Tese Andre Carraro -- Corrupção Brasil

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE CIÊNCIAS ECONÔMICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA Um Modelo de Equilíbrio Geral Computável com Corrupção para o Brasil André Carraro Porto Alegre 2003

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Tese corrupção Brasil

Transcript of Tese Andre Carraro -- Corrupção Brasil

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE CINCIAS ECONMICAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECONOMIA

    Um Modelo de Equilbrio Geral Computvel com Corrupo para o

    Brasil

    Andr Carraro

    Porto Alegre 2003

  • 2

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    FACULDADE DE CINCIAS ECONMICAS

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ECONOMIA

    Um Modelo de Equilbrio Geral Computvel com Corrupo para o

    Brasil

    Andr Carraro

    Orientador: Ronald Otto Hillbrecht

    Tese apresentada ao Programa de

    Ps-Graduao em Economia da

    Faculdade de Cincias Econmicas

    da UFRGS, como quesito parcial

    para obteno do grau de Doutor em

    Economia.

    Porto Alegre 2003

  • 3

    AGRADECIMENTOS

    Este trabalho no teria sido possvel sem a colaborao de certas pessoas e

    instituies. Gostaria de deixar registrado a minha gratido:

    ao professor Ronald Otto Hillbrecht por ter aceito o desafio desta orientao;

    a todos os professores do Programa de Ps-Graduao em Economia da

    Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS);

    ao chefe de departamento de economia da UNISC, prof. William H. G. Soto pela

    compreenso quando de minhas ausencias na instituio;

    ao professor Adelar Fochezatto que colaborou na aplicao do modelo de equilbrio

    geral;

    ao CNPq pelo suporte financeiro;

    aos meus colegas e amigos que me ajudaram a concluir este trabalho, que para no

    correr o risco de esquecer alguns, prefiro no citar.

  • 4

    SUMRIO

    RELAO DE TABELAS

    RELAO DE QUADROS

    RELAO DE FIGURAS

    RESUMO

    ABSTRACT

    1 INTRODUO .............................................................................................................. 12

    2 TEORIA ECONMICA DA CORRUPO.............................................................. 18

    2.1 EFEITOS DA CORRUPO SOBRE O DESENVOLVIMENTO ECONMICO

    19

    2.1.1 A corrupo vista como um facilitador do crescimento........................................... 20

    2.1.2 A corrupo como uma atividade improdutiva......................................................... 23

    2.2 ALGUMAS DEFINIES SOBRE CORRUPO.................................................... 28

    2.2.1 Formas de corrupo................................................................................................. 33

    2.3 RESULTADOS EMPRICOS: COMO A CORRUPO AFETA O CRESCIMENTO

    ECONMICO? ................................................................................................................... 36

    2.3.1 Corrupo e taxa de investimento............................................................................. 36

    2.3.2 Corrupo e taxa de crescimento.............................................................................. 39

    2.3.3 Corrupo e qualidade do investimento pblico ...................................................... 40

    2.3.4 Corrupo e inflao ................................................................................................. 45

  • 5

    2.4 CONSIDERAES FINAIS ........................................................................................ 47

    3 MODELOS MICROECONMICOS DE CORRUPO BUROCRTICA E SEUS

    DETERMINANTES ECONMICOS............................................................................. 49

    3.1 INTRODUO............................................................................................................. 49

    3.2 MODELOS DE EQUILBRIO PARCIAL ................................................................... 53

    3.2.1 O modelo de oferta e demanda por corrupo ......................................................... 53

    3.2.2 O modelo de estrutura do mercado de atuao do burocrata .................................. 59

    3.3 OS MODELOS DE EQUILBRIO GERAL NA ECONOMIA DA CORRUPO.... 63

    3.3.1 Um modelo de equilbrio geral com competio no mercado da corrupo

    burocrata ..................................................................................................................... 67

    3.3.2 O Problema do Burocrata ......................................................................................... 71

    3.4 ANLISE EMPRICA DOS FATORES DETERMINANTES DA CORRUPO ... 75

    3.4.1 Metodologia ............................................................................................................... 81

    3.4.2 Amostra ..................................................................................................................... 84

    3.4.3 As variveis ................................................................................................................ 85

    3.5 OS RESULTADOS ECONOMTRICOS: QUE VARIVEIS ECONMICAS SO

    IMPORTANTES PARA EXPLICAR O NDICE DE CORRUPO PERCEBIDA?...... 94

    3.5.1 Os resultados das regresses com cross-section....................................................... 94

    3.5.2 Os resultados de painel............................................................................................ 102

    3.6 CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 111

    4 CORRUPO EM UM MODELO DE EQUILBRIO GERAL COMPUTVE 115

    4.1 INTRODUO........................................................................................................... 115

  • 6

    4.2 HISTRICO DOS MODELOS COMPUTVEIS ..................................................... 117

    4.3 CARACTERSTICAS GERAIS DO MODELO (FOCHEZATTO 1999) ................. 119

    4.3.1 Incluindo corrupo no modelo.............................................................................. 121

    4.3.2 Calibragem............................................................................................................... 124

    4.4 ANLISE DOS RESULTADOS ................................................................................ 125

    4.4.1 Cenrio base ............................................................................................................ 125

    4.4.2 Poltica Comercial ................................................................................................... 129

    4.4.3 Poltica Fiscal .......................................................................................................... 132

    4.5 CONSIDERAES FINAIS ...................................................................................... 135

    5 CONCLUSES............................................................................................................. 137

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS .......................................................................... 143

    ANEXO A......................................................................................................................... 155

    ANEXO B ......................................................................................................................... 193

  • 7

    LISTA DE TABELAS

    TABELA 1. NDICE DE EFICINCIA BUROCRTICA ............................................................ 38

    TABELA 2. INVESTIMENTO E CORRUPO......................................................................... 39

    TABELA 3. OS EFEITOS DA CORRUPO NO INVESTIMENTO PBLICO, 1980-95............... 42

    TABELA 4. EFEITOS DA CORRUPO SOBRE A RECEITA DO GOVERNO, 1989-95 .............. 43

    TABELA 5. EFEITOS DA CORRUPO SOBRE O GASTO EM OPERAES DE MANUTENO 44

    TABELA 6. CORRUPO E QUALIDADE DA INFRA-ESTRUTURA, 1980-1995 ...................... 45

    TABELA 7. CORRUPO E INFLAO ................................................................................. 46

    TABELA 08. VALORES DO R2 E DO TESTE F PARA AS REGRESSES REALIZADAS NO

    PRIMEIRO ESTGIO DO MODELO MQ2E .................................................................... 84

    TABELA 09. RESULTADOS DAS REGRESSES CROSS-COUNTRY........................................... 96

    TABELA 10. REGRESSES CROSS-COUNTRY COM DIFERENTES MODELOS ......................... 99

    TABELA 11. RESULTADOS DAS REGRESSES INDIVIDUAIS EM PAINEL, 1995-1999......... 105

    TABELA 12. REGRESSO EM PAINEL COM VARIVEIS DE CONTROLE E INSTRUMENTAIS

    ................................................................................................................................... 109

    TABELA 13. RESULTADOS DO CENRIO BASE, GERADOS PELO MODELO DE EQUILBRIO

    GERAL APLICADO COM CORRUPO, PARA ALGUNS INDICADORES ECONMICOS . 126

    TABELA 14. COMPARAO DE ALGUNS RESULTADOS DO MODELO DE EQUILBRIO GERAL

    APLICADO DE FOCHEZATTO (1999) COM E SEM CORRUPO, PARA O ANO DE 1994.

    ................................................................................................................................... 127

    TABELA 15. RESULTADOS GERADOS PELO MODELO DE EQUILBRIO GERAL APLICADO

    COM CORRUPO DA SIMULAO DE POLTICA COMERCIAL.................................. 130

    TABELA 16. RESULTADOS GERADOS PELO MODELO DE EQUILBRIO GERAL APLICADO

    COM CORRUPO DA SIMULAO DE POLTICA FISCAL EXPANSIONISTA ............... 132

  • 8

    LISTA DE QUADROS

    QUADRO 1. RELAO ENTRE CONCORRNCIA E O NVEL DE PROPINA .................................. 72

    QUADRO 2. VARIVEIS EXPLICATIVAS UTILIZADAS NO MODELO DE PALDAM (1999A) ........ 77

    QUADRO 3. VARIVEIS EXPLICATIVAS UTILIZADAS NO MODELO DE ADES E DI TELLA (1997)

    ..................................................................................................................................... 78

    QUADRO 4 . VARIVEIS EXPLICATIVAS UTILIZADOS NO MODELO 2SLS DE TREISSMAN

    (2000) .......................................................................................................................... 79

    QUADRO 5. DESCRIO DAS VARIVEIS UTILIZADAS NAS REGRESSES............................... 86

  • 9

    LISTA DE FIGURAS

    FIGURA 1. O CUSTO SOCIAL DO MONOPLIO..................................................................... 25

    FIGURA 2. REPRESENTAO GRFICA DO COMPORTAMENTO DO BUROCRATA ............... 57

    FIGURA 3. ESTRUTURA DO MERCADO DE CORRUPO BUROCRTICA ........................... 58

    FIGURA 4. CORRUPO SEM FURTO................................................................................... 61

    FIGURA 5. CORRUPO COM FURTO.................................................................................. 62

    FIGURA 6. ESTRUTURA BSICA DO MODELO.................................................................... 122

    FIGURA 7. COMPARAO DO DESEMPENHO DO PIB NO MODELO COM E SEM CORRUPO,

    1994 A 1997 ............................................................................................................... 128

  • 10

    RESUMO

    Corrupo um problema antigo que tem recebido, nos ltimos anos, uma ateno

    global destacada, chamando a ateno, tanto de organismos pblicos como de privados,

    dos meios de comunicao, dos formuladores de polticas pblicas, bem como do conjunto

    da sociedade civil, acerca das suas formas de atuao, seus determinantes e seus efeitos

    para a sociedade. Enquanto no existe ainda um consenso na literatura sobre como definir

    o fenmeno da corrupo, uma coisa est clara: corrupo um problema de governo.

    Mais precisamente, corrupo envolve a ao racional de burocratas que possuem um

    poder de monoplio sobre a oferta de um bem ou servio pblico, ou ainda, o poder

    discricionrio na tomada de decises que afetam a renda de grupos na sociedade civil.

    Este estudo apresenta trs contribuies para a literatura da economia da corrupo.

    Primeiro, ele contribui para a organizao da discusso apresentando as diferentes formas

    como a Economia Poltica da Corrupo analisa o problema da corrupo: a) como um

    problema de rent-seeking, b) como um problema de crime, c) como um problema de

    estrutura de mercado do servio pblico. Segundo, este trabalho contribui na identificao

    das variveis econmicas que esto relacionados com o fenmeno da corrupo, o que

    permite uma melhor compreenso dos efeitos das polticas econmicos no incentivo

    atividade corrupta e, terceiro, este trabalho contribui para a identificao do volume de

    recursos envolvido com a corrupo no Brasil.

    Os resultados alcanados mostram que o fechamento comercial do pas, a expanso

    dos gastos do governo e a prtica de poltica industrial ativa, com a elevao dos impostos

    de importao, funcionam como incentivadores de prticas corruptas na relao entre

    Estado e sociedade. Por outro lado, a aplicao de um modelo de equilbrio geral com

    corrupo endgena possibilitou a obteno de um valor para o volume de recursos

    envolvidos com corrupo no Brasil, em torno de 12% do PIB. A simulao do modelo

    para poltica comercial e fiscal no permite concluir que a corrupo, necessariamente,

    ressulte em menor crescimento econmico.

  • 11

    ABSTRACT

    Corruption is an age-old problem that just recently has started to attract global

    attention from public and private organizations, media, policy makers and civil society

    members. The main points of concern are the way of action, its determinants and

    consequences upon social welfare. However there is no agreement in the literature about

    how to define the phenomenon of corruption, except that its a governments related

    problem. Corruption, more precisely, is the result of one rational action a public sector

    member that has the monopoly power to offer goods, service and discretion over the

    decision making process.

    This study aims to contribute to the Modern Corruption Economics Literature in

    three ways. First, it contributes organizing the several views used by the literature to

    discuss the corruption problem: a) in the theory of rent-seekers; b) in the theory of crime;

    and c) in the imperfect markets structure from the bureaucrats markets. Second, this study

    analyze the economics determinants of the corruption and third, this study contributes on

    measure the cost of corruption in brazil.

    The main results suggests that countries could be reducing corruption practicing an

    open market policy, redefining the role of government and not using industrial policies

    activities. On the other hand, the application of the General Model Equilibrium gives a

    better idea from the brazilian gross domestic product involving in corruption practices,

    what embrace about 12% of GDP. The simulations of scenarios, wich include upper

    protected commercial police and upper government spend; do not possibilities refutes the

    hypothesis that corruption is a form of attracting more economics growth, besides your

    effects in the corruption growth.

  • 1 INTRODUO

    Recentemente, e mais especificamente aps os anos 90, o fenmeno da corrupo

    tem despertado a ateno de diversos pesquisadores da rea de cincia poltica, sociologia

    e economia, atrados pelas notcias e acusaes de prticas ilcitas em governos, tanto de

    pases ricos como pobres, grandes ou pequenos, de orientao poltica liberal ou

    conservadora1. Apesar da corrupo no ser um fenmeno novo, o grau de ateno que ela

    tem recebido nos ltimos anos leva-nos a pensar que existe, atualmente, mais corrupo

    que no passado. Contudo, o fato de ter aumentado nas ltimas dcadas o nmero de pases

    com governos democrticos pode ter possibilitado o crescimento dos espaos para a

    discusso da corrupo, seja ela poltica ou burocrtica. Ao mesmo tempo, o crescimento

    de instituies no governamentais, tal qual a Transparncia Internacional, tem auxiliado

    na divulgao da corrupo no somente como um problema moral ou poltico, mas

    tambm como um problema econmico.

    No Brasil, o processo de abertura poltica e a redemocratizao iniciada nos anos 80

    criaram um otimismo geral de que todos os problemas nacionais estariam resolvidos com a

    democracia e com o voto direto para presidente. Dentre os principais problemas a serem

    solucionados pela democracia ressaltavam-se o combate inflao crnica e o combate

    corrupo. Entretanto, a histria das ltimas dcadas no Brasil tem demonstrado que a

    1 Ver Tanzi (1998b).

  • 13

    democracia por si s, no garantia de controle tanto inflacionrio como da corrupo2.

    Ao contrrio, a recente experincia brasileira tem demonstrado que democracia e

    corrupo podem conviver amigavelmente, com a corrupo causando importantes danos

    para as instituies polticas e econmicas do pas.

    No aspecto poltico, a existncia de um processo crnico de corrupo afeta os

    principais pilares da democracia j que, sob um regime democrtico, os eleitores no

    aceitam a prtica de corrupo poltica, pois elegeram seus representantes para atuarem em

    defesa da comunidade e no contra ela ou em benefcio prprio. Neste sentido, os

    escndalos polticos do governo Collor e a divulgao dos diversos casos federais e

    estaduais do mau uso do oramento pblico alertaram a sociedade brasileira dos riscos

    existentes, para a estabilidade poltica e social, da persistncia de uma estrutura

    institucional baseada na prtica de corrupo.

    No aspecto econmico, existem diversas razes pelas quais economia e corrupo

    esto relacionadas. Primeiro, por reduzir as receitas e aumentar os gastos pblicos, a

    corrupo pode contribuir para a gerao de dficits fiscais, que por sua vez, podem ter

    conseqncias inflacionrias. Segundo, a existncia de corrupo em uma economia pode

    afugentar (ou desestimular) o investidor privado a realizar novos investimentos, pois a

    existncia de corrupo, alm de elevar o custo do investimento, eleva tambm a incerteza

    quanto ao seu sucesso, o que acaba afetando negativamente o crescimento do pas (Mauro,

    1995). Terceiro, de acordo com Al-Marhubi (2000), o governo tem na seigniorage um

    motivo para criar inflao. A existncia de corrupo na coleta de impostos e de evaso

    fiscal pode motivar o governo a transformar o imposto inflacionrio em mais uma fonte de

    receita governamental, gerando mais inflao.

    Para Rose-Ackerman (1999, p.6), corrupo um sintoma de que alguma coisa est

    errada na administrao do Estado. Instituies desenhadas para governar as relaes entre

    os cidados e o Estado estariam sendo utilizadas para buscar o enriquecimento pessoal por

    meio dos benefcios do suborno. No entanto, diversas so as definies de corrupo,

    Tanzi (1998b) considera a definio do Banco Mundial a mais simples em que a corrupo

    2 Para uma leitura de relatos de casos de corrupo no Brasil do perodo de 1980 a 1988, ver Bezerra (1995).

  • 14

    o abuso do poder pblico para obter benefcios privados, presentes, principalmente, em

    atividades de monoplio estatal e poder discricionrio por parte do Estado.

    A partir destas observaes, pesquisadores como Susan Rose-Ackerman, Vito

    Tanzi e Mauro Paolo dedicaram esforos para a utilizao de instrumentais econmicos na

    tarefa de analisar as causas e os efeitos da corrupo na economia. Rose-Ackerman (1978)

    e Shleifer & Vishny (1993) tratam a corrupo como um problema de estrutura de mercado

    monopolizada, sendo a concorrncia, a poltica desejada para controlar o fenmeno da

    corrupo no setor pblico. Ou seja, a presena de corrupo burocrtica est ligada

    percepo, pelos burocratas, que o Estado pode se tornar uma fonte de renda proveniente

    da venda de servios pblicos. Nesses modelos, o fato de uma prestao de servio pblico

    ser realizada por um setor cria poderes de monoplio para o burocrata responsvel pela

    alocao dos recursos. Por exemplo, comparando a estrutura existente entre a empresa

    nacional de correios e o rgo responsvel pela emisso de passaportes, o primeiro, por

    dispor de uma rede de agncias, teria uma probabilidade menor de convivncia com a

    corrupo quando comparado com o segundo, tradicionalmente monopolista. Portanto,

    nessa viso, a existncia de uma estrutura pblica monopolista, atrai os burocratas para a

    disputa da renda do monoplio (rent-seeking). Como principal resultado, tem-se que

    corrupo uma conseqncia, estando os pases com excessiva regulamentao do

    governo na atividade econmica gerando os estmulos necessrios para a prtica da

    atividade corrupta por parte de seus burocratas.

    Por outro lado, Mauro Paolo (1995) e Vito Tanzi (1997, 1998a) dedicaram esforos

    para estimar (em uma anlise cross-section) os efeitos da corrupo na taxa de crescimento

    da renda per capita, nos investimentos pblicos e na qualidade da infra-estrutura. Os

    resultados encontrados apontam para uma relao negativa entre corrupo e taxa de

    crescimento da renda per capita e da qualidade da infra-estrutura e, para uma relao

    positiva entre corrupo e investimento pblico. Assim, corrupo vista como causa do

    fraco crescimento econmico de alguns pases, do empobrecimento relativo e do mau

    funcionamento do sistema econmico.

  • 15

    Estes estudos, associados aos que se seguiram nos anos 90, trouxeram uma nova

    perspectiva para o estudo da corrupo, no somente como um fenmeno antropolgico ou

    poltico, mas tambm como um fenmeno com algumas repercusses econmicas.

    A literatura sobre a economia da corrupo , hoje, composta por uma vasta e

    diversificada quantidade de textos e contribuies acadmicas que podem ser classificadas

    grosseiramente entre as que tratam a corrupo como tendo causa e as que tratam a

    corrupo como tendo conseqncia para o sistema econmico. A partir dos anos3 90

    possvel encontrar-se referncias sobre corrupo em um grande nmero de revistas

    internacionais, tendo-se, inclusive, desde 1987, uma revista dedicada somente a este tema

    (Corruption and reform); no entanto possvel encontrar-se artigos dedicados ao tema da

    corrupo em diversas outras revistas como: Journal of Law and Society, Journal of Public

    Economics, European Journal of Political Economy, Journal of Comparative Economics,

    Quartely Journal of Economics, Journal of Economic Behavior & Organization,

    International Review of Law and Economics, American Economic review, entre outros.

    Ao tratar a corrupo como uma questo relevante para a cincia econmica e,

    principalmente, como um problema essencialmente econmico, este trabalho se prope a

    trabalhar a corrupo como tendo causas em polticas econmicas e conseqncias para o

    sistema econmico. Causas porque a corrupo no aqui tratada como um problema de

    indivduo, de falta de tica do burocrata no trato da coisa pblica, sendo resolvida com a

    substituio do burocrata corrupto, mas tratada sim como uma conseqncia de polticas

    econmicas. Polticas econmicas no so neutras, trazem benefcios e custos, alteram os

    preos relativos, modificam ganhos e, modificam a forma como os agentes racionais e

    maximizadores de renda se comportam. Conseqncias porque do ponto de vista

    microeconmico a corrupo pode ser vista como um imposto, um custo adicional que

    deve ser incorrido para a obteno de um servio pblico, de um produto ou de um favor

    que modifica a alocao eficiente dos recursos. Em um mercado competitivo a

    remunerao dos fatores de produo depende de sua produtividade. Ora, alocaes

    corruptas devem gerar alocaes ineficientes dos recursos, o que diminui a produtividade

    dos fatores e as suas remuneraes. Com menor remunerao as famlias podem decidir

    3 Segundo Ades (1995, p.119), a falta de dados sobre corrupo foi o principal fator que impediu o desenvolvimento da economia da corrupo como uma rea de pesquisa da economia nos anos 70.

  • 16

    poupar menos, afetando a poupana e o investimento. Menor remunerao do capital

    tambm pode afugentar investidores que deslocaro seu capital para pases com menor

    corrupo, afetando todo o sistema econmico.

    Capturar essas complexas relaes e inter-relaes da corrupo no sistema

    econmico o principal objetivo deste trabalho. Para isto este trabalho est dividido em

    trs partes, alm desta e da concluso. No primeiro captulo feita uma apresentao da

    evoluo do pensamento econmico na rea de pesquisa em economia da corrupo,

    enfocando a variedade de conceitos, suas diferentes formas de apario e os primeiros

    resultados empricos apresentados pela literatura.

    No segundo captulo alm de ser apresentado as trs abordagens da moderna

    Poltica Econmica da corrupo (corrupo como crime, como atividade de rent seeking e

    como resultado da estrutura do mercado de oferta de servio pblico) desenvolvido um

    modelo de equilbrio geral com corrupo a partir do modelo de Dutt (1999) e, realizado

    uma evidncia emprica dos fatores econmicos determinantes da corrupo. Neste

    captulo responde-se principalmente as seguintes questes: Primeiro, quais so as variveis

    econmicas significativas para a determinao da corrupo? De uma forma geral, e alm

    dos aspectos culturais ou histricos, quais so as relaes existentes entre o ndice de

    corrupo percebida e o tamanho do Estado brasileiro? Esta relao seria positiva, de tal

    forma a confirmar a hiptese liberal de que maior interveno do Estado afeta

    negativamente o crescimento econmico? Ou esta relao seria negativa, de tal forma a

    confirmar a hiptese socialista de que o Estado uma entidade benevolente maximizadora

    do bem estar social?

    Qual a relao existente entre o ndice de corrupo percebida e a poltica

    comercial nacional? Uma poltica comercial protecionista pode ser vista como uma poltica

    industrial direcionada para o desenvolvimento da indstria nascente, mas no teria ela

    tambm alguma relao com o ndice de corrupo percebida? Ao proteger a indstria

    nacional, esta mesma poltica poderia estar gerando uma disputa pelo lucro extra possvel

    de ser obtido pelas empresas nacionais. Neste caso, estas empresas no poderiam estar

    dispostas a corromperem os burocratas do governo na busca da to desejada proteo

    comercial?

  • 17

    Obtidas estas relaes, o captulo trs tem por objetivo incorporar em um modelo

    de equilbrio geral aplicado o problema da corrupo, tornando-a uma varivel endgena

    do sistema. Este captulo tem por objetivo principal responder a seguinte pergunta: Como

    mudanas de poltica econmica afetam a corrupo e quais so os efeitos nas demais

    variveis econmicas? Neste sentido j existem modelos de equilbrio geral para o Brasil

    que desejam captar as complexas relaes existentes no sistema econmico, mas como

    estas relaes mudariam com a incluso no modelo de uma varivel para a corrupo? As

    polticas econmicas, como sugerido por alguns textos mais recentes, perderiam

    eficincia? Ou, ao contrrio, por ser a corrupo o mecanismo escolhido pelo mercado para

    fazer as engrenagens do governo funcionar, estas polticas ganhariam eficincia? Para

    responder a estas perguntas, neste captulo, ser utilizado o modelo de equilbrio geral

    aplicado desenvolvido por Fochezatto (1999), adaptando-o para o caso de corrupo

    endgena.

  • 18

    2 TEORIA ECONMICA DA CORRUPO

    Durante os ltimos 30 anos tem crescido rapidamente a ateno dada por

    economistas de diversas formaes anlise da corrupo, de tal forma que, a literatura

    econmica que trata da corrupo j possui um grupo de pesquisadores reconhecidos (entre

    eles, Vito Tanzi, Susan Rose-Ackerman e Mauro Paolo) sendo, portanto, possvel

    encontrar uma vasta bibliografia organizada sobre este tema. O primeiro trabalho

    publicado sobre corrupo e que mereceu uma maior ateno foi The Economics of

    Corruption4 desenvolvido por Susan Rose-Ackerman, em 1975. Segundo Ades (1995),

    apesar deste texto ser considerado seminal na descrio sobre economia da corrupo, esse

    assunto j teria sido abordado por pesquisadores da teoria do crime (Becker e Stigler,

    1974), da teoria das agncias (Harris e Raviv, 1978), da busca de renda (Tullock, 1967) e

    da economia do desenvolvimento (Myrdal, 1968).

    Mais recentemente, a economia da corrupo tem constitudo um programa de

    pesquisa novo, que pode ser dividido em dois temas centrais: as teorias sobre as causas

    econmicas da existncia de corrupo e as teorias que analisam suas conseqncias sobre

    variveis econmicas. No primeiro grupo, encontram-se os trabalhos que utilizando a

    abordagem de agente-principal, rent seeking e de estrutura de concorrncia, tentam

    fornecer os argumentos microeconmicos que justifiquem a existncia de corrupo. Este

  • 19

    grupo de trabalhos consiste no maior avano obtido pela teoria econmica da corrupo

    nos ltimos anos. O segundo grupo representado pelo esforo de quantificar as possveis

    relaes existentes entre corrupo e desempenho econmico de uma regio ou de um pas.

    Aqui esto os trabalhos que relacionam corrupo com crescimento do PIB, com a

    estrutura do investimento pblico, com inflao, entre outros. Esta parcela

    macroeconmica da pesquisa econmica sobre corrupo recebeu, no incio deste ramo de

    pesquisa, uma ateno menor, muito provavelmente, devido dificuldade em obter-se

    dados quantitativos sobre o tamanho e o comportamento da corrupo nos pases. Somente

    aps a dcada de 90, com o fornecimento de ndices de corrupo percebida para diversos

    pases, que se encontram alguns trabalhos que tentam capturar o efeito da corrupo em

    algumas variveis econmicas.

    Assim, este captulo tem por objetivo apresentar o estado atual da pesquisa em

    economia da corrupo. Para isto, ele possui sees dedicadas a apresentar a evoluo no

    pensamento econmico da corrupo, de uma forma de agilizar o crescimento, para o

    revisionismo dos anos 80, que passou a tratar a corrupo como geradora de desperdcios

    de recursos e ineficincia econmica. Alm disto, este captulo trata da dificuldade em

    obter-se uma definio consensual para corrupo e, por ltimo, apresenta uma breve

    resenha dos trabalhos que tratam da anlise emprica das conseqncias econmicas da

    corrupo.

    2.1 EFEITOS DA CORRUPO SOBRE O DESENVOLVIMENTO ECONMICO

    O estudo dos efeitos da corrupo sobre o desenvolvimento econmico tem passado

    por um certo revisionismo ambguo nas ltimas dcadas, apresentando argumentos que

    tanto evidenciam a distoro na alocao dos recursos causados pela corrupo (Vito

    Tanzi, 1997; Paolo Mauro, 1995), ou seus efeitos sobre os riscos da perda de novos

    investimentos (Wei, 2000), como apresentam argumentos que corroboram a idia de que a

    corrupo pode no ser inconsistente com o desenvolvimento e, at mesmo, ser um

    acelerador do progresso (Huntington, 1968; Lui,1985).

    4 Rose-Ackerman, Susan. The Economics of Corruption. The Journal of Public Economics, v. 4, p. 187-203, 1975.

  • 20

    Para os primeiros, a corrupo um crime cometido por um representante do

    Estado (burocrata) que se apropria dos direitos de propriedade sobre recursos pblicos para

    negoci-los com agentes civis, em troca de uma propina. Existindo a corrupo como uma

    prtica lucrativa, os funcionrios pblicos podem alterar a alocao de recursos pblicos,

    substituindo critrios tcnicos por uma alocao que obedea ao pagamento de propinas,

    ou seja, atendendo aos seus (dos burocratas) interesses privados. Alm disso, a existncia

    de corrupo em governos pode forar as empresas a alocarem recursos humanos (talentos)

    na atividade de negociao, na efetuao de um acordo, no pagamento da propina, na

    renegociao do que foi acordado, na busca de garantias quanto ao segredo do negcio, no

    pagamento adicional para outro burocrata, enfim, em tarefas que caracterizam as atividades

    de rent seeking, em detrimento das atividades tipicamente produtivas.

    Para os apologistas da corrupo5, a propina o preo de equilbrio que iguala as

    funes de oferta e demanda por recursos pblicos. a manifestao do mercado,

    corrigindo distores prvias criadas pela excessiva regulamentao das atividades

    econmicas que inibem o desenvolvimento econmico. Comum a esses autores a idia da

    burocracia estatal ser de uma ineficincia to extrema que a prtica de corrupo pode

    trazer alguns benefcios para o crescimento.

    2.1.1 A corrupo vista como um facilitador do crescimento

    Os primeiros trabalhos sobre o impacto da corrupo no bem estar social concluam

    que os benefcios da corrupo excediam seus custos. Entre os principais autores que

    representam o pioneirismo nesta anlise esto Leff (1964), Nye (1967) e Huntington

    (1968). Em comum, estes autores, que contriburam para a formao da teoria funcional da

    corrupo, possuem o argumento de que a compra e venda de favores possuem certas

    vantagens econmicas6. O principal argumento utilizado o de que a propina teria uma

    5 Esta a forma que Kaufmann (1997, p. 2) classifica os tericos defensores da corrupo como um instrumento eficiente. 6 importante ressaltar aqui que estes autores, apesar de destacarem os efeitos positivos da corrupo, no ignoravam a possibilidade de prejuzos sociais causados pela corrupo. Ao contrrio, possvel de serem encontrados diversos dos argumentos modernos contra a corrupo em seus textos, especialmente em Nye (1967). No entanto, o que os torna merecedores de um tratamento especial na literatura econmica o fato de terem construdo uma coletnea de textos que fugiam do tradicional tratamento da corrupo, como sendo uma patologia poltica ou uma depravao moral.

  • 21

    funo tpica de um leo que utilizado em uma mquina azeita as engrenagens, cortando

    o excesso de burocracia e, desta forma, promovendo uma maior eficincia.

    Esta a intuio existente, por exemplo, no artigo de Nathaniel Leff, Economic

    Development Through Bureaucratic Corruption (1964), citado freqentemente como

    fonte de argumentos para os defensores da corrupo, principalmente na sua forma de

    suborno, como sendo uma importante arma a ser utilizada pelo empresrio contra a hostil

    interferncia do burocrata no desenvolvimento econmico. Para Leff (1964), medida que

    o governo impusesse um excessivo controle burocrtico sobre as atividades econmicas, a

    presena do burocrata teria um efeito negativo sobre o desenvolvimento econmico,

    devido a criao de entraves na ampliao dos negcios ou no desenvolvimento de novos

    produtos e, portanto, criando um ambiente de incerteza para o empresrio. Desta forma, a

    corrupo surgiria devido a excessiva regulamentao das atividades econmicas por parte

    do governo e funcionaria como um redutor de incerteza para o empresrio.

    Ao reduzir a incerteza, a corrupo ampliaria a confiana do empresrio na

    realizao de novos investimentos. Esta ampliao de confiana surge pela reduo do

    risco poltico de seu projeto ser rejeitado por algum rgo do governo. Ao utilizar a prtica

    da corrupo para reduzir os riscos do investimento, o empresrio utiliza a corrupo como

    um instrumento de seguro contra aes indesejadas do governo. No utilizar a

    corrupo como um instrumento de busca de privilgios, mas sim como uma forma de se

    precaver contra prejuzos futuros. Por isso, Leys (1965) classifica este tipo de

    comportamento como sendo uma corrupo honesta.

    Posto desta forma, a corrupo surge como um recurso possvel e recomendando de

    ser adotado pelo mercado, na correo de polticas e normas implantadas pelo governo.

    Nas palavras de Leff (1964, p. 11): If the government has erred in this decision, the

    course made possible by corruption may well be the better one.

    O burocrata corrupto surge como o salvador do empresrio. ele que ir conceder

    demanda, pelo bem ou servio pblico, do empresrio, um carter de rapidez e agilidade,

    tpicos de uma organizao privada, ao invs de um servio lento e burocrtico tpicos do

    servio pblico. Nestes termos, paradoxalmente, o pior dos mundos, para o empresrio,

    deparar-se com um burocrata honesto. Para o empresrio, na presena de um burocrata

  • 22

    honesto, o suborno no traz os efeitos desejados, sendo a demanda do empresrio tratada

    da mesma forma padronizada que as demais demandas sociais enfrentam. Esta peculiar

    caracterstica desta abordagem bem retratada nas palavras de Huntington (1968, p. 386):

    in terms of economic growth, the only thing worse than a society

    with a rigid, over-centralized dishonest bureaucracy, is one with a

    rigid, over-centralized, honest bureaucracy.

    Um argumento mais recente7 a favor da corrupo como um facilitador do

    desenvolvimento econmico est em tratar a corrupo como sendo parte de um processo

    de barganha coasena (Bardhan, 1997), que pode ser representado da seguinte forma: um

    burocrata apropria-se (ilegalmente) dos direitos de propriedade sobre um bem ou servio

    pblico, podendo negoci-lo para algum agente privado por meio de um leilo. Supondo

    que mais de uma firma estejam interessadas na demanda pelo recurso pblico, o burocrata

    ir atender quele que ofertar a maior propina. Havendo uma disputa competitiva entre as

    empresas, pela oferta do maior valor possvel de propina, a empresa com menor custo ser

    a ganhadora, mantendo-se uma alocao eficiente.

    Como a deciso de quanto oferecer de propina faz parte de um jogo de interao

    estratgica, cada empresa dever possuir toda a informao necessria dos concorrentes

    para realizar sua melhor oferta possvel. Este argumento tem sido criticado por Kaufmann

    (1997), por ser vlido apenas quando houver informao completa sobre os custos de todas

    empresas e, assim, informao completa sobre a capacidade de competio de cada uma

    delas.

    Finalmente, Francis Lui (1985) desenvolveu um modelo no qual derivada uma

    funo de oferta da propina como sendo positivamente relacionada com o custo de

    oportunidade do tempo de espera que o agente civil ter que enfrentar at ser atendido em

    sua demanda. Neste modelo, a estratgia oferecer propina forma um equilbrio de Nash

    em um jogo competitivo que minimiza o custo de espera associado com a burocracia,

    reduzindo a ineficincia no atendimento demanda pelo recurso pblico.

    7 Apesar de no retratar como um jogo, Leff (1964) afirma um dos benefcios da corrupo introduzir eficincia e competio no sistema econmico.

  • 23

    No entanto, este resultado somente mantido sob o pressuposto que ambos os

    envolvidos na transao corrupta sejam honestos no sentido que eles iro cumprir o acordo.

    Como alerta Kaufmann (1997, p. 3), caso o burocrata aceite novas propinas ou, no limite,

    caso o burocrata aceite propinas de todos, o tempo de espera permanecer o mesmo,

    tornando a corrupo ineficiente. A dificuldade em manter-se o equilbrio (corrupo

    gerando eficincia) est justamente no fato deste jogo ter o mesmo final do Dilema dos

    Prisioneiros. A possibilidade de traio cresce medida que inexiste uma relao

    contratual formal entre corrupto e corruptor. Sem a posse de garantias, (tanto do

    recebimento da propina, como do recebimento do benefcio ilegal) os custos que envolvem

    esta transao crescem rapidamente (principalmente os custos ex-post), necessitando da

    presena de confiana na relao formada8.

    Sendo a corrupo uma transao ilegal, o contrato (informal) firmando entre

    burocrata e agente civil no pode ser garantido pelo aspecto legal, devendo haver uma

    confiana mtua, tanto no cumprimento do que foi acertado quanto na manuteno do

    segredo, que toda a operao ilegal requer. Desentendimentos a posterior (por exemplo, a

    demanda por nova propina) no podem ser resolvidos judicialmente, criando-se um

    elevado custo de transao para a prtica da corrupo. Nestes casos, os custos envolvidos

    podem superar (em muito) os benefcios, tornando a corrupo uma opo ineficiente.

    2.1.2 A corrupo como uma atividade improdutiva

    Uma das razes citadas pelos que defendem a neutralidade da corrupo sobre a

    economia a de que um suborno simplesmente uma transferncia e, portanto, no

    implica em perda de bem estar. Um dos primeiros autores a questionar a neutralidade da

    corrupo foi Myrdal (1968), seguido por Rose Ackerman (1978), que questionaram este

    ponto de vista argumentando que a existncia de corrupo em governos poderia estimular

    os funcionrios pblicos a gerar maior obstculo burocrtico, para depois, poder demandar

    maior propina (Myrdal, 1968). Agindo assim, os burocratas estariam reproduzindo o

    8 No entanto, o prprio Dilema dos Prisioneiros mostra que confiana no suficiente para garantir o cumprimento do acordo, sendo necessrio a existncia de uma outra forma de garantia do acordo. Esta necessidade de garantir a realizao de um acordo ilegal permite que seja formado uma ponte ligando a corrupo ao crime organizado.

  • 24

    mesmo comportamento estratgico da empresa monopolista que obtm maior lucro (via

    aumento de preo) por meio da escassez (Rose Ackerman, 1978). Desta forma, os

    burocratas, em vez de apoiarem a atividade produtiva, convertem-se em obstculos para a

    eficincia econmica.

    Portanto, para estes autores, quando um funcionrio pblico corrupto escolhe

    (aprova) um projeto de desenvolvimento econmico por meio do recebimento de propina,

    com isto liberando os recursos, ele est usando ineficientemente recursos escassos do

    governo. A obteno de um privilgio por parte de algum representante da sociedade civil

    permite que este possa oferecer ao funcionrio pblico um ganho monetrio (suborno) em

    troca de algum tipo de favor para obter o desejado privilgio, interligando os conceitos de

    corrupo e de rent seeking (Rose-Ackerman, 1978; Lambsdorff, 2001, Mbaku, 1992).

    O conceito de rent seeking referido como o gasto de recursos para obter um

    prmio disputado por grupos de interesse nesta economia (Drazen, 2000). Geralmente, esta

    atividade est envolvida na alocao de recursos com o objetivo de obter-se algum direito

    (de monoplio), que garanta ao possuidor desfrutar dos benefcios da ao regulatria do

    Estado, como por exemplo, nos casos de concesso de linhas de transporte intermunicipais,

    de concesso do direito de transmisso de canal de televiso, de rdio, etc...

    Entre outras, a atividade de rent seeking envolve, por exemplo, a destinao de

    recursos por parte das empresas para obter do governo uma legislao que proteja a

    indstria nacional dos seus concorrentes internacionais. A obteno de uma proteo

    comercial, como a implantao de uma alquota maior sobre os produtos importados, cria

    uma escassez artificial (Mbaku, 1992) geradora de renda. Na busca desta renda, grupos

    de interesse modificam sua alocao de recursos tentando garantir os privilgios de

    monoplio fornecidos pelo Estado.

    Na anlise tradicional de estrutura de mercados imperfeitos, o custo social do

    monoplio unicamente dado pelo tringulo L da figura 1. Como o monoplio gera uma

    escassez, o preo de monoplio ser maior que o preo de concorrncia, levando a um

    aumento no excedente do produtor. A sociedade ter a seu dispor uma menor quantidade

    disponvel para o consumo, ofertado a um preo maior, levando a uma reduo do bem-

    estar do consumidor. Desconsiderada esta perda, a teoria tradicional conclui que a

  • 25

    atividade de monoplio implica em uma perda lquida zero da transferncia entre os

    consumidores e o monoplio produtor (retngulo A na figura 1 abaixo).

    Figura 1. O custo social do monoplio

    Ao contrrio da teoria tradicional9, os tericos do rent seeking argumentam que a

    atividade de monoplio implica em uma perda lquida para a sociedade. Tullock (1967)

    argumentou que a competio pelo direito de monoplio implica em um custo social maior

    que o tringulo L. Por exemplo, suponha que o monoplio em questo tenha sido criado

    pelo governo em sua atividade regulatria, concedendo a uma nica empresa o direito de

    explorar o transporte rodovirio entre duas cidades. Se existem duas empresas interessadas

    na obteno do direito de monoplio, ento elas iro alocar seus recursos para aumentar a

    chance de obter o to desejado direito de capturar a renda dada pelo retngulo A.

    Esses gastos podem envolver a contratao de lobistas para realizar uma presso

    poltica, de advogados, de publicitrios para reforar a imagem pblica da empresa e, at

    mesmo, contratar antigos profissionais do setor responsvel pela concesso que ainda

    possuam relaes pessoais de amizade com os funcionrios pblicos responsveis pelo

    acompanhamento burocrtico do processo de concesso.

    9 Por exemplo, Harberger (1954) na sua tentativa de estimar o custo social do monoplio chegou a concluso que este seria insignificante.

    AL

    Q

    P

    Pm

    Pcp

    qm qcp

    oferta

    demanda

  • 26

    Ao investir na contratao de talentos no ligados diretamente produo, a

    empresa est ciente que o sucesso de sua atividade no depende da sua habilidade de

    operar eficientemente no mercado, mas da sua habilidade em conseguir influenciar as

    decises do governo (Mbaku, 1992). Recursos gastos na captura da renda, os quais no

    seriam gastos se a renda no existisse, constituem uma perda social adicional perda de

    bem-estar do consumidor (tringulo L) no modelo tradicional de monoplio.

    A rigor, todos os agentes, se pudessem, caariam renda, legal ou ilegalmente, de

    acordo com as restries morais e legais existentes na sociedade (Silva, 1999). Burocratas

    tambm so agentes maximizadores de renda, que esto dispostos a adicionarem ao seu

    salrio uma renda-extra, proveniente de grupos de interesse ou indivduos que desejem

    obter um benefcio ilegal do Estado. Na busca desta renda-extra, os burocratas podem

    dedicar uma maior ateno s demandas provenientes daqueles que esto dispostos a pagar

    uma propina para ter suas necessidades privadas atendidas, a atender as necessidades da

    sociedade.

    A associao dos grupos de interesse (caadores de renda) aos burocratas corruptos

    (maximizadores de renda) leva a uma alocao dos escassos recursos pblicos, que no

    obedece aos critrios de mritos tcnicos ou de eficincia econmica, mas que premia os

    projetos que dispem da melhor influncia pessoal ou poltica. O resultado econmico

    desta alocao negativo por diversos motivos:

    i) conforme Silva (1999), uma sociedade dividida por grupos de interesse

    que competem pela transferncia de renda apresenta uma soma

    econmica negativa, j que os custos da atividade caadora-de-renda so

    maiores que os benefcios obtidos por algum agente ou grupo;

    ii) as empresas, ao perceberem que o seu sucesso depende, pelo menos em

    parte, das atividades ligadas ao lobbing e corrupo, alocam seus

    melhores talentos humanos para estas atividades, gerando um desperdcio

    de recursos (Acemoglu & Verdier, 1998). Ao mesmo tempo, os talentos

    humanos existentes na sociedade percebem que os profissionais ligados a

    estas atividades improdutivas possuem uma remunerao elevada,

  • 27

    passando a dedicar-se a esta formao profissional, em detrimento das

    atividades produtivas;

    iii) os pagamentos corruptos podem ser considerados como uma transferncia

    implcita entre indivduos, com um custo de oportunidade que resulta em

    uma modificao na distribuio de renda e, em conseqncia, em um

    padro modificado representado por menor consumo, poupana e

    investimento (Goudie & Stasavage, 1997).

    iv) a existncia de corrupo nas relaes entre a sociedade civil e o Estado

    gera um crescimento nos nveis de risco e incerteza das transaes

    econmicas, principalmente quando a corrupo no est organizada de

    forma centralizada. De um lado, o empresrio sabe que, alm dos custos

    produtivos para implantar seu novo negcio, dever adicionar os custos

    com pagamentos de propina e suborno necessrios para a liberao de

    licenas, o que poder retardar ou inviabilizar o investimento. Por outro

    lado, os investidores internacionais podem no achar seguro investir em

    pases cujo resultado econmico dependa de pagamentos ilegais,

    preferindo investir em pases com menor risco e incerteza quanto ao

    retorno do investimento (Silva, 1999). Um menor fluxo de investimentos

    externos, ao diminuir as reservas cambiais, pode pressionar a uma

    desvalorizao na taxa de cmbio. A presso para a desvalorizao

    cambial gera, por sua vez, um aumento na taxa de juros interna para, com

    isto, evitar a chamada fuga de capitais.

    v) a corrupo envolvendo fiscais leva a uma reduo da capacidade de

    arrecadao de impostos por parte do governo, no somente pela ao

    direta da corrupo envolvendo a perda de renda tributria, como pelo

    efeito indireto da corrupo em incentivar a atividade econmica para seu

    lado informal, longe da administrao e fiscalizao tributria do

    governo. Ao mesmo tempo, a existncia de corrupo est associada com

    o superfaturamento dos gastos pblicos (Tanzi & Davoodi, 1997),

    resultando em dficit fiscal e a conseqente presso inflacionria (Al-

  • 28

    Marhubi, 2000), o que tende a distorcer os preos relativos, modificando

    a alocao eficiente da economia.

    vi) finalmente, se a natureza da corrupo constitui na obteno de um ganho

    (privilgio) por algum grupo de interesse, ela tambm constitui uma

    perda para todos os demais grupos que no conseguiram obt-la (Goudie

    & Stasavage, 1997), afetando a competitividade destes ltimos e, pelos

    seus efeitos mltiplos, afetando toda estrutura de desenvolvimento da

    economia.

    Por estes motivos, a hiptese central deste trabalho que a corrupo afeta

    negativamente, no somente a eficincia esttica do sistema econmico, como tambm a

    eficincia dinmica da economia. Apesar desta hiptese ter sido parcialmente testada por

    alguns trabalhos empricos que, alis, no tm tido o mesmo desenvolvimento observado

    pela literatura terica, aqui que reside a razo de ser deste trabalho; analisar os efeitos

    dinmicos da corrupo no sistema econmico. Para tanto, necessrio ter-se a

    compreenso sobre o que est se considerando como corrupo na literatura econmica e,

    os trabalhos empricos j desenvolvidos nesta nova rea de pesquisa.

    2.2 ALGUMAS DEFINIES SOBRE CORRUPO

    Corrupo um fenmeno complexo relacionado a mltiplos fatores, tanto nas suas

    causas como nas suas conseqncias e que pode estar relacionado tanto com um simples

    pagamento no-legal pela prestao de um servio pblico, como pode estar relacionado

    com um problema estrutural de mau funcionamento do sistema econmico e/ou poltico.

    Evitando-se aqui uma discusso da corrupo como sendo um fenmeno

    antropolgico ou poltico10, as inmeras definies de corrupo existentes na literatura

    refletem-na como um fenmeno que envolve, necessariamente, o setor pblico. Nas

    10 Para ler sobre as definies da corrupo como um fenmeno social, antropolgico, ver Brei (1996) e Andivg (2000).

  • 29

    palavras de Andvig (2000, p. 11) corrupo define uma regra particular de relao entre a

    sociedade e o Estado11.

    O Estado, representado pelos burocratas, servidores pblicos e polticos, ou

    qualquer outra pessoa que possui uma posio de autoridade (poder) para alocar os direitos

    sobre o uso ou destinao dos recursos pblicos (escassos), e a sociedade, representada

    pelo corruptor, ou quem oferece o suborno para o representante do Estado, em troca de um

    favor ou servio.

    Convencionalmente, corrupo entendida como um comportamento de busca de

    riqueza privada por algum que representa o Estado e a autoridade pblica. o uso dos

    recursos pblicos para a obteno de um ganho privado. Esta exatamente a definio de

    corrupo utilizada, por exemplo, pela Transparncia Internacional (2000) que define a

    corrupo como sendo o abuso do poder pblico na obteno de um benefcio (lucro)

    privado.

    Tarefa difcil, contudo, diferenciar a corrupo de outros comportamentos no

    corruptos, mas que geram benefcios privados para o agente pblico. Por exemplo,

    prtica comum em perodos eleitorais, em datas comemorativas como o Natal, Fim de Ano

    ou em datas de aniversrios, os funcionrios pblicos, principalmente os que possuem uma

    relao mais estreita com empresas privadas, receberem presentes dos representantes

    destas empresas. Este recebimento pode ser visto tanto como uma forma educada, cordial

    de relacionamento entre a sociedade e o representante do Estado, como uma forma

    simblica de representar uma relao j existente (ou que se pretende iniciar), na qual o

    representante do Estado recebe presentes em troca do fornecimento de benefcios

    empresa privada.

    Da mesma maneira, a deciso de um poltico em votar contra uma proposta do

    governo para liberar a importao de um produto pode ser percebida como uma relao de

    corrupo entre este poltico e o setor nacional prejudicado, obtendo com isso algum

    benefcio monetrio, ou pode ser percebida como uma estratgia poltica visando o

    11 A idia da corrupo como uma forma de relao verificada no depoimento do empresrio Emlio Odebrecht ao Jornal do Brasil, de 24/05/92, que perguntado Ento o que a corrupo nesse pas?, respondeu: (...) O suborno no um problema de valor, a relao estabelecida.

  • 30

    benefcio eleitoral na defesa do produto e emprego nacional. Em ambos os casos, o agente

    pblico estaria valendo-se do seu cargo para obter um benefcio privado. Se o exemplo

    acima fosse apresentado sociedade pela imprensa, possivelmente a sociedade, no

    primeiro caso, reagiria com indignao, manifestando sua rejeio a tal comportamento

    visivelmente corruptor, enquanto que, se o voto de restrio importao fosse

    apresentado, como no segundo caso, possivelmente a sociedade apoiaria tal poltico

    elegendo-o como verdadeiro defensor do emprego nacional.

    A prtica da corrupo, no entanto, no deve ser entendida como uma simples

    operao de carter pessoal. Se assim o fosse, isto resultaria em uma simplificao,

    reduzindo o problema da presena de corrupo a uma questo de falta de carter, um

    problema do indivduo, de tal forma que a simples demisso do servidor corrupto resulta

    na soluo do problema. Mais do que isso, a prtica da corrupo se sustenta nos

    (excessivos) procedimentos legais, nas normas e leis que regulam, por exemplo, a alocao

    de verbas pblicas ou uma concorrncia pblica. Desta forma, a atividade corrupta est

    relacionada estreitamente com a lgica do funcionamento institucional representando, em

    relao a este, um desvio.

    Esta a viso clssica de Colin Nye (1967) que define a corrupo como um

    comportamento no qual o burocrata desvia (viola) das regras pblicas formais em busca de

    ganhos pecunirios ou de status. Nesta mesma linha, Mushtaq Khan (1996, p. 12) fornece

    uma verso que utiliza os mesmos elementos observados na definio de Nye (1967). Para

    Khan (1996), corrupo definida como um:

    ...behaviour that deviates from the formal rules of conduct

    governing the actions of someone in a postition of public

    authority because of private-regarding motives such as weath,

    power, or status (Khan, 1996, p. 12).

    Uma forma alternativa para descrever a corrupo sugerida por Rose-Ackerman

    (1978) e Shleifer & Vishny (1993), que apresentam a corrupo como sendo uma interface

    entre o setor pblico e o setor privado. Neste sentido, a corrupo seria uma transao que

  • 31

    envolveria os agentes pblicos e privados, na qual bens coletivos seriam utilizados (ou

    vendidos) ilegalmente para a obteno de ganhos privados. Esta a definio estrita de

    corrupo econmica, refletindo uma situao de mercado, com compra e venda de uma

    mercadoria (por exemplo, uma licena de funcionamento, uma expedio de carteira de

    motorista ou, simplesmente, a venda da posio na fila de espera de um processo, dentre

    todos os existentes para serem analisados), por dinheiro ou bem material12.

    Pode-se perceber que, em algum sentido, corrupo se aproxima do conceito de

    rent-seeking formando com ele uma grande rea de pesquisa em comum. No entanto,

    enquanto corrupo envolve o uso ilegal do poder pblico para a obteno de um benefcio

    privado, rent-seeking derivado do conceito econmico de renda (rents), isto , o ganho

    que excede todos os custos relevantes e que se aproxima do que conhecido como o lucro

    do monoplio13. Ou seja, a atividade de rent-seeking, no necessariamente, ilegal em

    termos da lei, ou considerada imoral em termos sociais, mas uma atividade no-produtiva

    e economicamente ineficiente, com conseqncias negativas sobre o desempenho da

    economia. Esta idia bsica apresentada j na introduo do texto de Krueger (1974, p.

    291):

    In many market-oriented economies, goverment restrictions upon economic activity are pervasive facts of life. Theses restrictions give rise to rents of a variety of forms, and people often compete for the rents. Sometimes, such competition is perfectly legal. In other instances, rent seeking takes other forms, such as bribery, corruption, smuggling and black markets.

    Assim, para fins deste trabalho, corrupo definida como o uso da posio pblica

    para obter benefcios privados, com as seguintes limitaes:

    12 Segundo observao de Samuel Huntington onde as oportunidades polticas so escassas, a corrupo ocorre com pessoas usando riqueza para comprar poder, e onde oportunidades econmicas so escassas, corrupo ocorre quando poder poltico usado para gerar riqueza. Apud Adving, 2000, p.12. 13 Ver Drazen (2000), cap. 8.

  • 32

    i) a definio restrita a corrupo pblica, isto , a corrupo que envolve

    necessariamente o setor pblico e o setor privado da economia. Assim,

    no est includa nesta definio a corrupo que intra-setorial, aquela

    que envolve apenas firmas ou apenas representantes do governo;

    ii) por ser utilizado, no andamento do trabalho, o ndice de corrupo

    percebida da Transparncia Internacional, aquelas aes que envolvem o

    recebimento de um benefcio privado pelo servidor pblico, sem

    envolver uma prtica de corrupo, tratada como corrupo;

    iii) tanto o corrupto como o corruptor so agentes econmicos

    maximizadores de sua riqueza. Assim, uma relao de corrupo, alm

    de somente ser estabelecida se houver uma expectativa de recebimento

    de um benefcio monetrio lquido positivo para ambos, uma deciso

    livre e racional dos agentes envolvidos;

    iv) na definio utilizada no distinguida a corrupo poltica da corrupo

    burocrtica. De uma forma sumria pode-se conceituar a primeira como

    sendo a corrupo que envolve o alto poder poltico de um pas na

    criao de leis, regulamentos ou normas, enquanto que a segunda a

    corrupo existente na fase de implementao e fiscalizao das leis,

    regulamentos e normas existentes no pas (Amudensen, 1999). Do ponto

    de vista dos objetivos deste trabalho, como ambas possuem

    conseqncias econmicas, a distino no geraria um ganho maior.

    Alm disto, as pesquisas empricas sobre corrupo no distinguem uma

    da outra, realando a idia de que ambas andam juntas, co-existindo

    dentro de uma mesma estrutura institucional.

  • 33

    2.2.1 Formas de corrupo

    Uma das maiores dificuldades no estudo da corrupo est utilizao e

    diferenciao de termos que esto relacionados com a forma como a corrupo se

    manifesta em uma sociedade. Amudensen (1999) e Andvig (2000) consideram que o

    fenmeno da corrupo envolve, principalmente, a realizao de um dos seguintes crimes:

    a) Suborno: O suborno a manifestao mais concreta da corrupo, consistindo no

    recebimento de um benefcio (geralmente monetrio) por parte do funcionrio pblico em

    troca de um servio ou produto, que favorea determinada pessoa ou empresa. O suborno

    pode ser um valor fixo ou um percentual sobre o ganho proporcionado por ela para o

    ofertante do suborno (representante civil). Por exemplo, por meio do suborno empresas

    podem conseguir favores com fiscais ambientais, fiscais da receita ou com os fiscais da

    alfndega. Podem, tambm, por meio do suborno obter favores polticos como uma

    proteo legal ao seu monoplio, uma proteo de mercado, uma licena de importao ou,

    ainda, obter o acesso a informaes sobre licitaes que esto sendo elaboradas pelo

    Estado na busca de alguma informao.

    b) Desfalque: O desfalque a venda ilegal de recursos pblicos por pessoas que

    possuem a tarefa de administr-los. A principal caracterstica do desfalque o Estado

    sendo roubado pelo seu representante oficial, o qual seu empregado e cujos recursos ele

    deveria administrar, com o objetivo de atender as necessidades do pblico. Do ponto de

    vista legal, Amudensen (1999) no considera o desfalque como sendo corrupo, j que ele

    no envolve, necessariamente, uma transao entre dois indivduos, um representante do

    Estado e outro da sociedade civil14. No entanto, apesar de poder no envolver um

    representante da sociedade civil, o desfalque de recursos pblicos resulta de um abuso do

    poder pblico com o objetivo de obter um benefcio privado, tal qual a definio de

    corrupo apresentada na seo anterior.

    14 O caso do juiz Nicolau no Tribunal do Trabalho de So Paulo pode ser apresentado como um exemplo de corrupo que no envolve o representante da sociedade civil.

  • 34

    c) Fraude: A fraude envolve a participao de algum funcionrio pblico na

    manipulao ou distoro de informaes ou fatos, ou a participao do funcionrio

    pblico em uma farsa, com o objetivo de obter um ganho privado. Ela pode ocorrer quando

    um funcionrio, que responsvel pela execuo de tarefas ou de relatrios, manipula as

    informaes ou, ainda, quando o funcionrio pblico o responsvel pela verificao da

    autenticidade nas informaes prestadas pelo demandante do servio (recurso) pblico. Em

    geral, a fraude est fortemente relacionada com o enriquecimento rpido, ilcito e

    individual.

    d) Extorso: A extorso envolve a extrao de dinheiro ou de outros recursos por

    meio da coero, violncia ou ameaa e, por isto, ela a forma de corrupo que,

    tipicamente, atinge as foras de polcia do Estado15. Ela passa a ser uma forma de

    corrupo quando o agente representante do Estado usa do seu poder para extorquir

    dinheiro de algum representante da sociedade civil, de empresas ou de um representante do

    setor pblico. Ela pode ser usada tanto para vender ilegalmente o bem pblico da

    segurana, tornando-se um pagamento extra que deve ser efetuado regularmente para que a

    parte extorquida no sofra assaltos, roubos ou seqestros ou, ainda, para que o servio

    pblico no seja efetuado como, por exemplo, no caso de um policial que tem uma ordem

    de priso a ser comprida e, ao localizar o indivduo, ele extorque um montante de dinheiro

    com a promessa de no cumprimento da ordem de priso.

    e) Favoritismo: Das formas de corrupo existentes, o favoritismo pode ser

    considerado como o de maior dificuldade de prova, ou mesmo de aceitao como forma de

    corrupo. A dificuldade de aceitar-se o favoritismo como uma prtica de corrupo est

    na ausncia da contrapartida monetria necessria para caracterizar-se a prtica corrupta, j

    que a principal caracterstica do favoritismo est no fato de algum representante do Estado

    15 Apesar da extorso ser a forma mais comum de corrupo na polcia, ela no se restringe somente a polcia, podendo ser encontrados casos no raros de extorso que envolve fiscais, por exemplo, ambientais, de coleta de impostos, da previdncia pblica, entre outros.

  • 35

    usar do seu poder para favorecer membros da famlia ou amigos no acesso a cargos de

    governo, recursos pblicos ou contratos de compra ou venda com o governo.

    Ao favorecer alguma pessoa de sua confiana, o representante do Estado est

    usando de um artifcio para obter benefcios para si prprio, no havendo a transferncia de

    recursos de algum membro da sociedade para o funcionrio pblico. A aproximao do

    favorecimento com a corrupo ocorre pela sua via poltica: o nepotismo.

    Para Amudensen (1999), o nepotismo, ao possibilitar que algum oficial do Estado

    (presidente da repblica, presidentes de tribunais, prefeitos, etc...) indiquem seus familiares

    para posies importantes dos seus departamentos, possibilita que o negcio do governo

    seja confundido com o negcio da famlia, aproximando-se, perigosamente, de uma

    estrutura tpica de mfia. Funcionando como uma mfia, o rgo pblico passa a oferecer

    os servios ou bens pblicos como sendo bens privados, regulados pela tica e valores da

    famlia que est usando o poder pblico para obter um benefcio privado.

    Se difcil encontrar um consenso para a definio do que seja corrupo, no

    menos simples a tarefa de quantificar o grau com que a corrupo ocorre em uma regio

    ou pas. Escndalos relatados em jornais ou registro de crimes contra o patrimnio pblico

    foram os primeiros instrumentos utilizados na construo de um ndice de corrupo.

    Devido a crticas16 de que os resultados fornecidos por estes ndices dependiam

    tanto da capacidade que a imprensa local teria de denunciar os casos de corrupo como de

    uma investigao que realmente comprovasse a corrupo denunciada, a busca por ndices

    de corrupo abandonou esta metodologia e passou a tentar capturar o grau de corrupo

    em um pas por meio dos ndices de risco para investimentos, estimados por agncias

    privadas internacionais, que levantam a percepo de especialistas em determinado pas,

    quanto a incidncia de corrupo nas relaes com o governo. Esta foi a fonte de

    informao sobre corrupo utilizada pelos primeiros trabalhos empricos que tinham por

    objetivo quantificar a relao existente entre corrupo e crescimento.

    16 Cadernos Adenauer (2000) apresenta uma reviso critica dos dados empricos sobre corrupo.

  • 36

    2.3 RESULTADOS EMPRICOS: COMO A CORRUPO AFETA O CRESCIMENTO ECONMICO?

    Empiricamente, somente em 1995, com o trabalho de Paolo Mauro, foi realizada a

    primeira investigao do impacto da corrupo sobre o investimento em uma anlise cross-

    section de pases. O resultado obtido em uma amostra de 67 pases confirma a hiptese de

    que corrupo afeta negativamente a taxa de investimento. Seu trabalho, alm de ter sido

    empiricamente suportado pelos estudos de Keefer e Knack (1995) e Brunetti, Kifuso e

    Weder (1997), abriu as portas para uma srie de trabalhos empricos que tinham por

    objetivo relacionar o ndice de corrupo com variveis econmicas, tais como,

    investimento, crescimento econmico e renda per capita. Uma breve descrio destes

    trabalhos apresentada a seguir.

    2.3.1 Corrupo e taxa de investimento

    O trabalho de Paolo Mauro (1995), Corruption and Growth, tornou-se um texto de

    referncia no esforo de tentar-se estimar os efeitos da corrupo sobre o crescimento

    econmico. Em seu trabalho, Mauro (1995), utilizou como proxy para medir o ndice de

    corrupo as informaes fornecidas pela The Business International Indices of Corruption

    (BI) para 57 pases no perodo de 1971 a 1983. Para seu trabalho, Mauro (1995) partiu de

    nove indicadores de eficincia institucional para formar um ndice de eficincia burocrtica

    a partir da mdia simples dos valores obtidos nas seguintes variveis: judicirio, red tape e

    corrupo. Alm deste ndice, Mauro (1995) formou um segundo ndice para estabilidade

    poltica usando uma mdia dos demais seis indicadores fornecidos pelo BI. Os indicadores

    utilizados foram:

    1) Mudana Poltica-Institucional: possibilidade de mudana no aparato

    institucional do pas, dentro do perodo previsto para a realizao de eleies;

    2) Estabilidade Poltica-Institucional: Conduo da atividade poltica, individual e

    organizada; probabilidade do processo poltico vir a desintegrar-se ou tornar-se violento;

    3) Probabilidade do Grupo de Oposio chegar ao Poder: probabilidade que a

    oposio possui de chegar ao poder durante o perodo de previso;

  • 37

    4) Estabilidade do Trabalho: probabilidade dos trabalhadores paralisarem as

    atividades produtivas;

    5) Relao com Pases Vizinhos: qualidade das relaes econmicas, comerciais e

    polticas com pases vizinhos que podem afetar os negcios da empresa no pas;

    6) Terrorismo: probabilidade que indivduos e empresas possuem de serem vtimas

    de atos de terrorismo;

    7) Sistema Judicirio: eficincia e integridade do ambiente legal e como seu

    funcionamento afeta os negcios das empresas, especialmente as estrangeiras;

    8) Burocracia e Red Tape: o ambiente regulatrio que a empresa enfrenta no pas,

    principalmente quando a empresa est em busca de alguma permisso. O grau no qual o

    ambiente regulatrio representa um obstculo para o desenvolvimento da atividade da

    empresa;

    9) Corrupo: o grau no qual as transaes de negcios envolvem corrupo ou

    pagamentos questionveis.

    A tabela 1 abaixo apresenta o ndice de Eficincia Burocrtica estimado pela mdia

    dos indicadores de corrupo, eficincia do sistema judicirio e burocracia. Neste ndice,

    valores prximos de zero indicam maior presena de corrupo, enquanto valores mais

    prximos de 10 indicam a ausncia da prtica de corrupo nas relaes com o governo.

    Uma simples anlise identifica que pases com maior renda per capita possuem melhores

    instituies que pases com renda per capita menor.

  • 38

    Tabela 1. ndice de Eficincia Burocrtica 1.5 4.5 4.5 5.5 5.5 6.5 6.5 7.5 7.5 - 9 9 - 10

    Egito Arglia Angola Argentina ustria Austrlia

    Gana Bangladesh Rep. Dominicana

    Costa de Marfim

    Chile Blgica

    Haiti Brasil Equador Kuwait Frana Canad

    Indonsia Colmbia Grcia Malsia Alemanha Dinamarca

    Ir ndia Iraque Peru Irlanda Finlndia

    Libria Jamaica Itlia frica do Sul Israel Japo

    Nigria Lenia Coria Sri Lanka Hong Kong

    Paquisto Mxico Marrocos Taiwan Holanda

    Tailndia Filipinas Nicargua Uruguai Nova Zelndia

    Zaire Arbia Saudita Panam Noruega

    Turquia Portugal Singapura

    Venezuela Espanha Sucia

    Trinidad-Tobago

    Sua

    Reino Unido

    EUA

    Fonte: Mauro (1995)

    A estimativa economtrica realizada por Mauro (1995) mostrou que a corrupo

    est negativamente associada com taxa de investimento. O aumento de um desvio-padro

    no ndice de corrupo esteve associado com um crescimento no investimento igual a 2,9%

    PNB. A tabela abaixo resume os resultados obtidos:

  • 39

    Tabela 2. Investimento e Corrupo Constante Corrupo R2 Amostra Tamanho da amostra

    0.125

    (6,63)

    0.017

    (4.41)

    0.18 completa 67

    0.018

    (0.23)

    0.0276

    (2.56)

    --- completa 66

    0.134

    (3.52)

    0.0105

    (2.29)

    0.09 IB >5 45

    0.116

    (4.65)

    0.0138

    (2.63)

    0.23 IB < 5 22

    0.100

    (1.30)

    0.0152

    (1.80)

    0.11 IB > 7 24

    0.140

    (6.30)

    0.0083

    (2.04)

    0.07 IB < 7 43

    Fonte: Mauro (1995)

    Nota: Valores do teste-t entre parnteses.

    2.3.2 Corrupo e taxa de crescimento

    Alguns trabalhos, a partir da segunda metade dos anos 90, tentaram encontrar uma

    relao emprica para corrupo e crescimento econmico. Estes trabalhos, tal qual a teoria

    econmica, tem encontrado resultados conflituosos. Dentre aqueles que obtiveram uma

    relao negativa entre corrupo e crescimento econmico encontra-se Keefer e Knack

    (1995), que obtiveram resultados que identificam uma forte relao negativa entre

    corrupo e crescimento econmico e, mais recentemente, Mo (2001) chegou a resultado

    semelhante, no qual um aumento em 1% no ndice de corrupo levaria a uma reduo de

    0,72% na taxa de crescimento de um pas. Por outro lado, Brunetti, Kisunko e Weder

    (1997), no obtiveram nenhuma relao significativa, enquanto Paldam (1999), apesar de

    ter concludo que existe uma tendncia de que menor corrupo leva a um maior

    crescimento, esta relao fraca e no robusta.

  • 40

    Para o Brasil, Silva (2001) obteve como resultado uma relao negativa entre

    corrupo e produtividade dos fatores de produo. Tal resultado permitiria um

    crescimento em US$ 2.840,81 (dados para 1998) na renda per capita do pas, caso o Brasil

    tivesse um ndice percebido de corrupo prximo do obtido pela Dinamarca.

    Uma crtica feita a estes trabalhos est no fato deles serem simples modelos de

    regresses (Paldam, 1999), incapazes de providenciar um modelo terico que ilumine as

    relaes causais (Lambsdorff, 1999). Por isto, um dos pontos fracos nos trabalhos

    quantitativos existentes que estes no possuem o desenvolvimento de modelos tericos

    que mostrem uma relao de causalidade entre corrupo e renda per capita. Como

    realizados, so simples regresses que apenas apontam a existncia de alguma correlao

    de origem desconhecida.

    2.3.3 Corrupo e qualidade do investimento pblico

    Seguindo na linha de estimar o impacto da corrupo nas variveis econmicas,

    Vito Tanzi e Hamid Davoodi (1997) estimaram por meio de dados cross-section a relao

    existente entre corrupo e qualidade do investimento pblico. O argumento bsico do

    trabalho de Tanzi & Davoodi (1997) que projetos de investimento pblico tendem a ser

    projetos que envolvam um grande volume de recursos, cuja execuo, geralmente, feita

    por uma empresa nacional ou estrangeira contratada. Assim, h uma necessidade de

    escolher a empresa que ser responsvel por desenvolver o projeto de investimento. Para a

    empresa privada, a obteno do direito de executar a obra geralmente est associada com

    ganhos extremamente lucrativos, de tal forma que, os diretores desta empresa possam

    desejar pagar uma comisso para os representantes do governo, para ter o direito a uma

    ajuda necessria para vencer a licitao17.

    Os funcionrios pblicos envolvidos no processo de confeco da licitao sabem

    que a comisso , geralmente, um percentual do custo total da obra, tendo um incentivo

    para aumentar o tamanho do projeto (incentivo para a construo dos elefantes brancos),

  • 41

    a fim de obter uma comisso maior. J o pas, dever pagar um custo maior pelo projeto

    especificado do que pagaria, caso no houvesse a presena de corrupo ou ter pago por

    um projeto de qualidade inferior que gerar no futuro altos custos na realizao de reparos

    e manuteno de desgastes prematuros18.

    Para estimar a relao existente entre corrupo e investimento pblico e entre

    corrupo e qualidade da infra-estrutura, Tanzi e Davoodi (1997) utilizaram o

    International Country Risk Guide (ICRG) cobrindo o perodo de 1982 a 1995 que,

    dependendo do ano, fornece informaes entre 42 a 95 pases. De uma forma geral, as

    principais diferenas entre este ndice e o ndice BI de corrupo utilizado por Mauro

    (1995) esto na escala que vai de 0 (mais corrupto) at 6 (menos corrupto) e na forma

    como captada a prtica de corrupo: no ndice BI, corrupo indicada como sendo o

    grau no qual as transaes de negcios envolvem corrupo ou pagamentos questionveis,

    enquanto que no ndice ICRG corrupo indica que altos funcionrios do governo

    demandam pagamento especial e pagamentos ilegais so esperados por funcionrios do

    menor escalo do governo na forma de pagamento de propina ou suborno para a venda de

    licenas especiais de importao, controle de cmbio, controle policial ou emprstimo.

    Por sua vez, para estimar o impacto da corrupo na qualidade do investimento

    pblico, Tanzi & Davoodi (1997) utilizaram os seguintes indicadores para qualidade da

    infra-estrutura.

    a) Rodovias pavimentadas em boas condies de uso como percentual do total de

    rodovias pavimentadas;

    b) Desperdcios de energia eltrica como um percentual do total de energia gerada;

    c) Falhas nas telecomunicaes, nmero de tentativas de conexo que no

    resultaram em sucesso;

    17 Segundo Tanzi & Davoodi (1997, p. 6), em alguns pases permitido legalmente que as empresas deduzem do imposto devido a quantia paga como comisso para a obteno do direito de executar uma obra no exterior

  • 42

    d) Perda de gua como um percentual da proviso total de gua (perdas de pipas,

    quebras nas tubulaes, ligaes clandestinas em residncias e comrcio);

    e) Trens a diesel em uso como percentual do total em estoque.

    Os resultados obtidos foram os seguintes:

    a) Corrupo e investimento pblico: A hiptese testada , tudo o mais

    constante, maior corrupo est associada com maior investimento

    pblico. A tabela 3 abaixo apresenta os resultados.

    Tabela 3. Os efeitos da corrupo no investimento pblico, 1980-95 Variveis Independentes 1 2 3

    Constante 6,75 (23,4) 6,47 (19,5) 4,41 (13,9)

    ndice de corrupo 0,38

    (8,97)

    0,27

    (4,15)

    0,48

    (7,48)

    PNB real per capita ---- -0,71

    (-2,94)

    -1,21

    (-5,18)

    Receita do Governo/ PNB ---- ---- 0,13

    (12,6)

    R2 ajustado

    0,069 0,082 0,207

    Fonte: Tanzi & Davoodi (1997) Nota: A coluna 1 apresenta os resultados para a amostra mundial A coluna 2 apresenta os resultados para a sub-amostra dos pases em desenvolvimento. A coluna 3 apresenta os resultados para os pases da OECD.

    18 No caso brasileiro, os diversos casos de estradas asfaltadas que necessitaram de recapeamento logo aps a sua finalizao um exemplo de como uma obra que participou por uma licitao corrupta gera custos

  • 43

    Como observado, a relao existente positiva e significante em todos as amostras,

    indicando que a hiptese testada no pode ser rejeitada. Se maior corrupo est

    relacionada com maior investimento pblico ento, provavelmente, corrupo esteja

    relacionada com maior participao do Estado na economia.

    b) Corrupo e receita do governo: A hiptese testada , tudo o mais constante,

    maior corrupo est associada com menor receita do governo. Os resultados esto

    apresentados na tabela 4, abaixo:

    Tabela 4. Efeitos da corrupo sobre a receita do governo, 1989-95 Variveis Independentes 1 2

    Constantes 9,99

    (12,1)

    12,9

    (13,7)

    ndice de corrupo -2,51

    (-20,4)

    -1,71

    (-9,28)

    PNB real per capita ----- 3,73

    (5,34)

    R2 ajustado 0,272 0,28

    Fonte: Tanzi & Davoodi (1997)

    Para todas as amostras, Tanzi & Davoodi (1997), obtiveram resultados que no

    permitem rejeitar a hiptese de existncia de uma relao inversa para o nvel de corrupo

    e receita do governo. Estes resultados revelam o efeito perverso da corrupo nas contas

    pblicas: ao mesmo tempo, a corrupo tende a inchar os gastos pblicos e reduzir a

    arrecadao tributria, levando o pas para a trajetria do endividamento.

    adicionais para o governo e, de forma indireta, para o contribuinte.

  • 44

    c) Corrupo e gastos em operaes de manuteno: A hiptese aqui testada ,

    tudo o mais constante, maior corrupo est associada com menor gasto em operaes de

    manuteno. A tabela 5 apresenta os resultados obtidos:

    Tabela 5. Efeitos da corrupo sobre o gasto em operaes de manuteno Variveis Independentes Mundo OECD Desenvolvimento

    Constante 72,9

    (8,15)

    -20,2

    (-0,558)

    84,2

    (7,08)

    ndice de corrupo -3,54

    (-2,69)

    -14

    (-3,53)

    -1,24

    (-0,57)

    R2 ajustado 0,006 0,037 -0,01

    Fonte: Tanzi & Davoodi (1997)

    Os resultados da tabela 5 indicam que um maior ndice de corrupo est associado

    com um menor gasto em operaes de manuteno, podendo-se rejeitar a hiptese a 1% de

    significncia somente para a sub-amostra dos os pases em desenvolvimento.

    d) Corrupo e qualidade do investimento pblico: A hiptese aqui testada ,

    tudo o mais constante, maior corrupo est associada com menor qualidade de infra-

    estrutura. A tabela 6, abaixo, resume os resultados obtidos por Tanzi e Davoodi (1997):

  • 45

    Tabela 6. Corrupo e qualidade da infra-estrutura, 1980-1995

    Variveis Independentes Constantes ndice de corrupo R2 ajustado N

    Rodovias pavimentadas

    em boas condies

    19,2

    (4,97)

    -3,84

    (-5,40)

    0,052 513

    Perda de energia 18,7

    (27,7)

    1,1

    (8,69)

    0,07 997

    Falhas nas

    telecomunicaes

    97,6

    (6,93)

    4,17

    (1,63)

    0,007 241

    Perda de gua 43,8

    (6,89)

    2,25

    (1,86)

    0,089 26

    Trens a diesel em uso 47,1

    (7,45)

    -3,66

    (-3,80)

    0,17 67

    Fonte: Tanzi & Davoodi (1997)

    Os resultados das regresses apresentadas na tabela 2 evidenciam que elevado

    ndice de corrupo est associado com alto investimento pblico, no entanto, os resultados

    da tabela 6 relacionam corrupo com baixa qualidade do investimento pblico para o

    setor de telecomunicaes, rodovias e transporte ferrovirio. Dessa forma, os custos da

    corrupo so sentidos no somente na reduo do crescimento econmico, mas tambm

    na baixa qualidade de infra-estrutura existente no pas.

    2.3.4 Corrupo e inflao

    A relao existente entre corrupo e inflao apresentada pioneiramente por Al-

    Marhubi (2000), em seu trabalho so apresentados os seguintes argumentos que poderiam

    explicar a relao existente entre corrupo e inflao: i) segundo a teoria da taxao

    tima, governos podem ter um motivo para criar inflao, como por exemplo, para gerar

    seigniorage. Alm disto, a evaso e os custos para coletar os impostos podem tornar timo

    para o governo depender do imposto inflacionrio como fonte de receita do governo.

    Segundo Al-Marhubi (2000), claramente, os pases com maior ndice de corrupo so os

    mesmos que possuem a maior evaso fiscal e os maiores custos de arrecadao; ii) a fuga

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    dos empresrios para o comrcio ilegal, como resposta a corrupo dos fiscais

    representantes do governo, refora a dependncia do imposto inflacionrio e, iii) por

    reduzir as receitas do governo e aumentar o gasto pblico, corrupo pode contribuir para

    o crescimento dos dficits fiscais, o qual pode ter conseqncias inflacionrias para os

    pases com mercados financeiro menos desenvolvidos.

    Usando dados de corrupo percebida da Transparncia Internacional, e da

    Business International (BI), Al-Marhubi (2000) obteve resultados que confirmam a relao

    negativa entre corrupo e inflao. Todos os indicadores de corrupo apresentaram sinais

    negativos e estatisticamente significantes, sugerindo que, tudo o mais constante, pases

    com mais corrupo experimentam maior taxa de inflao. A tabela abaixo resume os

    resultados obtidos:

    Tabela 7. Corrupo e inflao Variveis Independentes 1 2

    Constante 3.32 (2,97) 3.38 (3,29)

    Abertura Comercial -2.78e-03 (2,01) -2.96E-03 (2,47)

    Renda per capita -0.06 (0,37) 7.75E-03 (0,05)

    Instabilidade no Banco Central 3.44 (4,86) 3.86 (5,75)

    Corrupo -0.17 (2,87) - 0.22 (2,82)

    Fonte: Al-Marhubi (2000) Nota: Regresso 1 utilizou o ndice de corrupo da TI para os anos de 1988 a 1992. Enquanto que a regresso 2 utilizou dados da BI para os anos de 1980-83.

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    2.4 CONSIDERAES FINAIS

    Corrupo um fenmeno que inclui uma enorme diversidade de atos, com

    variao nfima, que vo desde simples desvios de conduta, como uma trapaa, logro, um

    ganho ilcito, at a presena do crime organizado em diversos nveis da administrao

    pblica. Para este trabalho corrupo , mesmo que no exclusivamente, um fenmeno

    econmico. Por ser tratado como algo que pertence ao mundo dos negcios, os conceitos

    apresentados neste captulo so aqueles centrados no mercado.

    Assim, corrupo aqui tratada envolve um tipo particular de corrupo, aquela que

    existe quando da compra de favores e direitos, por parte de algum representante da

    sociedade civil, de burocratas responsveis pela formulao ou administrao de polticas

    econmicas. So exemplos deste tipo de corrupo a liberao de verbas para

    investimentos, a obteno de uma licena para importao, a classificao do produto

    importado de forma a evitar o pagamento de impostos e taxas, a obteno de licena que

    permita a ampliao da capacidade de produo, a obteno de uma proteo comercial,

    etc...

    , justamente, na conceituao do que seja corrupo que a literatura econmica

    comea a contribuir diretamente para o avano da pesquisa sobre este tema. Ao dizer que a

    corrupo um ato livre e racional, fruto de um processo de maximizao, tanto por parte

    do corrupto como do corruptor, a economia est possibilitando que a ela no seja analisada

    simplesmente como um fenmeno ligado a preceitos tico-moralistas, como juzo de valor,

    de fundo cultural ou ideolgico, como uma patologia social ou poltica, mas permite que

    ela seja analisada como conseqncia natural de uma estrutura de incentivos fornecida pela

    regulamentao do Estado e pela estrutura de concorrncia do mercado.

    Ao contrrio do pensamento dos anos 60, corrupo no um acelerador do

    crescimento econmico. Pensar desta forma dizer que o crime compensa, aceitar que

    um governo (ou os seus representantes) roube porque ele faz. Aceitar a corrupo como

    um instrumento do mercado par