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    TERRENOS DE MARINHA E ACRESCIDOS:NOVAS PERSPECTIVAS PARA O DEBATE1

    Gabrel Q Cmbra2

    Als Krlg3

    RESUMOEste artigo tem por escopo efetuar uma anlise crtica do instituto jurdicodos terrenos de marinha e acrescidos, abordando inicialmente seu con-ceito, natureza jurdica e origem histrica para, aps, contrast-lo com aautonomia municipal consagrada na Constituio da Repblica de 1988.Alm disso, o trabalho busca perquirir a(s) principal(is) proposio(es)legislativa(s) em tramitao no Congresso Nacional, apontando os fatoresimportantes que conspiram contra a aprovao dessas matrias. Por der-radeiro, pretende sugerir novos caminhos em ordem para se construiruma soluo jurdica justa e ecaz para a questo, em que pese a escassae antiga bibliograa disponvel sobre o assunto.

    Palavras-chave: Terrenos de marinha. Acrescidos de marinha. Auto-nomia municipal.

    ABSTRACTThis paper has the target of making a critical analysis of the MarineLands legal institute, approaching initially its concepts, legal nature and

    1 O presente artigo fruto de uma pesquisa cientca realizada no perodo de 2004/2005, comrecursos provenientes do Fundo de Apoio Cincia e Tecnologia do Municpio de Vitria(Facec), sob a coordenao do professor Alosio Krohling, na qual o autor gurou comobolsista de iniciao cientca.

    2 Acadmico de Direito do 9 perodo da FDV e estagirio concursado do Ministrio PblicoFederal.3 Professor do Mestrado da FDV; doutor em Antropologia pelo Instituto Santo Anselmo

    Itlia.

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    historical origin to, make, later, a contrast with the municipal autonomyconsecrated by the Federal Constitution of 1988. Moreover, this workseeks to research the main legislative proposals transacting at the Federal

    Congress, pointing the important factors that conspire against the ap-proval of these subjects. For last, it intends to suggest new ways in orderto construct a fair and efcient legal solution for the question, consideringthe scarce and old bibliography available about the subject.

    Keywords: Marine Lands. Increased Marine Lands. MunicipalAutonomy

    1 CONCEITO E NATUREZA JURDICA

    ODecreto-lei n 9.760, de 5 de setembro de 1946, ora em vigor, es-tabelece, em seus arts. 2 e 3, a conceituao legal dos terrenosde marinha e acrescidos, respectivamente:

    Art. 2. So terrenos de marinha, em uma profundidade de 33 (trinta etrs) metros medidos horizontalmente, para a parte da terra, da posio

    da linha do preamar-mdio de 1831:a) os situados no continente, na costa martima e nas margens dos riose lagoas, at onde se faa sentir a inuncia das mars;b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faa sentir ainuncia das mars.Pargrafo nico. Para os efeitos dste artigo, a inuncia das mars caracterizada pela oscilao peridica de 5 (cinco) centmetros, pelomenos do nvel das guas, que ocorra em qualquer poca do ano.Art. 3. So terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado,

    natural ou articialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, emseguimento aos terrenos de marinha.

    Os terrenos de marinha, portanto, no se confundem com osacrescidos. Na lio de Humberto Haydt de Souza Mello, os chamadosacrescidos de marinha [...] so terrenos que se formam por acrscimo,natural ou articialmente, para os lados do mar, para as margens dosrios ou para a orla dos lagos, tornando mais ampla a rea dos terre-

    nos a que se somam. So os aterros, os terrenos de aluvio essestambm conhecidos como terrenos aluviais (MELLO, 1966. p. 239).Em outras palavras, a rea reputada como de marinha permanece em

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    sua dimenso original, desde 1831, independentemente do tamanhodos terrenos acrescidos. Se, por exemplo, o Poder Pblico realizasseum aterro de 300 metros para dentro do mar, ter-se-ia essa medida

    de terreno acrescido e 33 metros de terrenos de marinha. Dessa feita,conclui-se que o regime jurdico dos terrenos de marinha aplica-se emsua plenitude aos terrenos acrescidos.

    Outrossim, impe-se atentar para o fato de que os terrenos demarinha no podem ser equiparados s praias, como pode parecer primeira vista. A Lei n 7.661, de 16 de maio de 1988, responsvel pelainstituio do Plano Nacional de Gerenciamento Costeiro, em seu art.10, 3, preceitua que [...] entende-se por praia a rea coberta e des-coberta periodicamente pelas guas, acrescida da faixa subsequente dematerial detrlico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, ato limite onde se inicie a vegetao natural, ou, em sua ausncia, ondecomece um outro ecossistema. Da, extrai-se a concluso lgica de queas praias tm dimenso varivel, ou seja, o critrio legal demarcador dosterrenos de marinha (33 metros a partir da linha da preamar-mdia de1831) pode ultrapassar a faixa da praia, bem como esta tambm podeultrapass-los. Pode haver, inclusive, como de fato h, reas de marinhaonde no haja praia. Em resumo, toda e qualquer praia martima estsituada em terrenos de marinha, mas a recproca no verdadeira, jque nem todo imvel de marinha se localiza em praia de mar.

    Note-se ainda que a nomenclatura correta para o instituto ter-renos de marinha, expresso que reete a sua proximidade com asguas salgadas. comum as pessoas referirem-se a essas reas comoda Marinha, o que no se revela adequado, uma vez que sua admi-nistrao no cabe ao Comando da Marinha, rgo subordinado aoMinistrio da Defesa, mas sim Secretaria do Patrimnio da Unio,rgo integrante da estrutura do Ministrio do Planejamento, Ora-mento e Gesto (MPLOG).

    Convm relembrar, por oportuno, que a linha da preamar-mdia sig-nica a mdia da mar alta em determinado perodo, ao passo que a linhada preamar-mdia de 1831 a mdia da mar alta apurada em 1831.

    No tocante natureza jurdica dos terrenos de marinha e acresci-

    dos, pacca a doutrina quanto ao seu carter de bens pblicos do-minicais da Unio. A Carta Magna de 1988, em seu art. 20, VII, cuidou

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    de inseri-los no rol dos bens pertencentes Unio, embora a expresso[...] terrenos de marinha e acrescidos nunca tenha sido empregadanos textos constitucionais brasileiros, 4 conforme leciona o professor

    Jos Cretella jnior (CRETELLA JNIOR, 1993, p. 1.243). Tal omisso,contudo, no retirou dessas reas a natureza jurdica de bem pblicodominical federal, devido construo doutrinria e jurisprudencialsobre a legislao precedente.

    Atualmente, o art. 11 do Decreto n 24.643, de 10 de julho de 1934,refuta qualquer dvida ao qualic-los como bens dominicais. Valedizer que podem ser utilizados privativamente pela Unio de mododireto ou indireto, mediante celebrao de contratos com terceiros (en-teuse, cesso, permisso de uso, etc.). Em princpio, o povo no temlivre acesso a eles, ao contrrio das praias que, por revestirem-se danatureza de bem pblico de uso comum, permitem a qualquer pessoaa sua utilizao livre e irrestrita.

    O novo Cdigo Civil5(2002) refora essa concepo, ao prever emseu art. 99:

    Art. 99. So bens pblicos:I os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruase praas;II os de uso especial, tais como edifcios ou terrenos destinados a ser-vio ou estabelecimento da administrao federal, estadual, territorialou municipal, inclusive os de suas autarquias;III os dominicais, que constituem o patrimnio das pessoas jurdicasde direito pblico, como objeto de direito pessoal ou real, de cada umadessas entidades (grf ss).

    Na mesma linha, o art. 1 do Decreto-lei n 9.760/46, em suasalneas a e b:

    Art. 1. Incluem-se dentre os bens imveis da Unio:a) os terrenos de marinha e seus acrescidos;b) os terrenos marginais dos rios navegveis, em territrios federais, se,por qualquer ttulo legtimo, no pertencerem a particular;

    4 Somam um total de sete: 1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967, 1969.5 O Cdigo Civil de 1916 tambm conduzia ao mesmo raciocnio em seu art. 66.

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    Resta evidente, portanto, que, a partir da anlise da doutrinaptria e da legislao em vigor, deduz-se que os terrenos de marinhae seus acrescidos revestem-se da natureza jurdica de bens pblicos

    dominicais da Unio.

    2 ORIGEM HISTRICA: COMPREENDENDO ASSEMENTES DO INSTITUTO

    A instituio dos terrenos de marinha tem assento histriconos costumes portugueses com o incio da colonizao do Brasil, nosentido de assegurar s populaes e defesa nacional o livre acesso

    ao mar e s reas litorneas. Com efeito, o Rei de Portugal cuidou deproteger essas regies comumente chamadas na Pennsula Ibrica deLezras (beiras de mar, pauis, mangues), que sempre foram conside-radas bens destinados para as despesas dos Reis, cuja propriedadeparticular no se admitia.

    Destarte, a relao dos terrenos de marinha com a defesa nacionalconsiste na necessidade de manter-se sempre desimpedida essa faixageogrca em ordem a permitir o livre trnsito de tropas militares

    ao longo da costa martima e das margens dos rios e lagos sujeitas inuncia das mars.

    Nessa linha de raciocnio, tem-se que a distncia de 33 metros,contada a partir da linha de preamar-mdia de 1831, no foi institudapara impedir que balas dos canhes embarcados nos navios atingissemas instalaes de terra, como querem fazer crer grande parte da dou-trina e a prpria Secretaria de Patrimnio da Unio (SPU). 6

    Os primeiros canhes com tubos metlicos inventados pelo ho-mem, no incio do sculo XIV, alcanavam uma distncia de trs qui-lmetros, fato que desqualica as pretenses de associar a medida de33 ao alcance de projteis de um canho. Hodiernamente, um projtillanado de um canho de calibre de 152 milmetros percorre uma dis-tncia mdia de 25km, atingindo o alvo com certa preciso. De qualquerforma, com o avano da tecnologia militar, que permitiu a criao dos

    6 rgo do Ministrio de Planejamento, Oramento e Gesto (MPLOG), atualmente incumbidode desempenhar as funes de administrao dos bens integrantes do patrimnio imobilirioda Unio, dentre eles, os terrenos de marinha e acrescidos.

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    msseis intercontinentais, no mais se pode justicar a manuteno dosterrenos de marinha como indispensveis segurana nacional.

    Na verdade, o instituto jurdico dos terrenos de marinha e acres-cidos, entendidos como a faixa geogrca da orla martima correspon-dente a quinze braas craveiras (trinta e trs metros) contadas para olado de terra, foi institudo a partir de 1818, com o objetivo de impedira ocupao desordenada dessas reas em decorrncia das atividadesexploratrias do sal da gua do mar e da pesca. Conseguintemente,assegurava-se o livre trnsito para qualquer servio determinado peloRei, bem como a defesa da orla martima.

    Registre-se que a margem martima de quinze braas craveirasrepresentava a extenso suciente para que um contingente militar doefetivo de uma companhia, constituda por nove soldados, pudessedeslocar-se no espao estabelecido.

    Em recente artigo de sua autoria, o professor Dr. Obde Pereirade Lima (2002, p. 46) bem asseverou:

    A medida antiga conhecida como braa craveira equivale a 10 palmos;

    o palmo craveiro, 12 polegadas; a polegada, 12 linhas; e a linha, 12pontos. No sistema mtrico decimal o palmo equivale a 22 centmetros;portanto, cada braa corresponde a 2,20; e 15 braas equivalem a 33metros (2,20 metros x 15 = 33 metros). A est a origem da medida dos33 metros correspondentes a profundidade dos terrenos de marinha,a partir da linha da preamar.

    A preocupao da Coroa em preservar as regies chamadas demarinha, portanto, foi externada por meio da Ordem Rgia de 18 de

    novembro de 1818, a qual determinou que [...] tudo o que toca a guado mar e acresce sobre ela da Coroa, na forma da Ordenao do Reino[e que] da linha dgua para dentro sempre so reservadas 15 braascraveiras pela borda do mar para o servio pblico(MADRUGRA,1928, p. 75-76). Neste ponto, observa-se que a linha de referncia, apartir da qual a distncia de 33 metros deveria ser calculada, denomi-nava-se linha dgua ou borda do mar. Em se tratando de umareferncia varivel, por fora dos fenmenos meteorolgicos, fazia-se

    necessrio atentar para o seu percurso quando atingia a costa. A partirda, contabilizavam-se quinze braas craveiras.

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    Ademais, cumpre destacar que a referida Ordem Rgia, ao estabe-lecer que tudo aquilo que no futuro viesse a acrescer sobre a gua domar, de modo natural ou articial, tambm constituiria propriedade da

    Coroa, acabou por disciplinar o que hoje se reconhece como terrenosacrescidos de marinha.

    3 UTILIZAO E ADMINISTRAO

    A peculiaridade que distingue os terrenos de marinha e acrescidosdos demais bens pblicos pertencentes Unio consiste na proibio deque aqueles, quando situados na faixa de segurana, no so passveis

    de alienao total (venda, permuta ou doao) sob nenhum pretexto.Se for conveniente ceder seu uso a terceiros, h que se faz-lo mediantecontrato de aforamento, a teor da inovao introduzida pelo Consti-tuinte de 1988, no art. 49, 3 do Ato das Disposies ConstitucionaisTransitrias (ADCT): [...] a enteuse continuar sendo aplicada aosterrenos de marinha e seus acrescidos, situados na faixa de segurana,a partir da orla martima. Esse dispositivo nos conduz ao raciocniode que a terceiros s lcita a transferncia do domnio til (direto

    real de uso), por meio da constituio da enteuse, pela qual a Uniomantm o domnio direto.

    Todos os demais bens imveis da Unio, inclusive os terrenosde marinha e acrescidos no situados na faixa de segurana da orla,podero ser integralmente alienados, desde que preenchidos os pres-supostos de convenincia e oportunidade, ante a ausncia de vedaoconstitucional expressa.

    Nesse sentido, dispe o art. 23 da Lei n 9636/98, diploma res-

    ponsvel pela implementao da alienao dos imveis da Unio nosujeitos ao regime de aforamento:

    Art. 23. A alienao de bens imveis da Unio depender de autorizao,mediante ato do Presidente da Repblica, e ser sempre precedida deparecer da SPU quanto sua oportunidade e convenincia. 1 A alienao ocorrer quando no houver interesse pblico, eco-nmico ou social em manter o imvel no domnio da Unio, nem in-

    convenincia quanto preservao ambiental e defesa nacional, nodesaparecimento do vnculo de propriedade.

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    Destarte, com o advento da Lei n 9636/98, sufragou-se o entendi-mento segundo o qual a alienao plena das reas de marinha situadasna faixa de segurana, a partir da orla martima, encontraria vedao

    constitucional. Dessa forma, o legislador do aludido diploma ordinrioestabeleceu restries queles bens sujeitos enteuse (aforamento),incluindo-se nesse rol os imveis de marinha acrescidos, mencionadosno art. 49, 3 da Carta Magna.

    A sistemtica legal atualmente em vigor, portanto, resume-se daseguinte forma:

    a) prevalncia de interesse pblico sobre os terrenos de marinha ou acrescidossituados na faixa de segurana: mantm-se o domnio pleno da Unio;

    b) ausncia de interesse pblico sobre tais reas: aliena-se o domnio til medianteenteuse, permanecendo a Unio como titular do domnio direto;

    c) terrenos de marinha ou acrescidos localizados fora da faixa de segurana:permite-se a alienao plena, tal qual se d com os demais bensdominicais.

    3.1 Regime entutico: foro e laudmio

    importante tecermos breves consideraes acerca do denominadoregime entutico ou de aforamento, a m de que o leitor compreendaos delineamentos bsicos desse instituto de Direito Civil, especialmentequando aplicado no mbito do Direito Administrativo.

    Assim, pode-se conceituar a enteuse como direito real sobrecoisa alheia, transmissvel por herana, por meio da qual se divide o

    direito de propriedade em domnio til e domnio direto. O primeiro(domnio til) garante ao seu titular o uso do imvel como se pro-prietrio fosse; o segundo (domnio direto) confere ao seu detentoro recebimento do foro anual, laudmios e preferncia em uma pos-svel alienao do domnio til. Cuida-se, pois, de instituto jurdicoque garante o mais amplo direito sobre a propriedade alheia, o quedemonstra certa contradio na redao do art. 49, 3 do ADCT,uma vez que, se o objetivo era assegurar uma proteo mais efetiva

    aos bens de marinha e acrescidos situados na faixa de segurana, porcerto a obrigatoriedade de constituio da enteuse no preenche o

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    escopo colimado, por subtrair considervel parcela de propriedadeda Unio sobre tais imveis.

    O Cdigo Civil de 2002 vedou a criao de novas enteuses e su-benteuses, mantendo as existentes at sua extino (art. 2038). dizer:a enteuse dos terrenos de marinha e seus acrescidos, disciplinada porlei especial (Decreto-lei n 9.760/46 e Lei n 9636/98), no foi afetadacom a supervenincia do novo Estatuto Civil. Alm disso, apresentaalgumas peculiaridades prprias ao regime de Direito Pblico, in-compatveis com a disciplina privatista do Cdigo Civil (aplicvel aosparticulares por envolver direitos patrimoniais disponveis).

    Em suma, o titular do domnio til (foreiro ou entuta) apre-senta-se em posio jurdica inferior em relao quele que detm apropriedade plena de um imvel, no que toca sua segurana patrimo-nial, por fora dos vrios elementos j expostos, como o pagamento doforo anual, laudmio, etc. Por outro lado, em algumas circunstncias,o enteuta sujeitar-se- aos mesmos nus do titular do domnio pleno,como a possibilidade de desapropriao de seu domnio til, 7 sujeioa impostos, submisso ao poder de polcia da Administrao Pblica,dentre outros. Por isso, costuma-se armar que o foreiro (enteuta)consiste num verdadeiro psedprprer.

    3.2 Secretaria do Patrimnio da Unio (SPU):grande imobiliria?

    A Secretaria de Patrimnio da Unio (SPU), antigamente deno-minada Servio do Patrimnio da Unio, constitui rgo integranteda estrutura do Ministrio de Planejamento, Oramento e Gesto

    (MPLOG), cuja atribuio administrar o patrimnio imobilirio daUnio. Nesse rol, incluem-se os imveis prprios nacionais, as reas depreservao permanente, terras indgenas, orestas nacionais, terrasdevolutas, reas de fronteira, bens de uso comum e os famigeradosterrenos de marinha e seus acrescidos.

    Em relao a esses ltimos, justamente por fora da defasa-gem do critrio legal de demarcao, consubstanciado na linha da

    7 No h vedao para que o Estado-membro, o Distrito Federal ou os municpios desapropriemo domnio til de um terreno de marinha aforado pela Unio a terceiro, j que a desapro-priao incidir sempre sobre este ltimo, mas nunca sobre o Ente Poltico Maior.

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    preamar-mdia de 1831, a SPU vem administrando inmeras reasurbanas no Pas, localizadas a centenas de metros das praias, comoocorre em Vitria, 8 Florianpolis, Belm, So Lus, Rio de Janeiro,

    dentre inmeras outras cidades.Acontece que tal situao no se coaduna com a ideologia ins-

    piradora da reforma administrativa que vem sendo implementadano Estado moderno, cuja tendncia reservar ao ente estatal dedireito pblico apenas o cumprimento de suas funes bsicas, talqual a prestao dos servios de sade, educao, segurana pblica,etc. Trata-se de uma poltica de descentralizao, mediante a qualse pretende diminuir o inchao da mquina estatal federal, reser-vando-se Unio apenas a tarefa de estimular o desenvolvimentoeconmico e social no Brasil.

    Entretanto, o maior problema reside na falta de estrutura da SPUpara gerir cerca de quase nove mil quilmetros de terrenos de marinhae acrescidos espraiados pelo litoral brasileiro. O Governo Federal, aomesmo tempo em que toma para si a administrao dessas reas, noinveste no rgo responsvel pelo patrimnio imobilirio da Unio,transformando a SPU numa decadente imobiliria, em que pese o pre-paro prossional dos brilhantes quadros que compem sua precriaestrutura. O resultado claro: falta de controle sobre a coisa pblica.Basta que observemos os inmeros imveis abandonados, servindode depsito de lixo, estimulando invases e acelerando o processo defavelizao em torno de cidades litorneas.

    A imprensa tem noticiado casos em que alguns imveis so ca-dastrados como situados em reas de marinha e outros no, embora

    ambos estejam localizados, de fato, em terrenos de marinha ou acres-cidos. Isso tem aumentado o descrdito e a reprovao social de que jpadece o instituto, os quais se reetem sobre a Secretaria de Patrimnioda Unio, que no consegue exercer com competncia o seu misterpor absoluta impossibilidade material. Em razo disso, a inseguranajurdica gerada para milhares de famlias que edicaram sobre essasreas intensa. H situaes em que a SPU inicia a cobrana do cidado

    8 Alguns exemplos so a rea da INFRAERO, em Camburi; os Galpes do IBC, em Jardim daPenha; terrenos ao longo da Reta da Penha; na rea chamada de Cruz do Papa, na Enseadado Su; na rea ao lado do INSS, na Beira-Mar; alm do estacionamento atrs da Mesbla.

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    depois de vrios anos em que reside no imvel, desconsiderando porcompleto escrituras registradas em Cartrio, como ocorreu no EspritoSanto com a execuo de um plano piloto de cadastramento levado a

    efeito na dcada de 90.Pelo exposto, percebe-se que a SPU, ao administrar tamanha

    quantidade de reas urbanas, no contribui para o fortalecimento daautonomia municipal e, conseguintemente, fere de morte o ensina-mento de Franco Montoro, to propalado no Congresso Constituintede 1988, segundo o qual [...] ningum vive na Unio ou nos Estados;as pessoas vivem nos municpios.

    4 PODER MUNICIPAL E TERRENOS DE MARINHA:ENTRAVE AO DESENVOLVIMENTO URBANO

    Com o advento da Constituio da Repblica de 1988, integrou-se omunicpio na Federao, como ente de 3 grau, arts. 1 e 18, verbs:

    Art. 1. A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indisso-lvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em

    Estado Democrtico de Direito e tem como fundamentos:[...]Art. 18. A organizao poltico-administrativa da Repblica Federativado Brasil compreende a Unio, os Estados, o Distrito Federal e os Muni-cpios, todos autnomos, nos termos desta Constituio (grifo nosso).

    Nesse sentido, a principal inovao introduzida pela Lei Magna de1988 foi a ampliao da autonomia municipal, em seu aspecto poltico,

    administrativo e nanceiro, consoante se depreende dos arts. 29, 30,31, 156, 158 e 159 do texto constitucional. A possibilidade de elaborara sua Lei Orgnica, uma espcie de Constituio Municipal, retratabem a disposio do legislador constituinte em delinear um novo papelpara o municpio na Federao, no mais de mero coadjuvante, masde protagonista principal ao lado dos Estados e Distrito Federal.

    Outras novidades tambm surgiram, como a extino da nomea-o do chefe do Poder Executivo para qualquer municpio, manuteno

    da eleio direta para os postulantes Cmara Municipal e vedao dacriao de Tribunais, Conselhos ou rgos de Contas Municipais.

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    No tocante repartio de competncias, a Constituio atual con-ou municipalidade uma srie de competncias privativas, arroladasno art. 30, dentre as quais se destaca a expresso [...] legislar sobre

    assuntos de interesse local (inciso I), 9 inaugurando o novo perl quese viria a atribuir autonomia municipal. Por esse termo (interesselocal), entenda-se a predominncia do interesse da municipalidadesobre o do Estado ou da Unio, e no sua exclusividade.

    Alm disso, instituiu-se um regime de cooperao entre os entesprevisto no art. 23 da Constituio, que elenca as hipteses de compe-tncia comum da Unio, Estados, Distrito Federal e Municpios.

    Ocorre que nem sempre foi assim. A disciplina constitucional dosmunicpios variou ao longo de sua histria no Brasil, de acordo com aconvenincia dos regimes, nada obstante todas as Constituies pas-sadas terem positivado a expresso autonomia municipal em seuscontedos, que at o Texto Magno de 1946 permaneceu como uma f-la de papel. 10 A partir da, a liberdade municipal passa a ser exercidacom mais vigor, por fora da no interferncia dos Governos Federale Estadual, da eleio direta para prefeito, vice-prefeito e vereadorese da dotao oramentria prpria.

    Mas, anal, o que se entende por ama mcpal?

    Maria Helena Diniz (1998, p. 348) bem salienta que a expressoconsiste na [...] capacidade do Municpio de organizao poltico-ad-ministrativa e de gesto dos assuntos de seu peculiar interesse, dentrodos limites xados constitucionalmente, podendo contrapor a sua livredeliberao eventual ingerncia de outras esferas governamentais,ou seja, da federal ou estadual.

    Destarte, possvel concluir que o legislador constituinte de 1988compreendeu, de fato, que as pessoas residem no municpio.

    Portanto, o conhecimento da realidade local que credencia asadministraes municipais a assumirem a gesto dos terrenos de mari-nha e acrescidos. A sistemtica atual prestigia a arrecadao de receitaspor parte da Unio em detrimento da autonomia municipal.

    9 Tal dispositivo veio em substituio expresso peculiar interesse consagrada em todasas Constituies Republicanas anteriores (1891 em diante).10 Numa referncia ao ilustre escritor Ferdinand Lassale, que utiliza o termo em sua consagrada

    obra intitulada A essca da Cs.

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    O Brasil possui uma organizao poltico-administrativa muitopeculiar, calcada na centralizao de decises na esfera da Unio. Com oadvento da modernizao do conceito de Estado, conforme j colocado,

    as decises esto passando por um grande processo de descentraliza-o, o que tem trazido incontestveis benefcios para o nosso pas. Talmedida tem-se mostrado ecaz para se superar o histrico problema daburocratizao centralizada, caracterstica marcante da administraopblica brasileira. O Pas tem logrado xito em reas como a sade eeducao, por exemplo, nas quais o processo de descentralizao dedecises permitiu a criao do SUS e do FUNDEF, respectivamente.

    A Unio, contudo, valendo-se de razes de ordem econmica ede segurana nacional, insiste em manter largas faixas de terras sobseu domnio, muitas sem destinao social especca ou mal apro-veitadas, dicultando a utilizao das reas de marinha por parteda administrao municipal para a construo de escolas, praas,postos de sade, conjuntos habitacionais, enm, para melhoria devida dos muncipes.

    Por isso, pode-se armar, sem receio de estar-se incidindo emexcessos, que os terrenos de marinha e seus acrescidos representamum imenso entrave ao desenvolvimento urbano. A pretexto de cum-prir-se um Decreto-Lei de 1946, a Unio, por meio da SPU, tem invia-bilizado ou atrasado o aproveitamento de reas urbanas essenciaisao dia-a-dia da cidade. Ademais, o processo para sua utilizao, porparte do Poder Pblico Municipal, agura-se extremamente burocr-tico e exaustivo, ensejando, em ltima anlise, a construo irregularde pequenas casas e prdios em desatino legislao vigente, porcompleta ausncia de scalizao.

    inegvel que as Prefeituras esto mais bem estruturadas paraadministrar e efetivar a funo social dos imveis de marinha, atri-buindo-se-lhes a destinao mais apropriada, em ordem a atenderas necessidades prementes da realidade local, mediante um ecazplanejamento urbano.

    Nessa linha de raciocnio, cabe trazer reexo interessante trechoda obra Interpretao Constituciona: dois sculos de refexo, de autoria

    de Charles Cole (___, p. 39), que retrata com bom humor a tendnciamoderna da poltica de descentralizao:

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    Conservar o poder mais perto do povo possvel; a menos que ecinciaou alguma outra razo requeira elaborao de decises de forma cen-tralizada, devem elas ser proferidas descentralizadamente. Desta forma,

    se obtm pequenos tiranos em vez de grandes, e pequenos tiranos somais facilmente evitveis.

    5 AES LEGISLATIVAS EM CURSO E FATORES QUECONSPIRAM CONTRA A SUA APROVAO

    5.1 Projeto de lei n. 4316/2001

    Dentre as inmeras solues j propostas, destaca-se o Projeto deLei n 4316/2001 (PLS n 617/1999), de autoria do ex-senador PauloHartung, atual governador do Estado do Esprito Santo, que propeque seja alterado o cap do art. 2 do Decreto-lei n 9.760, de 5 desetembro de 1946, permitindo-se que seja atualizado o conceito dosterrenos de marinha.

    O texto nal da proposio, aps as discusses na Comisso de

    Constituio, Justia e Cidadania do Senado da Repblica, restouassim redigido:

    O Congresso Nacional decreta:Art. 1. O caput do art. 2 do Decreto-Lei n. 9.760, de 5 (cinco) de setem-bro de 1946, passa a vigorar com a seguinte redao:Art. 2 So terrenos de marinha, em uma extenso de 33 (treze) metrosmedidos horizontalmente, para a parte da terra, da posio da linha dapreamar-mdia observada no ano de 2000:

    a) os situados no continente, na costa martima e nas margens dos riose lagoas, at onde se faa sentir a inuncia das mars;b) os que contornam as ilhas situadas em zona onde se faa sentir ainuncia das mars.Art. 2. As reas pblicas que, por fora do artigo anterior, deixam deconstituir terrenos de marinha, ou terrenos acrescidos de marinha, pas-sam a ter a sua propriedade assim distribuda:I continuam sob a titularidade da Unio, aquelas em que edicadosprdios pblicos que abriguem rgos ou entidades da administrao

    federal, bem como as reas que estejam, ou venham a ser, destinadas utilizao pelas Foras Armadas e no caso de prestadores de serviospblicos concedidos ou permitidos pela Unio, desde que protocoladas

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    atravs de processo administrativo na Secretaria do Patrimnio da Unioat 1 de janeiro de 2000;II pertencem aos Estados onde situadas, aquelas em que edicados

    prdios pblicos que abriguem rgos ou entidades da respectiva ad-ministrao estadual ou estejam destinadas utilizao por prestadoresde servios pblicos concedidos ou permitidos pelos Estados.III permanecem sob a titularidade dos respectivos donatrios, aquelasdoadas mediante prvia autorizao em lei federal;IV passam propriedade dos municpios onde situadas, aquelas noenquadrveis nas hipteses descritas nos incisos anteriores e as parcelasatualmente cedidas, locadas, arrendadas ou aforadas a particulares pelaUnio, ou ocupadas, regular ou irregularmente.Pargrafo nico. A alienao dos imveis recebidos pelos municpios,na forma do inciso IV deste artigo, ca condicionada utilizao dosrecursos correspondentes:I no abatimento do estoque de dvidas junto Unio; eII na capitalizao de fundos de previdncia para seus servidores.Art. 3. At que os municpios para os quais forem transferidas as pro-priedades dos imveis que deixarem de constituir terrenos de marinha,ou seus acrescidos, legislem sobre a destinao dos mesmos, reger aadministrao desses bens, no que lhe for aplicvel, o Decreto-lei n.9.760/46, de 5 de setembro de 1946, e alteraes posteriores.

    Art. 4. Esta lei entra em vigor na data de sua publicao (HAR-TUNG, 2001).

    No elenco de justicativas para aprovao da proposio, aduzo ex-parlamentar que a descentralizao administrativa representa ocerne da proposio, que pretende transferir aos municpios o coman-do do processo de alienao dos bens de marinha e acrescidos, cujoproduto ser aproveitado em prol dos servidores municipais, com o

    do repasse aos fundos de previdncia, bem assim no abatimento dasdvidas contradas com a Unio.

    Em que pese o carter inovador que carreia o projeto ora tratado,este no cou isento de crticas. Isso contribui para o desenvolvi-mento da democracia numa sociedade plrima como a brasileira.Portanto, em homenagem ao debate, colacionamos aquelas que senos aguram mais pertinentes.

    A primeira delas desferida contra a atualizao da preamar-

    mdia de 1831 para a de 2000, em razo do fenmeno do degelo dascalotas polares, o qual tem provocado a invaso do mar em direo ao

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    continente. Nesse sentido, em se considerando que a preamar-mdiade 1831 provavelmente resta encoberta pelo mar em muitas regiesdo Pas, conforme ser demonstrado mais adiante, tem-se que a sua

    atualizao para a do ano 2000 permitir o surgimento de muitosterrenos de marinha j submersos. Poder-se-ia alegar, ento, que aproposio em comento desconsiderou o direito de propriedade dostitulares de imveis localizados em terrenos alodiais11 (art. 5, XXIIda Constituio), que seriam afetados pela nova demarcao. Nesteponto, cabe reetir sobre como a Unio tomaria o domnio dessasreas, considerando a necessidade de respeitar-se o procedimento dedesapropriao, disciplinado em sede constitucional, 12 situao no

    cogitada pelo Projeto de Lei n. 4316/2001. A inobservncia do preceitoconstitucional abriria a comporta para o ajuizamento de milhares deaes judiciais, individuais e coletivas.

    De qualquer forma, agura-se importante debater o seu conte-do em conjunto com a sociedade civil e demais instituies, a m deque sua eventual aprovao no seja motivo de innitas discussesprovocadas pelos famosos inconstitucionalistas de planto, numareferncia expresso chistosa utilizada pelo ministro do SupremoTribunal Federal Gilmar Ferreira Mendes, em resposta aos crticos daLei n 9868/98,13 de cuja redao participara.

    5.2 Fatores que conspiram contra a aprovao dasproposies legislativas em curso

    Atualmente, encontram-se em tramitao na Cmara dos Deputa-dos e no Senado Federal um sem-nmero de proposies relacionadas

    com os terrenos de marinha e acrescidos. Umas sugerem atualizaoda linha da preamar-mdia de 1831; outras pretendem o repassedessas reas ao controle das administraes municipais; outras, ain-da, ventilam a reduo, iseno ou extino do pagamento de forose laudmios; h tambm aquelas que defendem o reconhecimento

    11 Confrontantes com os terrenos de marinha.12 CR/88, art. 5, XXIV: [...] a lei estabelecer o procedimento para desapropriao por neces-

    sidade ou utilidade pblica, ou por interesse social, mediante justa e prvia indenizao emdinheiro, ressalvados os casos previstos nesta Constituio.13 Dispe sobre o processamento e julgamento da ao direta de inconstitucionalidade e da

    ao declaratria de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

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    do direito de propriedade consubstanciado em escrituras lavradas aterceiros de boa-f, dentre outras.

    Ocorre que vrios fatores conspiram contra a aprovao dessaspropostas legislativas, emperrando sua tramitao.

    Em primeiro lugar, h o problema do trmino dos mandatos par-lamentares. bem verdade que a articulao pessoal do congressistacontribui em muito para o caminhar de sua proposio. Aqueles quepostulavam a reeleio e perderam elegeram-se para outro cargo oudesistiram da poltica, normalmente, tm seus vnculos com a Casa deLeis em que exerciam seu ofcio parlamentar diludos e, conseqen-

    temente, perdem o controle e interesse pelos projetos de lei por elesapresentados. Isso tem permitido que interesses outros valham-se demanobras protelatrias para impedir a aprovao dessas matrias emplenrio, mormente quando veiculadoras de benefcios sociedade.

    Em segundo lugar, o instituto jurdico dos terrenos de marinha eseus acrescidos afetam precipuamente as cidades situadas no litoralbrasileiro, por vezes restringindo-se ao conhecimento dos polticosda regio. Em outras palavras, deputados federais e senadores prove-

    nientes de Estados com grande inuncia poltica e poderio econmi-co (v.g. So Paulo e Minas Gerais), parlamentares que normalmentese destacam no cenrio nacional, possuem muito pouca noo dagravidade do problema por no o viverem em seus redutos. Tal des-conhecimento em nada contribui, mas ao revs, enfraquece o poderde mobilizao legislativa para aprovao de matrias relacionadascom imveis de marinha e congneres.

    Em terceiro lugar, expresses polticas indeterminadas, como

    defesa da segurana nacional ou preservao ambiental ou aindainteresse econmico da Unio, pelo tom ameaador que emitem,servem de artifcio ardiloso, diga-se de passagem para aqueles queno possuem argumentos ecazes e convincentes aptos a sustentaremum debate srio sobre a matria. Para tanto, recorrem a expresses dognero a m de impedir o progresso na tramitao dessas proposies,normalmente contrrias aos interesses scalistas da Unio.

    Por derradeiro, tem-se a questo das famigeradas medidas provi-

    srias, que constantemente trancam a pauta do Poder Legislativo, inter-ferindo indevidamente na sua autonomia e atrasando seus trabalhos.

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    6 NOVOS CAMINHOS PARA CONSTRUO DEUMA SOLUO JURDICA JUSTA E EFICAZACERCA DA QUESTO

    6.1 Emenda Constituio n. 46/2005 (Pec)

    No dia 5 de maio de 2005, foi promulgada, nos termos do art. 60da Constituio, a to propalada Proposta de Emenda Constitucional(PEC) n. 15 (ANDRINO, 2004), convertida na Emenda Constitucionaln. 46/2005, que pretendeu excluir do rol de bens da Unio as ilhas

    costeiras que tenham sede de municpios. Para tanto, alterou o incisoIV do art. 20 do Texto Magno de 1988, verbs:

    Art. 1 O inciso IV do art. 20 da Constituio Federal passa a vigorarcom a seguinte redao:Art. 20. ...............................................................................................IV as ilhas uviais e lacustres nas zonas limtrofes com outros pases; aspraias martimas; as ilhas ocenicas e costeiras, excludas, destas, as quecontenham a sede de Municpios, exceto aquelas reas afetadas ao servio

    pblico e unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II.Art. 2 Esta Emenda Constitucional entre em vigor na data de sua pu-blicao (grifo nosso).

    Nesse passo, importa atentarmos para uma distino importante.O art. 20 da Constituio assegurou Unio a propriedade sobre os ter-renos de marinha e acrescidos (VII), bem como sobre as ilhas costeiras14que no pertencessem aos Estados, particulares ou municpios (IV), na

    antiga redao deste ltimo dispositivo. Trata-se, portanto, de disci-plinas constitucionais distintas (ilhas costeiras, terrenos de marinha eacrescidos), conquanto normalmente haja reas de contato entre elas.

    Neste contexto, tem-se que ainda no se rmou uma orientaoacerca do alcance da norma do art. 20, IV, com a nova redao conferidapela Emenda Constitucional n. 46/2005. No h dvidas de que a alte-

    14 Sobre a disciplina a que as ilhas brasileiras esto submetidas na Carta em vigor, manifesta-se

    Hely Lopes Meirelles (2003) no sentido de que [...] as ilhas martimas classicam-se em cos-teiras e ocenicas. Ilhas costeiras so as que resultam de relevo continental ou da plataformasubmarina; ilhas ocenicas so as que se encontram afastadas da costa e nada tem a ver como relevo continental ou com a plataforma submarina.

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    rao foi substancial, e a interpretao sistemtica dos incisos IV e VIIdo art. 20 da Constituio conduzir-nos-ia seguinte concluso: se osterrenos de marinha e acrescidos esto localizados em municpios com

    sede em ilhas costeiras, no h que se falar em propriedade da Unio,salvo nos casos mencionados no prprio dispositivo, a saber, reasafetadas ao servio pblico federal, unidade ambiental federal.

    Os prprios senadores da Repblica, ao votarem pela aprovaoda PEC n. 15/2004 (EC n. 46/2005), tinham como objetivo excluir dorol de bens da Unio todo o interior das ilhas costeiras que tenhamsede de municpio, como o caso de Vitria, Florianpolis e So Lus.Tal entendimento foi consignado nos registros histricos dos trabalhosparlamentares na votao da Emenda Constitucional n 46/2005, osquais podem ser utilizados para comprovar a mes legslars.

    A SPU, no entanto, mesmo ciente da iminncia de aprovao dareferida Emenda, optou por emitir os documentos de cobrana (DARF)aos moradores de Vitria pela utilizao desses bens que, antes danova disciplina constitucional, pertenciam Unio, por fora da antigaredao do art. 20, IV da Lei Fundamental.

    Ora, em que pesem as inmeras possibilidades de interpretaodo preceito constitucional alterado, no se compreende a resistnciado referido rgo em rmar uma orientao administrativa, insistindona cobrana indevida de valores, em manifesta afronta ao princpio dalegalidade, pedra de toque do Estado Democrtico de Direito.

    Se a Secretaria de Patrimnio da Unio tem o controle efetivodessas reas, segundo sugerem as recentes informaes repassadaspelo rgo ao questionrio formulado pelo Ministrio Pblico Fede-

    ral, resta-nos indagar o motivo pelo qual no procedeu, de ofcio, iseno dos supostos benecirios situados no mbito de incidnciada EC n. 46/2005.

    Por outro lado, e no menos preocupante, possvel que aimplementao do novel dispositivo constitucional no tenha sidolevada a efeito em virtude da desorganizao e incapacidade da SPUem administrar essas reas, o que refora a suspeita da existncia deirregularidades no procedimento demarcatrio dos terrenos de mari-

    nha, acrescidos de marinha e dos cadastrados como de interior de ilhacosteira, segundo ser colocado mais adiante.

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    A opo para os lesados, portanto, socorrer-se do Poder Judici-rio por meio de aes individuais ou aguardar a possvel atuao doMinistrio Pblico Federal em defesa da ordem jurdica, ante a ausncia

    de posicionamento da SPU sobre a EC n. 46/2005.

    6.2 Inobservncia da preamar-mdia de 1831 para demarcaodos terrenos de marinha: improbidade administrativapor violao ao princpio da legalidade

    O Decreto-lei n 9.760/46, ao denir os terrenos de marinha eacrescidos como bens integrantes do patrimnio imobilirio da Unio,

    estabelece que a linha da preamar-mdia de 1831 constitui o critriolegal a ser observado para a correta demarcao desses imveis, nosseguintes termos:

    Art. 2 So terrenos de marinha, em uma profundidade de trinta e trsmetros, medidos horizontalmente para a parte da terra, da posio dalinha da preamar mdia de 1831:a) os situados no continente, na costa martima e nas margens dos riose lagoas, at onde se faa sentir a inuncia das mars;

    b) os que contornam as ilhas situadas em zonas onde se faa sentir ainuncia das mars.Pargrafo nico. Para esse efeito, a inuncia das mars caracterizadapela oscilaoperidica de 5 cm, pelo menos, do nvel das guas, que ocorra em qual-quer poca do ano.Art. 3 So terrenos acrescidos de marinha os que se tiverem formado,natural ou articialmente, para o lado do mar ou dos rios e lagoas, emseguimento aos terrenos de marinha.

    Art 4 So terrenos marginais os que banhados pelas correntes naveg-veis, fora do alcance das mars, vo at a distncia de 15 (quinze) metrosmedidos horizontalmente para a parte da terra, contados desde a linhamdia das enchentes ordinrias (grifo nosso).

    Nesse contexto, o procedimento de demarcao dos terrenos demarinha e seus acrescidos tambm regulamentado no referido Di-ploma legal, cujo art. 9 et segs. preceituam:

    Art. 9 - da competncia do Servio do Patrimnio da Unio (SPU) adeterminao da posio das linhas da preamar mdia do ano de 1831e da mdia das enchentes ordinrias.

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    Art. 10 - A determinao ser feita vista de documentos e plantas deautenticidade irrecusvel, relativos quele ano, ou quando no obtidos, poca que do mesmo se aproxime.

    Art. 11 - Para a realizao do trabalho, o SPU convidar os interessadoscertos e incertos, pessoalmente ou por edital, para que no prazo de 60(sessenta) dias ofeream a estudo, se assim lhes convier, plantas, docu-mentos e outros esclarecimentos concernentes aos terrenos compreen-didos no trecho demarcado.Art. 12 - O edital ser axado na repartio arrecadadora da FazendaNacional na localidade, e publicado por trs vezes, com intervalos nosuperiores a 10 (dez) dias, no Dirio Ocial, se se tratar de terrenos si-tuados no Distrito Federal, ou na folha que nos Estados ou Territrioslhes publicar o expediente.Art. 13 - De posse desses e outros documentos, que se esforar por obtere aps a realizao dos trabalhos topogrcos que se zerem necess-rios, o chefe do rgo local do SPU determinar a posio da linha emdespacho de que, por edital com prazo de 10 (dez) dias, dar cincia aosinteressados para oferecimento de quaisquer impugnaes.Pargrafo nico. Tomando conhecimento das impugnaes porventuraapresentadas, a autoridade a que se refere este artigo reexaminar oassunto, e se conrmar a sua deciso, recorrer ex-ofcio para o diretordo SPU sem prejuzo do recurso da parte interessada.

    Art. 14 - Da deciso proferida pelo diretor do SPU ser dado conhecimentoaos interessados que, no prazo improrrogvel de 20 (vinte) dias, contadosde sua cincia, podero interpor recurso para o CTU (grf ss).

    Para efetivar o estabelecido na legislao, sobreveio a InstruoNormativa n. 02, de 12 de maro de 2001, editada pela SPU para dis-ciplinar a demarcao dos terrenos de marinha e acrescidos. Tal atodecorre das atribuies conferidas ao rgo pelo j citado art. 9 do

    Decreto-lei n. 9.760/46.Entretanto, tal orientao normativa encontra-se acometida de ilegalidades, pois, a pretexto da ausncia de elementostcnicos para localizar-se com metodologia cientca adequada linhada preamar-mdia do ano de 1831, a Unio tem-se utilizado de critriosno mencionados em lei, como a mdia das mximas preamares ou alinha da vegetao inicial da zona supralitornea, esta ltima tambmconhecida como linha dejd. Explica-se.

    Em recente Tese de Doutorado do engenheiro cartgrafo Obde

    Pereira Lima, intitulada Lcalza gedsca da la da preamar-mdade 1831, cm vsas demarca ds erres de mara e ses acrescds,

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    desenvolvida pelo autor na Universidade Federal de Santa Catarina,restou comprovado que, atualmente, no mais se vislumbra a impos-sibilidade da obteno de dados sobre a linha da preamar-mdia de

    1831, sendo possvel situ-la no tempo e no espao geogrco, porfora do intenso avano cientco e tecnolgico.

    A relevncia da metodologia cientca empregada no aludidotrabalho, para a correta demarcao do dos terrenos de marinha eseus acrescidos, imprescindvel para evitar o cadastramento ilegal depropriedades privadas e, via de conseqncia, cobranas abusivas deforos, laudmios e taxas de ocupao pela utilizao desses imveis.Ressalte-se que a linha da preamar mdia de 1831 j est submersa emmuitas regies do Brasil, em razo do fenmeno do degelo das calotaspolares, que tem sido responsvel pelo avano das mars em direo aoscontinentes, conforme comprovou a mencionada Tese de Doutorado.

    Nessa linha de raciocnio, a Instruo Normativa n 02/2001 temadotado procedimentos que no se coadunam com a legislao disci-plinadora da matria (Decreto-lei n. 9.760/46), verbs:

    A SECRETARIA DO PATRIMNIO DA UNIO, no uso de suas atri-

    buies, e tendo em vista o disposto no art. 19 do Decreto n. 3.725, de10 de janeiro de 2001, resolve:Art. 1 A demarcao dos terrenos de marinha, dos terrenos marginaisdas terras interiores obedecer o disposto nesta Instruo Normativa.Art. 2 Os terrenos de marinha so identicados a partir da Linha dePreamar Mdia de 1831 - LPM (Lei de 15 de novembro de 1831), nostermos do Decreto-lei n 9.760, de 5 de setembro de 1946, determinadapela interseo do plano horizontal que contm os pontos denidospela cota bsica, representativa do nvel mdio das preamares do ano

    de 1831, computada a medida correspondente dinmica das ondas,com o terreno, considerando-se, caso tenha ocorrido qualquer alterao,a sua congurao primitiva. 1 A Linha de Preamar Mdia de 1831 - LPM ser determinada pela SPUa partir de plantas e documentos de autenticidade irrecusvel relativosao ano de 1831, ou, quando no obtidos, poca que do mesmo mais seaproxime, e de observaes de mars. 2 Na determinao da cota bsica relativa preamar mdia de 1831,devero serconsideradas a mdia aritmtica das mximas mars mensais(mars de sizgia) daquele ano, ou do que mais dele se aproximar, utili-zando-se os dados da estao maregrca mais prxima constante dastbuas de mars, publicadas pela Diretoria de Hidrograa e Navegaodo Comando da Marinha (DHN) (grifos nossos).

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    Cumpre observar que quaisquer outros critrios adotados consti-tuem to-somente aproximaes referncia da linha da preamar-m-dia de 1831, de preciso e exatido questionveis. Destarte, documentos

    e plantas de autenticidade irrecusvel (art. 2, 1 da IN n. 02/2001)s devero servir para caracterizar as possveis alteraes espaciaisocorridas ao longo do tempo na paisagem, sem prejuzo da determi-nao da linha da preamar-mdia de 1831 pela anlise matemtica dasobservaes das alturas das mars. Da mesma forma, o uso da mdiaaritmtica das mximas mars mensais (mdia de todas as preamaresocorridas no perodo de um ano), bem como a utilizao da chamadalinha dejd consistem em procedimentos ilegais.

    Em outras palavras, a sistemtica atual de demarcao viola oprincpio da legalidade, consagrado no cap do art. 37 da Constitui-o da Repblica de 1988, pedra de toque do Estado de Direito. Casopersista a violao, ser passvel de sano por ato de improbidadeadministrativa que atenta contra os princpios da administrao pblica(art. 11 c/c 12, III da Lei n 8.429/92):

    Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contraos princpios da administrao pblica qualquer ao ou omisso queviole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdades instituies, e notadamente:I [...];Art. 12. Independentemente das sanes penais, civis e administrativasna legislao especca, est o responsvel pelo ato de improbidadesujeito s seguintes cominaes:I - ........................................................................................................................II - ......................................................................................................................

    III - na hiptese do art. 11, ressarcimento integral do dano, se houver,perda da funo pblica, suspenso dos direitos polticos de trs a cincoanos, pagamento de multa civil de at cem vezes o valor da remuneraopercebida pelo agente e proibio de contratar com o Poder Pblico oureceber benefcios ou incentivos scais ou creditcios, direta ou indire-tamente, ainda que por intermdio de pessoa jurdica da qual seja sciomajoritrio, pelo prazo de trs anos.

    Desse modo, cientiquei o Ministrio Pblico Federal e protocoleina SPU uma petio de minha autoria apontando as irregularidades esolicitando a suspenso imediata de qualquer cobrana pela utilizao

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    dos terrenos de marinha e acrescidos at que todos os processos demar-catrios sejam revistos com base na metodologia cientca desenvol-vida pelo Dr. Obde, em ordem a localizar-se com exatido a linha da

    preamar-mdia de 1831, sob pena de sano por ato de improbidadeadministrativa. Registre-se que no h de se alegar conduta culposa(negligncia, impercia ou imprudncia) das autoridades responsveispela prtica da demarcao ilegal dos imveis de marinha, uma vez queo dolo necessrio congurao do ato de improbidade administrativarestar caracterizado com o protoloco da petio e transcurso de prazorazovel sem que se efetivem as providncias cabveis.

    Alm disso, elaborei, em conjunto com o procurador da Rep-blica Dr. Carlos Mazzoco, um Projeto de Decreto Legislativo combase no art. 49, V da Lei Maior, 15 propondo ao Congresso Nacionala suspenso da eccia da Instruo Normativa n 02/2001, por terexorbitado do poder regulamentar conferido ao Poder Executivo,quando da adoo de critrios ilegais para demarcao dos terrenosde marinha e acrescidos. A eventual aprovao da proposio sus-pender de imediato a cobrana pela utilizao desses bens at que asirregularidades praticadas pela SPU sejam sanadas, cabendo destacarque a medida valer para todo o Pas.

    7 ENCERRAMENTO

    Como encerramento, gostaria de consignar que o objetivo destaexposio foi alcanado, se o leitor compreendeu a importncia dasanlises e informaes expostas em seu decorrer, assim como o impactosocial do tema e sentiu-se provocado a contribuir de alguma forma para

    o envolvente debate acerca dos terrenos de marinha e acrescidos.Trata-se um assunto que requer maior aprofundamento doutrin-

    rio, ante a escassa e antiga bibliograa disponvel. Essa tarefa caber,pois, aos juristas dos Estados interessados, mormente os situados nolitoral brasileiro.

    15 CR/88, art. 49, V: da competncia exclusiva do Congresso Nacional: V sustar os atos

    normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites dadelegao legislativa.

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    Terrenos de marinha e acrescidos: novas perspectivas para o debate

    Outrossim, tem-se que a mobilizao da sociedade civil organiza-da, em conjunto com as lideranas polticas regionais, imprescindvelpara a construo de uma alternativa vivel que contemple todos os

    interesses em disputa, prestigiando-se, por bvio, aqueles de maiorrepercusso social. Para tanto, faz-se mister a realizao de seminriose audincias pblicas envolvendo todos estes protagonistas sociais,inclusive em mbito nacional, em parceria com outros Estados.

    A construo da cidadania efetiva-se por meio da organizao dasociedade que, no Brasil, ainda incipiente. A ausncia de coordenaosocial alimenta os abusos por parte do Poder Pblico, em detrimentode valores sociais relevantes.

    No tocante aos imveis de marinha e acrescidos, a viso scalistada Unio tem sobrepairado de forma despudorosa e intransigente,rememorando uma certa passagem histrica do Imperador RomanoVespasiano com seu lho Tito, na qual este sugere ao pai a extino dotributo incidente sobre os mictrios pblicos. Vespasiano f-lo cheiraruma moeda e indagou-lhe: Fede? De pronto, Tito respondeu: nole (No fede). Tal concepo signica que ao Estado no importa aorigem injusta ou repugnante da cobrana de quaisquer valores. Nointeressa como se arrecada, mas quanto se arrecada.

    Desta sorte, entendo que medidas extrajudiciais bem articuladaspodem contribuir para realar a juridicidade de valores constitucio-nais que esto sendo desconsiderados pela SPU, tal qual a seguranajurdica, o direito moradia, igualdade entre brasileiros, dentre muitosoutros passveis de identicao no contexto dos terrenos de marinha.A cobrana pela utilizao dessas reas, embora no apresente natureza

    jurdica de tributo, tem gerado tantas ou mais aies aos cidados doque comumente o fazem as demais espcies tributrias, j que, paraestas, o legislador constituinte elencou um rol de princpios e direitosfundamentais em favor do contribuinte. S para exemplicar, tem-seque um tributo no pode ser cobrado no mesmo exerccio nanceiro emque haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, por forado chamado princpio da anterioridade (CR/88, art. 150, III, b); aopasso que os valores exigidos dos residentes em terrenos de marinha

    e acrescidos (foro, laudmio e taxa de ocupao) no encontram limi-taes dessa ordem, podendo ser reajustados e cobrados no mesmoexerccio nanceiro, como ocorreu recentemente em maio de 2005. Em

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    GABRiEL Quinto CoiMBRA ALoSio KRhoLinG

    suma: os foreiros e ocupantes esto mais vulnerveis ao poder arre-cadatrio do Estado, porquanto despidos de garantias constitucionaisprprias do direito tributrio, construdas ao longo da armao da

    histria dos direitos humanos.Nesse diapaso, a coordenao de esforos da sociedade civil

    tornar-se- um instrumento apto a suprir essa carncia, permitindoque sejam ecazmente combatidos os efeitos deletrios de um institutovencido pelo tempo, eivado de irregularidades e sem compromisso coma ideologia inspiradora do constitucionalismo brasileiro ps-1988.

    8 REFERNCIASANDRINO, Edison e outros. Proposta de emenda Constituio n 15, de2004. Altera os incisos IV, do art. 20 e II e IV, do art. 26 da Constituio Federal.Disponvel em: . Acesso em: 20 ago. 2004.

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    Terrenos de marinha e acrescidos: novas perspectivas para o debate

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