nada a dizer sobre a greve geral?

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FERNANDO PEREIRA MORTO À BOMBA PELO ESTADO FRANCÊS HÁ 25 A

“Lembra-te sempre que ao

maltratares um animal vais ferir

a tua própria dignidade” (Alice

Moderno)

Hoje, 5 de Outubro de 2010, quando se

comemoram 100 anos de implantação

da República, aproveitamos o dia para

prestar uma singela homenagem a

Alice Moderno.

Mas quem foi Alice Moderna para que

estejamos, aqui, a recordá-la?

Para além da sua actividade de

jornalista, escritora, agricultora e

comerciante, Alice Moderno foi uma

mulher que pugnou pelos seus ideais

republicanos e feministas, sendo uma

defensora da natureza e amiga dos

animais.

Como precursora dos actuais

movimentos de defesa do ambiente, de

que muitos de nós somos membros,

Alice Moderno, no início da segunda

década do século passado, já pensava

que uma árvore de pé poderia ter mais

valor do que abatida. Vejamos o que

dizia a propósito:

“Plantar árvores é não só amar a

natureza. Mas ainda ser previdente

quanto ao futuro, e generoso para

com as gerações vindouras. Cortá-

las ou arrancá-las a esmo, sem um

motivo justo, é praticar um acto de

selvajaria”(A Folha, 16/2/1913).

“A árvore é confidente discreta dos

namorados e a desvelada

protectora dos pássaros – esses

poetas do ar. A árvore é a maior

riqueza da gleba, o maior tesouro

dos campos e o maior encanto da

paisagem!” (A Folha, 15/3/1914).

Como amiga dos animais, Alice Moderno

foi mais sobretudo uma mulher de acção.

Com efeito, embora fundada em 1911, a

Sociedade Micaelense Protectora dos

Animais esteve quase inactiva até 1914,

data em que Alice Moderno assumiu a sua

presidência. Durante a presidência de Alice

Moderno, foram criadas as condições para o

funcionamento da SMPA, como a aquisição

de uma sede e de mobiliário e foram

tomadas medidas conducentes a acabar com

os maus tratos que eram alvo os animais

Alice Moderno (1867-1946) - uma singela homenagem

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usados no transporte de cargas diversas,

nomeadamente os que transportavam

beterraba para a fábrica do açúcar, e para a

educação dos mais novos através do envio

de uma comunicação aos professores

“pedindo-lhes para que, mensalmente,

façam uma prelecção aos seus alunos,

incutindo no espírito dos mesmos a

bondade para com os animais, que não é

mais do que um coeficiente da bondade

universal”.

Mas, Alice Moderno não se preocupava

apenas com os animais de tiro, pois

uma das suas preocupações foi a

criação de um posto veterinário para

tratamento de todos os animais. A

propósito dizia ela:

“Caridade não é apenas a que se

exerce de homem para homem: é a

que abrange todos os seres da

Criação, visto que a sua qualidade

de inferiores não lhes tira o direito

aos mesmos sentimentos de

piedade e de justiça que

prodigalizamos aos nossos

semelhantes”.

A evolução da sociedade fez com que

quase desaparecessem os problemas

associados ao transporte de cargas.

Hoje toda a nossa atenção deverá recair

sobretudo sobre o abandono de animais

domésticos, o tratamento dado aos

animais de produção e ao retrocesso

civilizacional que se está a assistir com

a tentativa de introduzir touradas onde

não são tradição e de agravar a tortura

dos touros bravos, com a legalização da

sorte de varas e touros de morte.

Alice Moderno, também não foi

indiferente às touradas. Foi convidada e

assistiu contrariada a uma tourada, na

ilha Terceira, e não ousou comunicar

aos seus amigos, considerando-os

“semi-espanhóis no capítulo de los

toros”, o que pensava pois, escreveu

ela, “não compreenderiam decerto a

minha excessiva sentimentalidade”.

Na sua carta XIX, referindo-se à

tourada a que assistiu escreveu o

seguinte:

“É ele [cavalo], não tenho pejo de o

confessar, que absorve toda a minha

simpatia e para o qual voam os meus

melhores desejos. Pobre animal, ser

incompleto, irmão nosso inferior,

serviu o homem com toda a sua

dedicação e com toda a sua lealdade,

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consumindo em seu proveito todas

as suas forças e toda a sua

inteligência! (…) Agora, porém, no

fim da vida, é posto à margem e

alugado a preço ínfimo, para ir

servir de alvo às pontas de uma fera,

da qual nem pode fugir, visto que

tem os olhos vendados!”

“E esta fera [touro], pobre animal,

também, foi arrancada ao sossego do

seu pasto, para ir servir de

divertimento a uma multidão ociosa e

cruel, em cujo número me incluo!

(…) Entrará assim em várias toiradas,

em que será barbaramente farpeada

até que, enfurecida, ensanguentada,

ludibriada, injuriada, procurará

vingar-se, arremessando-se sobre o

adversário que a desafia e fere.

Depois de reconhecida como

matreira, tornada velhaca pelo

convívio do homem, será mutilada”.

Que o exemplo de Alice Moderno

nos dê forças para os combates em

que estamos envolvidos, por uma

terra mais limpa, justa e pacífica.

Ponta Delgada, 5 de Outubro de

2010

Teófilo Braga

I/FOTECA

“ALICE MODER/O”

Este site tem por objectivo apoiar

todos os amigos dos animais na sua

luta por uma sociedade onde todos

sejam respeitados, através da

disponibilização de documentação

diversa. É também uma homenagem à

pioneira da defesa dos animais, nos

Açores, Alice Moderno.

https://sites.google.com/si

te/infotecaalicemoderno/

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Desde 1930, em vários países do mundo,

o dia 4 de Outubro é dedicado aos

animais. Neste dia, são homenageados os

nossos amigos animais que, infelizmente,

continuam, ainda hoje, a ser

desrespeitados por muitos humanos e

nalguns casos por entidades públicas que

deveriam dar o exemplo à restante

sociedade.

Hoje, 4 de Outubro de 2010, o grupo de

pessoas individuais e colectivas manifesta

a sua preocupação relativamente as

seguintes problemas e situações de maus

tratos aos animais ao seguinte:

1- Abate de animais domésticos. Todos os

anos ultrapassa largamente um milhar o

número de animais de companhia (cães e

gatos) que são abandonados, acabando

na sua maioria por serem abatidos nos

canis municipais ou atropelados nas

estradas. O esforço que é feito pelas

associações de protecção dos animais,

que se debatem com faltas de meios e de

apoios públicos, acaba por ser inglório

pois através dele só uma pequena parte

dos animais abandonados consegue um

novo lar.

Não estando de acordo com a política

seguida actualmente para combater o

abandono que tem por principal pilar os

abates, pois até hoje não tem resolvido

nada, consideramos necessário que a

nível regional seja lançada uma campanha

de esterilização com vista a adequar o

número de animais de companhia ao

número efectivo de donos capazes de

cuidar deles de forma responsável;

2- Promoção pública da tortura animal. Ao

longo dos séculos da história dos Açores,

a tauromaquia tem sofrido uma evolução

no sentido da diminuição dos maus tratos

aos touros, não constituindo qualquer

tradição na maioria das nossas ilhas. Em

2009, contrariando a evolução que se

assiste a nível internacional, onde aquela

actividade é cada vez mais repudiada, e

ao arrepio dos ensinamentos da própria

história insular, um grupo de deputados

pretendeu legalizar a sorte de varas.

Gorada a sua intenção, a minoria de

industriais que aposta no incremento da

tortura animal, tenta ganhar adeptos

sobretudo em São Miguel, tendo

conseguido promover algumas touradas à

corda com a colaboração sobretudo de

autarquias e de comissões de festas de

cariz religioso.

Manifesto “Em Defesa do Animal”

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Considerando que as touradas, qualquer

que seja o seu tipo, em nada contribuem

para educar os cidadãos e as cidadãs para

o respeito aos animais, para além de

causarem maus tratos aos mesmos e

porem em risco a vida das pessoas, não

podemos admitir a na sua realização

sejam usados dinheiros públicos;

3- Mortalidade provocada na fauna

selvagem. O cagarro é uma ave oceânica

que vem a terra apenas durante a época

de reprodução. Este período decorre entre

Março e Outubro, altura em que as crias já

suficientemente desenvolvidas partem

com os seus progenitores em direcção ao

mar, dispersando-se pelo Oceano

Atlântico e regressando apenas no

próximo ano. Realizando-se a sua partida

de noite, muitas crias são atraídas pelas

luzes das nossas vilas e cidades,

acabando por cair em terra e ser

frequentemente atropeladas se não forem

ajudadas.

Considerando a importância que o

salvamento do maior número de cagarros

tem para a conservação da natureza e o

respeito pelos animais, apelamos à

participação de todos nas campanhas que

ainda este mês serão postas em marcha

pelas mais diversas entidades,

nomeadamente pelas organizações não

governamentais de ambiente.

4- Cativeiro de animais não domésticos. A

criação de parques zoológicos nos séculos

passados respondia ao propósito de

mostrar ao público uma colecção de

animais exóticos que de outra maneira

nunca seriam vistos nem conhecidos. Na

actualidade isto deixou de fazer qualquer

sentido. Agora as leis exigem

obrigatoriamente aos parques a realização

de programas de conservação, educação

ambiental e bem-estar animal. Como

consequência disto, nos Açores têm vindo

a ser fechados núcleos zoológicos que

incumpriam estas exigências. No entanto,

ainda continua a existir um núcleo

zoológico na Vila da Povoação (São

Miguel).

Apesar do referido parque encontrar-se já

embargado pelas autoridades e apesar de

ser de titularidade pública, o recinto

continua ainda hoje aberto ao público.

Pelo manifesto desrespeito às leis e aos

animais, consideramos que o parque deve

ser imediatamente fechado e os animais

conduzidos a umas instalações

apropriadas que garantam o seu bem-

estar.

5- Modelos intensivos de produção animal.

A exploração agrícola de animais constitui

historicamente um importante sector

económico nas nossas ilhas. Se bem que

os relatos de maus tratos a estes animais

têm vindo a diminuir nas últimas décadas,

evidenciando uma notável evolução da

sociedade, subsistem ainda bastantes

situações penosas. Para além disso, a

introdução de técnicas de produção

intensiva tem vindo a piorar as condições

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de vida de muitos deles, limitando a sua

vida ao reduzido espaço duma gaiola.

Tendo em conta a imagem de proximidade

à natureza que tanto caracteriza os Açores

no exterior, consideramos que se deve

reforçar o modelo tradicional de criação de

animais, modelo que garante sempre a

mais alta qualidade. Devem também ser

criadas e publicitadas novas formas de

certificação nas explorações que valorizem

devidamente ante o consumidor os seus

níveis de qualidade ambiental, alimentar e

de respeito pelo bem-estar animal.

6- Falta de respeito com a vida animal.

Numa sociedade em que tudo se compra e

se vende, os animais são tratados muitas

vezes como simples mercadorias e

rebaixados à categoria de simples

objectos. Só uns poucos animais

domésticos conseguem as vezes escapar

a esta visão. Na realidade, como já foi

demonstrado pela ciência há longos anos,

os animais são os irmãos com os quais o

homem comparte a natureza. O

desrespeito para com os animais é

também o desrespeito para com os

homens, como partes integrantes da

mesma natureza.

Consideramos que o tratamento legal

dado aos animais deve fugir da visão

redutora que os converte em simples

objectos. A nossa sociedade deve evoluir

para padrões éticos nos quais os animais

sejam respeitados em conformidade com a

Declaração Universal dos Direitos dos

Animais.

Açores, 4 de Outubro de 2010

Subscritores colectivos:

Grupo pelo Bem-Estar Animal, Amigos dos

Açores – Associação Ecológica

CADEP-CN (Clube dos Amigos e

Defensores do Património - Cultural e

Natural de Santa Maria)

APA - Associação Açoriana de Protecção

dos Animais

Amigos da Caldeira de Santo Cristo, Ilha

de São Jorge

Gê-Questa - Associação de Defesa do

Ambiente

CAES- Colectivo Açoriano de Ecologia

Social

(Este manifesto foi assinado, também , por

mais de 150 cidadãos a título individual)

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Ecoveganismo – Dennis Zagha Bluwol 16 de maio de 2010

Apresentação

Uma idéia é cada vez mais comum em

nossa sociedade: a necessidade ética de

se relacionar com os animais não

humanos como indivíduos merecedores

de liberdade e respeito. Conviver com

eles não como mercadorias ou

instrumentos para as vontades

humanas, mas como seres merecedores

do mesmo direito que nós a viver suas

vidas de acordo com seus interesses.

Estas reflexões éticas sobre nossas

relações com animais de outras

espécies baseiam-se na idéia de que há

um especismo em nossa mentalidade

padrão. Ou seja: do mesmo modo que

muitos são sexistas (crêem que o sexo

de um indivíduo o faz mais ou menos

digno de respeito) ou racistas (crêem

que a raça ou etnia de alguém o faz

mais ou menos digno de respeito),

nossa moralidade padrão crê que

membros da espécie humana são, por

definição, mais dignos de respeito do

que membros de outras espécies.

O conjunto de ações cujo objetivo é

(tentar) viver a vida rompendo com

práticas especistas costuma ser

chamado de Veganismo (e a pessoa que

assume isto como uma forma de vida,

de vegano ou vegana). Veganismo é

algo como um princípio que pode ser

expresso racionalmente de várias

formas, como esta: achamos errado

tratar um ser senciente de qualquer

espécie como propriedade e, portanto,

tratá-lo do modo como nós, humanos,

achamos que devemos tratá-los, de

acordo com nossos próprios interesses.

Deste princípio, ou de algo com este

espírito, muitas conclusões e práticas

diferentes podem derivar.

Tenho a impressão de que este

princípio vegano, ainda que possa ser

expresso assim, organizado

racionalmente, não nasce já assim,

racionalizado. Nasce mais no âmbito

do sentir, do saber o que é o

sofrimento, a tortura, o cárcere, a

sensação de ser explorado e

escravizado e entender que outros

Ética Libertária Interdependente

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animais, que possuem em comum

conosco a sensibilidade e consciência

de seus mundos (são sencientes),

também não devem ser alvos de

imposição de sofrimento, tortura,

cárcere, exploração, escravização, etc.

Deste reconhecimento, princípios vão

sendo sempre retrabalhados pela razão,

gerando novos sentimentos e novas

racionalidades. E estes argumentos

racionais, ao serem transmitidos para

outras pessoas, só tornam-se novas

práticas em cada indivíduo quando

conseguem tocar e modificar

sentimentos e sensibilidades.

De qualquer maneira, a questão é que

se a mentalidade vegana estiver

presente em uma pessoa, muitas

atitudes diferentes poderão decorrer.

Algumas atitudes são já mais notórias

socialmente – ao menos entre a

população vegana e simpatizantes: as

discussões e ações do direito animal, as

discussões éticas na filosofia, a crítica à

vivissecção, o vegetarianismo, a crítica

ao uso de animais em circos, rodeios,

etc.

Porém, ainda podemos ir além e

questionar outras práticas que tratam os

outros animais como não dignos de

valor e respeito, causando-lhes

sofrimento, tortura, morte, necessidade

de fuga, destruição de seus locais de

residência, de busca por comida,

companhia e reprodução. Cabe criticar,

portanto, ações que tratam o planeta

como propriedade exclusiva dos

humanos (de alguns humanos mais do

que dos outros).

A crítica a esta posição pode levar a

uma vontade de ruptura radical com as

próprias bases disto que chamamos de

civilização . De qualquer forma, o que

pode ser feito já hoje? O que pode ser

construído para o futuro?

A seguir, aponto algumas

possibilidades de ampliação da

mentalidade vegana. São discussões

que às vezes são colocadas como

periféricas às preocupações centrais do

Veganismo: a questão ecológica, a

questão da saúde humana e a questão

da exploração dos próprios humanos. A

idéia é desconstruir as barreiras entre

ética, questão ambiental, saúde,

economia e política, tentando

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compreender o mundo e o Veganismo

de modo interdependente e

ecossistêmico.

Trata-se, assim, de certa autocrítica ao

Veganismo (o que não se trata de negá-

lo) e aos modos de agir dos

movimentos veganos.

Ecoveganismo

Um caminho de fundamental

importância é a aproximação do

Veganismo com as discussões

ambientalistas (e suas implicações

políticas, econômicas, culturais). É

pensar o Veganismo não apenas como

uma opção de consumo – o que apenas

possui poder transformador até certo

nível -, mas, principalmente, como a

construção de outros modos de viver e

se relacionar; a construção de outras

culturas, de outras formas de estar

inserido no todo, de fazer parte da

natureza.

Muito da idéia que embasa o

Veganismo e as teorias sobre direitos

dos animais vem do fato de que os

animais são seres sencientes e,

portanto, indivíduos merecedores de

respeito individual. O Veganismo é

assim uma quebra com a idéia de

ecologia pautada apenas nas espécies e

ecossistemas, onde o que importa é o

número de indivíduos, a

“sobrevivência” da espécie, a

exploração controlada da natureza.

Assim como não pensamos deste modo

em relação aos humanos, não devemos

pensar assim em relação aos outros

animais. A questão principal não é se

há ainda espécimes vivos de uma

espécie ou se o número de seres mortos

em um ano está dentro dos parâmetros

legais para a manutenção da existência

da espécie. Cada indivíduo deve ser

respeitado como tal.

Respeitar os ecossistemas é tão

fundamental quanto respeitar os

indivíduos. A própria oposição entre os

dois já é problemática. Não há respeito

a um sem respeito ao outro, pois são a

mesma coisa. Todos os indivíduos da

natureza dependem, para sobrevivência

própria, das inúmeras relações

ecossistêmicas nas quais está inserido.

A vida é um infinito conjunto de

relações, que devem ser respeitadas

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tanto quanto o direito de cada ser de

viver em liberdade de acordo com seus

próprios interesses (mesmo que sejam

interesses da espécie toda). E mais: o

“todo”, a “natureza”, não é algo que

exista em si, como um ser autônomo. É

o resultado da união dos seres e

fenômenos individuais. “Natureza” é

uma abstração humana.

É preciso pensar, então, naquilo que é,

certamente, altamente prejudicial – ou

melhor, destrutivo – aos ecossistemas e

toda vida que há neles. Exemplos

muito comuns: exploração de matéria-

prima em escala industrial; criação de

substâncias sintéticas, tóxicas,

cancerígenas, poluentes; uma cultura

fundada na petroquímica; agrotóxicos;

mega-máquinas agropecuárias;

agropecuária; pecuária; monocultura;

alimentação industrial; medicação

industrial para doenças industriais;

excreção de excrementos com toxinas,

hormônios, medicamentos, resíduos de

plásticos, antidepressivos,

anticoncepcionais, substâncias

sintéticas, substâncias petroquímicas…

A lista poderia ser ainda muito mais

longa.

Estas coisas são tão violentas com os

animais e com toda a vida quanto

outras violências contra as quais o

Veganismo já se opõe. Talvez pareça

loucura querer ampliar a prática vegana

neste momento, se pensarmos que nem

o que já se propõe é ainda bem

recebido socialmente, quanto mais

romper com os próprios paradigmas

desta civilização, cujo pilar é a crença

que toda a natureza está aí apenas para

servir aos interesses humanos e pode

ser modificada tanto quanto quisermos

para servir melhor aos nossos

interesses. Pode ser loucura, passos

maiores do que as pernas, mas também

pode ser o oposto: só com um

rompimento mais profundo e o

exemplo de que é possível viver de

forma melhor em outros modelos de

mundo é que mais pessoas perceberão

que a vida pode ser muito mais digna

para todos, independentemente da

espécie.

Não há grandes mudanças fáceis. Mas

por mais complicadas que essas

mudanças radicais possam ser, creio

serem menos complicadas e muito mais

Page 12: Terra Livre 26

dignas do que nossas inacabáveis

jornadas de trabalho, circulação urbana,

contas, impostos, anos de educação

para o mercado, má alimentação,

péssima saúde, nervosismo, angústia,

solidão, dificuldade de concentração,

dificuldade de convivência, entre

outras características deprimentes da

sociedade do trabalho e da distância em

relação à produção e ao consumo de

alimentos e moradia. de alimentos e

moradia.

É preciso radicalizar as transformações

nas relações humanas com o resto da

natureza. Ir além do veganismo de

consumo: questionar o uso de produtos

industrializados que utilizam grandes

quantidades de embalagens, de

ingredientes advindos da indústria

petroquímica, de químicos sintéticos,

de toxinas, etc. Estes podem até serem

feitos apenas de produtos vegetais e

sintéticos e não serem responsáveis

pela morte de um animal específico,

porém são responsáveis pela destruição

de ecossistemas inteiros: de oceanos,

florestas, rios, atmosfera, etc. E, claro,

de um número incontável de animais.

É preciso questionar também as fontes

de produtos vegetais, geralmente

grandes monoculturas com alto uso de

agrotóxicos que destroem ecossistemas

e espécies nativas inteiras mundo afora

e ainda gera pobreza e desigualdade.

Será que nossa vida urbana, onde o

máximo de opção que possuímos é

escolher qual produto industrial

queremos comprar abre espaço para

uma real relação respeitosa com o resto

da natureza, inclusive com os outros

animais?

É importante que além de não consumir

produtos advindos da exploração direta

de animais, haja a preocupação também

com os danos ecológicos e

ecossistêmicos de cada ato. Algo difícil

de realizar neste modo de vida ao qual

fomos ensinados a viver, com estes

modelos de urbanidade, com nossa

cultura de consumo, controle e

massificação. Mas necessário. O que

fazer então? Outros mundos fazem-se

necessários. Serão ainda possíveis?

Page 13: Terra Livre 26

Saúde vegana

É muito comum nas reflexões da

chamada ética animal entender que o

Veganismo é uma questão ética que diz

respeito apenas a nossa relação com

outros animais, não com o como

cuidamos de nosso próprio corpo. Mas

será que há mesmo, do ponto de vista

ecossistêmico, esta oposição? Respeitar

outro ser independe do quanto você

respeita a si mesmo? Respeitar a si

mesmo independe de quanto você

respeita outro ser? Há uma relação

entre o que come e como percebe,

pensa e vive o mundo?

Alimentação saudável é uma questão

ecológica – interna e externa; é a opção

de como nos conectaremos nas cadeias

alimentares. Optar envolve

consciência, pensamento, coragem, fé,

aposta. Não é algo óbvio. Daí nossa

necessária reflexão ética.

A alimentação padrão da humanidade

urbanizada contemporânea depende de

extração de matéria-prima em escala

industrial, monoculturas, latifúndios,

agrotóxicos, gera uma quantidade

enorme de lixo industrial altamente

poluente, empesteia os solos, águas e

ares com produtos químicos, tóxicos,

sintéticos, gera péssima saúde em

pessoas que passam a usar

medicamentos que poluem ainda mais,

gera excrementos humanos

contaminados indo para solos, águas e

ares, expulsa os animais das áreas de

plantio e extração de matéria prima,

poluem os outros lugares, pois a

poluição percorre por águas e ares todo

o planeta, etc. Ou seja, a preocupação

com o que comer é central nas

preocupações ecoveganas acima

apontadas. Alimentação ética, para

mim, vai além de conter ou não

ingredientes de origem animal.

Page 14: Terra Livre 26

É urgente que pensemos e coloquemos

em prática formas diferentes de

produzir e consumir nossa comida,

tanto quanto é urgente pensar no que

devemos ou não ingerir . Saber

escolher entre o que é alimento e o que

é apenas mastigável, saber como e por

quem nosso alimento é produzido. Não

há como justificar que o alimento que

mantém a vida de um necessite destruir

a vida e a qualidade da vida de muitos.

Precisamos de um padrão alimentar

que respeite ao máximo todas as

formas de vida. Inclusive nós mesmos.

Uma discussão, ainda no que se refere

ao padrão alimentar, é a clara relação

entre o que se come e como se percebe

o mundo. Entre alimentação e

vitalidade, concentração, saúde.

“Alimentos” que diminuem vitalidade,

energia e concentração são obstáculos à

compreensão e transformação do

mundo em que vivemos. Ainda, geram

doenças que tiram as pessoas de

circulação ou a atrapalham. Proponho a

tentativa de abandono de alimentos

industriais, processados, refinados,

sintéticos, e verão por si mesmos o que

muda em vossos corpos e mentes. É

uma mudança incrível para os

indivíduos e, ao mesmo tempo, em

nossa relação com todos os outros seres

que dividem o planeta conosco e

possuem o direito de continuar

vivendo, se alimentando, se

locomovendo, se reproduzindo tanto

quanto nós mesmos, em ambientes

decentes, limpos e diversos.

Libertação animal, libertação

humana

A libertação dos animais das amarras

criadas para eles pelos humanos é tão

importante quanto a libertação dos

humanos de suas próprias amarras.

Ambas são injustiças, violências

desnecessárias baseadas em

preconceitos e discriminações onde

membros de um grupo crêem que

possuem o direito de subjugar os

membros de outro grupo: humano-

animal, homem-mulher, heterossexual-

homossexual, branco-negro, rico-

pobre, burguês-proletário, europeu-

africano, etc.

Page 15: Terra Livre 26

A humanidade sente-se no direito de

explorar os animais para seus próprios

fins e para gerar sua própria riqueza

material, assim como os ricos e donos

dos meios de produção (burguesia)

sentem-se no direito de explorar os

pobres e proletários para seus próprios

fins e para gerar sua própria riqueza

material. Ou seja, uma parte da

humanidade sente-se como elite social

com direito de explorar o resto da

espécie, assim como a espécie humana

sente-se como elite do planeta com o

direito de explorar o resto da natureza.

As preocupações com a exploração de

humanos e de suas forças de trabalho,

de seus tempos de vida, de suas

dedicações para si mesmos e para

aquilo que lhes interessam devem fazer

parte das preocupações de um mundo

baseado no respeito e na liberdade

tanto quanto as preocupações com a

exploração dos outros animais.

Se o ser humano é também um animal

com direito à liberdade, a exploração

de seu trabalho deve ser questionada

pelos movimentos e idéias de

libertação animal. O Veganismo torna-

se político, econômico, ecológico,

social. Assim, as idéias trazidas pelo

veganismo se mostram de natureza

muito mais ampla. São partes de um

processo de ruptura radical com uma

sociedade baseada na injustiça, na

propriedade, na exploração.

É preciso, portanto, transformar os

nomes “libertação animal” e

“libertação humana” em reais práticas

libertárias.

Fonte:

http://www.anda.jor.br/2010/05/16/am

pliando-a-pratica-vegana-

ecoveganismo/

Page 16: Terra Livre 26

Leonardo Boff

No artigo anterior abordamos a energia

como um dos maiores enigmas do

universo, especialmente, a Energia de

Fundo que sustenta o cosmos e cada ser.

Agora concentramo-nos na agroenergia, a

mais saudada nos dias atuais por causa da

crescente exaustão da matriz energética

fóssil. Ela é vista como uma espécie de

Arca de Noé salvadora do atual sistema.

Naturalmente, a energia, pouco importa

seu tipo, é imprescindível para tudo,

particularmente é o motor da economia de

mercado e serve para todas as civilizações.

Quem quiser ter um apanhado bem

fundado do tema numa perspectiva global,

passando pelos países produtores e

analisando os principais agrocombustíveis

e, em geral, a bioenergia, deve ler o livro,

de François Houtart, A agroenergia:

Solução para o clima ou saida da crise para

o capital? (Voz es 2010). O autor,

sociólogo belga, muito conhecido em todo

o Terceiro Mundo por ter criado em

Louvain um centro tricontinental onde

forma quadros da melhor qualidade, vindos

do Grande Sul, para atuarem de forma

tansformadora em seus respectivos países,

entre eles muitos brasileiros. É um dos

fundadores e animadores do Forum Social

Mundial.

A utilização de energias renováveis

obedece a dois imperativos: 1), a curta

longevidade do petróleo, cerca de 40 anos;

do gás, 60; e 200 para o carvão; 2) a

salvaguarda do meio ambiente e o controle

do aquecimento global que, descuidado,

pode pôr em risco toda a civilização.

Mesmo assim, um substituto à energia

fóssil não é ainda, a médio prazo,

alcançável. A agroenergia representará em

2012 apenas 2% do consumo global e

poderá chegar a 7% em 2030, supondo a

utilização do conjunto das terras

agricultáveis da Austrália, da Nova

Zelândia, do Japão e da Coreia do Sul. Se

fossem utilizadas todas as superfícies

produtivas da Terra, elas alcançariam o

equivalente ao petróleo que é um bilhão e

400 bilhões de barris/ dia. Ora, as

demandas atuais se elevam a 3 bilhões e

500 milhões, tendendo a subir. Aqui

emerge um impasse sistêmico. Tal fato

obrigaria a pensar num outro modo de

produção e de consumo, menos

energívoro.

Se houvesse sentido de futuro coletivo,

compaixão para com a humanidade

sofredora, grande parte dela submetida à

fome, à escassez de água potável e a todo

tipo de enfermidade, e se predominasse o

cuidado para com a Mãe Terra contra a

qual movemos guerra total no solo, no

subsolo, nos ares, nos rios e nos oceanos,

refletiríamos seriamente como encontrar

um modo de habitar o planeta com mais

A agroenergia serve à vida ou ao capital?

Page 17: Terra Livre 26

sinergia com os ritmos da natureza, com

responsabilidade coletiva pela inclusão de

todos e com benevolência para com a

comunidadede vida. Agora seria a grande

ocasião. Mas nos falta sabedoria, e ainda

acreditamos nas possibilidades ilusórias do

desastroso sistema capitalista que nos

levou ao impasse atual.

O drama que envolve as energias

alternativas reside no fato de que elas

foram sequestradas pela lógica do capital.

Este visa lucro crescente e nunca toma em

consideração as externalidades que não

entram no cálculo econômico (como a

degradação da natureza, a poluição do ar, o

aquecimento global, o crescimento da

pobreza). Elas somente serão tomadas a

sério quando forem tão negativas a ponto

de prejudicarem as taxas de lucro do

capital. Por isso, não nos enganemos com

as empresas que alardeiam o caráter verde

de sua produção. O verde vale desde que

não afete os lucros nem diminua a

capacidade de concorrência.

Importa dizer com todas as palavras: a

busca de energias alternativas limpas não

intenciona forjar formas de salvar o gênero

humano e suas capacidades vitais mas visa

a preservar a sorte do sistema do capital

com sua lógica do ganha-perde.

Ora, esse sistema, com flexibilidade e

adaptação espantosas, é capaz de produzir

ilimitados bens e serviços mas sempre à

custa da dominação da natureza e da

criação de perversas desigualdades sociais.

Hoje, ele está encostando nos limites da

Terra, cujos recursos estão se extenuando.

Está realizando a profecia de Marx,

segundo a qual ele iria destruir as duas

fontes de sua riqueza: a natureza e o

trabalho. Ora, estamos assistindo

exatamente ao cumprimento desta sinistra

profecia.

A agroenergia não pode estar a serviço da

reanimação de um moribundo mas deve

reforçar a vida que demanda outro tipo de

produção e de relação não destrutiva para

com a natureza. O tempo para isso é

urgente, para não chegarmos atrasados.

Fonte: Jornal do Brasil

Extraído de:

http://www.diarioliberdade.org/index.php?

option=com_content&view=article&id=72

99:a-agroenergia-serve-a-vida-ou-ao-

capital&catid=100:outras-

vozes&Itemid=21

Page 18: Terra Livre 26

As duas centrais sindicais portuguesas, CGTP e UGT, convocaram para o próximo dia 24 de Novembro uma greve geral de protesto contra as medidas anti-sociais tomadas pelo governo nacional, com reflexos na Região Autónoma dos Açores que se traduzem no aumento das desigualdades sociais, em cortes nos apoios sociais, no roubo nos vencimentos de uma parte os funcionários públicos, na supressão de direitos laborais, no aumento do desemprego, etc.

À crise económica e social que atravessamos está associada uma crise ambiental, que é resultado da utilização dos recursos acima dos limites da Terra, no desperdício dos recursos básicos quer materiais, quer energéticos, na contaminação do ar e da água, etc., de que serão sinais a perda da biodiversidade e as alterações climáticas.

A crise económica, social e ambiental resulta do sistema económico vigente que está a exigir dos mais pobres e desfavorecidos mais sacrifícios a fim de satisfazer as exigências dos mercados.

Para ultrapassarmos a situação actual, há a necessidade de se acabar com os discursos vazios de conteúdo e colocar o ambiental e o social com um peso que não seja inferior ao económico.

Assim, não podemos estar de acordo com a forma como os governantes e outros capatazes do sistema pretendem sair da crise. Não aceitamos um recuo a políticas laborais que nos fazem lembrar as do século XIX (precariedade no trabalho, batalhões de desempregados, trabalho mal remunerado, etc.). Repudiamos, também, politicas ambientais que menosprezem as questões ambientais e em que a prioridade é dada ao moledo económico vigente que serve apenas os interesses de uma minoria.

Embora não concordando com as políticas seguidas pelos governos e discordando das burocracias sindicais e dos aparelhos partidários, os movimentos ecologistas e de defesa do ambiente não podem ficar à margem desta problemática e da necessidade de mobilização em defesa de um outro modelo económico e de outras políticas. Por isso, manifesto o meu apoio à convocatória da Greve Geral.

8 de Outubro de 2010

T. B.

(*) Baseado num texto de Ecologistas en Accion

O Ecologismo não tem nada a dizer sobre a greve geral? (*)