Terra Sólida a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política...

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro Centro de Ciências sociais INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA LINHA DE PESQUISA: HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS DISSERTAÇÃO DE MESTRADO TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco Renato Amado Peixoto Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-graduação em História, Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em História. Orientador: Prof. Drª Mônica Leite Lessa. Rio de Janeiro Maio de 2000

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Barão do Rio Branco; Geopolítica brasileira; política externa do Goverbno Castelo Branco

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Ciências sociais

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

LINHA DE PESQUISA: HISTÓRIA DAS RELAÇÕES INTERNACIONAIS

DISSERTAÇÃO DE MESTRADO

TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica

brasileira e da Escola Superior de Guerra na política

externa do Governo Castello Branco

Renato Amado Peixoto

Dissertação de Mestrado apresentada ao

Programa de Pós-graduação em História,

Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, da

Universidade do Estado do Rio de Janeiro,

como parte dos requisitos necessários à

obtenção do título de Mestre em História.

Orientador: Prof. Drª Mônica Leite Lessa.

Rio de Janeiro

Maio de 2000

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

INSTITUTO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS HUMANAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

A dissertação “Terra Sólida: A Influência da Geopolítica Brasileira e da Escola

Superior de Guerra na Política Externa do governo Castelo Branco”, de autoria de

Renato Amado Peixoto foi defendida e aprovada no dia 31 de maio de 2000 diante da

Banca Examinadora composta pelos seguintes membros: Profª. Drª Mônica Leite Lessa

(orientadora), Profª Drª Maria Celina D'Araújo e Profª Drª Lená Medeiros de Menezes.

_____________________________________

Profª. Drª Mônica Leite Lessa/UERJ

_____________________________________

Profª Drª Maria Celina D'Araújo/UFF

_____________________________________

Profª Drª Lená Medeiros de Menezes/UFRJ

Rio de Janeiro, 31 de Maio de 2000

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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AGRADECIMENTOS:

Desejo agradecer primeiramente a Profª. Dr.ª Lúcia Maria Paschoal Guimarães

pelo incentivo que me foi dado e a minha orientadora, Profª. Dr.ª Mônica Leite Lessa,

pela paciência que me devotou. Quero também agradecer ao Prof. Dr. Carlos Alvarez

Maia pela amizade e pelas contribuições que seu curso deu a este trabalho e à Banca de

Qualificação composta pelo Prof. Dr. Antônio Carlos Peixoto, pela Profª. Dr.ª Míriam

Gomes Saraiva e pela Profª. Dr.ª Lená Medeiros de Menezes por suas sugestões. Desejo

também tornar pública minha gratidão pela generosa acolhida que tive na Biblioteca da

Marinha e a seus excelentes profissionais, Mário Moreira e Maria do Brasil. Desejo

também agradecer a colaboração recebida na Escola Superior de Guerra na pessoa do

Coronel José Everaldo de Albuquerque Montenegro, membro de seu Corpo Permanente

e a FAPERJ pela Bolsa de Pesquisa que me foi concedida.

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RESUMO: O pensamento geopolítico brasileiro tem suas origens já nos

movimentos militares da República Velha, mas sua maior importância se daria apenas

durante o Governo Castelo Branco, quando efetivamente constituiu tanto as motivações

quanto as diretrizes da política externa. Esta confluência do pensamento geopolítico

com a prática da política externa tornou-se possível apenas porque a Escola Superior de

Guerra havia empreendido anteriormente a relaboração daquele saber, tornando-o uma

percepção original e autônoma do espaço e do território.

PALAVRAS-CHAVE: Barão do Rio Branco, Governo Castello Branco,

Geopolítica brasileira, Escola Superior de Guerra (ESG).

RESUMÉ: La géopolitique constituait les motivations et imprimait les

directives de la politique extérieure brésilienne, autant pendant les ministères Rio

Branco que pendant le gouvernement Castello Branco. Par la reforme de Forces Armées

par Rio Branco, cette façon de comprendre les relations internationales se consoliderait

dans la Corporation Militaire, spécialement dans l’École Supérieure de Guerre, où elle

allait réapparaître pour exercer son influence après les événements de mars de 1964.

MOTS-CLÉS: Baron de Rio Branco; Gouvernement Castello Branco;

géopolitique brésilienne; Escola Superior de Guerra (ESG).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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ÍNDICE

ABREVIAÇÕES ........................................................................................ 9

INTRODUÇÃO ........................................................................................ 10

I. JOSÉ MARIA DA SILVA PARANHOS, GEOPOLÍTICO ...................... 17

Introdução.................................................................................................... 17

A Questão de Palmas ................................................................................... 20

A Revolta da Armada ................................................................................... 22

Alfred Thayer Mahan e o ‘poder marítimo’ .................................................. 32

Alfred von Tirpitz e o ‘valor de aliança’ ....................................................... 35

A ‘balança de equilíbrio’ Sul-americana....................................................... 39

Um projeto em execução .............................................................................. 41

A necessidade da Força Militar .................................................................... 42

O Caso Panther ............................................................................................ 46

Os estágios no Exército alemão .................................................................... 48

A reorganização do Exército brasileiro ......................................................... 53

Os dreadnoughts .......................................................................................... 55

A reação argentina ....................................................................................... 58

Um novo impulso na reorganização das Forças Armadas ............................. 65

A Missão Militar alemã ................................................................................ 67

A Campanha de imprensa ............................................................................ 69

A Revolta dos Marinheiros (ou da Chibata) .................................................. 80

Conclusão .................................................................................................... 84

II. A TORRE DO FAROL ......................................................................... 86

Introdução.................................................................................................... 86

Os Jovens Turcos ......................................................................................... 88

A Missão francesa e o Estado-Maior do Exército ......................................... 92

A Geografia Militar e a Geopolítica brasileira .............................................. 98

O nacionalismo e a geopolítica brasileira ................................................... 101

Everardo Backheuser e a ‘interiorização’ ................................................... 104

Mário Travassos e o ‘continentalismo’ ....................................................... 109

Lysias Rodrigues e o ‘Brasil imperial’ ....................................................... 115

A estandardização ...................................................................................... 117

A Doutrina Militar brasileira ...................................................................... 122

John Nicholas Spykman e a ‘balança de poder’ .......................................... 124

A Big-Science ............................................................................................ 127

O National War College ............................................................................. 132

O Estado-Maior das Forças Armadas brasileiras ........................................ 134

A criação da Escola Superior de Guerra ..................................................... 136

O Comando Juarez Távora ......................................................................... 148

A Produção Geopolítica contemporânea à ESG .......................................... 152

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6

Conclusão .................................................................................................. 158

III. CONDITIO BRASILIAE .................................................................... 163

Introdução.................................................................................................. 163

Golbery do Couto e Silva e o ‘ecumenismo’ .............................................. 164

Carlos de Meira Mattos e o ‘Brasil Potência’ ............................................. 175

O Itamarati e a proposta de reforma ........................................................... 178

A formação de decisão na política externa de Castello ............................... 183

As diretrizes da Política Externa ................................................................ 190

O alinhamento com os Estados Unidos....................................................... 197

As iniciativas para a África: política cultural e geopolítica ......................... 207

As diretrizes do ministério Juracy Magalhães ............................................. 212

As relações com a América do Sul ............................................................. 215

A agonia do Governo Castello ................................................................... 222

Conclusão Final ................................................................................... 224

ANEXOS ................................................................................................ 227

1.GLOSSÁRIO .......................................................................................... 228

2.GRÁFICOS ............................................................................................ 231

3.TEXTOS ................................................................................................. 240

FONTES E BIBLIOGRAFIA .................................................................. 256

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7

Para minha esposa Elaine,

Que com seu amor tornou este trabalho possível.

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8

“At the bottom of changing events

is the same solid earth”

(Ellen Semple)

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ABREVIAÇÕES

AHI: Arquivo Histórico do Itamarati.

II CIE: II Conferência Interamericana Extraordinária.

CMMBEU: Comissão Militar Mista Brasil-Estados Unidos.

CPDOC: Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da

Fundação Getúlio Vargas.

DSN: Doutrina de Segurança Nacional.

EAO: Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais.

ECEME: Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, nova designação da antiga

EEM após 1 de março de 1955.

EEM: Escola de Estado-Maior do Exército.

EME: Estado-Maior do Exército.

EMFA: Estado-Maior das Forças Armadas.

EMG: Estado-Maior geral.

EMR: Escola Militar do Realengo.

ESG: Escola Superior de Guerra.

FEB: Força expedicionária Brasileira.

FIP: Força Interamericana de Paz.

IGHMB: Instituto de Geografia e História Militar brasileiro.

IHEDN: Institute de Hautes Études de la Défense Nationale.

IRB: Instituto Rio Branco.

NDRC: National Defense Research Committee.

NWC: National War College.

OSRD: Office of Scientific Research and Defense.

SDGM: Serviço de Documentação Geral da Marinha.

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INTRODUÇÃO

[José Oiticica] deu-me o alentado volume de Ratzel sobre a

Politische Geographie. Tive tempo para o ler. Os dias inteiros à sombra da

Torre do Farol ou entre blocos de granito das encostas escarpadas, sentindo

a frescura da brisa ligeira, meditava, Ratzel na mão, sobre a estrutura

política do Brasil. Vi então, em toda a calma, a límpida evidência de que a

melhor e mais segura base para entender a concatenação histórica dos

destinos de um povo, está em apreender as linhas científicas fundamentais

da sua geografia política.1

(Everardo Backheuser)

Quando era professor do Instituto Rio Branco, em 1945, Everardo Backheuser

publicou um artigo no qual pela primeira vez José Maria da Silva Paranhos, o Barão do

Rio Branco, seria nomeado ‘geopolítico’. Para Backheuser, o instrumento do uti

possidetis2 tanto seria a pedra basilar de sua argumentação jurídica quanto um auto-de-

fé geopolítico, “aonde pela ocupação o homem se liga a terra”.3

Mesmo considerando válida esta interpretação, o Rio Branco de Backheuser é

um geopolítico de 1945. Em nosso entender, a geopolítica não é um conceito imanente,

mas um evento discursivo que revela estratégias de poder e o modo pelo qual se

produzem e se organizam as interpretações do espaço. Estas interpretações, que talvez

1 Backheuser foi preso em janeiro de 1925 por haver criticado o Governo em seus artigos, foi então conduzido para a Ilha Rasa aonde esteve preso (Backheuser, 1926, 11).

2 “The course of politics is the product of two sets of forces, impelling and guiding. The impetus is from

the past, in the history embedded in a people's character and tradition. The present guides the movement

by economic wants and geographical opportunities. Statesmen and diplomatists succeed and fail pretty

much as they recognise the irresistible power of these forces” (Mackinder, 1890).

3 Backheuser, 1945, 5-29. A caracterização das fronteiras, o interesse pela Viação e o reaparelhamento

das Forças Armadas seriam traços reveladores da aptidão geopolítica de Rio Branco. Recentemente

Clodoaldo Bueno também investiu na mesma direção: “Rio Branco entendia que o rearmamento naval

brasileiro não só atenderia às razões ligadas à segurança e à defesa nacionais como também recolocaria a

Marinha do Brasil na posição de preeminência que desfrutara no Império. Revelava-se, assim, Rio Branco

um geopolítico e, de certa forma, continuador da diplomacia imperial." (Bueno, 1994).

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sejam melhor definidas como traduções, podem ser registradas como leituras da prática

do poder e das relações que o perpassam, sejam ou não implementadas em diferentes

visões das relações internacionais.

Nesse sentido, este estudo se pretende uma interpretação histórica das

motivações e da gênese desse pensamento geopolítico, e do imaginário que o compõe.

Ampliando esse escopo observamos que a geopolítica teria sido adotada

preferencialmente por determinados agentes históricos enquanto embasamento de suas

propostas ou de suas diretrizes para a política externa brasileira. A produção intelectual

destes, com valor de fontes primárias, se acha inclusa na bibliografia ao final do nosso

trabalho.

Nossa pretensão é que, após Rio Branco, o pensamento geopolítico adquiriu uma

relevância especial para a Corporação Militar e alguns diplomatas, e que durante o

Governo Castello Branco a geopolítica seria empregada novamente como modelo da

Política Externa brasileira. Portanto, para a desconstrução do discurso da política

externa do Governo Castello Branco é necessário um estudo em profundidade de suas

fontes geopolíticas, que por sua vez, remetem às origens e às motivações dos grupos e

dos intelectuais envolvidos: Rio Branco, suas decisões e seu pensamento são as origens

e a base desse estudo.

Assim, entendemos que as relações externas do Brasil entre 1964-1967 serão

melhor entendidas, se as subordinarmos a um tempo histórico longo, à construção do

discurso de um grupo coeso e organizado, a Corporação Militar, e às origens e

aplicações do pensamento geopolítico durante os ministérios Rio Branco.

Nesse sentido, consideramos que a Corporação Militar possui susceptibilidades

que a tornam um mundo praticamente à parte, com seus próprios costumes, relações e

cognição. Este problema tem sido relevado em vários estudos, e se mostra pertinente em

nosso caso, por entendermos a iniciativa da construção da Escola Superior de Guerra

(ESG) enquanto loco de exteriorização e codificação do pensamento geopolítico e do

discurso da Corporação Militar.4

4 Conforme Ludwik Fleck, um círculo exotérico se faz necessário em contraposição a um núcleo de

pensamento, o círculo esotérico, numa relação massas versus elite. Esta é a estrutura recíproca de tensões

existentes num determinado estilo de pensamento [Gebilde des Denkstiles] (Fleck, 1981).

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12

Por outro lado, muitas das dificuldades de se estudar a formação histórica da

ESG se dão porque, além das narrações serem feitas quase sempre na primeira pessoa,5

um manancial de teorias conspiratórias misturam o que é fato histórico com o que é

quase o domínio da mitologia. Portanto, para que essa tarefa se tornasse possível foi

necessário que passássemos a olhar a ESG como um experimento surgido em função do

crescimento e da variação do discurso da Corporação Militar e da causalidade e da

descontinuidade que regem a sua formação. Deste modo pudemos deixar de lado as

versões teleológicas, seja as que estigmatizam a ESG como um simulacro ou ainda

aquelas que a definem como o ponto focal de uma utopia – a construção das Gramáticas

muitas vezes faz com que seus inventores esqueçam de que coabitam o mesmo universo

que estas. Neste caso o exercício de reconstruir documentalmente a história da ESG se

faz necessário, para que se indique o caminho percorrido nessa invenção.

Assim, este trabalho teve que procurar harmonizar o que consideramos como os

quatre mondes:6 a História Militar, a Geopolítica, a Escola Superior de Guerra e as

Relações Externas brasileiras. O Governo Castello Branco seria portanto um

acontecimento que relacionaria estes mondes, sendo ainda sua política externa o ponto

focal da exteriorização do controle discursivo de um determinado Estilo de Pensamento

[Denkstile].

Todo Discurso necessita de uma Gramática assim como toda Gramática possui

sua Sintaxe. Para um dos Estilos de Pensamento que se constituiria na Corporação

Militar após Rio Branco, o pensamento geopolítico se tornou a base de sua Sintaxe.7

Neste sentido, a ESG surgiria na década de 1950, como a exteriorização daquele

discurso, note-se, numa experiência casual e descontínua. A própria formação histórica

da ESG corresponderia a uma série de influências externas, que infletiram sobre a

Corporação Militar e seriam reveladoras quanto as suas formas de apropriação e de

concatenação.

5 Farias, 1949; Farias 1979; Sardenberg, 1980; Camargo & Góes, 1981, etc.

6 O termo monde para Lucien Febvre denotaria as regiões antropogeográficas que teriam se desenvolvido

detrás das grandes barreiras físicas, tais como o Himalaia e os desertos da Ásia Central, ou seja, regiões

aonde se reconhece a auto-suficiência política, econômica e cultural e o desenvolvimento em meios

distintos e isolados (Febvre, 1932, 314).

7 “No quadro da lingüística sincrônica [...] a sintaxe se ocupa do eixo dos encadeamentos (concatenação)

[...] a concatenação implica a substituição” (Jakobson, s/data).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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A ESG é uma experiência de codificação do discurso da Corporação Militar, e

seria nesse sentido que este iria se materializar antes e após 1964 em diversos campos

da vida nacional, ainda que a ESG tenha sido concebida para funcionar, desde 1949,

como um centro de estudos e pesquisas do Estado brasileiro, e que esta missão, suas

delegações e seus objetivos fossem regulados por Lei.

Estabelecer a genealogia do pensamento geopolítico brasileiro como a linha

condutora deste trabalho não é um ato arbitrário, mas uma conseqüência da pesquisa

histórica. Nesta, a análise dos arquivos pessoais e dos arquivos institucionais, indicou

que a política externa do período Castello Branco fora de fato gestada em um período

anterior e a partir de idéias codificadas e organizadas numa gramática inteligível da qual

a ESG, num certo momento, seria a operacionalizadora.

Para que se estabelecesse a ESG como um dos pontos focais deste estudo

utilizou-se o exame da produção geopolítica, assim como foi também preciso identificar

e evidenciar as motivações e os laços que uniram os protagonistas das relações externas

no governo Castello Branco a essas idéias, deste modo acreditamos demonstrar as

motivações históricas das relações internacionais do período.

Para isto se tornou necessário adotar marcos de referências conceituais que

munissem o presente estudo de instrumentos mais sensíveis a tais nuanças. Com o

avanço da pesquisa e o reconhecimento deveriamos nos aprofundar na História Militar

brasileira, se tornaria importante a contribuição da documentação reunida na ESG, nas

bibliotecas e nos arquivos militares, bem como a leitura dos periódicos produzidos pelos

integrantes da Corporação Militar, o estudo de seus atores, de sua produção intelectual e

dos acontecimentos que os conectaram com a História Política do período. Com o

aprofundamento desta investigação, nos defrontamos com a perspectiva de que nos

Estilos de Pensamento do Exército concorreram certos insumos sociais que surgiriam na

sociedade brasileira a partir do início do século. Por exemplo, o nacionalismo e o

desenvolvimentismo, embora considerando que a resposta dada a esses estímulos pela

Corporação Militar dependeria da sua especificidade enquanto instituição semifechada e

hierarquizada. Nessa perspectiva um dos produtos culturais recorrentes e

influenciadores seria a geopolítica brasileira, que se formaria a partir da década de 1920.

Acreditamos, pois, que este estudo se justifique, por pretender a noção de

historicidade como categoria fundamental para as abordagens cognitivas e de seu

relacionamento com as esferas de cultura e poder no âmbito das relações externas

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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brasileiras. Somam-se a isto, a tentativa de se abordar campos de estudo ainda pouco

pesquisados pela Academia, como a História Militar e a geopolítica brasileira, bem

como o trabalho intelectual de certos atores de importância para a história recente de

nosso país e que, ou foram pesquisados sob outros prismas e interesses intelectuais, ou

tiveram suas obras pouco consideradas. Este trabalho também poderia contribuir para a

compreensão de certos aspectos do Regime Militar implantado no Brasil em 1964, uma

vez que aborda algumas de suas estruturas e projetos.

O principal problema que a princípio se configurou para a estruturação deste

estudo foi sua delimitação temporal. Este trabalho pretende que o pensamento

geopolítico que culminou na ESG e na Política Externa de Castello Branco, começaria,

a ser gestado na primeira década do século XX, e que gradualmente se entronizaria na

Corporação Militar, que desenvolveria este como uma das ligaduras do seu discurso,

numa linguagem de identificação nacional e de desenvolvimentismo. Aqueles

personagens comprometidos com este Estilo de Pensamento lograriam galgar o poder

político direto no período compreendido cronologicamente pelo Governo Castello

Branco (1964-1967), que seria a delimitação temporal radial deste estudo, ou seja, o

período da aplicação de um determinado modelo para as relações internacionais do

Brasil.

A segunda delimitação temporal que se faria necessária, é a do período de 1949-

1959, uma vez são os anos de consolidação da ESG. A primeira delimitação temporal é

aquela referente ao período Rio Branco e a solução arqueológica de seu pensamento

geopolítico.

Espacialmente nos limitamos ao Brasil, exceto no tocante às análises que se

fizeram necessárias ao entendimento das relações externas do Brasil nos períodos

abordados, mas que de resto seriam comuns a qualquer trabalho feito no âmbito das

relações internacionais.

Este trabalho pretende ser referenciado pela Teoria Realista, sobre a qual incide

uma abordagem desconstrutiva do discurso histórico conforme Foucault, Derrida e

Nietzsche, consoante a abordagem da Critical Geopolitics.8

8 Escola Geopolítica contemporânea que procura distanciar a Geopolítica de enfoques centralizados no

Estado, procurando desconstruir essas políticas e seus resultados.

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15

A decisão de escolher esses marcos de referência conceituais, se justifica na

medida em que se pretende que discursos descontínuos e de origem difusa, como

julgamos que sejam aqueles que deram origem às relações externas do Governo Castello

Branco, possam ser analisados arqueologicamente em suas origens e estruturas. Desta

maneira, descartamos uma visão linear e progressiva da História, e uma interpretação

globalizante ou teleológica:9 “quanto mais ‘abrangentes’ se tornam as organizações de

poder, tanto mais independentes são as forças organizadoras das organizadas”.10

Este

distanciamento será útil, por exemplo, para a análise do contexto no qual julgamos que a

ESG foi gerada e para o estudo do papel que será representado pela Geopolítica

brasileira na construção do discurso da Corporação Militar, uma vez que sub-

repticiamente, nesse contexto, se coloca a questão do lugar da Ciência11

na Sociedade

Ocidental a partir da Segunda Grande Guerra e o envolvimento da Comunidade de

Pensamento, anteriormente citada, em um período histórico relativamente recente e

emblemático.

O arcabouço teórico que nos permite trabalhar com a idéia do discurso no

âmbito do meio militar será montado a partir da noção de Corporação Militar e Cultura

Regimental. Estes conceitos foram fundamentados por Samuel P. Huntington e pelo

historiador militar inglês John Keegan.12

No entender destas teorias, o militar possui

valores de um mundo à parte e produz sua própria cultura numa base de trocas desiguais

com a sociedade circundante, sendo de extrema relevância nesse contexto a história das

instituições militares. Nesta ótica, e quanto a historiografia brasileira, devemos ainda

citar José Murilo de Carvalho e sua crítica àqueles que “consideram as Forças Armadas

como simples representantes de determinados grupos sociais”.13

Oportunamente, deve-

se considerar a contribuição específica do curso lecionado por Michel Foucault no

9 Ver Melzer, 1996, 61-74 e 117-133.

10 Müller-Lauter, 1997, 151.

11 “Science [...] considers only that view of things to be true and right, and therefore scientific, which

regards something as finished and historical, not as continuing and eternal” (Nitzsche, 1949, 69-70).

12 Huntington, 1996; Keegan, 1996.

13 Carvalho, 1978, 180.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

16

Collège de France em 1975-1976, sobre a pertinência da Guerra como princípio

eventual da análise das relações de poder e de sua constituição.14

Para que consigamos integrar essas visões com o pensamento de Foucault-

Nietzsche e de Derrida a este estudo, utilizamos um aporte sociológico no que tange a

análise de Grupo ou da Biografia Modal, para que se possa permitir a reconstituição das

redes sociais e de poder (aqui entendidos teoricamente no espectro de Comunidade de

Pensamento [Denkgemeinschaft]) enquanto construtores e mantenedores de

determinado discurso. Tal lacuna seria preenchida através da ‘Sociologia do

Conhecimento’ de Ludwik Fleck e Karl Mannheim, especialmente do primeiro, aonde a

influência do pensamento histórico é significativamente maior e permitiria a este

trabalho intervir na questão da representação da Ciência, que estaria enfeixada neste

estudo na questão relativa à Big Science e na Geopolítica.

Com relação às Trocas Culturais no interior dos modelos de discurso abordados,

nos reportaremos a Teoria da Circularidade da Cultura de Mikhail Bakhtin, e a sua

aplicação nos trabalhos de Carlo Ginzburg .15

Este último seria especialmente

representativo para este estudo por integrar, em nossa opinião, a contribuição

psicocultural como um dos instrumentos conceituais para a História.

Especificamente quanto ao relacionamento da História Militar com essas

transações culturais, nos apoiamos nas obras de John Keegan ‘The Mask of Command’

e ‘The Face of Battle’ aonde o autor analisa como as trocas culturais afetam a Doutrina

Militar e a Cultura Regimental.

14 Foucault, 1999.

15 Especialmente Ginzburg, 1991 e 1998.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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JOSÉ MARIA DA SILVA PARANHOS, GEOPOLÍTICO

It must be admitted, and will be seen, that the wise or unwise action

of individual men has at certain periods had a great modifying influence

upon the growth of sea power in the broad sense, which included not only

the military strength afloat, that rules the sea or any part of it by force of

arms, but also the peaceful commerce and shipping from which alone a

military fleet naturally and heathfully springs, and on which it securely

rests.16

(Alfred Thayer Mahan)

Introdução

Normalmente as análises da obra política de Rio Branco estão compreendidas

em dois vértices: o primeiro seria o desdobramento de seu trabalho, antes e durante seus

quatro ministérios,17

como um continuum aonde a defesa e a estabilização das

fronteiras, no âmbito do que na historiografia se convencionou chamar Questões, sendo

as principais as de Palmas, a do Amapá e a do Acre, se completariam na obra política de

seu ministério. O segundo vértice seria aquele relativo a Grand Politique, ou seja, a

pretensa reorientação da política externa brasileira, que beneficiaria a aproximação com

os Estados Unidos em detrimento da Europa, concomitantemente procurando elevar o

Brasil à liderança sul-americana. Este edifício teórico se consolidaria através da

diplomacia, modus faciendi do consenso, o qual se procurou alcançar por meio do

concurso à arbitragem, na qual implicitamente se reconheceria a opção basilar da

política externa brasileira pelo pacifismo e pela igualdade jurídica entre as nações.

16 Mahan, 1890, 28.

17 Rio Branco foi Ministro das Relações Exteriores nos Governos Rodrigues Alves (1902-1906), Afonso

Pena (1906-1909), Nilo Peçanha (1909-1910) e Hermes da Fonseca (1910-1912).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

18

Nesse sentido, Everardo Backheuser oporia a essa construção teórica, pela

primeira vez, a hipótese da existência, durante os ministérios Rio Branco, de um projeto

exterior à tradicional idéia da diplomacia. Para esta hipótese existiria um sentido

geopolítico na práxis da política externa brasileira no período. Esta hipótese seria

coadjuvada ainda pela análise histórica de Jaime Cortesão no que se refere a

preexistência de uma razão de Estado impulsionando a formação territorial do Brasil

durante o período de dominação portuguesa a qual forneceria as bases para o axioma do

uti possidetis. Também para este autor, a própria obra de Rio Branco se notabilizaria

pela profunda compreensão geográfica da história. Nesta, a forma como situaria os fatos

sobre o terreno; a importância e o relevo que daria a certos acontecimentos e, em

particular, aos que dizem respeito à formação territorial do Brasil, todos esses cuidados

já seriam indicadores da influência das idéias geopolíticas sobre Rio Branco.18

Entretanto, no entender de nosso estudo, Backheuser falharia em primeiro lugar

por não avaliar corretamente as matrizes teóricas do suposto pensamento geopolítico de

Rio Branco, assim, o Rio Branco de Backheuser pensaria como um geopolítico de 1940

e não como um geopolítico de 1890. Em segundo lugar, seu projeto seria entendido por

Backheuser como uma construção estática e pré-elaborada. Em terceiro lugar, Everardo

Backheuser e ainda Cortesão, até mesmo em razão de pertencerem ao corpo docente do

Instituto Rio Branco, tenderiam a explicar esse projeto como inserido na corporação

diplomática.

Em nosso entender, o projeto de Rio Branco possuiria uma matriz teórica

preexistente mas esta estaria condicionada às variáveis e aos acontecimentos da carreira

diplomática de Rio Branco e, portanto, seria um projeto em permanente elaboração.

Apesar do projeto de Rio Branco receber os influxos do pensamento diplomático da

época e de toda uma tradição que remontaria ao Império (inclusive em função de seu pai

ter sido um de seus maiores estadistas), a importância de sua obra política deve ser

avaliada na medida em que, antes de ser Ministro das Relações Exteriores, Paranhos já

havia se transformado em uma das maiores influências no Itamarati e que enquanto

ministro possuiu poderes extraordinários que não foram e dificilmente serão igualados

18 Cortesão, 1971, 413.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

19

por qualquer outro ocupante da pasta.19

Por conseguinte, Rio Branco possuiria uma

originalidade que o faria transcender ao estatuto corporativo e que não se comunicaria

àquele (em parte também por culpa de sua excessivo centralismo decisório).

O projeto de Rio Branco trabalharia ainda com certos paradigmas, que estariam

delineados muitas vezes num passado recente: os governos Deodoro da Fonseca e

Floriano Peixoto. Neste último governo se abandonaria o idealismo que norteou a

política externa do período republicano precedente e se alinharia de fato o Brasil com os

Estados Unidos, ao mesmo tempo em que se ressuscitaria o intervencionismo como

prática da política exterior. Rio Branco amalgamaria, portanto, este cariz à antiga

política de equilíbrio continental do Império, adaptando-o às condições vigentes no

Sistema Internacional da época, através de sua ocularidade,20

ou seja, segundo seu

projeto de política externa, o qual se organizaria no âmbito de uma nova visão das

relações internacionais: a geopolítica.

À Rio Branco, portanto, não se deveria creditar a originalidade da política

externa brasileira mas sim ao modo como a conduziu, a despeito e de acordo com as

políticas interna e externa. Operar esta equação e desenvolver os meios para mantê-la

sob controle, considerada a situação econômico-política do Brasil à época: este é seu

grande legado, que o tornaria, para a diplomacia brasileira, do mesmo modo como T. S.

Eliot considerou Ezra Pound na dedicatória de ‘The Waste Land’, “Il miglior fabbro” .

Nosso estudo entende também que o projeto de Rio Branco deitaria raízes

através de suas próprias realizações. A reorganização das Forças Armadas seria a

espinha dorsal de seu projeto e para seu interior convergiriam idéias que mais tarde

novamente iriam se tornar as idéias da política externa brasileira. A geopolítica seria

assim o elo entre dois momentos que embora estejam separados cronologicamente

19“Em razão de se ter privilegiado a figura de Rio Branco, é preciso advertir que no período em tela, o

Itamarati possuía, praticamente, autonomia absoluta de ação, decorrente do prestígio do titular. A condução da política exterior brasileira deve ser, assim, atribuída quase que unicamente à ação do Barão

do Rio Branco. Este, desde a sua posse desfrutou de um lugar à parte no Poder Executivo” (Cervo &

Bueno, 1992, 164). Para Clodoaldo Bueno, “a primeira constituição republicana atribuiu pouco poderes

ao Senado em matéria de política exterior, deixando-a sob a responsabilidade do Presidente, e este,

durante a gestão de Rio Branco, concedeu, na prática, plenos poderes ao ministro na condução dos

negócios da pasta, devido ao seu prestígio nos assuntos de ordem internacional” (Bueno, 1982, 22).

20 No sentido do emprego de sua visão geopolítica. Para a Critical Geopolitics o termo Geo-Power

cunhado por Michel Foucault, relaciona o emprego do conhecimento geográfico como um conjunto de

técnicas de poder preocupadas com a produção governamental e a organização do espaço territorial (Ó

Tuathail, 1996, 7).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

20

seriam afins. Para que possamos esposar esta hipótese teríamos que nos reportar

novamente ao juízo emitido anteriormente em relação à Backheuser: provavelmente em

1964 nenhum geopolítico pensaria exclusivamente como Rio Branco ou dificilmente se

reconheceria aquele pensamento como absoluto.

Ancorando-nos em Bakhtin, para que se consiga decifrar esse hiato é necessário

empreender o estudo de suas fontes populares, as quais determinariam o conjunto de seu

sistema de imagens e sua concepção ‘artística’.21

Portanto, o estudo e a revisão da

literatura geopolítica, de suas noções e de sua gênese no hiato temporal que separa os

ministérios Rio Branco do Governo Castello Branco, permitiria iluminar não só a

compreensão destes dois períodos, mas ainda alguns aspectos pertinentes à política

externa brasileira; a geopolítica seria, assim, a chave para essa compreensão e

conseqüente correlação dos dois momentos históricos principais.

A Questão de Palmas

A elevação de Rio Branco aos primeiros postos da diplomacia brasileira se deu

em função de sua nomeação pelo Marechal Floriano Peixoto,22

para o posto de 1°

Delegado e Plenipotenciário do Brasil, na Missão Especial junto ao Presidente dos

Estados Unidos para o arbitramento da ‘Questão do Território de Palmas’, litígio que se

arrastava desde o Império, e que adquiriria enorme importância, em virtude da

rivalidade histórica do Brasil com a Argentina.

Em 1890, durante o Governo Provisório, sob a influência dos positivistas, foi

concluído com o governo platino o ‘Tratado de Montevidéu’,23

através do qual os dois

governos acordavam em dividir ao meio o território contestado. Na realidade o tratado

havia sido fechado em pouquíssimo tempo, no espaço de mais ou menos um mês que se

21 Bakhtin, 1996, 2.

22 Seguramente Rio Branco gozara da amizade de Floriano, como poderia constatar carta dirigida a este

“tomo a liberdade de escrever diretamente a V. Exª lembrando-me das provas de estima pessoal com que

me honrou em tempos que já vão bem longe” AHI, Arquivo Particular do Barão do Rio Branco, Carta de

Rio Branco a Floriano Peixoto, [1893?], Lata 834, maço 2, pasta 30. Segundo Álvaro Lins, uma das

hipóteses é de que Rio Branco poderia ter sido indicado pelo próprio Floriano, fato também endossado

por Affonso de Carvalho. (Lins, 1995, 195, nota 323), (Carvalho, 1995, 93, nota 20).

23 A denominação de ‘Tratado das Missões’, também é adotada por parte da bibliografia, mas implica a

aceitação da ótica argentina, conforme assinalado pelo próprio Barão do Rio Branco durante a discussão

do litígio.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

21

seguiu à Proclamação da República, por telegrafo, entre Quintino Bocaiúva e o

Ministro do Exterior Argentino Estanisláo Zeballos.24

A recepção dada aos signatários

do ‘Tratado de Montevidéu’ ilustra bem o clima com que foram recebidos em seus

países: enquanto que o representante argentino é carregado em triunfo, Quintino

Bocaiúva é recebido com frieza e acusações, ainda que os jornais, então sob censura,

convocassem o povo para recebê-lo festivamente. As ruas centrais do Rio de Janeiro

apareceram forradas de cartazes, atribuídos aos monarquistas, nos quais se afirmava que

metade da zona litigiosa havia sido entregue aos argentinos.25

É ainda na Questão de Palmas que se caracterizaria pela primeira vez o

deslocamento do centro decisório da Política Externa brasileira para as Forças

Armadas, uma vez que o Clube Militar manifestaria indignação com o Tratado26

enquanto que a Marinha se recusaria a transportar Quintino Bocaiúva de volta ao

Brasil.27

O Encouraçado Riachuelo, que havia transportado o Ministro das Relações

Exteriores até Montevidéu, retornaria ao Rio de Janeiro em vez de ir até Buenos Aires

para embarcá-lo.28

Se o Tratado fosse confirmado com a subseqüente cessão de terras, o Rio

Grande do Sul, estado que concentrava 31,13% do Exército,29

ficaria ligado ao resto do

24 Gazeta da Tarde (16/01/1890) - “no sábado foi assinado no Rio de Janeiro [...] um tratado [...] o

território [...] será dividido ao meio” e Jornal do Commercio (17/01/1890). Apesar de ser considerado secreto pelo Governo brasileiro, os dois jornais citados publicaram o conteúdo do Tratado e a forma pela

qual fora concebido.

25 Carone, 1974, 16-17.

26 Com a eleição de nova diretoria, em 30 de agosto de 1890, o Clube Militar passou a ser presidido pelo

Contra-Almirante Custódio de Mello, também Deputado. Os debates sobre o Tratado de Montevidéu se

deram em outubro de 1890. Eduardo Prado autor de ‘A ilusão americana’ atacou Quintino Bocaiúva

considerando-o suspeito em virtude de manter interesses na república vizinha, argumento também

utilizado pelo Ministro da Marinha: “O Almirante Wandenkolk acusou Quintino Bocaiúva de favorecer a

Argentina, devido à circunstância de manter negócios com personagens influentes na política daquele

país” - Fernandez, Juan José. (1959). La República de Chile y el Império del Brasil. Santiago de Chile:

Editorial Andrés Bello, 114-11 5, citado em Bandeira, 1998, 300.

27 Martins, 1995, 30. O comandante do Riachuelo era Alexandrino de Alencar (Alencar, 1989).

28 Em 1° de fevereiro de 1890 o Jornal do Commercio noticiava que Quintino chegara a Buenos Aires no

dia anterior. Em 7 de fevereiro, segundo o mesmo jornal, o ‘Riachuelo’ ficaria dez dias em quarentena em

Montevidéu por ter falecido um marinheiro com febre amarela, posteriormente diagnosticando-se

tuberculose. O Paiz noticia em 16 de fevereiro, que o ‘Riachuelo’ havia seguido para Buenos Aires, após

ter deixado vinte marinheiros em Montevidéu vítimas da influenza. No início de março o Jornal do

Commercio e O Paiz noticiam que Quintino Bocaiúva finalmente chegara ao Rio de Janeiro à bordo de

um vapor comercial. Ver também Abranches, 1907, 13.

29 Carvalho, 1978, 203.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

22

país por apenas uma estreita faixa de terra de pouco mais de 400 quilômetros, ao mesmo

tempo em que o território argentino se prolongaria para dentro das fronteiras

brasileiras.30

A indicação do Barão do Rio Branco para atuar na questão do território de

Palmas, além de lhe garantir projeção imediata, possibilitou que tomasse parte no

episódio que precipitou o alinhamento do Brasil com os Estados Unidos (a Revolta da

Armada), uma vez que o árbitro da questão era o Presidente americano Grover

Cleveland.

Paranhos já residia em Nova Iorque quando da emergência da Revolta da

Armada. Até esse momento, apesar de tentada a aproximação com os Estados Unidos,

esta não ocorrera nos moldes como fora planejada. Os primeiros republicanos

desejavam uma verdadeira aliança com os Estados Unidos,31

mas este país gostaria que

esta fosse atrelada a um acordo comercial no qual as condições eram

desproporcionalmente favoráveis aos americanos.32

Esta aliança deveria ter a duração

de vinte anos, e aparentemente não foi acordada em virtude da oposição do grupo

político ligado a Rui Barbosa, que não desejava ver os dois assuntos tão intimamente

ligados.33

Deste modo, quando espocou a Revolta da Armada, as relações entre os

Estados Unidos e o Brasil estavam em um compasso de espera, após a tentativa de

aproximação realizada por Quintino Bocaiúva e Salvador de Mendonça.

A Revolta da Armada

As causas da Revolta da Armada remontam indiretamente ao Império e

imediatamente à Proclamação da República. Em razão da Marinha ter exercido apenas

30 A Câmara dos Deputados rejeitou o tratado em sessão secreta em 10/08/1891 por 145 votos contra 5.

(Bandeira, 1998).

31 Para Clodoaldo Bueno, Quintino Bocaiúva e Salvador de Mendonça já haviam projetado uma aliança

“tendo em vista a proteção do país de agressões partidas de áreas externas ao espaço continental

americano. Segundo informou Salvador ao novo ministro das relações exteriores, o governo norte-

americano lhe significara que a eventual aliança ficava condicionada ao aumento das relações comerciais”

(Bueno, 1995, 120).

32 Finalmente as relações entre os dois países ficariam restritas ao Convênio Comercial de 31 de janeiro de 1891.

33 AHI 233.4.11 e 235.3.14 telegramas trocados entre o Ministério das Relações Exteriores e a Legação

em Washington no período de 1890/1891.

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23

uma participação secundária neste episódio, na organização do poder que se seguiu, lhe

coube uma parcela menor de representação no estrato burocrático.34

Em torno deste

arranjo político desigual iriam girar os componentes das disputas dos anos

subseqüentes, que fatalmente envolveriam as duas facções das Forças Armadas, embora

outros fatores como disputa de prestígio e diferenças corporativas tivessem

representado o peso maior para grande parte dos envolvidos.35

A oficialidade da

Marinha e do Exército brasileiros possuíam perfis bastante diferentes no final do século

XIX. A origem social dos oficiais do Exército era, em grande parte, proveniente dos

grupos de renda mais baixa36

que procuravam o Exército em busca de oportunidades de

estudo.37

A oficialidade da Marinha, ao contrário, era o destino dos filhos das famílias

da alta sociedade brasileira.38

O quadro surgido com a Proclamação da República tem uma reviravolta com o

contragolpe de 23 de novembro de 1891. Com a divisão do Exército entre os partidários

da ditadura de Deodoro e os oposicionistas liderados por Floriano Peixoto, a Marinha

34 “A média de aumento dos salários dos oficiais do exército [...] foi de 124,9% e a de praças 35,8%, ao

passo que, na marinha, os aumentos respectivos foram de 53,0% e 50,0% [...] as dotações orçamentárias

também sofreram com a República, alterações substanciais em favor do exército. Havia, além disto, as

discriminações mencionadas por Custódio, referentes a nomeações para cargos públicos, ajudas de custo

etc. “ (Carvalho, 1997, 225).

35 “Assim a conclusão mais lógica é que a causa direta, imediata, da Revolta, foi mesmo o desagravo da

'honra da Marinha', o que só poderia ser obtido, confundindo-se com os reclamos de brio pessoal, pela

queda de Floriano. seria o natural desenvolvimento da luta pela supremacia do corporativismo das únicas instituições relativamente homogêneas que existiam no Brasil da época: o Exército e a Armada”

(Martins, 1995, 84).

36 Stepan, 1974; Carvalho, 1997.

37 “a maioria da mocidade que freqüentava as escolas [militares] não tinha vocação para a carreira que

abraçara; em geral paupérrima e inteligente não encomendava aí o seu objetivo e sim o meio de conseguí-

lo” - Esteinmetz, G. (16/08/1910). O utilitarismo fardado, Jornal do Commercio, 84(228), “na classe

média nascente é que o Exército vai escolher seus oficiais, alguns vindos de soldados, outros preparados

nesse centro de estudos da classe média, que seria por oposição às faculdades jurídicas da aristocracia

agrária, desde 1874, a Escola Militar” (Sodré, 1979).

38 Veja-se por exemplo, a obrigatoriedade da aquisição do ‘enxoval’. O guarda-marinha deveria comprar

todo o seu uniforme, o que inviabilizava a uma pessoa de renda mais baixa o ingresso na Escola Naval: “Paulo estava se preparando para ingressar na Escola Naval e, por isso, os Castello Branco venderam a

propriedade de Argentina [a esposa de Castello] [...]para poderem custear seu enxoval. A Marinha ao

contrário do Exército, não paga os dispendiosos uniformes exigidos aos cadetes e, por isso, muitos jovens

com vocação militar deixam de seguir a carreira naval, preferindo entrar para o Exército” (Dulles, 1979,

55). “[os alunos da Escola Naval] eram talvez de origem social mais elevada. Para entrar na Escola Naval

era exigido um enxoval. Era caro! Muitos não conseguiam entrar na Escola Naval porque não tinham

dinheiro para comprar o enxoval” (D'Araújo, & Castro, 1997, 39). "[A] Marinha, [era] identificada

perfeitamente com a ordem civil, vinculada à classe dirigente, da qual ela era uma continuação”

(Albuquerque, 1989).

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assume, em decorrência de sua participação no contragolpe, uma presença política

muito acima de suas capacidades. O Almirante Custódio de Mello, nomeado então

Ministro da Marinha, pretendia não só ser a eminência parda do Governo Floriano,

como ainda sucedê-lo. Uma vez que essa não era a situação pretendida por Floriano

Peixoto, o Vice-Presidente manobraria habilmente para alijar a Marinha e Custódio do

poder. Este último, apesar de haver suportado a política de Peixoto inclusive nas

deposições estaduais e no caso do Manifesto dos 13 Generais,39

renunciaria em 28 de

abril de 1893. A subseqüente revolta do Almirante Wandenkolk e a sua prisão revestida

de aspectos humilhantes,40

acabaria levando uma parte da Marinha à luta aberta.

Para a História das Relações Internacionais brasileiras, a Revolta da Armada se

tornaria emblemática por estabelecer um novo patamar para as relações entre Estados

Unidos e Brasil. Quando da eclosão deste movimento, o Governo Floriano via-se às

voltas com outra rebelião no estado do Rio Grande do Sul, a chamada ‘Revolução

Federalista’. Isto significava que importante parcela do Exército governamental se

encontrava imobilizada, e sua ameaça ao estado de São Paulo impossibilitava a

importante milícia estadual de auxiliar diretamente o Rio de Janeiro.41

Em 6 de setembro de 1893, Custódio de Mello subleva a Esquadra. Embora

diversas providências houvessem sido tomadas por Floriano para impedir a revolta

(dentre as quais enviar alguns dos melhores navios para comissões no exterior e ainda

sabotar outros), a cidade do Rio de Janeiro não possuía condições de enfrentar a

artilharia naval, que era bastante superior àquela existente em terra.42

A curto prazo a

39 Manifesto enviado a Floriano Peixoto, no qual se pede o fim da intervenção armada na deposição dos

governadores e eleição para a Presidência da República. A reação do Vice-Presidente foi demitir

imediatamente todos os signatários do manifesto e reformá-los administrativamente (Carone, 1974, 74-

75).

40 Em 1893, ao embarcar para sua aventura no comando do Júpiter, Wandenkolk deixa “publicado no

Jornal do Commercio um recado para o Vice-Presidente, regurgitando de ódio e de vingança pela humilhação sofrida um ano antes, ao ser preso por soldados e cadetes em uma choupana na Gávea. O

comunicado era um desafio pessoal: ‘General, nos encontraremos um dia!’ ” (Martins, 1995, 57). Quando

Wandenkolk foi novamente preso no desfecho da operação do Júpiter a negativa de seu habeas-corpus

pelo Supremo Tribunal Federal contribuiu para acirrar ainda mais os ânimos na Marinha.

41 Após conquistar Curitiba e Lapa, os Federalistas chegaram às imediações de Itararé. Somente em

19/03/1894 este perigo desapareceria em virtude da evacuação de Paranaguá pela forças de Gumercindo

Saraiva e a conseqüente retirada das forças Federalistas para o sul.

42 O navio Aquidabã, por exemplo, que durante a Revolta da Armada foi a Capitânia rebelde, era então

um dos navios mais modernos do mundo e sua construção datava de apenas 1885 (SDGM, 1958).

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situação bélica que se estabeleceria era a de impossibilidade militar: nem os revoltosos

poderiam conquistar o Rio de Janeiro, por carecerem de efetivos, nem os governistas

poderiam destruir a frota, por não possuírem os meios; contudo, a um prazo mais longo,

o bloqueio do porto, além de ser um fator de desmoralização dos poderes constituídos,

provavelmente levaria o Governo à falência devido a paralisação da alfândega e do

comércio, bem como conduziria ao desabastecimento dos meios militares e de bens em

geral.

A anarquia subseqüente a essa situação introduziria ainda um novo componente

na equação militar: a intromissão dos navios de guerra estrangeiros que estavam

estacionados no porto do Rio de Janeiro e os que posteriormente para cá se dirigiriam

sob a alegação de proteger os interesses dos cidadãos estrangeiros. Essa força armada

se constituiria numa verdadeira intervenção, fazendo com que os comandantes dos

navios e os ministros estrangeiros se tornassem os virtuais senhores da situação.

Segundo a análise desses, a cidade do Rio de Janeiro se encontrava indefesa frente aos

revoltosos e, portanto, o Governo seria aconselhado a não atirar contra os navios

revoltosos, uma vez que não conseguiria infligir nenhum dano àqueles.43

Após o

bombardeio da cidade do Rio de Janeiro, em 13 de setembro de 1893, uma Junta

Estrangeira44

se formou e decidiu ocupar militarmente áreas dessa cidade, sob o

pretexto de garantir as propriedades e proteger a vida de seus cidadãos. Conforme

instruções do Foreign Office, a força britânica deveria empregar 740 homens e seis

canhões para a ocupação e somente depois desta estar consumada é que deveria impedir

o bombardeamento da cidade. Os bens britânicos deveriam ser protegidos em qualquer

hipótese.45

Sob esta ameaça, Governo e revoltosos sucumbiram a um acordo ditado

pela junta estrangeira, pelo qual, a partir de 5 de outubro de 1893, o conflito passaria a

ser regulado por observadores da Junta, que também opinariam sobre a movimentação

do porto do Rio de Janeiro.

A percepção do Governo seria de que a Junta tendia progressivamente a

beneficiar e apoiar os rebeldes, o que poderia ser oficialmente declarado caso esta

43 SDGM/Marinha do Brasil, 3255 Lata 81. Carta do Comandante do Sirius.(02/10/1893).

44 Os representantes da Inglaterra, França, Itália, Holanda e Estados Unidos no Rio de Janeiro. Note-se a não participação da Alemanha na Junta Estrangeira.

45 SDGM/Marinha do Brasil, 3255 Lata 81. Carta do comandante do Sirius. (02/10/1893).

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reconhecesse a aqueles o estado de beligerância, o que possibilitaria o estabelecimento

de um governo paralelo. Em longo prazo, também segundo o Governo, o bloqueio,

sobretudo de armas enfraqueceria cada vez mais sua situação.46

Os rebeldes procuravam a ofensiva também no exterior. Quando Floriano

resolveu comprar navios nos Estados Unidos e na Europa e equipá-los com marujos

destas nacionalidades, o Cônsul do Brasil em Montreal, José Custódio Alves de Lima, a

partir dos primeiros dias de outubro de 1893, começou a manobrar em favor dos

rebeldes, ordenando inclusive a tentativa de sabotagem desses navios, fomentando

revoltas entre sua equipagem e tentando influenciar a opinião pública americana com a

divulgação de falsas informações para a imprensa.47

Floriano Peixoto tentaria então contatos com o Governo americano para a

aquisição de navios de guerra daquele país. Em resposta ao seu pedido, o Secretário de

Estado Gresham solicitou permissão para fazer uma incursão armada no Rio de Janeiro,

sob o pretexto de proteger a marinha mercante.48

Floriano recusou o auxílio militar direto, mas solicitou, através de Salvador de

Mendonça, que os Estados Unidos impedissem a intervenção européia com a divulgação

de uma nota circular declarando que qualquer intervenção nas lutas domésticas do

Brasil seria considerada pelo Governo dos Estados Unidos como uma violação à

Doutrina Monroe.49

Entretanto, revelando um descompasso com o que havia sido acertado em

Washington, navios americanos comandados pelo Contra-Almirante Oscar F. Stanton

46 SDGM/Marinha do Brasil, 961H603 Lata 160. Telegrama do representante inglês no Rio de Janeiro

para o Foreign Office.(25/10/1893). - O desembarque de munição de navios alemães para o Governo

brasileiro foi impedido pelos navios ingleses. As reclamações feitas a esse respeito pelo Ministro das

Relações Exteriores, Carlos de Carvalho, não produziam efeito, uma vez que o Foreign Office não se

intrometia nas decisões de seu representante no Rio de Janeiro e limitava-se a tomar conhecimento das

decisões da Junta. Os ataques aos rebeldes eram inclusive impedidos por navios ingleses e os armamentos confiscados na Baía de Guanabara eram ainda entregues a Custódio.

47 AHI 235.3.14, Ofício Reservado do encarregado da Legação em Washington, Salvador de Mendonça,

para o Ministro das Relações Exteriores, Cassiano do Nascimento: Anexos (05/07/1894). - Salvador de

Mendonça, representante do Brasil em Washington utilizou os serviços da Pinkerton's National Detective

Agency para obter essas informações e acompanhar a movimentação de Alves de Lima e dos rebeldes nos

Estados Unidos, conforme se pode comprovar através dos relatórios da própria agência.

48 AHI 235.3.14, Ofício reservado do encarregado da Legação do Brasil em Washington Salvador de

Mendonça, para o Ministro Carlos de Carvalho, Documento A, (02/10/1893).

49 AHI 235.3.14, Ofício reservado do encarregado da Legação do Brasil em Washington Salvador de

Mendonça, para o Ministro Carlos de Carvalho, Documento A, (02/10/1893).

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entrariam na baía do Rio de Janeiro em 30 de outubro de 1893, e após saudarem os

rebeldes, receberiam em visita o Almirante Custódio de Mello, ignorando o Governo e

prestigiando os revoltosos. Ao mesmo tempo o ministro inglês no Rio procurava limitar

ainda mais os direitos de defesa do Governo Federal. Nova ofensiva diplomática foi

então ordenada por Floriano fazendo necessária a interferência direta do próprio

Presidente Cleveland, para que o reconhecimento da beligerância aos rebeldes fosse

negada, o que causou o afastamento de Stanton e de Thompson, esse último então

embaixador no Rio de Janeiro.

Essas mudanças políticas aconteciam porque os Rothschilds empenhavam-se

então em conseguir a neutralidade dos Estados Unidos, segundo Salvador de Mendonça,

para beneficiar a restauração da Monarquia, da qual o manifesto de Saldanha da Gama,

em 7 de Dezembro de 1893, seria uma indicação. Por volta do dia 20, os Estados

Unidos, em outra reviravolta, passaram a pressionar o Governo brasileiro, entendendo

como certa a vitória dos rebeldes e não querendo repetir o episódio do Chile, onde os

Estados Unidos apoiaram o lado perdedor. Em 22 seria dado ordem a Picking, novo

Chefe da Divisão Naval americana, para não permitir que os navios mercantes norte-

americanos seguissem as ordens de fundeio dadas pelo Governo Federal. Somadas ao

esmagador sucesso das tropas Federalistas em Curitiba e da tomada de Desterro pela

Armada, estas ordens significariam o aperto final no laço do bloqueio. A diplomacia

brasileira se fez então mais tensa e angustiada: nos dias 19 e 20, Rio Branco participaria

diretamente de conversações com o Secretário de Estado Gresham e com os ministros

da Inglaterra e Portugal em Washington.50

Nesse período, demonstrando a preocupação

americana pelo equilíbrio continental, por três vezes, o Secretário de Estado americano

interpelaria Salvador de Mendonça para saber se a Argentina estaria ajudando os

rebeldes. A resposta seria sempre negativa. Demonstrando a gravidade da situação,

Floriano telegrafa diretamente a Legação pedindo urgência no envio de armamentos.

A estratégia dos representantes brasileiros transformou-se no duplo esforço de

tentar convencer tanto o Governo americano como a sua opinião pública de que a Junta

Estrangeira e sua intervenção na Revolta não passavam de um jogo armado pelo

ingleses e seus interesses, que influenciariam tanto o Chefe da Divisão Naval quanto o

50 AHI, Arquivo Barão do Rio Branco, Lata 879, Maço 2, Caderneta 28.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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representante diplomático americanos: “Thompson não procede [como] simples

espectador como se ordenou. É levado [a] reboque pelo Inglês. Ainda agora seu nome

figura [em] nota verbal que mais que [as] anteriores revela simpatia pelos revoltosos”.51

Salvador de Mendonça apelaria então para que os americanos rompessem o

bloqueio do porto do Rio:

Não acha Sr. Secretário de Estado, perguntei-lhe, que duas

tentativas de restauração monárquica são demais para uma só administração

Democrática? [...] O Sr. esquece-se, disse-me o Sr. Gresham com tom

convicto, de que esta Administração é uma Administração forte. [...] A

minha experiência, respondi-lhe, de mais de dezoito anos neste país

ensinou-me que há uma coisa mais forte do que esta administração - a

opinião pública, que nunca há de aprovar tamanho erro. 52

A partir deste momento o Governo americano se decidiria pelo partido do

Governo Federal, recomendando a Thompson para se afastar do corpo diplomático

europeu, trocando novamente o Chefe da Divisão Naval (pelo Almirante Benham) e

reforçando-a para romper o bloqueio. No mesmo dia em que os membros do corpo

diplomático residentes no Brasil haviam combinado aconselhar a seus Governos o

reconhecimento dos rebeldes como beligerantes (7 de Fevereiro de 1894), os

americanos fizeram saber em Londres que jamais reconheceriam o estado de

beligerância.53

Para os ingleses e italianos, que em Washington declaravam que

reconheceriam a beligerância e respeitariam o bloqueio, Gresham responderia que os

Estados Unidos usariam inclusive a força militar para defender seu direito de comércio:

“Num jantar que lhe dei ontem Gresham disse-me não reconhecer rebeldes beligerantes

51 AHI 233.4.11, Telegrama do Ministro das Relações Exteriores para Salvador de Mendonça

(18/11/1893).

52 AHI, 235.3.14, Ofício Reservado de Salvador de Mendonça para o Ministro das Relações Exteriores

(23/12/1894).

53 AHI, 235.3.14, Ofício Reservado de Salvador de Mendonça para o Ministro das Relações Exteriores

(23/12/1894).

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nem seu bloqueio [no] Rio. Hão de romper à bala se necessário mandou ordens

Thompson”.54

A partir desse momento, no qual a balança de poder passou a pender

definitivamente para o Governo Federal, os representantes americanos,

sintomaticamente, passaram a ter livre acesso ao gabinete do Vice-Presidente.55

Com o

fim do bloqueio, a permanência da Esquadra rebelada na baía do Rio de Janeiro perdeu

a sua razão de ser. Os armamentos que chegavam permitiam o bombardeio sem tréguas

dos rebeldes. Sem munição nem manutenção nos seus barcos, e com a esquadra

comprada no exterior às portas da baía da Guanabara, os revoltosos foram obrigados a

pedir asilo político aos navios de guerra portugueses. A ameaça à Capital do Brasil

terminara.

A Revolta da Armada produziria diversas mudanças na Política Externa

brasileira. Em primeiro lugar Rio Branco, devido a sua atuação, secundando Salvador

de Mendonça junto ao Governo americano, tivera seu prestígio muito aumentado, antes

mesmo de sua vitória na Questão do Território de Palmas.56

Em segundo lugar, o

alinhamento com os Estados Unidos tornara-se real e palpável. Pela primeira vez na

História brasileira este país tornara-se elemento essencial no cálculo de elaboração da

Política Externa brasileira, e nunca, desde a independência, uma força externa influíra

tanto para a sobrevivência das próprias instituições políticas. Subsidiariamente, a

Alemanha, em função de sua atuação durante a Revolta da Armada, tornaria-se a partir

desse momento um segundo foco alternativo de alinhamento, com isso inaugurando as

premissas de uma ‘opção alemã’. A Alemanha foi a única das potências européias que

54 AHI, 235.3.14, Telegrama de Salvador de Mendonça para o Ministro das Relações Exteriores

(08/12/1894). SDGM/Marinha do Brasil, 961H603 Lata 160. Carta do comandante do Racer.

(31/01/1894). - O Chefe da Estação Naval inglesa relatou que após o incidente dos rebeldes com os

navios de guerra americanos, os mercantes desse país passaram a carregar e descarregar sem restrições no

porto do Rio de Janeiro.

55 SDGM/Marinha do Brasil, 961H603 Lata 160. Carta do representante inglês no Rio de Janeiro,

Ministro Widhan. (06/02/1894). - O representante inglês relatava aos seus superiores que, segundo o

ministro português no Rio de Janeiro, os norte-americanos passaram a apoiar Floriano Peixoto e a se opor decididamente a declaração dos rebeldes como beligerantes, porque queriam deixar as outras

potências de lado e firmar a ascendência dos Estados Unidos.

56 AHI 233.4.11, Telegrama do Ministro das Relações Exteriores à Legação em Washington

(17/04/1894). Como prova desses prestígio, passado o período crítico da Revolta da Armada (dezembro

1893-Janeiro de 1894), Rio Branco passou a ser consultado sobre outras pendências externas, como a da

Ilha da Trindade, e sobre a provisão de cargos diplomáticos, assunto relativo a gestão do próprio

Ministério das Relações Exteriores.

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se negou a participar de uma eventual intervenção militar no Rio de Janeiro,57

além do

mais tornara-se uma das principais fontes de armamentos e munições do Governo

brasileiro.58

Em terceiro lugar, creditou-se ao Ministério das Relações Exteriores, em função

do papel desempenhado durante a Revolta da Armada, grande parte do mérito da

sobrevivência do regime. Muitas vezes, no Governo Floriano, o próprio Marechal

dispensaria a intermediação do Ministro das Relações Exteriores no trato com seus

diplomatas.59

O personalismo implantado em sua gestão conjuntamente com a

percepção da nova importância do Itamarati, poderia também ser considerado como um

dos fatores que permitiram que Rio Branco em 1902, laureado por suas vitórias

diplomáticas, assumisse em condições tão especiais os seus ministérios.

Por último, a Política Externa do Governo Floriano Peixoto repudiou tanto o

Idealismo inaugurado com a Proclamação da República quanto alguns pontos da

tradicional Política Externa do Império como, por exemplo, a interferência nos assuntos

internos paraguaios. Quando o representante brasileiro em Assunção convenceu-se de

que o candidato da situação, José Segundo Decoud, tido pela Legação brasileira em

Assunção, desde a década de 1870 como inimigo do Brasil e favorável à anexação do

Paraguai à Argentina, seria o vencedor nas eleições presidenciais, resolveu, com a

concordância de Floriano, incentivar e fornecer recursos financeiros para o golpe de

estado de junho de 1894 que depôs o presidente González e inviabilizou aquela

candidatura.60

Para os principais biógrafos de Rio Branco, o período compreendido entre sua

ascensão política (1893-94) e a sua posse no ministério Rodrigues Alves (1902) foi

essencial para a constituição de sua visão de mundo, em razão de sua estadia nas

capitais das maiores potências da época.

57 SDGM/Marinha do Brasil, 961H603 Lata 160. Telegrama do Representante inglês no Rio de Janeiro ao

Foreign Office.(25/10/1893).

58 Em 02/06/1894 um dos mais ardorosos adeptos de Floriano Peixoto, o então Capitão Tasso Fragoso, foi

nomeado para a Comissão de compra de armamentos, adjunto a fábrica Krupp, na Alemanha. (Araripe,

1960a, 302).

59 “Floriano teve dez ministros nomeados, se se levarem em conta duas interinidades e um que não

aceitou o cargo” (Cervo & Bueno, 1992, 148).

60 Doratioto, 1994; Cervo & Rapoport, 1998, 233.

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Após Washington, Rio Branco foi deslocado para defender na Suíça a posição

brasileira na ‘Questão do Amapá’ contra o geógrafo e geopolítico francês Vidal de La

Blache.61

Segundo Amado Cervo e Clodoaldo Bueno,62

com base em correspondência

entre Rio Branco e Salvador de Mendonça,63

dataria desse episódio a atribuição por Rio

Branco de caráter defensivo à Doutrina Monroe. No entanto, nos parece, que tal é

decorrente das suas atuações conjuntas na defesa do Governo Floriano Peixoto quando

do episódio da Revolta da Armada.

Logo após, Rio Branco residiria em Berlim de 16 de abril de 1901 até 11 de

novembro de 1902. Para Álvaro Lins, um dos principais biógrafos de Rio Branco,

embora a permanência de Paranhos na capital Alemã, conjuntamente com a estadia em

Washington e Londres, fosse essencial para sua visão de mundo, entretanto, esta seria

curta e sem acontecimentos.64

Qual seria então essa ‘visão de mundo’ adquirida nas grandes capitais e que teria

flagrante influência na condução da Política Externa brasileira por Rio Branco?

Em geral, os biógrafos de Rio Branco consideram os anos 1901-1902 como um

interregno na vida de Paranhos: cansado após dez anos gastos nas defesas dos litígios

brasileiros, exaurido financeiramente, repleto de problemas familiares, a indicação para

a Legação em Berlim seria para Rio Branco o derradeiro descanso do guerreiro. Ainda

que fosse obcecado pela lembrança paterna e pela magnitude de sua obra,65

a qual

possivelmente esperaria igualar, acreditava que, tal qual o Visconde do Rio Branco,

possuiria poucos anos de vida, os quais deveria dedicar principalmente para seus

trabalhos de História Militar.66

Não era de se estranhar que sua atividade diplomática

61 Dentre os geopolíticos, Vidal de La Blache sempre foi considerado como um precursores da geopolítica

possibilista, embora no meio acadêmico essa questão fosse vista com reticências. Quanto a essa discussão

e ao silêncio em torno de sua obra geopolítica e a de Elisée Reclus ver Lacoste, 1988

62 Cervo & Bueno, 1992, 173-174.

63 Carta de Rio Branco a Salvador de Mendonça, (05/12/1895), citada em Azevedo, 1971, 438.

64 Lins, 1965, 248.

65 AHI, Arquivo Barão do Rio Branco, Lata 879, Maço 1 e AHI, Arquivo Barão do Rio Branco, Lata

880.3 A remissão a figura paterna foi traço onipresente na biografia de Rio Branco e tal característica se

acentuaria no período da sua estadia em Berlim. Exemplos desse comportamento seriam a sua fixação em

construir um monumento para o Visconde num momento em que estava à bancarrota e posteriormente a

busca de contato com o pai em sessões espíritas no Rio de Janeiro.

66 O que pode ser facilmente demonstrado pelo volume de material acumulado por Rio Branco,

principalmente o relativo a Guerra Cisplatina.

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fosse pois surpreendentemente pequena exceto pelo labor no contato e no envolvimento

com a aristocracia local. Em 1901, uma de suas filhas, Amélia, casaria-se com o Barão

Gustavo de Werther, figura pertencente a importante linhagem alemã, ainda que em

declínio financeiro. Nas suas Cadernetas de Nota, nos documentos de seu arquivo

particular e naqueles relativos à Legação em Berlim neste período, existem indicações

que sugerem que paralelamente a um distanciamento das atividades protocolares da

Legação, Paranhos manteve um constante contato com a elite da capital alemã.67

Portanto, a proximidade de Rio Branco com essa elite dificilmente deixaria de o manter

afastado das idéias correntes então em Berlim, idéias estas que eram muito parecidas

com aquelas vigentes em Londres ou em Washington quando de sua permanência nessa

capital.

Alfred Thayer Mahan e o ‘poder marítimo’

Entre as idéias em voga na última década do século XIX, observa-se o advento

da geopolítica. Estritamente podemos situar seu aparecimento, antes mesmo do termo

‘geopolítica’ se tornar corrente, com a obra ‘The influence of Sea Power upon History’

do historiador, estrategista e militar norte-americano Alfred Thayer Mahan.

Neste livro, publicado em 1890, Mahan enfatiza a preeminência do Poder

Marítimo na evolução das civilizações, conectando política e geografia sobre um

arcabouço histórico. Seu surgimento nos Estados Unidos coincide com o esforço de

expansão imperialista deste país em direção ao Pacífico e ao Caribe. Nesse contexto,

Mahan se esforça em demonstrar que a aquisição do poder marítimo seria essencial para

o futuro sucesso americano enquanto potência mundial.

Mahan declinava em ver a luta marítima em isolamento do desenvolvimento

político pois para ele por meio dessa interação a hierarquia das Grandes Potências

estava constantemente em estado de fluxo: a acomodação significava o declínio, visto

que os impérios navais nascem e morrem. Assim, o Social-Darwinismo seria também

67 O incidente do Barão com a polícia em Berlim e a correspondência posterior a este, aparentemente

indicam grande afinidade com os integrantes da alta burocracia alemã.

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estendido ao campo das relações internacionais enquanto que o Capitão Mahan, em seus

dias, ganharia renome mundial como um moderno e marítimo Clausewitz.68

O conceito de Geopolítica para Mahan enfatizava, sobretudo, a preocupação

com a balança de poder: um dos objetivos que as grandes potências deveriam assegurar

é que nenhuma delas obtivesse hegemonia sobre o sistema internacional. Porém, quando

Mahan preconizava o equilíbrio do sistema internacional não estava preocupado, como

seus contemporâneos, somente com a balança européia de poder, mas verdadeiramente

com o equilíbrio global. Uma vez que concorreriam no nível planetário, os Estados

competidores deveriam adotar doutrinas estratégicas e estruturas de força em plano

similar. No princípio do Século XX, este princípio seria claramente ilustrado pela

competição geral entre as Grandes Potências na construção dos dreadnoughts e na

adoção da doutrina estratégica da linha de batalha. Atento à lógica de seu princípio de

Poder Marítimo Mahan daria então grande importância à relação entre a política externa

de um país e o seu poder naval. Uma Grande Potência que perseguisse uma política

externa expansionista – ou ainda um país que tentasse conter a expansão dos rivais –

requereriam poder naval.69

Coerentemente, um dos principais axiomas do pensamento

geopolítico em Mahan é que a Geografia não é o fator determinante, este seria a ação

humana concentrada no que assim chamou Character of the government, o qual, em

última análise é o agente catalisador do insucesso ou da glória de um Estado. O governo

é, por assim dizer, o agente interventivo e realizador por excelência num ambiente

transnacional, o Sistema Internacional cujo principal elemento seria o Poder Marítimo.

Este seria um sistema supranacional auto-sustentado resultante da interação entre o

público e o privado.

Em um de seus trabalhos principais ‘Sea Power in its relations of the War of

1812’, no qual o autor tipificaria o conjunto de seu pensamento, apresenta-se um

impressionante similaridade com as iniciativas da Política Externa nos ministérios Rio

Branco: ao dissertar sobre o conflito anglo-americano de 1812, Mahan conclui que a

fraqueza naval americana naquele período foi a causa de uma guerra desnecessária que

expôs a economia americana e o seu próprio Governo à desastrosas conseqüências. A

68 Murphy, 1997, 2.

69 Mauer, 1991.

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lição para os Estados Unidos no entanto não seria a da necessidade de construir a maior

marinha do mundo, mas preferivelmente uma frota suficiente e modesta que pudesse,

quando a Geografia e outras circunstâncias fossem levadas em conta, deter qualquer

potência mundial ao demonstrar capacidade de concorrer quando fosse necessário ao

recurso da guerra.70

O pensamento de Alfred Mahan teve profundo impacto na Inglaterra, aonde foi

saudado como um ‘Novo Copérnico’,71

nos Estados Unidos, no Japão e na Alemanha.

Neste último país Mahan esteve em 1895, após passar pela Inglaterra, e foi recebido

entusiasticamente pelo Kaiser Guilherme II. Praticamente todos os seus livros foram

publicados na Alemanha por iniciativa do próprio Imperador e logo tornaram-se

campeões de vendagem. A opinião pública desse país quanto a política externa, passou

a se dividir entre aqueles que favoreciam a expansão da esfera de influência alemã para

a Europa Oriental [Drang nach Osten] através da consolidação de um bloco de poder na

Europa Central através da aliança com o Império Austro-Húngaro; e entre os partidários

da expansão marítima, organizados em torno do periódico Deutscher Kolonialverein,

que pregava a aquisição de colônias e a construção de um poder naval, o qual era visto

como pré-requisito essencial para a grandeza nacional. Esta idéia possuía apelo especial

para o Kaiser, o qual via a Inglaterra, ao mesmo tempo, como a principal rival e o maior

modelo da Alemanha na implementação da política da Weltmacht.72

Confirmando a influência de Mahan na Alemanha, Ratzel, em sua ‘Politische

Geographie’ (1897), também demonstraria preocupação com o poder marítimo, e,

antecipando Mackinder, apontaria a oposição entre Seemächter (Poderes Marítimos) e

Landmächter (Poderes Terrestres), chegando a conclusão de que Seemächter é capaz de

levar à rota mais rápida e fácil da consecução do poder mundial, ainda que um

verdadeiro poder necessite dos dois vetores. Ainda para este autor, a Weltmacht poderia

ser definida como “Une puissance mondiale, un empire capable d’embrasser et

70 Sumida, 1999.

71 Ó Thuathail, 1996, 41.

72 Parker, 1998, 27-28.

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d’influencier politiquement l’ensemble des terres connues, mais en occupant, ajoute-t-il,

des emplacements suffisamment statégiques pour eviter la dislocation”.73

Já em 1890 pelo Acordo Colonial Anglo-Germânico de 1º de Julho, o qual

previa a troca de Zanzibar por Heligoland, era evidente que a Alemanha decidira

competir pela predominância naval, entendida por Bismarck no sentido da expansão de

comércio irrestrito e não da expansão territorial das colônias alemãs.74

Deste modo a

doutrina de Mahan completava-se com uma estratégia de Política Externa alemã

gestacionária e concorrente com o British Defense Act.

Alfred von Tirpitz e o ‘valor de aliança’

Restava então sensibilizar a opinião pública a este ponto de vista. Através do

Ministro da Marinha Tirpitz iniciou-se uma poderosa campanha que teve como centro

as obras de Alfred Mahan. Tanto Mahan como Tirpitz entenderam a necessidade da

publicidade para conscientizar as massas da necessidade de uma Esquadra. Tirpitz

elevaria a arte da manipulação da opinião pública a um novo status: dois jornais semi-

oficiais, o Marine Rundschau e o Nauticus, somaram-se a um centro de divulgação da

Marinha Imperial para levar a mensagem mahaniana aos cantos mais remotos do Reich.

Tirpitz apelaria também ao Ministro da Cultura para fazer o que fosse possível para

popularizar o trabalho de Mahan nas instalações militares e nas escolas públicas.75

73 Korinman, 1990, 71.

74 Kent, 1982, 130.

75 Herwig, 1991. A tiragem do órgão de publicidade da Liga Marítima Alemã [Flottenverein] – Die Flotte

– era de 320.000 exemplares e 75% dos alemães conheciam este periódico sendo que 246.997 eram

associados da Liga. 150.000 pessoas por mês assistiam às conferências da Liga. “A Liga alemã foi

fundada em 30 de abril de 1898 [...]O imperador Guilherme II afim de prestigiar o novel cometimento [a

fundação da Liga Alemã], compareceu à sessão de instalação [...]declarou mais, que considerava

verdadeira honra [...]ver seu irmão [...]como protetor da Liga Marítima [...]O príncipe de Wied,

presidente do Landtag prussiano, figura proeminente na corte e um dos membros mais influentes da aristocracia alemã, foi eleito presidente da Liga e, tesoureiro, o ilustre Mendelsoohn, riquíssimo

banqueiro [...]um dos que primeiro aderiram a incipiente Instituição, foi Alfredo Krupp, amigo pessoal do

Imperador e o representante mais em vista da industria alemã [...]não são só os grandes centros os

escolhidos para a propaganda; de contínuo, percorrem as povoação campestres verdadeiro Exército de

conferencistas acompanhados de aparelhos cinematográficos [...]A todas escolas que o pedem, são

fornecidos grátis, grandes cartazes [...]dando informações precisas do poder marítimo alemão [...]Esses

cartazes são afixados também, nas salas de espera das estações ferroviárias, das pontes de barcas

[...]Próximos desses estão colocados aparelhos cinematográficos funcionando automaticamente mediante

a queda em seu bojo de uma moeda de 10 pfennings”. – Liga Marítima (Julho de 1907).

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Para Tirpitz, uma armada poderosa era por si só um valor em potência que se

somaria àqueles valores tradicionais que funcionavam como medidores de prestígio da

diplomacia, ou seja, era um valor de aliança [Bündnisfähigkeit]76

que passava a

constituir um novo nível de poder político. Somando-se ao pensamento Mahaniano que

já era então de rigueur entre as Chancelarias das principais potências na virada do

século, e em face das mudanças tecnológicas que iriam possibilitar o dreadnought,

Bündnisfähigkeit transformou-se em um fator real de valor entre as próprias Grandes

Potências.77

Existia também, já desde o final do século XIX, no Brasil uma literatura que

demostrava a preocupação das nas elites dirigentes com a renovação da Marinha

brasileira, dentre cujas obras podemos citar: ‘Reorganização Naval’ de I. J. Fonseca

(1894), ‘A Marinha d’Outrora’ de Afonso Celso de Assis Figueiredo, ‘Reorganização

Naval’ de João Augusto dos Santos Porto (1894) e ‘A Nova Marinha’ de Américo

Brazílio Silvado (1897). Estas obras podem ser consideradas como pertencendo a um

ciclo que se iniciou nos últimos anos do Império, em reação ao envolvimento militar nas

questões políticas, e que se intensificaria com o final da Revolta da Armada. Portanto

consideramos que esta literatura apresentaria motivações distintas daquelas que em

diferentes níveis seriam esposadas por Arthur Jaceguay em ‘Organização Naval’ (1896),

Arthur Dias em ‘O Problema Naval’ (1899), Rui Barbosa, Rio Branco e parte da

oficialidade das Forças Armadas:

Meu pai, que o conheceu muito de perto, - serviram, ambos, a

um mesmo governo [Clodoaldo da Fonseca, chefe da Casa Militar do

Governo Hermes da Fonseca] - meu pai dizia que o Barão, - cheio de

bonomia no aspecto, no trato e no tom da voz -, era cruel quanto às

convicções que esposava e não tinha por hábito temer-lhes as

conseqüências. Assim, como bom discípulo de Darwin, pensava Rio Branco

que a vida é apanágio dos fortes, que na vida sobrenadam os robustos,

76 O conceito de 'alliance value' de uma Armada significava que uma frota potencial emprestaria a nação

que a possuísse um nível político superior no Sistema Internacional.

77 É curioso notar o modo como alguns autores apreenderam a linguagem de Rio Branco. Amado Cervo

escreveu que “Num certo sentido, o ministro brasileiro falava a linguagem de Theodore Roosevelt”.

(Cervo & Bueno, 1992, 165).

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cabendo aos débeis sucumbir e perecer porque, consoante a lei de seleção

das espécies, este é o destino deles, ou que vivam, vá lá! mas mediatizados,

vale dizer, em português claro, subjugados. Não é nada de estranhar tenha o

Barão alimentado simpatias vivas pelo movimento pangermanista, - aliás, na

Alemanha de Von Bernhardi ele vivera muito a gosto -, e cogitasse mesmo

de aproveitar-se de certos critérios de Treitschke na formulação dos seus

secretos desígnios na América do Sul, quais os de fazer também do Brasil,

nesta parte do Continente, um Volkslehre, um povo de patrões.78

Também Rui Barbosa, quando exilado na Inglaterra em 1895, desenvolveria

concepções semelhantes sob a influência do poder marítimo no relacionamento

internacional quando escreveu as ‘Cartas da Inglaterra’. Trechos desse texto,

especialmente ‘A Lição do Extremo Oriente’, foram transcritos na época pelo periódico

oficial da Marinha brasileira, A Revista Marítima Brasileira (maio de 1895) e pelo

Jornal do Commercio (12, 14, 17 e 19 de maio de 1895). É sintomático que A Revista

Marítima Brasileira prefaciasse essa publicação com o seguinte comentário: “se não

devemos desdenhar do que se passa nas potências marítimas estrangeiras,

imprescindível é atender à nossa situação geográfica e política”. Inclusive, em seu texto,

Rui Barbosa citaria várias vezes trechos da obra de Mahan ‘The influence of the Sea

Power upon History’.79

Ainda que a estadia de Rio Branco em Berlim seja considerada pelos seus

principais biógrafos como tendo sido desprovida de acontecimentos, esse período seria

importante em virtude da influência que exerceria na formação de seu projeto de

condução da Política Externa. Os dois únicos temas com que Paranhos lidaria

diretamente em sua estadia em Berlim, seriam a ‘Questão do Acre’ e o problema do

Estágio militar.

78 Fonseca, 1974, 85.

79 “Os povos sãos e fortes, as nações másculas e livres, amam nas suas esquadras a imagem da própria

existência. As raças decadentes e sem futuro vão-nas esquecendo, e deixam-se entorpecer à beira do

oceano, sonolentas e indefesas. Há um paralelismo eloqüente entre a história das deslocações da

supremacia marítima e a das culminações do progresso. ‘O poder naval é a florescência da civilização’

[...] O oceano impõe deveres. O mar é uma escola de resistência. Às suas margens os invertebrados e os

amorfos rolam nas ondas e somem-se no lodo, enquanto os organismos poderosos endurecem às

tempestades, levantam-se eretos nas rochas e criam, ao ambiente puro das vagas imensas, a medula dos

imortais”. (Barbosa, 1966, 192).

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Relativamente à ‘Questão do Acre’, Rio Branco fora acionado para tentar obstar

que o Bolivian Syndicate arrebanhasse acionistas na Alemanha. Paranhos considerava

que a Bolívia ao conceder a esse empreendimento poderes que normalmente competiam

ao Estado, estaria equiparando o território aos seus congêneres africanos e asiáticos

aonde as chartered companies também possuíam os mesmos privilégios e que estando o

fato consumado, os Estados Unidos não agiriam contra os interesses de seus naturais.

Dessa maneira Rio Branco fora reapresentado ao problema da possibilidade de agressão

extra-continental ao Brasil.

Por outro lado, o problema do Estágio militar surgiu no dia 15 de março de 1902

e a princípio não estava relacionada diretamente com a reorganização das Forças

Armadas. A Marinha brasileira pedia que dois oficiais pudessem servir embarcados em

um navio de guerra alemão.80

A respeito desse pedido, a Legação foi informada que

nunca houvera antecedente de oficiais estrangeiros servindo em sua Armada. Quase ao

mesmo tempo o Exército pediu que dois adidos militares enviados para Berlim

‘pudessem praticar’ um deles em regimento de infantaria e outro no preparo da ‘pólvora

sem fumaça’. A natureza de tais pedidos demonstrava que estes haviam sido

arquitetados isolada e impulsivamente sem o conhecimento das normas diplomáticas,

uma vez que, como informou a Chancelaria alemã, um diplomata estrangeiro não

poderia ser concomitantemente subalterno em uma unidade do Exército alemão, ainda

mais em uma unidade considerada de segredo tecnológico, como era à época o fabrico

da pólvora sem fumaça.81

Rio Branco sugere então ao Ministério das Relações

Exteriores que o Brasil mande oficiais para, especificamente, estagiar no Exército

alemão, e se propõe a criar o precedente que possibilitasse o envio periódico de

estagiários. Em 30 de abril de 1902 ele consegue que o primeiro oficial seja aceito em

uma unidade regimental germânica.82

Este episódio sugeriria a Rio Branco uma linha de

ação para a futura reorganização das Forças Armadas brasileiras, que iria constituir um

dos seus principais projetos de política externa.

80 AHI, Arquivo Barão do Rio Branco, Lata 854 Maço 1.

81 AHI 203.2.10, Ofício da Legação brasileira em Berlim para o Ministro das Relações Exteriores

(17/04/1902).

82 AHI 203.2.10, Ofício da Legação brasileira em Berlim para o Ministro das Relações Exteriores

(30/04/1902).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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A ‘balança de equilíbrio’ Sul-americana

Estes precedentes foram importantes para que notássemos a intencionalidade de

certos aspectos da política externa brasileira nos ministérios Rio Branco. Rio Branco

seria um geopolítico no sentido em que essa afirmação se positivaria no início do

século, ou seja, de um adepto do pensamento Mahaniano, como ademais vários outros

membros da elite brasileira de sua época. Suas respostas aos estímulos do Sistema

Internacional eram coerentes não só com sua construção intelectual, mas também com o

histórico recente das relações internacionais brasileiras. Deste modo, Rio Branco

aplicaria sua ocularidade em resposta aos anseios diferenciados, mas coerentes da elite

governante e do coletivo de pensamento enfeixado pelo Itamarati.

Ao assumir o Ministério das Relações Exteriores no governo Rodrigues Alves,

em dezembro de 1902, Rio Branco encontrava a política externa brasileira

convulsionada por uma série de enfrentamentos, aos quais se somariam hipóteses reais

de pretensões do imperialismo extra-continental e financeiro.

O Brasil herdara do Império uma rivalidade histórica com a Argentina que

possuía raízes nas antigas disputas coloniais entre Portugal e Espanha. A partir da

segunda metade do Século XIX, a balança de poder sul-americana se estabilizou através

das alianças regionais que opunham a aliança do Brasil e do Chile à Argentina. Em

torno desse contexto se formaram outras sub-alianças, como as que opunham o Peru ao

Equador. Desde a década de 1870 a Argentina e o Chile se empenharam em uma corrida

armamentista em razão da disputa sobre a desabitada, mas economicamente promissora,

região da Patagônia e pelo controle dos estreitos que ligam o Pacífico ao Atlântico.

Ainda que o Chile tenha conseguido manter, à princípio, uma vantagem que possibilitou

a sua Armada exercer direitos de soberania sobre parte da Patagônia (até a foz do Rio

Santa Cruz), o notável crescimento econômico e a expansão proporcionada pela

emigração européia, propiciaram a Argentina desequilibrar militarmente o conflito e

permitiram a posse da maior parte do território contestado no Governo Roca – na

sangrenta ‘Conquista do Deserto’. Este esforço armamentista fez com que no início do

século XX a marinha argentina fosse a principal força da América do Sul, malgrado os

esforços chilenos. Tal posição hegemônica se traduziu numa tentativa de reorganização

do sistema geopolítico latino-americano. A ascensão de lideranças mais agressivas,

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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compostas em torno do Ministro das Relações Exteriores argentino Zeballos,83

atraíram

progressivamente para a esfera argentina as lideranças do Paraguai e da Bolívia, que se

transformaram a partir de então, em Crucher Zones entre a Argentina e o Brasil. No

contexto das alianças regionais, a partir do Governo Quintana, o Ministério das

Relações Exteriores argentino trabalhou para atrair o Peru para um acordo que lhe

permitisse expor o Brasil a duas frentes de atrito.84

Tal feito foi possível em função da

orientação expansionista que os sucessivos governos peruanos haviam imprimido a sua

política externa – no período 1901-1911 o Peru enfrentou militarmente Equador, Bolívia

e Colômbia por questões de fronteira na Amazônia.

Em relação ao Rio da Prata, conquanto o Brasil sempre mantivesse como um de

seus objetivos manter aberta a navegação na Bacia Platina, e se conformasse com o

status quo obtido com a Guerra Cisplatina, Buenos Aires pretendia, no início do século,

uma revisão daqueles acordos. Ainda que se propusesse a conservar o Uruguai como

Buffer Zone, a pretensão argentina, uma vez que descoberto um canal mais profundo e

mais fácil de conservar próximo a costa uruguaia, era estender sua soberania até esse

canal, ou seja, na prática todo o Rio da Prata se tornaria território argentino, já que o

novo talvegue limitaria as águas territoriais uruguaias às suas próprias costas. Em

resposta à Argentina, o Uruguai sugeriu dividir ao meio o Rio da Prata, proposta

também bastante prejudicial ao Brasil. Intrometendo-se na questão, de modo a

obstacularizar a expansão platina, Rio Branco sugeriu a aplicação do mar territorial de

três milhas e a internacionalização do restante do Rio da Prata, solução que convinha às

Grandes Potências e de acordo com as convenções de direito marítimo da época. A

questão do Canal do Rio da Prata passaria a ser então mais uma das razões latentes para

o conflito entre o Brasil e a Argentina.

A Argentina, conquistada a Patagônia e adquirida a supremacia naval na

América do Sul, passaria a concentrar-se em disputar com o Brasil a supremacia

regional, especialmente na região da Bacia do Prata. Tanto no Uruguai como no

83 Zeballos foi Ministro das Relações Exteriores da Argentina em 1889/1890, 1890/1892 e 1906/1908.

84 Já em maio de 1892 o Representante brasileiro em Buenos Aires Serzedelo Corrêa, alertava o Itamarati

a respeito das intenções argentinas de anexar não somente o Paraguai, mas também o Uruguai. Ainda em

1901 Ciro de Azevedo, representante à época em Buenos Aires informava que projetos apresentados ao

Congresso argentino completariam o “plano de suserania indireta” da Argentina sobre a Bolívia, “ao

canalizar a saída de todos os seus produtos” (Bueno, 1986).

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Paraguai, ela passou a estimular a sublevação contra os governos que o Brasil

sustentava e aumentou dramaticamente sua influência cultural e econômica na Bolívia e

Paraguai. As concessões espontâneas feitas por Rio Branco ao Uruguai em 1909,85

no

auge da crise com a Argentina, podem ser entendidas no contexto de uma ofensiva

diplomática destinada a evitar o isolamento do Brasil no sistema latino-americano,

precipitado, aliás, pela própria recusa brasileira em endossar o protesto do Ministro das

Relações Exteriores argentino, Drago, contra a intervenção anglo-alemã na Venezuela.

Um projeto em execução

Rio Branco assumiu o Ministério das Relações Exteriores no auge da crise do

Acre, alçado ao posto escolhido sobretudo por haver sido aquele que resolvera pacifica

e vitoriosamente as questões de Palmas e do Amapá. Contudo eram situações

absolutamente diferentes, por se tratarem de territórios sobre os quais o Brasil jamais

deixara de reconhecer a soberania. Existiam títulos históricos que serviam como base de

argumentação jurídica. No caso do território do Acre, o Brasil na época da Guerra do

Paraguai, através do Tratado de Ayacucho em 1867, firmara tratado que reconhecia

àquele como território boliviano, e mais tarde o confirmaria quando do estabelecimento

da fiscalização boliviana naquela área. O Acre era também em parte reclamado pelo

Peru que aproveitando a ocasião ocupou militarmente em 18 de outubro de 1902, a foz

do rio Amonea, afluente do Juruá, e em 22 de junho de 1903 estabeleceu uma guarnição

militar na foz do rio Chandless, afluente do Purus. Desse modo foi dominado um

território de população brasileira, fazendo com que o Brasil fosse obrigado a mandar

também tropas para a região, de maneira a impedir que o Peru tentasse pela força criar

uma situação que carecia de qualquer outra defesa.86

Rio Branco julgava que a ambição do Peru em se expandir sobre a Amazônia,

era parte de um projeto nacionalista feito sob medida para apagar o desprestígio trazido

pela perda das províncias do sul para o Chile. Já no início de 1903 ele fizera embarcar

85 Estas concessões foram a cessão sem compensações do condomínio do Rio Jaguarão e da Lagoa Mirim,

antes soberania exclusiva do Brasil. Segundo Clodoaldo Bueno, já no início do século o Itamarati se

preocupava que esse problema de fronteira alimentasse uma aliança entre Uruguai e Argentina (Bueno,

1986).

86 AHI 235.3.22, Telegrama de Rio Branco à legação em Washington (09/04/1904).

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fuzileiros navais para proteger o território do estado do Amazonas quando do conflito

entre Peru e Colômbia. Até esse momento ainda parecia certo que a própria rudeza do

clima se incumbiria de tornar pacíficas as questões de fronteira,87

mas a borracha

passara a atrair novos interesses à área. Agora o Brasil necessitava de força militar, pelo

menos equivalente, para secundar a ação da diplomacia.

A necessidade da Força Militar

No início de 1904, em virtude do agravamento da situação com o Peru, e diante

do decorrer das negociações com a Bolívia, Rio Branco conseguiu de Rodrigues Alves

ordens de mobilização urgente da Marinha e do Exército:

No dia 25 de maio [de 1904] em conferência com o presidente e os

ministros da Guerra e da Marinha, soube que só o 14° e o 26° batalhões, da

Bahia e de Pernambuco, tinham sido mobilizados [...]Era de espantar, ‘que

gastando com o Exército muito mais do que o Chile e a Argentina, não

possamos dispor de uns 6 mil homens em um momento crítico e decisivo

como este’.88

Àquela época já era patente a inferioridade naval do Brasil frente a Argentina e o

Chile. Rio Branco impulsionara então vigorosa campanha na Imprensa e no Congresso,

sob a liderança do Deputado Laurindo Pitta, visando a renovação da Esquadra, embora

os contatos entre a Marinha brasileira e os estaleiros ‘Armstrong-Whitworth’ já viessem

87 “Em março de 1903, 60 infantes embarcaram no Cruzador Barroso e seguiram para Tabatinga, na

Amazônia, onde, estacionados, velariam por nossa neutralidade no conflito Peru-Colômbia, que se

esboçava. Em quatro meses, uma febre equatorial dizimou o contingente, regressando para o Rio de

Janeiro, como sobreviventes, um sargento, dois cabos e três soldados” (Martins, 1997, 91).

88 Amaral, 1974, 153.

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de pelo menos novembro de 1903.89

Esta foi a motivação do Programa Naval de 1904,

chamado de Programa Noronha, ou seja, a compra do maior número de navios de

pequeno porte capazes de proteger integralmente o litoral. Estas unidades seriam três

encouraçados, três cruzadores-encouraçados, seis caça-torpedeiros, doze torpedeiras,

três submarinos e um navio-carvoeiro. Incapazes de por si só deslocarem a balança de

poder sul-americana, no máximo visavam a desencorajar quaisquer veleidades

argentinas.90

Contudo, ainda que fosse reconhecida a inferioridade brasileira em armamentos,

a organização e a capacidade das Forças Armadas não era ainda posta em dúvida como

pode ser comprovado pela estupefação demonstrada por Rio Branco. A ‘questão do

Acre’, no plano militar, importava no exercício de enviar tropas a um território remoto e

inóspito, um pesadelo para qualquer logístico. A apreciação deste primeiro desempenho

das Forças Armadas brasileiras contra um adversário real na República seria

surpreendentemente negativo.

Alexandrino de Alencar era o Comandante da Divisão Naval enviada para a

região do contencioso com o Peru para secundar a ação do Itamarati. Essa esquadra

após receber ordem para seguir para o Amazonas, levou vinte dias antes de poder

levantar âncoras e quarenta dias para chegar ao Pará.91

O despreparo também ficou

manifesto no momento em que se fez necessária a intervenção do Exército,

89 Armoured Crusier, Design 352 (Topliss, 1988, 243). Existia, como já foi citada, uma preocupação com

a renovação do material flutuante da Marinha brasileira, inclusive reivindicada pelo Ministro da Marinha:

“No relatório [...]do ano passado, declarei [...]que eram por demais precárias as condições de nossa

esquadra, que o nosso poder naval, principalmente depois de Setembro era quase nulo, e que, a meu ver,

fosse qual fosse o sacrifício do tesouro, era urgente reorganizar a Marinha; as apreensões que nessa época

assaltavam meu espírito crescem cada dia de vulto [...]pela descrição já feita de todos os nossos navios se

verifica Sr. Presidente da República, que apenas dispomos atualmente para combate, de um encouraçado de oceano, de três cruzadores [...]todos sem a velocidade e o raio de ação necessários; qualidades hoje

essenciais e levadas a alto grau nos navios de todas as potências; de uma caça-torpedeiras de 18 milhas.

Isto quer dizer, que nos achamos desarmados, impossibilitados não somente de aceitar qualquer batalha

naval, como mesmo para opor a menor resistência à guerra de corso; que o nosso comércio marítimo pode

ser repentinamente paralisado, que nosso portos se acham sujeitos a serem tributados e bombardeados

impunemente” - Barbosa, Eliziário. (1896). Relatório apresentado ao Presidente da República em dos

Estados Unidos do Brasil em abril de 1896 Rio de Janeiro: Ministério da Marinha.

90 Martins, 1997, 80-81.

91 Jornal do Commercio, 10/07/1910.

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Quando Rio Branco teve necessidade de movimentar tropas em

direção a certas fronteiras, eu servia no antigo 25º Batalhão de Infantaria e

tinha menos de um ano de praça. Não segui com meu corpo, porque já

estava relacionado para matrícula na saudosa Escola Preparatória e de Tática

de Rio Pardo. Começou para aquele batalhão uma correria espantosa. Os

soldados ignoravam quase tudo quanto deviam saber sobre o emprego de

suas armas [...] Assim foi que antes de embarcar receberam instrução sobre

o carregamento do fuzil e sobre o modo de empregá-lo na luta corpo a

corpo.92

No final desse mesmo ano de 1904, provavelmente em face das circunstâncias,

que demonstravam a impossibilidade de naquele momento utilizar as forças militares

para secundar ações da política externa brasileira, Rio Branco se viu obrigado a lançar

mão pela primeira vez de artifícios que viessem compensar àquele óbice.

O primeiro desses artifícios seria o recurso a intervenção militar americana. Ele

surgiu quando a Argentina decidiu enviar navios de sua Armada para o Paraguai, a fim

de interferir na guerra civil que então se travava. Rio Branco, sabendo estar assegurada

a reeleição de Roosevelt, pediu que os Estados Unidos mandassem dois navios de

guerra para o Paraguai.93

O segundo artifício foi utilizado no desdobramento da ‘questão do Acre’.

Quando em 1905, o Peru passou a reivindicar mais de 400 mil Km² da Amazônia

brasileira, Rio Branco assinou pelo Brasil um tratado secreto de aliança militar com o

Equador contra o Peru. Foi esse, na República, o único tratado secreto desse gênero

celebrado com um país sul-americano.94

Esta manobra se fizera necessária porque era

sabido pela Chancelaria brasileira que o Peru aumentara seus esforços para a aquisição

de armamentos: o Peru havia comprado a Krupp três baterias de quatro canhões cada

uma, sendo duas de montanha e todas de tiro rápido e ainda havia adquirido

92 Cidade, 1941, 60-61.

93 AHI 235.3.22, Telegrama de Rio Branco para a Legação em Washington (12/11/1904).

94 Jobim, 1962.

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metralhadoras, trinta mil espingardas em uso no exército austríaco e outras oitenta mil

do mais novo modelo alemão.95

Se militarmente o Brasil precisava se reequipar para enfrentar velhos e novos

rivais na América do Sul, outros vetores elevariam esta preocupação a um grau ainda

mais alto. Vários precedentes já haviam indicado que a hipótese de uma agressão

imperialista não deveria ser descartada, por exemplo a intervenção britânica na América

Central, a germânica no Haiti, as italianas na Colômbia e Equador e a intervenção

conjunta na Venezuela. Em tempos mais recentes o Brasil sofrera vários

constrangimentos nas Guianas como a ocupação do Pirara pela Expedição Schomburg, a

tentativa de ocupação do Amapá em 1895 pela canhoneira francesa Bengali, o episódio

da canhoneira Wilmington em 1899 no Amazonas durante a Crise do Acre, a ocupação

da Ilha da Trindade pela Inglaterra (durante 1895-1896, sendo que em 1915 este país

ainda manifestou o desejo de comprá-la), e mais grave, a intervenção estrangeira na

Revolta da Armada.

Em 1905 as apreensões do Itamarati se voltavam para os grupos financeiros que

viam na Amazônia o local de ocasião para seus investimentos. Desde Berlim, Rio

Branco lutava contra a formação desses sindicatos de investimentos de caráter

multinacional. Ainda que o Bolivian Syndicate houvesse sido neutralizado, novos

grupos de especuladores se organizavam com o propósito de secionarem áreas da

Amazônia brasileira. Em Nova Iorque se formavam interesses para obter do Peru

concessões no território considerado contencioso deste país com o Brasil,96

e também

para a região outrora litigiosa do Amapá, aonde constava que um aventureiro chamado

Brezet comprara em Hamburgo dois vapores, um de setecentas e outro de oitocentas

toneladas e tendo alistado mercenários.97

95 AHI, 203.2.10, Telegrama da Legação de Berlim para Rio Branco (13/04/1905).

96 AHI 235.2.1, Telegrama de Rio Branco a Embaixada em Washington (11/07/1905).

97 AHI 203.3.01, Telegrama de Rio Branco para a legação de Berlim (02/06/1905).

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O Caso Panther

Entretanto seria somente no final de 1905 que se sucederia o episódio que

consolidaria a visão de política externa de Rio Branco: o Caso Panther.

A Canhoneira Panther encontrava-se destacada para a América pelo menos

desde 1902. Durante a intervenção germânica no Haiti, em 7 de Setembro de 1902, a

Panther indiretamente causou a destruição da canhoneira haitiana Crête à Pierro nas

proximidades de Gonaires, uma vez que seu comandante, o Almirante Hamerton

Killick, escolheu explodir a si mesmo e a seu barco para evitar que este fosse capturado.

Ainda em dezembro de 1902, quando a Venezuela teve praticamente toda a sua

marinha seqüestrada em função dos débitos devidos por este país às nações européias, a

Panther tentou entrar no Golfo de Maracaibo no dia dezessete, mas foi repelida pelo

Forte San Carlos, que guardava a entrada, e forçada a se retirar para reparos em Curaçao

- o bloqueio anglo-germânico só terminaria em 17 de Fevereiro de 1903.98

Novamente a

Panther, em 1911, quase que precipitaria a 1ª Guerra Mundial ao ser o pivô da chamada

‘Crise de Agadir’ entre Alemanha, Inglaterra e França.

Existem controvérsias sobre o valor militar da Panther, mas não de seu aspecto

simbólico.99

A Panther era na época um barco moderno e armado conforme a sua

categoria, com excelente raio de ação e possuía uma tripulação extremamente

experiente. Este navio, quando estava de passagem pelo Brasil com destino a Buenos

98 Scheina, 1987, 41.

99 “O Panther é citado em nossos documentos diplomáticos como ‘canhoneira’[...] Bem mais completa,

no entanto, era a artilharia do Panther[...] na realidade [era] um autêntico couraçado” (Joffily, 1988).

Segundo outro autor, o problema não era afundar a Panther, mas o que viria em forma de represália, pois

esse barco era um canhoneira de dimensões reduzidas, com armamento razoável e velocidade reduzida

para um vaso de guerra. Suas únicas defesas eram um convés de chapas reforçadas sobre o madeirame

estrutural e uma compartimentagem estanque bastante desenvolvida. Como vaso de guerra seria um navio

modesto, “apenas eficiente contra belonaves quase desarmadas como as do Haiti e da Venezuela

[...]Dispunha, porém, de confortáveis instalações, apropriada às longas campanhas coloniais”.

(Mendonça, 1992, 179-188). Embora realmente pareça haver uma superestimação do valor da Panther em Joffily, conforme comparação com as belonaves da época, Mendonça também incorre no erro de

superestimar o armamento do Brasil. Ainda que o autor cite quatro barcos capazes de afundar a Panther

(o Barroso, o Floriano, o Riachuelo e o Aquidabã) este não leva em conta o estado de conservação desses

barcos, precário à época, nem a equipagem ou a logística necessária para levá-los até o extremo sul do

país e utilizá-los em operação de guerra. Descartando entretanto o aspecto militar da questão, o valor

simbólico da Panther era muito superior a qualquer armamento de que dispusesse. Era um barco para

campanhas coloniais e fora recentemente empregado contra dois países do continente, além disso se

encontrava quando do problema com o Brasil, fundeado em área de colonização alemã, lugar sensível

para o imaginário da nação naquele tempo, sempre alerta para o ‘perigo alemão’.

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Aires, teve ordens de fundear em Itajaí, estado de Santa Catarina, entre 17 e 27 de

novembro de 1905, para homenagear a colônia alemã ali residente quando se deu o

incidente que ficou conhecido como o Caso Panther. Um marinheiro não retornou à

bordo após ter ido de licença à cidade. O Comandante da canhoneira, suspeitando da

cumplicidade local, permitiu então que seus oficiais procedessem interrogatórios e

prisões em Itajaí, que concluíram na volta expontânea do quase desertor e com o

suposto desaparecimento de um emigrante alemão, chamado Steinhoff, residente na

cidade catarinense.

Na época a Alemanha acabava de conquistar o segundo lugar no comércio

exterior com o Brasil, pouco abaixo da participação americana. A imprensa dos Estados

Unidos, reagindo à ofensiva comercial da Alemanha na América do Sul, já no início do

século propagandeava a suposta pretensão da Alemanha de apoderar-se de território no

sul do Brasil, baseada na preponderância de seus colonos na região - em 1907 os

imigrantes alemães eqüivaliam a 2% de toda população brasileira.100

Inclusive quando

de sua estada em Berlim, Rio Branco em entrevista com o Imperador Guilherme II

atribuiu essas notícias ao New York Herald e a outros jornais norte-americanos infensos

à Alemanha e à rivalidade comercial existente entre os dois países.101

A canhoneira esteve de 17 até 27 de novembro de 1905 em Itajaí, daí seguindo

até Florianópolis, aonde esteve fundeado de 20 de novembro a 4 de dezembro, rumando

100 Bandeira, 1994, 30-31.

101 AHI Arquivo Barão do Rio Branco, Lata 854, Maço 1, Pasta 2, Relato do encontro entre Rio Branco e

o Imperador Guilherme II em Berlim, manuscrito. (31/05/1901). Na realidade pareciam de fato existir na

Alemanha alguns aventureiros dispostos à ação. “A bordo do Iberia [...]em viagem de Montevidéu para

Lisboa [...]disse-me agora mesmo em conversa o General Emilio Körner, meu companheiro de viagem, o

célebre oficial alemão organizador da vitória dos oficiais chilenos contra as forças de Balmaceda, que em

1883-84, quando na Alemanha, foi convidado para tomar parte em uma conspiração das colônias alemãs

no sul do Brasil as quais pretendiam constituir-se em república independente, logo que deixasse D. Pedro

de existir ou não pudesse continuar no governo do Brasil pelo seu estado de saúde já então precário. À

frente desse movimento estava o Príncipe de Ratibor e seu agente principal era o Barão von Schoeler que

deu começo ao plano introduzindo nesse ano no Brasil 5 mil colonos alemães solteiros, antigos militares, trazendo todos armamento e munições escondidos na bagagens. O Barão Schoeler pretendia introduzir

armamento e munições para 40 e 50 mil homens; sabe o General Körner que esse armamento veio e deve

existir ainda escondido, segundo instruções dadas ao colonos. A morte do Príncipe de Ratibor – que era o

banqueiro dessa operação – parece que veio paralisar a obra de atentado a indivisibilidade de nossa pátria,

da qual por seu intermédio era sabedor o príncipe de Bismarck, então Chanceler alemão que prometeu-lhe

todos os auxílios indiretos compatíveis com a situação política de seu país. Körner já estava ao serviço do

Chile quando recebeu depois de proclamada a república em 1889 carta do Barão Schoeler dizendo-lhe

que não desistira inteiramente da empresa e achava oportuna a ocasião para realizá-la” – Carta de

Benjamim de Mello para Saldanha da Gama (27/05/1897) in Mendonça, 1986.

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então para a cidade de Rio Grande, aonde chegou em 6 ou 7 de dezembro.102

As notícias

sobre a incursão dos oficiais em Itajaí só chegaram aos jornais do Rio de Janeiro em 3

de dezembro, portanto, somente quando a Panther se dirigia para o porto gaúcho é que

principiaram as notícias na imprensa. Além da reparação às ofensas que teriam sido

recebidas quando do desembarque dos oficiais alemães e das investigações procedidas

pelos mesmos, ainda se alardeava que Steinhoff fora conduzido para a canhoneira

contra a sua vontade e lá se encontrava encarcerado. Dizia-se também que Steinhoff era

um militante socialista, emigrado de Bremen. Tal fato, se verídico fosse, caracterizaria

uma vendetta política e feriria qualquer conceito de soberania, uma vez que se tratava

de um caso inequívoco de seqüestro de um indivíduo legalmente residente no Brasil.

Embora desde 10 de dezembro de 1905 Rio Branco soubesse que Steinhoff não

fora preso nem estivera a bordo,103

estava enredado pela campanha nacionalista que fora

movida à princípio pela oposição, mas que agora atingia todos os principais órgãos da

imprensa, a qual exigia reparações a altura do ultraje que sofrera a soberania brasileira;

satisfações estas que a Alemanha de modo algum estava acostumada, ou disposta a dar.

O Itamarati ofereceu então ao Governo alemão uma fórmula de declaração que desejaria

fosse feita como ato espontâneo daquele governo para evitar que fossem cortadas as

relações entre os dois países.104

Os estágios no Exército alemão

Para a política externa brasileira e para Rio Branco, o incidente não poderia ter

acontecido em pior hora: o Chanceler manobrava para acertar formalmente o convênio

que permitia o ingresso de militares brasileiros nas Forças Armadas alemãs através de

estágio. A exemplo do ocorrido no Japão e no Chile, provavelmente se procurava criar

uma elite no interior da Corporação Militar, que possibilitasse a modernização e a

102 Jornal do Commercio (08/12/1905).

103 AHI 203.2.10, Telegrama da Legação em Berlim para Rio Branco, (10/12/1905). Na realidade durante

todo o tempo Steinhoff se encontrava em Buenos Aires.

104 AHI 203.3.1, Telegrama de Rio Branco a Legação em Berlim, (06/12/1905).

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transformação da mesma através da importação dos conceitos estratégicos e da doutrina

militar germânica.105

Em 29 de março de 1905 a Chancelaria brasileira solicitava oficialmente e pela

primeira vez, que um grupo de oficiais brasileiros fosse recebido para estagiar em

unidades regimentais do Exército alemão, por um período de dois anos.106

Em 11 de

maio, Rio Branco solicitou urgência na resposta ao seu pedido e informou que já

possuía o grupo selecionado e pronto para partir.107

O próprio Imperador Guilherme II,

em 17 de maio, permitiu o estágio, porém em caráter precário.108

Ora, tal situação fez

com que, sete meses depois, coincidentemente no auge da crise da Panther, fosse

necessário cuidar da renovação e da oficialização do estágio desse primeiro grupo de

oficiais brasileiros.

Em 8 de dezembro, atendendo à pressão popular, Rio Branco foi obrigado a

expedir ao encontro da Panther uma Divisão Naval, sendo os Cruzadores Barroso,

Benjamim Constant e Tamandaré os primeiros a receberem ordem de saída em direção

ao sul.109

O desafio militar que um só navio representava para a soberania brasileira ficou

patente no desenrolar da comissão dessa Divisão Naval. O Barroso era considerado

nosso melhor barco, significativamente aquele que normalmente arvorava a insígnia do

Ministro da Marinha; ainda assim não era considerado capaz de enfrentar sozinho um

barco bem menor, reflexo não só das condições de preparo de seu pessoal, mas também

da péssima manutenção que tinha.110

A urgência sentida por Rio Branco não encontrava

105 AHI 203.2.10, Telegrama da Legação em Berlim para Rio Branco (05/04/1905). Rio Branco tinha

consciência deste processo em andamento nos dois países, bem como dos convênios assinados por estes

com a Alemanha. Ainda AHI 203.3.1, Telegrama de Rio Branco a Legação em Berlim (29/03/1905):

“Queira informar pessoalmente Baron Richthofen minha parte que presidente deseja que possam ser

admitidos servir em regimento exército alemão seis oficiais do brasileiro nas mesmas condições em que tenham servido chilenos e japoneses”.

106 AHI 203.3.1, Telegrama de Rio Branco a Legação em Berlim (29/03/1905).

107 AHI 203.3.1, Telegrama de Rio Branco a Legação em Berlim (11/05/1905).

108 AHI 203.2.10, Telegrama da Legação em Berlim para Rio Branco (17/05/1905).

109 A Notícia, A Tribuna, A União, Correio da Manhã (8/12/1905).

110 No quadro do material flutuante em 31 de dezembro de 1906, consta na seção dedicada ao estado do

couraçado Barroso, que este se encontrava em “em consertos de vulto nas máquinas, caldeiras e fundo

duplo”. - Alencar, Alexandrino Faria de. (1907). Relatório apresentado ao Presidente da República dos

Estados Unidos do Brasil em abril de 1907 Rio de Janeiro: Ministério da Marinha.

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respaldo no material militar. Os navios designados para o acompanhar eram os únicos

que efetivamente podiam ser designados em tempo hábil: dois Navios-escola. O

Benjamim Constant havia chegado há apenas cinco dias de uma longa viagem de

instrução.111

O Tamandaré era um barco de construção nacional, notoriamente

problemático, com graves deficiências estruturais advindas do projeto de construção.112

O próprio Barroso, assim como o Floriano, encontravam-se a época deslocados de sua

base em virtude de outra urgência que fora a Revolta da Fortaleza de Santa Cruz, no Rio

de Janeiro, que ocorrera em 8 de novembro de 1905.113

Com o envio da Divisão Naval a possibilidade de confronto com o barco alemão

passou a ser grande, ainda mais que a campanha da imprensa motivou uma escalada

militar que colocou praticamente todos os barcos úteis da Marinha brasileira no encalço

da Panther. O Barroso rumou para o sul no próprio dia 8, enquanto que os Navios-

escola saíram do porto no final da tarde de 9 de dezembro. Os Encouraçados Floriano e

Deodoro iriam ainda se juntar à Divisão Naval, sendo que o último estaria sob o

comando do Almirante Alexandrino, o mesmo que comandou a Divisão Naval enviada

na crise com o Peru.114

Os dois últimos navios partiram nos dias 12 e 18 de dezembro

respectivamente,115

portanto após o Itamarati saber que a Panther não levava a bordo

Steinhoff, o que evidencia o peso que a opinião pública tivera no desenrolar da questão.

111 “O navio-escola Benjamim Constant, que daqui zarpara a 22 de abril, sob o comando do capitão de

fragata Eduardo Ernesto Midosi, em viagem de instrução, com uma turma de guardas-marinha

confirmados, regressou a 3 de dezembro do ano findo [1905]” Alencar, Alexandrino Faria de. (1907).

Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil em abril de 1907 Rio de

Janeiro: Ministério da Marinha.

112 “O cruzador Tamandaré, depois de limpar o fundo no dique, fez experiência de máquinas, a fim de se

verificar se podia sustentar durante seis horas consecutivas, a marcha horária de nove milhas”. - Noronha,

Júlio César de. (1905). Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil

em abril de 1905 Rio de Janeiro: Ministério da Marinha. Quanto a construção do Tamandaré e seus

problemas ver Telles, 1998.

113 Noronha, Júlio César de. (1905). Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados

Unidos do Brasil em abril de 1905 Rio de Janeiro: Ministério da Marinha.

114 O Paiz (09/12/1905), Gazeta de Notícias (10/12/1905).

115 SDGM/Marinha do Brasil, Livro de Quartos do Encouraçado Floriano.(1903-1906). O encouraçado

Floriano ficara retido no porto até o dia 12 para 13, provavelmente em função de problemas nas

máquinas. No quadro do material flutuante em 31 de dezembro de 1906, consta na seção dedicada ao

estado do couraçado Floriano que este estava “precisando substituir toda a tubulação das caldeiras”

Alencar, Alexandrino Faria de. (1907). Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados

Unidos do Brasil em abril de 1907 Rio de Janeiro: Ministério da Marinha.

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Diante da gravidade da situação, Rio Branco telegrafou a Joaquim Nabuco

alertando-o de sua intenção:

Panther entrou ontem Rio Grande onde estará dias. Trate de

provocar artigos enérgicos monroistas contra esse insulto. Vou reclamar

entrega preso condenação se formal ato. Se inatendidos empregaremos force

libertar preso ou meteremos a pique Panther. Depois aconteça o que

acontecer. 116

A possibilidade de uma guerra entre a Alemanha e o Brasil era assim material e

palpável, segundo os argumentos de Rio Branco. Provavelmente, e apesar dos

desmentidos posteriores do Chanceler provocados pela reação da imprensa à questão,

seu objetivo era provocar uma intervenção informal dos Estados Unidos, confiando nas

boas relações de Joaquim Nabuco com Washington.

Fui ao Departamento de Estado e não encontrando Mr. Root

informei do que havia ocorrido ao subsecretário, Mr. Bacon. Não lhe pedi de

forma alguma que interviesse, nem mesmo com palavras ditas ao

embaixador Alemão no sentido de nos ser dada reparação completa.

Preveni-o para o que pudesse ocorrer e para poder ele compreender a ação

de nosso Governo. Metendo a pique a ‘Panther’ estávamos em guerra com a

Alemanha[...]Fiz assim com os Estados Unidos o que devera fazer para com

uma nação nossa amiga e possível aliada[...]minhas próprias declarações

explicava a partida dos cruzadores como ato de previsão para impedir a

‘Panther’ de continuar a recrutar a força em nossos portos [...] a carta que eu

acabara de receber [11 de dezembro de 1905] do Secretário de Estado nestes

termos, que traduzo[...] ‘Em uma conferência que tive esta manhã com o

Embaixador Alemão o incidente da ‘Panther’ foi mencionado e ambos

concordamos em que a Alemanha seguiria natural e propriamente o

caminho indicado no ultimo parágrafo deste telegrama [dará toda satisfação

e incidente terminará sem conseqüências] Neste sentido ele se correspondeu

com o seu Governo num telegrama. Compreendeis que não podemos estar

116 AHI 235.3.22, Telegrama de Rio Branco a Joaquim Nabuco (08/12/1905).

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senão muito interessados neste assumpto; mas estamos inteiramente

convencidos que o incidente será resolvido satisfatoriamente.117

Ainda a 12 de dezembro Rio Branco havia alertado a Legação em Berlim sobre a

possibilidade de serem cortadas as relações.118

Entretanto o Barroso seria efetivamente

o único barco a conseguir alcançar a barra da cidade de Rio Grande a tempo de

encontrar o Panther, e bloquear o porto, ação que não conseguiu sustentar em virtude da

falta de combustível.119

Os outros barcos se limitaram a fundear em Florianópolis.120

Enquanto a imprensa continuou alimentando o incidente, então explorando os

ressentimentos contra os imigrantes alemães no sul, as chancelarias praticamente já

davam o caso por encerrado, restando tão somente a entrega de uma nota de desculpas

pelo Governo alemão. Esta foi redigida praticamente a quatro mãos, por Rio Branco e

Treutler, o representante germânico no Rio de Janeiro. Já em 26 de dezembro de 1905,

Rio Branco pedia a Treutler que sugerisse ao Governo alemão que modificasse parte da

declaração antes de ser divulgada ou que se aceitasse a ressalva feita por Rio Branco

sobre a prática adotada pela Marinha alemã de buscar desertores em terra, uma vez que

já existia uma circular do Itamarati de 1868 proibindo-a. Rio Branco já fora obrigado a

vir para o Rio de Janeiro para melhor enfrentar os ataques oposição que já o criticava

por causa da Marinha alemã não ter demitido ou censurado o comandante da Panther e

temia que aquele fato pudesse aumentar a insatisfação popular.121

No Brasil, dos grandes periódicos somente O Paiz achou boa a solução do Caso

Panther, enquanto que o Jornal do Commercio se absteve, enquanto que na Alemanha

certos círculos ficaram desgostosos com a atitude de Rio Branco, o que fez com que a

aproximação com a Alemanha levada a cabo pelas duas chancelarias ficasse

momentaneamente abalada.122

Ainda que a Alemanha julgasse a nota que expediu a

pedido de Rio Branco como a mais completa satisfação já oferecida a outro país, o

117 AHI 235.2.14, Ofício da Embaixada do Brasil em Washington (16/12/1905).

118 AHI 203.3.1, Telegrama de Rio Branco para a Legação em Berlim (12/12/1905).

119 Correio da Manhã e Jornal do Commercio (17/12/1905).

120 Livro de Quartos do Encouraçado Floriano.(1903-1906). SDM/Marinha do Brasil. O Floriano

permaneceu em Florianópolis até pelo menos o início de Fevereiro.

121 AHI 203.3.1, Telegramas de Rio Branco para a Legação em Berlim (07/01/1906 e 09/01/1906).

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Chanceler teve trabalhar a opinião pública brasileira, sobreexcitada pela agitação

nacionalista, numa campanha de imprensa dirigida por Rio Branco em pessoa durante

quatro dias.123

A reorganização do Exército brasileiro

De qualquer modo, no início de 1906 parecia claro que Rio Branco conseguira

atingir seus objetivos imediatos: além de contornar a crise aberta com a Alemanha e

pacificar a opinião pública, fez com que o estágio dos oficiais brasileiros nas Forças

Armadas alemãs fosse prorrogado para mais dois anos a partir de 24 de dezembro de

1905, abrindo deste modo o precedente para que outros grupos pudessem lhe seguir.124

Em 25 de março de 1906, o Itamarati efetivamente solicitaria a admissão de uma

segunda turma.125

A reorganização do Exército contava agora com o apoio decisivo do novo

Ministro da Guerra, o então General Hermes da Fonseca, que no impulso do processo

iniciado por ele e pelo General Rodrigues Sales com as Grandes Manobras de Santa

Cruz em 1905 e 1906. O Sorteio Militar, pré-requisito do Serviço Obrigatório, seria

então considerado essencial para a constituição de uma tropa nos moldes daquelas das

grandes potências e embora existisse uma lei de 1874 que estipulasse o Sorteio Militar,

na prática, até 1907, o tempo de serviço nas Forças Armadas era de dezesseis anos com

recrutamento compulsório. O projeto da reforma do Exército passou portanto a ser visto

pelas elites dirigentes como uma necessidade de Política Externa. Affonso Pena

considerava-o como uma das prioridades do governo ao convidar Hermes da Fonseca

para o ministério, ainda mais que fora reforçada pela péssima impressão causada pela

visita a alguns quartéis e estabelecimentos militares.126

122 AHI 203.3.1, Telegrama de Rio Branco para a Legação em Berlim (10/01/1906).

123 AHI 203.3.1, Telegrama de Rio Branco para a Legação em Berlim (14/01/1906).

124 AHI 203.2.10, Telegrama da Legação em Berlim para Rio Branco (31/12/1905).

125 AHI Arquivo Barão do Rio Branco, 1ª seção, Lata 854, Maço 2, Documento 9 (16/12/1906). “A

legação em Berlim recebeu ordem telegráfica para solicitar a admissão de oficiais brasileiros no Exército

alemão. A resposta do governo da Alemanha consentindo na admissão (de 4 oficiais somente) é de [15 de

junho de 1906], conforme se vê do oficio n.º 35 da Legação de 16 deste ultimo mês. O Sr. Costa Motta,

neste oficio, não precisa a data em que pediu aquela permissão”.

126 Carta de Afonso Pena para Hermes da Fonseca (07/10/1906), citada por Carone, 1974, 227.

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Parte dessa noção fora colhida por Affonso Pena, quando presidente eleito fora a

Porto Alegre, aonde fez-se em sua honra, uma grande formatura e combate simulado:

Todas as tropas de Porto Alegre, inclusive Escola de Guerra,

formaram no Campo da Redenção: infantaria, cavalaria e artilharia. Numa

planície de poucos quilômetros quadrados, alinhou-se todo aquele Exército e

evoluiu, sob o comando direto, mediante ordens dadas à viva voz pelo

próprio general comandante [...] Canhões em bateria a menos de 500 metros

do suposto inimigo, alinhados pelos primeiros elementos de infantaria,

atiravam a descoberto, pontaria direta e individual, mas só para fazer

barulho; infantaria em linha e de pé, atirando contra uma rival que devia

achar-se dela muito perto, para encerrar a festa com uma carga de baionetas.

Correria de cavalos em massa, ginetes de espada alçada contra um inimigo

suposto inerte [...] Quando as ordens não eram dadas à voz, transmitiam-se a

toques de corneta. Uma vez ou outra, um ajudante de ordens, a cavalo, ia

transmiti-las [...] À certa hora, cornetas e clarins começam o toque de

Carga! E logo aquela massa, imprópria para qualquer movimento em face de

um inimigo que se achasse munido do mesmo excelente fuzil de que ela

dispunha, era vista deslocar-se, pesada, compacta como uma falange grega,

com o seu general à testa e a galope largo, contra a frete paralela de um

complacente adversário [...] Partícula insignificante que fui daquela

infantaria da Escola de Guerra, até hoje pergunto a mim mesmo o que

estaria se passando no espírito do velho político mineiro, cuja fisionomia

não sei porque me pareceu estranha, quando assentado no seu carro,

pertinho de mim, apertava o seu pince-nez contra os olhos.127

O projeto do Sorteio Militar havia sido apresentado em sessão da Câmara

Federal em 10 de outubro de 1906, pouco antes da posse de Affonso Pena, enfrentando

grande repúdio da opinião pública, especialmente da oposição, liderada por Rui Barbosa

e sua Gazeta de Notícias, e composta também pelos positivistas e os operários. Somente

em maio de 1908, após se esperar a ida de Rui Barbosa para Haia,128

é que se procedeu

127 Cidade, 1941, 61.

128 Jornal do Commercio, (01/01/1908), citado por Carone, 1975, 353.

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a votação que aprovou a Lei do Sorteio Militar (e que somente seria posto em prática

em 1916 após a campanha da Defesa Nacional).

Os dreadnoughts

Por todas essas razões, Rio Branco considerava que as Forças Armadas

brasileiras possuíam pelo menos vinte anos de atraso em relação às suas congêneres do

Chile e da Argentina. O Chanceler considerava que a restauração da posição perdida

pelo Brasil deveria ter no Serviço militar obrigatório uma de suas alavancas e que

mesmo com as encomendas de material bélico para o Exército este ainda continuaria em

condições inferiores à Argentina e ao Chile. Entretanto, seu projeto indicava uma

superioridade naval no continente sul-americano em três anos com projeções para um

aumento ainda maior desse potencial, provavelmente validando a teoria da

Bündnisfähigkeit de Tirpitz.129

Contudo como Rio Branco teria a certeza de conseguir em tão pouco tempo

reverter vinte anos de atraso e ainda colocar o Brasil em uma posição de relevo no

concerto internacional?

Do mesmo modo que a ‘Questão do Acre’ denunciara o despreparo do Exército

e da Marinha para uma ação interventiva no teatro de operações amazônico, o Caso

Panther demostrou que a possibilidade de conflito com uma potência extra-continental

era real e que a nossa Marinha ainda que fosse reequipada nos moldes do Programa

Noronha teria poucas chances de êxito contra barcos modernos e equipagens bem

treinadas. A Marinha argentina, além de possuir enorme vantagem bélica em relação ao

Brasil, havia evoluído grandemente na preparação de seu pessoal, tinha 8.500 homens

em armas em 1905 e era considerada pela Jane’s Fighting Ships (a mais conceituada

revista naval da época) como bastante eficiente e em progressão constante.130

Desde o início do século o Itamarati já havia detectado o estado de espírito e a

belicosidade latente contra o Brasil em Buenos Aires. O clima de revanchismo grassava

sobretudo entre as elites que saboreavam o auge do poderio platino. Após um jantar que

reuniu a nata da sociedade argentina para a despedida de um ex-presidente e aonde o

129 AHI 235.4.1, Telegrama de Rio Branco a Joaquim Nabuco (07/12/1908).

130 A Marinha argentina possuía 8.500 homens em 1905. Jane's Fighting Ships 1906/7 (Fred, T. Jane).

(1970). London: David & Charles Reprint. (1906, Sampson Low Marston & CO., Ltd.).

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brinde principal era uma convocação à guerra contra o Brasil, o representante brasileiro

naquela capital escrevia que era necessária para a manutenção da paz na América do Sul

a posse pelo Brasil de uma esquadra superior a qualquer outro país da área e que esta

política deveria ser planejada com antecedência.131

Em um artigo publicado no mesmo anuário naval de Fred T. Jane, em 1903,132

o

construtor chefe da Marinha Real Italiana, Coronel Vittorio Cuniberti, concebeu os

planos do navio considerado ideal para integrar as Linhas de Batalha, que alteraria todas

as táticas existentes até então, mas ao mesmo tempo somente as marinhas mais

poderosas e ricas seriam capazes de adotar. Este barco seria resistente a qualquer

ataque, exceto dos canhões de 12 polegadas, se capaz de se aproximar a uma velocidade

maior do que todos os outros concorrentes e seria capaz de afundá-los com apenas um

tiro. Ainda assim este barco seria equipado somente com os mais poderosos canhões

existentes e os possuiria em grande número, tendo capacidade de armazenar um

abundante suprimento de munições.

Quando em 1904 o Almirante Fischer decidiu modernizar a marinha britânica,

apoiou-se na concepção de Cuniberti e começou a construir o protótipo desse tipo de

barco, o Dreadnought. Pelo poder de penetração e alcance de seu armamento e por suas

características revolucionárias, este novo tipo de navio tornava obsoletos todos os outros

até então existentes.

Imediatamente após esse anúncio, iniciou-se com um artigo na Revista Marítima

Brasileira de março de 1906 uma campanha na imprensa e no Congresso a favor da

substituição do Programa Júlio de Noronha. Campanha aparentemente orquestrada, uma

vez que a argumentação apresentada pelos diversos expositores era extremamente

semelhante, assim como eram as mesmas as características das unidades do novo

programa naval que se pretendiam fazer substituir ao do Almirante Júlio de Noronha.133

As primeiras resistências a efetivação do Projeto Noronha e a sua substituição

pelos Dreadnoughts surgem na Câmara dos Deputados em 3 de julho de 1906, quase

131 AHI 206.1.11, ofício do representante na Argentina Gonçalves Pereira para o Ministro das Relações

Exteriores (07/08/1900).

132 Cuniberti, Vittorio. (1903). An ideal battleship for the british fleet, All the world's fighting ships (naval

encyclopedia and year book), 407.

133 Martins, 1997, 81-82.

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que concomitantemente ao artigo do Capitão-Tenente Souza e Silva, publicado pelo

Jornal do Commercio no dia 5, no qual se lia que o Almirante Alexandrino de quem

fora auxiliar, o mesmo que comandara o Riachuelo quando recusou transporte à

Quintino Bocaiúva e que chefiara as Divisões Navais durante o Caso Panther e a

Questão do Acre, agora era senador pelo Estado do Amazonas, e o principal líder e

defensor daquela proposta no Senado, aonde seria aprovada por quase unanimidade,

inclusive por Rui Barbosa e Pinheiro Machado, isto antes mesmo do Dreadnought haver

entrado em serviço, o que só ocorreria em dezembro de 1906.134

Em 15 de novembro, Alexandrino seria nomeado Ministro da Marinha para o

período presidencial de Afonso Pena e logo depois, no dia 23 desse mês, o decreto

1.567 anulou o anterior substituindo os navios do Programa Noronha pela esquadra dos

dreadnoughts.135

Embora diversos armadores como John Browns, Fairfield e Krupp houvessem

demonstrado interesse em fornecer os navios do Programa Noronha (agora

Alexandrino), estava fora de questão que eles fossem encomendados em outro país que

não a Inglaterra. Quando o Programa Noronha foi apresentado ao Congresso, incluía

uma cláusula, que embora fosse derrubada mais tarde, previa que os navios deveriam

ser construídos na Inglaterra. A maior razão disto era a influência da casa bancária ‘N.

M. Rothschild and Sons’ que, segundo o representante da Krupp para a América do Sul,

havia estabelecido como condição para empréstimos feitos ao Brasil de que a

construção de navios de guerra fosse feita na Inglaterra.136

134 Liga Marítima. (Outubro de 1909) e Alencar, 1989.

135 O Programa Noronha propunha a compra de 3 encouraçados, 3 cruzadores-encouraçados, 6 caça-

torpedeiros, 12 torpedeiras, 3 submarinos e 1 navio-carvoeiro. O Programa Alexandrino, 3 dreadnoughts,

3 scouts, 15 destroyers, 3 submarinos, 1 navio-hidrográfico e 1 navio-mineiro.

136 Topliss, 1998, 243.

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A reação argentina

Quando fica clara, a partir de 7 de janeiro de 1907,137

a natureza das encomendas

brasileiras aos estaleiros britânicos, a reação argentina foi a de tentar conter o

rearmamento brasileiro. Em 14 de agosto de 1908, o Presidente da Argentina em

mensagem privativa para o Governo brasileiro, escreveu que um grande programa naval

seria inevitável se ele não recebesse garantia da amizade do Brasil. Quando se

averiguou que Rio Branco não daria garantias de voltar atrás, partiu-se para a escalada

militar. A ‘Ley de Armamentos de 1908’ foi a resposta argentina ao programa de

expansão naval brasileiro, e previa, entre outros itens, a compra de dois dreadnoughts.138

Em 18 de setembro de 1908, um mês após ter sido aprovado o novo orçamento militar

platino, os representantes brasileiros em Londres propuseram o adiamento por tempo

indeterminado do terceiro dreadnought, o qual seria ainda postergado até janeiro de

1910, numa tentativa de amainar as tensões entre os dois países.139

Para o chanceler

argentino Zeballos estava patente o imperialismo brasileiro fomentado por Rio Branco,

e se pretendia que um dos dreadnoughts em construção deveria ser cedido à Argentina

em nome da ‘equivalência naval’. Rio Branco reagiu afirmando que tais declarações

constituíam ‘hostilidade contra o Brasil’: mesmo quando, por força desta campanha,

falou-se em intervenção amigável dos Estados Unidos, Rio Branco instruiu Joaquim

Nabuco no sentido de que não admitir acordo sobre limitação de armamentos.

A percepção de que a encomenda dos três dreadnoughts trazia em potência uma

nova projeção de poder ao Brasil era compartilhada pelos observadores internacionais

que consideravam que nunca uma marinha de uma pequena nação havia se projetado no

sistema internacional com tamanha intensidade como a marinha do Brasil pretendia

naquele momento. A razão era a audácia de encomendar, de uma só vez, três barcos de

137 Data da aprovação do novo design dos navios brasileiros, aonde ficava estabelecida definitivamente a

opção pela construção dos dreadnoughts em lugar dos encouraçados de defesa costeira, como estavam

definidos nos designs de Armstrong números 406 (23/08/1904), 172 e 172A (20/01/1905), em ‘Vickers-

Armstrong’ 188/439 (17/07/1905) e Vickers 188A (10/09/1906). – Topliss, 1998, 243-245.

138 Montegro, 1998.

139 “This agreement was furiously denounced by Lord Rendel, a director of Armstrongs, who demanded

that it should be put to full Armstrong Board for approval. Rendel refused to accept that Brazilian

financial difficulties were the motive behind the move to postpone the ship. He suspect, rightly, that the

real reason lay in the political relationship between Brazil and Argentina” – Topliss, 1998, 248.

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guerra iguais em capacidade de combate a qualquer coisa que flutuasse ou estivesse

sendo construída.140

Por sua vez os Estados Unidos, desde 1906, faziam pressão contra o

rearmamento naval brasileiro. Em 1908 sugeririam a Rio Branco que o Brasil a redução

das encomendas de armamentos,141

e provavelmente em função do exercício da política

de manutenção do status quo continental, ofereceram condições excepcionais para a

construção nos Estados Unidos dos dois dreadnoughts argentinos. Estas condições

incluíam tecnologias nunca antes fornecidas para outro país e que seriam então postas à

disposição do projeto das belonaves argentinas. Os tubos de lançamento torpédico, por

exemplo, que não estavam presentes nos projetos dos dois dreadnoughts brasileiros,

haviam sido desenvolvidos pelo ‘Bureau of Ordinance’, órgão do Governo americano, e

não podiam ser vendidos por nenhuma firma particular, enquanto que outra tecnologia

avançada, o sistema de controle de incêndios, só estava presente nos mais modernos

navios americanos. Os navios seriam ainda construídos no ‘Washington Navy Yard’

(estaleiro pertencente a Marinha norte-americana) e a um preço 20% mais baixo do

competidor mais próximo.142

Paralelamente, a Argentina investiu também em manobras ousadas destinadas a

unir em torno de sua liderança os demais países latino-americanos: o texto falsificado

no ‘Caso do Telegrama n.º 9’ demonstra que, em 1908, a Argentina procurava isolar o

Brasil ao mesmo tempo em que o identificava como um suposto agente do imperialismo

americano:

Propalar las pretensiones imperialistas del Gobierno Argentino en

los centros políticos y sus pretendidos avances de domínio sobre Bolívia,

Uruguai y Paraguai y nuestro Rio Grande[...] que el Brasil a titudo de

justicia ampara el débil en defesa de sus intereses; que Washington tambien

se conforma con la rectitud de nuestro proceder humanitario.143

140 Navy League Annual, 99, (1908-9), órgão oficial da poderosa British Navy League, citado em

Scheina, 1987, 81.

141 AHI 235.4.1, Telegrama de Rio Branco a Joaquim Nabuco (07/12/1908).

142 Scheina, 1987, 83.

143 Extrato do Telegrama n.º 9 segundo a decifração do Ministério das Relações Exteriores da Argentina.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

60

O clima de confrontação surgido após a publicação no Jornal do Commercio das

cifras, que segundo o Itamarati haviam sido verdadeiramente utilizadas no Telegrama

n.º 9, e a suposição por parte da Argentina de uma provável neutralidade dos Estados

Unidos e da Inglaterra diante de um conflito com o Brasil,144

levou Zeballos a anunciar

que a Armada de seu país realizaria de janeiro a abril de 1909 manobras nas costas

brasileiras sem pedir licença para isso, nem dar as satisfações pretendidas pelo Itamarati

após a publicação das cifras supostamente utilizadas na criptografia do Telegrama n°

9.145

O Telegrama n.º 9 seria então entendido pelo Itamarati como parte de uma

estratégia maior de enfrentamento cujo objetivo final era otimizar o emprego das armas:

o plano de Zeballos seria, segundo Rio Branco, dirigir uma provocação antes da

chegada dos dreadnoughts brasileiros, uma vez que os jornais argentinos propalavam

que até março seu país daria uma grande lição ao Brasil. Esta seria portanto decorrente

do enfrentamento da esquadra brasileira com três divisões navais argentinas, compostas

de onze navios e de uma flotilha de onze torpedeiras e seis transportes de tropas, que a

pretexto das manobras de 1909 atacariam o território brasileiro.146

A intenção argentina seria então, evidentemente, golpear o Brasil enquanto ainda

possuía uma superioridade naval incontestável, isto é, antes da chegada prevista para o

início de 1910 do Minas Gerais e do São Paulo, os dois primeiros dreadnoughts

encomendados à Inglaterra. Rio Branco, em dezembro de 1908, possuiria a certeza de

que a anunciada manobra não passava de um artifício destinado a encobrir, o mais

possível, a movimentação e os preparativos de guerra da Esquadra argentina. O

Chanceler recebera em 20 de dezembro um telegrama de Buenos Aires, que transcrevia

o comentário do Ministro da Marinha daquele país de que o momento não poderia ser

mais propício para mobilização da esquadra e que seria um erro imenso esperar que

Brasil recebesse seus navios.147

Assim, de acordo com esse entendimento, o Itamarati

144 AHI 235.4.1, Telegrama de Rio Branco a Joaquim Nabuco (16/12/1908).

145 AHI 235.4.1, Telegrama de Rio Branco a Joaquim Nabuco (24/11/1908).

146 AHI 235.4.1, Telegrama de Rio Branco a Joaquim Nabuco (19/11/1908).

147 AHI 235.3.22, Telegrama de Rio Branco a Joaquim Nabuco (03/01/1909).

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procurou mobilizar as grandes potências para que se opusessem a mobilização

argentina.

Rio Branco pediria então para que se realizassem consultas ao Governo alemão

acerca de sua posição sobre manobras realizadas junto às suas costas. A Alemanha

respondeu que a Inglaterra fizera manobras recentemente junto as suas costas

(respeitando o limite de três milhas) e que não via problema algum quanto a isso. A

própria Alemanha fizera recentemente manobras nas costas da Noruega, de Portugal e

da Espanha e somente fizera comunicação prévia a estes dois últimos países, porque

estes formalmente assim o exigiram.148

Em relação ao Governo americano, o Itamarati foi mais direto, ao pedir

informalmente o envio de uma força militar:

Se esse Governo compreendesse bem a situação, as vantagens que

para sua política pode retirar de um Brasil forte, deveria ajudar-nos neste

perigoso momento em que a propaganda zeballista se esforça para que

Governo argentino nos dirija um golpe enquanto estamos mais fracos, antes

da chegada dos novos navios, e expediria logo para aqui, espontaneamente,

uns quatro navios. Isso bastaria para impedir que a esquadra argentina viesse

de Janeiro a Março fazer manobras nas nossas costas[...] Quando se falou

em aliança argentina disse-me que não deveríamos querer outra aliança

senão a dos Estados Unidos. Essa e a chilena são as duas que desejaríamos

ter [...] A amizade firme com que poderemos contar nos momentos difíceis

creio será unicamente a do Chile.149

Desconfiando da ambigüidade americana, e de uma possível neutralidade diante

do possível conflito, Rio Branco procurou, portanto, comprar no mercado internacional

novas armas que viabilizassem uma resistência brasileira. Joaquim Nabuco é designado

para saber o custo e a disponibilidade para encomenda urgente de minas flutuantes

148 AHI 203.2.10, Telegrama da Legação em Berlim para Rio Branco (24/10/1908).

149 AHI 235.3.22, Telegrama de Rio Branco a Joaquim Nabuco (07/12/1908).

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(então uma arma ainda nova) que o Governo americano havia encomendado na Europa

e das quais sabia que havia então trezentas prontas.150

Entretanto as gestões brasileiras prevaleceram, talvez porque uma vitória

argentina desestabilizaria um sistema que fatalmente se equilibraria com a futura

entrega dos dreadnoughts argentinos. Os Estados Unidos declararam que enviariam uma

esquadra para o porto de Belém caso a Argentina insistisse em manter o cronograma de

suas manobras.151

Ainda que o ataque argentino houvesse sido evitado, a animosidade entre os dois

países permaneceria.152

Em maio de 1910, durante as comemorações do primeiro

centenário da independência argentina, às quais o Brasil não enviou delegação, a

população de Buenos Aires e Rosário realizou várias manifestações de desagravo à

bandeira brasileira.

No período que antecedeu essa efeméride, os reservistas do Exército argentino

foram incorporados durante quatro semanas e procedeu-se a uma grande revista da

forças navais e também das tropas de terra em Buenos Aires, aonde somente no

exército, trinta mil homens participaram.153

Tal demonstração de força e de mobilização

praticamente coincidia com a chegada festiva ao porto da cidade do Rio de Janeiro, dos

navios São Paulo e Minas Gerais, e após haver sido anunciada a construção, em 8 de

janeiro de 1910, do terceiro dreadnought, o Rio de Janeiro.

O São Paulo e o Minas Gerais traziam novamente para o Brasil a tão sonhada

hegemonia militar na América do Sul que não pode ser desafiada durante quatro anos e

150 AHI 235.3.22, Telegrama de Rio Branco a Joaquim Nabuco (03/01/1909).

151 Entrevista de Moniz Bandeira com o Embaixador Moniz de Aragão. (Bandeira, 1978, 179).

152 “A chancelaria brasileira receia que a candidatura do Marechal Hermes seja interpretada em Buenos

Aires pela forma única por que ela deve ser interpretada em sua origem: - a política internacional do Brasil contra a Argentina. Este candidato é exclusivamente do Barão do Rio Branco, que o impôs, sendo

o marechal Hermes um cavaleiro excelente, que carece de ilustração e de caráter e não passará de um

simples instrumento do Barão do Rio Branco, na política interior e exterior. Os planos militares do Brasil

são tão claros para o futuro e se tornam tão comprovados em cada uma de suas ações, que ele teme com

razão que nossa república se alarme e adote medidas sérias antes que o Brasil esteja armado [...]É coisa

resolvida pelo Governo brasileiro, e de que se tem tratado ultimamente a propósito da candidatura

Hermes da Fonseca, que logo que o Brasil tenha completado seus armamentos, o Uruguai planejará a

questão da liberdade do Rio da Prata ou o arbitramento, que não nos convém”. – La Prensa. (08/06/1909).

153 O Paiz, (28/03/1910), citado em Araripe, 1960a, 459.

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a superioridade sobre muitas potências navais tradicionais,154

sendo ainda o São Paulo

considerado por seus contemporâneos como o mais poderoso barco de guerra jamais

construído.155

Estes navios inseririam o Brasil, ainda que a um custo financeiro bastante

alto,156

no jogo de alianças do Sistema Internacional e, segundo o Le Journal,

Nisto reside um fato que foi perfeitamente compreendido nos

círculos marítimos ingleses: a nova frota brasileira torna absolutamente

impossível no Brasil, para as grandes potências, as demonstrações a que se

tem dado o nome de ‘pacíficas’. De fato, contra os três dreadnoughts

brasileiros, apoiados por forças secundárias poderosas, seria preciso, para se

ter certeza do sucesso e em vista da distância das bases de operações,

destacar uma força pouco mais ou menos dupla. Ora, não há país algum –

compreendida a Inglaterra – que possa, sem perigo, retirar à sua esquadra

uma parte tão considerável sem se enfraquecer na Europa [...] De resto, o

Brasil, impondo-se sacrifícios tão pesados, não fez mais do que imitar as

potências que lhe ensinaram na conferência de Haia que, para tomar parte no

concerto da nações, era preciso, como o Japão, arrastar consigo o aparelho

imponente dos seus canhões e couraçados (20/05/1909).

A construção do terceiro dreadnought brasileiro o Rio de Janeiro deveria

enfrentar vários dilemas: em primeiro lugar, deveria quando estivesse pronto, superar os

novos barcos argentinos e manter a hegemonia naval brasileira. Em segundo lugar,

deveria se igualar aos novos modelos construídos pelas grandes potências. Em 29 de

novembro de 1909 a Inglaterra lançara o Orion e uma nova classe de navios: o Super

Dreadnought. Deste modo, durante o ano de 1910, os sucessivos projetos e

154 Scheina, 1987, 81. Segundo ainda o periódico parisiense Le Journal ‘La Marine Brésilienne’

(20/05/1909) citado em Liga Marítima (julho de 1909), “esse desenvolvimento consagra definitivamente

a supremacia naval desse país na América do Sul [...]as duas únicas marinhas que nessa região podem por

em linha algumas unidades interessantes – as do Chile e da Argentina – mesmo reunidas, seriam

absolutamente impotentes contra os couraçados brasileiros”.

155 Navy, Washington, (04/06/1910), citado em Scheina, 1987, 86.

156 Preço estimado por este estudo dos três dreadnoughts, segundo os dados do contrato original em

Topliss, 1988: £6,110,100, manutenção por 5 anos: £3,750,000, munição £605,520; equipamentos para

docar os navios: £832,000. O valor total em dólares de março de 2000 seria, utilizando a taxa de

conversão de 4,76 pounds por 1 dólar em 1914 [Encarta Encyclopedia. (1998). Microsoft]:

$919.581.074,10, conforme Whats a Dollar Worth: CPI (Consumer Price Index).(24/03/2000).Federal

Reserve Bank of Minneapolis. www.woodrow.mpls.frb.fed.us/economy/cal/cpihome.html.

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especificações do Rio de Janeiro refletiram esses paradigmas: cada vez maior e mais

armado, tornaria-se o barco mais poderoso do planeta.157

As eleições na Argentina dariam a vitória a Saens Peña, partidário da détente

com o Brasil. Por ocasião de sua posse, o Brasil enviou uma grande embaixada com

uma divisão naval, o que geraria protestos populares em Buenos Aires, desta vez

abafados pelas autoridades. Em reciprocidade a essa iniciativa e aproveitando a

passagem do vice-presidente da Câmara dos Deputados argentina Ramon Carcano pelo

Rio de Janeiro, que possuía boas relações com Rio Branco, Saens Peña atribuiu-lhe a

missão de conseguir que o Brasil desistisse da construção do terceiro dreadnought, com

o que a Argentina, também cancelaria o projeto de acrescentar mais um encouraçado a

sua Linha de Batalha. Chegando Carcano ao Rio de Janeiro a 11 de março de 1911,

contatou imediatamente Rio Branco e transmitiu-lhe a proposta de Saens Peña.

Recebida inicialmente com restrições, continuou ele a insistir, pelo que obtiveram uma

entrevista com o Presidente Hermes da Fonseca, na qual foi acordada a limitação, do

Brasil e da Argentina, a apenas dois encouraçados.158

Para Rio Branco a détente não era vantajosa:

Nos termos em que nos encontrávamos a equivalência seria sempre

a inferioridade. Nossa situação a não devia aconselhar. Ultimamente, isto é,

cerca de meados do ano passado, uma comunicação confidencial do

Presidente Saens Peña, lembrou que não fizéssemos o terceiro grande

encouraçado - o Rio de Janeiro - A Argentina ia encomendar dois. Seria

sempre a desigualdade sem vantagem.159

157 Armstrong Designs 640/641/643/644/645/653. Enquanto os Designs 640/641 (abril-maio 1910)

indicavam um barco bastante semelhante aos outros dois; os Designs 643/644/645 eram de um barco com um deslocamento 30% a 50% maior que o do Orion e com armamento superior (Orion: 10-13,5in - Rio de

Janeiro: 10-14in, 12-12in e 12-14in respectivamente). O Design 653 de 17/05/1910 (um desdobramento

do Design de n.º 645) já era 10% maior e com 65% mais poder de fogo do que os navios argentinos que

estavam sendo construídos nos Estados Unidos. Em 27 de Fevereiro de 1911, aparentemente se

estabeleceu um consenso na Marinha brasileira em torno do Design 686, 50% maior que o ‘Orion’ e com

armamento muito superior (10-16 in). Topliss, 1988, 254-269.

158 Carcano, Ramon J. (1943). Mis primeiros años. Buenos Aires: Sudamericana. (1ª Edição) citado em

Martins, 1997, 100, nota 5 e Lins, 1965, 415.

159 AHI, Arquivo Barão do Rio Branco, Lata 854, Maço 2, Documento 1.

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Deste modo, em 13 de Março de 1911, o agente da Armstrong no Brasil

informaria a sua matriz que o Governo brasileiro havia cancelado o Rio de Janeiro, que

seria substituído por um navio semelhante ao Minas Gerais porém mais aperfeiçoado.160

O grande problema para o Governo brasileiro é que o contrato estipulava que um

terceiro barco seria necessariamente encomendado e a um valor pelo menos igual ao dos

outros dois navios, deste modo, a única saída seria dar prosseguimento ao projeto para

que durante a construção se pudesse tentar vender o navio. O Rio de Janeiro sofreria

inúmeras protelações e modificações no estaleiro até que, após ter sido disputado por

vários países, foi paulatinamente alienado e depois formalmente transferido para a

Turquia em 29 de dezembro de 1913 quando o renomeou Sultan Osman I.161

A desistência do Governo brasileiro não significou o fim dos dreadnoughts. Uma

grande campanha foi iniciada pelo Jornal do Commercio em nome da ‘Liga Marítima

Brasileira’ e se propunha a arrecadar fundos particulares para a construção de outro

navio. Embora a campanha começasse em fevereiro de 1910, a construção deste novo

barco só começou efetivamente em maio de 1914 sob o nome de Riachuelo.162

Um novo impulso na reorganização das Forças Armadas

O agravamento da crise com a Argentina nos anos anteriores havia levado Rio

Branco a apressar a reorganização das Forças Armadas brasileiras. O Exército da

república vizinha estava já nessa época assentado nas mesmas bases que o da

Alemanha, para onde anualmente seguiam grande número de oficiais a fim de ali

servirem; além disso, muitos oficiais alemães ainda estavam na Argentina como

instrutores ou professores militares. Todo material destinado ao serviço militar era

adquirido na Alemanha. A Argentina desde 1905 estava dividida em 54 distritos de

mobilização (imitação dos distritos da Landwehrs), que em cooperação com o serviço

160 Telegrama do representante da Armstrong no Brasil para Armstrong Londres (13/03/1911) – citado em

Topliss, 1988, 269.

161 O Rio de Janeiro foi disputado pela Rússia, Grécia e Turquia. No início da 1ª Guerra Mundial esse

navio foi confiscado pela Inglaterra e novamente renomeado Agincourt, tomando parte na grande batalha

naval da Jutlândia.

162 Armstrong Design 781 in Topliss, 1998, 286.

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militar obrigatório, faziam que aquele país possuísse o melhor sistema de mobilização

da América do Sul.163

Deste modo, havia então um imenso fosso separando as duas Forças Armadas.

Ainda que a imensa quantidade de equipamento adquirido por Rio Branco houvesse

diminuído a desvantagem brasileira, esta perdurava na insuficiência de homens capazes

e adestrados para utilizar os novos equipamentos. Havia então o precedente de uma

Missão Militar na Força Pública de São Paulo, (contrato assinado pela Legação

brasileira em Paris em 22/12/1905), que dera bons resultados, conforme reconhecido

pelo próprio Chanceler.164

A idéia da vinda de uma Missão Militar já se impunha

gradualmente, mas sem consenso em torno do país de origem. Rio Branco, entusiasta da

organização militar alemã, defendia a vinda de uma missão alemã até pela coerência

com o material já adquirido, pela Comissão Militar Brasileira de Compras de Material

Bélico na Europa, que funcionou entre 1907 e 1910 sob a chefia do Tenente-Coronel

Clodoaldo da Fonseca, sobrinho do falecido Marechal Deodoro da Fonseca e primo do

então Ministro da Guerra e futuro Presidente Hermes da Fonseca. Segundo o Relatório

final de Clodoaldo da Fonseca, entre 1907 e 1910, a Comissão encomendou e recebeu

110 mil fuzis completos e 10 mil clavinas e cerca de 200 canhões de campanha, isto

para um Exército cujos efetivos em 1920 não ultrapassavam 16 mil homens. Segundo

denúncias no Congresso Nacional em 1918, teriam sido recebidos 400 mil fuzis.165

Em 1907 e 1908 Rio Branco enviaria Clodoaldo da Fonseca em duas missões a

Berlim. A primeira missão, em 1907, resultou de um convite expresso para o envio de

uma missão diplomático-militar brasileira à revista da Guarda Imperial em Tempelhof, e

abriria caminho para as futuras visitas de Rodrigues Alves, Hermes da Fonseca e Tasso

Fragoso a Alemanha. Clodoaldo da Fonseca foi recebido sem respeito às normas

protocolares e mesmo no seu posto de Tenente-Coronel, foi admitido com honras de

embaixador. Depois desse encontro, a Comissão visitou centros de treinamento e

polígonos de tiro vedados a estrangeiros. Na segunda missão, em 1908, Clodoaldo da

163 O Paiz, (28/03/1910) – citado em Araripe, 1960a, 459.

164 AHI Arquivo Barão do Rio Branco, Lata 854, Maço 2, Documento 9, (sem data) – autógrafo, mandado

publicar no Jornal do Commercio, (18/08/1910), sob o pseudônimo ‘C’.

165 Anais do Congresso Nacional de 1918, sessões de 28 de junho e 10 de julho, citado em Fonseca, 1974.

A Argentina possuía material para equipar 150.000 homens na época. A Nacion. (08/07/1909) citada em

Liga Marítima. (Agosto de 1909).

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Fonseca foi recebido reservadamente pelo Chanceler alemão Von Bülow. Depois dessa

entrevista, sintomaticamente, Clodoaldo da Fonseca passou por toda sorte de

dificuldades na França. Em junho de 1908, Rodrigues Alves visitou a Alemanha e

seus principais fabricantes de armas, sendo hospedado regiamente pela Krupp e

recebido pelo Imperador enquanto que a Casa Mauser homenageou-o com um

banquete.166

Logo, a Legação em Berlim informaria que o Ministério das Relações

Exteriores da Alemanha comunicara ao ex-presidente que o Imperador tencionava

convidar o Ministro da Guerra brasileiro, General Mendes de Moraes para assistir as

manobras do Exército alemão, em setembro, conjuntamente com Hermes da Fonseca

que seguiu para a Alemanha em agosto.167

A Missão Militar alemã

Provavelmente a autorização para o início de negociações em torno da Missão

Militar alemã foi conseguida após as delegações brasileiras irem a Berlim em 1908. Foi

nesse sentido que Rio Branco logo começou a se empenhar junto ao Governo alemão

com respeito a obter informações sobre às condições de outras Missões Militares

alemãs, especialmente a do Chile: “Pode dizer que o pedido é feito particular e

confidencialmente por mim porque trabalho para conseguir vinda instrutores alemães

preparo terreno e espero ser bem sucedido dentro de algum tempo”.168

Para conseguir seu objetivo de trazer uma Missão Militar alemã ao Brasil, Rio

Branco investiu em três frentes: primeiro tratou de vencer as resistências no próprio

governo e no interior das Forças Armadas. Havia então no exército brasileiro, três

correntes que se digladiavam pelas colunas dos jornais. A corrente mais forte

numericamente era a alemã, que se contrapunha à corrente francesa. A terceira corrente,

mais raramente refletida nos jornais, era a dos que por motivos vários não queriam

quaisquer missões estrangeiras.169

Setores consideráveis do Exército, dentre estes Tasso

Fragoso, nesta época designado Adido Militar na Argentina por indicação do

166 AHI 202.4.14, Telegrama da Legação alemã para Rio Branco, (16/06/1908). - La Prensa. (?/06/1908)

denunciou que Rodrigues Alves fora a Krupp com o intuito de comprar 128 baterias de canhões.

167 AHI 202.4.14, Telegrama da Legação alemã para Rio Branco, (25/06/1908).

168 AHI 203.3.1, Telegrama de Rio Branco para a Legação alemã para Rio Branco, (??/10/1908).

169 Cidade, 1941, 155, nota sem número.

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Chanceler,170

preferiam uma Missão Francesa. Na Marinha, por exemplo, o assunto

então era ainda menos considerado, pois grande parte dos oficiais não via necessidade

de uma missão. Para aqueles que não pensavam assim, a influência inglesa era a

predominante ainda mais que os dreadnoughts estavam sendo construídos naquele país.

Precisar-se-ia então vir à público e expor as mazelas da Marinha para que aquela

resistência fosse contornada.

Em segundo lugar, era necessário conquistar a opinião pública, refratária mesmo

ao Serviço Militar, então extremamente impopular, e fazê-lo de maneira que a opção

alemã se tornasse a via natural. Os interesses financeiros em torno desta questão eram

de tal monta, que se previa enorme dificuldade para que a solução desejada pelo

Itamarati fosse alcançada a contento.

Em último lugar, era ainda necessária a aprovação do próprio Imperador

Guilherme II para que oficiais das Forças Armadas alemãs pudessem permanecer por

um longo período no Brasil.

O Chanceler conseguiu o apoio do núcleo dirigente para a Missão alemã, ainda

em 1909, no mesmo período em que se negociava o envio da terceira turma de

estagiários e, portanto, quase um ano antes da decisão ser anunciada oficialmente.171

Este conveniente lapso de tempo seria utilizado para que se organizasse uma

grande campanha na imprensa para que tornasse possível superar as resistências,

sobretudo das Forças Armadas e do capital francês aqui investido. Os efeitos desta

campanha teriam conseqüências prolongadas e profundas para a Corporação Militar

brasileira. Especificamente, para a Marinha e em curto prazo, ela seria uma das causas

diretas da Revolta dos Marinheiros (ou da Chibata) em novembro de 1910, e quanto ao

Exército seria a catarse que originaria os Jovens Turcos.

Entretanto, a questão principal que envolveria essa e qualquer missão

organizadora, seria aquela referente a aquisição do material bélico. Fatalmente, a

170 Tasso Fragoso foi Adido Militar na Argentina de 16/07/1908 até 20/09/1911.

171 O despacho presidencial que oficializava a vinda da Missão alemã foi assinado em 08/07/1910 – O

Paiz, (09/07/1910). Ainda AHI 203.3.1, Telegrama de Rio Branco para a Legação alemã para Rio Branco,

(03/09/1909 e 11/09/1909).

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escolha de uma missão alemã fecharia em definitivo as portas do Brasil ao armamento

fabricado na França.

Desde o final do século XIX, a ‘Schneider-Creuzot’, da França, envolvera-se em

uma guerra surda pelo controle do emergente mercado de armas da América Latina com

as firmas Krupp e Mauser da Alemanha. Desde que o Governo Floriano, em 1893,

designou a ‘Comissão de Compras de Armamentos na Alemanha’ o material bélico

utilizado no Exército brasileiro era preferencialmente comprado naquele país, enquanto

que o armamento naval era obrigatoriamente comprado na Inglaterra por imposição de

nossos maiores credores, os Rothschilds. Para o Brasil, inclusive, não havia

concorrência entre os fabricantes ingleses: os estaleiros ‘Vickers Sons and Maxim’ e

‘Armstrong – Whitworth’ repartiam igualmente tanto a carga de trabalho quanto os

lucros.

A Campanha de imprensa

As Forças Armadas brasileiras, na época das reformas empreendidas ou

estimuladas por Rio Branco, sofriam com as mazelas da desprofissionalização. As

campanhas de imprensa movidas para conquistar apoio para a Missão Alemã (a ‘Grande

Missão, como era chamada) demonstraram que além disto existiam grandes dissensões

na Corporação Militar.172

Os Positivistas, chamados à época de ‘doutores’, disputavam

com a antiga oficialidade remanescente da Guerra do Paraguai, os ‘tarimbeiros’, a

influência e o comando político do Exército. A influência Positivista era bastante

grande, sobretudo nas Escolas Militares, aonde reconhecidamente a instrução

proporcionada não preparava soldados mas bacharéis em ciências.173

Nas escolas a ativa propaganda das idéias ‘humanitaristas’

conseguiu abalar o fraco espírito militar incipiente [...] com estes estudos

começou, então, a decadência do espírito militar entre a mocidade das

escolas e consequentemente da cultura de seu ensino teórico e prático. Da

172 Entenda-se ‘Corporação Militar’ no sentido de um grupo coeso e organizado que possui

susceptibilidades, hábitos e valorizações próprias, no âmbito do que se convencionou chamar de ‘Cultura

Regimental’. Relativamente a esta determinante é que seus integrantes construirão suas relações e

traduções do ‘mundo exterior’. Ver Janovitz, 1960; Keegan, 1996; Huntington, 1996.

173 Mallet, Medeiros. (1900). Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do

Brasil em 1900. Rio de Janeiro. Ministério da Guerra.

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ruína destes dois princípios fundamentais surgiu o utilitarismo fardado,

ramo moderno do antigo pacifismo, avassalou as principais posições e

enfeixou nas mãos o governo do Exército [...] a instituição das escolas

militares preparatórias foi um grande mal para o Exército, uma fonte perene

de benefícios para a instrução superior do país. Não formava o caráter

militar, não prepara soldados apenas fardava paisanos e fazia bacharéis [...]

a maioria da mocidade que freqüentava as escolas não tinha vocação para a

carreira que abraçara; em geral paupérrima e inteligente não encomendava

aí o seu objetivo e sim o meio de conseguí-lo [...] a ‘coorte de pacifistas’ e o

‘utilitarismo fardado’ são muito mais poderosos do que se sabe e se supõe.

Tomaram conta do ensino em geral, dominam direta ou indiretamente no

governo do Exército ocupando cargos ou assessorando os ocupantes. Desde

os últimos dias do Império até hoje o Exército tem sido dirigido pelos seus

generais que o tem enfraquecido em tudo. Há mais de vinte anos que eles o

estragam e acabarão por organizar a derrota nacional se os ministros

continuarem a ser tirados do apagado quadro de oficiais que possuímos.174

Os Positivistas, ainda que divergissem grandemente do alto comando e de boa

parte dos oficiais superiores, com estes se coligaram contra a vinda de missão militar de

qualquer espécie. Enquanto os primeiros firmavam sua opinião sobre a firmeza

ideológica notadamente no que toca ao pacifismo, os últimos eram os que realmente

tinham mais a perder: “Nunca o nosso Exército foi instruído e comandado para a guerra

[...] desse modo não é de estranhar que tenha havido uma verdadeira estagnação

profissional entre os altos chefes”.175

Como o objetivo principal da campanha de imprensa de 1910 era o de convencer

a opinião pública da urgência de uma Missão Militar Alemã (que afinal de contas, já

estava decidida) era contra esta oposição declarada destes grupos que, em sua maioria,

os artigos publicados se voltaram:

O mal está na própria organização do exército, no espírito pacifista

das escolas militares, na orientação retardatária e vetusta predominante em

174 Esteinmetz, G. (16/08/1910). O utilitarismo fardado, Jornal do Commercio, 84(228).

175 Jornal do Commercio. (08/07/1910).

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toda a alta administração do departamento da guerra [...] no Exército

brasileiro [...] o militar pode atingir o Marechalato sem nunca ter

comandado, consequentemente sem possuir o laço moral que prende o chefe

à tropa.176

A temática dos artigos utilizaria como argumento sobretudo as questões do

despreparo técnico e a necessidade de rearmamento,177

ao mesmo tempo em que

procurariam demonstrar a inadequação da doutrina positivista com a vida militar:

Os oficiais positivistas do Exército têm sido ultimamente alvo de

ataques violentos e até certo ponto justificados. Realmente, quando se

considera que a atitude desse grupo de oficiais para com o serviço militar é

definido pela frase característica de um deles que declarou publicamente

‘vestir com asco a libré do Exército’, a permanência voluntária desse

indivíduos no seio de uma instituição com a qual se declaram

incompatibilizados, é um fenômeno que se perde nos domínios da moral.178

A temática nacionalista também se imiscuiria nessa questão:

176 Jornal do Commercio. (12/07/1910).

177 Embora desde o final do século XIX fossem produzidas obras que criticassem as intervenções

militares na política, e evidenciassem a necessidade de reforma e rearmamento do Exército e da Marinha

brasileiros, esta literatura é fundamentalmente diferente daquela veiculada pela imprensa nos anos 1909-

10. Enquanto a primeira é originária das elites, a segunda é basicamente popular e escrita por integrantes

da Corporação Militar. Provavelmente essas manifestações podem ter sido influenciadas pela literatura

precedente, mas se torna claro para o leitor atento que suas motivações e objetivos são bastante

diferenciados. Em 1909-10 a questão do profissionalismo militar se situa num âmbito diverso daquele da

elite. O intervencionismo das Forças Armadas em relação ao Estado brasileiro, já é uma questão

decalcada no imaginário da mente militar, embora houvessem superações qualitativas quanto ao tema do

‘Soldado-Cidadão’ tão caro à oficialidade em fins do século XIX. Se torna bastante emblemático para a discussão desse posicionamento o editorial do primeiro número da Defesa Nacional (1913), o qual será

renovado em várias ocasiões (1930, 1958, etc.). Notadamente o posicionamento de Rio Branco em

relação a questão era pragmático em essência e visava sobretudo aos seus objetivos de Política Externa.

Paranhos procurou cercar-se da oficialidade das Forças Armadas e os utilizou inclusive em funções

diplomáticas. Ao assim proceder, o Chanceler observava o critério profissional na maioria das vezes,

como pode ser observado no fato de Rio Branco ter se servido de indivíduos possuidores de militância

política pregressa, muitas vezes em oposição a política e ao ideal profissionalizante defendido pelas elites,

como por exemplo Tasso Fragoso e Bertoldo Klinger.

178 Jornal do Commercio. (07/07/1910).

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Nenhuma mãe brasileira elaborou nos mistérios da vida intra-

uterina, um filósofo de tal quilate e de tais doutrinas: nós importamos depois

de passar pela alfândega conceitual da Rua Benjamin Constant, o sistema de

filosofia, doentio e mórbido, do extraordinário desequilibrado que se

chamou Augusto Comte [...] Nós somos um povo soberano. A influência

comteana e de quejandas doutrinas [...] erigiram como dogma ‘desarme-se o

Brasil primeiro’.179

Na Marinha, diferentemente do Exército, não haviam grupos específicos contra

os quais atuar. Deste modo, para a imprensa, como as críticas não podiam ser

personificadas, estas foram dirigidas contra o conjunto da oficialidade:

A Marinha não dispõe atualmente de Almirantes nem de

Comandantes no posto de Mar-e-Guerra capazes e válidos em número

suficiente para tentar a sua reorganização sem o auxílio da missão naval

estrangeira [...] a organização geral da marinha só corresponde aos antigos

daes e que nós não temos podido sair dessa trilha porque os chefes educados

na escola primitiva [à vela] não podem aceitar e sequer compreender a

transformação atual [...] um rapazola, depois dos quatro anos de um

pomposo e inútil curso de matemáticas puras com algumas raras aplicações

técnicas, é promovido a 2° Tenente [...] de 1° Tenente a Capitão-Tenente e

assim por diante até a passagem de Capitão-de-Mar-e-Guerra para Oficial-

General a exigência é exclusivamente de dois anos de embarque. Embarque

é o serviço nominal ou efetivo no ‘Minas Gerais’ ou no ‘Caravellas’, na

flotilha de Mato Grosso ou no rebocador ‘Gaivota’; nem sequer é exigido

um certo período de serviço no mar e muito menos um concurso, uma prova,

um livro, um artigo, um discurso, uma simples e gratuita afirmação de que o

oficial estuda e sabe o seu ofício [...] desde que não há obstáculos para

seguir, serena e amável a vida dos inúteis, eles se agarram aos postos e

enchem indefinidamente os quadros, matando por asfixia os válidos e

capazes que se debatem embaixo. Quando o Governo, usando de uma

atribuição legal, faz uma promoção por merecimento justa mas que acarreta

preterições na massa obtusa, um clamor de desespero sobe até a Câmara dos

179 Jornal do Commercio. (06/08/1910).

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Deputados, repercute no Senado e em toda outra parte em que ouvidos

políticos possam comover-se, aos atentados contra os velhos servidores da

Pátria! [...] não existe educação profissional, porque não existe

administração e organização militar. 180

O Alto Comando da Marinha, como o do Exército, também era acusado ser

despreparado e ineficaz:

Porque a Marinha não tem um Estado-Maior! Desta repartição

incapaz, não pode emanar uma doutrina [...] as nossa manobras não tem sido

mais do que um tropel de navios e um sacrifício físico [...] havia um

excedente de 1.433 praças sem especialização e uma falta de 1.256 foguistas

[...] para cada 44 tubos (scouts e destroyers) só encomendou 600 tiros

reduzidos.181

Conforme se pode adivinhar, dentre os aspectos abordados com maior vigor pela

imprensa, geralmente se destacavam aqueles especialmente necessários à

operacionalização da ‘Linha de Batalha’ recém-adquirida, especialmente os aspectos

cruciais da logística e do aperfeiçoamento técnico:

Eu sei que entre nós oficiais subalternos há muitos que conhecem

artilharia [...] mas não há um só oficial que tenha efetivamente a prática do

tiro [...] dá-se o mesmo em relação ao torpedo [...] não há um só que

efetivamente tenha prática de manobra em esquadra [...] nós oficiais

subalternos somos cerca de 600 [...] ficavam cerca de 400 oficiais

subalternos que nada faziam ou faziam coisas úteis mas alheias à

Marinha.182

Segundo os artigos publicados na época, os oficiais da Marinha simplesmente

não foram preparados para acompanhar a transição do barco à vela para o navio à vapor:

180 Jornal do Commercio. (06/07/1910).

181 Jorna do Comercio. (14/10/1910).

182 Jornal do Commercio. (17/07/1910).

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O aspecto militar da Marinha - é a explicação final de todas as

coisas - ainda não nos penetrou. A evolução da marinha à vela para a

marinha do ‘Minas Gerais’ não seguiu seu curso normal. E do desconchavo

da situação decorre a crise de anarquia [...] em Santa Catarina só há uma

barca d’água que se fornece em uma única e débil torneira, situada em lugar

de pouco fundo - sucede que todo o dia é pequeno para o serviço de aguada

[...] Muitas vezes por causa do mar, o pão e a carne só chegam aos navios às

3 horas da tarde [...] os nossos destroyers vão fazer exercícios de artilharia e

levam dois artilheiros! Dois artilheiros para seis canhões [...] alguns levam

dois torpedistas e outros três [...] raros levam sinaleiros e timoneiros! Um

único telegrafista por navio [...] A lotação de foguistas nesta classe de navio

[destroyers] é de 29 . Em nenhum destroyer há mais de 23 - o número varia

entre 20 e 23 - absolutamente insuficiente para o serviço dos motores e

auxiliares. Provavelmente em viagem os marinheiros trabalharão nas

fornalhas e portanto elas terão resultados nulos sob o ponto de vista militar

[...] nem é possível uma subscrição de foguistas pelos outros navios porque

o ‘Deodoro’ tem 11 e o ‘Floriano’ 14!.183

Os artigos, assim que foram publicados, provocaram acirrada reação da

oficialidade da Marinha. Em reação às críticas, foi convocada para 20 de julho de 1910

uma assembléia no Clube Naval, que contrariamente a todas as expectativas, nada

resolveria.184

Deste modo, a imprensa, aparentemente estimulada pela indecisão reinante

entre a oficialidade, elevou o tom das críticas tornando-as cada vez mais agressivas, até

que em 10 de outubro de 1910 foi publicado um artigo que repercutiria intensamente na

opinião pública e provavelmente se constituiria na causa direta da suspensão da

Campanha de imprensa.

Para comemorar o Centenário da Independência do Chile, fora enviada,

atendendo ao convite daquele Governo, uma Divisão de Cruzadores sob o Comando do

Capitão-de-Mar-e-Guerra Manoel Ignácio Belfort Vieira. Esta Divisão partiu do Rio de

Janeiro a 10 de agosto de 1910, chegando ao porto de Valparaíso em 12 de setembro

183 Jornal do Commercio. (06/08/1910).

184 À reunião do Clube Naval, dos seus 500 membros compareceram apenas 71: “a resolução vencedora

passou por 36 votos contra 35. Essa resolução diz que a assembléia que tinha em vista desagravar os brios ofendidos da Armada Nacional, nada faz para não irritar ânimos”. Jornal do Commercio. (21/07/1910).

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daquele ano, aonde ficaria fundeada até o dia 23 cumprindo rotina diplomática

determinada e representando o Brasil numa Revista Naval comemorativa do evento,

aonde a Divisão seria comparada às demais armadas convidadas. Esta delegação, no

entanto, se mostrou repleta de problemas e indiscrições:

Desde Montevidéu verificamos que as nossas salvas eram de

péssima qualidade [...] em Punta Arenas, em uma salva de 14 tiros falharam

50! [...] o nosso chefe teve que pedir as autoridades chilenas as espoletas

que ainda eram precisas para completarmos a munição, pois a que tínhamos

não bastava

Quando Belfort Vieira telegrafou para o Rio pedindo instruções relativas a este

problema, o Chefe do Estado-Maior da Armada ordenou que se mentisse, dizendo aos

chilenos que a munição ficara inutilizada em razão de haver entrado água no porão do

Bahia durante uma tempestade. O Chefe da Divisão Naval, por considerar que tal fato

seria desabonador à sua conduta, se negou terminantemente a fazer o que lhe fora

ordenado, criando deste modo sério incidente com o Alto Comando no Rio de Janeiro.

Logo depois, ao atravessar o Estreito de Magalhães:

O leme do cruzador ‘Tymbira’ ficou avariado [...] fizemos toda a

viagem [de Punta Arenas] até Valparaíso governando à mão185

[sic] [...] o

‘Tymbira’ estava sem água por mal funcionamento dos destiladores e sem

carvão! [...] Quando chegaram a Valparaíso os navios brasileiros foram

mandados ficar entre a esquadra chilena e a norte-americana. Logo na

manobra de aproximação, um de nossos barcos abalroou e danificou o

americano. Os nossos barcos sujos contrastavam com os vizinhos

Ainda segundo o artigo, os comandantes brasileiros cometeram tais gafes no

contato com as autoridades chilenas após a sua chegada a Valparaíso, que durante a

estada na cidade chilena a Divisão passou a ser completamente ignorada pelos políticos

chilenos, até porque “nenhum dos navios tem local onde se possa dar um almoço ou

convidar-se alguém para jantar”. A população da cidade, segundo o cronista,

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prodigalizava palmas para os argentinos, enquanto que reservava a indiferença e o

desdém para os brasileiros:

O contraste com as guarnições estrangeiras, aprumadas e cheias de

representação militar, era absolutamente desanimadora. A nossa impressão

era a de intrusos ou sujeitos mal amanhados entrando em reunião de gente

fina e bem educada [...] no dia 16 houve a célebre regata [...] chegamos 500

metros depois do último, sob o risinho amável das esquadras reunidas [...]

No dia 20 houve um concurso de tiro para marinheiros. A nossa

representação fez piedade. Fomos os últimos. O total dos pontos obtidos

pelos nossos 6 homens foi de 32! Exatamente 32 fez o marinheiro argentino

que menos fez! [...] No concurso de oficiais nós não aparecemos ‘nenhum

sabia atirar!!!’ No dia 18, passeio veneziano, ‘Não concorremos!’ [...]

Dificilmente se compreenderá o esforço que fazemos para fingir e figurar

uma organização e também como a descrença sobe e invade a alma tocada

pelo espetáculo de nossa humilhação.

O ponto alto da programação seria a Revista Naval, uma vez que esta deveria ser

realizada pelas mais altas autoridades do Chile e patentes presentes. Consequentemente

este se tornaria o dia de maior tensão para a Divisão brasileira:

O programa marcava a revista para o dia 14. Desde a nossa chegada

a 12, o ‘Tamoyo’ e o ‘Tymbira’ começaram a pintar sobre o sujo. No Bahia

foi decidido um esforço heróico e até 13 foi feita a lavagem do navio. De 13

para 14 - em 12 horas - borraram todo o navio com 2 toneladas de tinta! [...]

Constrange o coração o aspecto corrido de nossa divisão. A tinta fresca, os

costados cheios de manchas, os navios disparatados e as guarnições sem

terem ao menos tomado banho! Que contraste terrível com as outras

divisões!!! As 10 horas do dia 14 com a gente estendida pelas bordas

começou a revista. A nossa gente estendida pelas bordas é qualquer coisa de

triste e de ridículo. A variedade de tipos, a falta de posição militar, a

incerteza e pouco hábito de manobra dão aos navios o aspecto de campos

185 Segundo o relato, empregando a força bruta dos marinheiros para manobrar o leme.

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onde lebres de orelhas ativas perscrutam o caçador. De resto as nossas

pequenas guarnições deixavam grandes espaços próprios para porém em

destaque cada deplorável homem por si só.

Em desdobramento à Revista Naval, a ‘Revista em Terra’ se tornaria, portanto,

antecedida da mesma angústia,

A nossa gente esteve longe de qualquer confronto com as outras

esquadras mas com esforço heróico, e estupendo conseguiu passar

despercebida e sem destaque! Coisa extraordinária! Todas as esquadras

mandaram gente escolhida para a revista. Só nós tiramos a esmo o nosso

contingente [...] Haviam ensaiado meia hora antes de deixarem os navios.186

Naturalmente, os postos mais altos das duas armas eram preenchidos pelos

militares mais idosos, em iguais proporções. Como observamos, a Marinha por possuir

estrutura hierárquica mais segmentada e uma composição social mais homogênea entre

seus oficiais, oferecia maiores resistências às mudanças. Em resultado dessa

particularidade, passou-se a dar ênfase particular na Campanha à Reforma Compulsória

na Marinha. Segundo o projeto proposto pelo Almirante Alexandrino, os postos da alta

oficialidade deveriam ter sua reforma antecipada seis anos em média, enquanto que os

186 A Divisão de Cruzadores no Chile. Jornal do Commercio. (10/10/1910). Na história oficial da Marinha

brasileira não existe uma linha sequer sobre os fiascos desta Divisão, a qual somente é referida pela

indisciplina da marinhagem “Não foi esta uma comissão feliz, pois já se sentia a guarnição reagindo aos

tipos de castigo a que era submetida, o que acabou provocando a Revolta dos Marinheiros de 1910. O

número de faltas disciplinares ocorridas avultaram e o imediato recebeu carta ameaçadora, assinada 'mão

negra', a qual descobriu-se ter sido escrita pelo paioleiro Francisco Dias Martins, um dos próceres da

rebelião que se seguiu, no mesmo Cruzador Bahia”. (Moitrel, 1997). Nesta Delegação ao Chile, realmente

ocorreram dois precedentes muito importantes da Revolta dos Marinheiros (ou da Chibata). O primeiro seria o suposto chibateamento de 11 marinheiros em razão de terem sido encontrados jogando cartas no

Bahia. Este ato teria sido presenciado pelos marinheiros chilenos e norte-americanos, entre os quais

nossa esquadra se encontrava fundeada (Compare-se com a descrição anterior desta dissertação). O

episódio do chibateamento estaria relatado em uma carta apócrifa enviada em 1949 ao Comandante Luiz

de Alencastro Graça e atribuída a Francisco Dias Martins, supostamente um dos mentores da Revolta.

Esta se encontra no S.D.M. e está publicada na íntegra em Martins, 1988, Apêndice I. O segundo,

decorrente do precedente, foi a chamada ‘Carta do Mão-Negra’, manuscrito que continha ameaças ao

comandante do Bahia e do qual apenas se supõe ser Dias Martins o autor. Esta carta também se encontra

no S.D.M. e está publicada na íntegra em Martins, 1988, 244, nota 20.

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oficiais subalternos a teriam postergada, em certo casos, em até dez anos.187

Claramente

o objetivo dessa medida seria facilitar a ascensão dos oficiais mais jovens, em

detrimento daqueles que, na maioria dos casos, haviam alcançado o oficialato pela

época da Guerra do Paraguai.

A partir do momento em que a imprensa veicularia pela primeira vez (em 9 de

outubro de 1910) que o Governo havia tomado a decisão de contratar uma missão

militar alemã, os interesses franceses se organizam para impedir esta decisão e

contrapor uma missão francesa. O mote para estes seriam os bons resultados colhidos

pela Missão Francesa na polícia de São Paulo.188

Inclusive a campanha de imprensa que

já fora dada como encerrada necessitou ser novamente reaberta. Em 20 de setembro de

1910, o Jornal do Commercio recomeça a pregação pela Missão Militar alemã, uma vez

que os franceses ameaçavam retirar seus investimentos do país.

Conseqüência que financeiros franceses produziram na imprensa o

presidente aconselhado por vários homens públicos mandou dizer-lhe

convém adiar assunto instrutores para que calma se restabeleça até novo

presidente possa resolver. Não faça comunicações a imprensa. Chefes

políticos aqui não gostaram das que fez a um jornal aí quando Marechal

estava em França. Entretanto informe-se confidencialmente das condições

dos contratos feitos na Argentina e no Chile e [cortado]. 189

O próprio Rio Branco se sentiu obrigado a escrever sob pseudônimo para

desmentir a contratação da missão alemã e advogar a vinda de uma missão francesa,190

187 Jornal do Commercio. (17/08/1910). A proposta de Alexandrino visava alterar o Decreto n° 108 de 30

de dezembro de 1889 que regulava os critérios para reforma. Respectivamente, a Reforma Compulsória

passaria a acontecer para Almirante aos 65 anos em vez de 70, Vice-Almirante 62/68, Contra-Almirante 60/66, Capitão-de-Mar-e-Guerra 56/62. Capitão de Fragata, Capitão de Corveta e Capitão-Tenente que

segundo o antigo Decreto se reformavam respectivamente aos 58, 52 e 52 anos, pela nova proposta

passariam a ser reformados aos 50 anos. Os 1° e 2° Tenentes que se reformavam aos 46 e 40 anos, seriam

beneficiados pelo seu adiamento até os 50 anos. – Idem, ibidem e Decretos do Governo Provisório.

(1889).

188 Jornal do Commercio, (28/07/1910).

189 AHI 203.3.1, Telegrama de Rio Branco a Legação em Berlim (24/09/1910).

190 AHI Arquivo Barão do Rio Branco, Lata 854, Maço 2, Documento 9, autógrafo, publicado no Jornal

do Commercio sob pseudônimo C. em 18/08/1910.

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tentando deste modo confundir e ao mesmo tempo amenizar o impacto da decisão do

Governo.

Como demonstrado, a campanha de imprensa de 1910 visou criar as condições

para a instaurar a ‘Grande Missão’ desacreditando os grupos que a ela se opunham. Para

alcançar este objetivo a linguagem utilizada enfatizava que a incapacidade profissional,

o anacronismo e o desvio de função seriam características quase que absolutas da

oficialidade da Marinha e do Exército brasileiros.191

A ‘Grande Missão’, nesse momento, era concebida como uma recomposição em

profundidade da Corporação Militar com vistas a incrementar sua capacidade combativa

pela adequação aos novos armamentos adquiridos, condicionada ainda ao que se

entendia como imperativo da Política Externa brasileira naquele momento: “Nós não

temos que conquistar uma soberania; temos que defendê-la e devemos assegurar nosso

posto no concerto americano”,192

o que atendia às composições entre as elites políticas.

Sintomaticamente, nenhum dos artigos, supostamente reformadores, em nenhum

momento comentam os códigos disciplinares utilizados pelas Forças Armadas

brasileiras que, por exemplo, permitiam na Marinha, entre outras punições, o uso da

chibata.193

191 “a maior parte de nossos oficiais superiores são incapazes para a manobra da esquadra que acaba de exigir cerca de 150 mil contos para sua construção [...] [devemos] pedir ao Congresso uma lei

excepcional de reforma, baseada na incapacidade, por velhice ou atraso, de grande parte dos oficiais

generais e superiores” – Jornal do Commercio. (11/07/1910).

192 Jornal do Commercio. (06/08/1910). Ainda: “a preparação de uma Nação para a guerra está

subordinada absolutamente a sua política exterior [...] a ela, pois, compete esclarecer os órgãos que têm

de criar os elementos materiais e morais com que se conta proteger o desenvolvimento pacífico de um

povo” - Jornal do Commercio. (10/08/1910).

193 No Exército também existiam os castigos corporais: “Embora abolidos desde 1874, os castigos

corporais subsistiam ainda, reduzidos a algumas dúzias de varadas ou de bolos, notadamente no caso de

delitos mais graves [...] estes castigos não deixavam de ser bem aceitos pela opinião pública, tanto que a

imprensa sensacionalista não os comentava [...] entre os castigos regulamentares, havia o sarilho de armas, o marche-marche, a chamada célula, pequeno compartimento mais ou menos privado de luz, no

qual se prendiam os delinqüentes a pão e água [...] o marche-marche consistia o homem correr duas horas

pela manhã e duas à tarde, equipado em completa ordem de marcha, isto é, com a mochila cheia como se

fosse para a guerra, com armas e tudo mais [...] o sarilho era constituído [...] de quatro fuzis [...] postos

sobre os ombros do indivíduo a ser castigado [...] dois fuzis ficavam perpendiculares à linha dos ombros,

um em cada ombro, com a boca para a frente, seguro pelo cano; dois outros fuzis eram dispostos

perpendicularmente aos dois primeiros, um atrás e outros à frente do pescoço. Alguns capitães e sargentos

usavam um maior número de armas, para aumentar o peso a ser sustentado pelo indivíduo que cumpria o

castigo”. (Cidade, 1956).

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Como a decisão sobre a Missão fora delegada ao próximo presidente, o principal

item na agenda da missão do Marechal Hermes da Fonseca à Berlim, conjuntamente

com o aumento da imigração alemã para o Brasil,194

era o consentimento do Imperador

a vinda da Missão alemã.195

Anteriormente as duas Chancelarias já haviam acordado na

vinda ao Brasil de 20 oficiais do Exército alemão196

para servirem nos estados do Rio de

Janeiro e Rio Grande do Sul. Formalmente com a ida de Hermes da Fonseca à Berlim,

oficializou-se a vinda da Missão Alemã ao Brasil197

durante o que seria a futura

Presidência Wenceslau Bráz, ou seja, após 1914.198

A Revolta dos Marinheiros (ou da Chibata)

Muito ainda poderia ser dito para exemplificar como a condução da política

externa por Rio Branco estava imbuída pela geopolítica, mas a importância que os

dreadnoughts passaram a possuir para a Política Externa brasileira pode ser medida pela

interferência do Chanceler na Revolta dos Marinheiros (ou da Chibata). Uma das

causas desse movimento era sem dúvida, a inadequação do pessoal da Marinha

brasileira, tanto os marinheiros quanto os oficiais, em lidarem diariamente com navios

de compleição tão revolucionária. A divisão de trabalho num dreadnought era

semelhante a uma fábrica, com horários rígidos em ambientes quentes e fechados, aonde

a força bruta necessária para operar os navios veleiros e mistos seria substituída pela

técnica. Compreendendo este paradoxo, a campanha de imprensa movida na época

procurou demonstrar o estado em que se encontrava a Marinha e suas contradições, mas

a resistência a uma Missão estrangeira era muito grande na parte da Corporação Militar

brasileira mais ciosa de suas origens e de seus privilégios.

194 AHI 203.3.1 Telegrama de Rio Branco para a Legação em Berlim (28/08/1910). O Barão do Rio

Branco desejava o aumento da emigração alemã para o Brasil em detrimento de outros países,

direcionando-a também para os estados do sudeste.

195 AHI 203.2.10, Telegrama da Legação em Berlim para Rio Branco (26/08/1910).

196 AHI 203.3.1, Telegrama de Rio Branco para Legação em Berlim (03/06/1910).

197 AHI 203.2.10, Telegrama da Legação em Berlim para Rio Branco (13/09/1910). O agreement imperial

foi dado em 13/09/1910.

198 AHI 203.2.10, Telegrama da Legação em Berlim para Rio Branco (26/09/1910).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Na Marinha a campanha de imprensa, ao contrário do que se sucedeu no

Exército, produziria um efeito colateral: a cisão entre oficiais, praças e subalternos que

corroía a capacidade combativa da Marinha brasileira, aumentaria tremendamente, até

que em 1910 a insatisfação sublimaria-se através da ‘Revolta dos Marinheiros’ (ou da

Chibata),199

fato reconhecido pelo seu comando:

A verdadeira Marinha não era a imagem desenhada por esse órgão

do jornalismo, na campanha funesta que fez ruir a disciplina destruindo o

trabalho de um grupo considerável de oficiais sob cujos ombros pesou a

tarefa do preparo das guarnições e da conservação da nova esquadra, da

instrução dos marinheiros que lhes foram confiados, a ponto de conseguirem

sós, o manejo dos navios [...] de quanto a imaginação dos marinheiros

deixou-se impressionar pelos artigos incendiários tão mal sucedidos, sabem-

no os que os viam, aos grupos, lendo o seu conteúdo sinistro: é típico esse

caso de um grumete que chegou a perguntar a um oficial se era exato que os

comandantes e chefes fossem assim ignorantes! [...] o meu sucessor

arregimentou-se com os detratores do grande diário, taxando todos os seus

colegas de ineptos e de incompetentes, reconhecendo-se a si próprio incapaz

de salvar a marinha da sua lamentável situação e emprestando o prestígio

que lhe dava o cargo passageiro de Ministro para a idéia condenada da

grande missão estrangeira.200

O Estado-Maior da Armada também atribuiu a rebelião na Marinha ao estado de

ânimos e às divisões provocadas pela Campanha de imprensa: “os oficiais na praça de

armas entregavam-se as discussões sobre política e sobre seus superiores escreviam a

199 Em setembro de 1919 (novamente no Minas Gerais) estas tensões se reproduziram, entretanto os

oficiais conseguiram abortar a revolta a tempo, com o recolhimento a prisão de 35 tripulantes e a retirada

das ‘culatrinhas’ que permitiam o municiamento dos canhões daquele navio e de outros, impedindo-os

portanto de se defenderem de um ataque dos legalistas, se este houvesse (Scheina, 1987, 106-107).

200 Alencar, Alexandrino de. (1913). Relatório da Comissão de estudos sobre a organização das marinhas

européias Rio de Janeiro: Livraria Garnier.

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imprensa variadas informações [...] a indisciplina das praças foi o corolário da dos

oficiais”.201

Quando em 22 de novembro os rebeldes se apoderaram dos dois navios mais

poderosos da terra, colocando-os fora do alcance da oficialidade, estes últimos, sob o

peso da emoção causado pelo assassínio de vários oficiais e marinheiros que se

opunham a revolta e desejando vingar a honra julgada ferida, tomaram a decisão de

afundar o Minas Gerais e o São Paulo.

O ataque aos dreadnoughts se daria na noite de 24 para 25 de novembro de 1910

por ataque torpédico levado a cabo pelos destroyers que permaneceram leais, no

momento em que os dreadnoughts, ao transpor a barra da Baía de Guanabara,

cruzassem a linha formada pelas fortalezas: às duas da madrugada do dia 25 (o ataque

era previsto para o nascer do dia), o Ministro da Marinha recebeu ordem para desfechá-

lo. Pouco antes das três horas, entretanto, nova ordem seria recebida, determinando que

o ataque fosse sustado temporariamente.202

Sabendo do destino que teriam os barcos, Rio Branco através do Capitão-

Tenente Jorge Dodsworth Martins, de quem conhecia o pai, procurou o comandante

previsto para a operação, Capitão-de-Fragata Filinto Perry, num encontro sigiloso entre

os três, num almoço no ‘Restaurante-Bar Brahama’:

O Barão fez um apelo persuasivo para que fosse posta de lado a

operação de por a pique os encouraçados. Era esse o plano. Disse ser

melhor, no interesse do país, poupar os navios de sua destruição . Que a

disciplina fosse arranhada, com uma anistia, talvez julgada desprimorosa.

Na Marinha Inglesa houvera caso semelhante, e a História esqueceu aquele

201 Mendonça, Raymundo de Mello Furtado. (1912). Introdução do Relatório apresentado ao Sr. Ministro

da Marinha pelo Chefe do Estado Maior da Armada em maio de 1911 Rio de Janeiro: Ministério da

Marinha.

202 Leão, Joaquim Marques Baptista de. (1911). Relatório apresentado ao Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil em maio de 1911 Rio de Janeiro: Imprensa Nacional.

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recuo humilhante. Assim, preservasse a nossa Marinha os seus

encouraçados, porque representavam eles o equilíbrio naval sul-americano,

posição que não podíamos perder, a qualquer custo.203

Após duas graves revoltas em menos de dois meses (a Revolta dos Marinheiros

em novembro e a Revolta do Batalhão Naval em dezembro de 1910), a reforma da

Marinha se tornaria o centro das preocupações de Rio Branco. Logo após o último

levante e durante os quatro primeiros meses de 1911, 1.216 homens foram excluídos da

Marinha do Brasil. Somadas às suas deficiências crônicas, o afastamento destes homens

tornaram a Marinha praticamente inoperante. A partir de abril de 1911 o Chanceler

dedicou-se febrilmente a ampliar a missão militar alemã para que incluísse a Marinha.

Seria uma missão ainda mais abrangente que aquela destinada ao Exército e estava

prestes a ser oficializada às vésperas da prolongada agonia de Rio Branco.204

A Primeira Guerra Mundial e a morte do Barão do Rio Branco se encarregariam

de adiar por quase uma década a reforma das Forças Armadas brasileiras, contudo, a

chegada dos dreadnoughts e dos armamentos para o Exército possibilitou que o

Chanceler pudesse antever novas perspectivas para a Política Externa brasileira. Tal o

demonstrava seu estado de espírito:

Mas sabe-se que, Ministro de Estado, encontrava vagares para

debruçar-se nas amuras do Cais do Pharoux e apreciar, embevecido, as

evoluções dos scouts e destroyers recém-chegados, e que detinha-se à beira

das calçadas para assistir - um sorriso de satisfação não dissimulada

iluminando-lhe os olhos -, para assistir o desfile de uma unidade de

infantaria ou de um Regimento montado, e que vibrava, ‘ingênua e

infantilmente’ com os acordes das bandas marciais e as estridências dos

clarins”.205

203 Martins, 1974a.

204 AHI 203.3.1, Telegramas de Rio Branco para a Legação em Berlim, (11/06/1911), (28/07/1911),

(02/09/1911) e (23/12/1911). O último telegrama comunicava finalmente a concordância do Ministro da

Marinha brasileira, mas não chegou a ser enviado pelo Itamarati.

205 Domício da Gama a Clodoaldo da Fonseca, citado em Fonseca, 1974, 86.

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Conclusão

Para o projeto de Rio Branco, a reforma das Forças Armadas se tornaria cada

vez mais necessária em função das variáveis do Sistema Internacional. Para Rio Branco,

esta iniciativa possibilitaria a superação dos limites do antigo sistema diplomático que

havia se mostrado exaurido principalmente quando do Caso Panther, ao qual ainda se

deviam somar as experiências da Revolta da Armada e das discussões das Questões, ou

seja, a possibilidade de uma intervenção extra-continental era real e não poderia ser

mais enfrentada somente pelos esforços diplomáticos. A este contexto aliaria-se a

necessidade de realinhamento de um sistema de equilíbrio que havia sido rompido pela

ascensão da Argentina a uma nova condição no sistema sul-americano e às propostas

hegemônicas de parte da elite desse país. Essa, aliás, seria uma das condicionais a que

tanto a política externa brasileira como a geopolítica teriam de responder até os anos

1970. Outra condicional diria respeito a atuação dos Estados Unidos no interior desse

sistema. Enquanto possível, Rio Branco procurou utilizá-la em auxílio às deficiências

brasileiras, em troca da otimização da influência norte-americana na América do Sul,

embora desde logo ficasse claro que aos Estados Unidos não interessava a preeminência

de nenhum outro ator no continente. Mas a igualdade, embora não significasse uma

derrota absoluta para os interesses brasileiros, era evidentemente um retrocesso em

relação à posição obtida pelo Brasil ao longo do século XIX.

Ainda que a renovação da Marinha fosse uma idéia já bastante disseminada

dentre a elite brasileira, esta seria mais uma relação resultante do recrutamento de sua

oficialidade e da atitude que estes adotavam perante a sociedade e o Estado,206

do que a

verdadeira percepção da necessidade da reforma. Portanto, considerando o projeto

geopolítico de Rio Branco e suas matrizes ideológicas, inclusive o conceito de

Bündnisfähigkeit, a aquisição dos dreadnoughts representaria, conjuntamente com a

reforma do exército, uma nova proposta de inserção do Brasil no Sistema Internacional.

Portanto, ainda que a morte de Rio Branco significasse o fim de seu projeto,

então um projeto também de parte das elites brasileiras, essas idéias retornariam

reinterpretadas pela mesma Corporação Militar a que ele se propôs reformar.

206 Veja-se Aron, 1985, 527.

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Conforme a teoria de Bakhtin, isto pressuporia a existência de uma influência

recíproca entre a cultura popular e a cultura das classes dominantes: “de uma

inconsciente deformação da fonte, obviamente tendendo a conduzir o desconhecido ao

conhecido, ao familiar” e de uma adaptação às próprias fontes populares.207

A vinculação da proposta de reforma das Forças Armadas a um projeto

geopolítico que correspondia ao imaginário brasileiro, conforme foi demonstrado, por

exemplo, pela campanha da Liga Marítima que encontrou grande ressonância popular,

criaria as condições necessárias ao ressurgimento, ainda que a longo prazo, de um outro

modelo para as relações internacionais brasileiras centrado no pensamento geopolítico.

207 Ginzburg, 1998, 25.

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A TORRE DO FAROL

Los fieles que concurren a la meszquita de Amr, en el Cairo, saben

muy bien que el universo está en el interior de una de las columnas de piedra

que rodean el patio central [...] Nadie, claro está, puede verlo, pero quienes

acercan el oído a al superfície, declaran percibir, al poco tiempo, su atareado

rumor [...] La mesquita data del siglo VII; las columnas proceden de otros

templos de religiones anteislámicas, pues como há escrito Abenjadún: En las

repúblicas fundadas por nómadas, es indispensable el concurso de forasteros

para todo lo que sea albañilería.

(Jorge Luis Borges)

Introdução

No capítulo anterior apresentamos a importância da campanha de imprensa para

a proposta da reforma das Forças Armadas. Aliada às iniciativas políticas de Rio Branco

e dos chefes militares, ela seria certamente decisiva para a formação de um determinado

grupo e de uma nova mentalidade no interior da Corporação Militar. Diversos autores

notaram a ascensão de uma nova geração nas fileiras militares, geralmente indicada no

movimento Tenentista. Nelson Werneck Sodré, por exemplo, enfatiza o idealismo desta

geração no sentido da renovação e modernização militar, mas não identifica a atuação

daqueles que julgamos ser fruto da atuação política de Rio Branco: os Jovens Turcos.

Entretanto Sodré notou que em 1932, na Escola Militar do Realengo (EMR), ainda

sobreviviam as idéias que identificamos como a plataforma deste grupo (Sodré, 1979).

Mesmo aqueles que reconheceriam a importância dos Jovens Turcos, dentre os quais

José Murillo de Carvalho, somente seriam capazes de identificar suas origens a partir de

1913, quando da fundação da Defesa Nacional (Carvalho, 1997). Para outro autor, João

Quartim de Moraes, o movimento pela reforma das Forças Armadas no interior do

Exército já existiria em 1899, mas nesse processo não se caracterizaria a influência de

Rio Branco, e o movimento pela vinda de uma missão militar e pela instituição do

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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serviço militar obrigatório estaria relacionado somente aos Jovens Turcos, cuja

formação também só reconheceria a partir de 1913. Moraes considera entretanto

exagerada importância dada a estes por José Murillo de Carvalho, preferindo creditar à

influência do Positivismo as mudanças operadas no Exército (Moraes, 1997). Ainda

outro autor, Edmundo Campos Coelho, identificaria que a idéia básica do movimento

dos Jovens Turcos “era de que a função primordial do Exército consistia na defesa

externa” mas apesar realizar esse enfoque, não procuraria explicar as origens fossem do

grupo ou de seu ideário (Coelho, 1976).

Para nosso estudo, a influência dos Jovens Turcos deve ser medida pela

importância que determinado setor das elites dirigentes atribuía à necessidade da

reforma militar. Se os Jovens Turcos e suas idéias vieram a ter alguma relevância no

Exército é porque existiam então lideranças que facilitaram seu concurso e que estavam

integradas nesse ideal. É sintomático que várias dos artigos da campanha de imprensa

tenham sido escritos anonimamente por oficiais-generais e oficiais da ativa (por

exemplo, o General Tito Escobar, que na década de 1910-1920 teve destacada atuação

no apoio aos Jovens Turcos208

). Na época e anteriormente, tanto na Marinha como no

Exército, já existiam setores que pregavam a necessidade da reforma. Foi exatamente

com estes que Rio Branco convergiu na execução de seu projeto de política externa e

também foi neste grupo que o Chanceler arregimentou vários de seus colaboradores.209

Ainda nesse mesmo sentido de composição entre a elite e determinados setores do

exército, entendemos que deve ser explicada a importância da Missão Militar Francesa.

A criação da ESG deve ser entendida tanto a resultante desse processo enquanto

relacionada a um contexto mais amplo.

Embora alguns autores como Shiguenoli Miyamoto e Williams Gonçalves

(Gonçalves, 1984; Gonçalves & Miyamoto, 1993; Miyamoto, 1984, 1985, 1988)

identifiquem a influência da geopolítica na ESG e por meio desta na política externa

brasileira, não procuraram explicar de que modo se dera essa inserção nem explorar

suas origens, o que em nosso entender pode revelar novas abordagens para o assunto. A

própria abordagem de suas investigações não enfatizou o material produzido nesse

208 Araripe, 1960b, 58-59.

209 Cidade, 1941, 66-69.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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instituto, embora notasse o vínculo entre as idéias de Góes Monteiro e de outros que se

mantiveram afastados do movimento Tenentista com a fundação da ESG (Miyamoto,

1985 e 1995).

Nosso estudo buscou um enfoque na pesquisa da produção geopolítica, seja no

período precedente à fundação da ESG quanto nos anos 50 e 60, por entender que seria

privilegiando estas fontes que encontraríamos a gestação e o desenvolvimento de idéias

posteriores. Entendemos também que essa produção geopolítica deve ser considerada

como um produto intelectual que estaria, a partir da morte de Rio Branco, grandemente

ligada ao desenvolvimento da Corporação Militar e aos paradigmas lançados por seu

projeto e especificamente por meio de sua iniciativa para a reforma militar.

Os Jovens Turcos

Em conseqüência do debate forçado pela imprensa, que expunha as mazelas de

sua organização, principiaram a acontecer movimentos espontâneos na Corporação

Militar. No Exército, os ecos da campanha de imprensa chegariam até os alunos da

Escola Militar, então em funcionamento em Porto Alegre, sob o nome de ‘Escola de

Guerra’: “Cada nova turma de aspirantes que deixava a escola levava um reforço de

pelo menos 50% de seus efetivos para as fileiras modernizadoras. Os arautos da idéia

nova passaram logo a ser ridicularizados pelos seus colegas, que lhes deram a alcunha

de ‘Jovens Turcos’.210

Conquanto sempre existissem aqueles que criticassem o estado de coisas no

Exército e pregassem a mudança, estes acabavam sempre tomando o caminho da

burocracia ou da política, no que terminavam eles mesmos vítimas dos ataques

daqueles que algum dia houvessem procurado combater. No entanto, duas turmas saídas

da Escola de Guerra em 1909 e 1910 tiraram da mão dos tradicionalistas essa arma

contundente, tomando espontaneamente o rumo dos quartéis:

Era-lhes relativamente fácil se quisessem, conseguir empregos nas

repartições militares [...] houve oficiais que percorreram vitoriosamente

todos os postos da hierarquia militar, dos primeiros aos últimos, sem ter

tomado parte numa formatura regimental, sem ter atirado com o fuzil

210 Cidade, 1956.

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regulamentar, ou mesmo sem ter jamais entrado num quartel a serviço! [...]

conseguir empregos nas repartições militares, ou nas secretarias dos corpos

de tropa [...] esse fora até ali o caminho seguido pelos elementos intelectuais

do Exército.211

Os Jovens Turcos fundaram em julho de 1910 a Revista dos Militares sob a

direção de Francisco de Paula Cidade e de outros. Estes mais tarde se reuniriam com os

antigos estagiários no Exército alemão e no Rio de Janeiro fundariam em 10 de outubro

de 1913 A Defesa Nacional (a qual teria o objetivo explícito de aproximar-se tanto

quanto possível da sua congênere alemã a Militar Wochenblatt).

Ao retornarem ao Brasil, aqueles estagiários eram sucessivamente enviados para

postos-chave na cadeia de comando. Esta arrumação de coisas era facilitada por um

novo Regulamento do Serviço Interno preparado por Tasso Fragoso, que visava “o

preparo permanente da tropa para a guerra [...] [instituindo] para a vida nos quartéis um

regime novo, na qual tenha primazia a instrução e sejam abolidos hábitos burocráticos

que tanto tempo tomam inutilmente a oficiais e praças”.212

Tasso Fragoso promoveria, também em 1909, a introdução no Brasil do ‘Jogo de

Guerra’ [Kriegspiel], a partir do Estado-Maior do Exército. O objetivo desse exercício,

segundo o autor, consistiria em promover o estudo dos processos relativos à condução

de pequenas operações militares sobre Cartas Geográficas.

Um dos assistentes, o Tenente-Coronel Raymundo Pinto Seidl, principiou a

difundir entre os oficiais os resultados de tais estudos, depois passando a dirigir sessões

de ‘Jogo de Guerra’ em torno das quais se reuniram os regressados da Alemanha:

“uma ou duas vezes por semana dirigia partidas de jogo da guerra

em algumas unidades [...] Na falta de Cartas brasileiras, os trabalhos eram

conduzidos sobre uma carta de região imaginária, importada da Alemanha,

211 Cidade, 1956.

212 Conferência proferida por Francisco de Paula Cidade e citada em Araripe, 1960a, 464.

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bem como todos os símbolos, destinados à representação das forças em

presença”.213

Bertoldo Klinger, talvez o mais talentoso dos estagiários, segundo as distinções

recebidas na Alemanha, fundou na Vila Militar um Clube do ‘Jogo de Guerra’, ao qual

se agregou o Coronel Eduardo Sócrates fato que posteriormente teria grande significado

para os Jovens Turcos.

O ideário dos Jovens Turcos, veiculado através da Defesa Nacional, seria

basicamente o mesmo daquele defendido por Rio Branco e pela Revista dos Militares

para o Exército: Sorteio Militar, reequipamento e Missão Militar. Estes entendiam

também que o Exército era o “fator decisivo de transformação política e estabilização

social [...] principal elemento de defesa exterior [...] tem igualmente, uma função

educativa e organizadora a exercer na massa geral dos cidadãos”.214

Compare-se A

Defesa Nacional com o que havia sido escrito nos jornais em 1910:

Os armamentos do Brasil concorrem [...] para sustentar o pacifismo

que sempre foi o seu programa [...] o Exército é o grande instrumento da

unidade e da civilização de um país. É o grande cadinho da unidade nacional

onde os indivíduos seja qual for a sua origem [...] se vão juntando

diariamente ao velho fundo do país, fundindo-se e dele saindo feito

brasileiros [...] No Brasil, o exército será, portanto o grande artista da

unidade nacional. 215

Em face das diferenciações já abordadas entre o Exército e a Marinha, um

agrupamento similar aos Jovens Turcos somente apareceria nesta última após a Primeira

Guerra Mundial. Em 1913 os primeiros integrantes da Marinha brasileira foram aceitos

em um programa de estágio na Marinha norte-americana, o qual prosseguiria durante o

conflito, tendo os oficiais brasileiros servido em operações de guerra no Atlântico

Norte. Este grupo era composto, sobretudo, por especialistas em artilharia e ficaria

213 Araripe, 1960a, 450-451.

214 Editorial, (out. 1913). A Defesa Nacional . (1) 1

215 Jornal do Commercio, (23/09/1910).

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conhecido na Marinha brasileira como os ‘Arquiduques’ ou ‘Grão-Duques’ (Reis &

Baptista, 1973). A existência deste estágio teria ainda bastante influência para o

estabelecimento de uma Missão Militar americana em 1922, preterindo uma Missão

britânica. Entretanto os ‘Arquiduques’ nunca conseguiram ter na Marinha a influência

que os Jovens Turcos passariam a ter no Exército.

Entre 1912, ano da morte de Rio Branco, até a chegada da Missão Militar

Francesa, em 1920, o Brasil continuou a partilhar das mesmas preocupações

geopolíticas existentes anteriormente, embora se pretendessem estratégias diferentes:

Tendo Governo Brasileiro recebido convite desse Governo fazer-se

representar Conferência aliados escolheu Vossência exprimir seu

pensamento e agradecer essa distinção. Convém Vossência prestigie sempre

orientação Estados Unidos mas tendo sempre em vista com as devidas

reservas que situação alemães nosso sul é muito delicada, pois que são cerca

quatrocentos mil e magnificamente armados, sendo por isso imprudente que

daqui distraíssemos forças por enquanto e sob qualquer pretexto.216

A participação brasileira na 1ª Guerra Mundial estaria sempre condicionada ao

contencioso com a Argentina, o qual seria agravado pelo temor de que esta pudesse

patrocinar uma revolta das colônias alemãs no Sul do Brasil ou que dessa eventualidade

aquele país vizinho pudesse se aproveitar.

Iniciando-se amanhã conferência aliados Vossência está autorizado

admitir possibilidade colaboração aí nossa esquadra ao lado esquadra

inglesa donde ela saiu sob direção do comando único que for instituído.

Dado o aspecto sombrio situação estados sul que Vossência conhece e que

nos impede mandar tropas de terra Governo julga do seu dever prestar as

nações a que se aliou a contribuição da Marinha de Guerra pelas suas mais

importantes unidades se for julgado necessário.217

216 AHI 227.3.17, Telegrama de Nilo Peçanha para a Legação em Paris (14/11/1917).

217 AHI 227.3.17, Telegrama de Nilo Peçanha para a Legação em Paris (26/11/1917).

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Esta seria a razão pela qual o Brasil participaria do esforço de guerra somente

com as forças da Marinha, e ainda assim condicionadas a operarem no teatro de

operações africano, o que lhe seria inteiramente desfavorável em virtude da sua

incapacidade combativa e logística, como já fora abordado pela campanha de

imprensa:218

Estávamos informados já por autoridades estrangeiras que o

concurso de dreadnoughts ou de grandes unidades aí não tinha aplicação útil

neste momento. Por isso tínhamos e temos em vista concorrer com

cruzadores e outras unidades ligeiras. Achamos porém inconveniente alvitre

Balfeur ou dos Almirantes americanos da retirada dos navios Estados

Unidos destas águas e sua substituição pelos nossos entre outras razões

porque dada a incursão de submarinos que se anuncia com base nos países

vizinhos maior autoridade teriam eles que nós para intervir sem agravar

situação política América do Sul. Estimaria Governo que Vossência voltasse

a conversar Balfeur de modo assentar nossa contribuição aí ao lado da

esquadra inglesa.219

A Missão francesa e o Estado-Maior do Exército

No Exército, o Estado-Maior chefiado pelo Marechal Caetano de Farias, deu

desde o início apoio aos Jovens Turcos. Em 1918, após grande campanha dirigida por

estes, a Lei do Serviço Militar e do Sorteio foi finalmente posta em execução. Nesse

mesmo ano começou a se preparar a reforma da Escola Militar de Realengo a partir do

núcleo formado pelos Jovens Turcos, que obtiveram o respaldo do Estado-Maior,

através de seu Chefe General Bento Manuel Carneiro Monteiro que indicou Eduardo

Sócrates para comandante daquela Escola.

218 As forças navais brasileiras deveriam operar no triângulo Gibraltar/Dacar/Cabo Verde. O envio e

operação dessa Divisão se tornou um pesadelo logístico para a Marinha brasileira, uma vez que esta não

dispunha sequer de um navio-carvoeiro para seu abastecimento. A DNOG (Divisão Naval em Operações

de Guerra), jamais chegou verdadeiramente a realizar operações de guerra na área que lhe foi designada,

embora tenha tido pesadas perdas (19% dos componentes da Divisão foram perdidos em virtude de um

surto de Gripe Espanhola em Dacar) e lhe tenha sido atribuída a responsabilidade pela perda de um

dreadnought britânico nas proximidades de Gibraltar e o suposto afundamento de um submarino alemão

(Maia, 1961; Gama, 1982).

219 AHI 227.3.17, Telegrama de Nilo Peçanha para a Legação em Paris (02/12/1917).

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Esta reforma ficou conhecida como a ‘Missão Indígena’ e em 5 de dezembro de

1918 iniciou suas atividades.220

A intervenção que se deu então na Escola Militar de

Realengo foi grandemente facilitada pelo caos completo que se instauraria naquela

instituição depois de Março de 1918: a ‘Gripe espanhola’ interrompeu as aulas por um

mês e fez com que o ano letivo fosse encerrado com os alunos sendo aprovados por

decreto.

No período que vai da morte de Rio Branco até o começo da 1ª Guerra, a

Política Externa brasileira começou a pender novamente para a Europa. Já em 1915

Graça Aranha escrevia para Tasso Fragoso relatando o apoio e a boa vontade que os

Governos da França e da Inglaterra estavam dispostos a novamente hipotecar ao

Brasil.221

Cientes como Rio Branco, das limitações das Forças Armadas brasileiras, Graça

Aranha e Tasso Fragoso apontavam as relações diplomáticas como uma estratégia de

superação:

Se por acaso houvesse aí uma recomposição ministerial e o Lauro

ou por estar doente, ou por mudar de pasta, tivesse de deixar as Relações

Exteriores, eu penso que o nosso Presidente devia chamar ao governo o

Fontoura [...] no Itamarati teria a confiança pessoal ao governo inglês e

muito faria pelo Brasil [...] Precisamos de amigos fortes e que tenham por

nós amizade e estremada boa vontade [...] Sem elementos de defesa militar a

nossa única força está na honestidade do governo, na sua orientação segura,

e na simpatia que inspiramos e na mobilidade diplomática.222

Esse grupo também via a entrada do Brasil na Guerra como uma oportunidade

de inserção no Sistema Internacional, que angariaria prestígio e influência nas decisões

subsequentes:

Devemos reconhecer o estado de guerra que nos dará uma definitiva

situação internacional. Sem o estado de guerra declarado, teríamos as

220 A Defesa Nacional. 531 (Out. 1958)

221 Carta de Graça Aranha para Tasso Fragoso. (11/09/1915) in Araripe, 1960a, 358.

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desvantagens da guerra sem as vantagens do beligerante. Contamos contigo

para este resultado [...] Quando digo contamos contigo, é por que a tua ação

é conhecida do Governo francês [...] Sabemos a tua intervenção decisiva

para nos livrar do Lauro e maior serviço não podia ser prestado à nossa

causa [...] Eu te quisera aqui na missão militar que virá sem dúvida.223

Desde o final de 1917, Graça Aranha passaria oficialmente a negociar duas

Missões Militares Francesas para o Brasil: uma para a Força Pública de São Paulo

(repetindo a Missão de 1905) e outra para o Exército.224

O contrato para a primeira foi

assinado no início de 1918.225

Para a segunda, as negociações foram mais demoradas. O

Governo francês exigiu que a indústria francesa recebesse a exclusividade sobre a

compra de material militar pelo Exército brasileiro, velho sonho acalentado desde a

década de 1890. Quis ainda a França que essa cláusula se estendesse também para a

contratação dos técnicos de arsenais e fábricas brasileiros. Como compensação restaria

para o Brasil o duvidoso privilégio de se tornar parte a ser consultada na hipótese do

envio de Missão Francesa para qualquer outro país da América do Sul.

A Defesa Nacional batera-se pela vinda de uma Missão Militar alemã, como

seria de se supor, e como de fato havia sido acordado pelo Governo brasileiro

anteriormente. Entretanto, como após o Tratado de Versalhes qualquer acordo militar

que tivesse sido concebido entre Brasil e Alemanha se tornasse impossível, muitos dos

que a apoiavam entre os Jovens Turcos passaram-se para o lado daqueles que apoiavam

a Missão Francesa, embora as páginas da Defesa Nacional, controlada nesse momento

por Bertoldo Klinger, continuassem a pleitear a vinda da Missão alemã.

Sinalizando esta mudança, Pandiá Calógeras, que achava-se em Paris fazendo

parte da delegação brasileira à Conferência de Paz, foi convidado para exercer as

funções de Ministro da Guerra. Calógeras era amigo de longa data dos Jovens Turcos, já

222 Carta de Graça Aranha para Tasso Fragoso. (14/10/1915). Idem, ibidem, 360.

223 Carta de Graça Aranha para Tasso Fragoso. (16/06/1917). Idem, ibidem, 361.

224 “Graça Aranha havia me dito anteontem pelo telefone, pedindo segredo, estar se cogitando uma

missão francesa ao Brasil; ad instar da que foi ao Estados Unidos, compreenderia homens eminentes,

civis e militares, estes destinando-se a auxiliar a organização de nossas Forças Armadas” – Carta de

Malan d’Angrogne para Tasso Fragoso (Jan.? 1918). Araripe, 1960a, 374.

225 AHI 227.3.18, Telegrama do Ministério das Relações Exteriores para a Legação em Paris. (03/01/1918

e 18/01/1918).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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havendo inclusive intercedido em favor destes em 1915 quando Bertoldo Klinger e

Francisco de Paula Cidade haviam sido presos por expressar opiniões reformistas.

Estando já em Paris, o novo Ministro da Guerra levou à frente a negociação da Missão

Militar Francesa inclusive com a colaboração de Malan d’Angrogne, um admirador

confesso da Alemanha e Jovem Turco de primeira hora.

A vinda de uma Missão Francesa forçaria, sobretudo, uma recomposição de

forças daqueles grupos226

que operavam no interior do Exército. Os Jovens Turcos

alinharam-se definitivamente com o Estado-Maior do Exército, fazendo com que sua

revista, A Defesa Nacional, se tornasse um porta-voz autorizado da Escola de Estado

Maior.227

Este arranjo somente se tornou possível na medida em que se dera a intervenção

direta das elites dirigentes, a quem interessava a ‘profissionalização’ entendida também

como a ‘despolitização’ do ensino militar (note-se que a Escola Militar mudou-se da

Praia Vermelha para Realengo, longe portanto do centro da cidade) e a centralização do

controle político do Exército em torno do Estado-Maior. Entretanto o novo currículo,

mais profissional e com os novos professores, mais militarizados, ajudou a criar uma

coesão em torno do aperfeiçoamento da organização militar:228

Homens que durante uma vida inteira haviam sido admirados pela

sua cultura geral, notadamente no campo da matemática - pedra de toque das

velhas gerações militares para aferir a competência de um oficial - como

poderiam já em fim de carreira adquirir os conhecimentos [...] que a

moderna arte militar exige? [...] Nestas condições, nenhum general como

Ministro da Guerra daria este passo. Foi o acaso [sic], colocando à frente do

Ministério da Guerra um civil muito ligado aos oficiais da nova geração,

226 Entenda-se ‘grupos’ no sentido de Coletivos de Pensamento [Denkkollektives], ou seja, reuniões mais

ou menos estáveis de indivíduos que se reúnem em torno de um Estilo de Pensamento [Gebilde des

Denkstiles]. Note-se que o conceito de Comunidade de Pensamento [denkgemeinschaft], tal como

concebido por Fleck, excede aquele de Comunidade Oficial. Isto se torna particularmente importante ao

abordarmos o pensamento geopolítico e a extensão temporal ou social de sua influência, bem como do

peso da influência do quadro político nacional sobre a Corporação Militar e o seu pensamento. (Fleck,

1981).

227 Cidade, 1960.

228 Drummond, 1986, 70-72.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Pandiá Calógeras, que deu racional e necessária solução ao problema da

modernização de nosso Exército.229

Graças aos alinhamentos referidos anteriormente, a Missão Militar Francesa

nunca pode entrar propriamente no Estado-Maior do Exército, o qual desde logo

considerou a Missão um simples órgão consultivo. A Escola Militar de Realengo

(EMR), porta de entrada para o corpo de oficiais do Exército, continuou nas mãos da

Missão Indígena, sabidamente composta em sua maioria pelos Jovens Turcos.

Por conseguinte, a Missão Militar Francesa teve seus trabalhos limitados a

Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais (EAO) e à Escola de Estado-Maior do Exército,

com o objetivo prático de reciclar a oficialidade brasileira. Exemplificador dos métodos

adotados então pela Missão são os termos que nesse momento se popularizariam entre

os oficiais do Exército: ‘caco de granada’ era o sinônimo daqueles que tendo sido

reprovados nos trabalhos de campo e nos ‘jogos de guerra’, passavam a ser oficialmente

declarados feridos, e em conseqüência tinham de passar o comando que exerciam para

os seus substitutos imediatos. A reprovação em trabalhos táticos por escrito ou nas

provas orais significava o recebimento do ‘bilhete azul’ – convite ao trancamento de

matrícula e que significava na prática o fim do sonho de progressão hierárquica.

O afastamento de numerosos oficiais, especialmente pela Missão Francesa no

início de suas atividades,230

e o controle do mecanismo pelo qual os afastamentos ou os

impedimentos periodicamente se processariam, definiu a longo prazo o processo de

centralização decisória no Estado-Maior do Exército, uma vez que tanto a entrada para o

Corpo de Oficiais (na EMR), bem como as promoções destes, passaram a ser

controladas por grupos que se apoiavam mutuamente e que a curto prazo conseguiram

constituir e estabilizar uma doutrina de Estado-Maior:

229 Cidade, 1954.

230 Exemplo da dedicação em depurar o Exército brasileiro que os oficiais franceses tiveram é o boletim

de aprovações das Escolas que eles administraram. No primeiro ano da reabertura da Escola de Estado-

Maior, dos dezesseis oficiais inscritos no curso, somente doze conseguiram completaram o curso, sendo

que destes aprovados, apenas cinco realmente haviam feito as provas (os outros sete tiveram de ser

aprovados por ofício pelo Estado-Maior). Na Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais dos quarenta e oito

inscritos iniciais, apenas vinte e seis conseguiram completar o curso. (Bastos Filho, 1983).

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Com a chegada ao Brasil da Missão Militar Francesa, trazendo-nos

uma doutrina diferente da alemã, porém, não tão diferente como se afigura a

muita gente, ‘A Defesa Nacional’ adaptou-se à nova ordem de coisas e

tornou-se um porta-voz autorizado de nossa Escola de Estado-Maior, centro

de onde se irradiavam, a partir daí, os ensinamentos básicos de nossa

Doutrina de Guerra.231

A verdade é que a inexistência de qualquer ‘doutrina de guerra’ no Estado-Maior

brasileiro facilitou a assimilação e a aceitação da doutrina expressa pela Missão Militar

Francesa, assim como num período posterior acontecerá o mesmo relativamente à

doutrina norte-americana:

Com a entrada do mundo em ebulição [...] adotamos, por motivos

fáceis de compreender, os modelos norte-americanos. Sem a menor

dificuldade a velha ‘A Defesa Nacional’ assumiu novas responsabilidades e

continuou o seu papel histórico, de semeadora das doutrinas de nosso

Estado-Maior, com a ressalva de que na sua primeira fase, isso não era

possível, porque o nosso Estado-Maior então não tinha, ainda, qualquer

doutrina.232

As ‘Manobras de Saicã’ em 1922, são um bom exemplo para que se possa

entender o pensamento predominante entre a oficialidade brasileira antes da chegada da

Missão. Condenadas em seu todo pela Missão Militar Francesa, aquelas manobras

demostraram que o Exército estava despreparado para qualquer manobra que exigisse

coordenação e participação de unidades mais complexas. Os oficiais simplesmente não

estavam preparados para sua função mais óbvia: a guerra. “O bom oficial era o que

231 Cidade, 1960. “Já em 1920 surgem o Regulamento Disciplinar do Exército (R.D.E.) e o Regulamento

para Instrução e Serviços Gerais (R.I.S.G.). Este maior controle interno aumenta o poder político da

organização, ao reduzir a possibilidade de quebras da hierarquia através da ação autônoma de escalões

inferiores”: (Carvalho, 1997, 212-213). “Especialmente na década de 1930, esse disciplinamento se

acentuou com um controle mais efetivo das unidades pelos estados-maiores; e pela adoção de medidas

que melhor regulavam a questão dos vencimentos e vantagens e assistência social ao pessoal militar

(questão particularmente sensível para o pessoal subalterno)”: (Queiroz, 1998).

232 Cidade, 1960.

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conhecia o maior número de leis, regulamentos e portarias. Os seus colegas davam-lhe o

título de prático, honraria que o velho oficial ostentava com orgulho”.233

A Geografia Militar e a Geopolítica brasileira

Nas escolas brasileiras de formação de oficiais o ensino de Tática e de Estratégia

nunca havia sido feito sobre o suporte da Geografia ou em conexão com ela, até pelo

menos a chegada da Missão Militar Francesa. O único ensaio de tal procedimento fora

aquele tentado pelos Jovens Turcos no âmbito da iniciativa de Tasso Fragoso para a

difusão do Jogo de Guerra e que reconhecidamente utilizava os preceitos da escola

alemã. Um dos membros originais da Missão Militar Francesa, o Tenente-Coronel

Derougemont, se tornaria o professor de Tática e Estratégia na Escola de Estado-Maior

sendo o único dentre os membros da Missão que havia cursado tanto a Escola Superior

de Guerra francesa (1907-1909) quanto o Centro de Altos Estudos Militares (1910).

Assim foi provavelmente este oficial o grande mentor da ‘doutrina de guerra’ brasileira,

aonde a Geografia Militar iria assumir grande importância e influência sobretudo

através da Escola de Estado-Maior.234

No Exército brasileiro houveram algumas incursões isoladas no campo de

domínio da Geografia Militar e do ‘Jogo de Guerra’. A primeira tentativa para

introduzir o ‘Jogo de Guerra’ deu-se logo após a Guerra do Paraguai através do Conde

d’Eu, mas apesar dos esforços de Sena Madureira e outros, a iniciativa fracassaria. Em

1900-1905, Moreira Guimarães escreveria ‘Jogo da Guerra’, a primeira obra sobre o

assunto no Brasil e tomaria algumas iniciativas para sua propagação, enquanto que,

nesse mesmo período, Henrique Valadares, Saturnino Cardoso e principalmente Lobo

Viana foram incentivadores da Geografia Militar. Dentre estes todos, Lobo Viana foi o

único a lecionar um curso regular da matéria. Este fato se deu enquanto era professor na

233 Cidade, 1952.

234 Até a chegada da Missão Militar Francesa o Exército brasileiro se encontrava dividido em pequenas

unidades dispersas, compatíveis com papel de polícia. Depois de sua chegada, aquele seria redistribuído e

atuaria no espaço brasileiro em função de um conceito estratégico de defesa territorial implementado

através da ‘ocupação’ do território e da concentração em alguns centro de decisão política e na região

considerada como a mais sujeita a agressão externa, o Rio Grande do Sul. Tal conceito seria originário da

ocupação francesa do Maghreb africano e da campanha estática da Primeira Guerra Mundial (Flores,

1992, 46).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Escola Militar da Praia Vermelha.235

Entretanto, somente em 1922 foi iniciado o

primeiro curso de Geografia Militar de caráter permanente, desta vez na EAO, o qual foi

ministrado pelo Tenente-Coronel francês Lelong. A partir dessa data a disciplina de

Geografia Militar foi paulatinamente se transformando em uma disciplina de Estado-

Maior sem, contudo, ser ministrada em outras escolas militares. Exemplo desse extremo

era o espanto dos oficiais candidatos ao exame da Escola de Estado-Maior em 1955:

“aqueles que iniciam a preparação para o concurso de admissão à Escola de Estado-

Maior ficam logo à primeira vista muito impressionados com a matéria contida nos

programas de Geografia”.236

Através do exame da ementa desta disciplina se

compreendia que “o estudo da Geografia Militar de um país, deve ser feito

principalmente no quadro de suas relações e compromissos internacionais, de suas

dependências e amarrações ao sistema mundial de forças a que se filia ou a que se

opõe”.237

A restrição do ensino da Geografia Militar à Escola de Estado-Maior criaria um

descompasso entre os oficiais superiores e os oficiais subalternos, o qual só poderia ser

resolvido se estudos preliminares do tema fossem estendidos também as escolas de

ingresso para o corpo de oficiais: “tal situação do problema, [o ensino de Geografia e

História Militar na Aman] até certo ponto, favoreceria os estágios mais avançados e

futuros da história militar, na EAO e ECEME [...] como por exemplo outros aspectos de

Geografia Militar, outras qualidades de Geografia ou Geopolítica”.238

O que o Estado-Maior entendia por ‘estágios mais avançados e futuros’ pode ser

sintetizado na seguinte afirmação: “a Geografia Militar pode ser dividida em dois

ramos: um estratégico, que interessa particularmente aos estados-maiores, e no qual está

incluída a Geopolítica; outro estatístico ou topográfico, que interessa a todos os

oficiais”.239

A Escola de Estado-Maior tivera uma vida muito curta antes da chegada da

Missão. Essa instituição somente foi fundada em 1905 e funcionou sem interrupção

235 Mello, 1935.

236 Nogueira, 1955.

237 Magalhães, 1949.

238 Cardoso, 1958.

239 Madriz, 1959.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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durante apenas treze anos até ser fechada em 1918. Ela somente reabriria em 7 de abril

de 1920, conjuntamente com a EAO obedecendo ao Decreto 13.415 de 20/01/1919,

relativamente à chegada da Missão Militar Francesa. A Escola de Estado-Maior seria,

entretanto, didática, administrativa e disciplinarmente subordinada ao chefe do Estado-

Maior com um Diretor de Estudos pertencente à Missão.240

Seria neste estabelecimento

que se haveria de receber a influência decisiva da Geopolítica francesa, sobretudo em

função da influência da Geografia da escola francesa em sua variante militar e em

concatenação com o estudo de Tática e Estratégia.241

Este amálgama faria com que a Geopolítica que fosse futuramente produzida por

seus alunos se filiasse majoritariamente a corrente Possibilista,242

tal qual sua congênere

francesa. Esta determinante de certo modo explicaria a sobrevivência da Geopolítica no

Brasil após o anátema que se abateu sobre esta a partir da 2ª Guerra Mundial, o qual

resultou da associação feita pelas mídias das nações aliadas entre a Geopolítica

germânica, pertencente em sua grande maioria à escola Determinista, e o regime

Nacional-Socialista de Adolf Hitler.243

Os valores herdados da Geografia francesa podem ser encontrados em toda

produção intelectual originária da Escola de Estado-Maior dos períodos subsequentes.

Para esse efeito comparem-se estes dois textos, o primeiro deles um clássico da

Geografia Francesa, o outro uma produção da Escola de Estado-Maior datada da década

de 1960:

Quelle est, en resumé, la notion fondamentale de la Géographie de

l’État? C’est, la notion d’une différenciation sans cesse éllargie, qui ne nie

240 Atos do Poder Executivo, Decreto 13.415 de 29/01/1919. Imprensa Nacional.

241 Em apoio a esta afirmação, ver Flores, 1992, 46-47.

242 A oposição entre as escolas possibilistas e deterministas, grosso modo separaria a geopolítica no primeiro lustro do século XX em dois campos, os quais possuiriam na França e na Alemanha

respectivamente, seus maiores defensores. Neste último país, a partir de Ratzel e culminado no grupo de

Haushofer, Obst, Lautensach e Maull a escola determinista defenderia a tese de que a geografia

determinaria o destino dos povos e lhes moldaria o caráter. Na França, a Escola Possibilista de Vidal de

La Blache, Camille Vallaux, Brunhes e outros, esposava a idéia de que a geografia possibilitaria soluções

favoráveis aos povos, ou seja, o homem e a sua adaptabilidade era um fator, tanto de transformação

geográfica quando para a compreensão geopolítica.

243 A respeito da relação entre a Geopolítica alemã, especialmente o círculo de Karl Haushofer e o

Nacional-Socialismo ver Korinman, 1990.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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point la déppendance de la sociéte politique à l’égard du sol, mais qui, à côté

de l’adaptation passive et du déterminisme naturel, reconnaît la part légitime

de l’adaptation active et du déterminisme social.244

[A Estratégia] assenta em fatores, sempre contraditórios e

imperativos, que vão desde a Geografia, passando por diversificados meios

materiais, jogando com recursos econômicos e financeiros de uma

coletividade, e indo até o homem, com seu valor e limitações. Joga para isso

com o destino de um povo ou de povos irmanados pelos mesmos propósitos.

Se a estratégia não abrange esses aspectos decisivos, além de desnaturada,

tem que ser tomada como desconexa e inconseqüente.245

O nacionalismo e a geopolítica brasileira

O Mahanianismo característico da geração de Rio Branco e Rui Barbosa seria

portanto substituído no Brasil a partir da década de 1920 e até a fundação da ESG, por

dois movimentos geopolíticos aparentemente opostos: o da escola Determinista de

Kjellén e Ratzel que possuiria no Brasil sua maior figura em Everardo Backheuser e

cuja maior projeção e influência se daria nos meios civis e no Itamarati, e a escola

Possibilista francesa que teria como expoentes Mario Travassos e até certo ponto

Golbery do Couto e Silva, a qual primaria sobretudo no Exército.

Conquanto ambas as escolas de Geopolítica esposassem o conceito de

‘satisfação territorial’ adotado por Rio Branco desde o início do século, deste difeririam

por estarem ligadas agora à idéia de um novo tipo de nacionalismo oposto àquele

professado pela geração anterior. Este nacionalismo teria raízes no pensamento de Rui

Barbosa, Oliveira Lima e Joaquim Nabuco e possuiria como motivação intelectual o

‘integracionismo’ o qual passaria a substituir e a qualificar a opção cultural pela Europa

Ocidental, que antes se traduziria explicitamente na ‘política de branqueamento’. Deste

modo, a ‘interiorização’ substituiria a ‘balança de poder’ na gramática da nova

geopolítica brasileira.

244 Vallaux, 1911, 398.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Brasileiro não pode ser o índio, nem o africano, nem o europeu: só

pode ser o brasileiro, isto é, o tipo que saiu da fusão dessas raças [...]

verdadeira política nacionalista digna de americanos, isto é, uma política

que, reagindo contra as falsas, retrógradas e estreitas noções do jacobinismo,

tenha a perfeita visão socióloga da realidade brasileira, que é um composto

de problemas econômicos, políticos e morais com aspectos originais nossos,

exigindo soluções novas, e mediante processos que não podem ser mais os

antigos [...] só desenvolvendo o nosso eu orgânico de acordo com as leis do

determinismo sociogeográfico e em harmonia com as qualidades primaciais

do gênio racial, poderemos aspirar a fortuna digna da terra maravilhosa em

que vivemos.246

Este novo nacionalismo identificaria na criação da siderurgia alavanca da

industrialização brasileira “a siderurgia trará ao organismo nacional a musculatura que

lhe falta e oferecer-lhe-á a base sobre a qual o colosso se erguerá perante o mundo em

toda sua grandeza, ereto e orgulhoso”.247

A industrialização seria ainda a porta para a

entrada do Brasil para o quadro das grandes nações e a solução definitiva e completa

para a independência econômica e política, sem a qual o Brasil nunca seria uma

potência de primeira ordem.248

Vários outros pioneiros, como Roberto Simonsen,

também pregariam nesse mesmo período a substituição do modelo agroexportador e de

sua mentalidade pela industrialização.

Portanto, o tema da ‘interiorização’ surgiria na Geopolítica brasileira originário

deste caldo nacionalista, em uma época que o Brasil atravessava um período de retração

245 Branco, 1962.

246 Carvalho, 1921.

247 Carvalho, 1919a.

248 Carvalho, 1919b.

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na política externa249

e enfrentaria o dissenso militar causado pelos primeiros filhos dos

‘Jovens Turcos’, aquela geração que entrou na Escola Militar de Realengo após a

‘Missão Indígena’, que formaria a vanguarda do ‘Tenentismo’ ao mesmo tempo em que

os antigos símbolos da Geopolítica de um período anterior, os dreadnoughts,

apodreceriam nas águas da baía da Guanabara.

Solitários, imóveis, adormecidos, eles refletem no seu dorso de aço

frio todas as angústias da inércia. Quando navegam, vão sempre a conserto

no estrangeiro, depois do que fazem o papel quase doméstico dos iates reais.

E ficam meses e meses, anos completos, parados nas águas da baía enormes

tartarugas, de cuja existência só nos apercebemos pelo volume. Chumbam-

se ao lugar aonde ancoram [...] E uma voz longínqua nos diz que os

dreadnoughts se acham ali como a expressão autentica e definida de uma

ruína. Marcam o eclipse de nosso poder naval 250

Mesmo aqueles que alguns anos antes haviam contribuído para construir a tão

ambicionada supremacia brasileira nas águas do Atlântico Sul agora tratavam de

reescrever a História, atribuindo à sua iniciativa um caráter ainda mais defensivista e

mecânico do que se poderia supor:

249 A estratégia herdada de Rio Branco pelo Itamarati era a de fugir de qualquer acordo que envolvesse a área militar ou limitação de armamentos. Desde quando o Chile apresentou a Tese de ‘Redução e

limitação dos armamentos dos países americanos’ para constar no programa da V Conferência Pan-

Americana a reunir-se em Santiago, pesava ainda a ameaça de se perpetuar a superioridade militar da

Argentina haja vista que os termos da tese instavam a se reduzir os armamentos dos países latino-

americanos ‘em proporção igual’. De acordo com sua orientação, o Itamarati propôs a retirada da Tese à

secretaria da União Pan-Americana, em Washington no que foi prontamente acatado pelo Chile. Contudo,

o Governo dos Estados Unidos comunicou que apresentaria a Tese em seu próprio nome caso esta fosse

retirada, haja vista que na Terceira Assembléia da Liga das Nações, em 1922, fora proposta a extensão

dos mesmos princípios do tratado de Washington a todos os membros da Liga das Nações. Em face da

situação, o Itamarati aceitou a redução de armamentos ‘em base justa e praticável’, condicionando a

participação do Brasil nos debates a uma reunião prévia com Argentina e Chile, na chamada ‘Preliminar de Valparaíso’, cuja não realização posterior alimentou a propaganda argentina junto aos demais países

sul-americanos, uma vez que esse país vinculava o malogro da Preliminar ao ‘expansionismo belicista’

brasileiro. Leitão de Carvalho, um dos redatores da Defesa Nacional, participou desde o início das

negociações juntamente com Félix Pacheco. A chamada ‘Tese XII’ jamais viria a ser discutida no

Plenário da Conferência de Santiago em 1923 como fora programada, em virtude das manobras

diplomáticas do Itamarati. Sintoma da importância que a área militar do Governo brasileiro dava a essa

Tese foram as presenças em Santiago de Tasso Fragoso, já Chefe do Estado-Maior do Exército junto a

Afrânio de Melo Franco, Chefe da Delegação brasileira.

250 Rodrigues, Mário. (Dez. 1921). A tragédia dos dreadnoughts, Liga Marítima(174), 5.

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O Brasil adquiriu os dreadnoughts exclusivamente porque a

Argentina adquirira vasos de igual espécie. Não foi o resultado de um plano.

Foi uma cópia. [...] Velho Mar! [...] As tuas ondas espumejam de encontro à

cerca de oitocentas léguas de litoral aberto e, em vez de nos robustecerem a

espinha, surpreendem paradoxalmente uma nação acocorada e absorta. Os

dreadnoughts dormem o seu sono de símbolos trágicos [...] Em contraste,

requintam-se os bródios que daqui a menos de um ano festejarão a nossa

chamada independência de invertebrados.251

O Mahanianismo encontraria ainda por essa época no Brasil, um competidor nas

teorias de Mackinder (ainda que essas fossem conhecidas desde 1890). O determinismo

geográfico começaria a se entronizar no pensamento geopolítico e contrapor aos

conceitos que privilegiavam o domínio do mar e de seu comércio, a tese do Heartland e

das vantagens provenientes da extensão territorial. Daí o surgimento no Brasil da idéia

de uma grandeza latente desse país, que muitas vezes seria interpretada através do rótulo

de ‘Brasil Potência’. A maneira como se constituiu este imaginário explica porque o uso

de determinados conceitos como Puncti dolentes e Hinterland seriam temas tão caros a

essa nova produção Geopolítica.

Everardo Backheuser e a ‘interiorização’

A introdução dessa nova interpretação Geopolítica de origem determinista, se

deve a iniciativa isolada de Everardo Backheuser (na verdade sua importância é ainda

maior, por haver sido o primeiro teórico, sistematizador e metodizador da Geopolítica

brasileira). O primeiro livro de Backheuser ‘A Estrutura política do Brasil - Notas

Prévias’, uma coletânea do que havia escrito anteriormente para vários periódicos, foi

publicado em 1926, apenas um ano após o primeiro livro de Haushofer, o grande

divulgador desse novo gênero Geopolítico. Backheuser ainda teve nesse mesmo ano um

de seus trabalhos publicado na Alemanha,252

o qual foi incluído em 1928 no Bausteine

zur Geopolitik, considerado o vade-mécum da Geopolítica alemã. Atestando esta

precocidade de seu pensamento o Brasil seria o terceiro país no mundo a utilizar o

251 Idem, ibidem.

252 Backheuser, Everardo. (1926). Das Politische Konglomerat Brazilien, Zeitschrift für Geopolitik, 8..

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vocábulo ‘Geopolítica’ (em 1925, no artigo de Backheuser ‘A política e a Geopolítica

segundo Kjellén’), antes dessa data somente se encontram registros de seu uso na Suécia

e na Alemanha.

A Geopolítica brasileira representada pelas iniciativas de Backheuser e dos

autores militares anteriores a criação da ESG, pode ser vista numa relação de

isomorfismo com a Geopolítica alemã, aonde as duas narrativas seriam comparadas

visando estabelecer o seu sistema de diferenças.253

Durante a República de Weimar, elevando-se do caos da organização política, a

Geopolítica germânica procurava criar um novo conceito de nação para a Alemanha,

uma união interativa de cultura, raça e geografia. Essa escola Geopolítica foi

estigmatizada pela apropriação indevida que dela fez a ideologia Nacional-Socialista

depois de 1933. Contudo, as raízes da Geopolítica germânica remontam a meados do

século XIX254

conquanto sua metodização date dos anos vinte.255

A Geopolítica alemã

atingiria seu apogeu durante a República de Weimar (1918-1933), aonde freqüentou

todos os círculos culturais e todos os espectros políticos, da esquerda à extrema direita,

apresentando um caráter ao mesmo tempo popular e francamente modernista.256

A Geopolítica brasileira desenvolveu seus conceitos visando objetivos similares

àqueles ensejados por sua congênere alemã porquanto se assentasse sobre uma estrutura

social radicalmente diferente. Ainda que Backheuser fosse um determinista,

diferentemente dos alemães, esse autor era teoricamente tributário dos conceitos de

Kjellén. Assim, a escola determinista da Geopolítica brasileira se estabeleceu sobre a

premissa de ser parte das Ciências Políticas e não como uma ciência autônoma, como

253 “analyses is therefore the analyses not of a resemblance but of a difference and an interplay of

differences. In addition [...] analyses is not content with drawing up a table of differences; it establishes

the system of differences, with their hierarchies and their subordination” (Foucault, 1998, 419).

254 Korinman, 1981.

255 O livro de Kjellén “State son Lifsform” (O Estado como uma forma viva), no qual primeiramente se

utiliza o termo Geopolítica foi publicado em 1916, mas os alemães reconhecem Ratzel como o iniciador

da Geopolítica alemã, este publicou sua ‘Politische Geographie’ em 1897.

256 A despeito do senso comum contemporâneo, a Geopolítica era identificada com a idéia de progresso e

de Ciência. O mais completo estudo a esse respeito pode ser consultado em Murphy, 1997. - “[the]

rediscovery [of geopolitic] has involved returning to its pre-Nazi origins, and this has made possible to

make a thorough re-evaluation of the discipline’s role. While the effect of this has been to add a new

dimension to the study of international relations”: Parker, 1998. Veja-se também Korinman, 1990.

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pretendiam os seguidores de Ratzel. Deste modo os seguidores de Backhauser teriam

seu trânsito facilitado junto à escola Possibilista e principalmente aos militares.

Nos seus dois primeiros livros, ‘Notas Prévias’ e ‘ Problemas do Brasil’, é

realçado o valor do espaço, sendo este relacionado à grandeza latente do Brasil. Para

que se minimizassem os seus inconvenientes haveria que se preceder a uma melhor

divisão territorial e a uma melhor localização de sua Capital, que deveria ser construída

em um ponto central do país. O Exército brasileiro era considerado uma das principais

forças que atuavam a favor da unidade nacional e como um dos núcleos do patriotismo

nacionalista, em contraposição ao federalismo administrativo e às milícias estaduais,

que eram forças centrífugas atuando contra a unidade brasileira.

No entanto, se o Brasil não possuía uma nação no sentido étnico que Ratzel lhe

emprestaria – Volk cabia ao Exército, em sua função de educador, preencher essa

lacuna. Se o Estado era um organismo vivo e um de seus órgãos era a ‘fronteira’ –

Grenze (órgão não estável e que refletia a interação entre Volk e Boden [solo, terra])

cabe ao geopolítico apresentar as soluções para a ocupação dos vastos territórios vazios

do Brasil – Hinterland – e enquanto isto não ocorre, descobrir como vivificar a Grenze e

identificar as fraquezas de suas fronteiras, os Puncti Dolentes.

Backheuser ainda ministrou cursos de Geopolítica no Instituto Rio Branco

durante os anos 1945-46,257

no Instituto Cultural Brasileiro em 1947-1948 e na

Pontifícia Universidade Católica. Nesta última, criou, em 1948, a cadeira de geopolítica

no seu Instituto de Direito Comparado. Entretanto, o que seria considerada a sua grande

obra, ‘A Geopolítica Geral e do Brasil’ somente seria publicada em 1952.

Este livro se constitui principalmente na reunião das idéias já expressadas

anteriormente pelo autor em colunas e artigos, com respeito ao estudo da Política de

Fronteiras. Este pensamento exerceria duradoura influência sobre as tentativas de

reorganização territorial brasileira, ao sustentar que as fronteiras eram instáveis e

portanto sujeitas a um ‘equilíbrio dinâmico’, resultante do ‘quociente de pressão’ a que

estavam sujeitas pela ação da cultura, do comércio e de outras variáveis que

257 “[o Curso] que preleciono atualmente no Instituto Rio Branco, órgão cultural do Ministério das

Relações Exteriores, apesar de figurar ainda com o título menos indiscreto de Geografia política, é de fato, pelo programa, apresentado e divulgado, legítimo esboço de um curso de Geopolítica latino-

americana” Backheuser, Everardo. Conferência realizada no Curso de Informações do Conselho Nacional

de Estatística. (12/07/1945). In Backheuser, 1948.

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consequentemente resultariam da fase de evolução do Estado e de seus atos de vontade.

Deste modo as fronteiras seriam um órgão periférico, mas reagente e comunicante em

relação ao todo: “A fronteira é a epiderme do organismo estatal, captadora das

influências e pressões forâneas e, como tal, regiões que devem estar subordinadas ao

poder central e não às autoridades regionais que manifestam menor sensibilidade para

esses problemas”.258

Estes conceitos teriam bastante influência no Brasil, seja na criação

de diversos ‘Territórios Federais’ e seja na formulação de algumas leis que alargariam

os estatutos tradicionais das fronteiras.

Backheuser salientaria ainda a necessidade da ocupação do espaços vazios no

território brasileiro, no que ele chamaria de ‘Marcha para Oeste’ e expressaria sua

preocupação com a influência da Argentina nas fronteiras com o Brasil, reconhecendo o

potencial hidroelétrico na região do salto do Iguaçu.

Everardo Backheuser colaborou ainda em diversos periódicos: Correio da

Manhã, O Jornal, O Fluminense e principalmente no Jornal do Brasil. Mas seriam as

várias publicações do então Conselho Nacional de Geografia (atual IBGE) que se

tornariam o principal veículo de Backheuser e através do qual, em 1942, iria se juntar ao

seu grupo Delgado de Carvalho com seu ‘Atlas de Geopolítica’ e outros textos, aonde

pela primeira vez no Brasil se observaria a discussão da Geopolítica em caráter global,

com a definição clara de áreas de influência e o recurso intensivo à Cartografia, temas

tão caros à Geopolítica germânica.

Por outro lado, a descoberta dos espaços interiores por Backheuser aconteceu

quase que concomitantemente com a gestação da Escola possibilista no Exército

brasileiro. Um dos primeiros trabalhos publicados por essa corrente foi ‘As Notas de

Geografia Militar’ de Francisco de Paula Cidade259

o qual inauguraria, conjuntamente

com Mário Travassos, o doravante denominado ‘ciclo continentalista’ da geopolítica

brasileira. Paralelamente à criação do conceito de ‘interiorização’, introduziram-se na

temática da geopolítica brasileira o condicionalismo da interação desse país com os seus

vizinhos sul-americanos e a perspectiva de uma projeção de poder integrada. Impresso

em 1934, após circular nos meios militares sob a forma de apostilas, este trabalho

258 Backheuser, 1952, 45.

259 Cidade, 1940.

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representa, segundo seu autor, uma aplicação da Geografia ao pensamento militar

brasileiro, ou seja: um “Estudo da influência que os elementos geográficos exercem

sobre as operações de guerra. É essa a razão pela qual nessa obra foi alargado o âmbito

da geografia militar”.260

Esta ampliação do escopo da Geografia Militar, realizada por Francisco de Paula

Cidade, se constituiria na primeira manifestação da geoestratégia no Brasil.261

O autor

desenvolveria nesta obra o estudo do panorama político e geográfico de cada país da

América do Sul, sua importância estratégica, suas relações com os vizinhos e em

especial com o Brasil. Seria ainda considerada a distribuição dos recursos econômicos e

populacionais no território brasileiro e pela primeira vez ressaltada a importância do

triângulo Recife/Fernando de Noronha/Natal para a defesa do continente e do Atlântico

Sul. Este livro foi editado a preço de custo e se tornou material didático obrigatório das

Escolas Militares do Exército sendo ainda publicado em alguns países sul-americanos e

posteriormente reeditado no Brasil em 1940.

Em 1935 seria publicado ‘Generalidades sobre a Geobélica’ de Raul Corrêa

Bandeira de Mello, provavelmente a primeira obra aonde se caracteriza explicitamente

a importância da Geopolítica para o pensamento militar brasileiro:

A originalidade da Geobélica está no seu princípio fundamental.

Consiste na relatividade da importância dos acidentes geográficos [...]

salienta-se o valor estratégico [...] o homem, o armamento e o terreno são os

três parâmetros que modelam a curva das batalhas [...] a Geopolítica estuda

calmamente o laborioso problema desta combinação e institui a equação

correspondente.262

O mesmo autor, em seu livro seguinte, ‘Ensaios de Geobélica brasileira’ de

1938, pela primeira vez relaciona os ‘Preceitos de Segurança Nacional’ com a

Geopolítica, sendo o percursor do pensamento que possuiria em Golbery do Couto e

Silva seu maior expoente e na ESG sua maior divulgadora.

260 Cidade, 1954.

261 Geoestratégia grosso modo é a conjugação entre a Estratégia e a Geopolítica.

262 Mello, 1935.

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Em 7 de novembro de 1936 aconteceria um fato de grande importância para o

futuro da Geopolítica brasileira: a fundação do Instituto de Geografia e História Militar

do Brasil (IGHMB) aonde passaram a se reunir militares que, em sua maioria, se

identificavam com os ideais dos Jovens Turcos e colaboravam com A Defesa Nacional.

Foram fundadores dessa instituição, dentre outros, Castello Branco, Francisco de Paula

Cidade, Severino Sombra e Raja Gabaglia.263

O IGHMB teve como colaboradores nesse

período, por exemplo, Cândido Rondon, Tasso Fragoso, Lysias Rodrigues, Garrastazú

Teixeira, João Batista Peixoto e Mario Travassos. Este último, que mais tarde se

destacaria como um dos grandes geopolíticos brasileiros, era colaborador desde janeiro

de 1919 da Defesa Nacional, e escreveria em 1931 sua obra mais lembrada: ‘Projeção

Continental do Brasil’, na qual lança as bases do pensamento Geopolítico de toda uma

geração.

Mário Travassos e o ‘continentalismo’

Em ‘Projeção Continental do Brasil’, Mário Travassos verifica que existem no

Continente americano dois grandes antagonismos geográficos, o do Atlântico e o do

Pacífico, os quais são separados pela Cordilheira dos Andes. O Brasil portanto seria

influenciado pela sua posição atlântica, que estaria submetida a outros dois grandes

antagonismos geográficos: o do Amazonas e o do Prata, os quais na prática explicariam

e condicionariam as disputas regionais. Estas, em virtude da política de comunicações

terrestres da Argentina, “resultante de três influxos geopolíticos de extrema valia, a

saber: o anseio do Paraguai por uma saída para o mar, da Bolívia e do Chile por várias

saídas para o mar, mas sobretudo à própria aspiração do domínio da Bacia do Prata”264

que privilegiou a construção de ferrovias até Cuzco, Santiago, La Paz e Assunção,

traduziria-se num desequilíbrio geopolítico em favor do Prata.

Para Mário Travassos, a projeção de poder dos Estados Unidos no Caribe, ‘o

Mediterrâneo americano’, e a influência desse país através do Pacífico seriam exemplos

263 Eram ainda Sócios Efetivos em 1939: Castello Branco, Paula Cidade, Nélson Werneck Sodré, Lyra

Tavares, João Baptista Peixoto, Mário Travassos, João Batista Magalhães, Raja Gabaglia, Amyr Borges

Fortes, Severino Sombra e João Baptista de Mattos. O Decreto n° 27.512 de 28/11/1949 dos Atos do

Poder Executivo reconhece o IGHMB como órgão consultivo e autoriza os membros a realizar pesquisas

em diversos arquivos, inclusive o do Itamarati.

264Travassos, 1947, 20, introdução à edição de 1938.

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da influência dos condicionalismos, os mesmos que criariam para o Brasil um espaço

aonde em virtude de sua vocação continental (o controle sobre o Heartland), lhe caberia

um papel coordenador. A chave para essa projeção de poder, agora definida como

‘Continental’, seria além da ocupação do Hinterland a influência sobre determinados

pontos de equilíbrio, dos quais Travassos reputava a região na qual estava situada a

cidade de Santa Cruz de la Sierra como o mais importante, a chave da América do Sul.

Essa região (o triângulo estratégico Santa Cruz de La Sierra, Cochabamba e Sucre) seria

ao mesmo tempo o polo de convergência das influências amazônica, platina e andina,

além de controlar um dos nudos (ponto de menor resistência na Cordilheira e que

oferece passagem mais fácil de uma vertente para a outra). Segundo Mário Travassos,

quem controlasse esse ‘triângulo-chave’, dominaria a América do Sul: “Não há como

negar que o equilíbrio político sul-americano se definirá, num futuro bem próximo,

segundo as oscilações do já famoso triângulo”.265

Em ‘Introdução à Geografia das Comunicações Brasileiras’, Travassos apontaria

também que a solução para os desequilíbrios potenciais oferecidos pelos antagonismos

geográficos seria uma política de transportes planejada. Dever-se-ia corrigir a influência

platina pela ligação ferroviária de suas bacias superiores com os portos atlânticos

brasileiros. Esses trilhos ainda deveriam se estender ao Paraguai e a Santa Cruz de La

Sierra, partindo dali até o Pacífico. Para se integrar o ‘arquipélago brasileiro’ e este ao

Continente, sugeria a conjugação dos sistemas ferroviário, aéreo e fluvial com um

sistema aéreo interamericano.266

‘Projeção Continental’ se tornou um livro único em sua época, uma vez que

nenhum outro escrito geopolítico até a década de 1940 discutiria novamente a

capacidade do Brasil se tornar uma Potência Regional. Travassos escreveria ainda

outras obras, antes do advento da ESG, nas quais estudaria os problemas da ocupação

dos espaços interiores, da organização nacional e militar, especialmente ‘As condições

geográficas e o problema militar brasileiro’ de 1941.

O momento em que se produziria este tipo de literatura Geopolítica refletia a

esforço e a eterna preocupação da Política Exterior brasileira na contenção da influência

265 Travassos, 1947, 176.

266 Travassos, 1942.

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e do poderio bélico argentino: “O Brasil [...] não poderia no momento atual permanecer

indiferente a um eventual expansionismo da Argentina. E nesse afã de manter o status

sul-americano, nosso maior aliado seria os Estados Unidos, a quem não conviria um

Estado macrocéfalo ao sul do continente”,267

tarefa desejada, mas nem sempre auxiliada

pelos Estados Unidos, os quais preferiam utilizar a prática da política de equilíbrio nas

suas relações para América do Sul.268

Nesse sentido as obras de Travassos se tornaram

emblemáticas e representaram o referencial de toda uma geração de políticos e

militares:

Desde 1935 [...] a crença de que o Paraguai e a Bolívia [...]

representam os pratos de uma balança da qual pende, como tênue fio, o

equilíbrio político sul-americano [...] a Estrada de Ferro Brasil-Bolívia[...]

foi uma das mais assinaladas etapas da projeção continental do Brasil [...]

desde então, os Governos de La paz têm-se visto forçados a traçar sua

orientação internacional, com vistas aos tratados de 1938 com o Brasil.269

Existia entre os militares brasileiros a consciência de que a dominação

econômica da Argentina sobre o Paraguai e a Bolívia havia se acentuado gradualmente

desde o início do século. Esta seria ponta de lança para que a liderança continental da

Argentina se tornasse uma realidade:

Há cerca de um lustro, vem a Argentina alterando substancialmente

essa tradicional atitude de isolamento e já são bastante claros os favoráveis

267 Mendonça, 1955.

268 Especialmente quando na década de 1930 Getúlio Vargas decidiu reequipar a Marinha, os Estados

Unidos sempre condicionaram suas vendas para o Brasil à reciprocidade com a Argentina. Entretanto, os

militares brasileiros acreditavam que a Inglaterra se empenhava, através da venda de armamentos, em

aumentar a superioridade bélica argentina. “Tenho a honra de acusar recebimento de despacho secreto n.º DPO/135 pelo qual Vossa Excelência me transmite o texto de um ofício do Ministro da Marinha

referindo-se à possível influência de oficiais da Missão Naval norte-americana em Buenos Aires apoiados

por elementos do Departamento de Estado no sentido de favorecerem o plano de rearmamento da

República Argentina [...] O Sr. Braden [Assistente do Secretário de Estado] fazia timbre em reafirmar que

a política do governo americano em relação a Argentina continuava a mesma [...] [e] os Estados Unidos

tinham com a Grã-Bretanha um 'gentleman's agreement' pelo qual o Governo Inglês se comprometia a

não fornecer armas à Argentina”. AHI 49.1.10, Ofício da Embaixada de Washington para o Ministério

das Relações Exteriores. (28/11/1946).

269 Mendonça, 1956.

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resultados colhidos, através da ampliação de sua esfera de influência

econômica e da consolidação do seu caminho para uma liderança

continental, ou pelo menos, para a criação de interdependências econômicas

com alguns de seus vizinhos [...] uma faixa ininterrupta de ‘baixa tensão’

econômica, cultural e política em volta de nosso país, isolando-o e tornando

inevitável a formação de um bloco hispano-americano.270

O comércio paraguaio estaria em grande parte adstrito às tarifas do porto de

Buenos Aires, fazendo com que a penetração argentina se tornasse permanente:

E envolvesse todos os setores da vida paraguaia: política, militar,

econômica, cultural. Quase o mesmo se pode dizer de sua atuação na

Bolívia, onde as linhas férreas argentinas asseguram o escoamento de parte

substancial da produção boliviana. Homens de governo e diplomatas

bolivianos tenho conhecido de formação cultural e política absolutamente

portenha.271

A permanência do antagonismo com a Argentina fazia necessária a adoção de

novas soluções, tais como a sua integração econômica com o Brasil, que permitissem a

superação da tradicional política de alianças sul-americana:

A nossa aproximação com Santiago, se tem verificado na razão

inversa da distância: ‘o seu valor crescia para nós e para o Chile na mesma

medida em que se desenvolvia o poderio da República Argentina’ [...] a

amizade com o Chile é para o Brasil um corolário da aproximação com os

Estados Unidos [...] o problema de uma integração econômica com a

Argentina [...] representa um dos problemas mais sérios e permanentes do

status quo americano.272

270 Wanderley, 1955.

271 Mendonça, 1955.

272 Mendonça, 1955.

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Otto Maull em sua ‘Politische Geographie’, originalmente publicada em 1925,

um dos textos clássicos da Geopolítica alemã e bastante citado pelos Geopolíticos

brasileiros, escreveria:

Se ha afirmado algunas veces que determinados estados

iberoamericanos, especialmente el Brasil, llevan camino de convertirse en

grandes potencias. Es ésta una cuestión que depende de muchos factores, no

solamente de la superficie y el número de habitantes, sino también de la

economía y la voluntad de desarrollarla, así como de la voluntad de estado

[...] A pesar ser su población superior a la de cualquiera de las restantes

repúblicas iberoamericanas, no es el Brasil la potencia predominante en esta

área, debido a que no tiene estrechas relaciones con los estados vecinos ni

tampoco posibilidades de influir fortemente sobre ellos [...] debido al

aislamento con respecto a los restantes estados sudamericanos en que se

hallan las regiones económicamente más al sur del Brasil, la política de esta

república es casi exclusivamente de tipo interior [...] La política exterior de

altos vuelos es más propia de Argentina que de Brasil [...] Más todavía que

en Argentina, puede esperarse en el Brasil un desarrollo humano e

económico de grandes proporciones.273

A fraqueza militar do Brasil e suas perspectivas de crescimento provavelmente

influenciaram o imaginário dos Geopolíticos brasileiros. A preocupação com o

fortalecimento das fronteiras e a constituição de Territórios era um sintoma evidente do

estado de apreensão reinante. Lima Figueiredo escrevia em 1945 que “seria bom que

seguíssemos o exemplo desassombrado de nossos avós lusitanos, pois [...] a fronteira é

uma isóbara política que fixa, por algum tempo, o equilíbrio entre duas pressões” e

caracterizava que nos limites do Brasil com a Argentina se havia estabelecido “uma

corrente negativa” que permitia a penetração comercial do vizinho.274

273 Maull, 1960. “O ponto de vista de Maull sobre o imperialismo político, firmava-se na consideração de

que ‘[...] a penetração econômica completa tem o mesmo efeito que a ocupação territorial, o que não era

mais que a definição de um fato que a Alemanha desde o começo do século vinha executando em todo o

mundo[...] ’. Ademais, ele era adepto da teoria de que só havia um tipo universal de desenvolvimento

estatal. O Estado cresce, partindo do núcleo territorial até seu completo engrandecimento, declinando

depois e marchando irresistivelmente para o desaparecimento do cenário político” (Rodrigues, 1947).

274 Figueiredo, 1945.

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O continentalismo, expressão por excelência da escola Possibilista,

provavelmente caracterizaria uma reação ao que se considerava a ‘política de

cercamento’ desenvolvida pela Argentina.275

Um dos fatos que na época contribuiu para

esse temor, foi a autorização dada pelo Governo argentino em 1926 para que fosse

realizada a inversão de 32 milhões de Pesos-Ouro remanescentes da lei de aquisições

navais de 1909, para que se comprassem novos navios de guerra enquanto não se

aprovava o novo Programa Naval.276

Ora, isso se dava num período em que a doutrina

militar brasileira, conforme definida pela Missão Militar Francesa, era então

francamente defensivista:

Diante do fato dos meios reduzidos e de se atribuir à República

Argentina uma situação militar poderosa em relação à fraqueza militar do

Brasil, ensaiou-se uma Concepção de Guerra estritamente defensiva [...] A

Missão Militar Francesa, já imbuída da Doutrina Militar de seu país, via,

então, que face às nossas suposições, o tipo de guerra, pelo menos

inicialmente, não era o da atitude defensiva estática, e sim o da manobra de

retirada, de abandonar trechos de fronteira e buscar posições mais seguras

no interior do território do Rio Grande do Sul.277

A posse de Juan Domingo Perón como presidente da Argentina exarcebou ainda

mais o sentimento de intranqüilidade nos militares brasileiros. A Política Externa

peronista era interpretada por estes como outra reedição do velho ideal de Juan Manuel

de Rosas de expandir as fronteiras argentinas até os limites do antigo Vice-Reinado do

275 Esta ‘política de cercamento’ evoluiria no Governo Perón para a constituição de um bloco econômico

que integrasse à Argentina aos países limítrofes ao Brasil – “the resultant government will, because of

Bolivia's dependence on Argentina for essential food supplies be under great pressure to join Peron's

projected economic bloc (Argentina, Chile, Paraguay, Uruguay, Bolivia, Peru)” CIA, ORE 10,

Forthcoming Elections In Bolivia, Central Intelligence Group (26/12/1946) in CIA. (ORE and NIE declassification process). (1996). Classified Top Secret. Orem: Infobusiness, Inc.

276 Reorganização e aumento da esquadra da república argentina. (Jul. - Ago. 1926). A Liga

Marítima(229-230).

277 Branco, 1957. Em 1911 na Marinha brasileira, havia sido criado um curso superior, pelo Decreto 8.650

de 4 de Abril, que deu origem, em 25 de fevereiro de 1914 através do decreto 10.787, ao nascimento da

Escola Naval de Guerra depois Escola de Guerra Naval (em 1930). Somente em 1928, pela primeira vez,

os problemas estratégicos e táticos da escola passaram a cogitar um ataque vindo da Europa e seus

currículos, até 1942, nada se encontra a respeito de guerra anti-submarino enquanto que toda a

problemática estudada desenvolvia-se no Atlântico Sul contra oponentes sul-americanos.

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Prata.278

Doravante incorporado através do imaginário militar, este sentimento seria um

exercício constante da Geopolítica brasileira e que iria dar origem a toda uma literatura

doravante denominada ‘contra-imperialista’.279

Lysias Rodrigues e o ‘Brasil imperial’

Um dos próceres do gênero e talvez o autor mais emblemático e de influência

menos reconhecida da Geopolítica brasileira no período anterior à ESG, talvez seja

Lysias Rodrigues. Em suas obras se condensam praticamente todas as preocupações dos

autores precedentes enquanto que suas aspirações os superam.

O Brasil, hoje, é uma potência em marcha para seus altos

destinos[...] Sua aspiração a um alto posto, a ombrear-se com as maiores

potências, decorre logicamente de sua atitude decidida na guerra e de suas

naturais possibilidades. Podem negar ao Brasil, por questão de jogo político

internacional, este direito. Ele, porém, saberá obtê-lo oportunamente.280

O destino do ‘Brasil Potência’ passava a ser messianicamente retratado pelo

autor como uma conseqüência da decadência do ocidente. Apoiando-se em Oswald

Spengler, Lysias Rodrigues descortinava no Brasil o ‘Guardião de uma Nova Era’.

O Brasil precisa criar na América do Sul, um núcleo geopolítico

poderoso, homogêneo, sob sua chefia política [...] a liderança do Brasil,

278 As disputas entre Brasil e Argentina nesse período podem também serem entendidas no contexto do

choque de interesses entre Estados Unidos e Inglaterra na América do Sul. Conquanto Perón defendesse sua Terceira Via, de certo modo uma extensão da Política Externa Argentina anterior e acusasse o

Convênio Brasil-Estados Unidos de servir aos interesses norte-americanos, estes continuaram a vender

armas para a Argentina durante a vigência da JBUSDC. “O Presidente Perón e alguns de seus auxiliares

[...] me interpelavam diretamente sobre o Convênio Brasil-Estados Unidos, dando a entender claramente

que esse convênio se fizera contra a Argentina” (Góes Monteiro em entrevista a Lourival Coutinho in

Coutinho,1956). Em relação a venda de armas dos Estados Unidos para a Argentina ver CPDOC,

Arquivo Relações internacionais, Ama 46.02.18, Memorandum for the director of plans & operations,

General Staff, United States Army. (22/07/1948).

279 Ainda que essa preocupação possa ter se mostrado sem fundamento a longo prazo, o próprio Governo

americano acreditava que a Argentina tivesse condições de se tornar uma potência regional: “Argentina,

alone among the Latin American Governments, is to some extent in a position to oppose US leadership in Hemisphere affairs. The USSR therefore has a reason for treating Argentina as qualitatively different

from the other countries” - CIA, ORE 16/1, Soviet Objectives in Latin America. (10/04/1947) in CIA.

(ORE And NIE Declassification Process). (1996). Classified Top Secret. Orem: Infobusiness, Inc.

280 Rodrigues, 1947.

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também se justifica plenamente, uma vez que o Brasil é na América do Sul,

não só o país de maior área territorial, mas, o de maior população, o de

maior capacidade potencial e o de maior projeção internacional política [...]

nessa ‘idade imperial’, ao Brasil cabe, sem dúvida alguma, papel

preponderante. Pela vastidão de sua área territorial, pela sua posição

geográfica esplêndida, pelos fatores geopolíticos benignos que o regem, pela

imensa energia potencial latente de que dispõe, e, pela capacidade superior

de seus homens, claramente evidenciada, já, está o Brasil indicado para ser

uma grande potência em prazo pouco dilatado.281

Justificaria-se assim pela primeira vez a expansão territorial, uma vez que Lysias

Rodrigues recomendava a compra da Guiana Francesa que deveria ser unida ao Brasil

em virtude de sua importância estratégica para o controle da foz do Amazonas. Ao

mesmo tempo, o autor também reclamaria uma expansão para o interior: “o Brasil,

conseguiu ser um estado ‘sui-generis’, pois, toda sua periferia é conhecida, suas

fronteiras todas demarcadas, mas, no Hinterland, há regiões enormes, ermas,

abandonadas, desconhecidas”282

e para isto advogaria duas medidas saneadoras e que

deveriam ser empregados para a conquista desse espaço: a mudança da Capital para o

centro do país e a redivisão territorial.

Em relação ao tema das fronteiras, Lysias Rodrigues identificou pela primeira

vez na literatura geopolítica brasileira seus puncti dolentes: um destes seria a região do

Iguaçu, que constituiria um setor nevrálgico em face de seu potencial hidrelétrico e de

sua confrontação com outros vizinhos. Outros puncti dolentes existiriam na região

próxima ao ‘triângulo-chave’ boliviano, na região de Letícia-Taguatinga, que seria uma

‘nó de transportes’ e na região próxima à Guiana Francesa. Exceto no último caso

último, essa opinião seria também repartida por Adalardo Fialho e Felício Lima.283

No final da década de 1940 a Geopolítica brasileira se tornara um Estilo de

Pensamento vigoroso e capaz de pensar o Brasil. Era também capaz de explicar os seus

281 Rodrigues, 1947.

282 Rodrigues, 1947.

283 Fialho, 1954 e Lima, 1953.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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medos e de embalar seus sonhos. Possuía apóstolos fiéis e tenazes que sabiam esperar,

convencer e construir:

Toda gente sabe que o instrumento não é o responsável pelo modo

pelo qual o fazem atuar. A dinamite tanto age pacificamente destruindo

pedreiras que fornecem material para construções, como serve para fins

mavórticos. A Geopolítica não pode ser acusada porque ambiciosas nações

se desejem apossar de terras pertencentes a outrem. Ela se limita a

confrontar realidades, a esquadrinhar os vários modos de proceder,

legítimos, astuciosos ou violentos, pelos quais Estados fortes esmagam os

mais fracos, ou pelos quais Estados pequenos vão aos poucos alargando seus

espaços iniciais [...] Todavia, a evidência dos conceitos emitidos pela

Geopolítica e a receptividade que a mesma vem tendo nas classes

intelectuais dos mais diversos países e, principalmente, nos do Novo

Continente que são, sem dúvida, os mais sensíveis às novas idéias,

tornaram-na vitoriosa de modo indiscutível. Portanto, este novo ramo de

conhecimentos que se alicerça na Geografia e na História, explica as guerras

e deve orientar a Política, constituirá em breve elemento indispensável à

cultura profissional de todos os militares, diplomatas, engenheiros,

economistas, industriais, isto é, de todos aqueles cujas atividades

profissionais estão ligadas à Segurança Nacional e que são, finalmente, os

responsáveis imediatos pelo engrandecimento do Brasil.284

A estandardização

Enquanto no Brasil se formava uma linguagem geopolítica própria, no período

imediatamente posterior a Segunda Guerra Mundial as iniciativas da Política Externa

dos Estados Unidos para a América Latina seriam uma resposta às dificuldades

experimentadas por esta nação durante o conflito. Necessitava-se criar um instrumento

284 Backheuser, 1948.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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que permitisse o fluxo contínuo, sob quaisquer circunstâncias, das matérias-primas e

dos alimentos produzidos naquela região:

Tin, copper, and petroleum [...] the food suply of South America

represents a factor indirectly involved [...] the important overall military

interest, however, lies simply in having a stable, secure, and friendly flank

to the South, not confused by enemy penetration - political, economic or

military. It will recalled that the penetration of non-hemispheric nations

during the years preceeding Word War II resulted in a situation so

dangerous at the outbreak of hostilities that we were forced to devote

considerable effort and resources to counteract the threat. It is to insure that

this situation is not repeated that the War Department is so strongly in

support of the Inter-American Military Cooperation Act.285

Ainda que o Tratado Interamericano de Assistência Recíproca (TIAR),286

assinado em 1947, seja o documento jurídico que irá respaldar a estratégia norte-

americana para a América do Sul, provavelmente o instrumento mais poderoso para

solidificar sua hegemonia nessa região foi a estandardização.

A Estandardização das Forças Armadas do continente foi concebida a partir de

1946 com vários propósitos. Primeiramente atendia a estratégia norte-americana de

‘formação de elites corporativas’:

In Latin America the local military exerts a dominant influence on

political affairs, domestic and foreign. Standartization of the equipment,

285 CPDOC, Arquivo Relações internacionais, Ama 46.02.18, Memorandum for the Assistant Secretary of

War. (17/12/1946).

286 John Nicholas Spykman, o mais influente geopolítico americano do período, considerava que a

Doutrina Monroe expandira-se gradualmente de uma simples declaração de intenções até tornar-se um

instrumento de facto. Sua aplicação, à princípio restrita às fronteiras americanas, poderia ser balizada pelos seguintes acontecimentos: 1) O Tratado Clayton-Bulwer que garantiu em 1850 a igualdade entre

Inglaterra e Estados Unidos no Caribe. 2) A Guerra hispano-americana que garantiu a aceitação pela

Inglaterra da hegemonia norte-americana sobre o território que ia até as fronteiras sul de Colômbia e

Venezuela. 3) A eficiência da navegação à vapor, que permitiu as incursões da marinha americana ao sul

da foz do Amazonas. 4) O Pronunciamento Roosevelt de 1939 que estendeu a Doutrina até o Canadá. 5)

A Convenção com a Dinamarca, em 1941, que incorporou a Groelândia em sua área de influência. De

acordo com essa lógica, poder-se-ia considerar o TIAR como a tradução juris et de jure da Doutrina

Monroe, especialmente se considerarmos que em 1930 o Departamento de Estado norte-americano havia,

através do Clark Memorandum, declarado que o Corolário Roosevelt não fazia parte da Doutrina Monroe.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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training, and tactical doctrine of the armed forces along U.S. lines, which

depends basically on our ability to furnish the equipment, therefore presents

the oportunity to introduce and demonstrate, to individuals in key positions,

U.S. democratic principles and ways of life. Attendance of our Latin

American neighbours at our military schools and constant contact with our

military personnel, both in their own countries and in the U.S. promote

sympathetic, mutual understandings witch strengthen hemispheric

solidarity.287

A manutenção das missões militares americanas e a consequentemente exclusão

das missões européias era um dos objetivos do War Department dentro do âmbito da

chamada ‘Solidariedade Hemisférica’ – na prática significava fornecer equipamento

militar para justificar a manutenção das suas missões e excluir as demais.

Em segundo lugar, a estandardização atenderia um dos princípios históricos da

Política Externa dos Estados Unidos para a América Latina: a ‘balança de poder’.

Uma vez completada a estandardização, as dificuldades para compra de material

militar de outros países seriam extremamente grandes, assim sendo, os Estados Unidos

poderiam, utilizando o controle do fluxo de material militar, sobretudo peças de

reposição e munição, controlar o tamanho e a fidelidade de cada Força Armada da

América do Sul: exércitos pequenos, equipados com material americano e livres da

influência européia – esse era o princípio que os norte-americanos desejavam que

prevalecesse.288

O terceiro propósito da estandardização era o de esgotar as enormes reservas de

material bélico armazenadas nos estoques do War Department após a guerra. Estas

reservas de equipamento, agora denominadas Western Hemisphere Defense Program,

eram compostas de aproximadamente 90% do material estritamente militar necessário a

converter para os padrões americanos de armamentos a totalidade dos estabelecimentos

militares das repúblicas americanas à exceção da Argentina.

287 CPDOC, Arquivo Relações internacionais, Ama 46.02.18, Memorandum for the Assistant Secretary of

War. (17/12/1946).

288 Idem, ibidem.

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A estimativa do custo de participação dos países latino-americanos nesse

programa de cooperação interamericano, foi preparada pelo War Department baseada

no preço de aquisição do Governo dos Estados Unidos, menos a depreciação incidente

no período de oito à dez anos que o material se encontrava nos estoques do War

Department. Estas reservas compreendiam 43% do total de itens de todos as requisições

necessárias tanto para o uso civil quanto o militar, assumindo que aqueles Exércitos

estivessem com 100% do material dentro dos padrões americanos, tanto em tipo quanto

em quantidade de itens.

A composição do Western Hemisphere Defense Program foi determinada por

uma série de conversações bilaterais mantidas com os governos de cada um dos países

latino-americanos, exceto a Argentina, durante o primeiro semestre de 1945. Desta

maneira os resultados de cada conversação, teoricamente, só eram conhecidos pelos

Estados Unidos e por cada uma das nações envolvidas no processo.289

Segundo a análise comparada dos resultados das Conversações Bilaterais com as

estimativas de custos do War Department, somente cinco países, Cuba, República

Dominicana, El Salvador, Panamá e Venezuela, possuíam recursos financeiros capazes

de habilitá-los a participar sem maior dificuldade no programa proposto pelo War

Department e pelo Navy Department. Todas as outras repúblicas americanas, inclusive

o Brasil e o México, poderiam enfrentar grandes problemas econômicos se

pretendessem gastar o que fora estimado pelos War Department e pelo Navy

Department durante os dez anos seguintes. A condição econômica de Bolívia, Chile,

Costa Rica, Equador, Nicarágua e Peru era tão ruim que sua participação no Programa

se tornava virtualmente impossível.290

A estandardização seria ainda utilizada pelos Estados Unidos como instrumento

de pressão e barganha sobre os países latino-americanos. Como qualquer venda de

armas no âmbito do continente americano doravante estava condicionada à aceitação

das regras do Western Hemisphere Defense Program, os países que divergiam da

orientação americana, como a Argentina, eram persuadidos a cooperar com os interesses

289 CPDOC, Arquivo Relações internacionais, Ama 46.02.18, Inter-American Military Cooperation

Program, Ofício do General Lincoln para o ‘Secretary of War’. (07/04/1947).

290 CPDOC, Arquivo Relações internacionais, Ama 46.02.18, Carta do Secretário de Estado Dean

Acheson para o Secretário da Guerra Robert P. Patterson. (19/03/1947)

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americanos para que pudessem também ser beneficiados pelo programa e desta maneira

acompanhar o rearmamento de seus vizinhos. A Argentina se tornou particularmente

sensível a esses argumentos em virtude da importância do apoio do Exército para a

sustentação do regime Peronista. Esses militares desejavam sobretudo restabelecer suas

posições frente ao Brasil, país que fora beneficiado pela remessa de material bélico

tanto em virtude da sua decisão de participar ao lado dos aliados da Segunda Guerra,

quanto pela sua adesão precoce ao Western Hemisphere Defense Program.291

A estratégia seguida pelas Forças Armadas brasileiras nas Conversações

Bilaterais, foi a de tentar utilizar o Programa no sentido de adquirir armamentos que

lhes permitissem alterar a relação de forças existentes entre seu país e a Argentina, o

que contrariava a posição norte-americana de prioritariamente fornecer material bélico

destinado à defesa continental e ao que era considerada a tarefa de cada país nesse

esquema:292

Brazil should be prepared specifically to defend northeast Brazil.

This area controls the ‘straits of Natal-Dakar’ from the west, and therefore

the major North-South line of communications in the Atlantic Ocean. It is

also the closest point in the American continent to the European-African

land mass [...] following the above assumptions will furnish Brazil’s Armed

Forces with a sound foundation for such future tasks as may be agreed upon

multilaterally in Hemispheric defense plans.293

Deste modo, como a implementação da estandardização estava sujeita às

restrições e oportunidades da Política Externa norte-americana, as iniciativas desse

governo proporcionaram à médio prazo um equilíbrio militar desconfortável para ambos

os países: como a estratégia naval dos Estados Unidos não previa o surgimento de

291 CIA, ORE 50-48, Groups And Individuals Influential In The Formation Of Foreign Policy. Probable

Argentine Policy Toward the U.S. to 1952 And Its Effects on U.S. Interests. (27/10/1948) in CIA. (ORE

And NIE Declassification Process). (1996). Classified Top Secret. Orem: Infobusiness, Inc.

292 CPDOC, Arquivo Relações internacionais, Ama 46.02.18, ofício da ‘U.S. Army Section Joint Brazil-

U.S. Military Commission’ para a ‘Commanding General Army Air Force’. (20/06/1947).

293 CPDOC, Arquivo Relações internacionais, Ama 46.02.18, Change in directive to U.S. members of the

Joint Brazil-U.S, Military Commission, Ofício do ‘Chief of Naval Operations’ para ‘Senior Naval

Member’. (06/08/1947).

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potências regionais no Atlântico, mas a formação de forças auxiliares no combate anti-

submarino, o repasse de armamentos e de material militar de utilidade ofensiva para o

Brasil num confronto interamericano foi, em virtude dessas determinantes, concentrado

no Exército. Assim ocorreria o aumento do peso relativo que este possuía no interior da

Corporação Militar brasileira, em razão de sua importância capital num futuro conflito

no Cone Sul. Grosso modo enquanto o Brasil possuía superioridade terrestre, a

Argentina continuava a dominar o mar: “Neutrality [em um conflito mundial] would

not necessarily mean the loss of Argentine leadership in South America. Basically she is

far superior to other Latin nations and this enormous advantage is not lost by non-

participation in a war on the other side of the world”.294

A Doutrina Militar brasileira

Como descrito anteriormente, a estandardização implicava em iniciativas mais

amplas do que a simples compra e venda de material bélico. Um dos aspectos mais

sensíveis e de maior alcance deste projeto era assegurar a assimilação da doutrina

militar americana pelas Forças Armadas dos países continentais, tendo em vista

consolidar a ‘Solidariedade Hemisférica’. Este objetivo seria grandemente facilitado

naqueles países aonde já existisse uma doutrina militar preestabelecida e um centro de

irradiação desta, na maioria dos casos um Estado-Maior consolidado e eficiente.

No caso específico do Exército brasileiro, os acontecimentos que haviam se

desenrolado durante as décadas de 1920 e 1930, permitiram que o Estado-Maior

enfeixasse o monopólio da iniciativa política, possibilitando-se assim que a doutrina

militar americana pudesse ser implantada pela iniciativa de suas lideranças.

As lideranças que atuariam naquele momento no Estado-Maior estavam ligadas

principalmente à constituição e atuação na Força Expedicionária Brasileira (FEB).

Quando consagrada a aliança que viabilizaria a participação do Brasil na campanha da

Itália, foram enviados para cursarem escolas militares nos Estados Unidos os melhores

alunos da EAO e mais tarde, ainda durante a Guerra, oficiais de Estado-Maior para

294 CIA, ORE 50-48. Dissent Of The Office Of Naval Intelligence, Probable Argentine Policy Toward the

U.S. to 1952 And its Effects on U.S. Interests. (27/10/1948) in CIA. (ORE And NIE Declassification

Process). (1996). Classified Top Secret. Orem: Infobusiness, Inc.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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cursarem a Army War College (Escola de Comando e Estado-Maior americana) em

Fort Leavenworth, Kansas.295

O impacto da FEB foi tal que voltamos ao Brasil procurando por

modelos de governo que funcionassem: ordem, planejamento, finanças

racionais. Nós não encontramos este modelo no Brasil naquele estágio, mas

decidimos procurar meios para encontrar o caminho no longo prazo. A ESG

era um meio para isto e a ESG brotou da experiência da FEB.296

O contato com a cultura e o modelo americano também influenciou Golbery do

Couto e Silva do mesmo modo que acontecera com Cordeiro de Farias:

Os membros das FEB desejavam um desenvolvimento muito rápido

para o Brasil. A FEB não foi importante só pela ida à Itália. Possivelmente

ainda mais importante foi a visita dos membros da FEB aos Estados Unidos,

onde viram em primeira mão uma grande potência democrática e industrial.

Foi uma abertura de horizontes. Eu fui e foi um grande impacto: para mim,

ficou perfeitamente claro que um País em regime de livre empresa tinha sido

bem sucedido em criar uma grande potência industrial.297

Sintomaticamente estariam entre esses indivíduos aqueles que mais se

destacariam posteriormente na Escola de Estado-Maior (EEM depois renomeada

ECEME) e na ESG. Entretanto seriam em torno das lideranças forjadas na FEB que

esses indivíduos se agrupariam. Destes, Castello Branco, provavelmente foi um dos

oficiais que mais se destacou e que melhores relações estabeleceu com os militares

norte-americanos.

Após visitar os Estados Unidos integrando uma comissão militar brasileira à

convite do Governo americano, Castello Branco assumiu, de novembro de 1945 a

fevereiro de 1949, a Direção de Ensino da Escola de Estado-Maior. Nesse posto, com o

apoio dos Comandantes da Escola, Francisco Gil Castello Branco e depois Tristão de

295 Castello Branco seguiu logo no primeiro grupo em julho de 1943. Dulles, 1979, 57.

296Depoimento de Cordeiro de Farias (Almeida, 1976).

297 Depoimento de Golbery do Couto e Silva, idem.

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Alencar Araripe, o então Coronel Castello Branco alterou radicalmente o conteúdo da

instrução, com a adoção da doutrina tática americana adaptada às condições brasileiras.

Esta nova doutrina seria considerada pelos militares a primeira doutrina militar

brasileira:

O Coronel Castello Branco foi Diretor de Ensino no período de vida

da Escola ao qual o Marechal Araripe chama de período de renascimento

[...] De renascimento e, também, de franca evolução. Encarou a Escola ‘a

necessidade urgente de aproveitar os frutos da cooperação’ na guerra

mundial que findara e ‘as lições que dali emanaram’.298

Destas lições, provavelmente uma das que Castello Branco mais prezaria era a

constatação de que, “o patrimônio mais precioso da América é a vida de seus cidadãos,

devemos basear a nossa segurança em organizações militares que utilizem ao máximo a

Ciência e a Tecnologia”.299

Ciência e tecnologia foram um dos motes da doutrina militar norte-americana,

valores adquiridos do bojo de um modelo que instalaria nos Estados Unidos um novo

formato organizacional para as instituições industriais e científicas, naquilo que se

convencionaria chamar de ‘Complexo Militar-Industrial’ e ‘Big Science’. Estas idéias

possuiriam bastante influência para a condução da Política Externa americana.

John Nicholas Spykman e a ‘balança de poder’

Uma das maiores influências sobre o pensamento militar americano pós-guerra e

sobre a geopolítica brasileira nos anos 1950 e 1960 foi John Nicholas Spykman. Seu

pensamento embasou a construção de uma geoestratégia conjugada ao conceito de

segurança nacional. Essa teorização permitiu que fossem modeladas as diversas

experiências que se estabilizariam nas escolas de Estado-Maior Combinado, as quais

viabilizariam a projeção de poder americana.

298 Santos, 1968.

299 Branco, 1957. Em fevereiro de 1949, Castello Branco foi transferido da Direção de Ensino da EEM

para a chefia da Seção de Operações do Estado-Maior para implantar a ‘doutrina militar brasileira’ no

Estado-Maior. - Entrevista de Carlos de Meira Matos (Dulles,1979, 176).

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A partir dos primeiros anos da Segunda Guerra Mundial, começou a solidificar-

se a convicção de que ao final do Conflito, os Estados Unidos deveriam passar a adotar

em sua Política Externa uma postura radicalmente oposta ao tradicional isolacionismo.

Os geopolíticos americanos foram grandes porta-vozes dessa nova tendência. John

Nicholas Spykman foi o sintetizador e o maior expoente desse grupo, que advogaria um

ativo intervencionismo na política internacional.

Para este autor, o ‘princípio de equilíbrio’ [balance of power] deveria ser dotado

de um novo entendimento. O ‘princípio de equilíbrio’ seria uma equação que se

resolveria primeiramente através do exercício da Geopolítica, mecanismo pelo qual se

daria a aquisição de poder [Power], o qual em última instância seria o aumento do poder

militar. No entanto, para Spykman apesar da Geografia ser o mais fundamental dos

fatores condicionantes na formulação da política externa, por ser o mais permanente, ela

faz parte do Reino da Natureza, o qual deve ser distinguido do Reino da Liberdade, que

é o domínio do Homem. O Reino da Natureza é imutável e imanente: “mountain ranges

stand unperturbed”, enquanto o Reino da Liberdade é o mundo do Criador. O equilíbrio

[Balance], segundo termo da equação, seria portanto fruto da ação do Homem sobre a

Geografia, mas os interesses do Criador vão muito além do simples interesse

geográfico: a Geografia, na realidade, deve ser imaginada pelo Criador, sendo as

relações internacionais o campo privilegiado desse confronto. A História, para

Spykman, é um componente essencial da Geopolítica, pois é o modo de se entender a

imaginação do Criador e sua relação com o poder [Power]. Resultantemente a Natureza

da Guerra, que seria o campo final da disputa do poder, não é portanto só militar mas,

política, econômica e ideológica-psicológica, é um evento total e permanente. Deste

modo, os Estados Unidos devem estar preparados para a Guerra também total e

permanentemente.300

As contribuições oferecidas pelo discurso geopolítico de Spykman ao campo

conceitual da Política Externa americana são vastas. Em primeiro lugar é um discurso

integracionista: Spykman opõe às dicotomias básicas do Poder Marítimo de Mahan e do

Heartland de Mackinder um termo conciliador: a Rimland, conceito anfíbio que une as

forças opostas da Terra e do Mar e que espelha as potencialidades e interesses

300 Spykman, 1938 e 1942.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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americanos na defesa da civilização ocidental. A antiga ‘Fortaleza Americana’ se

sobrepõe ao mundo ocidental ao mesmo tempo que incorpora os territórios necessários a

sua defesa. Os Estados Unidos são em decorrência desse raciocínio o centro do mundo.

Em segundo lugar, Spykman adapta à teoria splengeriana da ‘Organicidade das

Civilizações’ um conceito do ‘duplo temporal’ e cria o dualismo da Civilização e do

Poder [Civilization and Power]. Para o autor, para cada um dos termos existe um tempo

diverso, assim, os Poderes nascem, morrem e se sucedem a um ritmo mais veloz que o

das civilizações. Em cada Civilização (entendida como um espaço a ser dominado e

organizado pelo Poder) por essência, poderá existir apenas um poder por vez, o que faz

que nesse constructo não exista lugar para a multipolaridade, mas somente em escala

planetária, representando a oposição entre os diversos Poderes/Civilizações. Este é o

espaço por definição para a ‘balança de poder’ [Balance of Power].

Por último, Spykman em seu modelo Geopolítico, realiza uma inserção

transformada do conceito clausewitziano de guerra total: o Poder seria a guerra

continuada por outros meios. Deste modo, como seu modelo geopolítico se confunde

com o próprio conceito de Poder e o conceito de Clausewitz se presta à indiferenciação

entre guerra e paz, a Geopolítica, nessa perspectiva, lhes serviria como referencial

único enquanto incorporaria em si os conceitos próprios à guerra, agora também

conceitos da paz. A Estratégia e a Tática, sob o manto da Geopolítica podem portanto

ser universalizadas e relativizadas a todo o campo de interesse do Criador.301

O modelo Geopolítico proposto por Spykman obviamente não definia os

conceitos de Estratégia e Tática, mas a maioria das instituições e dos Coletivos de

Pensamento que dele derivaram encontraram em B. H. Liddell Hart seu principal

teórico. Historiador Militar e Teórico da Guerra inglês, Liddell Hart foi ainda autor de

diversos manuais de Estado-Maior Geral e teve bastante influência nos meios militares

durante e após a Segunda Guerra Mundial. Devem-se assim aos escritos deste autor a

301 Para Foucault a genealogia do chamado ‘Discurso da Guerra’ é a análise das relações de poder como

matriz das técnicas de dominação. Foucault compreende que esse discurso revela um princípio bem

anterior a Clausewitz e que remonta aos séculos XVII e XVIII, mas que ganhará nova vida com sua

transcrição para a biologia no final do século XIX (Foucault, 1999, 53-73).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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teorização da Estratégia e da concentração da Estratégia com a Tática sobre a base da

História Militar, bem como os conceitos de Grande Estratégia e Objetivo Nacional.302

A Estratégia, segundo esse autor, se confundiria com a Política e a Tática, e seria

em uma definição mais sintética a arte de distribuir e aplicar os meios militares para

atingir os fins da política, enquanto que a Grande Estratégia seria aquela que deveria

avaliar e fortalecer os recursos econômicos e o potencial humano das nações visando a

consecução do Objetivo Nacional.303

A Big-Science

Spykman e Hart ofereceram algumas das fundações ideológicas para as bases do

que seria chamado de ‘Complexo Militar-Industrial’ americano, o qual teria suas

origens administrativas no The Army Industrial College, que surgiria das conseqüências

de uma Emenda à ‘Lei de Defesa Nacional’ em 04/06/1920, que autorizou o

Subsecretário da Guerra a planejar a mobilização industrial em caso de um novo

conflito, permitindo-lhe ainda supervisionar a procura e a obtenção de todo o material

militar pelo Ministério da Guerra e elaborar os planos para a mobilização da indústria e

dos recursos materiais.

Para que essas atribuições pudessem ser levadas a cabo, foi criada a Seção de

Planejamento do Ministério da Guerra, providência que acarretou a criação do

Industrial College a 25/02/1924, pela Ordem Geral n° 7 do Ministério da Guerra, com

vistas a formar os oficiais que ali trabalhariam.

O Industrial College, que foi obrigado a interromper as suas atividades entre

dezembro de 1941 e dezembro de 1943 por causa da Segunda Guerra, tinha como

objetivos: preparar oficiais e civis para cargos de comando, estudar os fatores

302 Segundo o General Reynaldo Mello de Almeida, a Escola Superior de Guerra ao estabelecer sua Doutrina de Segurança Nacional adotou, de um modo geral, os mesmos conceitos de B. H. Liddell Hart,

embora utilizasse os termos estratégia geral, ou nacional, para a grande estratégia e o de estratégia militar,

para a estratégia pura. Ainda os conceitos de Objetivo Nacional (atual e permanente) são derivados do

autor (Hart, 1982, 403, nota s/n°).

303 Do General Armando de Vasconcelos em conferência na Escola Superior de Guerra: “A política

abrange a estratégia [...] fixa os objetivos nacionais atuais [...] dinamiza sua ação para mantê-los ou

conquistá-los [...] a Política de Segurança Nacional tem como finalidade preservar a Nação contra

ameaças de antagonismos que possam perturbar ou impedir a ação governamental na consecução e

salvaguarda de seus objetivos” (Hart, 1982, 406, nota s/n°).

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econômicos da Estratégia Nacional americana e sua relação com os fatores políticos,

militares e psicológicos; estudar todos os aspectos do planejamento combinado dos

serviços e de sua relação com o planejamento estratégico e a economia. Constava ainda

de suas atribuições promover a perfeita coordenação e o estudo de todos os órgãos

governamentais e dos fatores econômicos e logísticos que seriam de importância para os

Estados Unidos e para as suas Forças Armadas.

O objetivo pedagógico principal do Industrial College era o de preparar os seus

alunos para a determinação de problemas, para isso, organizavam-se pequenos grupos

de alunos, aos quais eram formuladas hipóteses para as quais deveriam ser apresentadas

soluções. Palestras e conferências eram ministradas por membros do corpo docente e

autoridades das Forças Armadas e do Governo, bem como por civis especialistas. Estas

exposições visavam apresentar diferentes pontos de vista da realidade nacional

americana. Ao final de cada ano se fazia uma viagem de instrução para que os alunos

pudessem comparar o que haviam estudado com a realidade dos Estados Unidos

(Ondrick, 1948).

Ainda que seja impossível pensar a vitória aliada na Segunda Guerra sem a

contribuição do Industrial College, a organização deste ainda não previa a mobilização

científica.

Desde 1916 existiram precedentes nos Estados Unidos da tentativa de integração

entre a Ciência e o esforço de guerra, com a constituição do Naval Consulting Board e

do National Research Council, este último funcionando até o final da Primeira Guerra

sob controle militar. Em 1918 surgiria ainda o Chemical Warfare Service, seguido em

1923 pelo Naval Research Lab. Estas foram, sobretudo, experiências restritas e em

alguns dos casos temporárias.

Somente com o começo da Segunda Guerra Mundial, um grupo de cientistas sob

a liderança de Vannevar Bush,304

contando com o apoio de Roosevelt, iniciou

entendimentos para suprir aquela lacuna e obter a necessária integração do trabalho

científico aos interesses imediatos e objetivos da guerra. Em 27 de junho de 1940, essa

304 O grupo original de cientistas compreendia além de Vannevar Bush, membro do 'National Advisory

Commitee' e presidente do ‘Carnegie Institute’ de Washington, Frank B. Jewett, Presidente da ‘National Academy of Science’, James B. Connant, de Harvard. Algum tempo depois se somaram a estes Karl T.

Compton, presidente do MIT, Richard T. Tolman, do Californian Institute of Technology e A. N.

Richards da ‘University of Pennsylvania Medical School’.(Gray, 1943).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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iniciativa particular foi oficializada pelo Council of National Defense para coordenar e

suportar as pesquisas em novos meios de guerra sob a denominação de National

Defense Research Committee (NDRC) composto pelos cientistas citados e mais um

general, um almirante e um representante do órgão governamental incumbido dos

assuntos científicos. Em 2 de julho de 1940 foi incorporado ao NDRC o Advisory

Committee on Uranium, renomeado como Committee on Uranium.

Em 28 de junho de 1941, foi também adicionado à Comissão um grupo médico,

o Committee On Medical Research (CMR), fazendo então surgir como órgão principal

sob a direção de Vannevar Busch o Office of Scientific Research and Defense (OSRD)

com a função de aconselhar o Presidente dos Estados Unidos sobre a pesquisa científica

e médica relacionada à defesa nacional, de coordenar essa pesquisa e de organizar a

mobilização do pessoal científico e dos recursos a eles destinados. O Committee on

Uranium seria novamente renomeado ‘Seção S-1’ e transferido para a responsabilidade

direta de Vannevar Bush sob o nome de Section S-1 Executive Committee, em 25 de

junho de 1942. Desta seção se originaram em 31 de março de 1943 os contratos com o

Manhattan Engineer District (MED) do U.S. Army Corps of Engineers, que

culminaram na Bomba Atômica.

O OSRD demonstrou possuir como principais características a flexibilidade, a

faculdade de contratar com outras instituições, o controle civil e a possibilidade de

engajamento sistemático, de qualquer cientista fosse do governo, das universidades ou

da indústria (controlado especificamente pelo Scientific Personnel Office a partir de 21

de agosto de 1943). Foram suas maiores virtudes, as ênfases dadas a integração vertical

de metodologia e a concentração em desenvolvimento rápido e massivo.305

305 Essas iniciativas permitiram, o desenvolvimento, dentre outros, do radar, do sonar, do detonador de

proximidade, do carro anfíbio, do detetor de minas, do lança-chamas, da bazooka, dos foguetes, do DDT,

da transfusão de plasma, da atabrina (medicamento contra a malária) e da Bomba Atômica. – NARA

(National Archives and Records Administration), Records of the Office of Scientific Research and

Development (OSRD), http://merrimack.nara.gov e Baxter, James Phinney. Scientists Against Time in

OSDR, http://ac.acusd.edu/History/WW2Timeline/OSRD.html.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Ainda que todas estas instituições tenham sido abolidas em 26 de dezembro de

1947, a pedra fundamental da chamada ‘Big-Science’306

fora lançada. Logo após o

término da guerra, constituiu-se um ‘Interim Committee’ por apontamento do Secretário

da Guerra, para o controle militar da energia atômica, “with the responsability of

formulating recommendations to the President concerning the post-war organization

that should be established, to direct and control the future course of the United States in

this field both with regard to the research and developmental aspects of the entire field

and to its military applications”,307

consagrando definitivamente a união entre militares

e cientistas também em tempo de paz.

Entretanto, qual a direção que tal entendimento poderia resultar? Seria sobretudo

necessário perpetuar os seus princípios, a sua organização e os métodos surgidos

durante a guerra para que fossem adaptados às necessidades da Política Exterior

americana. O mesmo Vannevar Bush, que em julho de 1945 exaltava os cientistas a

306 O termo 'Big Science' representa uma das várias tentativas de categorizar a Ciência. Um dos primeiros

livros a distinguí-lo foi Little Science, Big Science de Derek Price (1963). Enquanto a primeira envolveria poucas pessoas por projeto e equipamentos menos dispendiosos, a outra utilizaria grandes

equipes de cientistas e técnicos trabalhando com grandes recursos. Em sua conclusão Price praticamente

equaciona 'Big Science' com a Ciência contemporânea, o que implicaria dizer que a 'Little Science'

estaria relegada ao passado. Daniel Greenberg, em The Politics of Pure Science (1967) sugeriu pela

primeira vez que a 'Big Science' teria se originado na Segunda Guerra Mundial, na experiência da OSRD,

após o que os Estados Unidos passaram a dar pouco suporte financeiro para a pesquisa básica. Greenberg

sugeriria ainda que os Estados Unidos perceberam a importância da 'Big Science' ao analisarem sua

utilidade potencial evidenciada pelo aparelhamento bélico que esta gerou. Segundo ainda Donald Swain

em Organization of Military Research (1967), a história da 'Big Science' é em parte a história da

burocracia científica, que ele credita a “extraordinary research administrators” como Vannevar Bush.

307 Seus membros foram: “The Secretary of War, Chairman; the Honorable James F. Byrnes, now Secretary of State; the Honorable Ralph A. Bard, former Under Secretary of the Navy; the Honorable

William L. Clayton, Assistant Secretary of State; Dr. Vannevar Bush, Director of the Office of Scientific

Research and Development and President of the Carnegie Institution of Washington; Dr. James B.

Conant, Chairman of the National Defense Research Committee and President of Harvard University; Dr.

Karl T. Compton, Chief of the Office of Field Service in the Office of Scientific Research and

Development and President of the Massachusetts Institute of Technology; and Mr. George L. Harrison,

Special Consultant to the Secretary of War and President of the New York Life Insurance Company” -

War Department. Statement of the Secretary of War. (1945),

http://www.coe.missouri.edu/~whistle/study_collections/bomb.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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desenvolverem os instrumentos que permitiriam acesso total e controle sobre o

conhecimento de todas as eras,308

escreveria:

Planificação Militar, por quê? [...] [primeiro] la planificación del

tiempo de paz se refiere a las facilidades y técnicas del futuro, más bien que

del presente. Segundo, el lazo que mantiene a los hombre unidos bajo la

tensión bélica, se disuelve en su mayor parte al retornar a la paz. Tercero, la

planificación del tiempo de paz se efectúa en un terreno y atmósfera

políticos [...] la primera razón se refiere a la capacidad industrial, a los

abastecimentos de materiales estratégicos, a las relaciones contractuales con

la industria privada y a un conjunto de asuntos similares [...] la misma

situación puede aplicarse a otros terrenos: la guerra psicológica, la defensa

civil, la protección contra el ataque subversivo. Dejar fuera de consideración

todas estas cosas, sería arrinconar la planificación militar. [...] convertirse en

autoridades reconocidas en esos terrenos, repentinamente, es demasiado

para la mente del militar profesional; cería demasiado para cualquier clase

de grupo profesional [...] por algo, los profesionales no tienen intención de

sometrese a ninguna jerarquía militar [...] existe, por supuesto, una solución

a esa perplejiad: reside en la asociación profesional. Específicamente, reside

en un sistema por el cual un grupo central de planificación militar

profesional tomara la dirección y la responsabilidad definitiva, bajo

condiciones en que pudiera disponer de la colaboración de las mejores

mentes que produce el país en todos los campos profesionales relacionados

[...] deben aceptar desde el comienzo, el princípio de que, en el processo de

sintetizar los juicios de diversos especialistas dentro del conjunto integral de

308 Bush, 1945. Podemos encontrar ecos da mesma perspectiva de controle ainda durante a guerra:

“Professor Jonh Dewey has gone so far as to say that 'only the gradual replacing of a literary by a scientific education can assure to man the progressive amelioration of his lot [...] Georges A. Lundberg

[...] finds that 'the unifying discipline of modern education lies in modern science, which is simply the

distilled essence of the classics of all time [...] art is not the sole invoker of beauty, the pure delight which

the discover derives from his explorations of nature is comparable of the delight of the creative artist [...]

the trend of the modern science has been in the direction of multiplying the exchanges between nations -

toward a planetary economy [...] Francis Bacon in his vision of the future in 'The New Atlantis' looked to

science for 'the enlarging of the bounds of human empire, to the effecting of all things possible'. Can

those 'all things' include the conquest of war, the establishment of permanent world peace? Why not?” .

(Gray, 1943).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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un plan comprensivo, no deberán invadir los juicios profesionales de otros

dentro de los terrenos en que esos poseen una competencia especial.309

O National War College

A instituição na qual se sintetizariam as aquelas propostas surgidas no decorrer

da guerra, seria o National War College (NWC) que em 1° de julho de 1946 seria

oficialmente estabelecido como um substituto para o Army-Navy Staff College que

existiu de junho de 1943 até julho de 1946.

De acordo com o General Leonard T. Gerow, presidente da junta que

recomendou sua formação, esta escola estaria preocupada com a Grande Estratégia e

com a utilização dos recursos nacionais necessários a implementar essa estratégia, bem

como com a grande influência seus graduados deveriam exercer na formulação da

Política Nacional e da Política Externa, tanto em tempo de paz quanto na Guerra.

O National War College foi então criado sob a direção e responsabilidade do

Estado-Maior Conjunto, em cooperação com o Ministro do Exterior, possuindo o

objetivo declarado de prover as necessidades de pessoal habilitado em assuntos de

planejamento e política. A organização e a orientação desta instituição se processaria de

acordo com as normas observadas para as outras escolas dirigidas pelo Estado Maior

Conjunto (Army War College e Army Industrial College), agora, porém com a

colaboração de um quarto elemento: os diplomatas.

Durante a Segunda Guerra Mundial foi-se tornando manifesto que o

advento dos Estados Unidos como potência mundial estava exigindo, com

309 Bush, 1950. Para Samuel Huntington, em relação à influência dos militares profissionais na sociedade

norte-americana, entre 1946 e 1955, esta seria consideravelmente menor do que havia sido durante a

Segunda Guerra Mundial, mas, ainda assim, foi sem precedente na ausência de guerra total. O grau em

que oficiais de carreira assumiram posições civis no Governo, na indústria e na política, e também em que se filiaram a grupos não-militares, era um fenômeno novo na história americana. Nesse período, os

militares exerceriam muito mais poder nos Estados Unidos do que em qualquer outra potência, aonde se

processaria a afluência de oficiais a postos governamentais normalmente ocupados por civis, sendo que o

Ministério do Exterior foi um órgãos da Administração Federal que mais utilizou os serviços de militares.

Estreitaram-se ainda os laços entre os líderes militares e as lideranças empresariais: “Finda a guerra,

registrou-se nesse relacionamento uma abrupta mudança. Oficiais e empresários revelaram um novo e

recíproco respeito. Generais e Almirantes da reserva ocuparam, em número sem precedente, diretorias

executivas de empresas” Os militares, segundo o autor, emprestavam seu prestígio às empresas e

aumentavam as vendas militares (Huntington, 1996).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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intensidade cada vez maior, a integração do planejamento militar estratégico

segundo os rumos da política exterior. Chegou-se a conclusão de que os

oficiais do Exército, da Marinha e da Força Aérea que colaboravam na

concepção estratégica das operações, não poderiam ter suas vistas limitadas

aos aspectos puramente militares dos problemas, uma vez que deveriam

conhecer ainda o que era possível ou não, sob os ângulos político e

econômico, em cada teatro de operações. De igual modo, os diplomatas do

Ministério do Exterior não poderiam conduzir com eficiência a nossa

política externa sem que estivessem a par das necessidades e dos objetivos

militares, tanto dos Estados Unidos como dos nossos aliados.310

O currículo do National War College311

tinha por objetivo dar aos seus

estudantes o maior conhecimento possível das variáveis que determinariam a política

nacional, procurando, ao mesmo tempo, estimular o raciocínio dos alunos segundo as

linhas que melhor atendessem à solução dos problemas futuros de segurança,

procurando considerar todos os fatores que a afetassem.

A metodologia assumida pelo Curso era a de que não existiam professores, mas

orientadores, os quais dirigiam as discussões de grupos, e convidados que proferiam

conferências. Os orientados deveriam enveredar pelo estudo de problemas propostos e

ao fim do curso apresentar uma Monografia. Eram levadas a cabo discussões em

conjunto sobre os problemas apresentados, com três finalidades distintas: Estudos de

problemas especiais, Discussões das relações entre os Estados Unidos e as grandes

potências e Soluções de conjunto relativas a problemas de estratégia e negócios

exteriores. Todas estas deveriam ser trabalhadas em conjunto, aproveitando a

310 Abbot, 1948.

311 Os módulos que constituíam o 1° semestre do curso eram: 1) Interesses e objetivos dos Estados Unidos

e outras potências, 2) As Nações Unidas, os acordos regionais, os tratados bilaterais e multinacionais 3)

As conseqüências da bomba atômica e armas modernas na esfera da estratégia da guerra potencial e

nacional, das relações internacionais e da ordem mundial. Os módulos que constituíam o 2° semestre do

curso eram:1) Efetivos militares necessários para levar a cabo a política nacional na paz e na guerra, 2) A

Estratégia de aplicação de todas as forças políticas, econômicas e militares em favor da política nacional,

3) Os novos conhecimentos científicos e tecnológicos e as Forças Armadas e 4) Planejamento da Guerra e

emprego de forças combinadas.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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diversidade de formação e origem dos orientados, haja vista que estes provinham de

todos os ramos da administração federal.312

O Estado-Maior das Forças Armadas brasileiras

Quando no Brasil do pós-guerra se decidiu adaptar o pensamento militar norte-

americano à realidade brasileira, foi sobre a adaptação desses valores que se constituiu a

‘doutrina militar brasileira’ e que se formou a ESG.

Uma das primeiras iniciativas da liderança militar brasileira no pós-guerra, à

exemplo dos Estados Unidos, foi a de criar um organismo de comando que congregasse

as três forças e ao mesmo tempo representasse uma alternativa à criação do Ministério

da Defesa Nacional, iniciativa esta idealizada por grupos ligados ao então Presidente em

exercício do Brasil, Eurico Dutra, especialmente seu Ministro da Guerra, General Góis

Monteiro. A argumentação dos militares era a de que o Brasil poderia:

Obter maior eficiência simplificando o seu sistema. Não está na

criação de um Ministério único, pois que, juntando elementos heterogêneos

administrativamente, enfraquecendo o prestígio de quem manda, que se

pode alcançar maior eficiência, mas unificando a doutrina de guerra. Assim,

e por isso, aceitou o General Góis Monteiro a criação do EMFA, por mim

proposto. O projeto, feito em colaboração, foi apresentado ao Congresso e

transformado em lei. Por isso foi evitada a implantação do Ministério da

Defesa Nacional.313

A questão da nomeação do Ministro da Defesa também serviu de argumentação:

Seria este um civil? E se fosse um militar, qual arma teria este privilégio? “Qualquer

solução deixava a direção indireta às mãos dos Gabinetes, constituídos por oficiais de

postos de hierarquia inferior. Assim aconteceu quando as pastas foram ocupadas por

políticos civis. A experiência não aprovou”.314

312 Abbott, 1948.

313 Martins, 1974b.

314 Martins, 1974b.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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A idéia da criação de um Estado-Maior Geral possuía antecedentes no

pensamento militar brasileiro que remontam ao ‘Relatório de 1908’ do então Ministro

da Guerra Hermes da Fonseca. Este documento propunha a criação do ‘Supremo

Conselho de Defesa Nacional’, que deveria ser chefiado pelo Presidente da República,

tendo como membros os Ministros das Relações Exteriores, da Guerra, da Marinha, da

Viação e da Agricultura, mais os Chefes de Estado-Maior do Exército e da Marinha; e

como Secretário e Subsecretário o Chefe e o Subchefe da Casa Militar. Ainda segundo

essa proposta “a Casa Militar deve ser transformada numa espécie de Grande Estado-

Maior de terra e mar” pois: “os Ministérios da Guerra e da Marinha [...] devem procurar

o estabelecimento de uma ligação completa, moral e material [...] surge, pois, a

necessidade de harmonizá-los, de ligá-los por uma doutrina única e inicial, sem a qual

numa teremos uma defesa organizada”. Neste mesmo raciocínio, se considerava que a

vinda de uma missão estrangeira seria o pré-requisito para a constituição da ‘doutrina

militar brasileira’: “[uma missão estrangeira] lançará as bases desta unidade de doutrina

que, no futuro, será modificada de acordo com o nosso temperamento, a nossa

experiência e as nossa vistas políticas”.315

Dentro desse espírito, em 1° de abril de 1946 pelo decreto-lei 9.107, foi criado o

Estado-Maior Geral – EMG316

(em 24 de dezembro de 1948 renomeado como Estado-

Maior das Forças Armadas – EMFA) sendo o seu primeiro chefe o General Salvador

Obino, um dos organizadores da FEB.317

As duas principais lideranças do movimento

que deu origem ao EMG, foram o Almirante Jorge Dodsworth Martins, Ministro da

Marinha, e o General Canrobert Pereira da Costa, então Secretário Geral do Ministério

da Guerra, e nomeado Ministro da Guerra em 31 de janeiro de 1946. Estes dois militares

imaginavam o EMG como lugar de pensamento dos problemas brasileiros e dentre suas

315 Jornal do Commercio. (10/08/1910) e Fonseca, Hermes da. (1908). Relatório apresentado ao

Presidente da República dos Estados Unidos do Brasil em 1908. Rio de Janeiro: Ministério da Guerra.

316 “O Presidente da República dispõe dos seguintes órgãos consultivos, de estudo e de preparo de suas

decisões: a) Conselho de Segurança Nacional; b)Estado Maior Geral, misto, destinado a preparar as

decisões relativas à organização e emprego em conjunto das Forças Armadas, tendo em vista o

estabelecimento do Plano de Guerra”- Atos do Poder Executivo (1946), 256. Em 25/07/1946 pelo

decreto-lei 9.520 adicionou-se outra atribuição: “colabora no preparo da mobilização total da nação para a

Guerra” - Atos do Poder Executivo (1946), 74.

317 Segundo Alfred Stepan os Generais Obino e Cordeiro de Farias foram organizadores chave da FEB,

ainda “The six core supporters who participated in the FEB later went on to the War College [Escola

Superior de Guerra], and all but one became permanent staff members” (Stephan, 1974, 245).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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principais preocupações deveriam estar a educação, a interiorização do progresso, a

erradicação da miséria e a reorganização das Forças Armadas. A solução imaginada era

criar para isso um estabelecimento único, aonde os oficiais das três armas se

confraternizassem. Além disso, pensava-se em formar Regiões Militares com Estados-

Maiores sob o comando alternativo de cada arma, ou seja, estender-se-ia a estrutura do

EMG a todo país: em cada local aonde existissem as três forças, haveria um comando

unificado à semelhança do EMG. Essas preocupações indicam até que ponto estaria

arraigado entre os militares o conceito das Forças Armadas enquanto educador das

massas e como fator de união nacional.318

A consciência de que era mister criar uma elite preparada para a

missão de interpretar as legítimas aspirações e autênticos interesses

nacionais, de formular, através de método científico, a política e estratégia

nacionais, com critério que transbordasse dos limites de defesa nacional [...]

levaram o nosso Governo a pensar, inicialmente, na criação de um Curso de

Altos Estudos, freqüentado apenas por oficiais de Marinha, Exército e

Aeronáutica.319

A criação da Escola Superior de Guerra

Para Walter Benjamin, o narrador alinharia-se entre os educadores e os sábios. O

Narrador seria a figura na qual o justo se encontra. Por fundamentar sua crônica

histórica no plano divino da salvação, que é inescrutável, é a ele possível fugir da carga

de comprovação e de explicação lógica. Esse lugar seria tomado pela interpretação, que

não se restringe ao encadeamento exato dos acontecimentos, mas “à sua situação de

318 Martins, 1974b.

319 Palestra do General Jorge Corrêa, Chefe do EMFA na Escola Superior de Guerra em 03 de março de

1975.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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permeio à existência inescrutável do universo”.320

Deste modo cada narração refletiria

sua própria verdade, ou ainda a verdade imaginada e que desejaria transmitida.321

Existem duas narrações sobre o período imediatamente posterior à criação do

EMG e à respeito das motivações e iniciativas para a criação do ‘Curso de Altos

Estudos’ que se transformaria na Escola Superior de Guerra. A primeira é aquela aceita

oficialmente e que foi veiculada inicialmente por Cordeiro de Farias: seria uma visão de

respeito à hierarquia e processual em seu modo de entender a constituição da ESG.

A segunda versão parte de Idálio Sardenberg e representa os oficiais que

possuíam menor graduação à época. Esta versão pleitearia para aqueles o mérito do

projeto. Seria sobretudo uma fala ideologizada e que entende a criação da ESG como a

implementação de um consenso.

De acordo com o que tacitamente admitido como a versão oficial, existiria uma

filiação clara à doutrina militar americana e um reconhecimento explícito da influência

do National War College explicada pela convivência dos oficiais da FEB com seus

congêneres americanos. Cordeiro de Farias teria recebido do chefe do EMFA, nos

últimos meses de 1948, a responsabilidade de organizar uma instituição nos moldes

daquelas coordenadas pelo Estado-Maior americano. Essa missão consistiria em reunir

numa mesma organização algo da estrutura do National War College, do Industrial

College e do Armed Forces Staff Collegee. O EMFA, antes mesmo da indicação de

Cordeiro de Farias, teria pedido auxílio ao Governo americano, que designou um grupo

de oficiais, para este fim:

No EMFA auxiliado pelos elementos que trabalhavam com o

General Obino, como é natural, os elementos americanos queriam que

organizássemos uma escola perfeitamente idêntica ao War College [...]

Embora com finalidade iguais ao War College, a ESG não podia ser igual

àquele estabelecimento americano, como não pode ser igual a nenhuma

organização similar em países estrangeiros [...] Podem ser idênticas suas

320 Benjamin, 1975,72.

321 Conforme Derrida, a Economia de uma escrita não seria a reconciliação ou os opostos, mas a

manutenção da disjunção, nesse sentido, o narrador seria o outro diferido, assim, no conceito de

‘différance’ se daria a investigação do excluído, ou seja, através da exposição das exclusões da narrativa

se daria a diferição (Derrida, 1997, 42-43).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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finalidades, mas não podem ser idênticos sua organização, seu ‘curriculum’,

seus objetivos.322

Deste modo, seria formada em 17 de janeiro de 1949 uma Comissão323

incumbida de elaborar um anteprojeto de regulamento para a ESG. Essa Comissão se

dedicaria a partir de então a estudar a organização de outras instituições semelhantes até

se fixar nos modelos do NWC e do Institute de Hautes Études de la Défense Nationale

(IHEDN), o qual possuía a particularidade de reservar a terça parte de suas vagas à

iniciativa privada.

Mas não se limitaram a copiar o modelo americano. Dissecaram

também a organização do ‘Institute de Hautes Études de la Défense

Nationale’, criado na França antes mesmo da 2ª Guerra Mundial (1936) por

inspiração do estudioso Almirante Castex. Mergulhou a nossa comissão nos

documentos que nos foram remetidos pelo nosso Adido Militar em Paris, o

então General Lima Brayner. Os nossos oficiais, dirigidos pelo General

Cordeiro, compreenderam a validade das preocupações do Almirante Castex

com a ‘unidade de guerra’ a exigir o estudo conjunto de civis e militares de

alta projeção e responsabilidade na comunidade nacional, não somente

durante o conflito armado mas igualmente nos períodos de tensão e

abrangendo além do aspecto exclusivamente militar, os campos político,

econômico, social e científico.324

Ainda que se reportasse àquelas duas instituições, Cordeiro de Farias acreditava

que a questão das Forças Armadas no Brasil não podia ser separada dos problemas da

educação, indústria e agricultura nacionais, logo, a ênfase dada pela ESG aos aspectos

322 CPDOC, Arquivo Cordeiro de Farias, CFA 53.08.26 TV. Manuscrito. (20/08/1974).

323 Os membros desta comissão eram: Cordeiro de Farias, Idálio Sardenberg, o Coronel-Aviador Celso

Pfaltzgraff Brasil, o Tenente-Coronel Affonso Henrique de Miranda Corrêa e o Capitão-de-Fragata Celso

Aprígio de Macedo Soares Guimarães (Ferraz, 1997, 24, nota 4).

324 Conferência do General Walter Menezes Paes em 4 de março de 1975, na Escola Superior de Guerra.

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internos do desenvolvimento e da segurança deveria ser maior do que a dada a estes

dois assuntos no NWC.325

Quanto a sua denominação e ao organograma do Exército: “Antes do decreto

que oficialmente criou a Escola, havia nos regulamentos militares uma escola chamada

Escola Superior de Guerra, destinada exclusivamente a tratar dos problemas militares.

Baseado nesse regulamento existente no Exército, oficiosamente se criou a Escola”.326

Portanto, conforme o relato de Cordeiro de Farias, a futura ESG seria o híbrido

de dois institutos estrangeiros adaptados à realidade brasileira através de um processo

consciente, originado e controlado pelo EMFA, acelerado pelo aproveitamento da

estrutura física e burocrática de uma antiga instituição do Exército.

Na versão de Idálio de Sardenberg, ao contrário do exposto pelo relato oficial,

transparece a impressão de que as idéias que fundamentariam a ESG já estariam latentes

em um núcleo de oficiais da EEM antes, inclusive, da criação do EMFA:

Uma forma de ajudar o país a chegar àquele ponto seria criar uma

mentalidade favorável a promoção do desenvolvimento. E não bastava que

as Forças Armadas pensassem assim. Era preciso que houvesse entre os

civis a mesma intenção. Achei que seria interessante formar um grupo misto

de militares e civis de diferentes origens para trocar idéias e criar uma

mentalidade. minha primeira idéia para concretizar isso foi a criação de um

instituto de pesquisa e depois evoluí para uma escola dirigida pelas Forças

Armadas. Devo esclarecer que não pensava isso sozinho isolado, mas

debatendo e conversando com companheiros. Por meio dessa troca de idéias

foi-se formando dentro do Estado-Maior das Forças Armadas todo um grupo

que partilhava daquela maneira de ver o Brasil [...] Além de mim havia entre

325 O coeficiente de 1/3 das vagas destinadas aos civis sem vínculo com o Governo, deveria ser

preenchido por indivíduos que possuíssem curso universitário e destacada qualidade de liderança.

Depoimento de Cordeiro de Farias (Stepan, 1974, 175).

326 CPDOC, Arquivo Cordeiro de Farias, CFa 53.08.26 TV. Manuscrito. (20/08/1974). A Escola Superior

de Guerra havia sido criada pelo Decreto 10.203 de 09 de março de 1889, por desmembramento da Escola

Militar e deveria dar instrução teórica e prática aos oficiais que tivessem sido propostos para estudar os

cursos superiores. Eram dois os cursos oferecidos por essa Escola: ‘artilharia’ e ‘estado-maior e

engenharia militar’, ver também quanto a história da ESG conforme a versão de Cordeiro de Farias:

CPDOC, CFa 45.06.03 tv, Farias, 1949; Fragoso, 1969; Farias, 1979 e Arruda, 1981.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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outros os então Coronéis Orlando e Ernesto Geisel, o General Heitor

Herreira e Golbery do Couto e Silva.327

Em relação à ‘segurança’ um dos dois aspectos que Cordeiro de Farias

considerava necessário a ESG enfatizar em comparação ao NWC, Idálio Sardenberg

assegura que:

Criada a Escola dedicamo-nos a estabelecer uma Doutrina de

Segurança Nacional. Na época a ênfase estava na segurança externa. A

segurança interna tinha uma importância muito pequena. E achávamos que a

segurança externa só seria possível com a promoção do desenvolvimento do

país. Sem desenvolvimento, não haveria segurança. Isto está escrito tanto na

lei que criou a Escola como no seu regulamento interno, feito por uma

comissão da qual eu era Secretário-Geral. Aliás, fui eu que redigi essa parte

[...] o desenvolvimento é um meio de promover e garantir a segurança.328

No documento em questão, os ‘Princípios Fundamentais da Escola Superior de

Guerra’, (também atribuídos à Sardenberg por Antônio de Arruda), o

desenvolvimentismo da ESG seria o resultado da seguinte equação:

1) A Segurança Nacional é uma função mais do potencial geral da

nação do que de seu potencial militar

2) O Brasil possui os requisitos básicos (área, população, recursos)

indispensáveis para se tornar uma grande potência

3) O desenvolvimento tem sido retardado por motivos susceptíveis

de remoção

327 Sardenberg, 1980.

328 Sardenberg, 1980.

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4) Como todo trabalho, a obtenção dessa aceleração exige a

utilização de uma energia motriz e de um processo de aplicação dessa

energia

[...] 7) O instrumento a utilizar para a elaboração do novo método a

adotar e para a sua difusão consiste na criação de um instituto nacional de

altos estudos funcionando como centro permanente de pesquisas.329

Em relação ao rol das declarações semi-oficiais, nem de todo confirmadas, nem

desmentidas, de que a ESG incluiria implicitamente um projeto político de articulação

com a elite civil, Idálio Sardenberg respondeu:

Não absolutamente. Incluía talvez um projeto econômico para o

desenvolvimento do país, mas não político [...] a idéia era formar pessoas

que, no desempenho de cargos políticos [...] tivessem consciência de que era

necessário promover medidas que desenvolvessem o país para que ele no

futuro, tivesse segurança [...] não de uma elite, mas de um grupo que

trabalhasse em torno daquela idéia [...] nunca houve na Escola, a não ser da

Revolução de 64 para cá, a intenção de preconizar idéias sobre organização

política.330

Portanto, algumas das hipóteses que podem ser arroladas face o relato

apresentado por Idálio Sardenberg são que a idéia da criação de um ‘instituto de

pesquisas’ voltado para a temática do desenvolvimento precederia a intenção de se

constituir algo nos moldes do NWC, e que essa idéia estaria revestida de um imaginário

muito próximo àquele da Geopolítica brasileira.

Através da documentação pesquisada podemos observar o modo pelo qual as

duas versões se interpenetram. Como já fora colocado pelo relato das altas patentes que

criaram o EMG,331

a idéia da criação de um local para ‘o estudo conjunto dos problemas

329 Arruda, 1981.

330 CPDOC, Arquivo Cordeiro de Farias, CFA 53.08.26 TV. Manuscrito. (20/08/1974).

331 Martins, 1974b.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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brasileiros’ realmente existia anteriormente à criação do EMG, e a este estava colada.

Provavelmente este esboço teria evoluído para a iniciativa da criação de um similar ao

NWC e discutidos os contatos mantidos pela liderança militar com o General

Eisenhower, então Chefe do Estado-Maior americano, quando de sua visita à EEM em

Agosto de 1946, período em que Castello Branco era o Diretor de Ensino dessa

instituição. A favor dessa hipótese, se verifica que já em 04 de dezembro de 1946,

Eisenhower concordava em fornecer, se oficialmente requisitado, oficiais para ajudar o

Brasil a estabelecer “a Joint War College”.332

Prosseguindo as negociações, em abril de 1947, Salvador Obino viajou aos

Estados Unidos para discutir com o Almirante Nimitz e os Generais Eisenhower e

Spaatz a aprovação dos Departamentos da Guerra e da Marinha dos Estados Unidos

para o projeto de criação de um ‘War College’, o que segundo os americanos, era

assunto de ‘profundo interesse’ para as autoridades militares brasileiras.333

Com o retorno de Obino ao Brasil, o Presidente em exercício, Eurico Dutra,

destinou uma verba anual para esse projeto. A idéia dos brasileiros neste momento era

de que os oficiais americanos deveriam atuar como diretores da futura instituição, a qual

cobriria o currículo do National War College, do Armed Forces Staff College e do

Industrial College. Entretanto, a posição assumida pelos militares dos Estados Unidos

foi a de que seus oficiais deveriam apenas atuar como conselheiros e que seria

impossível que tal instituição pudesse compreender programa tão vasto. Para os

americanos seria mais cabível um currículo paralelo ao do Armed Forces Staff Collegee,

ou seja o de uma Escola de Estado-Maior Conjunto.334

Apesar da posição dos Estados Unidos, em junho de 1947 foi feito o pedido

oficial pelo Itamarati para o envio de uma ‘Comissão Militar americana’, “a fim de

assistir as autoridades brasileiras na criação, no Rio de Janeiro, de uma Escola de

332 CPDOC, Arquivo Relações internacionais, 47.04.11 (832.22). Office Memorandum-United States

Government, de Allan Dawson para Briggs. (15/05/1947).

333 CPDOC, Arquivo Relações internacionais, 47.04.11 (832.22). De American Embassy, Rio de Janeiro

para The Foreign Office of the United States of America. (11/04/1947).

334 CPDOC, Arquivo Relações internacionais, 47.04.11 (832.22). Office Memorandum-United States

Government, de Allan Dawson para Briggs. (15/05/1947).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Estado-Maior, de ensino superior, nos moldes do ‘National War College’ de

Washington”.335

O acordo que foi assinado a seguir entre o Departamento de Estado, da Marinha

e do Exército americanos com as autoridades brasileiras previa, à princípio, o envio de

três generais para auxiliar a criação da instituição brasileira. Mas aos poucos esse

entendimento foi sendo esvaziado até se passar para o contingente, muito menos

significativo, de um conselheiro e três oficiais recém-formados pelo NWC, portanto, de

patentes muito inferiores ao que à princípio fora acordado.336

Provavelmente este foi o

momento em que as pressões exercidas pelos oficiais menos graduados da EEM

impeliram à revisão do projeto das altas patentes de se criar uma instituição à imagem e

semelhança da americana. Sintomaticamente nesse período surgiram a partir do Clube

Militar, sob iniciativa de Castello Branco e de oficiais ligados a seu grupo, como Meira

Mattos, os ‘Centros Militares de Estudo’ no Rio de Janeiro, depois São Paulo, Juiz de

Fora, Curitiba e Florianópolis. Estes Centros tinham como objetivo declarado

“acompanhar as tendências político-econômico-sociais do mundo contemporâneo,

particularmente do Brasil e da América, estudando-as sob o ângulo da Defesa Nacional,

tendo em vista prever e informar os camaradas de classe sobre estes problemas.337

Enquanto isso, em abril de 1948, o General Henrique Baptista Duffles Teixeira

Lott se reunia com o Departamento de Estado americano para discutir o contrato de uma

Missão para: “cooperar com o Presidente dos Estados Unidos do Brasil, ou com seu

representante, no estabelecimento e funcionamento de um Curso para Chefe do

Exército, Marinha e Aeronáutica, sobre Operações Combinadas, semelhante ao

‘National War College’, de Washington. Atuará por um período de quatro anos”.338

Esse contrato que seria assinado com o Governo brasileiro em 29 de julho de 1948

retificou mais uma vez o comprometimento inicial e se compunha de duas partes: a

primeira destas previa somente a vinda de três oficiais para o Brasil, o General Contract,

335 AHI, 49.2.1, de Carlos Martins Pereira e Souza [Embaixador em Washington] para George C.

Marshall [Secretário de Estado]. (18/06/1947).

336 CPDOC, Arquivo Relações internacionais, Ama 46.02.18. de G. Ordaway Jr. Para General

Wedemeyer/War Department. (02/12/1947).

337 Santos, 1950.

338 AHI, 49.2.9. Telegramas trocados entre a Embaixada de Washington e o Departamento de Estado.

(19/04/1948).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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foi aceito sob condições, enquanto que a segunda, o ‘Individual Contract’ que poderia

garantir a vinda de outros militares americanos, seria logo descartada pelo governo

brasileiro em 10 de agosto de 1948. A ‘Comissão Militar americana’ que havia sido

pedida em julho de 1947 para auxiliar a criação do instituto brasileiro, seria também

dispensada em 06 de setembro de 1948, justamente na época em que se convidou

Cordeiro de Farias para organizar a ESG.339

Possivelmente a dispensa desses militares possibilitou que a nova Comissão a

ser formada por oficiais brasileiros para redigir o regulamento da ESG pudesse se

debruçar sobre outros modelos que não fossem os americanos. Como já citado

anteriormente, o IHEDN foi um dos inspirações do grupo agora capitaneado por

Sardenberg e Cordeiro. Fundado em Agosto de 1936 como Collège de Hautes Études de

la Défense Nationale pelo Ministro da Defesa francês Daladier e tendo como primeiro

comandante o Almirante Raoul Castex, o IHEDN tinha por objetivo discutir e estudar

com oficiais, representantes de todos os ministérios franceses e com a elite civil, os

problemas da estratégia nacional e deste modo relacioná-los com os grandes problemas

nacionais de ordem política, financeira e demográfica, visando a estabelecer uma

unidade de doutrina no emprego combinado das Forças Armadas.340

O IHEDN nasceu então da inspiração do geopolítico e estrategista francês Raoul

Castex, o qual em 1923 e 1924 publicou ‘Questions d’État-Major’ aonde elaboraria seu

pensamento sobre a reorganização dos Estados-Maiores. Em 1929 este autor lançaria

‘La Mer contre la Terre’, o primeiro volume de sua obra magna ‘Theories Stratégiques’.

Em sua teorização da Estratégia, Castex criticou o ‘dogma da batalha’, argumentando

que as batalhas decisivas são de fato bastante raras na história. Deste modo, as batalhas

decisivas não seriam necessárias para atingir um objetivo determinado, porquanto

existiriam dois tipos de guerra: a guerra de aniquilamento e a guerra das comunicações,

a qual visava obter a extenuação do inimigo pelo bloqueio, e que seria realmente a

verdadeira estratégia a ser perseguida.341

Ainda para Castex, a Política e a Opinião

339 CPDOC, Arquivo Relações internacionais, Ama 46.02.18. (04/08/1948).

340 Espellet, 1992.

341 Coutau-Bégarie, 1986.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Pública eram auxiliares da Estratégia que em seu entender englobava praticamente todas

as atividades humanas.

Sua tese sobre geopolítica, ‘Le maitre de la mer contre le perturbateur

continental’, poderia ser considerada como uma superação das idéias de Mahan e

Mackinder, combinada ao pensamento de Spengler e Tonybee.

Para Raoul Castex existiam duas teorias sobre às quais repousaria a geopolítica:

a primeira seria referente a rivalidade entre os que seriam denominados ‘os dois

Senhores do Continente e dos Mares’, isto é, um conflito civilizacional oporia as forças

de duas potências hegemônicas, cada qual dominante em um dos elementos, o mar e a

terra. Este conflito, que tenderia a se repetir recorrentemente na história, tomaria a

denominação de o ‘Antagonismo Dominante’. A segunda teoria é relativa ao

comportamento do que seria chamado ‘o Perturbador’, ou seja, uma nação dominadora

que, a cada momento histórico importante, tenderia a impor sua hegemonia. Conforme

Castex a civilização que dominasse o mar seria sempre desafiada pelo agente terrestre,

‘o Perturbador’.

Essas teorias seriam bastante usadas em determinados meios militares para

explicar o papel exercido pela URSS no Sistema Internacional, em relação ao Estados

Unidos e principalmente referentemente às suas relações com a China, à respeito das

quais Castex exclamava: “A Rússia, escudo do Ocidente!”.

Um dos mentores da ESG, Golbery do Couto e Silva, por exemplo, era grande

admirador da obra de Castex, e de “toda sua admirável visão estratégica

universalizadora e bem integrada” a qual ele atribuiria grande valor sobretudo no

momento em que se fazia necessária, no âmbito da ESG, a definição de ‘Objetivos

Nacionais Permanentes’ e às correspondências políticas de sua consecução:

Importa ainda observar que a conjuntura internacional, em cada

período histórico, se caracteriza sempre pela manifestação de um

antagonismo dominante entre duas nações ou coligações de nações - um

deles, ‘o grande perturbador’, na terminologia do Almirante Castex - o que,

na realidade, empresta um colorido especial a todo o sistema de relações

internacionais no planeta [...] para traçar a sua estratégia um estado

qualquer, por mais fraco que seja, precisa olhar, assim, o mundo ao largo,

em sua totalidade global [...] Assim, não há Estratégia Nacional que valha,

se não buscar enquadrar-se numa perspectiva objetiva da conjunção

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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mundial, que só poderá fornecê-la a análise estratégica do antagonismo

dominante do momento.342

A ESG, portanto, foi criada sob uma visão estratégica bastante ampla, como

pode ser observado em seus documentos constitutivos. Segundo o texto da Lei que a

originou esta instituição estava “destinada a desenvolver e consolidar os conhecimentos

necessários para o exercício das funções de direção e para o planejamento da segurança

nacional” e para funcionar “como centro permanente de estudos e pesquisas”.343

Ainda no corpo de seu regulamento, ela era definida como “um instituto

nacional de altos estudos destinados a desenvolver e consolidar conhecimentos relativos

ao exercício de funções de direção ou planejamento da Segurança Nacional” sendo o

seu campo de investigação os seguintes tópicos:

a) Assuntos nacionais: análise dos problemas básicos que interessam

ao desenvolvimento do potencial nacional.

b) Assuntos internacionais: estudo da Política Exterior e sua

coordenação com as necessidades da Segurança Nacional. Tendências

mundiais. Problemas internacionais, principalmente os referentes ao

hemisfério ocidental.

c) Assuntos militares: [...] planejamento estratégico. Mobilização

nacional.344

Em verdade, como colocado por Idálio Sardenberg, a ESG nos seus primeiros

tempos, realmente deu ênfase ao conceito de Segurança Externa. Durante o comando de

Cordeiro de Farias, entre 1949 e 1952, foram realizadas 61,08% de todas as

342 Silva, 1958c.

343 Artigo 3°, Lei 785 de 20/08/49, Atos do Poder Executivo.

344 Lei 27.264 de 28/09/1949, Atos do Poder Executivo.

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Conferências sobre Relações Externas do decênio.345

Ainda, se considerarmos o

conceito de desenvolvimentismo e sua ligação com a Segurança Externa para Idálio

Sardenberg, observaríamos que na fase mais criativa da ESG (aquela que vai de 1949 a

1959), os ‘Trabalhos Individuais’ do chamado ‘Campo Econômico’ (a monografia final

de curso) sobre ‘Planejamento’ (um dentre os 25 itens nos quais foram classificadas as

monografias), compõem a maioria dos trabalhos apresentados, atingindo 12,1% do total,

enquanto que o segundo colocado, o tema ‘Indústria e Produção Industrial’, tem 9,5%

das preferências. Logo, teríamos 21,6% dos ‘Trabalhos Individuais’ relacionados com o

desdobramento da argumentação inicial proposta por Sardenberg.346

Entretanto, se hipoteticamente admitirmos que a ESG pudesse não ter um

projeto político vinculado a sua constituição, poderíamos observar que existe uma

tendência no final da década de 1950 para um crescimento significativo na produção de

‘Trabalhos de Grupo’ que remetem em tese ao problema da Organização Nacional. Se

considerarmos que o item ‘Poder Nacional’, tal como definido pela ESG a partir de

1953, se comporia de trabalhos que na sua temática, em parte ou no todo, reportam às

relações e às condições de poder no Brasil, poderíamos observar que esta preocupação

se tornaria latente a partir de 1955 uma vez que no decênio estudado (1949-1959), todos

os ‘Trabalhos em Grupo’ pertencentes a esse gênero foram elaborados entre os anos

1956 e 1959, e ainda que concentrados em tão curto espaço de tempo, se constituem na

maioria dos ‘Trabalhos de Grupo’, com 16,7% do total.347

Inclusive, no ano de 1956, os

trabalhos sobre ‘Poder Nacional’ constituíram 71,43% dos trabalhos feitos, enquanto

que em 1959 compuseram 27,27% do total.348

Estes quantitativos se tornam

significativos principalmente se considerarmos que o Governo brasileiro procurou

fechar a ESG em 1955, em razão da suposta participação de seu Corpo Permanente e de

345 Anexo II, Figura 1.

346 Anexo II, Figura 2.

347 Anexo II, Figura 3.

348 Anexo II, Figura 4.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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seus estagiários na tentativa de impedir a posse de Juscelino Kubitschek.349

Os

‘Trabalhos Individuais’ sobre Planejamento seguiriam uma dinâmica ainda mais

característica: estes possuem uma concentração mais acentuada entre 1953-1958, e

inexistem até 1952.350

Qual seria portanto o ponto de inflexão entre uma ESG cuja preocupação maior

era a Segurança Externa, para uma ESG que almejava influir na Organização Nacional?

O Comando Juarez Távora

Provavelmente foi durante os anos 1953-1955 que essa tendência se instalou,

talvez em virtude da troca de Comando da Escola Superior de Guerra, de Cordeiro de

Farias para Juarez Távora, no final de 1952 (que passou a acumular também o cargo de

Diretor-Presidente de A Defesa Nacional).351

Juarez Távora foi o grande introdutor do pensamento de Alberto Torres na ESG.

Desde 1936 pode ser documentado seu envolvimento com organizações para a difusão

daquele pensamento, quando Juarez Távora se tornou presidente da SAAT (Sociedade

dos Amigos de Alberto Torres). Ainda em 1949, Távora alimentava a idéia de atualizar

aquele pensamento e propagá-lo através da atuação política:

Estou a dever-lhe uma carta em que alguma cousa se contenha

acerca da idéia de corrigir o pensamento de Alberto Torres, à luz dos fatos

da política mundial desta época [...] e agora mesmo não estou a escrever-lhe

349 “Logo após a posse do Presidente Nereu Ramos[...] em novembro de 1955, houve uma tentativa de

fechamento da ESG ou de, pelo menos, modificar sua organização para não permitir a freqüência de civis,

e sim, somente de militares[...] O General Anôr Teixeira (Chefe do EMFA) tinha apoio do Ministro da

Guerra Teixeira Lott para tal medida .e fazer a transferência dos civis para o ISEB” – CPDOC, Arquivo

Cordeiro de Farias, CFa 53.08.26 tv. Carta de Oswaldo Benjamim de Azevedo para Eudes de Souza Leão

Pinto. (20/08/1964).

350 Anexo II, Figura 5.

351 A Defesa Nacional na década de 1950 esteve intimamente ligada à ESG e à ECEME. Juarez Távora, comandante da ESG, foi seu Diretor-Presidente entre 1952-1954. Em 1955 assumiria este cargo o Gen.

Raphael Danton Garrastazú Teixeira (1955-1957), catedrático de História Militar na ECEME, estudioso

dos problemas nacionais, de Geopolítica, sócio fundador do IHGB e participante da ESG. A partir dessa

administração, A Defesa Nacional, passa a ter o subtítulo de 'Revista de Assuntos Militares e Estudos

Brasileiros'. Os Coronéis Lyra Tavares e Antônio Carlos Muricy assumem o Conselho Fiscal da revista.

Em assume a Diretoria o Gen. João Batista de Mattos (1958-1960) e os Coronéis Hugo de Abreu e

Golbery do Couto e Silva passam a integrar o conselho de administração. Em 1961 é eleito para o

exercício de 1961/1964 o Gen. Aurélio Alves de Souza Ferreira (2 subchefe do EME). A revista passa a

ter o subtítulo de 'Exército - Marinha - Aeronáutica', com seções dedicadas a estas três armas.

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a carta que você espera [...] no tocante à formação do poder político -

matéria que ele tinha na conta de muito difícil - você já terá sentido em mim

a completa repugnância à tese de que tudo dependa da escolha. A nenhum

povo interessa a forma pela qual se escolhe um governo. O que ao povo,

como a nós dois interessa, é que tenhamos um governo de homens de

bem.352

Nessa ocasião Alcides Gentil, companheiro de idéias de Juarez Távora,

procuraria Cordeiro de Farias na ESG já com a intenção de difundir àquele pensamento,

ocasião em que o presentearia com o livro ‘Para Uma Nova Ordem !’: “e à Escola

Superior de Guerra o nosso país ficará devendo o primeiro esforço destinado a organizar

a opinião nacional – coisa que Alberto Torres reputava uma das tarefas primordiais do

governo”.353

Após a posse de Juarez Távora, acentuou-se a tendência de se aumentar a

admissão de civis ao Curso Superior de Guerra da ESG. Em 1950, o número de civis se

encontrava abaixo da cota de 1/3 (25,8%), se mantendo ao final do Comando Cordeiro

de Farias a média total de 30%. Após a entrada de Távora, no período geral de 1953 a

1959, 55,6% dos estagiários da ESG foram civis (somente durante o ano de 1956 o

número de militares novamente superou o de civis, provavelmente um sintoma dos

acontecimentos do ano anterior)354

e como confessaria o próprio Juarez Távora,

“Enquanto comandante eu quis aumentar a representação de civis. Eu senti que o

objetivo da escola não era somente treinar o pessoal militar, mas todos aqueles que

poderiam influenciar o governo”.355

O novo comandante da ESG procurava ainda, além de aumentar o número de

civis, diversificar ao máximo a sua procedência:

352 CPDOC, Arquivo Juarez Távora, JT 1949.07.05. Carta de Alcides Gentil para Juarez Távora.

(05/07/1949).

353 CPDOC, Arquivo Juarez Távora, JT 1949.07.05. Carta de Alcides Gentil para Juarez Távora.

(29/09/1949).

354 Anexo II, Figura 6.

355 Stepan, 1974, 176.

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[Em 1953] além dos estagiários normalmente indicados [...] haviam

sido matriculados, no referido curso, vários membros do Poder Legislativo

(senadores e deputados), do Poder Judiciário (dois desembargadores), de

representantes dos governos estaduais, de associações científicas, técnicas e

culturais (Sociedade Nacional de Medicina, Academia Brasileira de Letras,

Clube de Engenharia), associações de classes (Confederações Nacionais da

Agricultura, da Indústria e do Comércio, Associação Brasileira de Imprensa,

Arcebispado do Rio de Janeiro, etc.), de tal forma que o grande número de

estagiários civis ultrapassava a dos militares [...] [a Associação dos

Diplomados da ESG deveria ser] instrumento fundamental de comunicação

a amplos setores da elite nacional, da doutrina e dos métodos de trabalho,

que ali estavam ministrando.356

Também pode ser observado em relação à troca de Comando, que embora a

noção de ‘Segurança Nacional’ constituísse objeto de preocupação da ESG desde sua

criação, o seu conceito para a Doutrina de Segurança Nacional só se formalizaria a

partir do final de 1953, sendo consequentemente introduzida no seu currículo em 1954

durante o comando de Juarez Távora. Ainda nesse período, durante discurso na

solenidade de diplomação da turma de estagiários de 1953, Juarez Távora caracterizou,

pela primeira vez, a racionalização administrativa e a organização nacional como

assuntos prementes para a ESG. Assim, o conceito de ‘Poder Nacional’, do qual

haviam sido feitas tentativas de definição por San Tiago Dantas, “a soma dos meios de

que dispõe o Estado Nacional para assegurar, na ordem internacional, o preenchimento

de seus fins”357

e por Golbery do Couto e Silva, “O poder das nações por sua própria

natureza, é necessariamente relativo ou, como o idioma inglês permite dizer aos

técnicos norte-americanos de Política Internacional: ‘O Poder é poder sobre ou poder

para’ [...] O poder de um estado é conceito sem sentido a não ser considerado em

relação ao poder de outros estados”,358

passava agora a ser considerado como “a

expressão integrada dos meios de toda a ordem de que a nação efetivamente dispõe, no

356 Távora, 1974.

357 Dantas, 1953.

358 Silva, 1953.

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momento considerado, para promover, no campo internacional e no âmbito interno, a

consecução e salvaguarda dos objetivos nacionais, a despeito dos antagonismos

existentes”.359

Ou seja, o conceito de segurança passava a ser reavaliado para abranger

também o âmbito interno, enquanto que o conceito de ‘antagonismo’ de Raoul Castex

era agora admitido também para o interior das fronteiras do Brasil, ensejando

posteriormente sua identificação com a noção de ‘subversão’.

Também sob o Comando de Juarez Távora, em 1954, surgiu um segundo

Regulamento para a Escola Superior de Guerra (Decreto 35.187 de 11 de março de

1954). Neste novo regulamento, as antigas divisões dos ‘Campos de Estudo’ (Assuntos

Nacionais, Internacionais e Militares) são trocadas por Assuntos Políticos, Econômicos,

Psicossociais e Militares; adicionam-se ainda os cursos de ‘Ciência e Tecnologia’ e

‘Doutrina e Coordenação’. No antigo Artigo 4° do primeiro regulamento “A ESG,

através dos assuntos que lhe são peculiares, procurará obter uma convergência de

esforços no estudo e solução dos problemas de segurança nacional”. Retira-se a

expressão ‘solução’, e substitui-se no segundo regulamento por ‘equacionamento’. A

‘Segurança Nacional’, de conceito adjunto em 1949, passaria, portanto, em 1953-1959,

a nortear a doutrina da ESG. Da conjunção desses novos conceitos de ‘Segurança

Nacional’ e ‘Poder Nacional’ resultaria uma nova noção de desenvolvimento aplicado

ao controle social:

Uma mentalidade de segurança nacional só se formará sob a

influência de dois fatores:

a) A satisfação com o governo

b) A satisfação pessoal, da qual muito depende a primeira, cujos

componentes são a segurança de emprego, a satisfação geral, isto é, padrão

de vida mais elevado, educação e flexibilidade de classes. As atitudes

revolucionárias de um povo jovem e insuficiente (econômica e

359 Távora, 1953.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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culturalmente) são relativamente rarefeitas e incomuns. somente frações

diminutas manifestam simpatias por ideologias subversivas e, de outro lado,

somente as minorias dirigentes se preocupam mais com ideologias como

respostas aos problemas. A massa não quer doutrinas, quer soluções.360

Esse pensamento se reflete ainda nas conferências e trabalhos de grupo

classificados como sigilosos no período entre 1953-1959. Por exemplo: ‘O Comunismo

no Brasil’, ‘A recuperação moral do país nos meios militares’, ‘Poder nacional e Poder

Social’, ‘Conceito Estratégico Nacional’ e ‘Opinião Pública e Propaganda’.

A Produção Geopolítica contemporânea à ESG

Enquanto a ESG no período 1949-1952 fora importante pelo impulso que dera a

geopolítica brasileira extramuros, o período 1953-1959 fez surgir uma produção muitas

vezes expansionista e de oposição à Argentina:

As tentativas de expansão territorial argentina correspondem a um

objetivo nacional permanente, o da reconstituição do Vice-Reinado do Prata.

A ele se contrapõe objetivo brasileiro da mesma natureza: o da manutenção

do ‘status quo’. O apoio do Brasil à OEA é, entre outras coisas, uma política

destinada a neutralizar, direta ou indiretamente, no campo internacional, o

antagonismo que representa a aspiração argentina.361

Caracterizar-se-ia assim o ‘Objetivo Nacional Permanente do Brasil’ em relação

à região da Bacia Platina como a:

Afirmação da hegemonia brasileira na América do Sul, com base

no fortalecimento do poder nacional, na manutenção do ‘status quo’

territorial dos Estados sul-americanos e na oposição à formação de bloco

360 Rodrigues, 1958. Observe-se a coincidência com a colocação de Alberto Torres: “O nacionalismo deve

ser fruto de um caráter nacional, de uma consciência nacional, idéia de conjunto da rés publica [...] a mais

alta expressão de seu progresso é aquela em que o espírito envolve, na síntese mais ampla, os móveis

íntimos da solidariedade social, fazendo-a reverter para o futuro, para o interesse da prole” (Torres,

1938).

361 Diniz, 1956.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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políticos ou mesmo econômicos. Objetivo Nacional Atual: Opor-se à ação

da Argentina, coligada ou não com outros países, ainda que isoladamente

[...] Políticas de Consecução: Cooperação com a ONU e a OEA. [para]

assegurar o ‘status quo’ territorial, evitando a formação de blocos regionais

[e] defender o Continente sul-americano contra a agressão.

Posição de equilíbrio face às nações sul-americanas: alimentar a

dependência econômica das demais nações frente ao Brasil. Impedir a

formação de ambiente favorável ao surto da hegemonia argentina. Ajudá-las

pelas armas caso surjam modificações territoriais pela violência..”.362

Mais do que reminiscência histórica, o Vice-Reino é uma bandeira

do expansionismo argentino, que tomou corpo com a prosperidade

econômica [...] a Argentina parece, antes de tudo, tomar como linha de

conduta o oposto da atitude brasileira. Procura aparentar grande liberdade de

movimento em face dos Estados Unidos, dos quais pouco depende

economicamente e de cuja defesa agro-sanitária não tem porque se felicitar.

Suas intervenções franco-atiradoras nas Conferências continentais

granjeiam-lhe uma inegável simpatia, que os próprios americanos às vezes

dão a idéia de respeitar mais do que a comprovada constância brasileira.363

Mencionava-se ainda a Antártida, as ilhas Sandwich do Sul, Geórgia e Orcadas

como territórios que, segundo seu julgamento, poderiam caber ao Brasil:

De fato, os três arquipélagos se acham do lado brasileiro da Linha

de Tordesilhas e, dentro do conceito de setores polares, no que poderia tocar

ao Brasil.364

Opinião que também era partilhada por alguns outros autores:

362 Diniz, 1956.

363 Guimarães, 1954.

364 Guimarães, 1954.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Dentro de dois ou três decênios o Brasil passará a potência mundial

[...] já então, a Antártida será para nós tão importante como para as maiores

nações que agora estão tratando de se apossar de largos trechos de seu

território [...] o Brasil pode alegar em seu benefício o direito de

defrontação.365

A Antártida era vista como importante estratégica no Atlântico Sul,

especialmente se fosse negada ao Brasil a passagem do Estreito de Magalhães:

Não se trata de interesses econômicos nem turísticos, mas sim

políticos-estratégicos [...] o Brasil está em condições de invocar direitos,

cujos fundamentos jurídicos são tão sólidos como as bases que pode invocar

qualquer outra potência.366

A fragilidade dos títulos jurídicos que os outros países alegavam sobre a

Antártida não era vista como um ponto negativo para as supostas pretensões brasileiras:

“Reivindiquemos o nosso quinhão na Antártica! Se apelarem para a História, apelemos

também”.367

Havia ainda aqueles autores que pleiteavam a aquisição das Guianas, como era o

caso de Gustavo Barroso e Paulo Henrique da Rocha Correia, o qual durante dez anos

julgou que a aquisição das Guianas deveria ser feita em conjunto com a Venezuela, mas

que então reconhecia no Brasil o comprador suficiente e necessário:

Os guianenses só ganhariam como integrantes da União Brasileira,

dado o grande futuro potencial do Brasil e as características da civilização

365 Rodrigues, 1956.

366 Carvalho & Castro, 1956.

367 Castro, 1957.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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absolutamente nova que estamos erigindo: tropical, de integração de raças,

de alto valor espiritual.368

Segundo Roberto Piragibe da Fonseca,369

ainda existiriam dois pontos sigilosos

em conexão com a geopolítica constantes no programa da ESG: o primeiro seria a

‘Guerra Internacional’, definida como o ‘empenhamento do Brasil em luta de

proporções continentais’ aonde se considerariam três ‘Teatros de Operações’: o

argentino, o peruano e o colombino-venezuelano. De acordo com essa definição, as

hipóteses trabalhadas na ESG considerariam que o Brasil teria por aliados o Uruguai, o

Paraguai e a Bolívia, nos quais durante o conflito poderia haver a necessidade, de

“debellátio” dos governos e “occupátio béllica” dos respectivos territórios, se pela

subversão externa ou por oportunidade, ocorresse instabilidade nas suas instituições

políticas ou possibilidade de se aliarem ao inimigo.

Os adversários coligados contra o Brasil, agressores ou agredidos, conforme o

status de necessidade, seriam de acordo com a hipótese abordada, a Argentina coligada

ao Peru e possivelmente o Chile, ou Colômbia e Venezuela. Caso a iniciativa de ataque

pertencesse ao Brasil, por injunções incontornáveis, à diplomacia caberia a tarefa de

inversão dos papéis: que o agredido fosse transformado em agressor.

O segundo ponto sigiloso do programa da ESG seria o pós-guerra. A

incorporação da Venezuela, Colômbia e Peru a uma ‘União Brasileira’ se daria com

forte ocupação militar da faixa territorial cisandina. Haveria ainda a hipótese de

incorporação dos estados aliados, (Uruguai, Paraguai e Bolívia) mas “sponte própria”,

através de pressão diplomática, constrangida pela Constituição brasileira que veda a

guerra de conquista. A estes antigos aliados seriam concedidos privilégios e franquias, à

semelhança do ‘Ato de Incorporação da Cisplatina’, de 1816. Haveria, portanto, o que

368 Correia, 1957. Supostamente essas influências teriam chegado a Jânio Quadros que também chegaria a pretender anexar as Guianas, até um ordenando a confecção de um plano de invasão pelos seu assessores:

“o advento de Jânio Quadros como Presidente da República teria considerável repercussão na política

externa brasileira. Foram seis meses agitadíssimos com o político paulista buscando uma desmesurada

projeção continental. Chegou até a planejar a conquista e a aquisição das Guianas, a fim de obter para o

Brasil uma controvertida 'Janela para o Caribe'. seu plano era adquirir a Guiana Francesa, provocar uma

revolta na Guiana Holandesa para incorporá-la ao Brasil e, finalmente, partilhar a Guiana Inglesa com a

Venezuela, que pleiteava a Guiana Essequibo. Gestões secretas foram realizadas em Washington sem

sucesso” (Mariz, 1998).

369 Fonseca, 1974, 26-29.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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seria considerado ‘Estatuto de Satelitização’, definido como incorporação por

coordenação e não por subordinação. A resultante seria uma confederação sui generis,

“com coloração de reformulação de status de soberania: autonomias regionais bastantes

liberais, mas jungidas a poder central forte por política externa enérgica única e rígida”.

Estas opções seriam resguardadas pelo conceito de soberania da ESG que “preserva o

direito nacional de escolha do próprio destino consoante suas peculiaridades”.

Também característicos da produção Geopolítica contemporânea à ESG eram

alguns trabalhos que propunham uma ação cultural agressiva no exterior e de

aproximação com os países afro-asiáticos:

Todas as vezes que a política norte-americana titubear em questões

de igualdade racial — o Brasil deveria apoiar o país africano ou asiático nos

conclaves internacionais, manifestar simpatia pela causa da gente, raça,

povo ou nação que seja vítima da discriminação e, mais ainda, inteira

desaprovação pela atitude da potência ocidental [...] devemos seguir política

inteiramente nossa, independente. Política no qual o Brasil vise extenso e

persistente trabalho de sedução das massas africanas e asiáticas, por meio do

uso de nossa principal arma político-diplomática — igualdade racial e

social, quase perfeita existente no Brasil [...] necessitamos de uma arma

hodierna de grande poder de divulgação como a agência telegráfica

internacional [...] pouco temos feito [...] para nos tornarmos conhecidos na

Ásia e África e, muito menos, considerados e admirados.370

A partir dessa proposta de ação cultural, começariam a tomar corpo outras

idéias: “ao Brasil está reservado num futuro próximo a importantíssima tarefa de servir

de nação mediadora entre a América, de um lado, e a África e a Europa do outro”.371

Também seria considerada uma nova relação frente aos Estados Unidos em

função do novo status de potência que fatalmente seria adquirido pelo Brasil:

O lançamento da OPA acarretou uma posição de liderança implícita

para o nosso país na América Latina [...] para lançar a OPA e assumir uma

370 Menezes, 1956.

371 Aché, 1961.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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ainda problemática liderança do mundo latino-americano, o Brasil sacrificou

a sua privilegiada posição, junto aos Estados Unidos, de nação chave [...] o

abandono de nossa tradicional política de negociação bilateral para a

tentativa de multilateral, em nossa relações com os Estados Unidos,

encarada a curto prazo é de efeitos negativos; encarada a longo prazo, pode

apresentar perspectivas de êxito [...] o modo pelo qual possamos conduzir

nossas relações com os Estados Unidos é que realmente vai provar ao

mundo que já atingimos um evoluído estado de maturidade em matéria de

política exterior. O Brasil deve, neste particular, agir sem complacência ou

subserviência, sem desconfiança ou ressentimento e com perfeita

consciência dos interesses nacionais brasileiros.372

Entretanto quaisquer iniciativas Geopolíticas e de Política Externa deveriam

levar em conta os motivos que presidiram a construção da tradição diplomática

brasileira:

Movido pela sua necessidade de preservar a integridade de seu

território, o Brasil teve sempre de condicionar a sua política internacional ao

ordenamento jurídico, sem, entretanto, jamais perder de vista a finalidade

política de tal ordenamento. País débil do ponto de vista econômico e,

portanto, do militar, não pode o Brasil aventurar-se em empresas capazes de

abalar o princípio da intangibilidade dos compromissos internacionais. A

não-intervenção tem sido uma constante da política externa brasileira.373

Portanto entre essas iniciativas deveriam se destacar aquelas que se adequassem

a esse condicionamento atual e não violentassem os princípios diplomáticos

tradicionais:

O Brasil deverá desenvolver ações estratégicas dirigidas a uma

revisão da Carta das Nações Unidas, visando à sua adaptação a uma nova

realidade mundial, caracterizada pelo desaparecimento da fronteira colonial

372 Osório, 1960.

373 Jobim, 1962.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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e por mudanças estruturais do quadro político e econômico internacional.

Em uma tal revisão, visto que as Grandes Potências não se mostram

sensíveis a uma abolição do veto no Conselho de Segurança, o Brasil

advogaria a necessidade do aumento do número de Membros Permanentes

daquele órgão, o que abriria ao nosso país a oportunidade de, devido às suas

qualificações como potência Média e representativa dos interesses dos

países que integram o Terceiro Mundo, a ter assento permanente no referido

Conselho. Para a consecução dos objetivos acima mencionados, o Brasil

deverá desenvolver intensa ação diplomática no sentido de obter o apoio do

Grupo latino-americano, em primeiro lugar; do Bloco afro-asiático, que, em

matéria política, mostra-se ainda muito fluído e pouco conscientizado para

os grandes problemas das Nações Unidas; e das Potências Médias do Bloco

Ocidental, que possam ser sensibilizadas pelas teses brasileiras.374

Conclusão

A ESG foi a responsável pela construção do mecanismo de formulação e

conduta da política externa dos governos militares após o movimento de 1964 ao

combinar a Estratégia à geopolítica. Tal mecanismo seria exposto do seguinte modo:

O mecanismo atual em face da metodologia preconizada pela ESG:

a Política de Segurança Nacional tem por finalidade essencial a anulação,

neutralização, redução ou, pelo menos, o diferimento das Pressões

Dominantes, que se manifestem nos âmbitos externo e interno, em oposição

a conquista e salvaguarda dos Objetivos Nacionais Permanentes [...] a

caracterização das Pressões Dominantes, no campo externo ou no campo

interno por efeito ou influência do campo externo, faz-se através da

Avaliação estratégica de Conjuntura. Desta Avaliação resulta a elaboração

do Conceito Estratégico Nacional, que é assinado pelo Presidente da

República, e fixa:

374 Veras, 1972.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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a) os objetivos da Política de Segurança Nacional

b) a capacidade do Poder Nacional para a realização desses

Objetivos

c) Os Objetivos Nacionais Atuais Estratégicos e as Políticas de

Consecução desses Objetivos, assim como os Objetivos de Guerra e

Políticas de Guerra [...]

Baseado no CEN procede ao Exame Estratégico da Situação,

visando ao Estabelecimento das linhas básicas da Estratégia e, também a

elaboração das Diretrizes Gerais de Planejamento [...] As DGP são assinadas

pelo Presidente da República [...] Do exposto, concluímos:

1. A responsabilidade legal na formulação da política exterior

pertence ao Presidente da República, que tem como auxiliar o Ministro das

Relações Exteriores.

2. O MRE coopera na Avaliação Estratégica da Conjuntura,

enviando informações e realizando a análise da conjuntura internacional.375

Nesse sentido, seria necessário definir também a relação entre o conceito de

segurança nacional e a política externa, através da geopolítica. Este conceito teria sua

origem teórica em 1918, na obra do General alemão Ludendorff ‘La Guerre Totale’.

Nesta, o autor caracteriza a Guerra Total como uma nova realidade surgida da

experiência do conflito de 1914-1918, aonde houve o envolvimento completo da

sociedade no esforço e nas conseqüências da guerra. Então, apesar de ainda possuir uma

grande capacidade combativa, a Alemanha teria sido derrotada pela desunião interna,

375 Tapajós, 1967.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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especialmente por obra da Social-Democracia, que haveria sabotado o esforço de guerra

alemão desde o início, e por causa do socialismo revolucionário. Assim, Ludendorff

acreditava ser necessária a manutenção da força anímica do povo (coesão anímica) para

a guerra moderna.

Na Guerra Total, as Forças Armadas não seriam somente uma parte integrante

da nação, mas a medida das forças físicas, econômicas e anímicas do povo. A força

anímica seria aquela que daria às Forças Armadas e ao povo a coesão indispensável a

luta pela vida e pela conservação da raça em uma guerra que ao invés de ter um término,

ou um início, se prolongaria indefinidamente. A nação seria, na definição de

Ludendorff, o centro de gravidade da Guerra Total.376

Deste modo, a Lei de Segurança Nacional seria criada no Brasil em 1935, após a

chamada ‘Intentona Comunista’, e o seu conceito seria por sua vez sacramentado pela

constituição de 1946. A ESG, a partir desde 1949 procuraria definir um conceito de

Segurança Nacional, mas a partir de 1953, o relacionaria com a idéia da ‘guerra

subversiva’ atrelando de vez a segurança interna com a segurança externa.

Portanto, a ESG sistematizaria o discurso da Corporação Militar coligado a um

projeto de Política Externa. Esta sistematização empregou o pensamento geopolítico

como amálgama, em resposta a diversos estímulos externos e internos, todos

condizentes com o desenvolvimento da Corporação Militar desde a tentativa de reforma

empreendida por Rio Branco. A produção intelectual da ESG, portanto, não se

desenvolveu através de um processo de abstração do particular até o geral, mas pela

diferenciação ou especialização do geral até o particular, o que corroboraria as

impressões de Bakhtin de que a cultura popular insistiria na elaboração de um ponto de

vista pessoal sobre o mundo, de suas formas especiais e de suas imagens.377

Esta

convergência se daria no espectro daquilo que Ludwik Fleck caracterizaria como

Coletivo de Pensamento e que em nosso estudo seria formado pela Corporação Militar,

isto é, a produção intelectual da ESG seria a “percepção direta, com a correspondente

assimilação objetiva e mental daquilo que foi percebido”, e que corresponderia “aos

376 Ludendorff, 1918, 15-35.

377 Bakhtin, 1996, 418.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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problemas de interesse e ao julgamento que o Coletivo de Pensamento considera

evidente, e aos métodos que este aplica como meios de cognição”.378

De que maneira entretanto se poderia entender a permanência do projeto de Rio

Branco no pensamento geopolítico produzido nos anos 60 pela ESG? A resposta a este

problema, segundo Foucault, “não seria mais a tradição e o rastro, mas o recorte e o

limite; não seria mais o fundamento que se perpetua, e sim as transformações que valem

como fundação e renovação dos fundamentos”.379

Nesse sentido, na década de 1960 iríamos assistir ao ressurgimento de um

projeto geopolítico através da sublimação de idéias que, esposadas, geradas ou ainda

transformadas pela ESG, responderiam a anseios que encontrariam na Política Externa

brasileira o seu meio de consecução.

O começo do envolvimento pessoal de Castello Branco com esse projeto

geopolítico remonta a 1936 quando fundou o IGHMB. Esse contato se aprofundaria

através dos contatos realizados no Estado-Maior do Exército e no núcleo intelectual da

EEM. Observe-se que Castello Branco também realizou iniciativas que convergiriam

para a formação da Escola Superior de Guerra, nesse sentido deve ser mencionado o

esforço para a fundação dos Centros Militares de Estudos e o empenho para a

consecução e implantação da Doutrina Militar Brasileira.

A inserção de Castello Branco no projeto da ESG pode ser medida através do

exame de sua produção intelectual. Esta interage com os pontos de vista esposados pela

ESG na medida em que os aproxima daqueles que defende para o Estado-Maior do

Exército, deste modo aprimorando o conceito de Ludendorff.

A renovação das elites, por exemplo, é vista como um pressuposto da

profissionalização que o Estado-Maior defende para o Exército.380

Nesse sentido, a

Doutrina Militar Brasileira deveria ser entendida como uma reafirmação dos valores

militares e de sua independência. Tal independência pressuporia, entretanto, uma

unidade militar, que inevitavelmente deveria se constituir em torno do Estado-Maior,381

378 Fleck, 1981, 99.

379 Foucault, 1997, 6.

380 Branco, 1955.

381 Branco, 1957.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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e este, em última análise, seria o responsável pela pensamento e produção da Estratégia,

em função da interpretação dos ‘Objetivos Nacionais’ permanentes e atuais: “Estratégia

não é obra de um homem, personalista e iluminado, e sim trabalho de grupos e de

Estados-Maiores”.382

Finalmente, a Estratégia integraria na visão de Castello Branco, a

noção de Segurança Nacional, por compreender a defesa global das instituições, a

preservação do desenvolvimento e da estabilidade política interna:383

A noção de Segurança Nacional é mais abrangente. Compreende,

por assim dizer, a defesa global das instituições, incorporando, por isso, os

aspectos psicossociais, a preservação do desenvolvimento e da estabilidade

política interna; além disso, o conceito de segurança, muito mais

explicitamente que o da defesa, toma em linha de conta agressão interna,

corporificada na infiltração e subversão ideológica, até mesmo nos

movimentos de guerrilha, formas hoje mais prováveis de conflito que a

agressão externa [...]Desenvolvimento e segurança, por sua vez, são ligados

por uma relação de mútua causalidade. De um lado, a verdadeira segurança

pressupõe um processo de desenvolvimento, quer econômico, quer social.

Econômico porque o poder militar está também essencialmente

condicionado à base industrial e tecnológica do país. Social, porque mesmo

um desenvolvimento econômico satisfatório, se acompanhado de excessiva

concentração de renda e crescente desnível social, gera tensões e lutas que

impedem a boa prática das instituições e acabam comprometendo o próprio

desenvolvimento econômico e a segurança do regime.384

382 Branco, 1962.

383 “A democracia falta a seu dever e o comunismo está no seu papel [...] o anticomunismo que não cuida

também da evolução nacional, num país subdesenvolvido, é apenas vigilante e nada combativo [...] que

acontece, então, nestas democracias claudicantes? A política democrática conserva os padrões [...] e diz

às vezes como um desafio e, vez por outra humildemente, que cabe às Forças Armadas barrar ou destruir

o comunismo” (Branco, 1963).

384 Branco, 1967b.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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CONDITIO BRASILIAE

Que as gerações futuras não venham dizer que fomos imediatistas,

quando devíamos ser homens de visão, que nos faltou coragem e sabedoria

para construir o mundo mais feliz que estava ao nosso alcance.

(Vasco Leitão da Cunha)

Introdução

O objetivo deste capítulo é demonstrar que a política externa do Governo

Castello Branco foi a resultante da evolução da geopolítica brasileira, representada

muitas vezes pela produção intelectual da ESG. Esta contribuição se originaria de duas

vertentes: a primeira estaria representada pelos trabalhos regulares dos estagiários da

ESG, os quais responderiam a análises de situação solicitadas pelo EMFA, e que no seu

conjunto passariam a engrossar o acervo teórico daquela escola. Esta seria sobretudo

uma produção dinâmica e ainda orientada segundo os princípios geoestratégicos

consolidados nos seus cânones. A segunda vertente seria a influência da obra e do

pensamento dos autores geopolíticos abrigados na ECEME e na ESG, principalmente

Golbery do Couto e Silva, Carlos de Meira Mattos e Octávio Tosta.

Ainda que a produção intelectual da ESG tenha dentre suas principais

características o esforço de conjunto e o intercâmbio de idéias, geralmente essa

produção seria confundida por alguns autores com a obra de Golbery do Couto e Silva,

o que caracterizaria, nesse entender que o papel atribuído à ESG seria superestimado:

A ESG teve apenas um ou outro elemento que discorria

teoricamente com alguma eficácia [...] praticamente inexistem outros

grandes nomes na Escola Superior de Guerra [...] sendo figura de primeiro

plano o criador do SNI, cujos trabalhos caracterizavam-se sobretudo pela

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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aridez de suas elucubrações [...] a ESG viveu, portanto, durante anos,

basicamente à sombra de um único teórico.385

Como no capítulo anterior procuramos caracterizar a produção geopolítica e sua

relação com a ESG, uma das intenções deste capítulo seria demonstrar que assim como

Golbery não foi o único teórico da ESG, também não era tão original e seria menos

influente para a política externa de Castello Branco e do Regime Militar do que

comumente se julga.

Também procuramos equacionar o problema da colaboração entre os militares e

os diplomatas para a produção da política externa do Governo Castello. Este problema

seria colocado por alguns autores, como para Letícia Pinheiro, no sentido de semelhança

entre seus padrões de educação e sociabilização ou em função da divisão de trabalho e

cooperação (Pinheiro, 1994). Para outros, inclusive Shiguenoli Miyamoto e Williams

Gonçalves, haveria uma identificação de natureza entre os diplomatas e os militares, que

se considerariam um ‘espécimen’ do estado (Miyamoto & Gonçalves, 1991). Em nosso

entender, pelo menos no que diz respeito ao período estudado, o entendimento entre as

duas corporações não se daria em termos de relações de grupo, mas através de uma

instituição: a ESG. Nesse sentido procuraremos perscrutar as medidas desse

intercâmbio.

Por último, procuramos demonstrar como a geopolítica influenciou as iniciativas

da política externa do Governo Castello.

Golbery do Couto e Silva e o ‘ecumenismo’

A política externa do Governo Castello Branco seria influenciada pelas grandes

tendências do pensamento geopolítico brasileiro na década de 1960. Estas linhas de

pensamento seriam as de Everardo Backheuser, Mário Travassos, Golbery do Couto e

Silva e Carlos Meira Mattos. Destes, os três últimos autores estiveram diretamente

relacionados com Castello Branco em várias ocasiões de sua carreira, enquanto que

385 Miyamoto & Gonçalves, 1991.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Golbery e Meira Mattos participaram de seu governo e de suas iniciativas de política

externa.

Dentre todos esses, provavelmente em razão de sua intensa atividade política, o

pensamento geopolítico de Golbery do Couto e Silva geralmente tem sido generalizado

como o pensamento da ESG e, por transmissão, com o da política externa dos governos

militares. Portanto, se fazem necessárias algumas considerações a esse respeito:

primeiro, comumente se aceita que o pensamento de Golbery esteja circunscrito ao

livro ‘Geopolítica do Brasil’. Esta obra, na realidade, se constitui numa coletânea de

vários artigos escritos pelo autor em um período de oito anos (1952-1960), os quais

foram algumas vezes modificados para que se adequassem a ordenação e ao formato de

um livro único, embora atendessem originalmente a solicitações e motivações

diversas.386

Essas retificações foram feitas em 1967, portanto após o Governo Castello,

quinze anos depois de publicado o primeiro trabalho e oito anos após o último destes

haver sido escrito. A principal conseqüência desta reunião de seus diversos escritos em

uma só obra é a de que muitas vezes não se tem a exata noção da evolução intelectual de

Golbery, nem da relação entre seu pensamento com o de outros autores.

Em segundo lugar, a superposição das idéias de Golbery com as idéias da ESG

somente pode ser feita temporal e parcialmente, principalmente se levarmos em conta

seu afastamento precoce daquela instituição e posteriormente do próprio Exército e que

no período de criação da ESG e em seus primeiros anos, Golbery não se encontrava no

Brasil.387

Finalmente, o pensamento de Golbery revela inúmeras afinidades de grupo e

influências que não deveriam ser descartadas e sim analisadas porquanto são grosso

modo as mesmas que participam do grande constructo intelectual que é a ESG.

Os primeiros artigos de Golbery, notadamente aqueles que serviram aos cursos e

conferências da ECEME e da ESG, se constituem, primeiramente, em variações sobre o

tema da ‘continentalidade’ esboçado por Mário Travassos, aliás um interlocutor do qual

Golbery jamais se afastaria, e da ‘interiorização’ de Backheuser, além de, em parte,

386 Doravante, quando se fizer necessário em uma citação de Golbery, estará indicado entre colchetes o

ano da primeira publicação.

387 Golbery do Couto e Silva esteve ausente do Brasil durante três anos, desde março de 1947 até outubro

de 1950, integrando a Missão Militar brasileira de instrução no Paraguai.

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corresponderem aos esforços de adequação às mudanças ocorridas na própria ESG após

1953, notadamente em relação ao binômio ‘segurança e desenvolvimento’.

O pensamento geopolítico de Golbery, a partir de 1952, desenvolveria

originalidade pelo estabelecimento e qualificação da Conditio Brasiliae, num processo

intelectual que se basearia na utilização de um antigo tema da história cartográfica

brasileira a ‘Ilha-Brasil’.388

Este constructo, na fase final do pensamento geopolítico de

Golbery, seria definido através do seguinte enunciado:

Na verdade, o Brasil é bem um ‘império’ compacto, de ampla frente

marítima e dilatada fronteira continental [...] ocupa sem dúvida, aquela

frente marítima, uma posição um tanto marginal no caprichoso contorno do

oceano mundial em que o Atlântico Sul é nada mais que um golfão ainda

excêntrico. Estende-se aquela fronteira terrestre, em grande parte, através do

deserto em que a Hiléia domina como vastíssimo cinturão protetor. Essas

ações, favoráveis de início é que asseguram o indispensável grau de

imunidade a ações de conquista, mantidas em potência ou duração,

provindas do exterior. É de fato, a própria insularidade, em proporções

continentais.389

Note-se que no primeiro momento (1952) em que o autor esboçaria a

caracterização da idéia de império brasileiro relacionada a necessidade da interiorização

388 O mito seiscentista da ‘Ilha-Brasil’ era o de um território perfeitamente delimitado pelo Oceano

Atlântico, pelo rio Amazonas e pelo rio Paraná, os quais convergiriam para uma grande lagoa no coração

da América do Sul. Mais tarde esta idéia seria resgatada por Jaime Cortesão, no interior de uma tese que

defende o intencionalismo da formação territorial do Brasil, segundo uma razão de Estado oposta ao

Tratado de Tordesilhas, Segundo o autor, o traço geográfico fundamental resultante, e que imprimiria

caráter à história do Brasil, seria a sua posição no hemisfério e no Atlântico meridional. Deste modo, o

Brasil participaria forçosamente de certos caracteres de posições comuns à América do Sul, mas desde

logo se distanciaria dos demais países deste continente, pelas suas relações atlânticas com a Europa e a África (Cortesão, 1957, 1958 e 1971). Esse mito seria também desenvolvido pela obra de Jaguaribe de

Matos, que, num estudo sobre a fisiografia sul-americana, iria mais longe ao afirmar que "em rigor não

existem grandes bacias hidrográficas na América do Sul, pois todas elas se comunicam diretamente à

superfície da terra umas com as outras" representando então o Brasil como a unificação de um

‘continente-arquipélago’ acoplado à América do Sul (Matos, 1937). Vale a pena notar que Jaime Cortesão

ministrou cursos de História da cartografia do Brasil e de História da formação territorial do Brasil no

IRB de 1944 a 1950, praticamente no mesmo período em que Backheuser também foi professor deste

instituto.

389 Silva, 1981 [1960], 108.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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do ecúmeno nacional,390

Golbery utilizou a oposição ecúmeno complementarmente a

domínio. Ecúmeno, neste momento, tinha para este autor a mesma significação que

aquela utilizada por Ratzel (conjunto de terras habitadas), enquanto que a noção de

‘insularidade’ não seria expressada a partir do Brasil, ou seja, com o Brasil em posição

omphalica (“em um lugar tido como o centro do mundo”391

) como a primeira vista o

autor pareceria insinuar, mas diretamente relacionada ao conceito de defesa externa,

uma vez que essa idéia teria origem na leitura da obra de Nicholas Spykman, aonde se

caracterizaria a posição brasileira em relação aos Estados Unidos:

The main area of the southern continent will continue to function in

American foreign policy not in terms of continental neighbor but in terms of

overseas territory [...] the result is that the nations of the extreme south

enjoy a sense of relative independence from United States which the smaller

political units of the american mediterranean can never possess. The ABC

states represent a region in the hemisphere where our hegemony, if

challenged, can be asserted only at a cost of war.392

Notadamente nesse período as preocupações tanto da ESG, quanto de Golbery

ainda estariam voltadas para a Região do Prata (AUP) e para o conflito latente com a

“aspiração hegemônica alimentada” pela Argentina:

Mais ou menos tributários da Argentina, oscilando entre a

desconfiança, o ressentimento e a admiração e jungidos pela dependência

econômica indiscutível – o Paraguai e a Bolívia, ‘prisioneiros geopolíticos’,

muito mais o primeiro que a segunda, valem muito pela sua posição

geográfica no flanco aberto e vulnerável do Brasil meridional e central e

constituem, sobretudo pela sua instabilidade política e econômica,

390 Em 1960 Golbery a utilizar o conceito de bloco metropolitano complementarmente a domínio/marcas,

reservando o termo ecúmeno para outra teorização.

391 Dilke, 1890.

392 Spykman, 1942.

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indisfarçáveis zonas de fricção externas onde podem vir a contender, quer

queiram quer não, os interesses brasileiros e argentinos.393

Nesse período, antes portanto do seu famoso enunciado “a Geopolítica e a

Geoestratégia brasileiras necessariamente se inserem nos quadros, sucessivamente mais

amplos, de uma Geopolítica e Geoestratégia para o bloco latino-americano, de uma

Geopolítica e Geoestratégia continentais, de uma Geopolítica e Geoestratégia de todo o

mundo ocidental”,394

que seria depois citado por Castello Branco395

como a doutrina dos

círculos concêntricos, Golbery já possuía uma postura contrária à neutralidade brasileira

e advogava nesse momento a aproximação com os Estados Unidos como um dos meios

de contrabalançar o poderio argentino:

A estrutura íntima do Estado [...] vê-se forçada, portanto, a amoldar-

se às exigências e as limitações impostas pelo sistema vigente de relações

internacionais [...] se a tais imposições externas podem furtar-se, embora

nunca de todo, as três, ou melhor as duas Superpotências ou verdadeiros

Estados-Imperiais que hoje dominam o panorama internacional, uma vez

que a vastidão e diversidade de seus recursos lhes permite quase alcançar a

auto-suficiência econômica na paz como na guerra - única fórmula segura de

liberdade e independência absolutas - os demais Estados e, sobretudo,

aqueles que ainda não souberam, ou não puderam valorizar o potencial

latente de seu território e de sua população, pobre países subdesenvolvidos

[...] devem antes reconhecer aquele fato como base de todos os seus

planejamentos do que construir na areia movediça do isolacionismo

enganador e perigoso - pois que irreal - os planos, de antemão fadados ao

insucesso, de um futuro de prosperidade e grandeza [...] O Brasil [...] [deve]

negociar uma aliança bilateral mais expressiva que não só nos assegure os

393 Silva, 1981 [1952], 55.

394 Silva, 1958d.

395 Discurso de Castello Branco aos formandos do Instituto Rio Branco em 31 de julho de 1964 e que foi repetido por Vasco Leitão da Cunha, primeiro Ministro do Exterior do Regime Militar, em 3 de dezembro

de 1964 perante a XXX Sessão Ordinária da Assembléia Geral das Nações Unidas, “o interesse do Brasil

coincide, em muitos casos, em círculos concêntricos, com o da América Latina, do Continente

Americano, da comunidade ocidental”. Esse discurso, que traça as linhas mestras do primeiro período do

Governo Castello Branco, foi escrito por Carlos Calero, Vasco Leitão da Cunha e Castello Branco.

(Branco, 1966?; Camargo at al., 1994; MRE, 1995).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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recursos necessários para concorrermos substancialmente na defesa do

Atlântico Sul [...] mas uma aliança que, por outro lado, traduza o

reconhecimento da real estatura do Brasil nesta parte do Oceano Atlântico,

posto um termo final a qualquer política bifronte e acomodatícia em relação

a nosso país e a Argentina.396

Tal aliança entre Brasil e Estados Unidos deveria em um prazo razoável evoluir

naturalmente para o reconhecimento da hegemonia brasileira sobre a América do Sul:

Também nós podemos invocar um ‘destino manifesto’, tanto mais

quanto ele não colide no Caribe com os de nossos irmãos maiores do norte

[...] e se a velha Inglaterra soube reconhecer, desde cedo, o destino norte-

americano [...] não parece demais que os EUA reconheçam também aquilo

que devemos defender.397

Em relação a adequação de seu pensamento geopolítico com as mudanças que

se efetuavam na ESG após 1953, se começaria a observar no artigos de Golbery a

construção de uma inter-relação entre o desenvolvimentismo e a formação de uma elite

política, a qual deveria englobar o pensamento geopolítico como fundamentação teórica

da política estratégica nacional:

Não pode haver política exterior independente sem economia

independente, não pode haver economia independente sem industrialização,

não pode haver industrialização sem que um país tenha os elementos básicos

indispensáveis e uma elite que não seja de meros industriais, mas de

industriais com uma filosofia industrialista e a correspondente concepção do

mundo, e com influência nos problemas da política interna e, por imediato

reflexo na determinação de sua política exterior [...] cremos sinceramente -

situar a Geopolítica e a Geoestratégia como fundamentação geográfica,

respectivamente, de uma Política e uma Estratégia Nacionais, capaz de

propor, tanto em relação a uma como à outra, diretrizes gerais que, em face

396 Silva, 1957 [1952].

397 Silva, 1957 [1952].

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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de fatores e condicionamentos de outra ordem, poderão ser aceitas ou

rejeitadas ‘in limine’, quando não apenas provisoriamente postas de lado à

espera de melhores tempos [...] a Geopolítica [...] serve de fundamentação

geográfica e propõe diretrizes calcadas nos conceitos de espaço e de posição

à Política Nacional, tanto no domínio não-estratégico desta e onde se visa ao

bem-estar, ao progresso, ao desenvolvimento atingíveis sem a ameaça de

antagonismos internos e externos quanto na esfera da Segurança

Nacional.398

Até esse momento, por volta do final de 1958 e durante 1959, o pensamento de

Golbery ainda poderia ser considerado uma variante do modelo geopolítico

‘continental’ de Mário Travassos e de Everardo Backheuser, e seria definido pelo autor

como:

Uma Geoestratégia de contenção, em grande parte preventiva [...]

Geopolítica e Geoestratégia de integração e valorização espaciais, de

expansionismo para o interior mas igualmente de projeção pacífica no

exterior, de manutenção de um império terrestre e, também de ativa

participação na defesa da Civilização Ocidental, de colaboração íntima com

o mundo subdesenvolvido do continente e de além-mar e ao mesmo passo

de resistência às pressões partidas dos grandes centros dinâmicos de poder

que configuram a atual conjuntura.399

Nesse contexto, poderia ser explicada então, sua teoria dos hemiciclos, aonde

sobre uma projeção cartográfica esferoidal com o Brasil assumindo posição omphalica,

seriam traçados dois hemiciclos sobrepostos: o hemiciclo interior, que abrangeria a

América Latina, a Antártida e a África Ocidental e que seria considerado “a fronteira

decisiva da segurança sul-americana” e o hemiciclo exterior, que concentraria as

“ameaças perigosas [que] podem bem surgir, a qualquer tempo [...] a partir do eixo

Moscou - Pequim”.400

Sua teoria possuiria portanto, nesse momento, o caráter de

398 Silva, 1958c.

399 Silva, 1958d.

400 Silva, 1981 [1959], 82.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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definição dos interesses defensivos do modelo ‘continental’, que adaptado aos avanços

da tecnologia no período iriam sugerir um alargamento dos interesses do Poder

Nacional.

Provavelmente no decorrer dessa época, duas influências se sobreporiam sobre o

pensamento de Golbery do Couto e Silva e também sobre o pensamento da ESG em

geral. A primeira destas, seria a construção da idéia de uma nova dimensão do Sistema

Internacional por Mário Travassos e cujas origens intelectuais remetiam a Arthur Dix e

James Burnham. Esta nova teorização seria expressa por Golbery como:

O processo vertiginoso da ciência aplicada e da técnica, sobretudo

no que se refere a movimentação do homem e de suas riquezas e à difusão

de suas idéias [...] tende a dilacerar e a explodir todo o sistema de

compartimentação espacial que vinha caracterizando o mundo [...] neste

mundo, tornado, potencialmente um só [...] a brusca redução das distâncias

[...] haveria de emprestar às relações internacionais um dinamismo potente e

febril, uma multidimensionalidade que a todos os instantes extravasa, e

largamente, do campo político tradicional para o militar, o econômico e o

psicossocial, uma complexidade desconcertante que desafia os analistas e

dificulta a tomada de decisões estratégicas, oportunas, adequadas e

eficazes.401

O conceito de ecúmeno no pensamento de Golbery, desse momento em diante

transcenderia a concepção ratzeliana adquirindo uma concepção universalista, aonde o

mundo teria sido tornado potencialmente um só em virtude da redução das distâncias, da

transmissão instantânea das ações e reações entre os Estados e do estreitamento dos

contatos face a face entre as nações. O mundo então teria se tornado um só ecúmeno

sem desvãos nem confins, “o reino da paz ecumênica”.402

Ao inaugurar essa temática no pensamento geopolítico em 1926, o alemão

Arthur Dix escreveria que “a transição de uma era que se autodenominou de ‘era

moderna’, caracterizada como político-colonial, para a nossa era, que devemos

401 Silva, 1958a.

402 Silva, 1981 [1958], 222.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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caracterizar como ‘era global’ ”, se devia a um novo avanço tecnológico: “a conquista

do espaço” (a aviação). Esta nova tecnologia serviu para abrandar a geografia e destruir

a rigidez topográfica, reduzindo deste modo a tendência das populações humanas para o

isolamento. A significação dos fatores geográficos dependeria agora das formas de

tecnologia que viriam a ser produzidas e incentivadas pelos Estados. Arthur Dix

denominaria essa nova era através do epíteto ‘Aldeia Global’ e enfatizaria as grandes

regiões como as unidades econômicas e políticas preferenciais em lugar dos países, que

passariam a disputar a condição de organizadores de cada um desses espaços

conjuntos.403

Conjuntamente com a obra do também alemão Otto Maull, que possuía como

um de seus axiomas a constatação de que “a penetração econômica completa tem o

mesmo efeito que a ocupação territorial”,404

os trabalhos de Dix, embora escritos na

década de 1920, tiveram um grande impacto sobre a produção geopolítica brasileira,

parte por estarem sendo reeditados na Espanha àquela época, parte por serem capazes de

responder a uma nova conjuntura internacional.

Deste modo, para Mário Travassos, a diminuição das distâncias e da velocidade

criariam um novo conceito de espaço, aonde as noções tradicionais de fronteiras

perderiam a sua rigidez abrindo lugar a novas representações. Assim, existiriam agora

também as fronteiras demográficas, as fronteiras econômicas e as fronteiras

psicológicas que:

Ampliam o conceito de fronteira até os mais afastados limites, até

onde possam encontrar-se ameaças a sobrevivência nacional [...] quando se

trate de sobrevivência [...] se faz necessário rebater a fronteira espacial [...]

sobre latitudes e longitudes [...] que precisam os pontos de aplicação do

Poder Nacional.405

Portanto, para Mário Travassos, a geopolítica de duas dimensões, que seria

exemplificada pelo pensamento de Spykman, era uma elaboração baseada

403 Dix, s/data.

404 Maull, 1960.

405 Travassos, 1959.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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conceitualmente na cartografia cilíndrica, a qual seria por demais apropriada a promover

distorções psicológicas no terreno político. Esta geopolítica bidimensional estaria

historicamente superada pela necessidade de uma concepção e de uma projeção

universal do Poder Nacional:

Não há mais lugar para tendências deterministas [...] a visão

esferoidal do globo terrestre é tendência irresistível dos novos módulos de

tempo e espaço criados pela Velocidade como sinal dos tempos, conduzindo

à integração e não à diferenciação dos fatos geográficos.406

A segunda influência sobre o pensamento de Golbery remontaria ao

amadurecimento do mito do ‘Brasil Potência’, o qual somente se solidificaria na

geopolítica brasileira no início dos anos 60, embora possuísse raízes na literatura

brasileira que remontariam ao século XIX. Na literatura geopolítica especificamente,

sua primeira aparição dataria de 1953, quando Lysias Rodrigues escreveria ‘Spengler e

o Brasil Imperial do Amanhã’: “O Brasil satisfaz a condição primordial para ser um

império estatal no futuro próximo e que dentro de cinqüenta anos será uma grande

potência”, aonde imaginaria a futura condição do Brasil como conseqüência natural da

decadência do ocidente.407

Em 1956, Adolpho Justo Bezerra de Menezes advogaria a

orientação prioritária da política externa brasileira para a África e Ásia, “haja vista

nosso futuro de potência” e uma orientação independente em relação aos Estados

Unidos.408

Embora timidamente, também Golbery do Couto e Silva, esboçaria a

possibilidade de uma projeção para o exterior. Em 1959 escreveria ‘Quatro janelas para

um mundo ao largo’, um desdobramento da teoria dos círculos concêntricos, na qual

sustenta que o Brasil deveria estar pronto a assumir a qualquer momento a

responsabilidade portuguesa sobre as colônias africanas e do Atlântico, uma vez que

estas “ocupam situação invejável [...] tanto no Atlântico Norte, onde Açores, Madeira e

Cabo Verde são inigualáveis avançadas ofensivas, como no Sul da África, onde Angola

406 Travassos, 1959.

407 Rodrigues, 1953.

408 Menezes, 1956.

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e Moçambique quase modelam um equador lusitano bem defronte de nosso núcleo

principal de poder”.409

Ao lado dessa projeção eventual, as prioridades da política

externa brasileira deveriam englobar uma projeção de identificação cultural com duas

esferas de solidariedade, a primeira das quais englobaria o mundo latino, ou seja,

segundo a apropriação do autor, quase toda Europa e África ocidentais, e a segunda o

mundo católico. Por último, o Brasil deveria ainda ocupar estrategicamente uma posição

de liderança enquanto intérprete e interlocutor do mundo subdesenvolvido.

A variação conceitual de Golbery sobre o tema do ‘Brasil Potência’ se

desenvolveria sobre a base teórica do empreendimento de uma ‘organização regional’,

conforme o sentido atribuído por Arthur Dix:

Panregião em si mesmo, nosso país, capaz de articular, sob uma

liderança caracteristicamente democrática, as unidades muito menores e de

potencial bem mais reduzido que o cercam, está fadado, não só a subsistir

nesse mundo de amanhã em que tantas outras soberanias poderão vir a

soçobrar ou diluir-se, mas ainda a firmar-se no contexto internacional.410

Este conceito também se reportaria à tese de projeção de fronteiras de

Travassos,411

a qual atribuiria uma prioridade de relacionamento de razão cultural, que

se desdobraria sucessivamente dos países de língua portuguesa, para os de cultura latina

e católica.

Esta interpretação seria uma das justificativas para a pretensão de se construir

um conceito de prestígio através da liderança dos países subdesenvolvidos. O

ecumenismo de Golbery ainda repousaria sobre uma livre interpretação do pensamento

de Toynbee e de sua Theory of Challenge and Response. Assim o Brasil teria

desenvolvido uma civilização original por conta de sua multirracialidade o que lhe

abriria a perspectiva de resgate da Civilização Ocidental, pois o Brasil seria o único país

capaz de unir todo ecúmeno, mesmo que Toynbee alertasse que nenhuma civilização

409 Silva, 1981 [1959], 195.

410 Silva, 1959b.

411 Travassos, 1959.

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conhecida tivesse ainda alcançado o objetivo do universalismo, e que seria duvidoso

que esse objetivo pudesse algum dia ser mais do que uma idéia remota:412

É que talvez, se esteja realmente a esboçar uma nova ordem para o

mundo: senão - praza aos céus evitá-lo! - O Império Universal, com sua paz

ecumênica, mas seu incontrastável e despótico cesarismo interior - a

cristalização do poder em unidades de larga base geográfica, verdadeiras

panregiões de economia e organização social superiormente equilibradas

[...] o Brasil está magistralmente indicado na disposição eterna das massas

continentais, quando lhe soar a hora, afinal, de sua efetiva e ponderável

projeção além fronteiras.413

Carlos de Meira Mattos e o ‘Brasil Potência’

Embora desde 1959 a tese do ‘Brasil Potência’ de Carlos de Meira Mattos já

fizesse parte da ementa de disciplina lecionada na ECEME, ‘Geopolítica do Brasil’,

somente em 1960 seria publicado o volume ‘Projeção Mundial do Brasil’. Este livro,

que tinha a pretensão explícita de ser a continuação da ‘Projeção Continental do Brasil’

de Mário Travassos, iria alinhar uma nova dimensão ao tema que se sobreporia à leitura

clássica da posição brasileira intentada por aquele autor e à interpretação de Golbery,

encerrando desta maneira, o ciclo ‘continental’ da geopolítica brasileira.

Em sua tese, Meira Mattos se utilizaria, como Golbery, dos novos conceitos de

expressão do espaço e de nacionalidade definidos por Mário Travassos em ‘O Poder

Nacional, Seus Fundamentos Geográficos’. Contudo, Meira Mattos inovaria ao definir

claramente a estratégia brasileira e as linhas mestras de sua política internacional em

função do conceito de ‘Brasil Potência’ e não de uma composição no interior do

Sistema Ocidental como Golbery. Essa nova interpretação da conditio brasiliae iria se

refletir inclusive na política externa do Governo Castello Branco, podendo ser

observada em uma certa dualidade de objetivos, que oscilariam entre a busca da

liderança regional e a consecução da Potência.

412 Toynbee, 1978, 16.

413 Silva, 1959b.

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Coerentemente, desde 1949 Meira Mattos já advogava que a definição clara e

nítida dos objetivos nacionais no jogo das disputas internacionais, fossem estas atuantes

ou potenciais, diplomáticas ou militares, seria um dos pré-requisitos para que o Estado

estruturasse a organização de um sistema capaz de manter a continuidade e a coerência

na luta pela conquista desses objetivos. Neste período, esta objetivação era denominado

por Meira Mattos como a ‘Política de Guerra’, a qual teria sua origem no

‘temperamento da nação’, que seria a resultante do acordo entre os ensinamentos de sua

história, de sua posição e espaços geográficos, de seu desenvolvimento econômico e de

sua política e necessidades vitais.414

Complementarmente, para Meira Mattos o Brasil possuiria as condições que

Kjellén consideraria determinantes para o conceito de Potência Mundial, sintaticamente

definidas como: amplitude de espaço, liberdade de movimentos e coesão interna.

Conquanto os dois primeiros itens se referissem ao problema geográfico, a coesão

interna remeteria, na interpretação de Meira Mattos, a duas questões subjacentes: a

Segurança Nacional e a organização das elites, as quais seriam entendidas, após o

comando Juarez Távora, no contexto da ‘luta contra a subversão’ e da renovação das

elites. Ainda que esta última seja vista por alguns autores como um projeto

eminentemente político de tomada do poder pelo composto ESG/ADESG,415

no

pensamento de Meira Mattos, a renovação das elites seria entendida como a extensão do

velho ideal tenentista da década de 1920: reforma nacional pela superação da herança de

uma ideologia colonialista presente na aristocracia rural e em seus interesses, através da

implantação de um ideal nacional-desenvolvimentista e industrialista.

A organização seria, portanto, uma das condições essenciais para um projeto de

Potência que Meira Mattos apoiaria também na formulação de Toynbee: Uma Potência

seria “uma força política que exerce seu poder coordenador num campo maior do que o

da sociedade que lhe serve de base”416

e que modernamente necessitaria possuir

características essencialmente multinacionais e multirraciais. Para Meira Mattos estas

414 Mattos, 1949.

415 Dreifuss, 1981; Ferraz, 1997.

416 Mattos, 1975, 69.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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seriam as características básicas da ‘civilização brasileira’, no caso, condensadas em seu

pensamento através da designação de ‘unidade espiritual’.

Esta teorização receberia os insumos da obra de Gilberto Freyre e da sua tese da

‘democracia racial’, aonde o regional seria justaposto ao nacional, “ou seja, a matriz

básica de organização social em todo Brasil é a mesma, apoiada em um certo tipo de

miscigenação realizada na ordem patriarcal”.417

Este autor que possui bastante

influência na ESG, sobretudo por sua atuação como conferencista, também exerceria

grande influência sobre a geopolítica dos anos 50 em diante.

O lusotropicalismo seria para Gilberto Freyre uma condição histórica única de

interpenetração racial, lingüistica e cultural que teria produzido uma combinação ideal

entre os trópicos e a Europa no Brasil. O Brasil seria portanto, um mediador

privilegiado entre estas duas instâncias ao mesmo tempo que estaria capacitado para

mediar o contato entre Portugal e suas colônias africanas, no interior de uma

Comunidade Afro-luso-brasileira.

Ainda que esta construção ideológica haja servido para identificar o papel do

Brasil nas relações externas com Portugal nos anos 50 e seu colaboracionismo na

ONU,418

quando da ascensão da temática do ‘Brasil Potência’, seja em Meira Mattos ou

embrionariamente em Golbery e outros, esta concepção seria transformada em favor da

liderança brasileira nesse subsistema em detrimento de Portugal.

Para Meira Mattos, “através de um herdeiro mais pujante, Portugal se

prolongaria nos séculos vindouros”. Este herdeiro seria o Brasil, que através da força e

do brilho da inteligência lusa, apoiado em sua cultura de penetração universal e

passando a partilhar de uma nova posição geográfica com bases na grande massa euro-

afro-asiática, aproveitar-se-ia das colônias lusitanas para realizar o seu destino de

potência do futuro.

Deste modo a primeira das linhas mestras da política externa Brasileira deveria

ser a formulação de uma doutrina construtiva da Comunidade Afro-Luso-Brasileira e

uma aproximação política, econômica e cultural com as novas nações africanas,

particularmente com as da vertente atlântica. Para o Brasil, a vertente atlântica da

417 Mota, 1977, 58.

418 Saraiva, 1994, 285-288.

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África se apresentaria como o limite de sua segurança estratégica aproximada, e

dependeria para a segurança afastada da vigilância dos pontos chaves que poderiam

abrir o acesso ao litoral atlântico da África a seus possíveis adversários. Esses pontos

chaves poderiam ser a região de Suez, Gibraltar, Argélia, Marrocos ou África do Sul.

Em segundo lugar, a política externa do Brasil deveria se orientar pela fidelidade

ao Ocidente e em decorrência da posição geoestratégica do Brasil, a sua contribuição

para a segurança do mundo ocidental ocorreria através de dois planos militares: a defesa

do continente americano e a manutenção da ponte estratégica do atlântico. Decorrente

dessa constatação, também “no quadro da defesa continental e da estratégia ocidental, a

África hodiernamente, interessa muito mais ao Brasil do qualquer outra área do

universo”.419

Em terceiro lugar, Meira Mattos se limitava a defender o fortalecimento do pan-

americanismo, não teorizando sobre a posição do Brasil no continente, provavelmente

por não desejar conflitar com Mário Travassos. O ‘Brasil Potência’ de qualquer modo já

estava idealizado: a projeção internacional do Brasil, então e no futuro, seria “o grande

rumo” a ser seguido.

O Itamarati e a proposta de reforma

A geopolítica não impressionou muito os diplomatas. Mesmo que Backheuser e

Cortesão fossem professores do Instituto Rio Branco entre as décadas de 1940 e de

1950, e mesmo que o programa de geografia do 2° ano de preparação à carreira de

Diplomata contemplasse a geopolítica até pelo menos 1958,420

apenas dois diplomatas

se aventurariam a expor seu pensamento geopolítico em artigos ou livros: estes foram

Renato de Mendonça e Bezerra de Menezes. Se considerarmos a quantidade de

diplomatas que cursaram a ESG em relação ao seu quantitativo em 1971, veremos que

aqueles eram apenas 6,7% do total.421

Neste universo seriam escolhidos a maioria dos

419 Mattos, 1960, 35.

420 Em 1993 nenhuma instituição para a preparação de diplomatas na América Latina, a exceção do

Instituto Matias Romero de Estudio Diplomaticos do México, dedicava parte de seu currículo à

geopolítica (Gana & Tapia, 1993).

421 Anexo 2, Figura 7.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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diplomatas que exerceram o cargo de ministro efetivo ou interino das relações exteriores

após 1964 (Vasco Leitão da Cunha [1953], Mário Gibson Barbosa [1951], Manoel Pio-

Correa [1951], Sérgio Corrêa Alfonso da Costa [1951]).422

Entretanto ainda que a

conclusão mais cômoda seja a de os Governos militares privilegiariam essa formação, é

necessário dizer que a ESG já se tornara um local de prestígio para o Itamarati desde a

década de 1950. Desse período até 1964, 33% dos diplomatas que exerceriam o cargo

de ministro interino cursaram a Escola Superior de Guerra: Antônio Mendes Vianna

[1957], Fernando Ramos de Alencar [1956], Vasco Leitão da Cunha [1953] e Henrique

Rodrigues Valle [1951] – Décio Honorato de Moura não seria computado por ter

ingressaria na ESG em 1959, portanto após ter sido ministro. Mesmo um dos ministros

desse período, Francisco Clementino de San Thiago Dantas, havia pertencido à ESG.

Note-se ainda que estes diplomatas seriam pinçados de um universo proporcionalmente

menor (uma estimativa aproximada de uma população de 4,69% em 1959 se

considerarmos a hipótese de um quantitativo total semelhante).

Inversamente observaríamos que o quantitativo de diplomatas dentre os

estagiários da ESG cairia abruptamente após 1959. Se comparamos os períodos 1950-

1959 e 1960-1969, concluiremos que 69% do total de diplomatas que cursaram a ESG o

fizeram nos seus primeiros dez anos de existência, portanto caracterizando uma queda

de 55,3%.423

Deste modo, podemos observar que enquanto os diplomatas declinaram em

prestígio para a ESG, as oportunidades oferecidas pelo pertencimento a esta escola

continuaram estáveis ou aumentaram. Observe-se que a definição da distribuição

relativa do quantitativo dos estagiários da ESG era uma atribuição do comandante da

Escola Superior de Guerra, e que deveria ser homologada pelo EMFA, enquanto que as

indicações individuais para o preenchimento da cota disponibilizada era

responsabilidade de cada órgão ou instituição. Assim, os diplomatas que cursaram a

ESG o fizeram por designação do Ministro das Relações Exteriores.

Dois fatores interligados parecem ter sido os responsáveis para explicar essas

tendências: primeiro, existiria a necessidade de formação de quadros na diplomacia que

espelhassem o pensamento esguiano e essa necessidade seria, principalmente após 1953,

422 O ano entre colchetes indica a turma da ESG na qual estes diplomatas se formaram (Fonte: ESG).

423 Anexo 2, Figura 8.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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vinculada à idéia da renovação das elites. Então, alguns de seus intelectuais, como San

Thiago Dantas, consideravam que o Brasil seria o campeão sistemático das arbitragens e

das soluções jurídicas em razão de ser um país de posição solidamente protegida por

títulos jurídicos e de ter uma posição legítima no tocante à livre disposição de área.

Portanto, a política externa brasileira deveria ser por destinação ideológica a da posição

jurídica e não a da posição vital, porque a posição jurídica seria a que convinha à

posição vital. O Brasil estaria no grupo dos estados potencialmente agredidos e o tipo

predominante de interesses vitais, que se deveriam traduzir em sua política externa

deveria ser o da preservação da integridade territorial social e econômica. Este

condicionamento, iria conduzir quase que por um entendimento tácito, ao verdadeiro

programa da sociedade brasileira: a utilização de seus recursos a longo prazo e uma

abreviação desses prazos, em outras palavras, por uma política de desenvolvimento

intensivo.424

Portanto, para o autor, a posição jurídica brasileira, ainda que encapasse o

projeto desenvolvimentista da ESG e reconhecesse sua vulnerabilidade geográfica, em

tese se contrapunha a uma projeção geopolítica.

Para outros intelectuais ligados naquele período a ESG, dentre eles José Honório

Rodrigues, havia uma identificação entre essa posição jurídica e a figura tradicional do

diplomata com a representação da elite agrária e a idéia do imobilismo:425

Embora fiel às tradições [...] o Barão do Rio Branco teve a nítida

visão de que uma nova era se abria para os diplomatas. Estes não poderiam

ser apenas os homens bem educados ou hábeis. [...] O que o torna imortal,

símbolo da nossa diplomacia, é a sua ação.426

Segundo Rodrigues, tradicionalmente a Política Exterior do Brasil teria na não-

intervenção um de seus princípios, estabelecido em 1841 por Aureliano de Souza e

Oliveira Coutinho. O intervencionismo seria, portanto, uma política transitória, sempre

424 Dantas, 1953.

425 José Honório Rodrigues foi professor do IRB de 1946 até 1956, e dessa data até 1964, foi

conferencista da ESG. Nessa escola ele se graduou em 1955. José Honório costumava dizer que foi a

partir daí que começou a perceber a importância da História na vida dos povos: “Esse despertar fez com

que eu tentasse nas minhas obras seguintes encontrar sempre uma explicação em fato histórico passado

para problemas da atualidade” (Ceveh.com/Biblioteca/ Resenhas/Index.htm).

426 Branco, 1967? [1964], 108.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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revestida das formalidades jurídicas, e só utilizado após o esgotamento desses recursos.

Entretanto essa mesma política externa seria dominada pelos poderes europeus e não

aliada a eles, embora sempre houvessem uma tentativa de evasão e o sentimento

permanente de luta contra a Europa, que baseariam a política imperial de não assinar

tratados com Poderes mais fortes, exceto com os pequenos Estados vizinhos.

Deste modo, a política exterior brasileira seria europeizada, embora na América

residissem desde o seu afastamento da África em 1856, os principais problemas de

segurança e os seus interesses vitais. Para assegurar os direitos do Brasil e consolidar

sua posição internacional, enfrentando as pressões euro-americanas ao mesmo tempo

em que defendia o status quo territorial, 84,4% dos ministros do exterior seriam

bacharéis.427

A origem majoritária desses bacharéis seria a antiga elite agrária: somente

os estados da Bahia e Pernambuco forneceram 68,2% dos ministros do exterior do

Império.428

Mesmo que durante os ministérios Rio Branco houvesse uma reviravolta no eixo

da diretriz internacional brasileira e o abandono do bacharelismo, logo após esse

período, haveria novamente um abandono das posições vitais e o Brasil, com Lauro

Müller em 1912, passaria a alinhar-se com Washington. Desde desse período não

haveria mais o exercício da possibilidade, mas o acompanhamento integral. Portanto, a

posição jurídica voltaria a dominar totalmente o político. A diplomacia, voltaria a ser

uma dinastia de classe, pelo menos até a criação do Instituto Rio Branco (IRB) em

1945.429

Durante a República, até 1964, 77,9% dos ministros do exterior seriam

bacharéis, uma média muito próxima à do Império,430

enquanto que a origem social dos

mesmos espelharia a nova composição da elite agrária, com o Rio de Janeiro, Minas

Gerais e São Paulo originando 56,3% desses bacharéis.431

Enquanto que no Brasil o

bacharelismo seria “a essência legal [que] supera qualquer realidade social, política ou

econômica”, nos Estados Unidos o Realismo estaria implícito desde o ‘Discurso de

Despedida’ de Washington, em 1796, e do ‘Pacificus’ de Alexander Hamilton,

427 Anexo 2, Figura 9.

428 Anexo 2, Figura 10.

429 Criado em 18 de abril de 1945 pelo decreto-lei 7473 como centro de investigações e ensino.

430 Anexo 2, Figura 11.

431 Anexo 2, Figura 12.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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regulando “sua Política Externa segundo seus próprios interesses sem nenhum

sentimentalismo que desfigurasse as fontes reais de sua conduta nacional”.432

O bacharelismo influenciaria também, a longo prazo, a composição do corpo de

diplomatas: em 1971, a formação em direito era a predominante entre todos os

diplomatas, com 77, 26% do total,433

embora pelo Decreto Lei 8.461 de 26 de dezembro

de 1945 bastasse possuir o curso secundário para ingressar no Itamarati, disposição

somente alterada em 1961, e em 1971 o estado do Rio de Janeiro ser a origem da grande

maioria dos diplomatas, com 52,1% do total.434

A ligação presumida do bacharelismo com a posição jurídica e sua origem nas

elites agrárias, pressuporia portanto a necessidade da formação de quadros pela ESG.

Esta hipótese também explicaria o prestígio destes após 1950, enquanto que uma nova

mudança doutrinária na ESG, enfatizando a partir de 1969 o desenvolvimento em lugar

da segurança, conduziria essa instituição a enfatizar a participação de técnicos, o que

por sua vez desprestigiaria os diplomatas.

Na verdade, desde 1952 a ESG trabalharia dentro do espectro do planejamento

governamental com o projeto da reforma do Itamarati, que era capitaneado por Vasco

Leitão da Cunha. Sobre essa premissa agregaram-se os pareceres de dois grupos

complementares: o primeiro era composto por Jorge Emílio de Sousa Freitas, Golbery

do Couto e Silva e Heitor Almeida Herrera; o segundo por Vasco Leitão da Cunha,

Cordeiro de Farias, Arízio de Vianna, San Thiago Dantas, Hermes Lima, Rômulo de

Almeida, Roberto Campos e Azeredo da Silveira. Estes grupos concluiriam que a

política exterior “visava à aquisição do poder ótimo, e algumas vezes do poder

máximo”. O planejamento da política externa deveria portanto ser um instrumento de

suprema relevância para a consecução dos objetivos nacionais, e como no planejamento

militar, com o qual tem muitas afinidades, dependeria, em grande parte, da Informação

Estratégica. Caberia portanto redimensionalizar o papel do Itamarati visando o

planejamento da elaboração de informações, que compreenderia não só os trabalhos de

interpretação mas ainda a montagem da rede de coleta de elementos informativos, quer

432 Rodrigues, 1965.

433 Anexo 2, Figura 13.

434 Anexo 2, Figura 14.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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no exterior, mediante o serviço diplomático, quer na própria sede da Secretaria de

Estado das Relações Exteriores.435

Talvez este fosse o primeiro passo no processo que

seria entendido por Walder de Góes como a construção da articulação militar-

tecnocrática formulado pela ESG e que seria implementada após 1964.436

Provavelmente como parte dessa articulação, em 1958, o programa da disciplina

‘Geografia’ do 2° ano de preparação à carreira de diplomata no IRB contemplava a

geopolítica e ainda possuía bastantes semelhanças com o programa da disciplina

‘Geopolítica’ ministrado na ECEME. Estas seriam que, na ementa da disciplina do IRB

se enfatizariam as teorias de Ratzel, Mackinder, Kjellén e Haushofer, assim como

estudava-se a base geográfica da economia dos EUA, da URSS e da região platina,

enquanto que na ECEME somente não se privilegiava o estudo de regiões e sim de

continentes e em lugar de Mackinder se enfatizaria Mahan e Spykman.

Deste modo, é lícito concluir que houveram esforços de convergência entre o

Itamarati e a Escola Superior de Guerra e que esta comunhão de ideais se prolongou até

o Governo Castello Branco e mais além. Observe-se ainda que, embora o pensamento

geopolítico contasse com a adesão de pequeno número de diplomatas, estes exerceram

com maior constância que seus congêneres os postos de comando do Ministério das

Relações Exteriores a partir de 1949 e até o final do regime militar.

A formação de decisão na política externa de Castello

Embora a participação de Castello Branco houvesse sido decisiva durante o

golpe de 31 de março de 1964, o poder nos dias subsequentes esteve verdadeiramente

nas mãos de Arthur da Costa e Silva, o qual reunia em torne de si a chamada ‘linha-

dura’. Este arranjo somente começaria a ser contestado a partir de uma reunião no dia 4

de abril de 1964, aonde os governadores Carlos Lacerda, Magalhães Pinto e Adhemar

de Barros fechariam posição em torno da tese de que o novo presidente deveria ser

militar e do movimento que derrubara Goulart. Entretanto, somente no dia seguinte o

tema do candidato único e da eleição imediata pelo congresso do novo presidente seria

435 Cunha, 1952.

436 Góes, 1978.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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decidido, após duas reuniões que contariam com a participação de Costa e Silva (então

Comandante-em-Chefe das Forças Armadas e Ministro da Guerra), de 7 governadores

de estado mais alguns militares. Apesar de Costa e Silva querer manter a situação

vigente só elegendo outro presidente após “expurgar o país dos elementos de subversão

e corrupção”, Juarez Távora, amigo de Castello Branco desde 1918 na EMR, com o

apoio de Juracy Magalhães, de Muniz Aragão e dos governadores, pressionou pela

eleição imediata de Castello usando como argumento a preservação da unidade no

exército.437

Portanto, como só foi confirmado na Presidência em 11 de abril, Castello

encontraria um ministério já formado por Costa e Silva e do qual seria constrangido a

conservar alguns integrantes. Este seria o caso do Ministro das Relações Exteriores

Vasco Leitão da Cunha, que apesar de ser seu velho conhecido da FEB, não seria a

primeira opção de Castello para o Itamarati. Entretanto, como aquele se afinasse com as

suas diretrizes, continuaria como Chanceler até 16 de janeiro de 1966, quando trocaria

de cargo com Juracy Magalhães que então ocupava a embaixada em Washington.

Castello Branco fundamentalmente deveu sua escolha para a Presidência do

Brasil à influência e projeção que havia construído no meio militar, a qual fora

adquirida em virtude de seu passado enquanto instrutor de várias gerações de oficiais na

EEM e na EMR, pela sua atuação na FEB e por seu desempenho à frente do Estado-

Maior e em suas escolas. Castello granjearia também grande admiração pela defesa dos

437 CPDOC, Arquivo Juarez Távora, JT 1962.12.10, esclarecimentos prestados pelo marechal Juarez

Távora à margem da escolha do marechal Castello Branco para a Presidência da República em abril de

1964 (Outubro de 1966).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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instrutores e dos oficiais-estudantes da ECEME quando do golpe de 11 novembro de

1955 e por suas campanhas no Clube Militar.438

Esse condicionamento se refletiria na estrutura do processo de decisão na

política externa do Governo Castello Branco, em sua composição e nas suas respostas

aos estímulos da Política Externa. Em essência as decisões seriam tomadas por um

colegiado aonde Castello Branco exerceria a liderança e que seria composto por Juracy

Montenegro Magalhães, Golbery do Couto e Silva, Carlos de Meira Mattos e Vasco

Leitão da Cunha. Este arranjo, por sua centralização, se diferenciaria da estrutura

decisória dos governos militares subsequentes, provavelmente porque àquele tempo

ainda não se solidificara o aparato militar-burocrático, embora decisões consideradas

como relevantes à segurança nacional ou de cunho ideológico requisitassem reuniões

com o Conselho de Segurança Nacional (CSN). Este se relacionava com Castello

Branco através de seu Chefe da Casa Militar, General Ernesto Geisel, e se constituía dos

três ministros militares, do Chefe do EMFA, dos Chefes do Estado-Maior do Exército,

Marinha e da Aeronáutica que se constituíam portanto na base militar do Governo, dos

ministérios civis e do Vice-Presidente da República, e conforme o estabelecido pela

ESG, este órgão ateria-se ao conceito de que “a Política Nacional é a arte de estabelecer

os Objetivos Nacionais, mediante a interpretação dos interesses e aspirações nacionais”

e se orientaria para a “conquista ou preservação daqueles objetivos”.

438 Castello Branco foi ajudante de instrutor na EMR de 1927-1929 e assistente do diretor de estudos

militares na EMR de 1932 até 1934. Trabalhou no Estado-Maior do Exército de 1934 a 1935 sendo em

1939 nomeado instrutor assistente da EEM, função que exerceu até 1941. De 1941 até 1943 foi chefe de

instrução da EMR, sendo então considerado o mais respeitado instrutor de infantaria do Brasil. Em 1943

seria enviado aos Estados Unidos para passar três meses na Escola de Comando e Estado-Maior de Fort

Leavenworth. Após sua volta, serviu na FEB até 1945, adquirindo renome como estrategista. De 1945 a

1949 foi diretor de ensino da EEM, depois indo servir na seção de operações do Estado-Maior, quando

implantou a Doutrina militar Brasileira. Nesse período começou o interesse de Castello Branco pela

política, com o posicionamento contra o getulismo e o esquerdismo no Exército. Esta postura levou

Castello a concorrer à diretoria da Associação dos Ex-Combatentes da FEB em 1947 e à diretoria do

Clube Militar em 1950 na chapa de Cordeiro de Farias. Essa eleição solidificaria o movimento da ‘Cruzada Democrática’ entre a oficialidade do Exército. Como conseqüência, Castello Branco seria

transferido para o Ceará, servindo sob o comando de Cordeiro de Farias, recém saido da ESG. Em 1954

serviu sucessivamente no EME e no EMFA, de onde sairia após o suicídio de Getúlio Vargas para o

comando da ECEME. Após o episódio de 11 de novembro de 1955, em que apoiou o legalismo mas se

negou a punir seus subordinados, Castello Branco seria levado a se demitir, sendo transferido para o

cargo de diretor de instrução da ESG. Em 1958 concorreria pela Cruzada Democrática à diretoria do

Clube Militar com o auxílio de Golbery do Couto e Silva. O episódio resultou em sua transferência para o

estado do Pará, de onde só voltaria em 1960 para exercer a função de diretor de instrução do Estado-

Maior até 1962. Em 1963 seria ainda nomeado Chefe do Estado-Maior do Exército.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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A política nacional seria ainda formulada em duas fases. Uma seria indutiva

“com o objetivo de interpretar a história e a cultura nacionais, sintetizando seus valores,

interesses e aspirações em Objetivos Nacionais Permanentes e Atuais”. A outra seria

dedutiva, e se caracterizaria “pelo Planejamento Governamental, que se estende a partir

dos Objetivos Nacionais Atuais” o qual seria atribuição do Poder Executivo, com

participação do CSN, que o assessoraria quanto aos aspectos da segurança e a

elaboração do Plano Nacional de Segurança.439

As decisões de política externa em que o colegiado de Castello reconhecesse

como de conteúdo específico seriam remetidas à consulta dos quadros técnicos dos

ministérios, esquema que incluiria especialmente Roberto Campos em algumas

iniciativas e problemas nos quais o critério econômico fosse de grande importância.

A composição do colegiado no Governo Castello Branco refletiria a formação

profissional do Presidente, haja vista todos os seus membros à exceção de Vasco Leitão

da Cunha haverem pertencido ao Exército em algum momento de suas vidas e

possuírem em comum o fato de terem sido alunos de Castello Branco e ainda todos

terem pertencido à ESG. Sem exceção, todos os componentes do colegiado exerceriam

em seu Governo, de alguma maneira, funções executivas e de avaliação no âmbito da

política externa.

Castello conhecera Juracy Magalhães e Golbery do Couto e Silva ao exercer a

função de instrutor na EMR em 1927-1929 e Carlos de Meira Mattos quando este foi

colocado a suas ordens a partir de 1941 também naquela escola. Golbery e Meira

Mattos participaram com Castello da FEB, aonde seus caminhos se cruzariam com

Mário Travassos e Cordeiro de Farias. Também seria nesta instância que Castello

iniciaria sua amizade com Vasco Leitão da Cunha. Todos os militares participaram

também da EEM e da ECEME, aonde os laços de Castello com Golbery e Geisel se

solidificariam após o episódio de 1955.

As escolhas de Castello estariam ligadas a critérios inerentes à Corporação

Militar, aonde valores como hierarquia e relação pessoal seriam combinados:

439 Góes, 1978, 32-42.

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[este conceito] tomado coletivamente, assume a forma de uma

cadeia clânica de relações pessoais permeada pelo critério hierárquico de

classificação, como se tratasse de linhagens associadas livremente, e não

pelo nascimento ou por vontade divina, como ocorre em sociedades onde

esse tipo de estrutura constitui o cerne da organização grupal.

Concretamente, o resultado dessa dinâmica aparece na formação de círculos

de amizade e influência, geralmente determinados a partir do momento em

que um aluno sai de uma escola militar - com a classificação inicial - e

escolhe a primeira instância local de serviço, onde se formarão suas

primeiras relações pessoais fora de escola, num ambiente geralmente menor

que esta, e no qual os laços interpessoais tendem a se estreitar [...] a

contrapartida concreta da formação desses círculos de amizade e influência

é que, de acordo com o sistema de classificação, esses círculos tendem a

levar em conta a antigüidade de seus membros [...] de certa forma, isto é

visto a partir da formação de ‘lugares de prestígio’ dentro da instituição -

basicamente QGs e escolas.440

A estrutura decisória da política externa do Governo Castello Branco também

seria sensível aos estímulos provenientes das Forças Armadas, especialmente aqueles

provenientes do Estado-Maior e através da sua representação no Conselho de Segurança

Nacional, em última instância, resultantes da pressão dos setores radicais conhecidos

genericamente como ‘linha-dura’. Conforme coleta de informação feita pela Agência de

Inteligência Americana, a grande maioria das Forças Armadas brasileiras pareceria

convencida de que, ao derrubar o Governo de João Goulart, havia-se evitado a eminente

destruição das instituições constitucionais e um possível golpe comunista. Segundo essa

avaliação, Castello Branco, dividiria essa certeza assim como a intenção de restabelecer

a normalidade, ainda que as Forças Armadas fossem o único suporte confiável do

Governo. Entretanto, este estaria sendo pressionado fortemente por reformas políticas

radicais e rápidas soluções econômicas pela ‘linha-dura’, que o considerava muito lento

e cauteloso em avançar para o que seriam ‘os objetivos revolucionários’. Neste

contexto, Costa e Silva cooperaria com o Presidente, desencorajando atitudes e

440 Leirner, 1997.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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pronunciamentos de oficiais da ativa e transferindo os que fossem mais problemáticos,

sendo, segundo a avaliação norte-americana, a garantia da manutenção do regime, ao

acomodar as tensões entre o Governo e a ‘linha-dura’, mas, demostrando ser simpático a

ela:

Desejo bem expressar o meu pensamento sobre a atuação de

determinados grupos de militares que se julgam uma ‘força autônoma [...]

Alguns dos oficiais encarregados dos inquéritos e mesmo outros oficiais

que, segundo dizem, estão inconformados e desejam reagir contra atos do

governo, parece, não saberem da determinação do Ministro da Guerra e da

do Comandante do 1° Exército em bem servirem ao Governo. Estou

informado de que eles julgam que há uma dissensão entre nós sobre esse

assunto [...] A ‘força autônoma’ precisa ser, com a necessária oportunidade,

devidamente esclarecida, contida e, se for o caso, reprimida.441

Pelo menos três setores constituiriam a linha-dura: um deles era o que se

autodenominava ‘duríssimos’ e embora possuísse menos membros, era muito

participante. Seu líder seria o almirante da reserva Sylvio Heck, que passava por ser um

dos mais enérgicos críticos do regime. O segundo grupo seria composto de altas

patentes do Exército como Mourão Filho, Moniz de Aragão e Alves Bastos, que se

consideravam ‘observadores’ dos rumos da ‘revolução’ e achavam que Castello não

teria suficiente firmeza para lidar com os problemas políticos e econômicos. Muitos

destes tachavam o programa econômico do governo e seu projeto de reforma agrária

como ‘socialistas’. O grupo de Heck parecia não ter organização efetiva nem muita

inserção no comando das Forças Armadas. O núcleo de uma organização formal

existiria na Liga Democrática Radical, que agruparia militares e civis no Rio de Janeiro

e em São Paulo, onde o jornal O Estado de São Paulo seria um dos mais importantes

aliados de Sylvio Heck. A oposição dos ‘duríssimos’ a certos aspectos dos programas de

austeridade e reforma econômica possuíam ressonância em certos grupos conservadores

como a Federação das Indústrias de São Paulo e nas associações de proprietários de

441 CPDOC, Arquivo Castello Branco, CB 65.06.02 cor. Carta de Castello Branco para Costa e Silva.

(02/07/1965).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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terras. Estas organizações seriam especialmente críticas às políticas de restrição de

crédito e ao aumento de impostos.442

Os ‘duríssimos’ já durante o ano de 1965 começariam a se organizar para a

derrubada de Castello Branco. Magalhães Pinto, futuro Ministro das Relações

Exteriores do Governo Costa e Silva, organizaria com Sylvio Heck o planejamento de

um golpe que seria desfechado logo após o encerramento da II CIE no Rio de Janeiro,

provavelmente em 1° ou 2º de dezembro de 1965. O primeiro movimento seria feito

pelos coronéis encarregados dos Inquéritos Policiais Militares (IPMs), que renunciariam

a seus postos nos IPMs e subscreveriam em seguida um manifesto criticando

severamente o Governo Castello Branco. Este seria o sinal para diversos grupos

armados lançarem suas ações em vários estados.

Magalhães Pinto colaboraria ainda no desfecho do golpe com a mobilização da

Polícia Militar de Minas Gerais, que somente comprometeria após a movimentação dos

demais revoltosos. Segundo o Governo de Minas Gerais, não faltariam homens para esta

ação, mas haveria necessidade de mais armamentos e munição. Magalhães Pinto

também advertiria seus companheiros de que eles não poderiam contar com a guarnição

do Exército estacionada em Minas Gerais, porque o comandante da 4ª Região Militar,

General Souto Malan, era firme partidário de Castello Branco. Logo após esse encontro,

em 23 de novembro de 1965, a cúpula da Polícia Militar mineira se reuniria na casa do

Secretário de Segurança Helvécio Arantes para discutir os pormenores do putsch.443

Entretanto, a facção mais importante da linha-dura na avaliação da CIA, seria

constituída pelos oficiais mais jovens, especialmente no nível de tenente-coronel, que

no geral respeitariam Castello Branco e concordariam com o que estava sendo feito,

mas achavam que ele não estava sendo firme o suficiente com a subversão e a

corrupção. Este grupo teria como característica marcante o nacionalismo e embora

congregasse uma grande percentagem da média e baixa oficialidade, não possuía

liderança nem organização efetiva.

Em conclusão, segundo a avaliação americana, a ‘linha-dura’ constituiria, em

conjunto, a parcela mais significativa da oficialidade brasileira e somente a liderança e o

442 CPDOC, Arquivo Relações internacionais, BLJ 65.03.26. Informe da CIA. (26/03/1965).

443 CPDOC, Arquivo Relações internacionais, BLJ 65.11.26. Relatório da CIA. (25/11/1965).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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prestígio pessoal de Castello Branco evitaram que seus representantes chegassem ao

poder logo nos primeiros meses após o movimento de 1964. Castello Branco também

teria essa consciência e sabia que somente com o apoio das Forças Armadas poderia se

manter no poder e implementar as reformas básicas e o programa de austeridade.444

As diretrizes da Política Externa

Três documentos principais definiram a natureza das diretrizes da Política

Externa do Governo Castello Branco: o primeiro foi entregue pelo Presidente ao

Itamarati sob a rubrica de ‘Secreto’, provavelmente entre abril e maio de 1964.445

O

segundo foi seu discurso durante a solenidade de entrega de diplomas aos alunos que

concluíram o curso do IRB em 31 de julho de 1964.446

O último consistiu numa carta,

datada de 17 de janeiro de 1966, e enviada por Castello Branco ao então Ministério das

Relações Exteriores sob o título ‘Diretriz particular e íntima para o Ministro Juracy

Magalhães’.447

Os primeiros dois documentos dizem respeito ao ministério Vasco Leitão da

Cunha, e o terceiro ao ministério Juracy Magalhães. No primeiro documento se

destacava a avaliação do contexto sul-americano sob a ótica dos Objetivos Nacionais

Atuais, conforme definidos pela ESG. A Organização dos Estados Americanos (OEA)

se constituiria nesse entender, numa peça chave dentro de uma geoestratégia que visava

evitar a formação de blocos regionais, neutralizar as aspirações argentinas e manter o

status quo territorial. Nesse intento, era percebida pelo Governo Castello a necessidade

da reforma da OEA, para evitar, sobretudo, a sua desagregação, em virtude das críticas

então desferidas pelo México, pela Argentina e pelo Uruguai. A república platina

ameaçava formar com Montevidéu outro órgão interamericano, o qual provavelmente

reuniria em torno de Buenos Aires os países de língua espanhola. Com a reestruturação

da OEA também se desejava criar mecanismos de contenção à política cubana e ao

444 CPDOC, Arquivo Relações internacionais, BLJ 65.03.26. Informe da CIA para Lyndon Johnson.

(26/03/1965).

445 Anexo 3, Texto 1.

446 Anexo 3, Texto 2.

447 Anexo 3, Texto 3.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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mesmo tempo, diminuir o peso específico da participação dos Estados Unidos nesse

órgão, o que no entanto deveria ser feito de modo que preservasse este país como o

ponto de equilíbrio entre a posição brasileira e a dos países hispano-americanos.

Consideramos, por isso, conveniente e oportuno, cooperar ao

máximo com a OEA, fortalecendo o seu mecanismo, visto que somente

através desses fortalecimento reduziremos a influência que nela os EUA se

habituaram a exercer. Não nos convém, entretanto, reduzir a influência

norte-americana na OEA ao ponto dela vir a ser substituída pela dos

hispano-americanos.448

No âmbito da OEA, as iniciativas da geoestratégia brasileira de alinhamento

com os Estados Unidos poderiam ser sintetizadas no conceito de ‘fidelidade cultural ao

ocidente’, conforme Golbery, ou ‘segurança do ocidente’, no entender de Meira Mattos,

se demonstraria principalmente através do confronto com Cuba e buscava criar um

contexto que facilitasse a ascensão do Brasil a uma posição de liderança na América do

Sul. A instrumentalização da OEA se operaria por uma estratégia que se visava

transformá-la de um meio da política norte-americana em um fórum de discussões

multilaterais, e pela tentativa de legitimar a FIP, para que se constituísse num veículo da

projeção militar brasileira.

O lançamento da OPA acarretou uma posição de liderança implícita

para o nosso país na América Latina [...] para lançar a OPA e assumir uma

ainda problemática liderança do mundo latino-americano, o Brasil sacrificou

a sua privilegiada posição, junto aos Estados Unidos, de nação chave [...] o

abandono de nossa tradicional política de negociação bilateral para a

tentativa de multilateral, em nossa relações com os Estados Unidos,

encarada a curto prazo é de efeitos negativos; encarada a longo prazo, pode

apresentar perspectivas de êxito [...]o modo pelo qual possamos conduzir

nossas relações com os Estados Unidos é que realmente vai provar ao

mundo que já atingimos um evoluído estado de maturidade em matéria de

política exterior. O Brasil deve, neste particular, agir sem complacência ou

448 Jobim, 1962.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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subserviência, sem desconfiança ou ressentimento e com perfeita

consciência dos interesses nacionais brasileiros.449

Em relação à pretensão de liderança do Brasil na América do Sul, explicitada na

tese do ‘continentalismo’ de Mário Travassos, a eleição de Eduardo Frei no Chile

significaria um retrocesso abrupto. Se por um lado, representava a saída do Chile do

sistema de alianças regionais construída pelo Brasil desde o Império, significava

também a conciliação de interesses daquele país com a Argentina e a tentativa de

formação de um bloco dos países do Pacífico sob a hegemonia chilena. A visita do

Presidente De Gaulle à América Latina era vista como a possibilidade de uma terceira

potência, a França, emprestar prestígio à liderança chilena no continente e arregimentar

o bloco do Pacífico para a esfera de influência francesa, o que inviabilizaria na prática

qualquer posição brasileira no continente.

Outro ponto abordado neste documento, o desarmamento, tema que se repetiria

no segundo documento, se relacionaria num primeiro plano com o desenvolvimentismo,

também parte da agenda da ESG, uma vez que se pretendia que os recursos despendidos

em armamentos pelas grandes potências pudesse ser canalizado para o investimento nos

países subdesenvolvidos e num segundo plano com a pretensão de certos setores das

Forças Armadas de empreenderem a pesquisa nuclear. Embora houvesse sido o próprio

Brasil, conjuntamente com a Bolívia, o Chile, o Equador e o México, que propusera em

1963 um acordo multilateral para banir as armas nucleares da América Latina, e ainda

que fosse Castello Branco quem confirmou o prosseguimento das negociações nesse

sentido, ao mesmo tempo que desautorizava as pretensões de construir a bomba atômica

no Brasil, as pressões da ‘linha-dura’ contra a participação do Brasil no acordo se

traduziriam no estabelecimento de ressalvas ao futuro Tratado de Tlatelolco, as quais

permitiram mais tarde que Magalhães Pinto e Costa e Silva reorientassem a política

exterior no sentido de se obter a cooperação necessária para assimilação da tecnologia

nuclear.

O segundo documento diferiria do primeiro por nele se encontrarem as diretrizes

globais da política externa para o ministério Vasco Leitão da Cunha. Nesse texto se

449 Osório, 1960.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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encontra a célebre frase “O interesse do Brasil coincide, em muitos casos, em círculos

concêntricos com o interesse da América Latina, do Continente Americano e da

comunidade ocidental”, que como já foi visto anteriormente, era parte do corpo do

pensamento geopolítico de Golbery do Couto e Silva. Entretanto, ainda que esse

enunciado pressupusesse a aceitação do status bipolar do Sistema Internacional e a

opção inequívoca por um dos campos ideológicos, frisando, entretanto, a manutenção da

identidade nacional, esta diretriz traria então em seu cerne, o vínculo com o pensamento

do ‘Brasil Potência’ de Meira Mattos ao legitimar o desenvolvimentismo esguiano e ao

limitar a fidelidade cultural ao ocidente e a interdependência, aos interesses e à ação

brasileira. A inserção do Brasil no sistema bipolar se faria não só sob o pressuposto de

se obter seu reconhecimento enquanto potência regional pelos Estados Unidos, mas

também de modo a viabilizar a liderança de uma ‘organização regional’, primeiro passo

para a projeção mundial do Brasil.

O pensamento de Golbery, que teria no desenvolvimentismo esguiano a

inspiração para o surgimento da figura do ‘pragmatismo’, seria a origem da motivação

para as relações entre o Brasil com a URSS e o Leste Europeu. Este mesmo

pragmatismo de Golbery deitaria raízes também na política anticolonialista de Castello,

definida como “instrumento auxiliar do desenvolvimento brasileiro, pela extinção de

situações de exploração econômica de certas matérias-primas pelas metrópoles,

colocando-nos em desvantagem no mercado mundial”. Entretanto as colônias de

Portugal seriam vistas num contexto diferente: “Talvez a solução residisse na formação

gradual de uma Comunidade Afro-Luso-Brasileira, em que a presença brasileira

fortificasse economicamente o sistema”,450

e aonde o lusotropicalismo seria o mote para

a inserção do Brasil nessa nova ‘organização regional’ em que a liderança seria

alcançada naturalmente.

O exame dos dois documentos mostra que existe um amálgama curioso entre a

opção pelo bipolarismo com a perspectiva do universalismo na política externa de

Castello Branco: “A aceitação do sistema de segurança continental em nada inibe nossa

independência econômica de comerciar livremente, de disciplinar os capitais que

desejamos receber para auxiliar nosso desenvolvimento, de importarmos tecnologia e

450 Anexo 3, Texto 2.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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equipamentos das fontes que preferimos”.451

De todo modo esta construção não era

incoerente segundo o ponto de vista da geopolítica brasileira. A Doutrina de Segurança

Nacional, conforme havia sido definida pela ESG após 1953, enfatizava o contexto da

Guerra Fria e consequentemente o referencial ideológico a que se vinculava a doutrina

militar brasileira. Conforme a avaliação da conjuntura interna do Brasil no início da

década de 1960, para a maioria da oficialidade do Exército, o Brasil apresentava

condições muito favoráveis à eclosão da chamada ‘guerra revolucionária’, o que se

podia verificar pela ênfase que os periódicos militares emprestavam a essa temática.452

Este contexto, vinculado a qualidade do apoio emprestado pelas Forças Armadas ao

Governo de Castello, seria uma das motivações para que fossem adotadas decisões de

bipolarismo estrito num período em que a distensão substituía o confronto entre as

grandes potências.

Já o universalismo possuiria duas fontes intelectuais distintas: o pensamento de

Mário Travassos, já referido anteriormente, e o pragmatismo desenvolvimentista.

O pragmatismo desenvolvimentista, embora seja aplicado no período estudado

conforme as acepções de Golbery reunidas no conceito do ‘ecumenismo’, deve suas

origens intelectuais a San Thiago Dantas. Suas idéias principais foram desenvolvidas no

início da década de 1950, na própria ESG, indicado provavelmente por influência de

Castello Branco, com quem mantinha amizade desde 1932, quando começaram a

freqüentar o mesmo círculo de sociabilidade.453

Para Dantas, a expansão do comércio seria “a expressão viva da nossa

necessidade de acelerarmos o nosso desenvolvimento e nos aponta de uma maneira

irrecusável o caminho do ecletismo, porque nós temos necessidade de procurar os

mercados novos onde eles se encontrem”. Esse ecletismo não implicaria, entretanto,

“numa diminuição da solidariedade ou das relações de cooperação que existem entre o

Brasil e os Estados Unidos”: portanto, a vinculação ideológica para Dantas, ainda que

451 Idem, ibidem.

452 Por exemplo, veja-se o editorial da Defesa Nacional de dezembro de 1961.

453 Dulles, 1979, 38; outras passagens são indicativas dessa amizade, por exemplo, p. 175. San Thiago

Dantas, inclusive, também pronunciou diversas conferências sobre geopolítica na EEM no início da

década de 1940.

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não fosse explícita era tácita. A própria definição do anticolonialismo para Dantas, se

assemelharia bastante à de Castello:

Na sua maioria, os países coloniais de hoje produzem os mesmos

artigos produzidos por nós e pelos outros países independentes tropicais.

Por conseguinte, no interesse comum, no interesse da economia dos

produtos que os países independentes e as colônias elaboram e vendem, há

conveniência de que se igualem as condições de trabalhos entre todos eles.

Com a manutenção de regimes que baixam artificialmente o preço dos

produtos tropicais nas regiões coloniais do mundo e que o conseguem à

custa dos baixos níveis de vida impostos às suas classes trabalhadoras,

aquela desigualdade se reflete nos interesses comuns de todos os países

produtores de produtos primários.454

Alguns autores como Gelson Fonseca e Olga Nazário também sugeriram a

existência de um paralelismo entre a Política Externa Independente e o Pragmatismo,

neste caso, o ‘Pragmatismo Responsável’ do Governo Ernesto Geisel, ou ainda outros,

como Letícia Pinheiro, caracterizariam o pragmatismo enquanto uma resultante da

conjuntura econômica internacional.455

Para Fonseca, o pragmatismo caracterizaria a

noção de ruptura e a crítica do ideologismo,456

enquanto que para Nazário, a aplicação

dos interesses econômicos à política externa não significariam a subjugação a um

objetivo econômico. Na realidade, haveria uma projeção de interesses para áreas aonde

o Brasil poderia ter influência no futuro, seja para os propósitos da segurança nacional

ou para exercício de poder.457

No entanto, ainda que esses três autores diferissem ao

explicar as motivações e as características do pragmatismo o consideravam como o

leitmotiv da política externa, o que obviamente não seria o caso do Governo Castello,

no qual essa vertente representaria apenas um dos aspectos de suas iniciativas. Em nossa

opinião, o pragmatismo teria uma dimensão própria durante o regime militar que não

requalificaria o discurso da Política Externa Independente, uma vez que ambos

454 Dantas, 1962.

455 Pinheiro, 1994.

456 Fonseca Jr., 1993.

457 Nazário, 1983.

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possuiriam as mesmas raízes, deste modo, como Walter Benjamin, acreditamos que

estes autores talvez pequem por priorizar a busca da similaridade em detrimento da

relação. A primeira procura encontrar uma substância comum entre dois termos e não

pode adequadamente inferir o relacionamento. Ao contrário, o conceito de relação se

refere indivisível a todo o ser, sem necessidade de nenhuma expressão particular deste.

Assim, a relação deve ser procurada na historicização e não na particularidade.458

Deste

modo, acreditamos que o pragmatismo em Castello Branco, e em outros governos

militares, não se atrela tão somente a conjuntura econômica. mas é decorrência de um

projeto que o qualifica como o híbrido entre o desenvolvimentismo esguiano, e esta

seria a diferença, e o pensamento geopolítico de Travassos, de Golbery e de Meira

Mattos. O ‘universalismo’ ou ‘ecumenismo’ seriam, portanto, traduzidos pela ESG

durante o Governo Castello Branco nos seguintes termos:

As nações de hoje não coexistem apenas; elas convivem. Não

apenas desenvolvem objetivos políticos próprios; elas cooperam entre si

numa época em que é crescente a interdependência entre as nações imposta

pelo enorme progresso tecnológico que necessariamente aproxima todos os

povos e reduz as distâncias mesmo oceânicas que separam politicamente os

países [...] num sentido mais preciso, ela se desenvolve em círculos

concêntricos de interesse, o primeiro dos quais se circunscreve em torno da

comunidade dos países do continente, nessa área primária de atuação

internacional. A seguir, a política externa do Brasil visa a uma aproximação

e cooperação com as nações que integram a comunidade ocidental de

nações, estendendo-se nesse conceito certos países do oriente ligados

política e economicamente ao Ocidente. Num terceiro estágio, a política

externa do Brasil tem sentido universalista e busca situar o Brasil num plano

amplo de relações com o Leste europeu e os países da Ásia e África. País de

grande extensão territorial, o oitavo mais populoso do mundo, com enormes

potencialidades econômicas e comerciais - o Brasil há de ter uma política

universalista.459

458 Benjamin, 1996, 207-209.

459 Penna, 1965.

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O alinhamento com os Estados Unidos

Um dos primeiros atos do ministério Vasco Leitão foi o rompimento com Cuba,

em 13 de maio de 1964. O rompimento foi uma das expectativas da ‘linha-dura’ e foi

justificado por Vasco e Castello em razão da incompatibilidade de Cuba com os

princípios e propósitos do Sistema Interamericano.460

A decisão tomada pelo Governo brasileiro está em perfeita

consonância com o seu propósito de não admitir ação comunista no

território nacional [...] o Brasil respeitaria a independência dos países de

todo o mundo nos seus negócios internos, mas exigiria igual respeito nos

nossos negócios, que não admitem a mínima interferência, por mais discreta

e sutil que seja.461

Logo em seguida ao rompimento, em julho de 1964, aconteceria a IX Reunião

de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores da OEA, convocada em resposta à

solicitação da Venezuela. Este país afirmava que Cuba estaria apoiando financeira e

militarmente os guerrilheiros venezuelanos. A IX Reunião de Consulta seria a

oportunidade para o Brasil prosseguir em sua estratégia de aproximação com os Estados

Unidos. A delegação chefiada por Vasco e Golbery não abandonaria os princípios da

não-intervenção mas conseguiu incluir, por instrução de Castello Branco, na

caracterização de intervenção, em declaração aprovada nessa assembléia geral, as

formas indiretas, feitas por meio da incitação, da subversão e da guerrilha, fazendo com

que o Brasil exercesse uma liderança decisiva na condenação de Cuba.462

A delegação

brasileira bateu-se, também com sucesso, pelo estabelecimento da distinção entre a

intervenção e a ação coletiva. Este princípio seria defendido também no discurso

brasileiro à XIX Sessão Ordinária das Nações Unidas, o qual previa a criação de uma

Força Multinacional no âmbito da ONU, com o objetivo da “manutenção das condições

460 Entrevista de Castello a 16 de maio de 1964. (30/05/1964). Itamaraty.

461 Entrevista de Vasco Leitão da Cunha a 13 de maio de 1964.(30/05/1964). Itamaraty.

462 CPDOC, VLC 64.03.10 e, Arquivo Vasco Leitão da Cunha. Relatório da IX Reunião de Consulta.

(10/09/1964): Vasco julgaria deste modo a participação de Golbery na IX Reunião de Consulta: "me foi

inestimável a colaboração do General Golbery do Couto e Silva, que me acompanhou a Washington e

participou de todas as importantes reuniões".

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pacíficas” nos Estados, em contraposição às operações de paz já previstas na carta

daquele organismo e que se materializavam contra os países transgressores da ordem

internacional por imposição da comunidade representada pelas Nações Unidas. As

operações da Força Multinacional (definida por Vasco Leitão da Cunha como uma

‘Força Policial’ e não como ‘Força Armada’463

) seriam “conduzidas no território de um

ou mais estados, membros ou não da ONU, a seu pedido ou com o seu

consentimento”.464

O principal resultado da IX Reunião de Consulta seria a completa

exclusão de Cuba do sistema interamericano, com a suspensão do comércio, do

transporte marítimo e das relações diplomáticas em aplicação das medidas do artigo 8°

do TIAR. Esta iniciativa solidificaria o alinhamento com os Estados Unidos e teria o

propósito de afastar qualquer vínculo com a Política Externa Independente, inclusive no

próprio Brasil, como seria demostrado por Vicente Rao:

Sua atuação em Washington não foi nem podia ter sido surpresa

para mim, certo, como estava, de que você saberia restabelecer com mão de

mestre nossa situação no concerto das nações americanas e no próprio

concerto universal, situação que havíamos perdido por uma estúpida política

de neutralismo e de falsa independência, consistente, em última análise, na

compra de males alheios, de que Deus nos havia poupado.

Quando todas as nações livres cada vez mais se aproximam e

reúnem em organizações, segundo seus ideais de verdadeira democracia e a

bem de seus recíprocos interesses, nossa política internacional, rotulada de

nacionalismo, constantemente nos afastava da comunhão americana e da

comunhão universal dos povos livres. Coube a você, com imensa satisfação

deste seu velho admirador e amigo, ao realizar a política exterior do novo

Governo, restaurar as mais lídimas tradições de nossa diplomacia e adaptá-

las às condições contemporâneas, dirigindo e articulando, com inteiro êxito

e grande prestígio pessoal, os trabalhos da Reunião de Washington.465

463 Camargo et al., 1994, 291.

464 MRE, 1985, 190.

465 CPDOC, VLC 64.03.10 e, Arquivo Vasco Leitão da Cunha. Carta de Vicente Rao para Vasco Leitão

da Cunha. (03/08/1964).

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A aproximação com os Estados Unidos logo conheceria um novo patamar ainda

em 4 de agosto de 1964, após o incidente no Golfo de Tonkin quando torpedeiras norte-

vietnamitas supostamente atacaram o destroyer Maddox em alto-mar. Logo após ser

comunicado do ocorrido, o Governo Castello Branco se apressaria em emitir uma

mensagem de solidariedade e apoio aos americanos, o que levaria o Presidente Lyndon

Johnson a considerar que o Brasil e os Estados Unidos haviam entrado “numa era de

entendimento e compreensão”, e permitindo novo diálogo, o qual levaria à cooperação

militar e ideológica com os Estados Unidos, e que se consolidaria com a intervenção na

República Dominicana.466

O incidente no Golfo de Tonkin provocaria ainda a represália

americana contra o Vietnã do Norte, que seria apoiada quase por unanimidade pelo

Senado daquele país através da ‘Resolução do Golfo de Tonkin’ e que se transformaria

a partir de fevereiro de 1965 numa campanha sistemática de bombardeio denominada

‘Trono Rodante’ e no envio de unidades completas de combate em julho de 1965.467

A República Dominicana se encontrava em um quadro de crescente instabilidade

política desde o assassinato de Rafael Trujillo em 1961 (segundo o ‘Comitê Church’ já

haveriam fortes indícios de participação da CIA neste evento468

). A situação neste país

do Caribe se tornaria ainda mais crítica após a eleição do social-democrata Juan Bosch

para a presidência. Em 1963, este seria deposto por um golpe de estado que levaria ao

poder uma junta militar, a qual por sua vez seria também deposta por outro movimento

militar, em abril de 1965, que pretensamente desejaria restabelecer a ordem

constitucional e devolver o poder ao ex-presidente Juan Bosch. Logo, os Estados

Unidos se envolveriam no conflito com o desembarque de 400 fuzileiros navais, sob o

pretexto de garantir a retirada dos seus cidadãos, uma vez que nenhuma das facções em

luta teria condições de controlar a anarquia. Também se alegava que a vitória dos

partidários de Juan Bosch levaria a implantação de uma república comunista, que por

sua vez exportaria a revolução para o Haiti com o apoio de Cuba. O grande problema

dessa equação era que as Forças Armadas da República Dominicana haviam se

466 Viana Filho, 1975, 442.

467 Kissinger 1996, 651.

468 Kissinger, 1999, 329. O Comitê Church foi instituído em 1975 pelo Senado norte-americano com a

missão investigar as atividades da CIA.

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dividido, com a Marinha e a Força Aérea tendo ficado ao lado da junta deposta,

enquanto que a maior parte do Exército se decidiria pelo ex-presidente.

Em 30 de abril de 1965 a embaixada brasileira em Washington seria informada

de que os Estados Unidos remeteriam reforços para a República Dominicana, os quais

desembarcariam nas bases controladas pela Força Aérea daquele país, “uma vez que o

exército era apoiado por comunistas e não se conseguira dominar a situação”. Thomas

Mann, Secretário de Estado americano, então procurou expor o problema ao Governo

Castello Branco e pediu apoio brasileiro no âmbito da OEA para que se pudesse

preparar uma ação coletiva. Nesse mesmo dia Juracy Magalhães deixaria claro ao

Departamento de Estado americano que o Brasil prestigiaria a posição norte-

americana.469

A situação dos Estados Unidos se tornara delicada naquele momento porque,

embora a sua imprensa apoiasse a intervenção, a opinião pública não desejava um

envolvimento unilateral nem a escalada militar como no Vietnã, mas que o problema

fosse resolvido pela OEA com o envio de uma força interamericana. Entretanto, todos

os países da América Latina haviam condenado o desembarque dos fuzileiros navais

americanos, à exceção do Brasil que preferiu naquele momento a abstenção, a fim de

evitar a tomada de uma posição isolada no contexto interamericano. Os Estados Unidos

pediriam então ao Brasil que participasse de uma força armada que eventualmente fosse

enviada à República Dominicana em resolução da OEA, para este fim se prontificando a

fornecer o transporte imediato das tropas para a região de conflito e todas as outras

facilidades necessárias. A quantidade de tropas disponíveis e os recursos que o Brasil

julgava que poderia fornecer deveriam ser comunicados diretamente ao embaixador no

Brasil, Lincoln Gordon. Segundo os americanos, a participação brasileira em uma

eventual força de paz afastaria, sobretudo, a acusação de que os Estados Unidos

estariam praticando um ato de imperialismo. Esta hipótese, inclusive, já estaria sendo

veiculada na imprensa norte-americana justamente no momento em que aumentava a

presença militar americana no Vietnã.

469 CPDOC, JM 65.04.28, Arquivo Juracy Magalhães. Telegramas trocados entre a Embaixada de

Washington e o Itamarati (28/04/1965 e 30/04/1965).

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A abstenção brasileira seria apenas uma manobra diplomática, já que em 2 de

maio Juracy Magalhães informaria ao Departamento de Estado que o Brasil daria voto

favorável à proposta americana na X Reunião de Consulta dos Ministros das Relações

Exteriores da OEA, ainda que, pelo menos até o dia seguinte, Castello Branco se

mantivesse indeciso sobre a conveniência de se enviar tropas brasileiras para a

República Dominicana. A cautela de Castello Branco se devia ao fato de que o Chile, o

Uruguai e o México se mostravam irredutíveis em sua oposição à proposta americana de

criar uma força de paz e de que a Colômbia e a Venezuela também se manifestavam

contra, ainda que essa atitude fosse passível de mudança. Em face da situação, Castello

Branco recomendaria ao presidente Lyndon Johnson que se manobrasse o adiamento da

resolução da OEA sobre o envio de tropas até que se cumprisse a missão do ‘Comitê

dos Cinco’, que tentava o cessar-fogo naquele país, deste modo se protelando a decisão

sobre o envio de tropas. Em virtude de tal recomendação ser imediatamente descartada

pelos Estados Unidos,470

o Brasil ordenaria então ao seu representante na OEA que

fosse dado o seguinte parecer ao projeto dos Estados Unidos:

Ainda não tenho instruções de meu governo para votar este projeto,

mas considero que ele atende ao sentido geral de solidariedade pan-

americana que meu governo vem apoiando vigorosamente. Por isso dou meu

voto favorável, deixando, porém, bem claro que este voto não importa em

nenhum compromisso antecipado de remessa de tropas por parte do governo

brasileiro, o que dependerá sempre de decisão das autoridades adequadas,

cumprindo dispositivos constitucionais.471

Desse momento em diante, a estratégia que seria adotada pelos representantes

brasileiros seria a de evitar que o projeto do México de não-intervenção e retirada das

tropas americanas fosse votado, trabalhando em surdina para aprovar o envio da Força

de Paz, na qual finalmente concordara em participar e na qual ainda acresceria a

470 CPDOC, JM 65.04.28, Arquivo Juracy Magalhães. Telegramas trocados entre a Embaixada de

Washington e o Itamarati (28/04/1965, 30/04/1965, 01/05/1965 e 02/05/1965).

471 Idem, ibidem. (03/05/1965).

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participação paraguaia. A colaboração brasileira neste episódio seria entendida pelo

Governo americano como tendo sido de importância capital:

Ontem à noite na recepção na Casa Branca, quando minha mulher e

eu nos encontrávamos na linha para cumprimentar o Presidente da

República e senhora, o Subsecretário de Estado Thomas Mann veio a mim e

depois de informar-me, ao ouvido, que se teria chegado a um texto que nos

daria a vitória na OEA sobre a criação de uma força multilateral sob a

jurisdição daquela organização acrescentou que o governo americano estava

gratíssimo e jamais esqueceria o apoio brasileiro na difícil conjuntura

continental em que nos encontramos.472

No dia 7 de maio, a X Reunião de Consulta tomaria duas decisões com respeito

a crise da República Dominicana: a primeira, seria a nomeação de um comitê ad hoc

integrado por representantes dos Estados Unidos, Brasil e El Salvador com o objetivo de

negociar um entendimento com os grupos em luta naquele país. A segunda decisão diria

respeito ao envio, para a região em conflito, de uma força multilateral composta pelos

países membros da OEA. A Força de Paz teria um comando unificado, não

necessariamente dos EUA, embora este país achasse que em função do número de

tropas que estava enviando deveria lhe caber este posto, com o subcomando

pertencendo ao país que contasse com o segundo maior número de tropas. Os Estados

Unidos puseram o apoio logístico e de transporte à disposição das Forças Armadas

brasileiras, e em três dias, de trinta a quarenta aviões foram deslocados do Panamá para

o transporte das tropas brasileiras e, o mais importante, as despesas não correram por

conta do Brasil (posteriormente seria decidido que esta seria paga pela OEA).473

Depois desta vitória, os esforços da diplomacia brasileira ainda se deslocariam

para evitar a intromissão do Conselho de Segurança da ONU na questão da República

Dominicana, mantendo assim a questão no âmbito da OEA. Como prêmio por todas

essas gestões, Meira Mattos, autorizado pelo Governo Castello Branco, assinaria em 23

de maio, a ata constitutiva da Força Interamericana, aonde o Brasil designava o

472 Idem, ibidem. (04/05/1965 e 06/05/1965).

473 Idem, ibidem. (07/05/1965).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Comandante (o General Panasco Alvim), a despeito de seu contingente ser de apenas

1.500 soldados, contra 25.000 militares americanos.474

Em virtude do precedente da República Dominicana, em maio de 1965 o

Governo americano consultaria o Brasil a respeito da constituição de um Força

Interamericana de Paz permanente no hemisfério (FIP), nos moldes da que Vasco Leitão

já havia preconizado na XIX Sessão da ONU em 1964. Entretanto, até julho o Governo

Castello Branco ainda não se decidira a tomar a iniciativa de apresentar uma proposta

formal para sua constituição,475

mesmo que já existisse entre seus integrantes uma

expectativa nesse sentido, com relação a II Conferência Extraordinária Interamericana

que iria ser realizada no Rio de Janeiro, em novembro de 1965.476

A intenção brasileira seria discutida com o Secretário de Estado americano

Thomas Mann num encontro ocorrido em agosto na cidade do Rio de Janeiro. Durante

essa conversação os dois países procurariam sintonizar suas agendas com respeito ao

continente, sendo que os principais pontos discutidos seriam a reforma da carta da OEA

e a criação da FIP.477

Nesta reunião os Estados Unidos condescenderam com a reforma,

mas em respeito a FIP se chegaria a convicção de que somente por consenso geral, e

não por maioria de votos na OEA se conseguiria criar com êxito uma força policial

permanente para o hemisfério e portanto deveria se proceder a uma consulta informal às

chancelarias hispano-americanas.

Em setembro Vasco Leitão da Cunha novamente voltaria ao tema da FIP na XX

Sessão da ONU. A posição do governo brasileiro seria no sentido de defender a

institucionalização das Forças de Paz no âmbito dos sistemas regionais visto que

aqueles desempenhariam uma influência estabilizadora nas relações multilaterais, e

aquelas poderiam ser “seu instrumento político mais eficiente, destinado a estabilizar

474 Idem, ibidem. (25/05/1965).

475 Idem, ibidem. (16/07/1965).

476 CPDOC, VLC 64.03.10 e, Arquivo Vasco Leitão da Cunha, Carta de Hersyl Castello Branco Pereira

Franco para Vasco Leitão da Cunha. (24/07/1965).

477 CPDOC, VLC 64.03.10 e, Arquivo Vasco Leitão da Cunha, Carta de Castello Branco para Vasco

Leitão da Cunha. (28/07/1965).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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situações que poderiam degenerar em conflito e a criar condições capazes de preparar o

caminho para a solução de conflitos já declarados”.478

Contudo, a criação da Força Policial permanente, com a qual o Brasil contava

para conter a influência cubana e solidificar sua hegemonia regional, não seria tentada

nem pelo Brasil nem pelos Estados Unidos na II CIE, em razão de na consulta feita às

chancelarias dos demais países americanos haver se verificado que boa parte dos países

destes se oporia à idéia. Ainda assim, Castello Branco em seu discurso durante a

Conferência defenderia mais uma vez a posição brasileira e os princípios da criação da

FIP:

Precisamos, portanto, reconhecer realisticamente a inanidade de

querermos proteção coletiva e ação coletiva, sem criar mecanismos eficazes

de decisão coletiva e ação conjunta. O Brasil não deseja ver nenhum país

tomar unilateralmente decisões de interesse para a segurança do Continente;

por isso está também disposto a assumir riscos e partilhar das

responsabilidades de ação conjunta, para não se dizer que a inação de muitos

justifica a iniciativa isolada de outros.479

Nesta Conferência o Brasil alcançaria uma velha aspiração através do

alinhamento com os Estados Unidos: ficaria resolvida na II CIE a convocação de uma

Comissão Especial para elaborar o anteprojeto da reforma da Carta da OEA, que se

reuniria em fevereiro de 1966 na cidade do Panamá. Também nessa Conferência outra

vitória brasileira seria conseguida, através da colaboração de Roberto Campos com a

equipe de Castello Branco, pelo estabelecimento de uma Ata Econômico-Social, na qual

se consagraria a idéia da vinculação entre segurança política e cooperação econômica no

continente, uma iniciativa cujas origens remetiam à OPA.

Após a II CIE e com a chegada de Juracy Magalhães ao Ministério das Relações

Exteriores em 17 de janeiro de 1966, haveria uma mudança no enfoque da Ata. A idéia

da ‘segurança política’ no documento, tal como fora acertado com os demais países

americanos, deveria ser entendida no sentido de como fora apresentado esse problema

478 MRE, 1995, 198-199.

479 Branco, 1967? [1965].

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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pela OPA no final dos anos 50. Entretanto, sob a ação da diplomacia brasileira, a

‘segurança política’ se transformaria em 1966 no epíteto da nova política externa

brasileira. Neste momento, a ‘segurança política’ se transformaria em ‘segurança

coletiva continental’, que conforme o conceito de Golbery,480

remeteria a estruturação

de um sistema que garantisse a inviolabilidade da América Latina dentro da ‘estratégia

de contenção’. A ‘segurança coletiva’ estaria portanto relacionada com as novas formas

de agressão externa a que os países americanos estariam sujeitos: a infiltração e a

subversão, que a cooperação entre Brasil e Estados Unidos havia prevenido na

República Dominicana.

O conceito de ‘segurança coletiva continental’ significaria, ipso facto, a

aceitação de uma nova ordem onde o Brasil cooperaria com os Estados Unidos:

“Desenvolvimento econômico e segurança coletiva. Estes dois, em nosso ver, estão

proximamente interrelacionados”. O desenvolvimento seria uma condição essencial

para a preservação da ‘paz social’ e das instituições democráticas na América Latina, e

o próprio programa econômico de Castello Branco estaria incluído nesse contexto: “A

estabilidade, a luta contra a inflação e as reformas fiscais devem ser entendidas nesse

contexto dinâmico. Não existe estabilização possível sem prosperidade e crescimento”.

A cooperação entre os dois países seria ainda historicamente justificada como parte de

uma tradição contínua e sustentada de entendimento próximo e pela personalidade

particular da cultura e da língua portuguesa que fizeram o Brasil único dentre os demais

países da América Latina e, portanto, a parceria ideal e necessária aos Estados

Unidos.481

A Força Interamericana de Paz permanente continuaria, portanto, no ideário da

política externa do Governo Castello Branco, apesar do resultado obtido na consulta às

chancelarias, e seu emprego ainda passaria a ser advogado em caso de falência ou

fraqueza patente dos exércitos nacionais, o que justificaria provavelmente uma

intervenção sem que houvesse a necessidade de que fosse solicitada.482

A própria

480 Silva, 1981 [1958], 246.

481 CPDOC, VLC 65.12.09, Arquivo Vasco Leitão da Cunha, Palestra ao ‘Reserve Intelligence Training

Group’ do Pentágono. (1966?).

482 CPDOC, JM 66.01.15, Arquivo Juracy Magalhães. Carta de Juracy Magalhães para João Dantas.

(25/10/66).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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viagem que Juracy Magalhães fizera por diversos países latino-americanos (Chile,

Bolívia, Argentina e Uruguai, com consulta ao Paraguai) tivera por objetivo “aproximar

e dinamizar a presença do Brasil no continente tendo em vista as ameaças à segurança

continental” e visaram ganhar o apoio destes países à proposta da força policial

permanente.483

A FIP ainda seria definida por Juracy Magalhães no interior do conceito de

‘ecumenismo’ de Golbery e de suas matrizes:

Trata-se da tendência que só faz acentuar-se, para uma crescente

interdependência no plano internacional, O isolamento e a autarquia, que já

inspiraram tantas e tão desventuradas tentativas, só poderiam hoje ser

objetivos de utópicos ou lunáticos. Estamos, no mundo moderno, em pleno

processo de criação do poder universal.

A FIP seria resultado da crescente interdependência, a conseqüência

da transformação universalizante por que passa, no mundo moderno, o

poder político. 484

A FIP resultaria do pressuposto pelo Governo Castello Branco para o

alinhamento com os Estados Unidos, de que em contrapartida a este movimento haveria

por parte daquele país o reconhecimento da hegemonia brasileira sobre a América do

Sul. Esta dependeria, entretanto, da capacidade brasileira de demonstrar sua ‘capacidade

de realização’ e da convicção de sua ‘adesão ao Ocidente’.485

Nessa perspectiva, o

exercício da hegemonia implicaria numa parceria com a aceitação da liderança

americana (condicionada entretanto aos objetivos do Ocidente). Esta opção justificaria

as iniciativas brasileiras para a criação da FIP e para a adoção do conceito de ‘segurança

coletiva’. A perspectiva de seu emprego se daria pela diligência do Governo Castello

483 CPDOC, JM 66.01.15, Arquivo Juracy Magalhães. Carta de Juracy Magalhães ao diretor do Jornal do

Brasil. (25/10/1966).

484 CPDOC, JM 66.01.15, Arquivo Juracy Magalhães. Carta de Juracy Magalhães ao redator-chefe da

Última Hora. (01/11/1966).

485 Silva, 1981 [1958], 249-250.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Branco na implantação das fronteiras ideológicas no contexto da ‘estratégia de

contenção’, o que em última análise determinaria a ação de cada um dos atores no

interior de suas respectivas esferas de influência.

A correspondência entre brasileiros e americanos em torno da idéia de uma

hegemonia compartilhada no continente teria sido contemplada pelos militares quando

da ida à ESG do então embaixador americano Lincoln Gordon, ainda em 1961:

Tem os senhores uma sociedade em rápida transição e evolução,

cujo grande futuro se vislumbra nitidamente. No tipo de relações

internacionais que esquematizei para a América do Norte e a América

Latina, ocupa o Brasil, sem dúvida uma posição especial. Sendo a maior

nação da América Latina, é natural que lhe caiba um papel de liderança

nesta parte do hemisfério.486

Esta cooperação teria o seu ocaso durante o Governo Ernesto Geisel, sendo

simbolizada no fugaz ‘Memorando de Entendimento’. Neste, os Estados Unidos

procurariam, ao contrário do acontecido no Governo Castello Branco, evitar a

competição que representaria a formação de um bloco do terceiro mundo, ou latino-

americano sob a liderança do Brasil contra os Estados Unidos. O reconhecimento que os

brasileiros julgaram alcançar seria rapidamente esvaecido pela sofreguidão com que

seus vizinhos se lançaram aos braços da diplomacia americana e pela realidade trazida

pelas sobretaxas aos produtos brasileiros e pelo Trade Act do Governo Ford.487

Finalmente, o alinhamento operacionalizado durante o governo Castello Branco

faria com que, já em 1966, o Brasil, à semelhança da Inglaterra, desfrutasse de um

status especial em Washington, “all the more important for never being explicit”.488

As iniciativas para a África: política cultural e geopolítica

As iniciativas do Brasil para o continente africano se embasavam em duas idéias

geopolíticas predominantes: a primeira destas idéias possuía o lusotropicalismo como

486 Escola Superior de Guerra, conferência de Lincoln Gordon em 18 de julho de 1961.

487 Kissinger, 1999, 741-744.

488 Kissinger, 1999, 739.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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uma de suas matrizes ideológicas e julgava que ao Brasil estaria reservada a dupla tarefa

de servir de nação mediadora entre a América, a África e a Europa, e ao mesmo tempo

ser o organizador de uma grande região na qual estaria contido o antigo império

português.

A segunda idéia geopolítica seria aquela que caracterizava a importância

estratégica da África atlântica subsaárica como a primeira linha de defesa da costa

brasileira e enquanto parte da projeção natural do Brasil sobre o Atlântico Sul (‘o lago

do Atlântico Sul’, circulado pela África, Antártida e América do Sul). Nesta idéia, o

espaço africano considerado também deveria ser entendido através do conceito de

fronteiras ideológicas, em sua perspectiva da ‘imunização’, ou seja como uma área que

deveria ser vigiada e protegida contra o comunismo (essa preocupação fora expressada

na literatura geopolítica pela primeira vez em 1947, quando Lysias Rodrigues em

‘Geopolítica do Brasil’ expressaria seu temor de que a URSS pudesse invadir o Brasil

pela região do Rio Grande do Norte, aonde desembarcaria através da África).

Agora que é a África independente, interessa-nos, sobremodo, não

caia nenhum dos países dessa costa ocidental, nem o Senegal, nem a Guiné,

nem outro qualquer, sob a influência de potências extra-continentais hostis

aos nossos propósitos e ao nosso modo de vida. Somos, em outras palavras,

parte interessada numa doutrina Monroe africana, o que constitui o

fundamento estratégico em virtude do qual exigimos o respeito local ao

princípio de não-intervenção e autodeterminação.489

Este pensamento teria suas origens no imaginário que se formaria a partir da

participação brasileira na Segunda Guerra Mundial: “desde a Segunda Guerra Mundial

passou também o Brasil a compreender que o Atlântico não o separa da África, antes a

torna um vizinho cujo comportamento pode ser decisivo para a Segurança Nacional”.490

A partir desse período, a estratégia norte-americana para a participação brasileira nesse

conflito e numa hipotética confrontação com a URSS enfatizaria a defesa do chamado

‘promontório nordestino’. Este seria considerado um ponto vital para a proteção do

489 Penna, 1965.

490 Jobim, 1962.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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continente americano em virtude de sua proximidade geográfica com a África, a qual

poderia ser utilizada tanto como via de transporte para aquele continente e para a

Europa (através do que se chamaria ‘a ponte estratégica Natal-Dakar’) como para a

defesa do Atlântico, uma vez que naquela área se dá o estreitamento do oceano (no

chamado ‘estreito de Natal-Dakar’), possibilitando, para quem o dominasse, o corte das

comunicações atlânticas no sentido Norte-Sul.

Ambas as idéias convergiam sobre o mesmo espaço geográfico, aquela parte da

África vis-à-vis com a costa do Brasil, da qual somente Moçambique desbordaria.

Contudo, neste mesmo espaço, teríamos dois tipos de unidades distintas no entender da

política externa de Castello Branco: os países africanos independentes e as colônias

portuguesas na África e no Atlântico, as quais teriam de ser atingidas se passando

necessariamente por Lisboa.

Para os estados africanos independentes, seriam engendradas duas estratégias

que se conjugavam: uma cultural e outra comercial. Visando estes fins se procederia

preliminarmente a uma condenação do colonialismo e do regime do apartheid da África

do Sul, enquanto que em relação a Portugal, a partir da segunda metade do Governo

Castello se procuraria um afastamento progressivo. Este afastamento se processaria de

uma posição inicial de identificação com os problemas de Portugal em 1964, no começo

do ministério Vasco Leitão da Cunha,491

para uma posição a favor da descolonização

metódica e de distanciamento das posições colonialistas portuguesas, no ministério

Juracy Magalhães.492

Logo no início do Governo Castello aconteceria a vinda ao Brasil de Léopold

Senghor, presidente do Senegal, considerado então como uma liderança de grande

importância nos países africanos. Esta visita seria a primeira de um Chefe de Estado das

novas nações africanas ao Brasil e resultaria num modelo de acordo para as novas

relações com a África: à confecção de um instrumento comercial e aduaneiro se somaria

quase sempre o planejamento de uma contrapartida cultural de modo que se

consolidasse permanentemente a influência brasileira naquela área:

491 Anexo 3, Texto 1.

492 Anexo 3, Texto 3.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Um esforço considerável e a longo prazo, de propaganda, de difusão

cultural, de cooperação internacional, de concessão de empréstimos, créditos

e bolsas de estudo, um esforço [...] persistente e perfeitamente planejado [...]

seria requisito para que pudéssemos pretender competir nessa terra com

algumas das mais poderosas nações do mundo.493

Os acordos culturais na maioria das vezes versavam sobre cooperação científica

e cultural, nos quais ficaria implícito o papel que o Brasil julgava ser o único país capaz

de exercer: integrar a África à civilização universal: “a importância da participação

brasileira nessa grande manifestação cultural [...] constituirá uma etapa marcante no

caminho para a ‘civilização do universal’ a que aspiram os povos africanos”.494

Em relação aos acordos comerciais, se enviariam durante o Governo Castello

duas Missões Comerciais à África subsaárica atlântica: entre maio e junho de 1965 uma

missão integrada por empresários e membros do governo percorreu o Senegal, a Libéria,

a Nigéria, os Camarões, a Costa do Marfim e Gana. A segunda missão que durou de

setembro a outubro de 1966 visitou a África do sul, Costa do Marfim, Moçambique,

Angola, Gana e Portugal. Embora estes acordos possam ser considerados somente como

um esforço de exportação de uma economia emergente, devem ser entendidos

igualmente como uma tentativa de penetração econômica para a consecução de uma

esfera de influência, na qual também se inseriria o contencioso entre as grandes

potências:

Acentua-se a tendência de as grandes potências considerarem os

problemas de intercâmbio e do desenvolvimento dos países novos com

critérios menos conservadores e mesmo, sabidamente, influenciados por

preocupações políticas derivadas da competição com o bloco socialista.

Dadas essas novas circunstâncias básicas, não será, a longo prazo,

impossível que o Brasil, na medida em que desenvolva a sua capacidade de

exportar manufaturas e bens de produção, possa vir a beneficiar-se de novos

esquemas internacionais que lhe permitam vender aos novos Estados da

África com financiamento de terceiras fontes. Trata-se é claro de uma

493 Penna, 1965.

494 Itamaraty, (30/09/1964).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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hipótese, entre muitas outras possíveis, digna de ser devidamente explorada

pelos teóricos de nossa política internacional, e cujo eventual êxito na

prática poderá ser grandemente favorecido pelas posições de simpatia e de

prestígio que o Brasil saiba criar, através de assistência técnica e de uma

política esclarecida, junto aos povos e aos governos dos novos Estados

africanos.495

O primeiro esforço para a organização de uma Comunidade Afro-Luso-

Brasileira dataria do ‘Tratado de Amizade e Consulta entre Portugal e Brasil’ firmado

por Vicente Rao em 16 de novembro de 1953. Tal tratado seria uma das bases para a

defesa das posições portuguesas na ONU. Este tratado estabelecia a consulta mútua

entre o Brasil e Portugal em todas as questões internacionais e consagrava o nascimento

jurídico da Comunidade Luso-brasileira, mas não cobria de maneira plena a presença

brasileira nas ‘províncias de ultramar’.

Durante o Governo Castello retomaria-se o diálogo com Portugal, abalado desde

o Governo Jânio Quadros, quando o Brasil alinhara-se entre os países que pediam a

retirada portuguesa das colônias africanas. Com a visita do Chanceler português Franco

Nogueira ao Brasil, iniciariam-se as negociações para os Tratados de Comércio que

seriam assinados por Juracy Magalhães em Lisboa os quais abririam os portos da África

Portuguesa para o comércio com o Brasil. Contudo, ao invés de significar uma

integração com o Brasil, essa medida possivelmente significava apenas mais uma

tentativa do regime salazarista para revivificar o sistema colonial português no interior

de uma política de liberalização econômica que iniciara-se em 1961-1963, quando

dentre outras iniciativas, se autorizaria a entrada livre dos produtos metropolitanos nas

colônias e diminuiriam-se as restrições às transferências de fundos. Esta providência

espelharia uma nova realidade na relação de Portugal com seu Império, uma vez que, a

partir da metade dos anos sessenta, as remessas dos emigrantes haviam se sobreposto às

colônias como fonte de divisas estrangeiras e estas registrariam um endividamento

crescente com a metrópole. O crescimento dos movimentos nacionalistas e a revolta dos

colonos e crioulos de Angola contra a cultura forçada em 1961 também eram claros

sintomas de uma eminente perda do Império. O próprio Brasil seria um concorrente das

495 Freitas, 1961.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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colônias, principalmente no caso do açúcar e do algodão. Em 1964, por exemplo, cerca

de 40% do açúcar e mais de 50% do algodão consumido em Portugal eram remetidos

pelo Brasil.496

Entretanto, os Tratados de Comércio seriam vistos por outra ótica pela

diplomacia brasileira que não aquela exclusivamente comercial:

Se estamos ligados à África por vínculos históricos, esses vínculos

são portugueses e a sobrevivência, não certo do domínio político da

metrópole portuguesa ou de um regime que, afinal de contas, é de natureza

conjuntural, mas da língua, da religião e da cultura portuguesas em África, é

a condição de nossa futura presença naquela região do continente.497

No entender daqueles que defendiam uma visão geopolítica para a questão, o

mais importante seria a celebração do restabelecimento de um vínculo que fora

quebrado com o Tratado de 1825, através do qual se reconhecia a independência

brasileira, vinculado ao aceite da cláusula de não-adesão das colônias africanas ao

Império. Este entendimento poderia ser exemplificado pelo comentário a respeito do

Tratado de Comércio, feito por Luís Vianna Filho, Chefe da Casa Civil do Governo

Castello Branco: “e para coroar, uma esquadra brasileira visitou São Paulo de Luanda,

em cujas ruas desfilaram nossos marinheiros. Repetia-se o ocorrido três séculos antes,

quando outros soldados brasileiros ali haviam desembarcado com Salvador Corrêa de

Sá”.498

As diretrizes do ministério Juracy Magalhães

Conquanto Juracy Magalhães assumisse o Ministério das Relações Exteriores

encontrando uma relação com os Estados Unidos já consolidada, entretanto, caberia a

este ministro o encaminhamento da maioria das questões relativas a América Latina no

período estudado.

496 Clarence-Smith, 1985, 201-232.

497 Penna, 1965.

498 Viana Filho, 1975, 440.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Nesse sentido, um terceiro documento exprimiria as diretrizes a serem tomadas

durante o ministério Juracy Magalhães.499

Segundo este documento, o alinhamento com

os Estados Unidos estaria produzindo então um efeito colateral: pelo entendimento do

Governo americano, a participação na defesa do ocidente deveria também ser estendida

ao Vietnã. Em dezembro de 1965, o Presidente Johnson, através do embaixador Lincoln

Gordon, faria um pedido direto ao Brasil para que colaborasse no esforço de guerra

previsto para o ano seguinte, enviando uma parte dos 400.000 homens que se

estimavam necessários para a sustentação da posição norte-americana e de seus aliados

locais. Deste imbróglio o Governo Castello seria salvo pelas conversações de paz que

ocasionaram a suspensão temporária dos bombardeios ao Vietnã do Norte. Castello

Branco pediria então que o Itamarati procurasse retomar as negociações, especialmente

no tocante à participação brasileira nas negociações de paz.

Através deste documento se verificaria a prioridade nas relações com a América

Latina, provavelmente em função do surgimento de vários novos vetores na política

externa brasileira e da persistente manutenção das mesmas apreensões presentes ao

início do Governo Castello Branco. Estas diziam respeito às pretensões de liderança

chilenas e à oposição desse país às iniciativas brasileiras na OEA e no continente, num

cálculo aonde também seria considerado mais tarde o renascimento do velho

antagonismo com a Argentina.

Os novos vetores que se apresentaram no decorrer do ministério Vasco Leitão da

Cunha, se relacionavam primeiramente com o espaço de projeção preferencial do Brasil,

aonde a Bolívia passaria a assumir o papel privilegiado, sendo secundada nesta posição

pelo Paraguai e Uruguai. Em segundo lugar, existiria a possibilidade de que o problema

de limites com o Paraguai na região das Sete Quedas tomasse um rumo incerto e não

desejado para a liderança brasileira no continente. Em terceiro lugar havia ainda a

questão do Tratado de Tlatelolco, aonde a proposta mexicana poderia perturbar os

interesses brasileiros em relação a utilização da energia nuclear.

Também durante o ministério Juracy, em 21 de novembro de 1966,

encaminharia-se uma outra reforma do Itamarati, em função das novas atribuições que

se julgavam necessárias a esse órgão. Às atividades do Itamaraty seria conferido regime

499 Anexo 3, Texto 3.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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e tratamento excepcionais, “aconselhados pelas imposições da Segurança Nacional e

pelo altos interesses do país”.500

Esta reforma nasceria tanto da necessidade de atender

aos interesses do comércio exterior, visando ampliar o mercado para os produtos de

exportação brasileiros, quanto das observações encaminhadas por Castello Branco ao

Ministério das Relações Exteriores, as quais verificavam a necessidade de vivificar e

rearticular o IRB e de reformar o Itamarati dando ênfase a sua parte cultural.

A orientação dos esforços diplomáticos para as áreas econômica e cultural se

prestariam simultaneamente para maximizar a influência brasileira sobre novos clientes

comerciais brasileiros e para diminuir a pressão externa sobre o Regime Militar. As

críticas de Castello à estrutura do Itamarati visariam principalmente o seu despreparo

em relação a promoção de propaganda e a defesa do regime, que em alguns países,

como era o caso da França, fariam com que a opinião pública e os órgãos de imprensa,

se tornassem um instrumento poderoso nas mãos dos opositores do regime e, em outros

casos, como na Inglaterra, houvesse muita dificuldade em se empreender iniciativas a

favor do governo.

Por outro lado, consolidado o alinhamento com os Estados Unidos, a diplomacia

brasileira neste período passaria também a enfatizar sua opção ecumênica “somos de

tendência democrática e universalista [...] o desdobramento de nossa política exterior é

necessariamente amplo e diversificado”, que almejaria, segundo o Itamarati, a

manutenção e a afirmação da paz. Esta não se desvincularia do conceito de ‘segurança

coletiva’, que existiria em respeito a autodeterminação, da qual serviriam como

exemplo a República Dominicana e o Vietnã: “Sei o quanto é difícil e delicado o

problema de encontrar o justo equilíbrio entre o conceito de segurança coletiva e de

autodeterminação”.501

A opção ecumênica se verificaria ainda por um desejo de aprofundamento das

relações entre o Brasil e a Europa Ocidental, e pela busca do incremento das relações

comerciais com os países comunistas do leste europeu, que se justificariam no interesse

do fortalecimento do poder nacional.

500 MRE, 1966.

501 CPDOC, JM pi 66.08.03, Arquivo Juracy Magalhães. Conferência na Escola de Guerra Naval.

(03/08/1966).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

215

Por último, caberia ao ministério Juracy Magalhães a mais veemente definição

do novo caráter das relações brasileiras com os Estados Unidos:

O governo revolucionário, dentro da melhor tradição legada ao

Itamaraty pelo Barão do Rio Branco, empresta especial importância a nossas

relações com os Estados Unidos, em quem lealmente reconhece o líder do

mundo livre e o principal guardião de nossa civilização.502

As relações com a América do Sul

A política externa do Brasil durante o Governo Castello se iniciaria em uma

conjuntura sul-americana bastante diversa daquela existente ao longo da República: a

sempre presente rivalidade com a Argentina refluíra desde a derrubada de Frondizi em

1962, uma vez que esse país mudara sua tradicional posição em política externa,

abdicando tanto de se tornar uma terceira via, como o demonstrou a participação

argentina no bloqueio naval contra Cuba, quanto de sua política de projeção sobre o

território compreendido no antigo Vice-Reino do Rio da Prata, ensejando relações

cordiais e a cooperação com o Chile e com o Brasil. Quase ao mesmo tempo, o Chile,

tradicional aliado do Brasil, trocaria de lado com a eleição em 1964 de Eduardo Frei

para a Presidência, quando passaria então a manter uma posição de divergência com o

Brasil, em função de também almejar à liderança no continente. Outro fator novo a ser

levado em conta, seria a posição da Venezuela, que não reconheceria o Governo

Castello Branco em nome da doutrina Betancourt.

Observadas estas mudanças conjunturais, a política sul-americana de Castello

orientaria-se sobretudo no sentido de solidificar a hegemonia regional brasileira,

facilitada pela colaboração com os Estados Unidos. Deste modo, a inatividade argentina

facilitaria a projeção da influência brasileira e a consecução de diversas iniciativas as

quais normalmente se chocariam com o interesse platino. Por sua vez, em relação ao

quase antagonismo chileno, seria adotada uma nova posição na balança de equilíbrio

estratégico que beneficiaria a Bolívia. Este último país mais o Paraguai e o Uruguai,

502 CPDOC, JM pi 66.08.03, Arquivo Juracy Magalhães. Conferência na Escola de Guerra Naval.

(03/08/1966).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

216

seriam os locais preferidos da atuação dos interesses brasileiros. O cálculo dessa

estratégia demandaria a superação de diversos óbices pelo Governo brasileiro, os quais

seriam: a necessidade da superação da influência cultural argentina, o problema da

integração econômica, o problema da integração física e os litígios de fronteira.

Conforme preconizado pela ESG, a integração física seria em vários aspectos

combinada com a criação de uma integração econômica, embora esta última encerrasse

projetos individuais para cada um dos três países. A integração física seria uma das

primeiras iniciativas do Governo Castello e ela visaria a dois objetivos geopolíticos: o

primeiro dos quais seria o de integrar as comunicações desses três países com a rede de

transportes brasileiros. Esta iniciativa teria como exemplos a Ponte Internacional

Quaraí-Artigas ligando o Uruguai ao Brasil e a Ponte da Amizade, unindo o Paraguai ao

Brasil. O segundo objetivo geopolítico seria o de negar o condicionalismo físico

representado pelo Prata, conforme diagnosticado por Mário Travassos. Este esforço

consistiria no planejamento de corredores viários e outras alternativas que diminuíssem

a dependência do Paraguai e da Bolívia da Bacia Platina e do porto de Buenos Aires.

Estes esforços se iniciariam no Governo Castello e teriam sua plenitude na década de

1970 com os chamados ‘Corredores de Exportação’. A integração econômica

comportaria iniciativas isoladas em relação a cada um dos três países: com o Uruguai

privilegiou-se a integração da rede elétrica, com a Bolívia o projeto do Gasoduto Brasil-

Bolívia e a assinatura de protocolos para o aperfeiçoamento da rede de comunicações

terrestres e fluviais e com o Paraguai a utilização hidrelétrica do Salto das Sete Quedas.

Seria ainda tentada uma iniciativa conjunta, a ‘Siderúrgica Multinacional de Corumbá’,

da qual participaria ainda a Argentina.

Também se procuraria combater a influência cultural da Argentina, então

especialmente ativa na Bolívia, aonde possuía imensa penetração nas elites e no

Exército, e no Paraguai. O Brasil se empenharia na cooperação militar, através do

treinamento de pessoal e da concessão de auxílio material, bem como por meio de

iniciativas puramente culturais tais como a concessão de bolsas de estudo e de

empreendimentos diretos, especialmente no Paraguai, como a inauguração do Colégio

Experimental Paraguai-Brasil e da Faculdade de Filosofia de Assunção.

Seriam apenas dois os litígios de fronteiras: um deles de pouca importância com

o Uruguai, em relação à navegação na Lagoa Mirim que em novembro de 1964, com a

adesão do Uruguai às teses brasileiras para o continente, já se julgaria superado. O outro

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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problema, com o Paraguai na região das Sete Quedas, seria considerado de suma

importância. Esta região, assim como a de Foz do Iguaçu, e de acordo com os

geopolíticos, seria um punctum dolens, ou seja, um ponto de fratura na fronteira

nacional, e portanto qualquer mudança ou pressão sobre esta área seria considerada com

extrema gravidade pelo Governo Castello e pelos militares.

As reivindicações do Paraguai sobre a região vinham desde o tempo do Governo

Goulart e embora aparentemente envolvessem a posse de pequenos trechos de cachoeira

e ilhotas fluviais, estes decidiriam na verdade o controle, ou o aumento da parcela de

aproveitamento do potencial hidrelétrico do Salto das Sete Quedas, um empreendimento

que embora já estivesse encaminhado pelo governo anterior, havia ficado

propositalmente indeciso naquele aspecto. Após os incidentes de Porto Coronel Renato,

em junho de 1965, quando houve a concentração de tropas brasileiras na fronteira com o

Paraguai e de 1966, quando um grupo de nacionalistas paraguaios declararia tomar

posse de uma daquelas ilhotas em nome de sua nação, haveria um recrudescimento do

problema, minando as negociações em torno da hidrelétrica. Com a constante mediação

de Golbery, antigo instrutor do Exército paraguaio, e após resolução do CSN, na qual

seria fundamental sua exposição da situação, o governo brasileiro decidiria não reabrir o

problema das fronteiras, considerando-se os tratados firmados com o Paraguai em 1872

e 1927 suficientes para a questão. Após a pressão brasileira, na qual constou inclusive a

ameaça de ir à guerra,503

e por decisão direta do General Stroessner, chegaria-se a um

compromisso que seria firmado através da ‘Ata das Cataratas’, pelo qual se chegaria a

um entendimento de que a energia a ser produzida seria rateada e o Brasil se

comprometeria a comprar aquela que não fosse consumida pelo Paraguai por um fair

price, enquanto que a fronteira entre os dois países passaria a ser exatamente o meio do

futuro lago da represa.

Enquanto isso, as relações com a Argentina, que já eram amistosas, entrariam

em seu ápice após dezembro de 1964 quando o Governo Castello se mobilizaria para

impedir o regresso de Perón à Argentina.504

Se daria nesse período a intensificação do

comércio com a república platina através do Acordo do Trigo, em novembro de 1964, e

503 Gueiros, 1996, 349.

504 CPDOC, JM 64.12.02, Arquivo Juracy Magalhães. Telegramas entre a embaixada em Washington e o

MRE. (02/12/1964 e 03/12/1964).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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da criação de uma Comissão Especial para o desenvolvimento das trocas entre os dois

países em abril de 1965. Em 1966 ainda sob a experiência da cooperação (“Completam-

se de maneira notável, as duas economias, fato que poderá vir a ser, pensando além da

ALALC, núcleo de uma futura integração econômica”505

) aconteceria, através de

Roberto Campos, a proposta da formação de um mercado comum reunindo os dois

países.

Entretanto, no meado daquele ano, aumentariam na Argentina, com intensidade

crescente, as críticas à condução da política externa sob o fundamento principal de que

sua Chancelaria teria aceito, por incúria ou inconfessáveis interesses, a suposta

orientação dos Estados Unidos no sentido de conferir ao Brasil a liderança efetiva na

parte meridional do Continente, transformando-o em grande potência industrial, e

mantendo, correlatamente, a Argentina no papel de país agrícola fornecedor de produtos

pecuários.

Ainda se criticaria o Chanceler Zavala Ortiz por haver provocado um vazio de

influência na Bacia do Prata, em favor do Brasil. Segundo a diplomacia brasileira, estes

seriam pretextos para justificar um possível golpe, que já estaria em andamento, e que

poderia levar ao poder mais uma vez os grupos políticos que pautariam a política

externa pela reconstituição do Vice-Reino do Rio da Prata. Estes advogariam para a

Argentina “Nação com gênio e destino”, uma liderança na América Latina e no mundo,

para as quais a posição brasileira seria naturalmente um obstáculo.

Segundo Décio de Moura, embaixador em Buenos Aires e íntimo de Zavala

Ortiz, Chanceler daquele país, o porta-voz de um desses grupos, o deputado Garcia

Solá, sustentaria também que a política de inversões dos EUA na América Latina

tenderia propositalmente a converter o Brasil em país chave do sistema interamericano:

“Em Brasil, la siderurgia; en la Argentina, el agro”.506

Uma semana depois desse

relatório chegaria ao poder na Argentina, fechando o Congresso e todos os partidos

políticos, o General Juan Carlos Onganía que viabilizaria esse projeto de política

externa.

505 Penna, 1965.

506 CPDOC, JM 66.05.31 cmre, Arquivo Juracy Magalhães. Relatório da embaixada em Buenos Aires

para o MRE. (22/06/1966).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

219

Não só o Brasil foi prejudicado em seu intento de conseguir a liderança sul-

americana. Também o Chile, que naquela época havia se aproximado bastante da

Argentina, passaria por uma experiência semelhante. A partir da chegada de Onganía ao

poder, pela primeira vez, esses três países passariam a possuir, simultaneamente, a

ambição de possuir a hegemonia sul-americana.

A avaliação da diplomacia brasileira passaria então a ser de que ao Chile

interessava separar a Argentina do Brasil, talvez ainda crendo que possuindo ambos os

regimes a mesma origem militar, teriam maior chance de entendimento entre si. Ainda

assim as avaliações chilenas da política externa da Argentina se pautavam por posições

bem próximas da brasileira, pois segundo aquela, os mentores da política externa

argentina perseguiriam um projeto que ensejava a consecução de um destino imperial,

com gravitação como potência militar e industrial na América latina e no mundo.

Este desiderato levaria a um provável enfrentamento com o Brasil, o qual, no

entanto, deveria ser evitado, porque ainda que somente a Argentina pudesse iniciar a

formação do bloco sul-americano, precisaria do Brasil para poder impulsioná-lo.

Portanto, a melhor maneira de se atingir esse propósito seria atrair o Paraguai, a Bolívia

e o Uruguai para a esfera de influência argentina, criando em seguida uma confederação

à qual o Brasil seria obrigado a aderir, provavelmente por meio de um acordo de livre-

comércio.

Por conseguinte, o primeiro passo para a Argentina dominar todo o Cone Sul

seria a projeção em direção a Bolívia. Seu objetivo geopolítico principal seriam as

reservas de ferro de Mutún, em razão da deficiência argentina deste metal. Esta

iniciativa serviria ao mesmo tempo para conter a penetração já ensaiada pelo Brasil. O

golpe de estado seria a solução conveniente, uma vez que a grande maioria da

oficialidade boliviana era simpática à orientação platina. A influência brasileira sobre o

Paraguai seria também considerada inaceitável pelos argentinos, que consideravam a

linha divisória entre Paraguai e Brasil como a fronteira de contenção da expansão

brasileira. A ‘Ata das Cataratas’ de 1966, seria nesse sentido um duro golpe na

estratégia platina, uma vez que, segundo o entendimento argentino, colocaria o Paraguai

praticamente sob sujeição econômica, além disso, a energia que futuramente seria

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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gerada pelo aproveitamento hidrelétrico do salto das Sete Quedas deveria decidir a

supremacia industrial favoravelmente ao Brasil.507

Após a solução dos problemas com o Paraguai, a estratégia do Governo Castello

Branco orientaria-se, em primeiro lugar, novamente para a consecução da FIP, tentando

realizar para este fim, de acordo com os Estados Unidos, uma Reunião de Cúpula

Interamericana antes do final de 1966. A força policial permanente seria agora proposta

sob o argumento de que na Terceira Conferência de Solidariedade dos Povos da África,

Ásia e América Latina (a Conferência Tricontinental de Havana), em janeiro de 1966,

os representantes da China, da URRS e de Cuba, reunidos com o conjunto das

delegações dos partidos marxistas latino-americanos, haviam considerado inevitável e

desejável a luta armada no continente. Deste modo, a proposta da FIP retomaria fôlego,

movida então contra um inimigo declarado e visível, e respaldada por uma fórmula

mais aceitável: para que houvesse uma ação da FIP, os motivos teriam que ser primeiro

considerados válidos e relevantes pela maioria da assembléia da OEA enquanto que a

intervenção possuiria ainda objetivos específicos e vigência limitada. Com o propósito

de conseguir a adesão dos demais países latino-americanos a esta nova versão da FIP,

Juracy Magalhães viajaria para se encontrar separadamente com oito chanceleres

durante o período de apenas um mês.

Em segundo lugar a estratégia do governo brasileiro seria a de abortar a

construção de um bloco de países do Pacífico que estava sendo construído pelo Chile.

Este então já contaria com a adesão do Peru e da Colômbia a seu projeto. O Brasil

também procuraria negar qualquer liderança chilena ao se opor que a Reunião de

Cúpula Interamericana fosse realizada no Chile, e passou a propor que as cidades de

Lima ou São José da Costa Rica sediassem o encontro.508

O cálculo brasileiro seria de que não haveria mais condições em curto espaço de

tempo de um reposicionamento platino a favor do Brasil, mas que, embora a Argentina

e o Chile houvessem, durante o Governo Illya, agido no campo da política

507 CPDOC, JM 66.06.14/1, Arquivo Juracy Magalhães. Relatório da embaixada em Santiago para o

MRE. (13/07/1966).

508 CPDOC, JM 66.06.14/1, Arquivo Juracy Magalhães. Telegrama do Ministro das Relações Exteriores

para o embaixador brasileiro em Santiago. (27/07/1966).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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interamericana dentro do maior entendimento possível, apesar de alguns mal entendidos

fronteiriços, a Argentina voltaria certamente a fazer pressão sobre o Chile, para disputar

com este país a liderança dos latino-americanos: “A verdade é que não podemos contar

mais com o Chile incondicionalmente, como no passado. Poderemos ter um Chile

discretamente amigo, mas, também, desejar que não se entenda politicamente com os

argentinos”.509

Provavelmente as novas iniciativas para a Bolívia seriam fruto desse

entendimento, uma vez que ampliava o raio de iniciativas do Brasil. Desde Mário

Travassos, este país era considerado pelos geopolíticos e pelos militares brasileiros

como o heartland da América do Sul, de cujo domínio dependeria a hegemonia

continental. Em 27 de outubro de 1966 o Presidente Barrientos, da Bolívia, encontraria-

se com Castello Branco e emitiriam uma declaração conjunta na qual se reconhecia que

“muitas das dificuldades que a Bolívia enfrenta, atualmente, para o seu

desenvolvimento, derivam de sua situação mediterrânea e que a solução adequada para

tais problemas deve ser encontrada dentro das normas de solidariedade e cooperação

americanas”.510

Com este pronunciamento, o Governo Castello mudaria a postura brasileira em

relação à balança de equilíbrio latino-americana, assumindo então que a Bolívia passaria

a não mais contar no cálculo estratégico de uma possível disputa entre Chile e

Argentina, ou seja, ao mesmo tempo que neutralizava a posição argentina naquele país,

mantinha pressionado o Chile, reduzindo-se ainda as possibilidade de um envolvimento

direto em um desdobramento futuro do antagonismo desse país com a Argentina.

Tal posicionamento seria rapidamente acusado pelo governo chileno como uma

intromissão em seus assuntos internos, uma vez que considerava resolvida a questão

desde o tratado que pôs fim à Guerra do Pacífico. Entretanto, a mudança brasileira

causaria um impacto ainda maior dentre os setores conservadores chilenos que

509 CPDOC, JM 66.06.14/1, Arquivo Juracy Magalhães. Telegrama do Ministro das Relações Exteriores

para o embaixador brasileiro em Santiago. (09/11/1966).

510 Branco, 1967? [1966].

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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tradicionalmente sempre defenderam a aliança com o Brasil, o que provavelmente

agravaria a oposição destes em relação ao governo chileno.511

Entretanto, caberia a Argentina o último movimento no xadrez geopolítico

latino-americano pouco antes do fim do Governo Castello. Este país, em fevereiro de

1967, decidiria unilateralmente que a extensão do seu mar territorial passaria a ser de

200 milhas marítimas. O Governo brasileiro imediatamente faria saber ao Chanceler

argentino que o direito internacional não admitia a extensão do mar territorial além de

doze milhas e que a opinião pública brasileira, e particularmente a das Forças Armadas,

não se conformariam a decisão argentina, uma vez que prejudicaria muito a indústria

pesqueira brasileira. Portanto, o Governo Castello propunha um meio termo que

contemporizaria as duas posições: seria feito um acordo de pesca entre o Brasil,

Argentina e Uruguai, que permitiria a pesca após 12 milhas da costa platina e que

silenciaria propositalmente sobre o limite externo do mar territorial,512

mas, o mandato

de Castello Branco terminaria sem que houvesse uma solução para este problema.

A agonia do Governo Castello

O problema da sucessão de Castello Branco começou bem cedo, ainda em 1965,

ou talvez mais cedo do que isso, antes mesmo do governo Goulart ser derrubado. Quase

que um presidente de consenso, obrigado a tomar medidas impopulares no combate a

inflação, acossado pela ‘linha-dura’, as chances de sobrevivência política do governo

Castello Branco reduziriam-se gradativamente no decorrer de seu curto mandato:

Ainda nos encontramos no percurso do túnel da inflação,

enfrentando tudo que isso significa em matéria de repercussões num vasto

império como é o território brasileiro e nesta etapa inicial do

desenvolvimento [...] o verdadeiro e grande problema da sobrevivência da

511 CPDOC, JM 66.06.14/1, Arquivo Juracy Magalhães. Telegrama do embaixador brasileiro em Santiago

para o Ministro das Relações Exteriores. (09/11/1966).

512 CPDOC, JM 66.01.17, Arquivo Juracy Magalhães. Carta de Juracy Magalhães a Costa Mendes,

Chanceler argentino.(10/02/1967 ).

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Revolução - a sucessão presidencial - onde os nomes papáveis ou são

péssimos ou de possibilidades reais ainda difíceis de avaliar a essa altura.513

O governo de Castello Branco sofreria um sério abalo em 11 de maio de 1966

com a confirmação da indicação de Costa e Silva e a tentativa de demissão de Geisel e

Golbery, que definiam essa indicação como um ‘fato consumado’. Entretanto a quebra

do que seria o maior legado do projeto de política externa de Castello Branco se daria

mais tarde, com Magalhães Pinto. Um dos principais articuladores e conspiradores do

movimento de 1964 e do golpe contra Castello, envolvido com os grupos mais radicais

da ‘linha-dura’ e com a indicação de Costa e Silva, este empresário foi um dos

principais responsáveis pelas mudança na política externa do segundo governo do

Regime Militar.

Apesar de Castello saber que não conseguiria realizar a Reunião de Cúpula

Interamericana em seu Governo, as negociações para a FIP prosseguiram com maior

chance de sucesso que as anteriores, graças a maior maleabilidade da proposta como da

nova conjuntura sul-americana. Estando ainda Juracy Magalhães empenhado na

negociação da FIP, os jornais passaram a noticiar insistentemente que o presidente

eleito e o deputado Magalhães Pinto seriam contrários a iniciativa “com comentários

que deixam transparecer desejo desprestigiar representação sob sua chefia e Presidência

da República”.514

Costa e Silva, com sua ‘Diplomacia da Prosperidade’, em perfeita sintonia com

Magalhães Pinto, “aos 15 de abril de 1967, ante o mesmo auditório do Itamarati, numa

réplica ponto por ponto ao célebre discurso de Castello Branco de 31 de julho de 1964,

sepultou em definitivo o modelo de política externa avançado pelo primeiro governo

militar”.515

513 CPDOC, JM 64.06.26/1 cemb, Arquivo Juracy Magalhães. Carta de Golbery do Couto e Silva para

Juracy Magalhães. (15/02/1965).

514 CPDOC, JM 67.02.08 cmre e JM 67.02.08, Arquivo Juracy Magalhães. Telegramas trocados entre

Castello Branco e Juracy Magalhães. (21/02/1967, 22/02/1967 e 23/02/1967).

515 Cervo & Bueno, 1992, 344.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

224

Conclusão Final

Neste último capítulo observamos como o pensamento geopolítico do Governo

Castello Branco enfrentaria, grosso modo, as mesmas condicionantes dos ministérios

Rio Branco: a ameaça de expansão argentina, a perspectiva de liderança continental, a

ameaça externa e o alinhamento com os Estados Unidos.

Em relação aos Estados Unidos, em ambos os casos a posição realista foi a que

prevaleceu: o Brasil procurou um alinhamento com a potência hegemônica que

significou muitas vezes o repúdio interno e externo, mas que visava a consecução em

melhores possibilidades das demais condicionantes. O Brasil reconhecia a liderança

americana embora desejasse que em troca esse país admitisse a liderança brasileira na

América do Sul.

A Argentina, o grande antagonista do Brasil, não representaria então uma

ameaça tão séria quanto no início do século. A ‘grande iniciativa’, aquela que se

tornaria o vértice das demais iniciativas de política externa com o objetivo de permitir

ao Brasil desempenhar em plenitude seu papel de potência, e que nos ministérios Rio

Branco seria a construção dos dreadnoughts, no Governo Castello, com a FIP, se

voltaria prioritariamente contra a agressão extra-continental, agora representada pela

‘subversão’.

Entretanto, a conditio brasiliae encerrava agora a idéia de um Brasil

umbilicalmente ligado ao continente americano pela interiorização, diferente daquele

país do início do século que era imaginado na ‘Ilha-Brasil’ como um território isolado

da América e portanto mais ligado ao continente europeu. O Brasil dos anos 1960 era

um país que planejava sua projeção de poder em uma perspectiva muito mais ampla e

ambiciosa, fruto da evolução de seu próprio reconhecimento.

Entretanto, quais seriam os limites desse projeto? Esse dilema não teve resposta

e atravessou todo o Governo Castello Branco através da flutuação entre as diretrizes dos

pensamentos geopolíticos de Golbery e de Meira Mattos e ainda não se resolveria

durante todo o Regime Militar.

Assim, nosso trabalho procurou demonstrar, que a política externa do Governo

Castello sintetizaria em suas linhas gerais a própria evolução da geopolítica brasileira,

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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por isso mesmo, as linhas pelas quais procuramos conduzir este trabalho remeteram

simultaneamente à relatividade e à permanência do pensamento geopolítico.

Pretendemos ainda que seus dois momentos de efetiva aplicação nas relações

internacionais, os ministérios Rio Branco e o Governo Castello Branco, espelhem o que,

segundo Kissinger, poderia ser considerado o elemento conjetural da política externa.

Neste, existiria a necessidade da tomada de decisões em função de uma

determinação que, no momento em que é adotada, não pode ser comprovada, o que

nunca seria tão crítico quanto nos momentos de crise e de mudanças sociais. Nessas

ocasiões de interregno, enquanto a ordem antiga ainda está em desintegração e a forma

que a irá substituir está em estado de indefinição, a política externa passaria então a

depender de alguma concepção de futuro.516

Nesse sentido, tanto no momento em que Rio Branco alcançou a Chancelaria

quanto no começo do Regime Militar, com Castello Branco, a geopolítica seria capaz de

engendrar uma perspectiva que permitisse a esses indivíduos mapear o campo das

dificuldades e enfrentá-las: o mundo e o Brasil mudaram, por isso, a política externa

precisava mudar junto com eles.

A geopolítica permitiria, simultaneamente, a cognição desse novo mundo e a

definição de um novo papel para o Brasil no Sistema Internacional. Neste entender, a

visão geopolítica seria o grande legado de Rio Branco para a política externa brasileira,

e disto Castello Branco e seu grupo tinham consciência: para estes, a ação e o

conhecimento das necessidades nacionais eram as principais virtudes do Chanceler, e

não por coincidência, estas seriam também as premissas da ESG.

Entretanto, como caracterizar o grande hiato temporal que separou os dois

períodos? Em nosso julgamento, este é o espaço de construção da gramática dos homens

que fizeram a ESG e que através desta instituição transformaram novamente a

geopolítica na língua da política externa brasileira. Para estes indivíduos a geopolítica

permitiria resolver problemas que a diplomacia tradicional já não seria mais capaz de

cuidar ou mesmo entender. Como disse Kissinger, “a burocracia se torna um obstáculo

toda vez que aquilo que define como rotina não abrange a área mais significativa dos

516 Kissinger, 1969, 16.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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temas ou então quando indica um sistema de ação que resulta inadequado para a solução

do problema”.517

Neste sentido a geopolítica surgiria durante os ministérios Rio Branco como uma

reação aos desafios do Sistema Internacional. Suas iniciativas incluíram a reforma

militar e enraizaram as bases de seu pensamento tanto no imaginário popular quanto na

Corporação que se propôs a reformar, assim, já na década de 1920 havia uma

geopolítica brasileira, transformando esse país num dos pioneiros na teorização desse

pensamento.

Estas impressões se entronizariam na Corporação Militar e com a constituição da

ESG se exteriorizariam num discurso amalgamado pela geopolítica. Deste modo, esta se

constituiria tanto para Castello Branco, quanto para Rio Branco, um instrumento de

mudança e de afirmação da posição que julgavam que o Brasil deveria ocupar na

hierarquia internacional, porquanto na base de todas as transformações estaria a mesma

terra sólida.

517 Kissinger, 1969, 20.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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ANEXOS

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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ANEXO 1

GLOSSÁRIO

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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GLOSSÁRIO

BODEN: Solo, terra.

BUFFER ZONE: Zonas que separam esferas de influência (Curzon).

BÜNDNISFÄHIGKEIT: Literalmente ‘Valor de Aliança’. Teoria que interpretando os

conceitos mahanianos, considera que a existência de uma grande armada aumentaria o

peso específico de um Estado no Sistema Internacional (Tirpitz).

CRUSHER ZONE: Zona de atrito entre um ou mais Estados (Fairgrave).

DRUNG NACH OSTEN: Política de expansão da esfera de influência alemã pela

Europa Oriental.

ECUMENE (1): O conjunto das terras habitáveis (Ratzel e Humboldt).

ECUMENE (2): Principal área habitada de um país ou continente (Whittlesey).

GRENZE: Interação entre Volk e Boden.

HEARTLAND: Alargamento do conceito de Pivot, área da Ásia Central inacessível aos

poderes marítimos. Designaria, nesse sentido, o interior de qualquer grande massa

territorial (Mackinder).

HINTERLAND: Territórios desocupados de uma massa continental ou país.

LANDMÄCHTER: Poderes Terrestres (Ratzel).

NUDO: ponto de menor resistência na Cordilheira e que oferece passagem mais fácil de

uma vertente para a outra (Travassos).

OFICIAL-GENERAL: Designação comum a todos os oficiais de posto superior a

coronel (no Exército ou na Aeronáutica) ou a capitão-de-mar-e-guerra (na Marinha de

Guerra).

OMPHALICA, POSIÇÃO: determinado lugar como centro do mundo (Dilke).

PUNCTI DOLENTES, PUNCTUM DOLENS: Pontos de fragilização das fronteiras que

recebem o impacto de forças externas.

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SEEMÄCHTER: Poderes Marítimos (Ratzel).

VOLK: Nação em seu sentido étnico (Ratzel).

WELTMACHT: Política de Poder Mundial.

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ANEXO 2

GRÁFICOS

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DADOS: ESG, 1959B.

DADOS: ESG, 1959A.

FIGURA 2

FIGURA 1

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233

DADOS: ESG, 1959A.

DADOS: ESG, 1959A.

FIGURA 3

FIGURA 4

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234

DADOS: ESG, 1959A.

FIGURA 6 – CIVIS E MILITARES NA ESG (1950-

1959).

DADOS: FRAGOSO, 1969.

FIGURA 5

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DADOS: MRE, 1972.

FIGURA 7

FIGURA 8

DADOS: ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

236

DADOS: RODRIGUES, 1965.

FIGURA 9

FIGURA 10

DADOS: RODRIGUES, 1965.

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DADOS: RODRIGUES, 1965 E ITAMARATI.

FIGURA 11

FIGURA 12

DADOS: RODRIGUES, 1965 E ITAMARATI.

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DADOS: MRE, 1972.

FIGURA 13

FIGURA 14

DADOS: MRE, 1972.

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ANEXO 3

TEXTOS

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TEXTOS

TEXTO 1: Documento enviado por Castello Branco para o Itamarati, sob a

rubrica de ‘Secreto’, entre abril e maio de 1964.518

Política Internacional: Há questões que estão em pauta ou talvez ainda em

potencial. Trata-se do seguinte: a) Revitalização da OEA; b) Atividades do próximo

governo chileno decorrentes da vitória de Frei; c) Compreensão e pronunciamento mais

atualizado do Brasil em relação ao desarmamento e ao problema nuclear; d) Implicações

da visita do General De Gaulle a países da América do Sul principalmente ao Brasil.

1º - Repetem-se os ataques à inação da OEA. Fidel Castro não deixou de

abalá-la por ter sido sempre a reação a Cuba formulada de maneira exclusivamente

clássica, nada adaptada ao tipo inédito da conduta cubana. O México não lhe poupa

críticas, particularmente da parte de seu governo. Recentemente os chanceleres da

Argentina e do Uruguai, aqui no Brasil, fizeram duros reparos à estagnação do órgão

interamericano. Os dois diplomatas não esconderam mesmo a solução com outro órgão

sul-americano que congregue países, ou faça um movimento desbordante da OEA. A

imprensa brasileira não mais elogiou a OEA, e jornais, quando sobre ela se pronunciam,

verberam o seu classicismo, rotina ou inatividade. Na verdade, a OEA só se anima em

caso de crise, de emergência inelutável, sendo a sua vida cotidiana inteiramente

desconhecida do público. Acresce a circunstância que a crise ou emergência é

caracterizada quase sempre pelo interesse direto ou indireto dos Estados Unidos.

Entretanto, é uma instituição supernacional que não pode desaparecer, por já haver

prestado reais serviços e poder ainda sobreviver para garantia da democracia e da paz no

continente americano.

2º - A vitória de Frei é um autêntico desfecho de uma luta democrática. É um

movimento de bases populares, com fundamento na classe média e possuído de

legítimas aspirações esquerdistas e internacionais. Basta dizer-se que venceu o

comunismo pelo voto e pretende firmemente permanecer na legalidade. Não deixa de

ser um grande exemplo de firmeza política para toda a América do Sul. A sua base

eleitoral se fincou num partido cristão e de esquerda com liames internacionais. Por

518 Viana Filho, Luiz. (1975). O Governo Castello Branco. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército &

Livraria José Olympio Editora, 173, 430-431.

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outro lado, não se deve menosprezar o atavismo dos grandes chefes da América

espanhola que sempre são tentados pelo penacho de libertadores de seus vizinhos. Frei

terá, sem dúvida, dificuldades externas de ordem econômica, como internas, estas talvez

graves, e sobretudo as caracterizadas pela convivência com os comunistas. Onde

procurará ajuda? Poderá buscá-la nos Estados Unidos, na Rússia, ou na Europa

Ocidental. Poderá mesmo tentar um jogo de intimidação face aos Estados Unidos para

usufruir apoio econômico e financeiro por maior interesse da própria América do Norte.

Não é difícil ensaiar a formação de um bloco sul-americano, com um jeito mais ou

menos ideológico, para, numa inédita posição sul-americana, conquistar recursos aqui,

ali ou acolá. Em sua campanha eleitoral, destratou o atual Governo brasileiro, como

artifício de propaganda eleitoral. Sem dúvida, devemos criar condições para a sua

aproximação ao Brasil. Ele cuidará de voltar-se também para nós? Finalmente, é bem

possível que se insurja contra a OEA, para invalidá-la ou para reativá-la, talvez até

chefiando bloco há pouco referido.

3º - O problema de desarmamento entrou em ponto morto e, quando ativado, só

está ligado ao problema mundial Estados Unidos - Rússia. A posição que o Brasil já

tomou em Genebra está esquecida, mas não esvaziada. A proposta apresentada por nós

na ONU de proibir armazenamento, fabricação e instalação de armamento nuclear na

América Latina, continua a merecer o respeito como uma iniciativa de grande alcance.

Paralelamente a este problema, encontra-se a possibilidade de outra iniciativa: um país

como o Brasil, não tendo meios de guerra nuclear, pode ser, no entanto, um objetivo

Militar destes poderosos instrumentos; se não for, isso será um fator em benefício da

paz mundial, muito mais do que uma terceira bomba.

4° - A visita do General De Gaulle não pode Ter apenas o significado de

restabelecimento total de antigas e históricas relações, nem de passear, num outro

continente a sua glória. Constituindo a França a mais importante dissensão no bloco

ocidental, e cuidando o seu governo de uma ‘terceira bomba’, é possível vislumbrar-se

as reais finalidade da longa viagem do presidente francês. Poderá procurar adeptos para

sua terceira posição, esboçando mesmo um tipo de proteção com a sua terceira bomba

armazenada. É possível acenar para Frei, dando-lhe o relevo de liderança sul-americana.

Aproveitar-se do enfraquecimento da OEA, é admissível, bem como da falta de coesão

sul-americana face à política norte-americana. Não é admissível que deixe de lado o

Brasil no enunciado de sua preposição de ordem internacional.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Trata-se, então, de o Governo, face aos quatro problemas enumerados,

estabelecer a base da sua ação e conduta.

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TEXTO 2: Discurso de Castello Branco na solenidade de entrega de diplomas

aos alunos que concluíram o curso especial do concurso de provas para a carreira de

diplomata, em 31 de julho de 1961.519

É para mim uma grata satisfação comparecer à vossa formatura, justamente

quando o Instituto Rio Branco, idealizado para celebrar o centenário do grande

Chanceler, vai completar vinte anos. Concebido para estruturar a carreira diplomática

em bases que assentassem exclusivamente no mérito, este curso tem logrado, realmente,

mostrar-se à altura do seu patrono, que é também o patrono do Itamarati.

Bem sabeis o homem extraordinário, o patriota sem jaça, que foi o segundo Rio

Branco, tão grande que sobre a sua figura não vemos a sombra paterna. Por isso mesmo,

para dignamente representar o Brasil no estrangeiro, não necessitais mais do que terdes

sempre presentes os ensinamentos que ele nos legou e nos quais não sabemos o que

mais admirar-se o respeito pelas tradições da diplomacia imperial, tão cheia de serviços

na paz e na guerra; se os sentimentos de brasilidade, jamais esmaecidos por uma longa

existência vivida no estrangeiro; se a devoção a tudo quanto dissesse respeito a uma

grandeza atualizada da nacionalidade.

Sobre esses pilares assentariam as vitórias e a glória do incomparável Ministro

das Relações Exteriores. E isso já é bastante para compreendermos que, embora

fortalecidos por algumas virtudes inatas, os seus triunfos estão bem longe do improviso.

Chegando ao Ministério já à beira dos sessenta anos, Rio Branco como que passara toda

a vida a preparar-se para receber o convite do Presidente Rodrigues Alves. Para ele os

problemas nacionais não tinham segredo.

Embora fiel às tradições, tão fiel quanto seria às boas maneiras ou às etiquetas,

que foram bem rígidas durante o decênio em que dirigiu o Itamarati, o Barão do Rio

Branco teve a nítida visão de que uma nova era se abria para os diplomatas. Estes não

poderiam ser apenas os homens bem, educados ou hábeis. Deveriam ser também os

servidores mais preparados, mais capazes. a fim de poderem bem desempenhar o papel

que lhes está reservado, não apenas na vida e nos interesses das nações, mas quiçá nos

destinos da humanidade.

519 Branco, Humberto de Alencar Castello. [1967?]. Discursos. [Brasília?]: Secretaria de Imprensa.

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Para a sua presença entre vós, não bastaria aquela dedicação sem par e que faz

com que, ainda hoje, volvido meio século, tenhamos a impressão de que permanece

nesta Casa, onde viveu e morreu. O que o torna imortal, símbolo da nossa diplomacia, é

a sua ação. São os tratados que negociou, todos eles concebidos dentro de um completo

e exato conhecimento das necessidades nacionais. A visão do estadista houve que

associar os conhecimentos do estudioso e do erudito.

Daí o sentido político e também econômico que emerge das negociações por ele

conduzidas, e que permanecem como tema de ensinamentos para os jovens diplomatas.

Na realidade, talvez nenhuma profissão exija, de modo tão cabal quanto a vossa,

profunda intimidade com os múltiplos problemas da Nação. Foi com esse espírito que se

fundou e organizou este Instituto, sobre o qual paira aquele espírito de brasilidade que

jamais se separou do Barão do Rio Branco. Por isso, também, tereis justo orgulho da

tradição que deveis conservar e aperfeiçoar, adaptando a vossa ação às exigências

contemporâneas, que estão a reclamar de cada um de vós uma imensa tarefa. Acima de

tudo, para poderdes bem cumprir o compromisso que assumis ao receber o vosso

diploma, e que é o de servir ao Brasil, cumpre-vos possuir completo conhecimento dos

objetivos de nossa política externa. Isso é indispensável para a representação do País no

estrangeiro e nas assembléias internacionais. Até porque, e disso podeis tomar nota, ides

viver num mundo que é cada vez menor e, por isso mesmo, exige uma diplomacia cada

vez maior.

Eu vos trago os elementos básicos do que o Brasil promove através do

Itamarati. E vereis que a conduta diplomática não pode ser uma finalidade, nem uma

ação rotineira confinada nas vossas repartições, e sim um dos grandes meios

operacionais do País para a conquista dos objetivos nacionais.

A formulação de nossa política externa, norteada pelos objetivos nacionais,

busca também o robustecimento do poder nacional e, em particular, o dos instrumentos

que nos permitam alcançar o pleno desenvolvimento econômico e social. Além desses o

objetivos visamos a outro que os condiciona: a existência de paz mundial.

A consistência entre todos os objetivos nacionais pode ocorrer se houver

autodeterminação. Esta será um instrumento para a paz interna e mundial, se todos os

grupos humanos capazes de participarem de um desígnio nacional, por volição

consciente, tiverem oportunidade de executá-lo sem interferência externa, qualquer

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que seja sua posição geográfica em relação aos atuais centros de poder e

ideologia. A sua legitimidade se origina nos pronunciamentos eleitorais do povo e no

voto de seus representantes.

Associamos a não-intervenção à autodeterminação, e aí encontramos o direito

de cada pais viver soberanamente, sem a interferência de particulares interesses

estrangeiros ou de domínio de ideologia.

Para perseguir os objetivos nacionais eram preconizadas duas opções como

compatíveis com a preservação e expansão da autodeterminação brasileira: uma política

de independência ou uma posição neutralista.

A expressão “política de independência” tem sido deturpada e perdeu utilidade

descritiva. Foi apresentada como inelutável inovação, ignorando que o conceito de

independência só é operacional dentro de determinadas condicionantes práticas.

É um objetivo e não um método. No presente contexto de uma confrontação de

poder bipolar, com radical divórcio de posição político-ideológica entre os dois centros

de poder, a preservação da independência pressupõe a aceitação de um certo grau de

interdependência, quer no campo militar, quer no econômico, quer no político.

Nenhum país, seja no mundo ocidental, seja no soviético, poderá defender-se

sozinho contra um ou outro dos centros de poder. A defesa tem que ser essencialmente

associativa.

Similarmente, no campo econômico, o reconhecimento da interdependência é

inevitável, não só no comércio, mas sobretudo no tocante a investimentos.

A independência é, portanto, um valor terminal. Instrumentalmente, é necessário

reconhecer um certo grau de interdependência que não é necessário levar ao ponto de

cercear contatos comerciais e financeiros com países de diferentes sistemas político e

econômico.

No caso brasileiro, a política externa não pode esquecer que fizemos uma opção

básica, que se traduz numa fidelidade cultural e política ao sistema democrático

ocidental. Dentro dessa condicionante geral, a nossa independência se manifestara na

aferição de cada problema específico, estritamente em termos de interesse nacional,

com margem de aproximação comercial, técnica e financeira com países socialistas,

desde que estes não procurem invalidar nossa opção básica.

Não devemos pautar nossa atitude nem por maquiavelismo matuto, nem por uma

política de extorsão. Reciprocamente, não devemos dar adesão prévia às atitudes de

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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qualquer das grandes potências - nem mesmo às potências guardiãs do mundo ocidental,

pois que. na política externa destas, é necessário distinguir os interesses básicos da

preservação do sistema ocidental dos interesses específicos de uma grande potência.

Em resumo, a política exterior é independente, no sentido de que independente

deve ser, por força, a política de um pais soberano. Política exterior independente, no

mundo que se caracteriza cada vez mais pela interdependência dos problemas e dos

interesses, significa que o Brasil deve ter seu próprio pensamento e sua própria ação.

Esse pensamento e essa ação não serão subordinados a nenhum interesse estranho ao do

Brasil. O interesse do Brasil coincide, em muitos casos, em círculos concêntricos, com o

interesse da América Latina, do Continente Americano e da comunidade ocidental.

Sendo independente, não teremos medo ele ser solidários. E, dentro da independência e

da solidariedade. a política exterior será ativa, atual e adaptada às condições do nosso

tempo e aos problemas de nossos dias. Será a política externa da Revolução.

O neutralismo assume alguma ou todas as seguintes feições:

1) passividade, desaconselhável para um país de possibilidade e objetivos

fundamentalmente ativos, como é o caso do Brasil;

2) indeterminação de política interna e de sistemas econômicos passando a

organização nacional a perder nitidez, no esforço de evitar alinhamentos com um ou

outro dos sistemas políticos, daí resultando uma híbrida ineficiência;

3) Emotividade imatura, fundada no ressentimento, justificado ou não, para com

as antigas nações colonizadoras;

4) extorsão internacional de recursos dos dois contendores da guerra fria, com

êxito variável e reciproco;

5) fuga da realidade internacional, por medo dos perigos nela implícitos.

Todas essas considerações tornam o “neutralismo convencional” uma política

não condizente com a opção brasileira.

A política externa brasileira tem, não raro, exibido indeterminação, em virtude

do caráter irresoluto de certos dilemas: nacionalismo versus interdependência;

negociação bilateral versus a multilateral; socialismo versus livre iniciativa.

Em vários períodos, nos últimos anos, o nacionalismo se agravou internamente,

criando contradições em nossa política externa. Exemplo disso são os nossos contínuos

protestos, no plano externo, contra a insuficiência de auxilio estrangeiro e dos

investimentos de capital e, no plano interno, a adoção de atitudes restritivas e hostis ao

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capital estrangeiro. É verdade que se buscava sempre um esforço de conciliação,

condenando-se os capitais de risco e aceitando-se os de investimento. Entretanto, a

opção é não só tecnicamente discutível como, sobretudo, irreal, porque não está em

nossas mãos ordenar as disponibilidades de capital internacional, segundo nossas

preferências.

Mais recentemente, o nacionalismo deturpou-se a ponto de se tornar opção

disfarçada em favor dos sistemas socialistas, cujas possibilidades de comércio conosco e

capacidade de inversão na América Latina foram sobrestimadas. A política exterior

tornou-se, desde então, confusa e ziguezagueante, refletindo essas tensões internas.

A opção entre a negociação bilateral versus a multilateral se tem colocado

várias vezes em nossa política externa, freqüentemente com caráter reflexo. O primeiro

caso nos leva a explorar a nossa posição-chave — demográfica e estratégica, já

caracterizada pela época da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos. A doutrina foi

abandonada em busca do movimento multilateral da Operação Pan-americana. O

surgimento da Aliança para o Progresso nos encontrou arredios, se não mesmo infensos

à idéia de desenvolvimento democrático latino-americano sob a égide da segurança

continental. A opção tem, assim, variado no curso do tempo. E, sem dúvida, é de

admitir-se que, dentro de tão necessário órgão propulsor do desenvolvimento

econômico da América Latina, o Brasil tenha, por títulos que lhe são peculiares, uma

especial posição. E recomenda que, além de acelerar a execução de seu programa, evite

o predomínio do assistencialismo e concentre grandes esforços no apoio ao

desenvolvimento, pela consolidação da infra-estrutura de cada uma das nações.

Por sua vez, as pressões internas em favor do estatismo e nacionalização têm

tido repercussão na política externa, criando áreas de atrito. É o caso, por exemplo, das

encampações de concessionárias de serviços públicos, da política semimonopolista

de minérios, assim como dos desestímulos aos capitais estrangeiros. Isso impõe

rápidas, e por vezes difíceis, mudanças de linha em nossa política externa, a qual passa

periodicamente de uma atitude de entusiástico apelo à cooperação de capitais

estrangeiros para uma atitude de reserva, se não mesmo de hostilidade. O Brasil trata de

enveredar pela política da livre empresa e de acolhimento ordenado do capital

estrangeiro.

Na base da compreensão desses aspectos essenciais que o Governo já

estabeleceu para a política nacional, a política externa, em completa associação com a

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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interna, tem objetivos atualizados que se enquadram nos objetivos nacionais.

Constituem um contexto de ações táticas decorrentes da estratégia nacional.

A nossa política externa tem, por sua vez, os seus próprios objetivos. A

diplomacia deve ser também um instrumento para carrear recursos para o nosso

desenvolvimento econômico e social, como meio de fortalecimento do poder nacional.

Essa ação da política externa pode exercer-se, então, no plano de investimentos e

financiamentos, mantendo-se continua pressão para que estes aumentem em volume e

sejam dados em condições mais flexíveis, e no plano do comércio externo, obtendo-se

cooperação internacional, para a estabilização do preço de nossos produtos de

exportação, para a montagem de mecanismos de financiamento compensatório, em caso

de declínio dos preços desses produtos, e, finalmente, para abrir novos mercados.

O desarmamento das grandes potências nos interessa como contribuição à paz

mundial e para liberar recursos que possam ser utilizados no desenvolvimento

econômico de muitas regiões do mundo. A fim de ser realista, nossa política deve

reconhecer a impossibilidade de solução rápida do problema, em virtude das tensões

ainda existentes e da necessidade de vincular o ritmo do desarmamento a sistemas

adequados de controle e inspeção internacional, tendo em vista persistir ainda, apesar do

impasse nuclear, rima vocação expansionista do movimento comunista mundial.

O anticolonialismo assenta tanto em razões filosóficas ou morais como

pragmáticas. Deve ser encarado como instrumento para a preservação da paz, face à

inevitável ocorrência de guerras de liberação, enquanto persistir o sistema colonial;

como instrumento também auxiliar do desenvolvimento brasileiro, pela extinção de

situações de exploração econômica de certas matérias-primas pelas metrópoles,

colocando-nos em desvantagem no mercado mundial. É ainda um método para a

garantia de nosso poder econômico, de vez que, combatendo, por princípio, ingerências

na vida de outros povos, contribuímos para afastar de nossa própria vida ingerências

possíveis. Entretanto, nossa política anticolonial se defronta com o problema dos laços

afetivos e políticos que nos unem a Portugal. Talvez a solução residisse na formação

gradual de uma comunidade Afro-Luso-Brasileira, em que a presença brasileira

fortificasse economicamente o sistema. Qualquer política realista de descolonização não

pode desconhecer, nem o problema específico de Portugal, nem os perigos de um

desengajamento prematuro do Ocidente.

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O Governo atribui, politicamente, particular importância à integração latino-

americana. Procurará estreitar, em todos os campos, as relações com todos os países,

pelo aperfeiçoamento da convivência econômica e cultural. No que diz respeito aos

países limítrofes, esforçar-se-á em aumentar seus sistemas de comunicações e de

transportes, de tal modo que as fronteiras possam

passar a unir-nos efetivamente. Empenhar-se-á em tornar a Associação Latino-

Americana de Livre Comércio um instrumento eficiente de incremento nas trocas entre

os países americanos. O Governo brasileiro mantém a tradicional adesão do Pais aos

sentimentos e ideais do pan-americanismo. Considera de seu dever fortalecer por todos

os meios a Organização dos Estados America nos, sustentando os princípios básicos da

coesão continental e procurando fazer com que se restaure a unidade democrática do

Continente. Não foi outra a atitude do Brasil na Reunião de Consulta que se acaba de

realizar em Washington, na qual nossa Delegação, com eficiência e brilho, retomou

nossas tradições de solidariedade interamericana, contribuindo para robustecer a

segurança coletiva das Américas. Em relação aos Estados Unidos da América, a política

externa brasileira removeu, antes de tudo, a irreconhecível doutrina de nossas posições

ambíguas e, ao mesmo tempo, de postulante. Temos a convicção de que o Brasil e a

grande nação norte-americana cruzam seus interesses econômicos e comerciais no plano

de uma digna política e de uma amizade recíproca. As características da atual situação

do Brasil coincidem com os anseios de paz do Continente e, também, com os

fundamentos de segurança coletiva, tão da responsabilidade dos Estados Unidos. Para

estes, sem dúvida, é um beneficio político a recuperação da plenitude da

autodeterminação brasileira. O respeito mútuo e a probidade por nós levada a todas as

nossas intenções e proposições elevam o nível das relações e produzem resultados

positivos. As negociações bilaterais têm tido na América do Norte o tratamento de uma

nação que deseja colaborar no soerguimento de nossas finanças e economia. Na Aliança

Para o Progresso, a sua ação se ativa e mostra uma política de apoio ao desenvolvimento

brasileiro e dos outros países da América Latina. São relações que só podem robustecer

também a posição de cada um dos dois países e a paz entre os povos. E a sua

compreensão do advento do atual Governo brasileiro e da política que este agora

empreende constitui um histórico apoio ao nosso progresso e à democracia no Brasil.

Em nossas relações com a Europa Ocidental, vemos reunida uma tradição de

influência duradoura, uma comunidade de pensamento democrático e todas as

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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possibilidades de uma cooperação fecunda. A Europa Ocidental logrou refazer-se das

feridas da Segunda Guerra Mundial e seus povos conseguiram, pelo trabalho e pela

persistência, uma invejável recuperação econômica. Nossas relações acompanham a

renovação que caracteriza aquele continente, e de que é exemplo a Comunidade

Econômica Européia. Os laços que hoje nos unem têm um significado real para o

desenvolvimento brasileiro. Negociações recentemente concluídas mostram que as

novas condições do Brasil são ali compreendidas e que é possível continuar e aprimorar

a cooperação que já existe. Nisso pomos todo o nosso empenho. A prosperidade da

Europa Ocidental não nos fez esquecer que ainda existem ali problemas políticos muito

sérios. 0 Brasil não é indiferente à divisão imposta ao povo alemão, ao qual não se pode

negar o direito à autodeterminação.

No Leste Europeu encontramos Estados cuja filosofia política diverge

essencialmente da nossa. Essas divergências não têm por que criar entre nós e esses

países um estado de hostilidade. As relações que com eles temos, podemos mantê-las e,

em certos terrenos, ampliá-las. O comércio entre o Brasil e esses países pode ser

mutuamente proveitoso: estamos prontos a aumentar nossas trocas, desde que elas não

sejam veículo de influências inaceitáveis.

Essa mesma ampliação de comércio desejamos com os países da África e da

Ásia. Quanto a esta última, há a considerar a dificuldade das distâncias, mas ela não é

insuperável, como o demonstram os laços que existem entre o Brasil e o Japão. Mas

com a África e a Ásia não desejamos apenas comerciar.

Existem todos os elementos para uma cooperação fraternal e um entendimento

amplo entre o Brasil e os povos que emergiram. recentemente para a liberdade e que

estão dispostos a mantê-la. Cooperação, entendimento, harmonização de interesses -

isso buscamos com todos os países e com todos os povos, respeitadas as hierarquias que

o interesse nacional aconselha. Esses mesmos princípios servem de base às Nações

Unidas. Nela participamos ativamente. Apesar das deficiências que apresentam, são as

Nações Unidas, no mundo de hoje, o instrumento essencial para a manutenção da paz,

sem a qual nenhuma realização é possível. Para atingir tais propósitos, soldados do

Brasil se encontram atualmente em Gaza e estiveram no Congo, como poderão ser

chamados amanhã a novas operações de paz.

Jovens diplomatas:

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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Pretendi dar-vos a última aula de vosso estágio no Instituto Rio Branco. Não o

fiz como professor de teoria diplomática, mas como responsável pela formulação das

bases da doutrina adotada Para nossa política externa.

Desejo que anoteis ser esta doutrina fundamentada nos objetivos nacionais, e

que estes se inspiram na procura do bem-estar da nação brasileira. E, mais, que, entre

eles, tem dominância o nosso desenvolvimento econômico.

A diplomacia sempre é conhecida por períodos de sua atuação, cada um deles

caracterizado por uma fase histórica, ou mesmo pelo nome de alguém que com saber

engrandeceu o País.

Ides pertencer à diplomacia da época da Revolução brasileira, com a qual o

Brasil se renova e mais se firma internacionalmente. Estareis vinculados à grandeza de

uma tarefa nacional, sobretudo pelo esforço com que cada qual participará de uma nova

era do Itamarati.

As missões que desempenhareis terão como substância as idéias revolucionárias

e exigirão métodos adequados às mutações inelutáveis de nossa política externa.

Não é possível servir à Revolução com o bifrontismo de atitudes dissimuladas,

nem com a esquivança de quem se subtrai ao dever de servir ao Brasil.

A honra do profissional do Itamarati de hoje está no vigor da fidelidade à

doutrina da diplomacia da Revolução brasileira. E, assim, sereis diplomatas de uma

grande democracia.

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TEXTO 3: Diretriz particular e íntima para o Ministro Juracy Magalhães.520

1 - O caso do Vietnã está repercutindo em cheio sobre o Governo do Brasil.

O Embaixador Gordon, em sua última conferencia comigo, antes do Natal,

transmitiu-me o pedido do Presidente Jonhson para o nosso país colaborar no esforço

norte-americano. Disse-me que em 1966 Será considerável o montante de efetivos (mais

de 400.000 homens). Sugeriu, então, que enviássemos meios de guerra (tropas

terrestres, navios ou aviões), médicos ou mesmo enfermeiras, Veio a ofensiva de paz, e

isso suspendeu as conversações. Eu lhe pediria que retomássemos o assunto, inclusive a

correspondência já trocada a respeito de nossa cooperação nas negociações de paz (a

nossa resposta parece fraca).

2 - Parece que devemos cerrar a nossa diplomacia sobre o Governo boliviano.

Este nos pediu armamento. Agora deve ser ativada a procura de solução para o

gasoduto. As duas coisas podem ter até conexão. Peço-lhe para tratar do assunto com o

Gen. Geisel (armamento e gasoduto, no plano do CSN). Ministro Roberto Campos

(gasoduto) e Marechal Ademar (gasoduto).

3 - Penso que não devemos perder a iniciativa em Montevidéu. O Embaixador

Pio Correia foi vigoroso em sua atividade. Qual será o seu substituto? Embaixador

Silveira? Não e proposta; é apenas para iniciarmos conversação.

4 - Peço sua atenção para o Chile. Devemos ter lá um Embaixador atuante e que

interprete com agressividade a Revolução. O PDC e os comunistas trabalham

vantajosamente contra o Brasil. E o Frei quer ser líder sul-americano e é quase contra

nós na OEA.

5 - Na Argentina, devemos estar bem presentes. Há os antigos complexos de

liderança, e também os aspectos da política militar de lá, a qual, de vez em quando, quer

ligar-se conosco. Além disso, sua atuação no Continente não pode embaraçar o

Itamaraty,

6 - O caso do Paraguai toma rumos aleatórios. Precisamos dominar a questão. 0

Embaixador, parece-me, compenetrado da missão. A situação do Conselheiro de

Embaixada exige de nos um exame severo e conseqüente decisão. 0 caso paraguaio Já

520 CPDOC, JM 68.01.15, Arquivo Juracy Magalhães. (17/01/1966).

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começa a despertar curiosidade no Continente, Reviver questão de limites, é um perigo.

As implicações já são várias.

7 - A Venezuela, depois de meu discurso na OEA, entrou na moita. Não

devemos acuá-la, penso eu.

8 - No México, precisamos ter uma representação mais atuante. A política

mexicana tem a mania de perturbar a compreensão mútua no Continente sem um lastro

de autoridade (fascistas de partido único que vivem a falar em autodeterminação e não

intervenção). Peço também que a sua atenção se volte para a posição do México

relativamente a questão “nuclear”.

9 - Creio que não devemos diminuir o nosso impulso na OEA, Evolução e

vitalização. o Embaixador foi reconduzido por motivo de sua eleição garantida para

Presidente. É devedor de um bom troco.

10 - Provavelmente a mudança de Comandante em São Domingos vai criar um

clima de não irritação. Precisamos estabelecer unidade diplomática-militar. O nosso

Embaixador parece que diminuiu o fôlego. Estou informado de que a Embaixada está

deserta de auxiliares porque ninguém quer ir para lá...

11 - O Embaixador em Paris já vai ser retirado. Nem pode continuar. O sucessor

tem que ter disposição para agir pela Revolução e contra a central comunista la

instalada. Juscelino, Wainer, Josué da fome, etc. muito mal nos fizeram e ainda não

desmantelamos os efeitos da propaganda que moveram contra a Revolução.

12 - Depois de Paris, as Embaixadas mais importantes na Europa são as de

Bonn e Roma, precisam ser seriamente impulsionadas.

13 - Necessitamos resolver sem perda de tempo o provimento da Embaixada em

Lisboa. O Embaixador Fragoso resolveu como bem quis os seus problemas particulares,

Veio e voltou, e só virá quando o seu calendário pessoal indicar, E o “Correio da

Manhã” esta aí para acolhê-lo contra nós. Precisaremos de um novo Embaixador a

altura da tradição luso-brasileira, mas que nos conserve a distância do colonialismo,

pois nos somos pela descolonização metódica.

14 - A nossa presença na ONU necessita ser menos rotineira.

15 - Tenho mantido íntimos contatos com o Núncio. O Itamaraty, não. Devemos

estar o atentos para a nomeação de Arcebispos e Cardeais.

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

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16 - Quanto a representação em Washington, desejo que se reproduza o que fez

o antecessor do Embaixador Vasco Leitão, alem de o Itamaraty conservar-se bem ligado

ao setor financeiro-econômico do nosso Governo e dando aquele cerrado apoio.

17 - O Delegado na UNESCO já foi exonerado e, para substituí-lo, foi

convidado o Prof. Carlos Chagas, que parece aceitar.

18 - Desejo que se prossiga na aplicação total do decreto dos SEPROS.

Racionaliza-los e livrá-los dos turistas pagos pelo Itamaraty.

19 - Creio que há uma incompreensão quanto aos adidos culturais. Os

interessados pensam que devem envelhecer nos cargos, e a cultura envelhece com eles.

O adido cultural deve ser renovado periodicamente (2 anos e mesmo 3 anos), a fim de

que o novo detentor do cargo possa levar ao país amigo novas informações culturais do

Brasil, o que há de mais recente. Há umas normas já aprovadas por mim. Não seria

melhor um decreto?

20 - Segundo combinações recentes, o Embaixador Roberto Assunção poderá ir

para Bruxelas, quando sair, por aposentadoria, o que lá se encontra. Tem trabalhado

muito na Argélia e é culto, além de fiel a Revolução. Não me lembro de outras

combinações.

21 - Peço-lhe estudar e resolver o caso dos “turistas”. Não consegui ate hoje

penetrar a fundo nessa classe, São os dos SEPROS antigos, os encostados nas

Embaixadas, os “a disposição” em qualquer lugar, os agregados . inclusive na

UNESCO, tudo fora da carreira e não constante nos quadros do Itamaraty, Há

funcionários de outros Ministérios que nestes fazem falta (estatísticos, por exemplo) e

passeiam apoiados no dollar governamental, E há sempre a desculpa de que poderão

fazer falta, que o Brasil vai perder e ninguém poderá substituí-los. Desculpe o

argumento: não mandei até hoje ninguém por iniciativa minha; tenho o direito de

solicitar uma operação de limpeza. Ainda quanto a pessoal, há representações

diplomáticas sem funcionários de carreira no numero de lotação. Pois se acotovelam em

bons lugares. Finalmente, renovo a declaração que já fiz: sou contra os Embaixadores

da República e o aumento da idade da compulsória.

22 - O Instituto Rio Branco necessita ser completamente rearticulado, vivificado.

É uma espécie de Escola Militar sem espírito renovador e que não se apercebe que é a

única fonte de provimento dos quadros de sua Força. Parece que o seu Diretor precisa

ser substituído.

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TEXTO 3: Diretriz particular e íntima para o Ministro Juracy Magalhães (fac-

símile da primeira página).

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FONTES E BIBLIOGRAFIA

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TERRA SÓLIDA: a influência da geopolítica brasileira e da Escola Superior de Guerra na política externa do Governo Castello Branco

257

Fontes e Bibliografia

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— INSTITUIÇÕES/ARQUIVOS CONSULTADOS:

ARQUIVO DA MARINHA

ARQUIVO HISTÓRICO DO ITAMARATY:

ARQUIVO PARTICULAR DO BARÃO DO RIO BRANCO

EMBAIXADAS

ESCOLA SUPERIOR DE GUERRA

FGV/CPDOC:

ANTÔNIO CARLOS MURICY

CASTELLO BRANCO

CORDEIRO DE FARIAS

COSTA E SILVA

JUAREZ TÁVORA

JURACY MAGALHÃES

RELAÇÕES INTERNACIONAIS

VASCO LEITÃO DA CUNHA

FONTES PUBLICADAS

— COLEÇÃO DE DOCUMENTOS

ALMANAQUE DA MARINHA.

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— PERIÓDICOS

A DEFESA NACIONAL

BOLETIM GEOGRÁFICO

COLETÂNEA

ITAMARATY

JORNAL DO COMMERCIO

LIGA MARÍTIMA

MONITOR MERCANTIL

O PAIZ

POLÍTICA EXTERNA INDEPENDENTE

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REVISTA DO CLUBE MILITAR

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REFORMA DO ITAMARATY. EM SEGUIDA, INFERIR AS POSSÍVEIS

IMPLICAÇÕES DAQUELE MECANISMO NA APLICAÇÃO DA

METODOLOGIA PARA O ESTABELECIMENTO DA POLÍTICA DE

SEGURANÇA NACIONAL. ENUNCIAR AS CONCLUSÕES A RESPEITO.

COMPLEMENTARMENTE, DISCUTIR, EM TERMOS GERAIS, AS

POSSÍVEIS FORMAS DE APLICAÇÃO DO PODER NACIONAL PARA

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