Tese Andre Carraro -- Corrupção Brasil
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CINCIAS ECONMICAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECONOMIA
Um Modelo de Equilbrio Geral Computvel com Corrupo para o
Brasil
Andr Carraro
Porto Alegre 2003
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2
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE CINCIAS ECONMICAS
PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECONOMIA
Um Modelo de Equilbrio Geral Computvel com Corrupo para o
Brasil
Andr Carraro
Orientador: Ronald Otto Hillbrecht
Tese apresentada ao Programa de
Ps-Graduao em Economia da
Faculdade de Cincias Econmicas
da UFRGS, como quesito parcial
para obteno do grau de Doutor em
Economia.
Porto Alegre 2003
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3
AGRADECIMENTOS
Este trabalho no teria sido possvel sem a colaborao de certas pessoas e
instituies. Gostaria de deixar registrado a minha gratido:
ao professor Ronald Otto Hillbrecht por ter aceito o desafio desta orientao;
a todos os professores do Programa de Ps-Graduao em Economia da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS);
ao chefe de departamento de economia da UNISC, prof. William H. G. Soto pela
compreenso quando de minhas ausencias na instituio;
ao professor Adelar Fochezatto que colaborou na aplicao do modelo de equilbrio
geral;
ao CNPq pelo suporte financeiro;
aos meus colegas e amigos que me ajudaram a concluir este trabalho, que para no
correr o risco de esquecer alguns, prefiro no citar.
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4
SUMRIO
RELAO DE TABELAS
RELAO DE QUADROS
RELAO DE FIGURAS
RESUMO
ABSTRACT
1 INTRODUO .............................................................................................................. 12
2 TEORIA ECONMICA DA CORRUPO.............................................................. 18
2.1 EFEITOS DA CORRUPO SOBRE O DESENVOLVIMENTO ECONMICO
19
2.1.1 A corrupo vista como um facilitador do crescimento........................................... 20
2.1.2 A corrupo como uma atividade improdutiva......................................................... 23
2.2 ALGUMAS DEFINIES SOBRE CORRUPO.................................................... 28
2.2.1 Formas de corrupo................................................................................................. 33
2.3 RESULTADOS EMPRICOS: COMO A CORRUPO AFETA O CRESCIMENTO
ECONMICO? ................................................................................................................... 36
2.3.1 Corrupo e taxa de investimento............................................................................. 36
2.3.2 Corrupo e taxa de crescimento.............................................................................. 39
2.3.3 Corrupo e qualidade do investimento pblico ...................................................... 40
2.3.4 Corrupo e inflao ................................................................................................. 45
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5
2.4 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................ 47
3 MODELOS MICROECONMICOS DE CORRUPO BUROCRTICA E SEUS
DETERMINANTES ECONMICOS............................................................................. 49
3.1 INTRODUO............................................................................................................. 49
3.2 MODELOS DE EQUILBRIO PARCIAL ................................................................... 53
3.2.1 O modelo de oferta e demanda por corrupo ......................................................... 53
3.2.2 O modelo de estrutura do mercado de atuao do burocrata .................................. 59
3.3 OS MODELOS DE EQUILBRIO GERAL NA ECONOMIA DA CORRUPO.... 63
3.3.1 Um modelo de equilbrio geral com competio no mercado da corrupo
burocrata ..................................................................................................................... 67
3.3.2 O Problema do Burocrata ......................................................................................... 71
3.4 ANLISE EMPRICA DOS FATORES DETERMINANTES DA CORRUPO ... 75
3.4.1 Metodologia ............................................................................................................... 81
3.4.2 Amostra ..................................................................................................................... 84
3.4.3 As variveis ................................................................................................................ 85
3.5 OS RESULTADOS ECONOMTRICOS: QUE VARIVEIS ECONMICAS SO
IMPORTANTES PARA EXPLICAR O NDICE DE CORRUPO PERCEBIDA?...... 94
3.5.1 Os resultados das regresses com cross-section....................................................... 94
3.5.2 Os resultados de painel............................................................................................ 102
3.6 CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 111
4 CORRUPO EM UM MODELO DE EQUILBRIO GERAL COMPUTVE 115
4.1 INTRODUO........................................................................................................... 115
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6
4.2 HISTRICO DOS MODELOS COMPUTVEIS ..................................................... 117
4.3 CARACTERSTICAS GERAIS DO MODELO (FOCHEZATTO 1999) ................. 119
4.3.1 Incluindo corrupo no modelo.............................................................................. 121
4.3.2 Calibragem............................................................................................................... 124
4.4 ANLISE DOS RESULTADOS ................................................................................ 125
4.4.1 Cenrio base ............................................................................................................ 125
4.4.2 Poltica Comercial ................................................................................................... 129
4.4.3 Poltica Fiscal .......................................................................................................... 132
4.5 CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 135
5 CONCLUSES............................................................................................................. 137
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................................... 143
ANEXO A......................................................................................................................... 155
ANEXO B ......................................................................................................................... 193
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7
LISTA DE TABELAS
TABELA 1. NDICE DE EFICINCIA BUROCRTICA ............................................................ 38
TABELA 2. INVESTIMENTO E CORRUPO......................................................................... 39
TABELA 3. OS EFEITOS DA CORRUPO NO INVESTIMENTO PBLICO, 1980-95............... 42
TABELA 4. EFEITOS DA CORRUPO SOBRE A RECEITA DO GOVERNO, 1989-95 .............. 43
TABELA 5. EFEITOS DA CORRUPO SOBRE O GASTO EM OPERAES DE MANUTENO 44
TABELA 6. CORRUPO E QUALIDADE DA INFRA-ESTRUTURA, 1980-1995 ...................... 45
TABELA 7. CORRUPO E INFLAO ................................................................................. 46
TABELA 08. VALORES DO R2 E DO TESTE F PARA AS REGRESSES REALIZADAS NO
PRIMEIRO ESTGIO DO MODELO MQ2E .................................................................... 84
TABELA 09. RESULTADOS DAS REGRESSES CROSS-COUNTRY........................................... 96
TABELA 10. REGRESSES CROSS-COUNTRY COM DIFERENTES MODELOS ......................... 99
TABELA 11. RESULTADOS DAS REGRESSES INDIVIDUAIS EM PAINEL, 1995-1999......... 105
TABELA 12. REGRESSO EM PAINEL COM VARIVEIS DE CONTROLE E INSTRUMENTAIS
................................................................................................................................... 109
TABELA 13. RESULTADOS DO CENRIO BASE, GERADOS PELO MODELO DE EQUILBRIO
GERAL APLICADO COM CORRUPO, PARA ALGUNS INDICADORES ECONMICOS . 126
TABELA 14. COMPARAO DE ALGUNS RESULTADOS DO MODELO DE EQUILBRIO GERAL
APLICADO DE FOCHEZATTO (1999) COM E SEM CORRUPO, PARA O ANO DE 1994.
................................................................................................................................... 127
TABELA 15. RESULTADOS GERADOS PELO MODELO DE EQUILBRIO GERAL APLICADO
COM CORRUPO DA SIMULAO DE POLTICA COMERCIAL.................................. 130
TABELA 16. RESULTADOS GERADOS PELO MODELO DE EQUILBRIO GERAL APLICADO
COM CORRUPO DA SIMULAO DE POLTICA FISCAL EXPANSIONISTA ............... 132
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8
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1. RELAO ENTRE CONCORRNCIA E O NVEL DE PROPINA .................................. 72
QUADRO 2. VARIVEIS EXPLICATIVAS UTILIZADAS NO MODELO DE PALDAM (1999A) ........ 77
QUADRO 3. VARIVEIS EXPLICATIVAS UTILIZADAS NO MODELO DE ADES E DI TELLA (1997)
..................................................................................................................................... 78
QUADRO 4 . VARIVEIS EXPLICATIVAS UTILIZADOS NO MODELO 2SLS DE TREISSMAN
(2000) .......................................................................................................................... 79
QUADRO 5. DESCRIO DAS VARIVEIS UTILIZADAS NAS REGRESSES............................... 86
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9
LISTA DE FIGURAS
FIGURA 1. O CUSTO SOCIAL DO MONOPLIO..................................................................... 25
FIGURA 2. REPRESENTAO GRFICA DO COMPORTAMENTO DO BUROCRATA ............... 57
FIGURA 3. ESTRUTURA DO MERCADO DE CORRUPO BUROCRTICA ........................... 58
FIGURA 4. CORRUPO SEM FURTO................................................................................... 61
FIGURA 5. CORRUPO COM FURTO.................................................................................. 62
FIGURA 6. ESTRUTURA BSICA DO MODELO.................................................................... 122
FIGURA 7. COMPARAO DO DESEMPENHO DO PIB NO MODELO COM E SEM CORRUPO,
1994 A 1997 ............................................................................................................... 128
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10
RESUMO
Corrupo um problema antigo que tem recebido, nos ltimos anos, uma ateno
global destacada, chamando a ateno, tanto de organismos pblicos como de privados,
dos meios de comunicao, dos formuladores de polticas pblicas, bem como do conjunto
da sociedade civil, acerca das suas formas de atuao, seus determinantes e seus efeitos
para a sociedade. Enquanto no existe ainda um consenso na literatura sobre como definir
o fenmeno da corrupo, uma coisa est clara: corrupo um problema de governo.
Mais precisamente, corrupo envolve a ao racional de burocratas que possuem um
poder de monoplio sobre a oferta de um bem ou servio pblico, ou ainda, o poder
discricionrio na tomada de decises que afetam a renda de grupos na sociedade civil.
Este estudo apresenta trs contribuies para a literatura da economia da corrupo.
Primeiro, ele contribui para a organizao da discusso apresentando as diferentes formas
como a Economia Poltica da Corrupo analisa o problema da corrupo: a) como um
problema de rent-seeking, b) como um problema de crime, c) como um problema de
estrutura de mercado do servio pblico. Segundo, este trabalho contribui na identificao
das variveis econmicas que esto relacionados com o fenmeno da corrupo, o que
permite uma melhor compreenso dos efeitos das polticas econmicos no incentivo
atividade corrupta e, terceiro, este trabalho contribui para a identificao do volume de
recursos envolvido com a corrupo no Brasil.
Os resultados alcanados mostram que o fechamento comercial do pas, a expanso
dos gastos do governo e a prtica de poltica industrial ativa, com a elevao dos impostos
de importao, funcionam como incentivadores de prticas corruptas na relao entre
Estado e sociedade. Por outro lado, a aplicao de um modelo de equilbrio geral com
corrupo endgena possibilitou a obteno de um valor para o volume de recursos
envolvidos com corrupo no Brasil, em torno de 12% do PIB. A simulao do modelo
para poltica comercial e fiscal no permite concluir que a corrupo, necessariamente,
ressulte em menor crescimento econmico.
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11
ABSTRACT
Corruption is an age-old problem that just recently has started to attract global
attention from public and private organizations, media, policy makers and civil society
members. The main points of concern are the way of action, its determinants and
consequences upon social welfare. However there is no agreement in the literature about
how to define the phenomenon of corruption, except that its a governments related
problem. Corruption, more precisely, is the result of one rational action a public sector
member that has the monopoly power to offer goods, service and discretion over the
decision making process.
This study aims to contribute to the Modern Corruption Economics Literature in
three ways. First, it contributes organizing the several views used by the literature to
discuss the corruption problem: a) in the theory of rent-seekers; b) in the theory of crime;
and c) in the imperfect markets structure from the bureaucrats markets. Second, this study
analyze the economics determinants of the corruption and third, this study contributes on
measure the cost of corruption in brazil.
The main results suggests that countries could be reducing corruption practicing an
open market policy, redefining the role of government and not using industrial policies
activities. On the other hand, the application of the General Model Equilibrium gives a
better idea from the brazilian gross domestic product involving in corruption practices,
what embrace about 12% of GDP. The simulations of scenarios, wich include upper
protected commercial police and upper government spend; do not possibilities refutes the
hypothesis that corruption is a form of attracting more economics growth, besides your
effects in the corruption growth.
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1 INTRODUO
Recentemente, e mais especificamente aps os anos 90, o fenmeno da corrupo
tem despertado a ateno de diversos pesquisadores da rea de cincia poltica, sociologia
e economia, atrados pelas notcias e acusaes de prticas ilcitas em governos, tanto de
pases ricos como pobres, grandes ou pequenos, de orientao poltica liberal ou
conservadora1. Apesar da corrupo no ser um fenmeno novo, o grau de ateno que ela
tem recebido nos ltimos anos leva-nos a pensar que existe, atualmente, mais corrupo
que no passado. Contudo, o fato de ter aumentado nas ltimas dcadas o nmero de pases
com governos democrticos pode ter possibilitado o crescimento dos espaos para a
discusso da corrupo, seja ela poltica ou burocrtica. Ao mesmo tempo, o crescimento
de instituies no governamentais, tal qual a Transparncia Internacional, tem auxiliado
na divulgao da corrupo no somente como um problema moral ou poltico, mas
tambm como um problema econmico.
No Brasil, o processo de abertura poltica e a redemocratizao iniciada nos anos 80
criaram um otimismo geral de que todos os problemas nacionais estariam resolvidos com a
democracia e com o voto direto para presidente. Dentre os principais problemas a serem
solucionados pela democracia ressaltavam-se o combate inflao crnica e o combate
corrupo. Entretanto, a histria das ltimas dcadas no Brasil tem demonstrado que a
1 Ver Tanzi (1998b).
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13
democracia por si s, no garantia de controle tanto inflacionrio como da corrupo2.
Ao contrrio, a recente experincia brasileira tem demonstrado que democracia e
corrupo podem conviver amigavelmente, com a corrupo causando importantes danos
para as instituies polticas e econmicas do pas.
No aspecto poltico, a existncia de um processo crnico de corrupo afeta os
principais pilares da democracia j que, sob um regime democrtico, os eleitores no
aceitam a prtica de corrupo poltica, pois elegeram seus representantes para atuarem em
defesa da comunidade e no contra ela ou em benefcio prprio. Neste sentido, os
escndalos polticos do governo Collor e a divulgao dos diversos casos federais e
estaduais do mau uso do oramento pblico alertaram a sociedade brasileira dos riscos
existentes, para a estabilidade poltica e social, da persistncia de uma estrutura
institucional baseada na prtica de corrupo.
No aspecto econmico, existem diversas razes pelas quais economia e corrupo
esto relacionadas. Primeiro, por reduzir as receitas e aumentar os gastos pblicos, a
corrupo pode contribuir para a gerao de dficits fiscais, que por sua vez, podem ter
conseqncias inflacionrias. Segundo, a existncia de corrupo em uma economia pode
afugentar (ou desestimular) o investidor privado a realizar novos investimentos, pois a
existncia de corrupo, alm de elevar o custo do investimento, eleva tambm a incerteza
quanto ao seu sucesso, o que acaba afetando negativamente o crescimento do pas (Mauro,
1995). Terceiro, de acordo com Al-Marhubi (2000), o governo tem na seigniorage um
motivo para criar inflao. A existncia de corrupo na coleta de impostos e de evaso
fiscal pode motivar o governo a transformar o imposto inflacionrio em mais uma fonte de
receita governamental, gerando mais inflao.
Para Rose-Ackerman (1999, p.6), corrupo um sintoma de que alguma coisa est
errada na administrao do Estado. Instituies desenhadas para governar as relaes entre
os cidados e o Estado estariam sendo utilizadas para buscar o enriquecimento pessoal por
meio dos benefcios do suborno. No entanto, diversas so as definies de corrupo,
Tanzi (1998b) considera a definio do Banco Mundial a mais simples em que a corrupo
2 Para uma leitura de relatos de casos de corrupo no Brasil do perodo de 1980 a 1988, ver Bezerra (1995).
-
14
o abuso do poder pblico para obter benefcios privados, presentes, principalmente, em
atividades de monoplio estatal e poder discricionrio por parte do Estado.
A partir destas observaes, pesquisadores como Susan Rose-Ackerman, Vito
Tanzi e Mauro Paolo dedicaram esforos para a utilizao de instrumentais econmicos na
tarefa de analisar as causas e os efeitos da corrupo na economia. Rose-Ackerman (1978)
e Shleifer & Vishny (1993) tratam a corrupo como um problema de estrutura de mercado
monopolizada, sendo a concorrncia, a poltica desejada para controlar o fenmeno da
corrupo no setor pblico. Ou seja, a presena de corrupo burocrtica est ligada
percepo, pelos burocratas, que o Estado pode se tornar uma fonte de renda proveniente
da venda de servios pblicos. Nesses modelos, o fato de uma prestao de servio pblico
ser realizada por um setor cria poderes de monoplio para o burocrata responsvel pela
alocao dos recursos. Por exemplo, comparando a estrutura existente entre a empresa
nacional de correios e o rgo responsvel pela emisso de passaportes, o primeiro, por
dispor de uma rede de agncias, teria uma probabilidade menor de convivncia com a
corrupo quando comparado com o segundo, tradicionalmente monopolista. Portanto,
nessa viso, a existncia de uma estrutura pblica monopolista, atrai os burocratas para a
disputa da renda do monoplio (rent-seeking). Como principal resultado, tem-se que
corrupo uma conseqncia, estando os pases com excessiva regulamentao do
governo na atividade econmica gerando os estmulos necessrios para a prtica da
atividade corrupta por parte de seus burocratas.
Por outro lado, Mauro Paolo (1995) e Vito Tanzi (1997, 1998a) dedicaram esforos
para estimar (em uma anlise cross-section) os efeitos da corrupo na taxa de crescimento
da renda per capita, nos investimentos pblicos e na qualidade da infra-estrutura. Os
resultados encontrados apontam para uma relao negativa entre corrupo e taxa de
crescimento da renda per capita e da qualidade da infra-estrutura e, para uma relao
positiva entre corrupo e investimento pblico. Assim, corrupo vista como causa do
fraco crescimento econmico de alguns pases, do empobrecimento relativo e do mau
funcionamento do sistema econmico.
-
15
Estes estudos, associados aos que se seguiram nos anos 90, trouxeram uma nova
perspectiva para o estudo da corrupo, no somente como um fenmeno antropolgico ou
poltico, mas tambm como um fenmeno com algumas repercusses econmicas.
A literatura sobre a economia da corrupo , hoje, composta por uma vasta e
diversificada quantidade de textos e contribuies acadmicas que podem ser classificadas
grosseiramente entre as que tratam a corrupo como tendo causa e as que tratam a
corrupo como tendo conseqncia para o sistema econmico. A partir dos anos3 90
possvel encontrar-se referncias sobre corrupo em um grande nmero de revistas
internacionais, tendo-se, inclusive, desde 1987, uma revista dedicada somente a este tema
(Corruption and reform); no entanto possvel encontrar-se artigos dedicados ao tema da
corrupo em diversas outras revistas como: Journal of Law and Society, Journal of Public
Economics, European Journal of Political Economy, Journal of Comparative Economics,
Quartely Journal of Economics, Journal of Economic Behavior & Organization,
International Review of Law and Economics, American Economic review, entre outros.
Ao tratar a corrupo como uma questo relevante para a cincia econmica e,
principalmente, como um problema essencialmente econmico, este trabalho se prope a
trabalhar a corrupo como tendo causas em polticas econmicas e conseqncias para o
sistema econmico. Causas porque a corrupo no aqui tratada como um problema de
indivduo, de falta de tica do burocrata no trato da coisa pblica, sendo resolvida com a
substituio do burocrata corrupto, mas tratada sim como uma conseqncia de polticas
econmicas. Polticas econmicas no so neutras, trazem benefcios e custos, alteram os
preos relativos, modificam ganhos e, modificam a forma como os agentes racionais e
maximizadores de renda se comportam. Conseqncias porque do ponto de vista
microeconmico a corrupo pode ser vista como um imposto, um custo adicional que
deve ser incorrido para a obteno de um servio pblico, de um produto ou de um favor
que modifica a alocao eficiente dos recursos. Em um mercado competitivo a
remunerao dos fatores de produo depende de sua produtividade. Ora, alocaes
corruptas devem gerar alocaes ineficientes dos recursos, o que diminui a produtividade
dos fatores e as suas remuneraes. Com menor remunerao as famlias podem decidir
3 Segundo Ades (1995, p.119), a falta de dados sobre corrupo foi o principal fator que impediu o desenvolvimento da economia da corrupo como uma rea de pesquisa da economia nos anos 70.
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poupar menos, afetando a poupana e o investimento. Menor remunerao do capital
tambm pode afugentar investidores que deslocaro seu capital para pases com menor
corrupo, afetando todo o sistema econmico.
Capturar essas complexas relaes e inter-relaes da corrupo no sistema
econmico o principal objetivo deste trabalho. Para isto este trabalho est dividido em
trs partes, alm desta e da concluso. No primeiro captulo feita uma apresentao da
evoluo do pensamento econmico na rea de pesquisa em economia da corrupo,
enfocando a variedade de conceitos, suas diferentes formas de apario e os primeiros
resultados empricos apresentados pela literatura.
No segundo captulo alm de ser apresentado as trs abordagens da moderna
Poltica Econmica da corrupo (corrupo como crime, como atividade de rent seeking e
como resultado da estrutura do mercado de oferta de servio pblico) desenvolvido um
modelo de equilbrio geral com corrupo a partir do modelo de Dutt (1999) e, realizado
uma evidncia emprica dos fatores econmicos determinantes da corrupo. Neste
captulo responde-se principalmente as seguintes questes: Primeiro, quais so as variveis
econmicas significativas para a determinao da corrupo? De uma forma geral, e alm
dos aspectos culturais ou histricos, quais so as relaes existentes entre o ndice de
corrupo percebida e o tamanho do Estado brasileiro? Esta relao seria positiva, de tal
forma a confirmar a hiptese liberal de que maior interveno do Estado afeta
negativamente o crescimento econmico? Ou esta relao seria negativa, de tal forma a
confirmar a hiptese socialista de que o Estado uma entidade benevolente maximizadora
do bem estar social?
Qual a relao existente entre o ndice de corrupo percebida e a poltica
comercial nacional? Uma poltica comercial protecionista pode ser vista como uma poltica
industrial direcionada para o desenvolvimento da indstria nascente, mas no teria ela
tambm alguma relao com o ndice de corrupo percebida? Ao proteger a indstria
nacional, esta mesma poltica poderia estar gerando uma disputa pelo lucro extra possvel
de ser obtido pelas empresas nacionais. Neste caso, estas empresas no poderiam estar
dispostas a corromperem os burocratas do governo na busca da to desejada proteo
comercial?
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17
Obtidas estas relaes, o captulo trs tem por objetivo incorporar em um modelo
de equilbrio geral aplicado o problema da corrupo, tornando-a uma varivel endgena
do sistema. Este captulo tem por objetivo principal responder a seguinte pergunta: Como
mudanas de poltica econmica afetam a corrupo e quais so os efeitos nas demais
variveis econmicas? Neste sentido j existem modelos de equilbrio geral para o Brasil
que desejam captar as complexas relaes existentes no sistema econmico, mas como
estas relaes mudariam com a incluso no modelo de uma varivel para a corrupo? As
polticas econmicas, como sugerido por alguns textos mais recentes, perderiam
eficincia? Ou, ao contrrio, por ser a corrupo o mecanismo escolhido pelo mercado para
fazer as engrenagens do governo funcionar, estas polticas ganhariam eficincia? Para
responder a estas perguntas, neste captulo, ser utilizado o modelo de equilbrio geral
aplicado desenvolvido por Fochezatto (1999), adaptando-o para o caso de corrupo
endgena.
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18
2 TEORIA ECONMICA DA CORRUPO
Durante os ltimos 30 anos tem crescido rapidamente a ateno dada por
economistas de diversas formaes anlise da corrupo, de tal forma que, a literatura
econmica que trata da corrupo j possui um grupo de pesquisadores reconhecidos (entre
eles, Vito Tanzi, Susan Rose-Ackerman e Mauro Paolo) sendo, portanto, possvel
encontrar uma vasta bibliografia organizada sobre este tema. O primeiro trabalho
publicado sobre corrupo e que mereceu uma maior ateno foi The Economics of
Corruption4 desenvolvido por Susan Rose-Ackerman, em 1975. Segundo Ades (1995),
apesar deste texto ser considerado seminal na descrio sobre economia da corrupo, esse
assunto j teria sido abordado por pesquisadores da teoria do crime (Becker e Stigler,
1974), da teoria das agncias (Harris e Raviv, 1978), da busca de renda (Tullock, 1967) e
da economia do desenvolvimento (Myrdal, 1968).
Mais recentemente, a economia da corrupo tem constitudo um programa de
pesquisa novo, que pode ser dividido em dois temas centrais: as teorias sobre as causas
econmicas da existncia de corrupo e as teorias que analisam suas conseqncias sobre
variveis econmicas. No primeiro grupo, encontram-se os trabalhos que utilizando a
abordagem de agente-principal, rent seeking e de estrutura de concorrncia, tentam
fornecer os argumentos microeconmicos que justifiquem a existncia de corrupo. Este
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19
grupo de trabalhos consiste no maior avano obtido pela teoria econmica da corrupo
nos ltimos anos. O segundo grupo representado pelo esforo de quantificar as possveis
relaes existentes entre corrupo e desempenho econmico de uma regio ou de um pas.
Aqui esto os trabalhos que relacionam corrupo com crescimento do PIB, com a
estrutura do investimento pblico, com inflao, entre outros. Esta parcela
macroeconmica da pesquisa econmica sobre corrupo recebeu, no incio deste ramo de
pesquisa, uma ateno menor, muito provavelmente, devido dificuldade em obter-se
dados quantitativos sobre o tamanho e o comportamento da corrupo nos pases. Somente
aps a dcada de 90, com o fornecimento de ndices de corrupo percebida para diversos
pases, que se encontram alguns trabalhos que tentam capturar o efeito da corrupo em
algumas variveis econmicas.
Assim, este captulo tem por objetivo apresentar o estado atual da pesquisa em
economia da corrupo. Para isto, ele possui sees dedicadas a apresentar a evoluo no
pensamento econmico da corrupo, de uma forma de agilizar o crescimento, para o
revisionismo dos anos 80, que passou a tratar a corrupo como geradora de desperdcios
de recursos e ineficincia econmica. Alm disto, este captulo trata da dificuldade em
obter-se uma definio consensual para corrupo e, por ltimo, apresenta uma breve
resenha dos trabalhos que tratam da anlise emprica das conseqncias econmicas da
corrupo.
2.1 EFEITOS DA CORRUPO SOBRE O DESENVOLVIMENTO ECONMICO
O estudo dos efeitos da corrupo sobre o desenvolvimento econmico tem passado
por um certo revisionismo ambguo nas ltimas dcadas, apresentando argumentos que
tanto evidenciam a distoro na alocao dos recursos causados pela corrupo (Vito
Tanzi, 1997; Paolo Mauro, 1995), ou seus efeitos sobre os riscos da perda de novos
investimentos (Wei, 2000), como apresentam argumentos que corroboram a idia de que a
corrupo pode no ser inconsistente com o desenvolvimento e, at mesmo, ser um
acelerador do progresso (Huntington, 1968; Lui,1985).
4 Rose-Ackerman, Susan. The Economics of Corruption. The Journal of Public Economics, v. 4, p. 187-203, 1975.
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20
Para os primeiros, a corrupo um crime cometido por um representante do
Estado (burocrata) que se apropria dos direitos de propriedade sobre recursos pblicos para
negoci-los com agentes civis, em troca de uma propina. Existindo a corrupo como uma
prtica lucrativa, os funcionrios pblicos podem alterar a alocao de recursos pblicos,
substituindo critrios tcnicos por uma alocao que obedea ao pagamento de propinas,
ou seja, atendendo aos seus (dos burocratas) interesses privados. Alm disso, a existncia
de corrupo em governos pode forar as empresas a alocarem recursos humanos (talentos)
na atividade de negociao, na efetuao de um acordo, no pagamento da propina, na
renegociao do que foi acordado, na busca de garantias quanto ao segredo do negcio, no
pagamento adicional para outro burocrata, enfim, em tarefas que caracterizam as atividades
de rent seeking, em detrimento das atividades tipicamente produtivas.
Para os apologistas da corrupo5, a propina o preo de equilbrio que iguala as
funes de oferta e demanda por recursos pblicos. a manifestao do mercado,
corrigindo distores prvias criadas pela excessiva regulamentao das atividades
econmicas que inibem o desenvolvimento econmico. Comum a esses autores a idia da
burocracia estatal ser de uma ineficincia to extrema que a prtica de corrupo pode
trazer alguns benefcios para o crescimento.
2.1.1 A corrupo vista como um facilitador do crescimento
Os primeiros trabalhos sobre o impacto da corrupo no bem estar social concluam
que os benefcios da corrupo excediam seus custos. Entre os principais autores que
representam o pioneirismo nesta anlise esto Leff (1964), Nye (1967) e Huntington
(1968). Em comum, estes autores, que contriburam para a formao da teoria funcional da
corrupo, possuem o argumento de que a compra e venda de favores possuem certas
vantagens econmicas6. O principal argumento utilizado o de que a propina teria uma
5 Esta a forma que Kaufmann (1997, p. 2) classifica os tericos defensores da corrupo como um instrumento eficiente. 6 importante ressaltar aqui que estes autores, apesar de destacarem os efeitos positivos da corrupo, no ignoravam a possibilidade de prejuzos sociais causados pela corrupo. Ao contrrio, possvel de serem encontrados diversos dos argumentos modernos contra a corrupo em seus textos, especialmente em Nye (1967). No entanto, o que os torna merecedores de um tratamento especial na literatura econmica o fato de terem construdo uma coletnea de textos que fugiam do tradicional tratamento da corrupo, como sendo uma patologia poltica ou uma depravao moral.
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funo tpica de um leo que utilizado em uma mquina azeita as engrenagens, cortando
o excesso de burocracia e, desta forma, promovendo uma maior eficincia.
Esta a intuio existente, por exemplo, no artigo de Nathaniel Leff, Economic
Development Through Bureaucratic Corruption (1964), citado freqentemente como
fonte de argumentos para os defensores da corrupo, principalmente na sua forma de
suborno, como sendo uma importante arma a ser utilizada pelo empresrio contra a hostil
interferncia do burocrata no desenvolvimento econmico. Para Leff (1964), medida que
o governo impusesse um excessivo controle burocrtico sobre as atividades econmicas, a
presena do burocrata teria um efeito negativo sobre o desenvolvimento econmico,
devido a criao de entraves na ampliao dos negcios ou no desenvolvimento de novos
produtos e, portanto, criando um ambiente de incerteza para o empresrio. Desta forma, a
corrupo surgiria devido a excessiva regulamentao das atividades econmicas por parte
do governo e funcionaria como um redutor de incerteza para o empresrio.
Ao reduzir a incerteza, a corrupo ampliaria a confiana do empresrio na
realizao de novos investimentos. Esta ampliao de confiana surge pela reduo do
risco poltico de seu projeto ser rejeitado por algum rgo do governo. Ao utilizar a prtica
da corrupo para reduzir os riscos do investimento, o empresrio utiliza a corrupo como
um instrumento de seguro contra aes indesejadas do governo. No utilizar a
corrupo como um instrumento de busca de privilgios, mas sim como uma forma de se
precaver contra prejuzos futuros. Por isso, Leys (1965) classifica este tipo de
comportamento como sendo uma corrupo honesta.
Posto desta forma, a corrupo surge como um recurso possvel e recomendando de
ser adotado pelo mercado, na correo de polticas e normas implantadas pelo governo.
Nas palavras de Leff (1964, p. 11): If the government has erred in this decision, the
course made possible by corruption may well be the better one.
O burocrata corrupto surge como o salvador do empresrio. ele que ir conceder
demanda, pelo bem ou servio pblico, do empresrio, um carter de rapidez e agilidade,
tpicos de uma organizao privada, ao invs de um servio lento e burocrtico tpicos do
servio pblico. Nestes termos, paradoxalmente, o pior dos mundos, para o empresrio,
deparar-se com um burocrata honesto. Para o empresrio, na presena de um burocrata
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honesto, o suborno no traz os efeitos desejados, sendo a demanda do empresrio tratada
da mesma forma padronizada que as demais demandas sociais enfrentam. Esta peculiar
caracterstica desta abordagem bem retratada nas palavras de Huntington (1968, p. 386):
in terms of economic growth, the only thing worse than a society
with a rigid, over-centralized dishonest bureaucracy, is one with a
rigid, over-centralized, honest bureaucracy.
Um argumento mais recente7 a favor da corrupo como um facilitador do
desenvolvimento econmico est em tratar a corrupo como sendo parte de um processo
de barganha coasena (Bardhan, 1997), que pode ser representado da seguinte forma: um
burocrata apropria-se (ilegalmente) dos direitos de propriedade sobre um bem ou servio
pblico, podendo negoci-lo para algum agente privado por meio de um leilo. Supondo
que mais de uma firma estejam interessadas na demanda pelo recurso pblico, o burocrata
ir atender quele que ofertar a maior propina. Havendo uma disputa competitiva entre as
empresas, pela oferta do maior valor possvel de propina, a empresa com menor custo ser
a ganhadora, mantendo-se uma alocao eficiente.
Como a deciso de quanto oferecer de propina faz parte de um jogo de interao
estratgica, cada empresa dever possuir toda a informao necessria dos concorrentes
para realizar sua melhor oferta possvel. Este argumento tem sido criticado por Kaufmann
(1997), por ser vlido apenas quando houver informao completa sobre os custos de todas
empresas e, assim, informao completa sobre a capacidade de competio de cada uma
delas.
Finalmente, Francis Lui (1985) desenvolveu um modelo no qual derivada uma
funo de oferta da propina como sendo positivamente relacionada com o custo de
oportunidade do tempo de espera que o agente civil ter que enfrentar at ser atendido em
sua demanda. Neste modelo, a estratgia oferecer propina forma um equilbrio de Nash
em um jogo competitivo que minimiza o custo de espera associado com a burocracia,
reduzindo a ineficincia no atendimento demanda pelo recurso pblico.
7 Apesar de no retratar como um jogo, Leff (1964) afirma um dos benefcios da corrupo introduzir eficincia e competio no sistema econmico.
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No entanto, este resultado somente mantido sob o pressuposto que ambos os
envolvidos na transao corrupta sejam honestos no sentido que eles iro cumprir o acordo.
Como alerta Kaufmann (1997, p. 3), caso o burocrata aceite novas propinas ou, no limite,
caso o burocrata aceite propinas de todos, o tempo de espera permanecer o mesmo,
tornando a corrupo ineficiente. A dificuldade em manter-se o equilbrio (corrupo
gerando eficincia) est justamente no fato deste jogo ter o mesmo final do Dilema dos
Prisioneiros. A possibilidade de traio cresce medida que inexiste uma relao
contratual formal entre corrupto e corruptor. Sem a posse de garantias, (tanto do
recebimento da propina, como do recebimento do benefcio ilegal) os custos que envolvem
esta transao crescem rapidamente (principalmente os custos ex-post), necessitando da
presena de confiana na relao formada8.
Sendo a corrupo uma transao ilegal, o contrato (informal) firmando entre
burocrata e agente civil no pode ser garantido pelo aspecto legal, devendo haver uma
confiana mtua, tanto no cumprimento do que foi acertado quanto na manuteno do
segredo, que toda a operao ilegal requer. Desentendimentos a posterior (por exemplo, a
demanda por nova propina) no podem ser resolvidos judicialmente, criando-se um
elevado custo de transao para a prtica da corrupo. Nestes casos, os custos envolvidos
podem superar (em muito) os benefcios, tornando a corrupo uma opo ineficiente.
2.1.2 A corrupo como uma atividade improdutiva
Uma das razes citadas pelos que defendem a neutralidade da corrupo sobre a
economia a de que um suborno simplesmente uma transferncia e, portanto, no
implica em perda de bem estar. Um dos primeiros autores a questionar a neutralidade da
corrupo foi Myrdal (1968), seguido por Rose Ackerman (1978), que questionaram este
ponto de vista argumentando que a existncia de corrupo em governos poderia estimular
os funcionrios pblicos a gerar maior obstculo burocrtico, para depois, poder demandar
maior propina (Myrdal, 1968). Agindo assim, os burocratas estariam reproduzindo o
8 No entanto, o prprio Dilema dos Prisioneiros mostra que confiana no suficiente para garantir o cumprimento do acordo, sendo necessrio a existncia de uma outra forma de garantia do acordo. Esta necessidade de garantir a realizao de um acordo ilegal permite que seja formado uma ponte ligando a corrupo ao crime organizado.
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mesmo comportamento estratgico da empresa monopolista que obtm maior lucro (via
aumento de preo) por meio da escassez (Rose Ackerman, 1978). Desta forma, os
burocratas, em vez de apoiarem a atividade produtiva, convertem-se em obstculos para a
eficincia econmica.
Portanto, para estes autores, quando um funcionrio pblico corrupto escolhe
(aprova) um projeto de desenvolvimento econmico por meio do recebimento de propina,
com isto liberando os recursos, ele est usando ineficientemente recursos escassos do
governo. A obteno de um privilgio por parte de algum representante da sociedade civil
permite que este possa oferecer ao funcionrio pblico um ganho monetrio (suborno) em
troca de algum tipo de favor para obter o desejado privilgio, interligando os conceitos de
corrupo e de rent seeking (Rose-Ackerman, 1978; Lambsdorff, 2001, Mbaku, 1992).
O conceito de rent seeking referido como o gasto de recursos para obter um
prmio disputado por grupos de interesse nesta economia (Drazen, 2000). Geralmente, esta
atividade est envolvida na alocao de recursos com o objetivo de obter-se algum direito
(de monoplio), que garanta ao possuidor desfrutar dos benefcios da ao regulatria do
Estado, como por exemplo, nos casos de concesso de linhas de transporte intermunicipais,
de concesso do direito de transmisso de canal de televiso, de rdio, etc...
Entre outras, a atividade de rent seeking envolve, por exemplo, a destinao de
recursos por parte das empresas para obter do governo uma legislao que proteja a
indstria nacional dos seus concorrentes internacionais. A obteno de uma proteo
comercial, como a implantao de uma alquota maior sobre os produtos importados, cria
uma escassez artificial (Mbaku, 1992) geradora de renda. Na busca desta renda, grupos
de interesse modificam sua alocao de recursos tentando garantir os privilgios de
monoplio fornecidos pelo Estado.
Na anlise tradicional de estrutura de mercados imperfeitos, o custo social do
monoplio unicamente dado pelo tringulo L da figura 1. Como o monoplio gera uma
escassez, o preo de monoplio ser maior que o preo de concorrncia, levando a um
aumento no excedente do produtor. A sociedade ter a seu dispor uma menor quantidade
disponvel para o consumo, ofertado a um preo maior, levando a uma reduo do bem-
estar do consumidor. Desconsiderada esta perda, a teoria tradicional conclui que a
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atividade de monoplio implica em uma perda lquida zero da transferncia entre os
consumidores e o monoplio produtor (retngulo A na figura 1 abaixo).
Figura 1. O custo social do monoplio
Ao contrrio da teoria tradicional9, os tericos do rent seeking argumentam que a
atividade de monoplio implica em uma perda lquida para a sociedade. Tullock (1967)
argumentou que a competio pelo direito de monoplio implica em um custo social maior
que o tringulo L. Por exemplo, suponha que o monoplio em questo tenha sido criado
pelo governo em sua atividade regulatria, concedendo a uma nica empresa o direito de
explorar o transporte rodovirio entre duas cidades. Se existem duas empresas interessadas
na obteno do direito de monoplio, ento elas iro alocar seus recursos para aumentar a
chance de obter o to desejado direito de capturar a renda dada pelo retngulo A.
Esses gastos podem envolver a contratao de lobistas para realizar uma presso
poltica, de advogados, de publicitrios para reforar a imagem pblica da empresa e, at
mesmo, contratar antigos profissionais do setor responsvel pela concesso que ainda
possuam relaes pessoais de amizade com os funcionrios pblicos responsveis pelo
acompanhamento burocrtico do processo de concesso.
9 Por exemplo, Harberger (1954) na sua tentativa de estimar o custo social do monoplio chegou a concluso que este seria insignificante.
AL
Q
P
Pm
Pcp
qm qcp
oferta
demanda
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Ao investir na contratao de talentos no ligados diretamente produo, a
empresa est ciente que o sucesso de sua atividade no depende da sua habilidade de
operar eficientemente no mercado, mas da sua habilidade em conseguir influenciar as
decises do governo (Mbaku, 1992). Recursos gastos na captura da renda, os quais no
seriam gastos se a renda no existisse, constituem uma perda social adicional perda de
bem-estar do consumidor (tringulo L) no modelo tradicional de monoplio.
A rigor, todos os agentes, se pudessem, caariam renda, legal ou ilegalmente, de
acordo com as restries morais e legais existentes na sociedade (Silva, 1999). Burocratas
tambm so agentes maximizadores de renda, que esto dispostos a adicionarem ao seu
salrio uma renda-extra, proveniente de grupos de interesse ou indivduos que desejem
obter um benefcio ilegal do Estado. Na busca desta renda-extra, os burocratas podem
dedicar uma maior ateno s demandas provenientes daqueles que esto dispostos a pagar
uma propina para ter suas necessidades privadas atendidas, a atender as necessidades da
sociedade.
A associao dos grupos de interesse (caadores de renda) aos burocratas corruptos
(maximizadores de renda) leva a uma alocao dos escassos recursos pblicos, que no
obedece aos critrios de mritos tcnicos ou de eficincia econmica, mas que premia os
projetos que dispem da melhor influncia pessoal ou poltica. O resultado econmico
desta alocao negativo por diversos motivos:
i) conforme Silva (1999), uma sociedade dividida por grupos de interesse
que competem pela transferncia de renda apresenta uma soma
econmica negativa, j que os custos da atividade caadora-de-renda so
maiores que os benefcios obtidos por algum agente ou grupo;
ii) as empresas, ao perceberem que o seu sucesso depende, pelo menos em
parte, das atividades ligadas ao lobbing e corrupo, alocam seus
melhores talentos humanos para estas atividades, gerando um desperdcio
de recursos (Acemoglu & Verdier, 1998). Ao mesmo tempo, os talentos
humanos existentes na sociedade percebem que os profissionais ligados a
estas atividades improdutivas possuem uma remunerao elevada,
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passando a dedicar-se a esta formao profissional, em detrimento das
atividades produtivas;
iii) os pagamentos corruptos podem ser considerados como uma transferncia
implcita entre indivduos, com um custo de oportunidade que resulta em
uma modificao na distribuio de renda e, em conseqncia, em um
padro modificado representado por menor consumo, poupana e
investimento (Goudie & Stasavage, 1997).
iv) a existncia de corrupo nas relaes entre a sociedade civil e o Estado
gera um crescimento nos nveis de risco e incerteza das transaes
econmicas, principalmente quando a corrupo no est organizada de
forma centralizada. De um lado, o empresrio sabe que, alm dos custos
produtivos para implantar seu novo negcio, dever adicionar os custos
com pagamentos de propina e suborno necessrios para a liberao de
licenas, o que poder retardar ou inviabilizar o investimento. Por outro
lado, os investidores internacionais podem no achar seguro investir em
pases cujo resultado econmico dependa de pagamentos ilegais,
preferindo investir em pases com menor risco e incerteza quanto ao
retorno do investimento (Silva, 1999). Um menor fluxo de investimentos
externos, ao diminuir as reservas cambiais, pode pressionar a uma
desvalorizao na taxa de cmbio. A presso para a desvalorizao
cambial gera, por sua vez, um aumento na taxa de juros interna para, com
isto, evitar a chamada fuga de capitais.
v) a corrupo envolvendo fiscais leva a uma reduo da capacidade de
arrecadao de impostos por parte do governo, no somente pela ao
direta da corrupo envolvendo a perda de renda tributria, como pelo
efeito indireto da corrupo em incentivar a atividade econmica para seu
lado informal, longe da administrao e fiscalizao tributria do
governo. Ao mesmo tempo, a existncia de corrupo est associada com
o superfaturamento dos gastos pblicos (Tanzi & Davoodi, 1997),
resultando em dficit fiscal e a conseqente presso inflacionria (Al-
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Marhubi, 2000), o que tende a distorcer os preos relativos, modificando
a alocao eficiente da economia.
vi) finalmente, se a natureza da corrupo constitui na obteno de um ganho
(privilgio) por algum grupo de interesse, ela tambm constitui uma
perda para todos os demais grupos que no conseguiram obt-la (Goudie
& Stasavage, 1997), afetando a competitividade destes ltimos e, pelos
seus efeitos mltiplos, afetando toda estrutura de desenvolvimento da
economia.
Por estes motivos, a hiptese central deste trabalho que a corrupo afeta
negativamente, no somente a eficincia esttica do sistema econmico, como tambm a
eficincia dinmica da economia. Apesar desta hiptese ter sido parcialmente testada por
alguns trabalhos empricos que, alis, no tm tido o mesmo desenvolvimento observado
pela literatura terica, aqui que reside a razo de ser deste trabalho; analisar os efeitos
dinmicos da corrupo no sistema econmico. Para tanto, necessrio ter-se a
compreenso sobre o que est se considerando como corrupo na literatura econmica e,
os trabalhos empricos j desenvolvidos nesta nova rea de pesquisa.
2.2 ALGUMAS DEFINIES SOBRE CORRUPO
Corrupo um fenmeno complexo relacionado a mltiplos fatores, tanto nas suas
causas como nas suas conseqncias e que pode estar relacionado tanto com um simples
pagamento no-legal pela prestao de um servio pblico, como pode estar relacionado
com um problema estrutural de mau funcionamento do sistema econmico e/ou poltico.
Evitando-se aqui uma discusso da corrupo como sendo um fenmeno
antropolgico ou poltico10, as inmeras definies de corrupo existentes na literatura
refletem-na como um fenmeno que envolve, necessariamente, o setor pblico. Nas
10 Para ler sobre as definies da corrupo como um fenmeno social, antropolgico, ver Brei (1996) e Andivg (2000).
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palavras de Andvig (2000, p. 11) corrupo define uma regra particular de relao entre a
sociedade e o Estado11.
O Estado, representado pelos burocratas, servidores pblicos e polticos, ou
qualquer outra pessoa que possui uma posio de autoridade (poder) para alocar os direitos
sobre o uso ou destinao dos recursos pblicos (escassos), e a sociedade, representada
pelo corruptor, ou quem oferece o suborno para o representante do Estado, em troca de um
favor ou servio.
Convencionalmente, corrupo entendida como um comportamento de busca de
riqueza privada por algum que representa o Estado e a autoridade pblica. o uso dos
recursos pblicos para a obteno de um ganho privado. Esta exatamente a definio de
corrupo utilizada, por exemplo, pela Transparncia Internacional (2000) que define a
corrupo como sendo o abuso do poder pblico na obteno de um benefcio (lucro)
privado.
Tarefa difcil, contudo, diferenciar a corrupo de outros comportamentos no
corruptos, mas que geram benefcios privados para o agente pblico. Por exemplo,
prtica comum em perodos eleitorais, em datas comemorativas como o Natal, Fim de Ano
ou em datas de aniversrios, os funcionrios pblicos, principalmente os que possuem uma
relao mais estreita com empresas privadas, receberem presentes dos representantes
destas empresas. Este recebimento pode ser visto tanto como uma forma educada, cordial
de relacionamento entre a sociedade e o representante do Estado, como uma forma
simblica de representar uma relao j existente (ou que se pretende iniciar), na qual o
representante do Estado recebe presentes em troca do fornecimento de benefcios
empresa privada.
Da mesma maneira, a deciso de um poltico em votar contra uma proposta do
governo para liberar a importao de um produto pode ser percebida como uma relao de
corrupo entre este poltico e o setor nacional prejudicado, obtendo com isso algum
benefcio monetrio, ou pode ser percebida como uma estratgia poltica visando o
11 A idia da corrupo como uma forma de relao verificada no depoimento do empresrio Emlio Odebrecht ao Jornal do Brasil, de 24/05/92, que perguntado Ento o que a corrupo nesse pas?, respondeu: (...) O suborno no um problema de valor, a relao estabelecida.
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benefcio eleitoral na defesa do produto e emprego nacional. Em ambos os casos, o agente
pblico estaria valendo-se do seu cargo para obter um benefcio privado. Se o exemplo
acima fosse apresentado sociedade pela imprensa, possivelmente a sociedade, no
primeiro caso, reagiria com indignao, manifestando sua rejeio a tal comportamento
visivelmente corruptor, enquanto que, se o voto de restrio importao fosse
apresentado, como no segundo caso, possivelmente a sociedade apoiaria tal poltico
elegendo-o como verdadeiro defensor do emprego nacional.
A prtica da corrupo, no entanto, no deve ser entendida como uma simples
operao de carter pessoal. Se assim o fosse, isto resultaria em uma simplificao,
reduzindo o problema da presena de corrupo a uma questo de falta de carter, um
problema do indivduo, de tal forma que a simples demisso do servidor corrupto resulta
na soluo do problema. Mais do que isso, a prtica da corrupo se sustenta nos
(excessivos) procedimentos legais, nas normas e leis que regulam, por exemplo, a alocao
de verbas pblicas ou uma concorrncia pblica. Desta forma, a atividade corrupta est
relacionada estreitamente com a lgica do funcionamento institucional representando, em
relao a este, um desvio.
Esta a viso clssica de Colin Nye (1967) que define a corrupo como um
comportamento no qual o burocrata desvia (viola) das regras pblicas formais em busca de
ganhos pecunirios ou de status. Nesta mesma linha, Mushtaq Khan (1996, p. 12) fornece
uma verso que utiliza os mesmos elementos observados na definio de Nye (1967). Para
Khan (1996), corrupo definida como um:
...behaviour that deviates from the formal rules of conduct
governing the actions of someone in a postition of public
authority because of private-regarding motives such as weath,
power, or status (Khan, 1996, p. 12).
Uma forma alternativa para descrever a corrupo sugerida por Rose-Ackerman
(1978) e Shleifer & Vishny (1993), que apresentam a corrupo como sendo uma interface
entre o setor pblico e o setor privado. Neste sentido, a corrupo seria uma transao que
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envolveria os agentes pblicos e privados, na qual bens coletivos seriam utilizados (ou
vendidos) ilegalmente para a obteno de ganhos privados. Esta a definio estrita de
corrupo econmica, refletindo uma situao de mercado, com compra e venda de uma
mercadoria (por exemplo, uma licena de funcionamento, uma expedio de carteira de
motorista ou, simplesmente, a venda da posio na fila de espera de um processo, dentre
todos os existentes para serem analisados), por dinheiro ou bem material12.
Pode-se perceber que, em algum sentido, corrupo se aproxima do conceito de
rent-seeking formando com ele uma grande rea de pesquisa em comum. No entanto,
enquanto corrupo envolve o uso ilegal do poder pblico para a obteno de um benefcio
privado, rent-seeking derivado do conceito econmico de renda (rents), isto , o ganho
que excede todos os custos relevantes e que se aproxima do que conhecido como o lucro
do monoplio13. Ou seja, a atividade de rent-seeking, no necessariamente, ilegal em
termos da lei, ou considerada imoral em termos sociais, mas uma atividade no-produtiva
e economicamente ineficiente, com conseqncias negativas sobre o desempenho da
economia. Esta idia bsica apresentada j na introduo do texto de Krueger (1974, p.
291):
In many market-oriented economies, goverment restrictions upon economic activity are pervasive facts of life. Theses restrictions give rise to rents of a variety of forms, and people often compete for the rents. Sometimes, such competition is perfectly legal. In other instances, rent seeking takes other forms, such as bribery, corruption, smuggling and black markets.
Assim, para fins deste trabalho, corrupo definida como o uso da posio pblica
para obter benefcios privados, com as seguintes limitaes:
12 Segundo observao de Samuel Huntington onde as oportunidades polticas so escassas, a corrupo ocorre com pessoas usando riqueza para comprar poder, e onde oportunidades econmicas so escassas, corrupo ocorre quando poder poltico usado para gerar riqueza. Apud Adving, 2000, p.12. 13 Ver Drazen (2000), cap. 8.
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i) a definio restrita a corrupo pblica, isto , a corrupo que envolve
necessariamente o setor pblico e o setor privado da economia. Assim,
no est includa nesta definio a corrupo que intra-setorial, aquela
que envolve apenas firmas ou apenas representantes do governo;
ii) por ser utilizado, no andamento do trabalho, o ndice de corrupo
percebida da Transparncia Internacional, aquelas aes que envolvem o
recebimento de um benefcio privado pelo servidor pblico, sem
envolver uma prtica de corrupo, tratada como corrupo;
iii) tanto o corrupto como o corruptor so agentes econmicos
maximizadores de sua riqueza. Assim, uma relao de corrupo, alm
de somente ser estabelecida se houver uma expectativa de recebimento
de um benefcio monetrio lquido positivo para ambos, uma deciso
livre e racional dos agentes envolvidos;
iv) na definio utilizada no distinguida a corrupo poltica da corrupo
burocrtica. De uma forma sumria pode-se conceituar a primeira como
sendo a corrupo que envolve o alto poder poltico de um pas na
criao de leis, regulamentos ou normas, enquanto que a segunda a
corrupo existente na fase de implementao e fiscalizao das leis,
regulamentos e normas existentes no pas (Amudensen, 1999). Do ponto
de vista dos objetivos deste trabalho, como ambas possuem
conseqncias econmicas, a distino no geraria um ganho maior.
Alm disto, as pesquisas empricas sobre corrupo no distinguem uma
da outra, realando a idia de que ambas andam juntas, co-existindo
dentro de uma mesma estrutura institucional.
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2.2.1 Formas de corrupo
Uma das maiores dificuldades no estudo da corrupo est utilizao e
diferenciao de termos que esto relacionados com a forma como a corrupo se
manifesta em uma sociedade. Amudensen (1999) e Andvig (2000) consideram que o
fenmeno da corrupo envolve, principalmente, a realizao de um dos seguintes crimes:
a) Suborno: O suborno a manifestao mais concreta da corrupo, consistindo no
recebimento de um benefcio (geralmente monetrio) por parte do funcionrio pblico em
troca de um servio ou produto, que favorea determinada pessoa ou empresa. O suborno
pode ser um valor fixo ou um percentual sobre o ganho proporcionado por ela para o
ofertante do suborno (representante civil). Por exemplo, por meio do suborno empresas
podem conseguir favores com fiscais ambientais, fiscais da receita ou com os fiscais da
alfndega. Podem, tambm, por meio do suborno obter favores polticos como uma
proteo legal ao seu monoplio, uma proteo de mercado, uma licena de importao ou,
ainda, obter o acesso a informaes sobre licitaes que esto sendo elaboradas pelo
Estado na busca de alguma informao.
b) Desfalque: O desfalque a venda ilegal de recursos pblicos por pessoas que
possuem a tarefa de administr-los. A principal caracterstica do desfalque o Estado
sendo roubado pelo seu representante oficial, o qual seu empregado e cujos recursos ele
deveria administrar, com o objetivo de atender as necessidades do pblico. Do ponto de
vista legal, Amudensen (1999) no considera o desfalque como sendo corrupo, j que ele
no envolve, necessariamente, uma transao entre dois indivduos, um representante do
Estado e outro da sociedade civil14. No entanto, apesar de poder no envolver um
representante da sociedade civil, o desfalque de recursos pblicos resulta de um abuso do
poder pblico com o objetivo de obter um benefcio privado, tal qual a definio de
corrupo apresentada na seo anterior.
14 O caso do juiz Nicolau no Tribunal do Trabalho de So Paulo pode ser apresentado como um exemplo de corrupo que no envolve o representante da sociedade civil.
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c) Fraude: A fraude envolve a participao de algum funcionrio pblico na
manipulao ou distoro de informaes ou fatos, ou a participao do funcionrio
pblico em uma farsa, com o objetivo de obter um ganho privado. Ela pode ocorrer quando
um funcionrio, que responsvel pela execuo de tarefas ou de relatrios, manipula as
informaes ou, ainda, quando o funcionrio pblico o responsvel pela verificao da
autenticidade nas informaes prestadas pelo demandante do servio (recurso) pblico. Em
geral, a fraude est fortemente relacionada com o enriquecimento rpido, ilcito e
individual.
d) Extorso: A extorso envolve a extrao de dinheiro ou de outros recursos por
meio da coero, violncia ou ameaa e, por isto, ela a forma de corrupo que,
tipicamente, atinge as foras de polcia do Estado15. Ela passa a ser uma forma de
corrupo quando o agente representante do Estado usa do seu poder para extorquir
dinheiro de algum representante da sociedade civil, de empresas ou de um representante do
setor pblico. Ela pode ser usada tanto para vender ilegalmente o bem pblico da
segurana, tornando-se um pagamento extra que deve ser efetuado regularmente para que a
parte extorquida no sofra assaltos, roubos ou seqestros ou, ainda, para que o servio
pblico no seja efetuado como, por exemplo, no caso de um policial que tem uma ordem
de priso a ser comprida e, ao localizar o indivduo, ele extorque um montante de dinheiro
com a promessa de no cumprimento da ordem de priso.
e) Favoritismo: Das formas de corrupo existentes, o favoritismo pode ser
considerado como o de maior dificuldade de prova, ou mesmo de aceitao como forma de
corrupo. A dificuldade de aceitar-se o favoritismo como uma prtica de corrupo est
na ausncia da contrapartida monetria necessria para caracterizar-se a prtica corrupta, j
que a principal caracterstica do favoritismo est no fato de algum representante do Estado
15 Apesar da extorso ser a forma mais comum de corrupo na polcia, ela no se restringe somente a polcia, podendo ser encontrados casos no raros de extorso que envolve fiscais, por exemplo, ambientais, de coleta de impostos, da previdncia pblica, entre outros.
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35
usar do seu poder para favorecer membros da famlia ou amigos no acesso a cargos de
governo, recursos pblicos ou contratos de compra ou venda com o governo.
Ao favorecer alguma pessoa de sua confiana, o representante do Estado est
usando de um artifcio para obter benefcios para si prprio, no havendo a transferncia de
recursos de algum membro da sociedade para o funcionrio pblico. A aproximao do
favorecimento com a corrupo ocorre pela sua via poltica: o nepotismo.
Para Amudensen (1999), o nepotismo, ao possibilitar que algum oficial do Estado
(presidente da repblica, presidentes de tribunais, prefeitos, etc...) indiquem seus familiares
para posies importantes dos seus departamentos, possibilita que o negcio do governo
seja confundido com o negcio da famlia, aproximando-se, perigosamente, de uma
estrutura tpica de mfia. Funcionando como uma mfia, o rgo pblico passa a oferecer
os servios ou bens pblicos como sendo bens privados, regulados pela tica e valores da
famlia que est usando o poder pblico para obter um benefcio privado.
Se difcil encontrar um consenso para a definio do que seja corrupo, no
menos simples a tarefa de quantificar o grau com que a corrupo ocorre em uma regio
ou pas. Escndalos relatados em jornais ou registro de crimes contra o patrimnio pblico
foram os primeiros instrumentos utilizados na construo de um ndice de corrupo.
Devido a crticas16 de que os resultados fornecidos por estes ndices dependiam
tanto da capacidade que a imprensa local teria de denunciar os casos de corrupo como de
uma investigao que realmente comprovasse a corrupo denunciada, a busca por ndices
de corrupo abandonou esta metodologia e passou a tentar capturar o grau de corrupo
em um pas por meio dos ndices de risco para investimentos, estimados por agncias
privadas internacionais, que levantam a percepo de especialistas em determinado pas,
quanto a incidncia de corrupo nas relaes com o governo. Esta foi a fonte de
informao sobre corrupo utilizada pelos primeiros trabalhos empricos que tinham por
objetivo quantificar a relao existente entre corrupo e crescimento.
16 Cadernos Adenauer (2000) apresenta uma reviso critica dos dados empricos sobre corrupo.
-
36
2.3 RESULTADOS EMPRICOS: COMO A CORRUPO AFETA O CRESCIMENTO ECONMICO?
Empiricamente, somente em 1995, com o trabalho de Paolo Mauro, foi realizada a
primeira investigao do impacto da corrupo sobre o investimento em uma anlise cross-
section de pases. O resultado obtido em uma amostra de 67 pases confirma a hiptese de
que corrupo afeta negativamente a taxa de investimento. Seu trabalho, alm de ter sido
empiricamente suportado pelos estudos de Keefer e Knack (1995) e Brunetti, Kifuso e
Weder (1997), abriu as portas para uma srie de trabalhos empricos que tinham por
objetivo relacionar o ndice de corrupo com variveis econmicas, tais como,
investimento, crescimento econmico e renda per capita. Uma breve descrio destes
trabalhos apresentada a seguir.
2.3.1 Corrupo e taxa de investimento
O trabalho de Paolo Mauro (1995), Corruption and Growth, tornou-se um texto de
referncia no esforo de tentar-se estimar os efeitos da corrupo sobre o crescimento
econmico. Em seu trabalho, Mauro (1995), utilizou como proxy para medir o ndice de
corrupo as informaes fornecidas pela The Business International Indices of Corruption
(BI) para 57 pases no perodo de 1971 a 1983. Para seu trabalho, Mauro (1995) partiu de
nove indicadores de eficincia institucional para formar um ndice de eficincia burocrtica
a partir da mdia simples dos valores obtidos nas seguintes variveis: judicirio, red tape e
corrupo. Alm deste ndice, Mauro (1995) formou um segundo ndice para estabilidade
poltica usando uma mdia dos demais seis indicadores fornecidos pelo BI. Os indicadores
utilizados foram:
1) Mudana Poltica-Institucional: possibilidade de mudana no aparato
institucional do pas, dentro do perodo previsto para a realizao de eleies;
2) Estabilidade Poltica-Institucional: Conduo da atividade poltica, individual e
organizada; probabilidade do processo poltico vir a desintegrar-se ou tornar-se violento;
3) Probabilidade do Grupo de Oposio chegar ao Poder: probabilidade que a
oposio possui de chegar ao poder durante o perodo de previso;
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37
4) Estabilidade do Trabalho: probabilidade dos trabalhadores paralisarem as
atividades produtivas;
5) Relao com Pases Vizinhos: qualidade das relaes econmicas, comerciais e
polticas com pases vizinhos que podem afetar os negcios da empresa no pas;
6) Terrorismo: probabilidade que indivduos e empresas possuem de serem vtimas
de atos de terrorismo;
7) Sistema Judicirio: eficincia e integridade do ambiente legal e como seu
funcionamento afeta os negcios das empresas, especialmente as estrangeiras;
8) Burocracia e Red Tape: o ambiente regulatrio que a empresa enfrenta no pas,
principalmente quando a empresa est em busca de alguma permisso. O grau no qual o
ambiente regulatrio representa um obstculo para o desenvolvimento da atividade da
empresa;
9) Corrupo: o grau no qual as transaes de negcios envolvem corrupo ou
pagamentos questionveis.
A tabela 1 abaixo apresenta o ndice de Eficincia Burocrtica estimado pela mdia
dos indicadores de corrupo, eficincia do sistema judicirio e burocracia. Neste ndice,
valores prximos de zero indicam maior presena de corrupo, enquanto valores mais
prximos de 10 indicam a ausncia da prtica de corrupo nas relaes com o governo.
Uma simples anlise identifica que pases com maior renda per capita possuem melhores
instituies que pases com renda per capita menor.
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38
Tabela 1. ndice de Eficincia Burocrtica 1.5 4.5 4.5 5.5 5.5 6.5 6.5 7.5 7.5 - 9 9 - 10
Egito Arglia Angola Argentina ustria Austrlia
Gana Bangladesh Rep. Dominicana
Costa de Marfim
Chile Blgica
Haiti Brasil Equador Kuwait Frana Canad
Indonsia Colmbia Grcia Malsia Alemanha Dinamarca
Ir ndia Iraque Peru Irlanda Finlndia
Libria Jamaica Itlia frica do Sul Israel Japo
Nigria Lenia Coria Sri Lanka Hong Kong
Paquisto Mxico Marrocos Taiwan Holanda
Tailndia Filipinas Nicargua Uruguai Nova Zelndia
Zaire Arbia Saudita Panam Noruega
Turquia Portugal Singapura
Venezuela Espanha Sucia
Trinidad-Tobago
Sua
Reino Unido
EUA
Fonte: Mauro (1995)
A estimativa economtrica realizada por Mauro (1995) mostrou que a corrupo
est negativamente associada com taxa de investimento. O aumento de um desvio-padro
no ndice de corrupo esteve associado com um crescimento no investimento igual a 2,9%
PNB. A tabela abaixo resume os resultados obtidos:
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39
Tabela 2. Investimento e Corrupo Constante Corrupo R2 Amostra Tamanho da amostra
0.125
(6,63)
0.017
(4.41)
0.18 completa 67
0.018
(0.23)
0.0276
(2.56)
--- completa 66
0.134
(3.52)
0.0105
(2.29)
0.09 IB >5 45
0.116
(4.65)
0.0138
(2.63)
0.23 IB < 5 22
0.100
(1.30)
0.0152
(1.80)
0.11 IB > 7 24
0.140
(6.30)
0.0083
(2.04)
0.07 IB < 7 43
Fonte: Mauro (1995)
Nota: Valores do teste-t entre parnteses.
2.3.2 Corrupo e taxa de crescimento
Alguns trabalhos, a partir da segunda metade dos anos 90, tentaram encontrar uma
relao emprica para corrupo e crescimento econmico. Estes trabalhos, tal qual a teoria
econmica, tem encontrado resultados conflituosos. Dentre aqueles que obtiveram uma
relao negativa entre corrupo e crescimento econmico encontra-se Keefer e Knack
(1995), que obtiveram resultados que identificam uma forte relao negativa entre
corrupo e crescimento econmico e, mais recentemente, Mo (2001) chegou a resultado
semelhante, no qual um aumento em 1% no ndice de corrupo levaria a uma reduo de
0,72% na taxa de crescimento de um pas. Por outro lado, Brunetti, Kisunko e Weder
(1997), no obtiveram nenhuma relao significativa, enquanto Paldam (1999), apesar de
ter concludo que existe uma tendncia de que menor corrupo leva a um maior
crescimento, esta relao fraca e no robusta.
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40
Para o Brasil, Silva (2001) obteve como resultado uma relao negativa entre
corrupo e produtividade dos fatores de produo. Tal resultado permitiria um
crescimento em US$ 2.840,81 (dados para 1998) na renda per capita do pas, caso o Brasil
tivesse um ndice percebido de corrupo prximo do obtido pela Dinamarca.
Uma crtica feita a estes trabalhos est no fato deles serem simples modelos de
regresses (Paldam, 1999), incapazes de providenciar um modelo terico que ilumine as
relaes causais (Lambsdorff, 1999). Por isto, um dos pontos fracos nos trabalhos
quantitativos existentes que estes no possuem o desenvolvimento de modelos tericos
que mostrem uma relao de causalidade entre corrupo e renda per capita. Como
realizados, so simples regresses que apenas apontam a existncia de alguma correlao
de origem desconhecida.
2.3.3 Corrupo e qualidade do investimento pblico
Seguindo na linha de estimar o impacto da corrupo nas variveis econmicas,
Vito Tanzi e Hamid Davoodi (1997) estimaram por meio de dados cross-section a relao
existente entre corrupo e qualidade do investimento pblico. O argumento bsico do
trabalho de Tanzi & Davoodi (1997) que projetos de investimento pblico tendem a ser
projetos que envolvam um grande volume de recursos, cuja execuo, geralmente, feita
por uma empresa nacional ou estrangeira contratada. Assim, h uma necessidade de
escolher a empresa que ser responsvel por desenvolver o projeto de investimento. Para a
empresa privada, a obteno do direito de executar a obra geralmente est associada com
ganhos extremamente lucrativos, de tal forma que, os diretores desta empresa possam
desejar pagar uma comisso para os representantes do governo, para ter o direito a uma
ajuda necessria para vencer a licitao17.
Os funcionrios pblicos envolvidos no processo de confeco da licitao sabem
que a comisso , geralmente, um percentual do custo total da obra, tendo um incentivo
para aumentar o tamanho do projeto (incentivo para a construo dos elefantes brancos),
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41
a fim de obter uma comisso maior. J o pas, dever pagar um custo maior pelo projeto
especificado do que pagaria, caso no houvesse a presena de corrupo ou ter pago por
um projeto de qualidade inferior que gerar no futuro altos custos na realizao de reparos
e manuteno de desgastes prematuros18.
Para estimar a relao existente entre corrupo e investimento pblico e entre
corrupo e qualidade da infra-estrutura, Tanzi e Davoodi (1997) utilizaram o
International Country Risk Guide (ICRG) cobrindo o perodo de 1982 a 1995 que,
dependendo do ano, fornece informaes entre 42 a 95 pases. De uma forma geral, as
principais diferenas entre este ndice e o ndice BI de corrupo utilizado por Mauro
(1995) esto na escala que vai de 0 (mais corrupto) at 6 (menos corrupto) e na forma
como captada a prtica de corrupo: no ndice BI, corrupo indicada como sendo o
grau no qual as transaes de negcios envolvem corrupo ou pagamentos questionveis,
enquanto que no ndice ICRG corrupo indica que altos funcionrios do governo
demandam pagamento especial e pagamentos ilegais so esperados por funcionrios do
menor escalo do governo na forma de pagamento de propina ou suborno para a venda de
licenas especiais de importao, controle de cmbio, controle policial ou emprstimo.
Por sua vez, para estimar o impacto da corrupo na qualidade do investimento
pblico, Tanzi & Davoodi (1997) utilizaram os seguintes indicadores para qualidade da
infra-estrutura.
a) Rodovias pavimentadas em boas condies de uso como percentual do total de
rodovias pavimentadas;
b) Desperdcios de energia eltrica como um percentual do total de energia gerada;
c) Falhas nas telecomunicaes, nmero de tentativas de conexo que no
resultaram em sucesso;
17 Segundo Tanzi & Davoodi (1997, p. 6), em alguns pases permitido legalmente que as empresas deduzem do imposto devido a quantia paga como comisso para a obteno do direito de executar uma obra no exterior
-
42
d) Perda de gua como um percentual da proviso total de gua (perdas de pipas,
quebras nas tubulaes, ligaes clandestinas em residncias e comrcio);
e) Trens a diesel em uso como percentual do total em estoque.
Os resultados obtidos foram os seguintes:
a) Corrupo e investimento pblico: A hiptese testada , tudo o mais
constante, maior corrupo est associada com maior investimento
pblico. A tabela 3 abaixo apresenta os resultados.
Tabela 3. Os efeitos da corrupo no investimento pblico, 1980-95 Variveis Independentes 1 2 3
Constante 6,75 (23,4) 6,47 (19,5) 4,41 (13,9)
ndice de corrupo 0,38
(8,97)
0,27
(4,15)
0,48
(7,48)
PNB real per capita ---- -0,71
(-2,94)
-1,21
(-5,18)
Receita do Governo/ PNB ---- ---- 0,13
(12,6)
R2 ajustado
0,069 0,082 0,207
Fonte: Tanzi & Davoodi (1997) Nota: A coluna 1 apresenta os resultados para a amostra mundial A coluna 2 apresenta os resultados para a sub-amostra dos pases em desenvolvimento. A coluna 3 apresenta os resultados para os pases da OECD.
18 No caso brasileiro, os diversos casos de estradas asfaltadas que necessitaram de recapeamento logo aps a sua finalizao um exemplo de como uma obra que participou por uma licitao corrupta gera custos
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43
Como observado, a relao existente positiva e significante em todos as amostras,
indicando que a hiptese testada no pode ser rejeitada. Se maior corrupo est
relacionada com maior investimento pblico ento, provavelmente, corrupo esteja
relacionada com maior participao do Estado na economia.
b) Corrupo e receita do governo: A hiptese testada , tudo o mais constante,
maior corrupo est associada com menor receita do governo. Os resultados esto
apresentados na tabela 4, abaixo:
Tabela 4. Efeitos da corrupo sobre a receita do governo, 1989-95 Variveis Independentes 1 2
Constantes 9,99
(12,1)
12,9
(13,7)
ndice de corrupo -2,51
(-20,4)
-1,71
(-9,28)
PNB real per capita ----- 3,73
(5,34)
R2 ajustado 0,272 0,28
Fonte: Tanzi & Davoodi (1997)
Para todas as amostras, Tanzi & Davoodi (1997), obtiveram resultados que no
permitem rejeitar a hiptese de existncia de uma relao inversa para o nvel de corrupo
e receita do governo. Estes resultados revelam o efeito perverso da corrupo nas contas
pblicas: ao mesmo tempo, a corrupo tende a inchar os gastos pblicos e reduzir a
arrecadao tributria, levando o pas para a trajetria do endividamento.
adicionais para o governo e, de forma indireta, para o contribuinte.
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44
c) Corrupo e gastos em operaes de manuteno: A hiptese aqui testada ,
tudo o mais constante, maior corrupo est associada com menor gasto em operaes de
manuteno. A tabela 5 apresenta os resultados obtidos:
Tabela 5. Efeitos da corrupo sobre o gasto em operaes de manuteno Variveis Independentes Mundo OECD Desenvolvimento
Constante 72,9
(8,15)
-20,2
(-0,558)
84,2
(7,08)
ndice de corrupo -3,54
(-2,69)
-14
(-3,53)
-1,24
(-0,57)
R2 ajustado 0,006 0,037 -0,01
Fonte: Tanzi & Davoodi (1997)
Os resultados da tabela 5 indicam que um maior ndice de corrupo est associado
com um menor gasto em operaes de manuteno, podendo-se rejeitar a hiptese a 1% de
significncia somente para a sub-amostra dos os pases em desenvolvimento.
d) Corrupo e qualidade do investimento pblico: A hiptese aqui testada ,
tudo o mais constante, maior corrupo est associada com menor qualidade de infra-
estrutura. A tabela 6, abaixo, resume os resultados obtidos por Tanzi e Davoodi (1997):
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45
Tabela 6. Corrupo e qualidade da infra-estrutura, 1980-1995
Variveis Independentes Constantes ndice de corrupo R2 ajustado N
Rodovias pavimentadas
em boas condies
19,2
(4,97)
-3,84
(-5,40)
0,052 513
Perda de energia 18,7
(27,7)
1,1
(8,69)
0,07 997
Falhas nas
telecomunicaes
97,6
(6,93)
4,17
(1,63)
0,007 241
Perda de gua 43,8
(6,89)
2,25
(1,86)
0,089 26
Trens a diesel em uso 47,1
(7,45)
-3,66
(-3,80)
0,17 67
Fonte: Tanzi & Davoodi (1997)
Os resultados das regresses apresentadas na tabela 2 evidenciam que elevado
ndice de corrupo est associado com alto investimento pblico, no entanto, os resultados
da tabela 6 relacionam corrupo com baixa qualidade do investimento pblico para o
setor de telecomunicaes, rodovias e transporte ferrovirio. Dessa forma, os custos da
corrupo so sentidos no somente na reduo do crescimento econmico, mas tambm
na baixa qualidade de infra-estrutura existente no pas.
2.3.4 Corrupo e inflao
A relao existente entre corrupo e inflao apresentada pioneiramente por Al-
Marhubi (2000), em seu trabalho so apresentados os seguintes argumentos que poderiam
explicar a relao existente entre corrupo e inflao: i) segundo a teoria da taxao
tima, governos podem ter um motivo para criar inflao, como por exemplo, para gerar
seigniorage. Alm disto, a evaso e os custos para coletar os impostos podem tornar timo
para o governo depender do imposto inflacionrio como fonte de receita do governo.
Segundo Al-Marhubi (2000), claramente, os pases com maior ndice de corrupo so os
mesmos que possuem a maior evaso fiscal e os maiores custos de arrecadao; ii) a fuga
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46
dos empresrios para o comrcio ilegal, como resposta a corrupo dos fiscais
representantes do governo, refora a dependncia do imposto inflacionrio e, iii) por
reduzir as receitas do governo e aumentar o gasto pblico, corrupo pode contribuir para
o crescimento dos dficits fiscais, o qual pode ter conseqncias inflacionrias para os
pases com mercados financeiro menos desenvolvidos.
Usando dados de corrupo percebida da Transparncia Internacional, e da
Business International (BI), Al-Marhubi (2000) obteve resultados que confirmam a relao
negativa entre corrupo e inflao. Todos os indicadores de corrupo apresentaram sinais
negativos e estatisticamente significantes, sugerindo que, tudo o mais constante, pases
com mais corrupo experimentam maior taxa de inflao. A tabela abaixo resume os
resultados obtidos:
Tabela 7. Corrupo e inflao Variveis Independentes 1 2
Constante 3.32 (2,97) 3.38 (3,29)
Abertura Comercial -2.78e-03 (2,01) -2.96E-03 (2,47)
Renda per capita -0.06 (0,37) 7.75E-03 (0,05)
Instabilidade no Banco Central 3.44 (4,86) 3.86 (5,75)
Corrupo -0.17 (2,87) - 0.22 (2,82)
Fonte: Al-Marhubi (2000) Nota: Regresso 1 utilizou o ndice de corrupo da TI para os anos de 1988 a 1992. Enquanto que a regresso 2 utilizou dados da BI para os anos de 1980-83.
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47
2.4 CONSIDERAES FINAIS
Corrupo um fenmeno que inclui uma enorme diversidade de atos, com
variao nfima, que vo desde simples desvios de conduta, como uma trapaa, logro, um
ganho ilcito, at a presena do crime organizado em diversos nveis da administrao
pblica. Para este trabalho corrupo , mesmo que no exclusivamente, um fenmeno
econmico. Por ser tratado como algo que pertence ao mundo dos negcios, os conceitos
apresentados neste captulo so aqueles centrados no mercado.
Assim, corrupo aqui tratada envolve um tipo particular de corrupo, aquela que
existe quando da compra de favores e direitos, por parte de algum representante da
sociedade civil, de burocratas responsveis pela formulao ou administrao de polticas
econmicas. So exemplos deste tipo de corrupo a liberao de verbas para
investimentos, a obteno de uma licena para importao, a classificao do produto
importado de forma a evitar o pagamento de impostos e taxas, a obteno de licena que
permita a ampliao da capacidade de produo, a obteno de uma proteo comercial,
etc...
, justamente, na conceituao do que seja corrupo que a literatura econmica
comea a contribuir diretamente para o avano da pesquisa sobre este tema. Ao dizer que a
corrupo um ato livre e racional, fruto de um processo de maximizao, tanto por parte
do corrupto como do corruptor, a economia est possibilitando que a ela no seja analisada
simplesmente como um fenmeno ligado a preceitos tico-moralistas, como juzo de valor,
de fundo cultural ou ideolgico, como uma patologia social ou poltica, mas permite que
ela seja analisada como conseqncia natural de uma estrutura de incentivos fornecida pela
regulamentao do Estado e pela estrutura de concorrncia do mercado.
Ao contrrio do pensamento dos anos 60, corrupo no um acelerador do
crescimento econmico. Pensar desta forma dizer que o crime compensa, aceitar que
um governo (ou os seus representantes) roube porque ele faz. Aceitar a corrupo como
um instrumento do mercado par