TERRITÓRIO, JOGOS DE PODER E IMIGRAÇÃO EM MINAS GERAIS … Isabel de Jesus e... · Gerais...
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TERRITÓRIO, JOGOS DE PODER E IMIGRAÇÃO EM MINAS GERAIS NO FINAL DO XIX1
Maria Isabel de Jesus Chrysostomo (UFV)
Higor Mozart Geraldo Santos2 (UFJF)
Resumo: Neste trabalho tentamos evidenciar como determinados aspectos territoriais eram conclamados nos debates e nas ações realizadas em torno da política mineira de imigração e colonização no último decênio do século XIX. Notamos que os distintos interesses políticos envolvidos eram traduzidos em diferentes projetos territoriais. Nessa linha, havia tanto políticos que defendiam a introdução de imigrantes e colonos, como aqueles que rechaçavam de forma veemente tal prática. Mas, a despeito dessas opiniões opostas, verificamos que o projeto “vencedor” foi aquele que respaldou e fomentou a política de imigração e colonização. Para o triunfo desse projeto, as autoridades buscavam disseminar e cristalizar uma imagem que criava uma verdadeira amálgama entre imigração, colonização, potencialidades territoriais e progresso do estado. A fim de captar adesão em torno de tal ideário, os discursos e representações elaborados pelas autoridades mineiras sublinhavam que as alegadas proeminentes e copiosas qualidades do território somente seriam aproveitadas com a presença dos “braços imigrantes”. É nessa medida que esse discurso se entrelaça com as políticas do território revelando diferentes jogos de poder em torno da imigração. Palavras-chave: Imigração; Colonização; Minas Gerais; Território; Discursos Abstract: In this paper, it was tried to show how certain territorial aspects were urged on discussions and actions taken on the immigration and colonization policy of Minas Gerais in the last decade of the nineteenth century. It was observed that the different political interests involved were expressed into various regional projects. In this sense there were both politicians that defended the introduction of immigrants and colonists, and those who vehemently shunned that idea. But, despite these opposing views, it was found that the “winning” project was the one that endorsed and encouraged the immigration and colonization. For the triumph of this project, the authorities sought to disseminate and crystallize an image that created a true amalgam of immigration, colonization, territorial potential and progress of the state. In order to capture allies around such ideas, speeches and representations produced by the Minas Gerais authorities emphasized that the alleged outstanding and abundant qualities of the territory would only be enjoyed with the presence of "immigrant arms." It is to this extent that this speech is intertwined with the territory policies revealing different power games about immigration. Key Words: Immigration; Colonization; Minas Gerais; Territory; Speeches
1 A presente pesquisa está vinculada às reflexões desenvolvidas junto à pesquisa “Imigração estrangeira nos confins da Zona da Mata”, coordenada pela professora Dra Maria Isabel de Jesus Chrysostomo. O apoio financeiro foi concedido pela FAPEMIG (APQ-01380-11), FUNARBE (Funarpex 2011/2012) e CNPQ (4069252012). 2 Bolsista da Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)
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Introdução
Por que introduzir imigrantes? Qual o regime mais adequado para assegurar a posse da
terra? Quais grupos seriam os mais indicados para povoar o território? Em torno dessas e de
outras tantas questões, muitos debates foram travados no Brasil durante o século XIX e XX.
Em torno desses debates, ainda que várias propostas tenham sido esboçadas, todas
apresentavam uma mesma característica: a confusão, principalmente até meados do século
XIX, sobre o que se entendia como política de povoamento, política imigratória e política de
colonização. Nesse momento, os políticos confrontavam ideias que ao mesmo contribuíam
para o controle das terras, expansão das fronteiras, povoamento do território e
desenvolvimento agrícola3.
Diante desse panorama, neste artigo interessa-nos compreender de que forma o estado
mineiro, ao final do século XIX, estava inserido nestes acalorados e extensos debates.
Assumimos que as representações territoriais inseridas nos discursos sobre imigração e
colonização exibiam um papel destacado nas políticas de modernização agrícola propostas
neste contexto.
Mesmo que desde meados do supramencionado século, as lideranças políticas e
econômicas estivessem atentas às discussões sobre imigração e colonização, foram pouca
expressivas as medidas empregadas para tornar o território coeso e povoado a partir da
introdução de trabalhadores estrangeiros. Uma das ideias que prevaleceu foi a criação de
alguns núcleos de imigrantes e aldeamentos indígenas, na antiga província, com o intuito de
assegurar o maior controle das então consideradas terras vazias. No entanto, essa ainda era
uma proposta que, pelo seu escopo, desenvolveu-se de forma pontual e sem uma maior
coordenação do estado.
3 Nessa medida, vale assinalar que a política de imigração e colonização estava articulada da política indigenista. Ver: CHRYSOSTOMO, Maria Isabel de Jesus; SANTOS, Higor Mozart Geraldo. Política de expansão e controle territorial numa região de fronteira: o caso da catequização e civilização dos índios nos sertões do Rio de Janeiro e Minas Gerais no século XIX. In: II Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico e I Encontro Nacional de Geografia Histórica, 2012, Rio de Janeiro. Anais do III Encontro Nacional de História do Pensamento Geográfico e I Encontro Nacional de Geografia Histórica, 2012.
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Por esse motivo, ainda que algumas experiências envolvendo a introdução de imigrantes
em Minas Gerais tenham sido realizadas, a política imigratória mineira somente ganhou um
corpo mais bem definido no último decênio do século XIX4. Essa mudança de percurso
desenhou-se em um contexto no qual a considerada “humanitária, mas intempestiva” abolição
da escravatura, teria contribuído para a “desorganização do trabalho” e para a fragilização da
lavoura cafeeira, considerada como a “mais forte e primitiva fonte de riqueza da nação”.
Nesse mesmo momento, o advento da República trouxe maior autonomia para que os estados
legislassem sobre imigração, colonização e terras devolutas, como assinalado por Diegues
Júnior (1964).
É, portanto, sob este pano de fundo que a Lei de 18 de Julho de 1892 foi promulgada
em Minas Gerais com a finalidade de estabelecer as diretrizes relativas à introdução de
imigrantes. Nesse momento, as autoridades consideravam que um futuro próspero, condizente
com as riquezas incrustadas nesse território, dependia, inescapavelmente, de “braços
estrangeiros”. Concebia-se que a força física e cultural desses imigrantes, somadas às suas
técnicas5, contribuiria para alavancar as economias e o desenvolvimento do estado6.
Partindo dessas questões, no primeiro momento concederemos realce para o plano
discursivo, evidenciando as opiniões e estratégias dos políticos que se posicionavam de
diferentes formas a respeito da viabilidade e administração da política de povoamento. Em
sequência, voltaremos nosso olhar para algumas das ações empreendidas pelo estado com a
finalidade de preparar o território para receber, acolher, distribuir e instalar colonos e
imigrantes – seja nas cidades, ou nos núcleos coloniais. A fim de demonstrar como tal política
territorial se materializou no espaço mineiro, também comentaremos sobre o papel das
hospedarias e núcleos criados neste contexto.
4 Os debates à respeito da fundação de núcleos de colonização estrangeira na província mineira estão relacionados, sobretudo, ao ano de 1837, quando foi criada a Assembleia Legislativa de Minas Geraes. No entanto, é a partir de 1850 que tais discussões se tornam mais volumosas diante da promulgação da Lei Eusébio de Queiroz e da Lei de Terras. (CHRYSOSTOMO, 2012). Ademais, não podemos deixar de mencionar algumas das colônias que foram fundadas no território mineiro ao longo do XIX, como foi o caso de Mucuri (1852), Dom Pedro II (1856) e Urucu (1854). 5 A técnica para Santos (1996), diz respeito a todos os meios culturais, sociais empregados pelo homem para a transformação da natureza. Nesse sentido, na visão dos governantes, a técnica trazida pelo imigrante produziria um novo e moderno meio geográfico. 6 Além da imigração, considerava-se que este progresso seria atingido a partir de duas outras estratégias: construção de estradas e a edificação de uma nova capital (GUIMARÃES, 1993).
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AS DISPUTAS POLÍTICAS EM TORNO DA IMIGRAÇÃO ESTRANGEIRA E AS
REPRESENTAÇÕES DO TERRITÓRIO
Em um esquema simplificado, podemos agrupar as discussões travadas ao redor da
política mineira de imigração e colonização em torno de duas vertentes. Uma delas teria como
representantes os políticos que rechaçavam a introdução de imigrantes e/ou colonos em Minas
Gerais. Na contramão, outra vertente seria composta pelas autoridades que concebiam a
imigração e/ou a criação de colônias como fatores indispensáveis para a promoção do
desenvolvimento do estado. A despeito desses posicionamentos díspares, identificamos um
ponto de convergência entre eles: não raras vezes, os argumentos mobilizados eram
permeados por ideias alusivas ao território7. A seguir, demonstraremos alguns aspectos que
evidenciam essa dualidade.
PARA QUE CONCEDER TERRAS AOS ESTRANGEIROS?
Entre as palavras endereçadas com vistas a repudiar a vinda de imigrantes, chamamos
atenção para as que foram proferidas por Aristides de Araújo Maia8. Segundo este deputado, o
governo não deveria desperdiçar dinheiro algum em projetos que envolvessem a contratação
de trabalhadores estrangeiros, na medida em que estes apenas sugariam as riquezas do
território nacional. Por esse motivo, o deputado dizia que eles pouco contribuiriam para o
desenvolvimento de uma importante parte do corpo social. Em suas palavras:
Os capitaes circulantes que eles [os imigrantes] recebem como salario, cujo destino, segundo a lei de Ménier, é fecundar os capitais fixos, em vez de serem despedidos aqui, é sombra da bandeira que lhes protegeu a acquisição, são levados para a Europa, como flagrante violação da lei que dá ao Estado o dominio eminente sobre os bens existentes em seu territorio. Nem ao menos um real de imposto pagam ao thesouro brasileiro essas fortunas! Taes immigrantes são como os gafanhotos que talam os campos argentinos, deixando após si a nudez e a miseria. Retirando-se para seu paiz, no fim de
7 Dizemos que nosso esquema é simplificado pois uma análise mais detida acerca das discussões travadas ao redor da política de imigração e colonização releva o interior dessas duas vertentes abrigavam algumas variáveis outras. 8 Aristides de Araújo Maia foi deputado do Congresso Constituinte Federal e da 1ª Legislatura. Na imprensa mineira “Mozambo” era o seu pseudônimo.
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alguns annos, embora sejam substituidos, pouco concorrem para o augmento da população que temos necessidade de espraiair pelo nosso vasto territorio: pois que o territorio é uma parte componente do corpo social, e o desenvolvimento deste deve ser proporcionado em todos os seus elementos para não produzir monstruosidades, como a que resultaria no individuo em quem se desenvolvesse extraordinariamente o tecido osseo, a custa do muscular e nervoso. (O ESTADO DE MINAS GERAES, 22 jul. 1896, p.2, grifos nossos, p.2)
Portanto, o político categoricamente deixava claro que não seria um sinal de lucidez
investir na política de imigração e colonização. Influenciado pela teoria organicista9, ele
argumentava que de forma análoga a um corpo, todas as partes do território tinham que se
desenvolver de forma igual. Dito de outro modo: era recomendável que a população fosse
“espalhada” de forma harmoniosa ao longo das diferentes áreas do estado.Mas sem
imigrantes, como seria possível preencher o território?
Para tanto, dever-se-ia adotar um projeto semelhante ao norte-americano no qual
houvesse a concessão de terras gratuitas10. Mas essa concessão “não deveria ser feita senão a
brasileiros, natos ou naturalizados”. Não a esmo, Aristides Maia apresentava o seguinte o
questionamento:
Para que conceder terras a extrangeiros em condições identicas as dos nacionaes?
O territorio, tenho-o demonstrado mais de uma vez, é um elemento imprescindivel do corpo social; exerce, segundo Schaffle, funcções analogas as do tecido connectivo11 no organismo animal. O extrangeiro proprietario é um microbio parasita, que suga as forças vivas da Nação, arranca-lhe os capitaes circulantes, que devem fecundar o nosso solo, enfraquecendo nos em favor de outros povos. (MINAS GERAES, 6 jul. 1899 [189612], p.3).
9 Os adeptos dessa teoria enxergavam a sociedade como um produto natural, tratando-a da mesma forma que uma planta ou um animal. Ver: BARBERIS, D. S. O organismo como modelo para a sociedade: a emergência e a queda da sociologia organista na França do fin-de-sècle. In: MARTINS, R. A; MARTINS, L.A.C.P.; SILVA, C.C.; FERREIRA, J.M.H. (eds). Filosofia e história da ciência no Cone Sul: 3º Encontro. Campinas: AFHIC, 2004. Pp. 131-136. 10 Este projeto seria baseado no homestead act, lei americana de 1862 que determinava a distribuição praticamente gratuita de terras no Oeste dos Estados Unidos (GUEDES, 2006). Ver: GUEDES, Sebastião N. R. Análise comparativa do processo de transferência de terras públicas para o domínio privado no Brasil e EUA: uma abordagem institucionalista. Curitiba: Revista de Economia. Vol 32, n1, 2006, pp 7-36. 11 Segundo Junqueira e Carneiro (2004, p.93), os tecidos conectivos, também conhecidos como tecidos conjuntivos “[...] são responsáveis pelo estabelecimento e manutenção da forma do corpo. Este papel mecânico é dado por um conjunto de moléculas (matriz) que conecta e liga as células e órgãos, dando, dessa maneira, suporte ao corpo.” Para maiores informações ver: JUNQUEIRA, L. C. e CARNEIRO, J. Tecido Conjuntivo. In: ______. Histologia Básica. 10ed. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan S.A., 2004. p.93-124. 12 Segundo o próprio Aristides de Araújo Maia, a mencionada passagem foi retirada de um texto publicado por ele originalmente em 1896 n’o Estado de Minas Geraes.
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Nessa senda, além de restringir a concessão de terras aos parasitários e a maléficos
estrangeiros, o político asseverava que seria imprescindível garantir meios que viabilizassem
a existência da pequena propriedade. Para ele, com a existência de um grande número de
proprietários, a criminalidade seria reduzida no atual regime republicano13.
De forma similar, outra voz dissonante era a do deputado João Pio. Mas havia uma
diferença crucial: este político se opunha tanto à fixação do colono –
fosse ele nacional ou estrangeiro – como à fragmentação do território em pequenas
propriedades. Ao argumentar sobre por quais motivos esse parcelamento seria indesejável ele
dizia:
Se nós dividimos o terreno entre o povo, segue-se que imediatamente os fazendeiros não terão trabalhadores, porque estes têm terreno próprio para sua cultura...Ora, nós vamos dar terreno ao nacional, vamos deixar abandonados os fazendeiros, porque não encontrarão trabalhador, e isto quando a lavoura luta por falta de braços...Quanto mais subdividido o trabalho em pequenas propriedades, tanto menor é a produção....”(PIO, 1896, p.371).
Como vemos, embora os dois pensamentos aqui reunidos sejam de repúdio aos
imigrantes e colonos, notamos que as concepções apresentadas são diametralmente opostas:
enquanto Maia defendia a distribuição de terras aos brasileiros e se posicionava a favor da
existência do minifúndio, João Pio condenava de forma incisiva a divisão do terreno em
pequenas parcelas.
De um lado, a proposta de manter a grande propriedade – defendida pelo deputado João
Pio – trazia em seu seio uma ideia subliminar de proteger os latifundiários, evitando a
fragmentação das terras ou qualquer tipo de regulação por parte do Estado. Por outro lado, a
proposta de Aristides Maia, que se vinculava à disseminação do modelo da pequena
propriedad,e colocava a necessidade de se pensar numa distribuição equitativa dos recursos a
fim de que algumas regiões do território mineiro não fossem mais privilegiadas. Portanto, um
dos aspectos que está ressaltado nas entrelinhas desses dois discursos é o beneficiamento ou
não concedido à Zona da Mata e Sul de Minas, regiões mais dinâmicas do estado, neste
momento.
13 Para ele, no homestead act a família encontra um abrigo, visto que através do trabalho seria possível reverter uma condição adversa causada por uma possível "imprevidencia ou imbecilidade" do chefe de família.
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Nesse medida, a questão do regionalismo, entendida como um discurso atrelado à
distribuição dos recursos tendo como base o território, se revelava marcante nestas duas
proposições. É nessa medida que podemos dizer que as propostas de imigração e colonização
se apoiavam em metáforas organicistas que esculpiram duas imagens espaciais para Minas
Gerais: uma delas, com tom negativo, trazia à baila as enfermidades e o caos que se instalaria
caso os imigrantes se fossem introduzidos em algumas regiões de Minas Gerais. Sugerindo
que os mesmos desequilibrariam o crescimento natural das diferentes partes do território
mineiro, os seus propositores afirmavam que o aporte de recursos às áreas cafeeiras
decorrentes desse processo faria crescer uma espécie de tumor no território, vez que algumas
de suas partes exibiriam um desenvolvimento que assustadoramente sobrepujaria às demais.
Outra imagem, igualmente alarmista, apregoava que a saúde do território seria
comprometida caso a condição de parcelamento da terra fosse modificada. Nessa esteira,
buscava-se transmitir que a vitalidade das forças do estado dependeria, inadiavelmente, da
disponibilidade de braços. Isso seria uma das condições capitais para a reprodução da lavoura
cafeeira. Sob este ponto de vista, é sintomático notar que – também imerso no universo da
teoria organicista – no ano de 1899, o deputado João Pio, versava sobre a necessidade de zelar
pela integridade do território brasileiro. Segundo ele, “o organismo social compara-se com
razão ao organismo humano, membros e orgãos se unem para dar vida ao corpo; qualquer
parte atacada por molestia reflecte sobre o organismo [...]”. (MINAS GERAES, 20 ago. 1899,
p.5). Portanto, nessa linha de raciocínio, poderíamos dizer que o político considerava que a
imigração e o parcelamento do território seriam as moléstias que colocariam em risco a
vitalidade do território.
O que começava a se desenhar nesse momento eram os rumos que a sociedade mineira
seguiria e qual seria papel do Estado neste contexto. De um lado, propunha-se uma sociedade
com uma hierarquia mais reduzida, na medida em que se defendia o modelo da pequena
propriedade e o consequentemente maior equilíbrio na balança de poder entre grandes, médios
e pequenos e proprietários e o Estado. De outro, o que estava posto era a manutenção de uma
política patriarcal e hierárquica, no qual os grandes fazendeiros teriam um papel proeminente.
Mas se alguns visualizavam os imigrantes como gafanhotos indesejáveis e ameaçadores
que comprometeriam a saúde do território, havia também aqueles que enxergavam o
trabalhador estrangeiro como um “ente miraculoso que tinha o poder de transformar uma terra
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improdutiva em fértil” (MONTEIRO, 1973, p. 78). Para esses últimos, conforme adiante
veremos, os imigrantes, não eram portadores da “desgraça” e do “caos”, mas sim arautos de
um futuro bem aventurado.
UM TERRITÓRIO À ESPERA DE HOMENS
Nos argumentos favoráveis à introdução de imigrantes, o território mineiro é tanto
caracterizado por suas virtudes como também por seus atributos considerados indesejáveis.
Explica-se: era comum um mesmo discurso sublinhar as alegadas potencialidades encontradas
nas terras mineiras, mas também criticar a existência de uma população rarefeita e a
desintegração das diferentes áreas do território.
A nosso ver, um dos principais estratagemas utilizados pelos defensores da imigração e
colonização perpassava exatamente por esse ponto: os imigrantes seriam imprescindíveis não
apenas para minimizar as condenáveis mazelas território, mas sobretudo para extrair o que
nele haveria de mais valioso. Portanto, caberia ao imigrante e/ou ao colono a tarefa de dar
vazão à toda opulência encontrada nas terras mineiras.
Exemplo prático desse estratagema pode ser visualizado em 1892, ocasião em que o
presidente Eduardo Ernesto da Gama Cerqueira tanto realçou a uberdade do território mineiro
como versou sobre alguns obstáculos para seu desenvolvimento:
É incontestavel a necessidade da approximação das differentes zonas do territorio mineiro, vasto, cheio de recursos de toda sorte e que opulentariam nações, entretanto ocupado por população laboriosa, mas insufficiente, enérgica, mas segregada, e que, quase estranha, se conhece mal e por isso não encontra nessa reciprocidade diurna de interesses e aspirações comuns das populações numerosas e compactas os constantes estímulos de iniciativa, que são a secreta emulação do progresso por nós próprios admirado entre irmãos, aliás menos aquinhonhados da fortuna. (MINAS GERAES, MENSAGEM, 1892, p.17)
Nota-se, portanto, que o caminho traçado para que se atingisse o progresso14 passava
pela aproximação das diferentes áreas do território; pela existência de uma população
14 Uma interessante discusão sobre a ideia de progresso, nesse período, pode ser verficada em: PÁDUA, Pedro Geraldo. O Conceito de Progresso nas Mensagens dos Presidentes do Estado de Minas Gerais (1891-1930). Dissertação de Mestrado em Educação Tecnológica. CEFETMG, Belo Horizonte, 2012.
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numerosa e compacta, e pelo desenvolvimento de um sistema eficaz de viação. Seria este o
roteiro a ser trilhado a fim de que Minas alcançasse um futuro auspicioso e assim pudesse
ostentar o “ideal moderno” (MINAS GERAIS, 1892) típico das nações grandes e fortes.
Contagiado por essa mesma concepção, em 1894, Affonso Augusto Moreira assinalou
que nos “sertões virgens” (MINAS GERAIS, 1894) do território mineiro se encontravam
riquezas diversas que só dependiam de quem pudesse extraí-las (MINAS GERAES, 1894,
p.14). Leitura esta que é corroborada em matéria publicada neste mesmo ano Jornal de Minas
Gerais. Na oportunidade, informava-se que o estado se encontrava em um estágio embrionário
explicado pela abolição da escravidão e pela má administração de boa parte dos estadistas da
então Província. Isso, no entanto, segunto o relato, seria inconcebível quando se tinha em
vista as potencialidades que o território mineiro apresentaria:
Num territorio extensissimo, onde a uberdade do sólo e a riqueza mineral, rivalisam com a caudal de seus rios e a amenidade e diversidade de seu clima, acha-se infelizmente em embryão o aproveitamento dos immensos recursos naturaes que possúe, dependendo apenas de quem possa applicar um pouco de esforço e actividade no desenvolvimento de suas innumeraveis e inexgotaveis riquezas (MINAS GERAES, 1894, p.5).
Pelos motivos arrolados, afirmava-se que o povoamento do território era uma
“necessidade palpitante e inadiável". Clamor este que também pôde ser ouvido quando
Silviano Brandão afirmou que os primeiros governos republicanos teriam encontrado um
estado caracterizado por uma população “[...] esparsíssima, quase sem meios de transporte,
sem immigração, sem colônias [...]” (MINAS GERAIS, 1899). Tal quadro denotaria uma
verdadeira “atrophia econômica” (MINAS GERAIS, 1899).
Sem pretender realizar uma exposição exaustiva, queremos ressaltar que esses, e outros
tantos depoimentos, sugeriam que o estabelecimento da uma política de imigração e
colonização, juntamente com o desenvolvimento dos meios de transporte e o adensamento da
população, seriam alguns dos elementos necessários para revigorar os “músculos do
Estado15”. Concebia-se que definitivamente seria impossível sair do estágio de paralisia em
que Minas supostamente se encontrava, e caminhar em direção ao progresso, sem a
contribuição da mão-de-obra estrangeira.
15 Utilizamos tal expressão para estabelecer um diálogo com a analogia proposta por Brandão.
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Ademais, sendo o “braço” imigrante considerado como indispensável para o
aproveitamento das riquezas, o governo investiu também na publicação de notícias que eram
difundidas na Europa com a intenção de atrair emigrantes16. Em tais notícias, uma vez mais,
as virtudes do território eram realçadas. Exemplo disso pode ser visto na matéria publicada na
edição de 24 de Julho de 1894 do jornal Caffaro, no qual que lemos os seguintes dizeres:
[...] Os generos de occupação dos habitantes são tão variados quanto é grande a riqueza natural do território do Estado, que comprehende: minas de ouro, de diamantes, de ferro, etc., etc., ricas florestas, plantações de café, cereaes, vinhas, etc., etc.” (MINAS GERAES, 24 jun. 1894, p. 12).
De forma semelhante, em 1895, na folha napolitana Il Paese, o estado de Minas Gerais
é descrito como o mais rico da nação por ser o único “[...] do Brazil que produz ouro,
diamante, cobre, ferro e todas as demais especies de metal, além de preciosos marmores e
madeiras de incontestavel valor ” (MINAS GERAES, 1 out. 1895, p.4). Nesse mesmo tom,
outro exemplo pode ser visualizado no artigo “A colonização em Minas Gerais”, veiculado no
diário genovês Italia Maritima, no qual lemos os seguintes dizeres:
Cheio de recursos especiais entre os quaes avultam as minas de ouro e de diamante, que o tornaram há um século atraz um dos mais notáveis dentre os paizes da America do Sul, o Estado de Minas Geraes cuida agora seriamente da colonização dos seus vastos territórios, cujo variedade de configuração orográfica protege, sob diversos climas, as mais variadas culturas, desde o algodão e os cereaes da Europa até a videira. (MINAS GERAES, 22 mai. 1896, p.5).
No entanto, não podemos deixar de mencionar que no rol de discursos favoráveis à
introdução de trabalhadores estrangeiros, existiam algumas variantes. Havia políticos que
priorizavam à imigração em detrimento da colonização; outros, por sua vez, alinhavam
opiniões exatamente no caminho inverso. Havia também discordâncias vinculadas à
destinação dos trabalhadores: dever-se-ia direcioná-los estritamente para a lavoura cafeeira ou
também para outras atividades econômicas? Isso sem falar nos diferentes posicionamentos
16 Uma tímida e inicial reflexão sobre a propaganda imigratória e suas desilusões pode ser encontrada em: SANTOS, H. M G. Da esperança e suas ilusões. Disponível em: <http://terriat.hypotheses.org/851>. Acesso em: 28 de ago. 2013. 16 É, inclusive, sintomático notar que, nesse período, a maior representação no Congresso Mineiro era composta por grandes produtores agrícolas. Ver: RODRIGUES, Maysa Gomes. Sob o céu de outra pátria: imigrantes e educação em Juiz de Fora e Belo Horizonte, Minas Gerais (1888-1912). Tese de Doutorado. Faculdade de Educação. Belo Horizonte: UFMG, 2009.
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que externavam projetos territoriais baseados tanto na grande como na pequena propriedade17
(SANTOS, 2013).
A despeito disso, as falas aqui reunidas demonstram que determinados aspectos
territoriais foram insistentemente conclamados tanto para defender a necessidade de se
introduzir imigrantes, como para rechaçá-los ou atraí-los. Nesse mesma direção, vale destacar
que apesar dos posicionamentos díspares, reforçamos que as ações do governo oficial se
desdobraram em diversas ações de incentivo à política de imigração e colonização18
(MONTEIRO, 1973). Em certa medida, tais ações revelam a força e o êxito dos discursos e
representações que buscavam criar uma espécie de amálgama entre imigração, colonização,
virtudes territoriais e o progresso do estado. Discursos estes que insistentemente buscavam
enaltecer a extensão do território mineiro, o vazio populacional, a existência de abundantes
terras devolutas, amenidade e diversidade climática, recursos minerais, fertilidade dos solos,
entre outros. Em seu seio, eles intentavam apregoar a necessidade de transformar em áreas
úteis e produtivas os “sertões virgens” do território mineiro.
Da mesma forma que os políticos detratores da política de imigração e colonização, aqui
identificamos a presença de duas imagens, agora mobilizadas para atrair imigrantes. A
primeira, acentuando a riqueza ambiental do território, assinalava a importância de
potencializar o aproveitamento de tais trunfos territoriais. A segunda, por seu turno, ao
evidenciar a vastidão, o vazio populacional e a falta de articulação das diferentes áreas,
salientava a urgente necessidade de se reverter estas características negativas.
Ambas imagens subliminarmente apontavam que o imigrante seria o elemento capaz de
costurar o território – através do povoamento e articulação das diferentes áreas – e de
dinamizar a extração das riquezas das terras mineiras. Nessa perspectiva, o trabalhador
17 Portanto, a dualidade entre pequena e grande propriedade, era reproduzida tanto como entre os defensores como entre os detratores da política de imigração e colonização. Ver também: SANTOS, Higor Mozart Geraldo. Notas sobre os projetos territoriais em torno da política de imigração e colonização em Minas Gerais (1892-1900). Caderno de Geografia, Belo Horizonte, v. 24, n. 1, p. 94-106, jun. 2014. ISSN 2318-2962. Disponível em: <http://periodicos.pucminas.br/index.php/geografia/article/view/7594>. Acesso em: 29 Jun. 2014. doi:10.5752/94. 18 No período entre 1892 a 1899, foram aprovadas várias leis no Congresso Mineiro com a finalidade de organizar as terras devolutas: “Lei nº 27, de 25 de junho de 1892; nº 173, de 4 de setembro de 1896; nº 263, de 21 de agosto de 1899, regulamentadas pelo decreto nº 1.351, de 11 de janeiro de 1900, que autorizou a governo a vender, aforar ou conceder gratuitamente terras devolutas depois de medidas, demarcadas, divididas e descritas por profissionais de sua confiança” (MONTEIRO, 1973, p. 53).
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estrangeiro era considerado uma engrenagem indispensável para alavancar o desenvolvimento
do estado.
Mais uma vez, especulamos que a propagação dessas imagens se confundia com
questões regionais. Por um lado, através de um discurso que evidenciava a extensão do
território e a necessidade de povoamento e integração das diferentes, buscava-se, quiçá, tentar
inocular a ideia de que a introdução de imigrantes poderia abraçar e beneficiar todas as
regiões. No entanto, conforme lembra Monteiro (1973), a política de imigração e colonização,
na verdade, esteve voltada, sobretudo, para atender a carência de mão de obra que afetava a
Zona da Mata e o Sul de Minas. Tais áreas despertavam elevados cuidados por serem
consideradas importante fonte de renda e base eleitoral.
Assinalamos, por fim, que os discurso geográficos vencedores inventados para justificar
a imigração e colonização contribuíram para alimentar a ideia de que o desenvolvimento do
território estaria, inevitavelmente, atrelado à vinda de imigrantes e à criação e disseminação
de núcleos de colonização. Tais discursos se constituíram como o primeiro momento de
apropriação simbólica do território das Gerais, orientando um conjunto de práticas espaciais
que promoveram o seu controle futuro.
Da Apropriação Simbólica À Apropriação Material: Alguns Desdobramentos Das Propostas
De Imigração E Colonização Em Minas Gerais
Se como vimos acima, as formas de representação do território foram o passo inicial
para convencer grupos opositores sobre a necessidade de trazer imigrantes e colonizar Minas
Gerais, o mesmo ocorreu quando foram implementadas pelo governo ações visando incentivar
e trazer os imigrantes tanto trabalhar nas cidades ou nos núcleos. Como tal proposta deveria
ser antecedida por medidas para reconhecer, discriminar e regulamentar as terras públicas, a
política de imigração e colonização promoveu a reestruturação das formas de gestão do
território.
Nessa linha, podemos dizer que a localização e distribuição desses novos objetos
geográficos – hospedarias, colônias e diversas infraestruturas – eram símbolos da disputa por
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recursos para atrair imigrantes. Decorrentes de um conjunto de práticas espaciais19
(CORRÊA, 1995), as escolhas feitas para instalação dos novos aparatos técnicos e sociais –
como rodovias, ferrovias, correios, escolas, etc, para receber imigrantes e colonos –
revelaram, definitivamente, a maneira como o território foi apropriado pelos diferentes grupos
do poder. É dessa maneira que compartilhamos da discussão feita por Raffestin (1993) sobre
como as tessituras inscritas no território manifestam formas de apropriação que estão em
permanente reconstrução.
Nos itens seguintes assinalamos como alguns desses aspectos relacionados à construção
das malhas de poder estavam vinculadas à política de imigração proposta para o território
mineiro.
As diretrizes gerais do serviço de imigração e colonização
Como nos informa o relatório de Francisco Litta Modignani, cônsul italiano que atuava
na cidade de Juiz de Fora (MG), o funcionamento do serviço de imigração e colonização20 foi
organizado pelo regulamento de 6 de março de 1893, o qual fixou os favores concedíveis a
particulares ou a empresas para a introdução de imigrantes. Segundo a Lei N. 32 de 18 de
Julho 1892 e o mencionado regulamento, tal serviço era administrado pela Repartição de
Terras e Colonização21, instituição subordinada à Secretaria da Agricultura, Comércio e Obras
Públicas22.
Portanto, a estratégia do estado empregada para controlar e gerenciar o território e os
imigrantes fundamentou-se nas propostas inseridas no conjunto legislativo voltado para
regulamentação das terras mineiras. Em tal estratégia, uma das propostas implantadas foi a
19 Tais como: seletividade, fragmentação, remembramento, antecipação e marginalização (CORRÊA, 1995) 20 Na edição de 15 de novembro de 1896 no qual coletamos o relatório, somos informados que o mesmo foi originalmente publicado no Boletim das Relações Exteriores da Itália. Entretanto não é mencionado em qual data. Fonte: Immigração e Colonização. Minas Geraes, Ouro Preto, 15 de novembro de 1896. Disponível em: <http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=291536&PagFis=10826>. Acesso em 02 mar. 2013. 21 Tal Repartição, regulamentada pelo Decreto nº 608 de 27 de fevereiro de 1893, anteriormente era conhecida pelo seguinte nome: “Serviço das Terras, Colonização e Imigração”. (MONTEIRO, 1973, p.54). 22 A Repartição tinha sob sua supervisão um superintendente estabelecido em Gênova, que era encarregado de fazer a propaganda em favor da emigração para o Estado de Minas Gerais.
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divisão dos lotes em rurais23 e urbanos24: os primeiros eram destinados a famílias dos
agricultores, e os segundos, situados perto do centro do núcleo, estavam reservados à
formação de povoações. Ou seja uma das primeiras ações materializadas no território foi a sua
classificação como urbano ou rural, assim como a identificação dos imigrantes que estariam
aptos a modernizar o território em cada um desses ambientes.
Uma outra medida de suma importância para melhor coordenação da política de
imigração e colonização foi a divisão do território mineiro em quatro zonas de colonização,
assim como a designação de fiscais do governo para organizar e controlar essas áreas. Esses
profissionais ficariam incumbidos de coordenar todas as ações referentes a recepção dos
imigrantes, o seu alojamento provisório nas hospedarias e o transporte para o ponto de
colocação (MINAS GERAES, 15 nov. 1896, p.6). Contudo, é importante frisar que do final
do século XIX e ao longo da 1a metade do século XX, os limites desses distritos foram tanto
modificados e como outros foram estabelecidos.
Pontuamos que essa divisão do território em distritos constituiu-se em uma importante
forma de divisão dos recursos segundo os atributos ou positivos que cada região possuía.
Demonstrou também, uma estratégia, cada vez mais aperfeiçoada, de esquadrinhamento do
território mineiro.
Como notamos, a partir da criação da Repartição Geral de Terras, a política imigratória
de Minas Gerais, passou a ter o maior controle sobre a malha territorial e sobre os imigrantes
e colonos. A seguir, ainda que de forma abreviada, tentaremos pontuar algumas das questões
relacionadas às hospedarias e aos núcleos coloniais.
Hospedarias, albergues ou asilos
23 Os lotes ruraes são livremente escolhidos pelos colonos: tem a extensão de 25 hectares e custam em media 20$000 cada hectare si é terra cultivavel, e 6$000 si é terra somente propria para pasto.Os lotes urbanos, de extensão de 1.5000 a 2.000 metros quadrados, são vendidos pelo mesmo preço médio dos lotes ruares proprios para cultura (MINAS GERAES, 15 nov. 1896, p.6) 24 Estes seriam concedidos aos artistas e aos agricultores que estivessem em condições de construir casa e em geral aos imigrantes com maior aptidão e meios para estabelecerem indústrias e casas de comércio.
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Conforme discutem CHRYSOSTOMO e VIDAL (2014) as hospedarias tornaram-se a
partir dos anos 1880 um importante “dispositivo” (AGAMBEN, 2007) administrativo, técnico
e territorial que foi criado para o controle e a triagem dos novos imigrantes que se dirigiam ao
Brasil nesse contexto (AGAMBEN, 2007). A construção da Hospedaria Horta Barbosa não
foge a essa regra, já que sua construção esteve vinculada a criação de estruturas de
acolhimento que visavam um maior controle do processo imigratório no estado de Minas
Gerais.
Portanto, a criação desta hospedaria em Juiz de Fora25, ocorrida no ano de 1888,
representou um marco importante no processo de recepção, acolhimento e distribuição dos
imigrantes estrangeiros, sendo propagandeada como uma das ações mais importantes para
consolidar a política de imigração estrangeira no estado. Além dessa e denotando uma
preocupação, cada vez maior, de abrigar levas crescentes de imigrantes estrangeiros foram
construídas aproximadamente dez hospedarias, albergues ou asilos no estado entre o final do
século XIX e as três primeiras décadas do XX. (Ver figura 1)
No conjunto de ações voltadas para acolher, provisoriamente, os imigrantes há que se
destacar a política de municipalização incentivada pelo governo de Minas Gerais para a
construção de asilos locais. Asilos estes que deveriam funcionar regularmente e serviriam de
auxiliares à grande hospedaria de Juiz de Fora.
Através das palavras de David Campista – então Secretário do Estado dos Negócios da
Agricultura, Comércio e Obras Públicas –, Monteiro (1973) relembra que ao permitir que as
Câmaras Municipais interferissem na introdução de imigrantes e na criação de hospedarias, o
espírito do legislador era criar, “centros de atração imigratória, concorrendo, deste modo, para
25 Em 1887, Carlos Augusto de Oliveira Figueiredo, presidente da então Província de Minas Gerais, já assinalava Juiz de Fora como o lugar mais favorável à instalação de uma hospedaria. Segundo ele, para receber os imigrantes era necessário “[...] montar uma hospedaria onde sejão recolhidos os recem chegados marcando-se o prazo de demora que ahi poderão ter, sustentados pela provincia. O logar mais appropriado para o recebimento dos immigrantes é sem duvida a cidade de Juiz de Fóra, centro da principal lavoura da provincia e servida por diversas estradas de ferro.” (MINAS GERAES, 1887, p. 71). Fonte: MINAS GERAIS. Mensagem do Presidente da Província. Ouro Preto, 1887. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/494/000071.html>. Acesso em: 22 out. 2012.
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uma distribuição equitativa do braço trabalhador por todas as zonas produtivas do território
mineiro”26.
Portanto, associada à política de divisão do território, a localização e densidade desses
dispositivos – hospedarias, asilos, albergues, hospitais – sinalizava as disputas entre as
municipalidades e demonstrava a capacidade que algumas delas tinham em atrair mais
recursos e um maior número de imigrantes.
Os núcleos coloniais
Os núcleos coloniais realçaram a política territorial do governo mineiro que buscava,
nesse contexto, o maior controle sobre as terras devolutas. Para tal propósito, segundo
Monteiro (1973), entre 1889 a 1930, foram instalados, vinte nove núcleos coloniais27, sendo a
maioria deles situados na Zona da Mata e Sul de Minas, conforme evidenciam28 a tabela
anexa e a Figura 1:
26 Este trecho , citado por Monteiro (1973), foi extraído pela autora do Relatório apresentado pelo Dr. David Campista – então Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas – ao Presidente do Estado de Minas Gerais, no ano de 1894. Fonte: CAMPISTA, David. Relatório Apresentado ao Presidente do Estado de Minas Gerais pelo Secretário de Estado dos Negócios da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, D...., no ano de 1894, p.66/70. 27 Como vemos, a Figura 1 retrata apenas 26 desses núcleos. Além disso, vale dizer, que há algumas divergência sobre a quantidade de núcelos existentes. Para maiores informações, consultar: COSTA, M.L.P. Album Chorographico Municipal do Estado de Minas Geraes: contexto histórico. Estudos Críticos. 2012 Disponível em: <http://www.albumchorographico1927.com.br/texto/estudo-critico-contexto-historico>. Acesso em 14 abril 2013. 28 É também válido chamar atenção para a concentração dos núcleos instalados no entorno de Belo Horizonte.
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Figura 1 – Cartograma das Colônias Emancipadas e Não Emancipadas
Fonte: Museu da Imigração do Estado de São Paulo. Adaptação: (CHRYSOSTOMO e SANTOS, 2014).
Além dos núcleos sob a responsabilidade do governo, havia também colônias
particulares, sendo a principal delas a de "Ferreira Alves", situada perto da cidade de S. João
Nepomuceno. Tanto nesta, como nas demais, os terrenos que os proprietários quisesem
vender às famílias de imigrantes agricultores, estariam sob a fiscalização do governo (MINAS
GERAES, 15 nov. 1896, p.6).
Portanto, a política de criação dos núcleos coloniais apresentou um importante papel nas
propostas de ordenamento do território. Ela significou, pelo menos durante certo período, um
maior controle do estado minieiro sobre as propostas de desenvolvimento agrícola
capitaneadas por determinados grupos políticos. Ela também representou uma estratégia para
promover o crecimento da população do território mineiro, diagnóstico como vazio e pouco
povoado.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A partir da criação de novos instrumentos normativos, da instalação de infraestruturas e
formas particulares de gerenciamento e administração dos terrenos e da sociedade, a política
de imigração e colonização fomentou uma nova ordem no território mineiro. Tal ordem
esteve intrinsecamente ligada ao poder político e econômico da região da zona cafeeira de
Minas Gerais. O conflito escalar sempre esteve presente nesse momento: ora governo estadual
em confronto com municípios; ora um grupo de municípios que compartilhavam de interesses
se uniam contra outros grupos; ora esse confronto se processava entre essas próprias
municipalidades.
A política de imigração forjou-se a partir de representações da natureza e da imagem do
imigrante ou colono como únicos sujeitos capazes de promover o progresso em Minas Gerais.
A instrumentalização deste imaginário entrelaçou, portanto, aspectos políticos e atributos
materiais e imateriais do território.
Nessa linha, é importante ressaltar o conjunto de ações empreendidas para tornar o
território mineiro apto para receber os imigrantes, entre os quais estavam: a divisão do
território, a organização administrativa e funcional da Repartição Geral de Terras, a
identificações dos lotes urbanos e rurais, a classificação dos imigrantes mais propensos a cada
uma dessas divisões, a distribuição de dispositivos para acolhimento provisório e, finalmente,
a regulamentação das terras devolutas associadas à criação dos núcleos coloniais. É nessa
perspectiva que podemos dizer que a política de imigração esteve atrelada à política de
circulação, segurança da propriedade e também ao desejo de branqueamento a população.
Certamente, o isolamento geral reclamado pelos líderes políticos da região formada
pela Mata e Sul, a mais rica a partir da 2a metade do século XIX, e uma das principais rotas de
circulação do país, constitui-se num dos principais pontos de disputa das elites para a
introdução de imigrações, instalação de núcleos coloniais e criação de infraestruturas.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CHRYSOSTOMO, Maria Isabel de Jesus. Imigração estrangeira nos confins da Zona da
Mata Mineira (1850s-1875): entre civilização dos sertões e controle do território. Projeto de
Pesquisa, 18f, 2012.
CHRYSOSTOMO, Maria Isabel de Jesus and VIDAL, Laurent. Do depósito à hospedaria de
imigrantes: gênese de um "território da espera" no caminho da emigração para o Brasil. Hist.
cienc. saude-Manguinhos[online]. 2014, vol.21, n.1, pp. 195-217. Epub Feb 17, 2014. ISSN
0104-5970. http://dx.doi.org/10.1590/S0104-59702014005000008.
CHRYSOSTOMO, Maria Isabel de Jesus; SANTOS, Higor Mozart Geraldo. Política de
expansão e controle territorial numa região de fronteira: o caso da catequização e civilização
dos índios nos sertões do Rio de Janeiro e Minas Gerais no século XIX. In: II Encontro
Nacional de História do Pensamento Geográfico e I Encontro Nacional de Geografia
Histórica, 2012, Rio de Janeiro. Anais do III Encontro Nacional de História do Pensamento
Geográfico e I Encontro Nacional de Geografia Histórica, 2012.
CORRÊA, Roberto Lobato. Espaço: um conceito chave da Geografia- In CASTRO, I.E;
GOMES,P.C.C.; CORRÊA,R.L. (org). Geografia: Conceitos e Temas. Rio de Janeiro:
Bertrand do Brasil, 1995.
DIEGUES JÚNIOR, Manuel. Imigração, Urbanização, Industrialização. Rio de Janeiro:
Ministério de Educação e Cultura, 1964.
GUIMARÃES, Berenice Martins. Minas Gerais: A nova construção da nova ordem e a nova
capital. Análise & Conjuntura, Belo Horizonte, v.8, n.2/3, maio/dez, 1993, p. 17-31.
GUEDES, Sebastião N. R. Análise comparativa do processo de transferência de terras
públicas para o domínio privado no Brasil e EUA: uma abordagem institucionalista. Curitiba:
Revista de Economia. Vol 32, n1, 2006, pp 7-36.
MONTEIRO, Norma Góes Imigração e Colonização em Minas: 1889-1930. Belo Horizonte:
Imprensa Oficial, 1973.
20
______. Dicionário biográfico de Minas Gerais (período republicano 1889-1991). Belo
Horizonte: Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 1994.
RAFFESTIN, Claude. Por uma Geografia do Poder. São Paulo: Ática, 1993
SANTOS, Higor Mozart Geraldo. Um Horizonte Geográfico nas Entrelinhas da Política de
Imigração e Colonização em Minas Gerais (1892-1907). Monografia (Graduação em
Geografia). 2013. 123 f. – Universidade Federal de Viçosa, 2013.
FONTES PRIMÁRIAS
Jornal Estado de Minas Geraes.
Jornal Minas Geraes.
MINAS GERAIS. Mensagem do Presidente do Estado ao Congresso Mineiro. Belo Horizonte, 1892. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2401/>. Acesso em: 22 out. 2012.
MINAS GERAIS. Mensagem do Presidente do Estado ao Congresso Mineiro. Belo Horizonte, 1894. Disponível em: <http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2403/>. Acesso em: 22 out. 2012.
MINAS GERAIS. Mensagem do Presidente do Estado ao Congresso Mineiro. Belo Horizonte, 1899. Disponível em: < http://brazil.crl.edu/bsd/bsd/u2408/000051.html>. Acesso em: 22 out. 2012.
ANEXO
NÚCLEOS COLONIAIS INSTALADOS EM MINAS GERAIS NO PERÍODO DE 1889/1930
Nome do Núcleo Ano de
Fundação
Local Situação em 1930
01 – Francisco Sales 1893 Pouso Alegre -
02 – Carlos Prates 1899 Subúrbio. Capital Emancipado
03 – Américo Werneck 1899 Subúrbio. Capital Emancipado
04 – Afonso Pena 1899 Subúrbio. Capital Emancipado
05 – Bias Fortes 1899 Subúrbio. Capital Emancipado
06 – Adalberto Ferraz 1899 Subúrbio. Capital Emancipado
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07 –Nova Baden 1900 Lambari Emancipado
08 – Vargem Grande 1907 Subúrbio. Capital Emancipado
09 – Itajubá 1907 Itajubá Emancipado
10 – João Pinheiro (fed.) 1908 Sete Lagoas Extinto
11 – Constança 1910 Leopoldina Emancipado
12 – Santa Maria 1910 Cataguases Emancipado
13 – Barão de Ayuruoca 1910 Mar da Espanha Emancipado
14 – Inconfidentes (fed.) 1910 Ouro Fino Emancipado
15 – Major Vieira 1911 Cataguases Emancipado
16 – Rio Doce 1911 Ponte Nova Emancipado
17 – Wenceslau Braz 1912 Sete Lagoas Emancipado
18 – Pedro Toledo 1912 Carangola Emancipado
19 – Guidoval 1913 São Domingos do Prata Emancipado
20 – Joaquim Delfino 1914 Cristina Emancipado
21 – Vaz de Melo 1915 Viçosa Adm. Estado
22 – Álvaro da Silveira 1920 Pitangui Adm. Estado
23 – David Campista 1921 Bom Despacho Adm. Estado
24 – Júlio Bueno Brandão 1921 Peçanha Extinto
25 – Francisco Sá 1921 Teófilo Otoni Adm. Estado
25 – Padre José Bento 1923 Pouso Alegre Adm. Estado
27 – Brucutu 1924 Santa Bárbara Adm. Estado
28 – Raul Soares 1926 Pará de Minas Adm. Estado
29 – Mucuri 1927 Teófilo Otoni Adm. Estado
Fonte: Monteiro (1973, p. 189)