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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI REGINA BARBOSA RAMOS PROCEDIMENTOS COLETIVOS EM DESIGN DE MODA E TÊXTEIS: RESISTÊNCIA, ATIVISMO E ATIVAÇÃO TESE DE DOUTORADO DOUTORADO EM DESIGN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU São Paulo, maio, 2019

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

REGINA BARBOSA RAMOS

PROCEDIMENTOS COLETIVOS EM DESIGN DE MODA E TÊXTEIS:

RESISTÊNCIA, ATIVISMO E ATIVAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

DOUTORADO EM DESIGN

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU

São Paulo, maio, 2019

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

REGINA BARBOSA RAMOS

PROCEDIMENTOS COLETIVOS EM DESIGN DE MODA E TÊXTEIS:

RESISTÊNCIA, ATIVISMO E ATIVAÇÃO

TESE DE DOUTORADO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em

Design – Doutorado, da Universidade Anhembi Morumbi, como requisito

parcial para obtenção de título de Doutor em Design.

Orientador: Prof. Dr. Gilberto dos Santos Prado

São Paulo, maio, 2019

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UNIVERSIDADE ANHEMBI MORUMBI

REGINA BARBOSA RAMOS

PROCEDIMENTOS COLETIVOS EM DESIGN DE MODA E TÊXTEIS:

RESISTÊNCIA, ATIVISMO E ATIVAÇÃO

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto

Sensu – Doutorado em Design da Universidade Anhembi

Morumbi, como requisito parcial para obtenção do título de

Doutora em Design. Aprovada pela seguinte Banca

Examinadora:

Prof. Dr. Gilberto dos Santos Prado Orientador

Universidade Anhembi Morumbi

Prof. Dr.: Emílio José Martinez Arroyo Universitat Politécnica de València (UPV)

Profa. Dra.: Rosane Preciosa Sequeira

Instituto de Artes e Design da Universidade Federal de Juiz de Fora (IAD/UFJF)

Profa. Dra.: Mirtes Cristina Marins de Oliveira

Universidade Anhembi Morumbi

Profa. Dra.: Suzette Venturelli Universidade Anhembi Morumbi

Profa. Dra. Monica Baptista Sampaio Tavares

Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP)

Profa. Dra. Priscila Almeida Cunha Arantes Universidade Anhembi Morumbi

Prof. Dr. Sérgio Nesteriuk Gallo

Coordenador do PPG-Design Anhembi Morumbi Universidade Anhembi Morumbi

Prof. Dr. Milton Sogabe

Vice-Coordenador do PPG- Design Anhembi Morumbi

Universidade Anhembi Morumbi

São Paulo, maio, 2019.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do

trabalho sem a autorização da universidade, do autor e do orientador.

REGINA BARBOSA RAMOS

Mestre em Design pela Universidade

Anhembi Morumbi, Bacharel em

Negócios da Moda com Habilitação

em Design de Moda pela mesma

IES. Docente nos Bacharelados em

Moda da Universidade Anhembi

Morumbi e STEAM Professor na

Escola Antonieta e Leon Feffer – Alef

Peretz, em São Paulo, Brasil.

Coordenadora de criação do

LabModAR desde 2017.

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DEDICATÓRIA

Para Flavio, meu ninho. Para Theodora e Francisco, minhas asas.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço a Universidade Anhembi Morumbi pelo financiamento desta pesquisa, por

meio da Bolsa de Estudos Institucional, Modalidade Integral que me foi concedida. O

presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento

Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES) – Código de Financiamento 001.

Muito cedo meu pai me ensinou sobre fé, oriunda da mistura de pragmatismo e

esperança da qual são capazes as pessoas que creem no sucesso, desde que

estejam presentes o trabalho e o conhecimento. Obrigada, Seu Nelsinho, por esse

exemplo e pelo estímulo.

Sou profundamente grata às equipes do Museu Internacional da Resistência e

Solidariedade Salvador Allende e da Fundação Salvador Allende, nas pessoas das

Senhoras Caroll Yasky e Carla Hernández, por nossas trocas de informação, por se

disporem a me receber e o fornecimento do material para a realização da presente

tese.

Aos Hombres Tejedores, na pessoa de Ricardo Higuera, agradeço por oferecer dados,

imagens e o belo olhar sobre o fazer juntos.

À Debora Quaresma, por me ajudar a encontrar o conceito da palavra

“confiança”, fiar e tecer juntos, acreditando que resultará. Tecemos juntos.

Ao Flavio, parceiro amoroso e crítico severo, agradeço por proporcionar inclusive os

momentos de solidão necessária e compreender – e incentivar – o turbilhão em que

nossa vida se transformou.

À Alba, à Joanna, à Thenedina, que me deram linha, agulha e tecido e me embalaram

ao som de suas máquinas de costura.

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À Maria Dulce, que além de me oferecer a beleza das habilidades manuais, recheou

minha vida de livros.

À muy querida Adriana Martinez por sua anárquica acolhida e o desafio constante de

suas perguntas, e tudo isso – que sorte a minha! – coberto de amor.

À Eloize Navalon, professora, amiga, colega de trabalho e “chefa” – de braços abertos

para dialogar.

Ao Felipe Guimarães, meu amigo de todas as horas, em quem eu confio e com quem

eu fio, inclusive conversas fiadas.

À Priscila Curce, antes de ser coletiveira e metade do NaLã, amiga, artista, ativista

com quem a conversa doce sempre parece uma tessitura.

À Fernanda Quilici, que encontrou seu caminho para estar presente na tese, mas nos

bastidores é mais presente ainda. Cada uma em um lado do do mundo, tecemos

juntas com linhas infinitas.

Agradeço aos amigos “ilhotas” pelas trocas de mensagem intermináveis que

proporcionavam alívio durante as pesquisas, as dúvidas tiradas, as indicações de

bibliografias e pessoas com quem conversar.

Ao meu orientador, Gilberto Prado, pela paciência, resistência, resiliência e os

insights. Por topar esse diálogo e estar presente na hora certa.

E por último, mas não menos importante, à equipe do LabModAR, que acredita que

podemos e que contribuiu, além de tudo, com os bordados que abrem as sessões

dessa peça. Agradeço especialmente aos meus parceiros diretos, Henrique Campos

e Linda Jade, por sua disposição, disponibilidade, empenho, e pelo carinho.

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Luchar em un grupo es mucho más sencillo. Em soledade no hubiéramos podido

conseguir nada.

(Estela de Carlotto, Avó da Plaza de Mayo)

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RAMOS, Regina Barbosa. Procedimentos Coletivos Em Design De Moda E Têxteis: Resistência, Ativismo E Ativação [tese]. São Paulo: Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Doutorado em Design, Universidade Anhembi Morumbi; 2019.

RESUMO

Essa tese se constrói no entorno dos artefatos têxteis desviados da sua utilidade

esperada e usados como meio: de resistência, ativismo ou ativação. Para artefatos de

resistência são adotados objetos que se desviam de tal modo de seu uso inicial que

se tornam símbolo da sua causa. O ativismo têxtil é abordado tanto a partir dos

artefatos quanto pela ação. Abordamos o yarnbombing como intervenção para tomada

de posição e a produção têxtil em público como formação de uma área de diálogo.

Quanto à ativação pelo Design de Moda, orientamos nossa leitura pela produção

coletiva, sustentável, que repensa os meios de produzir artefatos, tornando

transparentes os processos e sugerindo ao consumidor uma necessária

reestruturação econômica contemporânea que perpassa as relações com o consumo

de modo geral. Tais desvios de uso são abordados a partir da adoção de três modelos

conceituais, tomados de empréstimo das artes visuais (a área de Diálogo de Maurício

Ianês e as 5 Peles do Homem de Hundertwasser) e da literatura (as ideias melhores

de Amós Oz) que nos auxiliam a desenhar procedimentos práticos para o

desenvolvimento de projetos em Design de Moda que possam ser colaborativos, co-

criativos e desenvolvidos em coletivo, e em que o designer possa reconhecer a si

como materializador de modos de existência, engajado em processos e projetos que

produzam, além de objetos, áreas em que seja possível dialogar e, assim, projetar um

ambiente ético e sustentável para sua existência pessoal, profissional e em

comunidade. Por fim, apresentamos a experiência do LabModAR, iniciativa coletiva e

fundamentada no diálogo e na experimentação, coordenada por esta autora, em que

se visa exercitar procedimentos éticos e dialógicos em Design de Moda por meio dos

projetos que encampa.

PALAVRAS-CHAVE: Design; Design de Moda; Resistência; Ativismo; Ativação;

Diálogo.

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RAMOS, Regina Barbosa. Collective Procedures in Fashion Design and Textiles:

Resistance, Activism and Activation [thesis]. São Paulo: Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu – Doutorado em Design, Universidade Anhembi Morumbi; 2019.

ABSTRACT

This thesis is built around textile artifacts that had their expected use deviated and

started to be used as medium: of resistance, activism or activation. As artifacts of

resistance were adopted objects that were deviated from their initial use in a certain

way, so they became the symbol of a cause. The approach to textile activism happens

from both artifacts and actions. We take the yarnbombing as intervention that provides

positioning and the public textile production as the conformation of an area for

dialogue. As we speak of activation by Fashion Design, we guide our reading through

the collective sustainable production, re-thinking the means to build artifacts, making

processes more transparent and suggesting to the consumer to necessarily re-

structure contemporary economic relations with the general idea of consumption. Such

deviations of use are approached from the adoption of three conceptual models,

borrowed by us from the visual arts ( Mauricio Ianês’ area of Dialogue and

Hundertwasser’s 5 Skins of the Human Being) and from literature (Amos Oz’s better

ideas) that help us to design practical procedures for the development of projects in

Fashion Design that can be collaborative, co-creative and developed in a collective,

and in which the designer can recognize him or herself as a materializer of modes of

existence, engaged in processes and projects that produce, in addition to objects,

areas in which it is possible to dialogue and, thus, to design an ethical and sustainable

environment for their personal, professional and community existence. Finally, we

present the experience of LabModAR, a collective initiative based on dialogue and

experimentation, coordinated by this author, which aims to exercise ethical and dialogic

procedures in Fashion Design through its projects.

KEYWORDS: Design; Fashion Design; Resistance; Activism; Activation; Dialogue.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 11

Capítulo 1. TRÊS MODELOS CONCEITUAIS EM UMA REDE 23

1.1 Hundertwasser: Humanos E Suas Peles 23

1.2 Maurício Ianês: Área De Diálogo Como Espaço De Formulação Do Novo 30

1.3 Amós Oz: Sujeitos Peninsulares E O Continente de Ideias Melhores 33

Capítulo 2. TÊXTEIS PARA A RESISTÊNCIA: O PRIVADO TORNADO POLÍTICO 40

2.1 Resistência 44

2.2 Arpilleras: Retratos Do Cotidiano Sob A Ditadura No Chile 46

2.3 Corpos Ausentes: Os Pañuelos Das Mães Da Praça De Mayo 56

2.4 Zuzu Angel: A Moda Usada Para Denunciar A Ditadura No Brasil 65

2.5 Quando Não Há Diálogo 71

Capítulo 3. AÇÕES COLETIVAS DE ATIVISMO TÊXTIL 72

3.1 Yarnbombing 78

3.2 Reuniões Públicas De Trabalho De Agulha: Os Coletivos Em Ação 87

Capítulo 4. ATIVAÇÃO PELO DESIGN: COLABORAÇÃO E CO-CRIAÇÃO 98

4.1 Desenvolvimento Coletivo De Projetos De Design 106

4.2 O Design De Moda Como Continente De Ideias Melhores 112

Capítulo 5. RELATO DE EXPERIÊNCIA: O LABMODAR 126

5.1 Precedentes 126

5.2 Projeto Pérola: Moda e Resiliência 129

5.3 LabModAR: Laboratório De Moda Para A Mudança 166

5.4 LabModAR e O Oceano Entre Nós 182

CONSIDERAÇÕES FINAIS 192

REFERÊNCIAS 199

ANEXOS 208

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INTRODUÇÃO

A presente tese propõe a formulação de um procedimento dialógico no

desenvolvimento de projetos em Design (de Moda) de caráter coletivo, co-criativos

e/ou colaborativos.

Essa proposta é realizada a partir da adoção e desenho de modelos conceituais, que

posicionam o designer como um sujeito conectado ao usuário, inserido em uma

sociedade, formulador de sentidos e propõe ao profissional que tome posição

enquanto ativador de conteúdos e participante de um diálogo. Falar em um

procedimento dialógico é trazer à tona uma metodologia de trabalho que prima pela

polifonia e a descentralização do papel do autor como protagonista do projeto. Ao

adotar tal proposta, estão presumidas as relações heterarquizadas na concepção e

materialização dos projetos, e a multiplicidade de vozes e olhares.

Sua aplicação ao Design de Moda não é inédita, mas nossa abordagem se diferencia

do que é encontrado na atualidade em publicações a respeito do tema, no que tange

à formação dos grupos, sem diferenciação entre designers e artesãos. O grupo

explorado/observado por nós é bastante heterogêneo, com participantes hábeis e

treinados em maior ou menor grau, porém todos se encontram em ponto de aprender

mais alguma coisa. Não estamos falando apenas de técnica. Às vezes, trata-se

inclusive de libertar-se da técnica e do “bem fazer”.

A bibliografia encontrada até o momento trata de design dialógico como exercício de

complementaridade, princípio refutado por nossa prática. Se consideramos a

complementaridade como encontro (na outra parte) daquilo que se ausenta (nesta

parte), não falamos em polifonia, nem em sobreposição de sentidos, mas em

justaposição, ordem e hierarquia. As relações dialógicas são, para o Design e em

nossa experiência, a partir da leitura de Mikahil Bakhtin (2016), heterárquicas,

descentralizadas e propensas à evidenciação da formação de parcerias entre sujeitos-

autores. Ou seja, a relação autor-executor, na proposição dialógica, demanda sentido.

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Ao designer alinhado com o projeto dialógico, é solicitado que reconheça a sua

posição de usuário e assuma suas causas, sabedor do seu papel de materializador

de modos de existência. Entendem-se os modos de existência como uma categoria

apartada dos estilos de vida, sendo a primeira associada ao que Zygmunt Bauman

(2003) denomina de comunidade ética em contraposição à comunidade estética, no

contexto aqui delineado associada às aparências. Um sujeito que pauta suas ações e

atuações a partir de tais escolhas, é entendido, dessa forma, como um potencial

ativista.

Trata-se de um contexto específico, de têxteis e de Moda e de um momento – atual -

em que se muda a mirada para os produtos desses meios. Busca-se relacionar a

produção do que vai ser denominado como artefato têxtil de resistência (cujos

parâmetros de definição serão abordados adiante) para relacionar aos problemas de

Design de Moda reconhecidos no contemporâneo e que são oriundos de

questionamentos relativos à sustentabilidade, ética, política, economia e que fazem

necessário desmantelar um Sistema de Moda ainda em vigor, mesmo que – diante

das novas demandas éticas – em condução questionável. Contudo, estar em posição

sensibilizada e questionada é justamente aquilo que torna o meio passível de

reinvenção.

Assim, desenha-se essa tese em cinco capítulos, em que, no primeiro são

apresentados os modelos conceituais eleitos, desenvolvem-se as leituras e recortes

sobre os mesmos para, por fim, apresentar a abordagem proposta. São eles as Peles

do Homem de Hundertwasser, a Área de Diálogo de Maurício Ianês e o Sujeito

Peninsular de Amós Oz. Tomam-se duas proposições visuais e uma ensaística

propositalmente. Se o que se deseja é formular um pensamento para um ambiente

em transformação e para o qual as soluções apresentadas não bastam, há que se

desviar o olhar para outras maneiras de construir o pensamento que levará a ações

inovadoras.

O segundo capítulo apresenta o que se entende por produção têxtil de resistência, em

que os artefatos produzidos para uso privado têm, em algum momento, sua finalidade

desviada para tornar-se bandeira – no sentido em que se tornam símbolos visuais

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representativos de ação política, normalmente com efeito de denúncia. Os artefatos

eleitos foram produzidos por mulheres de três países da América Latina, durante as

ditaduras em seus países entre os anos 1960 e 1990, a mencionar as arpilleras

produzidas no Chile durante o regime de Pinochet, os pañuelos das Mães da Plaza

de Mayo na Argentina e a coleção denúncia desfilada pela brasileira Zuzu Angel. Este

último é o único exemplo de autor evidenciado.

No terceiro capítulo, são apresentadas ações coletivas de ativismo têxtil, em que o

produto e a produção são ambos parte da ação política, apartidária. É eleita a prática

do yarnbombing, ação disruptiva não destrutiva e propositora de diálogo, o estudo

sobre “ataques” levados a efeito por alguns grupos em São Paulo, Brasil, como esses

grupos se organizam e com quais intentos. Sobre os grupos, também são investigadas

as reuniões públicas de tessitura, adotadas como prática ativista. Para ilustrar, tomam-

se, inicialmente, os Coletivos NaLã, Meiofio (ambos de São Paulo, Brasil) e Hombres

Tejedores, este último, formado por homens, com sede em Santiago (Chile) e cuja

discussão maior permeia a identidade de gênero.

O quarto capítulo é dedicado à retomada dos modelos conceituais para a construção

da proposta de procedimentos de projetar/produzir/proceder em Design que sejam

ativadores de diálogos e ativistas, no sentido em que defendem causas. Essa proposta

aborda principalmente os modos de fazer entendidos como colaborativos e/ou co-

criativos e então, no quinto capítulo, vaise utilizar o relato da experiência realizada no

LabModAR (ex- Moda e Resiliência Coletivo de Design de Moda) para os Projeto

Pérola e The Sea Between Us.

Revisão Bibliográfica

Apresentamos a seguir os autores cujos trabalhos e discussões foram relevantes para

moldar o alinhamento conceitual sobre o qual se formulam os procedimentos aqui

propostos e observados.

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Em nossa dissertação de Mestrado1, já havíamos tratado da interdisciplinaridade

como característica intrínseca ao Design, entendida por nós como área agregadora e,

dessa maneira, formada por múltiplas informações, cujo corpus teórico fundamental é

oriundo de diversas áreas, sendo as principais as Artes (com a Arquitetura como abre-

caminhos) e as Ciências Sociais2. São áreas a que se denominam “humanidades” e

com elas trabalharemos.

A inquietação geradora da presente pesquisa é nascida da prática profissional, como

designer de Moda e como docente do Bacharelado em Design de Moda. Assim, em

sua primeira versão, o que foi apresentado tinha por mote um projeto realizado por

nós, implantado há quase uma dezena de anos e que, em sua construção despertou

a necessidade de responder a questões relacionadas à sustentabilidade em seu pilar

ambiental, ética e inclusão social - que já estavam latentes e despertavam demandas.

A maior delas, à nossa percepção, era que fosse realizado um questionamento a

respeito do próprio Design de Moda.

Não éramos os únicos atentos a essas questões e muitos foram os eventos

observados nas primeiras décadas do século XXI3 que propiciaram a publicação de

livros que abordam o Design de Moda e a Sustentabilidade. Cabe lembrar que o uso

de recursos materiais certificados e provenientes de cultivo orgânico, ou a substituição

do material industrializado por natural não faz o produto, o processo ou o projeto

automaticamente “verde”, e, principalmente, ser “verde” às vezes é o que menos

importa. Um projeto sustentável tem por premissa, sim, o uso consciente de recursos

1 “O Vestido da Reforma, design e interdisciplinaridade” – Dissertação de Mestrado (PPG Design

– Universidade Anhembi Morumbi) defendida em Fevereiro de 2009, cujos trabalhos foram

orientados pela Profa. Dra. Rosane Preciosa. 2 Sabemos que as Ciências Exatas também contribuem - e muito - para a construção dos discursos e para a viabilização dos projetos em Design, mas nosso olhar se dá por meio das “humanidades”. (Nota da Autora) 3 A mencionar: as inúmeras notícias relacionadas a marcas de operação mundial envolvida em trabalho similar à escravidão, o desabamento em 2013, do edifício Rana Plaza, localizado em Bangladesh, em que funcionavam sweatshops (oficinas de suor, como são conhecidas as pequenas confecções que empregam em condições no mínimo “desfavoráveis” mão-de-obra mal-paga, que trabalha por um prolongado número de horas e que, muitas vezes, vive no lugar em que desempenha suas funções. Grande parte das pessoas que são empregadas nessas oficinas trabalha na informalidade, ou é imigrante em situação irregular. Essa situação não é exclusiva dos países da Ásia, estende-se por todo o globo, mas especialmente nos países em desenvolvimento. No Brasil, é conhecido o Bairro do Bom Retiro, com suas oficinas de fundo de loja, empregando sobretudo imigrantes bolivianos).

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materiais – que pode gerar soluções relacionadas à proveniência ou à destinação dos

mesmos, perpassando o máximo aproveitamento para que não sejam gerados

resíduos, por exemplo - mas trata também de responsabilidade social e de realizar

projetos economicamente viáveis, em que as trocas financeiras sejam justas.

A respeito da Sustentabilidade, a leitura inicial é Nosso Futuro Comum (1987), ou

Relatório Brundtland, resultante das discussões da Comissão Mundial Sobre Meio-

Ambiente e Desenvolvimento. Apresentando uma visão crítica sobre os riscos de dar

continuidade à produção maciça de bens de consumo sem se preocupar com a

renovação de recursos e as relações entre ser humano e meio-ambiente, o documento

propõe modelos de continuidade de crescimento econômico a partir da instauração da

conciliação entre as questões ambientais e sociais.

A partir da mirada mais ampla, faz-se um recorte para o Design de Moda Ético e

Sustentável, em que as principais autoras são Fletcher e Grose (2011), Gwilt (2014) e

Salcedo (2014), e em cujas obras, além de abordar os valores desejáveis para a

formação de um campo de trabalho a partir de práticas sustentáveis, são trazidos

exemplos de aplicações das mesmas em diferentes âmbitos, contextos e com o

encontro de soluções as mais variadas, para a produção de resultados bastante

distintos.

O Design e o designer de Moda formados sob tais leituras evidenciam que as práticas

profissionais tradicionais – como apresentadas em O império do Efêmero, publicado

no Brasil em 1987 e de autoria do filósofo francês Gilles Lipovetsky – encontram

dificuldade de funcionar em uma estrutura surgida da ruptura com os paradigmas da

área. O designer de Moda contemporâneo opera em uma lógica fundamentalmente

diversa daquela em que habita o estilista (produtor de coleções sazonais, “inspiradas”

em um tema e resultante de uma pesquisa de tendências, visando atingir um público-

alvo, ou produtor de coleções de peças de roupas realizadas com excedentes de

matérias-primas da indústria), e também do costureiro dos séculos XIX e XX (com

seus pequenos ateliês, e poderes sobre a aparência de suas clientes, nos casos mais

abastados, ou, nos casos mais modestos, os fazedores de vestidos por encomenda).

Suas preocupações vão além da construção da aparência e de um fazer do vestir para

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cobrir o corpo. O objeto de Design de Moda concebido sob a égide da ética e da

sustentabilidade toma este suporte-roupa como passaporte para um convívio social,

corroborando com a proposta de segunda pele de Hundertwasser (RESTANY, 2008),

em seu modelo conceitual das peles do Homem.

Sobre este artista e seu modelo, desdobraremos nossos comentários adiante, mas a

adoção da leitura de sua obra sugere um mapa de afinidades entre os assuntos aqui

abordados e a Sociologia, área das ciências humanas que estuda os processos de

interligação entre os sujeitos em associações, grupos e/ou instituições.

Para trazer luz a essa relação, tomou-se a leitura de Zygmunt Bauman em

Comunidade (2003) e, posteriormente, Identidade (2005). A primeira obra nos pareceu

a escolha coerente, ao tratarmos da construção de comunidades em que a ética é

fator fundamental, uma vez que, em grande parte do nosso trabalho, são abordadas

as produções coletivas de cunho político apartidário. A leitura da segunda obra fez-se

necessária a fim de compreender como os indivíduos se engajam nas comunidades

sem que esses fatores de pertencimento derivem no apagamento das vontades

individuais.

A fim de apontar qual abordagem faremos sobre política, convidamos à nossa rede

Amós Oz4. Conhecido como autor de literatura, nos últimos anos – especialmente

depois do atentado às Torres Gêmeas em Nova York – Oz tem se dedicado a trazer

à luz proposições para lidar com conflitos. Em um exercício de construção de

analogias, e sabendo que o Design de Moda como está estabelecido não permite o

entendimento de atividade projetual de pessoas, com pessoas e para pessoas,

percebe-se que é preciso que administrar e debelar um conflito. Eliminar más ideias

e, então, propor ideias melhores. De maneira ampla, Oz sugere quatro pontos que

desestabilizam conflitos e trazem os envolvidos a um terreno comum, em que não é

possível a beligerância. São eles a arte, a empatia, o humor e o diálogo. Ora, se

tentamos aplicar cada um desses pontos na construção de um espaço próprio para a

implantação de procedimentos em Design em que se torne possível refletir a respeito

4 OZ, Amós. Como Curar Um Fanático, São Paulo: Cia das Letras, 2016.

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do próprio fazer, temos maior chance de oferecer disrupção não destrutiva. Constituir

um terreno de menos antagonismos e maior coexistência. Apreender a possibilidade

de que os modelos já centenários se romperam e que é preciso repensar o ambiente

como um todo.

Também é de Amós Oz a obra (Pantera no Porão, publicada no Brasil pela Companhia

das Letras em 1999) que primeiro nos despertou o desejo de abordar os têxteis nesta

tese, por meio de uma citação perdida/encontrada e que à sua maneira nos leva à

abordagem das ações de resistência, os ativismos e as ativações por meio do Design

de Moda e dos Têxteis, ao trazer a semelhança das palavras roupa e traição – em

hebraico.

Assim, a partir daí passamos a dar atenção àquelas construções tecidas que traem à

tradição. É aquilo que chamaremos doravante de têxteis de resistência, e aqueles que

elegemos pertencem a uma parte da História da América do Sul que interessaria a

alguns apagar. São têxteis produzidos durante as ditaduras da segunda metade do

século XX, na Argentina, no Chile e no Brasil. Destes, somente o exemplo brasileiro

tem autoria definida e foi produzido por uma profissional da Moda. Mas, vamos tratar

de suas semelhanças e diferenças.

Sobre os exemplos chileno e argentino temos um grande número de material

publicado, incluso o trabalho delicado da Professora Marjorie Agosín (1987), de

documentar seus encontros com as artesãs chilenas e assim dar-lhes nome e voz

ainda durante a Ditadura de Pinochet. Também o grupo dedicado de curadores da

Fundação Salvador Allende em Santiago conseguiu repatriar, catalogar e expor

grande parte desses artefatos, as arpilleras, que durante os anos do regime militar

estiveram no acervo do Museu Internacional da Solidariedade da Suécia.

Da Argentina trazemos ao pañuelos das Mães da Plaza de Mayo, sobre as quais

encontramos artigos como os de Rosenberg (1985), D’Antonio (2006 e 2007) e

Morales (2014). Diferentemente da abordagem de Agosín, nenhum desses artigos é

sobre o artefato têxtil adotado, mas todos eles fazem menção a ele como algo cuja

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presença amplifica a ausência dos detidos pela ditadura, além de, a partir do seu porte

e uso, fazer daquele grupo de mulheres uma comunidade.

Por fim o exemplo brasileiro é Zuzu Angel, outra mulher que, por meio dos artefatos

que produz denuncia a ditadura, os abusos, os desmandos e o desaparecimento de

seu filho. A seu respeito escreveu-se música, foi produzido filme, feita uma exposição

com o respectivo catálogo. O designer de Moda Ronaldo Fraga contou sua história.

Embora seja uma pessoa e não uma coletividade, o que passa a ela converge com o

acontecido àquelas mulheres chilenas e argentinas de seu tempo, bem como a um

grande número de mães de detidos/desaparecidos políticos durante o regime ditatorial

brasileiro.

Os casos apresentados nos alertaram para o fato de que tratávamos sobretudo de

ações de resistência, muito mais que da palavra mais em voga, a resiliência; contudo,

a fim de nos posicionarmos com clareza, fizemos uso da dissertação de Lisete Barlach

(2005) a respeito da resiliência humana, inclusive para entender em que ponto

tornava-se pouco importante a recuperação, a cura, e emergia a necessidade de

evidenciar as causas.

Há que se considerar que não serão tratados aspectos técnicos das construções

têxteis, mas as implicações políticas de seus desvios de uso e função. Partimos então

do material exposto no Victoria & Albert Museum e consequente publicação por

Grindon e Flood (2014), Spampinato (2015) Parker (1989), Agosín (2014), além dos

materiais supracitados para apontar posicionamentos políticos apoiados em objetos,

que denominamos objetos desviantes.

Chegamos, por meio da construção têxtil, às ações de ativismo têxtil, especificamente

o yarnbombing, e os grupos de yarnbombers. O ativismo têxtil – ação aproximada do

artivismo e pertencente à categoria do craftivismo – habita o campo das ideias

melhores de Amós Oz, no sentido em que usa da abertura para o diálogo a partir da

geração de whimsyness (ou numa tradução bastante livre “absurdidade”, avizinhada

ao humor enquanto centelha de absurdo, que o autor convoca), adotando linguagens

da arte e do artesanato e construindo assim uma relação empática entre os sujeitos a

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partir da tomada do espaço público, seja pela implantação de bombas têxteis, seja

pela reunião pública de coletivos de tecedores, dentre eles os Coletivo NaLã (de São

Paulo) e Hombres Tejedores (de Santiago – Chile, e com células na Argentina e em

Portugal), cada um com suas causas e propósitos, e a respeito dos quais foram

coletadas informações e registros junto aos componentes. Apoiam essas discussões

a leitura de Buszek (2011), Carpenter (2010), Mann (2015), Korn (2013), Greer (2008)

e Gauntlett (2018), além dos já referidos Spampinatto (a respeito do artivismo e da

formação dos coletivos), Fletcher e Grose, Gwilt e Salcedo (com exemplos do

posicionamento ativista na produção de têxteis) e o próprio trabalho de Grindon e

Flood (no que tange à desobediência dos objetos e como essa produção de artefatos

pode ser entendida como materialização de ativismo).

A partir de então, produz-se uma aproximação entre meios. Assumimos a posição que

o Design é uma atividade projetual de pessoas, para pessoas e com pessoas.

Tomamos a leitura de Thorpe (2011) a respeito de designativismo e forjamos a partir

daí a possibilidade de trabalhar com a ativação por meio do Design. São bibliografias

associadas o artigo de Hickel (2015) e o livro organizado por Cirillo, Kinceller e Oliveira

(2015) sobre o trabalho colaborativo e coletivo, bem como o entendimento de Design

centrado no ser humano como proposto por Krippendorff (2000) e também as

propostas de Kazazian (2005) a respeito de inclusão. Essa nossa proposição resulta

em projetos e processos ativados por causas que se associam à ética em um grande

número de esferas e que nem sempre têm essas causas exibidas no resultado

material do projeto, o produto.

Ou seja, na ativação pelo Design, as interações entre sujeitos e abordagens

possibilitam soluções benéficas para o meio, considerando parâmetros de projeto

estimulantes. Adota-se a proposta de design dialógico, porém diferentemente do que

propõe Ganem (2016), com o exemplo da interação entre designer e comunidades de

produção tradicional de artesanato têxtil, as relações aqui abordadas são análogas ao

que se encontra na teoria literária (Bakhtin), em que a busca é por narrativas

polifônicas, heterárquicas e, portanto, exibem a multiplicidade de visões que a

composição de coletivos almeja. Embora busquemos citar outros coletivos, são os

processos de engendramento e amadurecimento da formação do coletivo hoje

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denominado LabModAR e a produção deste grupo para o Projeto Pérola que será

abordado. Na dialogia, o lugar do protagonista não é fixo, assim como na experiência

do LabModAR se faz com o papel do autor.

Essa experiência busca repensar o exercício profissional do designer. No caso

específico, tratamos do designer de Moda, ou do designer de “objetos vinculados à

noção de Moda”, como denomina Deborah Christo (2018), definição que já nos parece

mais interessante por dissociar-se da relação com o objeto de Moda oriundo dos

modismos e possibilita a aproximação com esses artefatos por outras vias que não

sejam apenas aquelas que contribuam com a construção do que é aparente.

Trataremos de processos, vinculações, trocas, relações de ensino-aprendizagem e

materialidade, entendendo-os todos como processos de ativação de discursos e

propostas.

Referências Marginais

Muitos são os materiais (textos ou não) que não são computados na constituição da

tese por sua heterodoxia. Contudo, sem essas leituras não nos teria sido possível

chegar aqui. Sua relação pode ser mais ou menos direta com os assuntos abordados,

e não nos parece justo deixá-los sem o devido registro.

Do Rabino Nilton Bonder, são inúmeras as passagens, mas especialmente a

abordagem sobre empatia e diálogo (contidos em “Tirando Os Sapatos”, de 2008) e o

entendimento sobre literalidade, sobre ver o que está além do texto - ou a realidade

do “vazio em torno da letra ou do enunciado” – e, por analogia, além do artefato têxtil

(em “O Segredo Judaico da Resolução de Problemas”, de 2010), forjam a presente

pesquisa.

De Marjane Satrapi, quadrinista iraniana, o aguçado Bordados (2010), em que a autora

desenha os encontros das mulheres da sua família para “bordar”, o que é um

eufemismo para a tessitura das histórias das mulheres e homens da família, com

doses de maledicência, sarcasmo. O bordado também é eufemismo para a

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himenoplastia (cirurgia de reconstituição do hímen. A não preservação da virgindade

por parte da mulher solteira ainda é considerada tabu nos países de maioria

muçulmana).

Canton (Tempo e Memória, de 2014), Chadwick (Women, Art and Society, de 2007)

Holmes (Stitch Stories, 2015) e Derdyk (Linha de Costura, de 1997) também trazem,

cada uma à sua maneira, a aproximação entre arte e tessitura na construção de textos.

No YouTube pode ser encontrado um documentário chamado Las Madres de La Plaza

de Mayo. O segundo capítulo tem como título Las Locas de La Plaza. Aos 31 segundos

de exibição, uma mulher dentro do grupo que grita em uníssono “Queremos Nossos

Filhos!” grita e chora 5 , em uma explosão emocional. Nenhuma publicação, nem

mesmo o pañuelo ensanguentado exposto no Museu do Bicentenário em Buenos

Aires, fala mais claramente do desejo de restituição daquele que é ausentado à força

do convívio dos seus. A ausência real desses detidos é presentificada pelos artefatos

e fotos exibidos por suas mães.

Também no YouTube encontra-se o documentário “Periódico de Tela”6, por meio do

qual tomamos conhecimento da existência do Museu Internacional da Resistência e

Solidariedade Salvador Allende e da Fundação Salvador Allende, no Chile. A partir daí

encontramos outras referências e, por fim, após contato com a equipe do Museu,

fomos atendidos muito gentilmente e nos foram cedidos os arquivos digitais das

arpilleras de seu acervo.

Já mencionamos Amós Oz, a sua obra Pantera no Porão e a relação entre tradição,

traição, o nascimento da inquietação e a necessidade de questionamento a fim de

esgotar as respostas conhecidas e encontrar alternativas. Também deve ficar

registrado que, do mesmo autor em co-autoria com sua filha, Fanya, temos a obra “Os

Judeus e As Palavras” (2015), que abordam a natureza do chutzpá como escape e

encontro da centelha de absurdo, mãe da irreverência, ideia que propicia olhar o

assunto por outro ângulo e permite o surgimento da inovação.

5 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=iB7SCObGtRI>. Acesso em: 15/02/2017. 6 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=aB7k4nudrKA&t=575s>. Acesso em: 15/02/2017.

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Ainda às margens da tese, mas fundamentais para falar da familiaridade do tecer e

participar dos questionamentos de Roszika Parker sobre a construção do feminino e

das ideias acerca de “feminilidade” (e, certamente, questioná-las) estão os livros de

Marcia Tiburi – Feminismo em Comum, de 2018 -, Djamila Ribeiro – O Que é Lugar

de Fala, de 2017 -, obra com a qual faz ponte o trabalho de Edward W. Said –

Orientalismo, de 2007 - e Vania Carneiro de Carvalho – Gênero e Artefato, de 2008.

Nesse espaço do tecer, mas já no ambiente de trabalho, figura a obra de Ana Isabel

Álvarez González – As Origens e a Comemoração do Dia Internacional das Mulheres,

de 2010.

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1. TRÊS MODELOS CONCEITUAIS EM UMA REDE

Em nossa prática profissional como designer e docente, sempre nos pareceu uma

maneira de trazer sentido aos conceitos o uso de exemplos com os quais se pudesse

fazer analogias. Ao tratarmos da proposição de procedimentos de projeto

fundamentados no exercício dialógico e na prática do diálogo – observaremos as

diferenças entre os dois termos adiante – emergiram modelos conceituais, a partir dos

quais tornou-se possível fazer leituras e engajar os praticantes.

Denominamos modelos conceituais imagens - visuais ou não - a partir das quais se

pode construir pontes a fim de aplicar as proposições sobre um meio ou prática.

Os três modelos eleitos são as peles de Hundertwasser, a Área de Diálogo de Mauricio

Ianês e as penínsulas de Amós Oz. Sobre cada uma discorreremos detalhadamente

para então propormos nossas leituras e interações, na tentativa de tecer uma rede em

que se apoia o modo de fazer Design que desejamos aplicar.

1.1 Hundertwasser: Humanos E Suas Peles

O primeiro dos modelos conceituais que adotamos é o sistema visual utópico de

Hundertwasser, em que propõe que os humanos são portadores de 5 peles.

O modelo adotado não é o único a considerar o humano como centro, porém,

diferentemente do Modulor de Corbusier, que trata do homem como medida das

coisas e a partir das suas proporções ideais, engendra a “máquina de morar”, o

humano de Hundertwasser desprestigia a lógica racionalista e trata de esferas de

interação dele mesmo com aquilo que o rodeia. A medida de Hundertwasser não é

matemática, nem proporcional, mas trata de níveis de responsabilidade.

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Figura 1: Modelo conceitual do Homem e suas cinco peles, como proposto por Friendensreich

Regentag Hundertwasser (1928-2000)

Fonte: Disponível em: < http://matiasgray-eausach2014.blogspot.com/2014/03/las-5-pieles-

dehundertwasser.html>. Acesso em: 15/02/2017.

Desejo esclarecer que não se faz aqui crítica direta ao Modulor, ou ao seu autor, visto

que em seu entorno havia todo pensamento racionalista, alinhado com uma produção

industrial voltada para a economia de processos e materiais, e a maximização da

capacidade produtiva dessa indústria, para a qual é importante padronizar a produção

de objetos a fim de reconhecer suas possibilidades em escala.

Figura 2. Modulor: sistema de proporções criado e utilizado pelo arquiteto franco-suíço Charles-

Edouard Jeanneret-Gris, mais conhecido como Le Corbusier, considerado um dos expoentes da arquitetura moderna (1887-1965)

Fonte: Disponível em: < http://www.arkitera.com/haber/23088/modern-mimarligin-basyapitimodulor-

nihayet-turkce1>. Acesso em: 15/02/2017.

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Certamente não queremos invalidar os estudos ergonômicos e antropométricos

realizados, e entendemos que os processos industriais acabam por julgar

imprescindíveis tais normatizações, na busca por atingir a eficiência que demandam7.

A crítica reside na derivação em quaisquer procedimentos de padronização, que

sugerem que existe uma tabela de medidas mais adequada e que qualquer outra

possibilidade deve ser vista como desvio, e que, portanto, o desejável é adequar-se a

fim de ser atendido pela indústria e pelo mercado. Porém, sobre estas questões

trataremos mais adiante, no quarto capítulo.

A riqueza do modelo de Hundertwasser está em tirar o compasso desse lugar das

medidas e dos dados frios e mensuráveis, e olhar os indivíduos postos a nu, sugerindo

a desuniformização do olhar sobre si mesmos. Também encontramos essa mudança

de compasso no repúdio à linha reta, considerada por ele abominável e antinatural,

uma vez que ela condiciona a estruturação do ambiente em que vive o humano,

privando-o de organicidade e da possibilidade de expandir-se livremente (RESTANY,

2008, p. 17), estendendo-se para além dos cânones e regras de uma sociedade

industrializada e que vive sob a ficção da normatização das identidades.

O modelo que aqui adotamos não nasce pronto. Na primeira etapa (cerca de 1967),

estão presentes apenas as três primeiras peles (epiderme – roupa – casa), em uma

preocupação a respeito do indivíduo e suas relações mais imediatas, com as peles

desenhadas, nesse momento como níveis de consciência concêntricos (RESTANY,

2008, p.10). Somente em 1972, quando os seus questionamentos derivam para

questões mais globais como as interações sociais e os cuidados com o meio

ambiente, é que o modelo é completado, com a adição de outras duas peles: o meio

social “da família e nação, passando pelas afinidades eletivas da amizade”

(RESTANY, 2008, p. 11), e a “pele planetária, ligada diretamente ao destino da

7 Entendemos que o Modulor, proposto oficialmente em 1948, e outros modelos surgem em um contexto de pós-Guerra, e em um cenário de reestruturação da indústria, é bastante oportuno e

também é reflexo de uma época, em que de fato torna-se factível repensar espaços e objetos, além de existir a real necessidade de reconstruir – material e conceitualmente - modos de estar no mundo.

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biosfera, à qualidade do ar que se respira, e ao estado da crosta terrestre que nos

protege e nos alimenta” (ibidem).

Ou seja, em seu modelo, o autor trata fundamentalmente das esferas de interação

entre sujeitos, partindo do mais íntimo para aquilo que é mais global. Mas também

trata da construção das identidades e identificações. Nas interações promovidas entre

as peles, Hundertwasser sugere responsabilidades crescentes, individuais e coletivas.

Sua proposição modelar – e aqui falamos apenas no esquema visual -, trata, contudo

das peles de um único indivíduo. Nisso, difere muito da sua produção como arquiteto

– ambientalista – designer, cujos projetos são sempre amplos e pensados para uma

coletividade, ou para aplicações universais, identificando questões globais,

principalmente quando identifica questões de ordem eco-ambiental. Desde a

produção simbólica de peças gráficas até a produção de moradia – e insumos para a

produção das mesmas - e mesmo as proposições mais utópicas e nunca

materializadas, chama a atenção essa maior preocupação com as relações globais.

Nossa leitura, contudo, parte da primeira pele, encontra a segunda pele, costumava

fazer um salto da segunda pele imediatamente para a quarta, e, só recentemente

passou a administrar as questões relativas à terceira e à quinta peles.

Questionando o modelo de padronização da produção industrial, pudemos trazer à

superfície a desuniformidade e a inconformidade dos indivíduos e como essa

compreensão deriva nas interações do sujeito com suas peles e, finalmente, dos

sujeitos entre si, com o designer entendido como um sujeito entre sujeitos e, de certa

maneira, entrelaçado nesse contexto.

Propusemos também o nosso modelo conceitual, visual, que visa trazer à equação

estes sujeitos em estado de convivência, e que em algum momento compartilham

peles.

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Figura 3: Modelo conceito de interação entre os sujeitos, a partir da leitura das peles de

Hundertwasser

Fonte: imagem produzida pela autora em grafite e aquarela sobre papel, 2017.

Em linhas gerais, todos os seres humanos portamos essa mesma pele mais externa

– denominada planetária - e, portanto, dividimos a responsabilidade sobre seu uso e

manutenção.

Dessa forma, enquanto designers, é nossa responsabilidade, pensar maneiras de

preservá-la, de utilizar de maneira consciente seus recursos ou pensar ciclos mais

saudáveis, em termos globais, de produção, descarte e geração de resíduos

resultantes dos produtos que projetamos.

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Quanto à quarta pele, trata-se de uma esfera mais ou menos elástica, podendo, a

momentos corresponder a um âmbito comunal nuclear, como a família, para depois

expandir-se em termos nacionais e inclusive nas relações entre nações. Trata da

inserção do sujeito enquanto ser social e das relações construídas entre ele e outros,

nesses termos, considerando proporções de individualidade mais estreitas ou mais

ampliadas, em diferentes momentos.

A terceira pele, a casa, tem um caráter que é, ao mesmo tempo, individual e de grupo.

É o espaço físico que contém a intimidade e aspectos materiais da identidade do

sujeito e também das suas experiências relacionais mais próximas e duradouras.

Carrega, assim, cargas de cultura, do tempo e do lugar em que está inserido o sujeito

que a habita.

Em nossa pesquisa anterior correspondente ao Mestrado, comentávamos o projeto da

Obra de Arte Total da Secessão Vienense, na mesma cidade em que encontramos

Hundertwasser. Para o grupo do início do século XX, a ideia de construir um grande

projeto que solucionasse os problemas cotidianos dos indivíduos, era a meta e sinal

de completude e de alcance da modernidade, de elevação moral e intelectual

correspondente aos maiores desejos dos regentes desse projeto de materialização da

vida.

Sabemos que – ainda que interessante do ponto de vista do desenvolvimento da

capacidade interdisciplinar de projetar Design – soluções definitivas não costumam

encontrar grande sucesso e/ou aderência, vide as observações de Krippendorff (2000)

a respeito do Design centrado no ser humano, e o desejo do sujeito de alterar sua

existência somente em sua própria medida, o que coloca em cheque o papel do

arquiteto-regente da obra-prima de viver dos séculos XIX e XX.

Ora, o contexto de Hundertwasser é posterior a isso, e sua busca é a da

inconformidade, de criar uma arquitetura viva e cambiante, à guisa da natureza8. É

8 É interessante perceber que os dois casos, o de Hundertwasser e o do arquiteto-regente miram a natureza como referência de projeto. Também nós temos, em grande parte, observado a natureza em busca de ordenamento para projetos e vida, vide a nossa preocupação com a resiliência e a resistência (essa última definida tanto pela Física quanto pelas ciências políticas)

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assim que se pode ler sua relação com a construção do morar, feito por pessoas – daí

a liberdade dada, de acordo com Restany, aos funcionários da construção da

Hundertwasser Haus (inaugurada em 1985), para lidar com os acabamentos nos

espaços crus, tanto internos quanto externos – para pessoas – que, esperava-se,

pudessem vivenciar e transformar aqueles espaços de acordo com seus desejos e

possibilidades, entendendo-os como seus, além da oferta de equipamentos para uso

comum dos moradores e restaurantes, cafés e lojas para visitantes – em consonância

com a natureza – restituição da tomada do espaço natural que propõe Hundertwasser

com seus telhados e terraços ajardinados, suas árvores locatárias e aberturas

tomadas por vegetação, além do reuso da água de chuva e outros aspectos

inovadores que não eram encontrados nas pautas para grandes construções

compartilhadas em meados dos anos 1980.

A segunda pele confere às roupas o papel não apenas de proteção do corpo mas a

função de passaporte para um meio social (quarta pele), talvez porque, como diz

Stalybrass (2008, p.11) “as roupas recebem a marca humana”. Por meio delas, e da

aparência construída a partir do uso desses esses objetos o sujeito pode estabelecer

relações com seus pares.

As roupas projetadas por Hundertwasser – cabe lembrar que para seu próprio uso,

mas também com função de manifesto - têm a praticidade e o desejo de deixar visível

o sujeito que as utiliza, além da preocupação com a economia de recursos. Os

artefatos por ele produzidos são reversíveis, o que permite maior número de usos

entre lavagens, por exemplo. Existe a manifesta preferência pelas listras, mas também

a rejeição ao ato de passar a ferro as peças, o que reforça o repúdio à linha reta e à

uniformidade, além da economia de energia elétrica e a permissão para que o corpo

que veste a peça possa marcá-la naturalmente.

A partir da compreensão a respeito do que projeta, podemos entender a segunda

esfera de consciência desenhada por Hundertwasser como aquela que permite ao

em busca de soluções mais sustentáveis para a permanência do Design. A permanência contudo, em nossa visão, não resulta em manutenção de status quo, mas na compreensão de que é preciso transformar para continuar existindo.

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indivíduo que se mostre da maneira que elege aos grupos com os quais interage e por

meio das quais esse indivíduo se manifesta e pode escolher expressar aspectos da

sua subjetividade, mais ou menos como segue:

Todos nós manifestamos uma visão de mundo, e, na maior parte do tempo, não nos damos conta dos signos que vamos emitindo. A roupa que já nos

socorreu em meio às intempéries, já nos cobriu as “vergonhas”, descolou dessa funcionalidade básica e complexificou seu discurso: ela nos exibe

como, de fato, nos constituímos ou de como desejaríamos nos constituir (PRECIOSA, 2005, p. 29-30).

Também é a esfera que carrega os valores identitários de boa parte dos grupos

tradicionais – uma vez que na grande maioria deles os códigos relacionados ao

vestuário são bastante claros e rígidos -, e, ironicamente, em que se apresentam mais

rapidamente os signos eleitos pelos grupos que demandam o direito à expressão de

diversidade.

Chegamos assim, à primeira pele, o humano posto a nu, com suas particularidades,

marcas, inconformidades, crenças e inconsistências. Mas, para tratar melhor dessa

pele, faremos conexões adiante com os demais modelos destacados.

1.2 Maurício Ianês: Área De Diálogo Como Espaço De Formulação Do Novo

O segundo modelo eleito é de autoria do artista paulista Mauricio Ianês9 e esteve

exposto na 28ª Bienal de Arte de São Paulo, em 2008.

Trata-se da terça parte da obra Área de Silêncio/ Área de Monólogo/ Área de Diálogo,

a partir da qual desenvolveremos o pensamento de construção de projeto a partir da

prática do diálogo.

9 Maurício Ianês é paulista da cidade de Santos, nascido em 1973, graduado pela Faculdade de Artes Plásticas da Fundação Armando Álvares Penteado, São Paulo – SP. A respeito do que produz, de acordo com o currículo publicado no website do Prêmio PIPA (www.premiopipa.com/pag/mauricio-ianes), ao qual foi indicado em 2014: “[...] seu trabalho questiona as linguagens verbal e artística, suas possibilidades expressivas e limites, suas funções políticas e sociais, muitas vezes propondo a participação do público em suas ações para criar situações de troca onde a linguagem e os seus desdobramentos sociais entram em jogo. Ianês busca referências e influências em filosofia, poesia, crítica social, literatura e música”.

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As áreas propostas por Ianês são representadas por formas geométricas facilmente

reconhecíveis, sendo a Área de Silêncio conformada como uma circunferência, a Área

de Monólogo como um quadrado e a Área de Diálogo, a única composta por duas

partes, dois triângulos entrelaçados.

Retomando a nossa dissertação de Mestrado (BARBOSA, 2009, p. 77-78), lemos a

Área de Silêncio como espaço solitário de meditação, a Área de Monólogo, localizada

um tanto distante das demais, levou-nos a pensar no indivíduo que discursa por trás

das muralhas construídas por esse mesmo discurso e que não se deixa atingir pelas

réplicas.

Contudo, a Área de Diálogo, ao ser composta por duas partes que se interpenetram,

torna perceptível que, a fim de possibilitar o diálogo, é preciso que as partes engajadas

nessa ação se tornem permeáveis e permitam-se contaminar pelo outro, relacionando-

se de maneira equilibrada e gerando algo novo – uma área nova e comum às duas

partes.

Adotaremos a Área de Diálogo para abordar os aspectos considerados mais

relevantes no desenvolvimento de projetos em Design – de Moda, especificamente,

mas acreditamos que valha para o campo como um todo.

Figura 4: Área de Diálogo, Maurício Ianês – 28ª Bienal de Arte de São Paulo, 2008.

Fonte: Obra de Maurício Ianês, imagem produzida pela autora, 2008.

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Ao realizar essa leitura, sublinhamos a necessidade de serem preservadas as partes

engajadas no diálogo, ressaltando que o desdobramento de tal prática tem potencial

transformador.

Esse espaço de potências transformadoras é o espaço desenhado pelas

possibilidades de atacar as questões por ângulos inexplorados, de exercitar ao mesmo

tempo escuta e fala, e, em contato com outras possibilidades de interpretação, não

apenas repensar, mas reconstruir as maneiras de proceder em Design. Esse é o

espaço desenhado para o exercício dialógico, polifônico e de miradas plurais, tão

necessário para o desenvolvimento de soluções inovadoras.

Figura 5: Modelo conceitual de prática dialógica em Design

Fonte: imagem produzida pela autora em grafite e aquarela sobre papel, 2017.

Nosso enfoque fundamenta o Design Dialógico nos encontros entre partes em uma

relação heterárquica necessariamente criadora de um espaço de negociações (figura

5), em que o designer age como facilitador/mediador simbólico entre sociedade e

sujeitos e é, ele mesmo, parte desse grupo. Assim, reforça o entendimento de que

esse espaço de negociações é lugar de reconhecimento de identidades e concorre

para a criação do novo.

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Deve-se fazer a ressalva de que o novo, em Design, não é incondicionalmente

relacionado à produção de novos produtos e novas materialidades, mas que, muitas

vezes, o que se sugere ou busca são novas maneiras de tratar os processos em

Design, a fim de oportunizar que melhores ideias e enfoques, oriundos da observação

de questões e objetivos por novos ângulos, viabilizem projetos por meio dos quais

seja possível compartilhar discursos e modos de entender a realidade, e mesmo

produzir pensamentos sobre os modos de existir em uma contemporaneidade plural.

A pluralidade que deriva em e de práticas dialógicas, no Design, leva às soluções

impregnadas do prefixo “co”: são as colaborações, co-criações e ações coletivas, cada

uma delas com características próprias, mas com o diálogo como fator comum. Delas

trataremos com maior profundidade quando passarmos às conexões entre os modelos

selecionados.

1.3 Amós Oz: Sujeitos Peninsulares E O Continente De Ideias Melhores

O terceiro modelo conceitual que adotamos é o dos Sujeitos Peninsulares –

individualidades conectadas por istmos umas às outras e a um continente inteiro

formado pela possibilidade de substituir más ideias por aquilo que Amós Oz 10

denominará de “ideias melhores”, em Como Curar Um Fanático (publicado no Brasil

pela Companhia das Letras em 2016). Oz entende os conflitos – no caso da obra

mencionada, entre palestinos e israelenses – como resultantes de “más ideias” e

sugere que o caminho para dar cabo das más ideias é propor ideias melhores, que

surgem pelo emprego de quatro práticas, simultaneamente: a empatia, o humor, a arte

e o diálogo.

Da mesma maneira, propomos que seja adotado, para a consolidação de uma prática

dialógica do Design, aquilo que Oz denomina “acordo de compromissos” (2016, p. 16),

e que principia por “imaginar outras salas de estar, outros amores e outros pesadelos

pode nos fazer sair de nossa sala de estar e ir ao encontro da outra pessoa a meio

10 Amós Oz nasceu em Jerusalém em 1939. Desde os anos 1960 tem se dedicado a uma

extensa produção literária, que inclui romances, ensaios e críticas. Como escritor e ativista

político, é considerado o intelectual israelense mais renomado de nossos dias.

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caminho da ponte” (OZ, 2016, p.16). Tal prática lida, majoritariamente, com as

presenças, semelhanças, reconhecimentos (das diferenças, inclusive) e desejos

comuns e menos com as ausências que a complementaridade pressupõe, e permite

ao designer colocar-se em um contexto em que pode experienciar diferentes e

convergentes modos de existir. Dessa forma, os procedimentos dialógicos no Design

são perpassados pela empatia, a prática de imaginar-se na condição do outro,

entendendo a si e ao outro como alteridades coexistentes.

Fazemos aqui um paralelo com o que diz Bauman a respeito do consenso:

“[...] um acordo alcançado por pessoas com opiniões essencialmente

diferentes, um produto de negociações e compromissos difíceis, de muita disputa e contrariedade, e murros ocasionais [...]” (BAUMAN, 2003, p.15).

Ou seja, reforçamos, a partir da mirada do sociólogo, que é possível, aceitável e até

mesmo desejável vivenciar desconforto - com respeito - em busca da conciliação de

perspectivas a fim de abrir espaço para o diálogo e a busca de soluções benéficas

para todos os envolvidos.

A respeito da arte empregada para potencializar boas ideias, Oz a caracteriza como

“a capacidade de fazer se abrir um terceiro olho em nossa testa. Que nos faça ver

coisas antigas e batidas de um modo totalmente novo” (2016, p. 13). De maneira

análoga, podemos desenhar uma prática em Design que se aproxima a esse

entendimento de arte, caracterizada pela criação de espaços para desestabilizar

visões e posições cristalizadas a respeito de si, do outro, dos objetos, projetos,

processos, espaços e, consequentemente, a própria maneira como o sujeito se coloca

nessas relações e que caracterizam seus modos de existir.

Tomamos o que diz Ostrower (1987) a respeito do ato criador e sobre essa proposição

de “novo”: “basicamente formar”.

“[...] É poder dar forma a algo novo. Em qualquer que seja o campo de atividade, trata-se nesse novo, de novas coerências que se estabelecem para

a mente humana, fenômenos relacionados de modo novo e compreendidos em termos novos (...) O ato criador abrange, portanto a capacidade de

compreender, e esta, por sua vez, a de relacionar, ordenar, configurar, significar (OSTROWER, 1987, p. 9).

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A leitura de Ostrower nos leva a reforçar a ideia de que o novo, o inédito, não é

necessariamente algo nunca visto, mas muitas vezes se apresenta como a

abordagem inesperada para uma questão que se apresenta.

A prática seguinte, o humor, é um instrumento bastante eficaz para exercitar as

reordenações apontadas por Ostrower, e Oz o sugere pelo emprego da chutzpá, a

“sutil junção de fé, tendência a discutir e fazer humor de si mesmo. E redunda numa

reverência especialmente irreverente” (2016, p.31). Consideramos que, a fim de fazer

Design em um ambiente dialógico, é preciso um bocado de chutzpá. É necessário, a

fim de construir o novo, questionar o antigo, como dito sobre a arte, revirar os

conceitos, discutir – que é bem diferente de discursar – e não temer a iconoclastia.

Fazer rir e rir de si mesmo são atos de desobediência em um campo de sacralidades

e verdades.

Assim, optar pelo humor pode ser “um instrumento confiável de sobrevivência num

mundo hostil” (OZ, 2016, p. 31), pois possibilita criar pontes entre os sujeitos

desejosos de engajar-se na prática dialógica, e dessa maneira, subverter os

(des)ordenamentos hipermodernos. A respeito do humor, Botelho11 o define como “a

consciência do grão de absurdo que existe em todos os assuntos humanos” e, ao

“humorismo autêntico” como aquele que “se identifica com o objeto de seu próprio

riso” (BOTELHO, 2014, p. 16). Chutzpá e whimsy-ness, 12 são, dessa maneira,

maneiras de lidar com o humor e que nos cabem.

Observamos, então, as práticas propostas se desdobrarem no diálogo, cuja figura

sugerida por Oz é a do Sujeito Peninsular (figura 6), que, promove a percepção de

11 José Francisco Botelho, jornalista, escritor e tradutor, mestre em Letras pela UFRGS. Seu

olhar sobre o humor está publicado na coluna Virtudes Possíveis, da revista Vida Simples de

agosto de 2014, publicada pela Editora Abril. 12 Palavra da língua inglesa e de difícil tradução direta, cujo significado transita entre o absurdo, o lúdico, brincalhão e extravagante. Encontramos o termo no artigo de Joanna Mann “Towards a politics of whimsy: yarn bombing the city” publicado em Area, em 2015 (https://rgsibg.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1111/area.12164)

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interferências, tensões, possibilidades transformadoras constituídas a partir de tais

engajamentos, identificando também áreas que precisam ser mantidas íntegras.

A fim de nos apresentar o Homem Peninsular, Oz diz que:

“[...] nenhum homem é uma ilha, mas cada um de nós é uma península: em parte conectado com a terra firme da família, da sociedade, da tradição, da

ideologia, etc. – e em parte voltado para os elementos, sozinho e em silêncio profundo” (OZ, 2016, p. 32).

Figura 6. Modelo conceitual de Sujeito Peninsular

Fonte: imagem elaborada pela autora com grafite e aquarela sobre papel, 2017.

Essa construção coincide com a leitura de Colapietro (1989 apud SALLES, 2014, p.

151) que entende o sujeito como “distinguível, porém não separável de outros, pois

sua identidade é constituída pelas relações com os outros”.

Assim, pode-se dizer que o diálogo é um lugar “entre”, em que se experimentam

sobreposições, tensões, esgarçamentos e a descoberta dos vazios deixados por

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esses esgarçamentos e que por isso mesmo permitem entrever outras realidades que

não são intocadas e que não estão despovoadas e/ou carentes de mapeamento.

Conexões

Oz, Ianês, Hundertwasser e tantos outros desenham – por vezes, como vimos,

literalmente – os espaços compartilhados, as áreas comuns, em que as relações

propiciadas pelo Design por sua própria natureza interdisciplinar, de convergências,

engajamentos, co-incidências, são sujeitas às contaminações oriundas de uma prática

dialógica, que resultam em movimentos contemporâneos em Design que promovem

a formulação de comunidades em que:

“[...] a existência de uma vida cultural e intelectual dialógica, na qual convive uma pluralidade de pontos de vista, propicia o intercâmbio de ideias. Esse

espaço de trocas (...) possibilita o enfraquecimento dos dogmatismos e normalizações. Este movimento resulta em crescimento e na possibilidade de

expressão de desvios, ou seja, em modos de evolução inovadora, reconhecidos e saudados como originais” (SALLES, 2014, p. 150).

Os três modelos nos interessam porque, cada um deles, a seu modo ilustra, a partir

de ângulos diferentes, aquilo que consideramos fundamental para a criação de um

“lugar” da implantação de um conjunto de procedimentos em Design que se

fundamentam na possibilidade de projetar em conjunto, a partir da identificação de

questões comuns e cotidianas, utilizando códigos e condutas validadas por uma

coletividade e tirando o maior proveito das habilidades individuais.

O modelo objetivo, simplificado e fundamentalmente sutil de Ianês desenha de forma

clara a possibilidade de, que, se os sujeitos se colocam em um mesmo plano, abertos

para o diálogo, são capazes de conceber um terreno comum de novas ideias. Ideias

melhores, como proposto por Amós Oz, em que é preciso em diferentes momentos e

em proporções variáveis, praticar o diálogo, a empatia, o humor e a arte, ou seja, ser

imaginativo, não só colocar-se no lugar do outro, mas compreender que para o outro,

nós somos “o outro”. Então, é preciso ousar propor a mudança de perspectiva, por

vezes tingida de absurdo, para engajar-se em uma conversa muitas vezes

desordenada a fim de encontrar soluções inovadoras.

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Engajar-se em conversa, já dissemos, trata de falar, mas também da prática salutar

da escuta, de si e do outro. É nesse ponto que o modelo de Hundertwasser, nosso

mais velho conhecido, se apresenta, ordenado, hierarquizado, e fundamentalmente

complexo, porque trata de níveis em que esse diálogo convoca e atinge um número

menor ou maior de sujeitos – a depender da esfera a partir da qual se ataca a questão.

Cabe esclarecer, uma vez que usamos o termo com frequência, que inovação, a nosso

ver, nem sempre tem a ver com o uso das mais recentes descobertas tecnológicas e

nem com o uso de ferramentas de última geração, mas a percepção de que é possível

romper com uma ideia desgastada e encontrar uma saída inusitada para um problema

dado, muitas vezes por meio da adoção de medidas simples.

Para nós, os três modelos conceituais eleitos e agora depurados se mostram como

ilustrações convenientes para propor a nossa aplicação de procedimento de projeto.

Pensamos o projeto em Design como um espaço de negociações e os procedimentos

técnicos adotados como possibilidade de troca, de ensino, aprendizagem, fala e

escuta, em que é possível “coletivamente, tornar realidade algo de que sentem falta e

que sozinhos não conseguem concretizar” (BAUMAN, 2003, p. 68).

Adotamos como premissa de que o designer não é um “outro” diferente do usuário,

mas, que uma vez que são sujeitos pertencentes à mesma esfera comunal, ao

profissional cuja responsabilidade é materializar existência, cabe questionar as

respostas mais óbvias a fim de efetivamente imaginar-se na vivência dos problemas

apresentados.

Por fim, entendemos o “espaço” – ou as interações, ou as interpolações - criado dessa

forma como lugar de ativação de questionamentos e discursos alinhados com um

conjunto de valores importantes para o grupo formado, que, a partir daí, associamos

àquilo que Bauman define como comunidade ética:

“[...] tecida de compromissos de longo prazo, de direitos inalienáveis e

obrigações inabaláveis, que graças à sua durabilidade prevista (...) pudesse ser tratada como variável dada no planejamento e nos projetos de futuro”

(BAUMAN, 2003, p. 68).

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Ora, temos conhecimento de que essas soluções que buscamos não servem ao

propósito de substituir a maneira como a grande indústria opera, e é aplicável - até o

momento – para atividades projetuais de pequena escala de produção, mas, que por

outro lado, ao assumir-se como procedimento dialógico, projeta e multiplica suas

ações, conceituações e conhecimento para escalas ainda não mensuráveis.

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2. TÊXTEIS PARA A RESISTÊNCIA: O PRIVADO TORNADO POLÍTICO

“[...] O texto ou o enunciado é escrito em tintafogo negra, mas o vazio em torno da letra ou do enunciado,

feito à tinta-fogo branca, também é real, tendo sido

criado com tanta sofisticação e propósito quanto o primeiro [...]” Nilton Bonder.

Denominamos têxteis de resistência os artefatos oriundos de tessitura cujas “funções”

têm seu uso desviado para reforçar o sentido e dar visibilidade a uma causa.

São, dessa forma, considerados “objetos desviantes”, parecendo, no primeiro

momento, preservados em sua singeleza e inocência. O singelo aqui não faz

referência à candura, mas de fato à simplicidade, a uma qualidade simplória do uso e

fazer iniciais, em muito relacionados àqueles fazeres tradicionais, aprendidos no

ambiente doméstico, relacionados a esse ambiente que em nada – ou muito pouco –

está associado às decisões e ações de vulto para o câmbio social, cultural ou político.

É importante ressalvar que, em nenhum momento, sua assim chamada “inocência”

deixa de existir. Ela é preservada, e é justamente essa relação de inocência X

violência que denuncia, no absurdo da sua presença.

Neste trabalho usaremos a expressão “objetos desviantes”, tendo como referência a

expressão “objetos desobedientes”, cunhada por Grindon e Flood13

Esse termo surge do trabalho de curadoria dos autores, intitulado Disobedient Objects,

com enfoque em ativismo, processos de criação e perspectivas sociopolíticas para o

Design, em mostra apresentada no Museu Victoria & Albert, em Londres, entre Julho

de 2014 até Fevereiro de 2015.

A fim de demonstrar o que seriam objetos desobedientes, Grindon selecionou objetos

produzidos a fim de promover resistência de forma inusitada, muitas vezes lúdica. São

definidos como objetos ligados às lutas sociais, usados por pessoas comuns no

exercício de resistência às autoridades (FLOOD; GRINDON, 2014). Da amostra

13 Tomamos contato com o termo, quando o curador Gavin Grindon esteve no Itaú Cultural, em São Paulo, apresentando seu trabalho no evento Design e Conspiração: Ziguezagues entre arte e filosofia, em Março de 2016.

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apresentada em sua fala, usamos como exemplo dois objetos. O primeiro foi um

exemplo de louça sufragista e, o segundo, as panelas usadas nas manifestações

contra o governo na Argentina.

Esses objetos cotidianos, trazidos a uso para marcar posições e opiniões, fazem

barulho, cada um a seu modo.

São pacíficos, ingênuos, domésticos. O que os faz desobedientes? O que os desvia

de seu uso esperado?

A xícara inglesa (figura 7) estampada com o pedido do sufrágio feminino traz à tona

uma discussão e desmantela a ideia de encontrar-se para o chá como uma atividade

frívola e cotidiana, dando a ela nova proporção: posta à mesa, declara com mais ou

menos estardalhaço, o posicionamento político da senhora daquela casa e propõe o

assunto. Longe de abandonar o seu propósito primeiro, ganha um novo significado,

sentido e utilidade.

Figura 7: jogo de chá em porcelana, produzido por HM Williamson de Longton em Sttafordshire – Grã-Bretanha – para a Women’s Social and Political Union, com logo desenvolvido por Sylvia

Pankhurst (1909).

Fonte: Disponível em: <www.windibank.co.uk>. Acesso em 03/01/2017.

Quanto às panelas, aquelas que foram expostas já não guardavam muita semelhança

consigo mesmas (figura 8). De tanto serem batidas umas contra as outras, haviam

sido deformadas. Seu uso planejado, no preparo do alimento, foi abandonado quando

elas foram levadas às ruas de Buenos Aires em 2001 a fim de protestar contra o

congelamento das contas bancárias dos Argentinos. Se por um lado, eram usadas

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para fazer barulho literalmente, mostrando descontentamento, também denunciavam

o empobrecimento do povo que levava às ruas suas panelas vazias14.

Figura 8: tampa de panela usada nas manifestações de 2001 em Buenos Aires, Argentina.

Fonte: Disponível em: <https://storify.com/vamuseum/disobedient-objects-twitter-tour>. Acesso em

03/01/2017.

Os objetos exibidos por Grindon no Victoria & Albert Museum de Londres, nesta

exposição, fazem ponte com muitos outros, projetados para ser desviados, mas

utilizando técnicas absolutamente inocentes e tradicionais.

14 Bater panelas não é uma novidade nas manifestações da América Latina. Agosín em Scraps of Life (1987) já reporta que, nas manifestações públicas denunciantes da recessão que assolou o Chile durante o regime de Pinochet, as mulheres iam às ruas com suas panelas. No Brasil, mais recentemente, em 2015, adotou-se o hábito, principalmente por parte da parcela mais abastada da população das grandes cidades, de bater panelas nas varandas dos apartamentos durante os pronunciamentos feitos pela então Presidenta da República, Dilma Roussef. O panelaço vinha acompanhado de assobios e gritos. Diferentemente das situações encontradas no Chile e na Argentina, o panelaço brasileiro fazia parte de um protesto em que o objeto apenas fazia ruído e não denúncia. A ideia era silenciar a governante, sem embate e abertura para o diálogo. Não foi feito questionamento (nota da autora).

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Fazemos aqui um pequeno aparte para destacar essa sub-categoria da

desobediência: o desvio.

Os objetos que denominamos desviantes oferecem-se dubiamente, não são

ostensivamente desobedientes. São apoiados em algum tipo de tradição produtiva,

normalmente relacionados à domesticidade seja pelas técnicas empregadas para

produzi-los, seja pelo ambiente em que são utilizados, seja por quem os produz ou

deles se apropria. Fazem um enfrentamento que se dá menos pela ruptura do que

pelo surpreendente e, ao chamá-los de desviantes, fazemos submergir as qualidades

whimsy, ou seja, de absurdidade que convocam.

O outro, a quem se faz enfrentamento também pela aparição de tais objetos, não pode

imediatamente manifestar-se desrespeitado/ofendido/desacatado por sua presença,

sem, com isso, expor sua própria arbitrariedade.

Os objetos desviantes que abordamos no presente capítulo são classificados como

têxteis de resistência, e fazem denúncia, uma vez que sua presença tende a desarmar

quem é confrontado por ele. O objeto adotado para resistência é afirmativo e

questionador. Demanda respostas pelas quais não necessariamente vai esperar. Seu

uso é disruptivo, e não convida ao diálogo.

Sua presença revela ausências. Nos exemplos que adotaremos aqui, as ausências

físicas para as quais também não são apresentadas respostas.

Os artefatos escolhidos tentam desarmar o confrontado, principalmente, porque o

questionamento, embora feito de forma clara pelo agente, quando reforçado pelo

objeto, vem pesado e sutil e denuncia a ilegalidade e a imoralidade dos regimes

ditatoriais sem, contudo, infringir a lei. Com isso torna-se passível de tornar-se símbolo

– o artefato ele mesmo – da situação à qual se faz resistência. Tratamos de peças

singelas, como dissemos acima. Artefatos do cotidiano, produtos de artesanato, ou

aos quais o fazer manual contribui para completar o sentido. Falamos de peças

cotidianas que denunciam de maneira significativa a alteração da palavra “cotidiano”

em determinado contexto.

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A “vida de todo dia” é, sobretudo, conectada à intimidade, àquilo que deveria ser

preservado do escrutínio público. O que faz com que seja transposta a barreira entre

a vida privada e o espaço público a fim de que o uso das materialidades de um seja

transportado para manifestar-se no outro, sendo adotado como ato político?

Abordamos três artefatos pertencentes a três contextos distintos/semelhantes, e que

guardam como similaridade, além de serem têxteis produzidos na América do Sul na

segunda metade do século XX, o fato de fazerem denúncia aos abusos cometidos

pelos regimes ditatoriais instaurados no Chile, na Argentina e no Brasil e terem sido

produzidos por mulheres.

A relevância do papel das mulheres como produtoras desses artefatos é manifesta

pela forte influência ibérica e machista na formação dos contextos delineados, em que

os trabalhos femininos e, especialmente os trabalhos de agulha performados por

mulheres são considerados de pouca valia, baixa criatividade e capacidade de

alcançar alguma importância em esferas exteriores à domesticidade.

Essa (des)percepção e insistência em qualifica-las como frágeis e incapazes foi o que

permitiu aos grupos a ação organizada enquanto os regimes não percebiam o volume

(da ação) do produzido até que fosse muito tarde para continuar ignorando seus

efeitos ou varrer seus efeitos para uma distância “segura”.

2.1 Resistência

A fim de abordar o transbordamento da contenção doméstica da produção têxtil para

a projeção política dos artefatos apresentados há que se entende-los em seus

contextos de produção.

Os artefatos eleitos aqui desobedecem a ordem a qual estavam subjugados. Painéis

toscos de tecidos, fraldas de pano guardadas como lembranças, lencinhos, vestidos

bordados. Ainda em um contexto da prática tradicional, são considerados produtos

simplórios atrelados às práticas manuais, que por seu caráter repetitivo, tradicional,

cujo fazer é aprendido na informalidade do lar, e cujos artefatos produzidos destinam-

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se ao uso doméstico, são consideradas sem destaque suficiente para ser alçado ao

caráter de arte – o que traria a essas peças um outro sentido – ou a qualquer categoria

que fuja à artesania, e, portanto, ocupam o lugar da “coisa menor”. Coisa de mulher.

De coisa desimportante passam a objetos de desafio, na medida em que subvertem

sentidos para que, então, essas mulheres menores, anônimas e invisíveis levem a

cabo a produção desses materiais revolucionários e que permanecem física e

ficcionalmente como relato de ação de resistência política.

Um têxtil resistente é, tecnicamente, aquele que, submetido a processos físicos e/ou

químicos, às ações do tempo, mantém ao máximo a sua integridade, não perdendo

suas características estruturais ou aparentes. Ou seja, aquilo que resiste, permanece.

Analogamente quando falamos de objetos têxteis de resistência, adotamos a leitura

da técnica para falar de política.

Da mesma maneira que o têxtil resistente não se submete às forças que se impõem a

ele, a adoção de um objeto têxtil para fazer parte de uma ação de resistência incorpora

aquilo que, no que diz respeito ao objeto em si, é imutável e impinge a ele o valor de

permanência e evidência. Traba (1973, apud; MACCHIAVELLO, 2016) define

resistência como a recusa à dependência.

Falamos aqui de trazer à superfície o que está na entrelinha, mas de uma maneira tão

firme e tão objetiva que qualquer sujeito reconheça as mensagens. As mulheres

produtoras desses artefatos trabalham no limite da legalidade. Fazem frente explícita

ao regime, mas operam de maneira a tornar absurdo a ação de quem quer que deseje

autuá-las. Não se podem prender pares de mulheres dando volta em uma praça na

quinta-feira à tarde. Não estão fazendo nada ilegal.

Não se pode prender uma mulher que dança sozinha com um lenço em uma mão e

uma foto presa à camisa.

Não se pode prender mulheres que produzem artesanato têxtil em oficinas promovidas

por igrejas a fim de que consigam subsistir.

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Não se pode prender uma mulher que resolve exibir vestidos bordados com anjos de

asas negras e sóis encarcerados.

Mas, em cada um dos casos, estas ações desafiam o sistema e fazem denúncia clara.

Falar da entrelinha é um sempre trazer aquilo que não está, a matéria invisível que

circunda o que se pode ver, aquilo que está entre o urdume e a trama e desfaz da

estrutura do tecido.

Uma vez que a função primeira de um pañuelo, uma arpillera ou um vestido não é de

fazer frente a um regime ditatorial, ou de sequer servir de lembrete que alguém que

faz parte de uma família não se encontra em lugar declarado, a abordagem feita aos

artefatos é a de que são objetos desviantes, com potencial disruptivo, levado a cabo

por deixar o contexto privado, a domesticidade e a passividade, para ser adotado

como símbolo (ou presença) de uma ausência e, daí em diante, tem caráter de

manifestação pública de um posicionamento político.

2.2 Arpilleras: Retratos Do Cotidiano Sob A Ditadura No Chile

Os primeiros artefatos observados por nós são as arpilleras.

Tradicionalmente, tratam-se de peças decorativas de artesania popular em que são

realizadas aplicações de tecidos com pontos de bordado sobre tecidos de saco de

arroz (também conhecido como aniagem, feitos de juta, fibra grosseira usada para

produzir um tecido muito utilizado para embalar grãos. A tessitura é a mais simples

possível, do tipo tela, em que um fio de urdume se entrelaça a um fio da trama). No

Chile, essas manifestações são encontradas inicialmente em Ninhue e Isla Negra,

como manifestação popular de bordado e retratam cenas cotidianas, festas populares,

as paisagens, os animais e tudo aquilo que compõe o dia-a-dia. Nessas localidades,

as superfícies são quase que completamente tomadas por bordados e muito pouco é

feito com aplicação de tecido. Gostelow (1983) nomeia esses artefatos,

especificamente, de needlepainting, ou seja, uma produção assemelhada à pintura

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das paisagens circundantes, porém produzida com linha e agulha ao invés do uso das

tintas.

Pode-se entender as arpilleras como um desdobramento do needlepainting, em que

são agregados, para dar forma às figuras retratadas, pequenos pedaços de tecido.

A produção, a despeito da técnica e do material adotados, diz respeito à construção

de imagens do cotidiano. Agosín (1987, p. 83) diz que “a arpillera é, acima de tudo

uma forma de arte popular usada para falar de experiências pessoais, mas também

para recontar a lenda da tribo, da maneira que fazem as culturas ancestrais”15.

Uma das mais conhecidas arpilleristas do Chile pré-Pinochet foi a folclorista,

multiartista e cantora Violeta Parra (figura 9), filha de um professor de música e de

uma camponesa. Sua obra, musical, poética e material está em muito e desde a

origem, atrelada à construção e percepção de identidade cultural chilena, o

reconhecimento dos itens que compõem tal ideia de identidade, percebida como o

amálgama das tradições campesinas/nativas e influências europeias, sem o

apagamento de nenhum lado e a valorização do que resulta desse encontro. Também

o conjunto da sua obra carrega uma forte carga política, devido à sua vinculação ao

Partido Comunista, e por meio da qual vive durante um período na Europa.

Não se pode apontar ao certo uma data para o surgimento da arpillera, ou do

needlepainting. Sabemos que mais de uma cultura no mundo – se não a grande

maioria - produz artefatos têxteis a fim de registrar suas paisagens, cotidianos e contar

suas histórias (BATT, 2010; PARKER, 1989), aquilo que lhes importa. Tais atividades

fazem parte da construção material da cultura de povos ao redor do mundo, e as

técnicas empregadas não são muito diferentes, os materiais diferem em função da

escassez e da abundância e das possibilidades de encontro de certas fibras para fiar

e tecer. Mas, de fato, os instrumentos e gestos são os mesmos, e, como diz Bacic

(2014, p. 67) “James E. Young escreve, ‘cada movimento da mão que empurra e puxa

a agulha’ está refletido em cada ponto”16. Também sabemos que as arpilleras não

15 Tradução livre da autora 16 Tradução livre da autora

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são, no mundo, os únicos e nem sequer os primeiros artefatos têxteis que são

tomados para, de alguma forma, fazer resistência. De acordo com Bacic (2014, p. 66):

“As arpilleras que foram provocadas à existência pelo regime de Pinochet

não foram os primeiras e nem mesmo os últimos têxteis com uma estória,

a nascer da violência. O povo Hmong produz roupas com estórias, os

afeganes produzem tapetes detalhados, e os Zulus criaram tecidos

memoriais [...]”17

Figura 9: La Cueca, 1962, bordado sobre tecido, 119,5 x 94 cm – acervo do Museu Violeta Parra

Fonte: Disponível em: <http://museovioletaparra.cl/coleccion/la-cueca/>. Acesso em: 03/01/2017

Contudo, conseguimos mapear, se não o momento exato, as circunstâncias que

tornaram possível a adoção de materiais, técnicas e procedimentos para transformar

a manifestação que relata, que retrata, que congela no tempo um momento, em

artefato têxtil de resistência, produzido com o intuito de, continuamente, retratar o

cotidiano, mas longe de manter a temática do bucolismo, do folclore, daquilo que se

17 Tradução livre da autora

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cristaliza enquanto vivência da cultura, faz emergir o que, a partir da instauração da

ditadura militar sob o comando do General Augusto Pinochet, se torna dia-a-dia e

sobre o que os veículos oficiais não podem falar. Ou seja, como diz Agosín (1987, p.

83) “com restos e retalhos, com objetos encontrados e rejeitos, pedaços de jornal,

fósforos usados, as arpilleristas metodicamente completam as lacunas

intencionalmente deixadas em branco na história chilena”.

Marjorie Agosín, professora da Welesley University, chilena e radicada nos Estados

Unidos, publicou Scraps of Life em 1987, quando ainda vigorava o regime ditatorial no

Chile18. Em seu livro, mapeia e descreve o contexto de formação dos grupos de

arpilleristas e como seu trabalho veio a ser conhecido fora do país. Iniciados em 1974,

os grupos de artesãs eram formados por mulheres que também pertenciam à

Associação de Famílias de Detidos-Desaparecidos.

A Associação de Famílias de Detidos-Desaparecidos, composta quase que

inteiramente por mulheres foi formada em 1974, sob a proteção do que podemos

traduzir como Pastoral da Solidariedade da Igreja Católica. Essas mulheres, logo após

a derrubada de Allende, e da consequente prisão e desaparecimento de seus

familiares, passam a ver-se umas às outras, com frequência, na busca de informações

sobre os paradeiros dos seus detidos. A dificuldade em conseguir qualquer rastro de

informação e a dor da incerteza as une.

E, é aqui que começamos a falar da ausência.

De acordo com Agosín:

Talvez a mais diabólica invenção das ditaduras Latino Americanas, praticada especialmente no Chile, e na Argentina até sua recente volta à democracia, foi fazer as pessoas desaparecerem. (...) Desaparecer

significa ser pego em uma esquina, arrancado da cama, ou retirado de um

cinema ou café por um policial, soldados, ou homens em roupas civis, e a partir daquele momento, sumir da face da Terra, sem deixar um único

rastro19 (AGOSÍN, 1987, p. 3- 4).

18 A ditadura militar no Chile se instalou no período entre 1973 e 1990, depois do golpe que derrubou o então presidente eleito Salvador Allende. 19 Tradução livre da autora.

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Desaparecidos dentro do sistema, inexistentes oficialmente, os familiares dessas

mulheres podiam estar em qualquer lugar, ou em lugar algum. Ao fazê-los

desaparecer, o abuso cometido pelo regime nunca começava oficialmente. Mas

aquelas pessoas não estavam mais ali e delas não se sabia nada. Nos jornais, não

havia notícia possível, e, também não se sabia a quem denunciar o desaparecimento.

Como se podia encontrar maneira de falar sobre esses desaparecimentos, como era

possível presentificar as ausências e os vazios – das pessoas, dos direitos, da

liberdade, das notícias e conforme foi se acomodando de fato o regime ditatorial, de

recursos e bens?

Bacic (2014, p. 66) diz que “as arpilleras foram usadas durante esse período para

contar as histórias dos ‘desaparecidos’, torturados, pobres e presos quando essas

experiências não podiam ser comprovadas”.20

Abaixo, uma das peças que consta no acervo da Fundação Salvador Allende. A

descrição da ficha cedida pela FSA, diz “busca por um parente desaparecido”.

Desaparecer com uma pessoa era um procedimento comum durante a ditadura – para

não dizer durante as ditaduras. A peça selecionada exibe a materialização do que é

viver em dúvida sobre o paradeiro e o estado de vida ou morte daquele a quem se fez

desaparecer.

Esses “pequenos quadros com figuras superpostas no tecido para criar cenas cheias

de vitalidade e movimento, cujo principal efeito é o de denúncia política21” (AGOSÍN,

1987, p. 12) foram produzidos em um contexto de impossibilidade de fala, porém

tiveram sua produção protegida por ações oficiais controladas e vigiadas, dentro das

Igrejas, em oficinas promovidas pela Igreja Católica, uma vez que as igrejas eram

lugares para onde também convergiam os parentes de detidos-desaparecidos, em

busca de auxílio, alento e informação.

20 Tradução livre da autora. 21 Tradução livre da autora.

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Figura 10: sem título, 38X49 cm, ano de produção desconhecido, autor desconhecido, Saco de

farinha, retalhos, fios e barrado de lã.

Fonte: acervo da Fundação Salvador Allende, extraído pela autora, 2018.

Nesses espaços de encontro, em que passam, independentemente de serem hábeis

ou não, a produzir suas narrativas em têxteis (oficialmente, a fim de que pudessem

conseguir algum recurso financeiro, já que, a maior parte dos desaparecidos naquele

momento eram homens e elas haviam ficado sem meios de sustentar suas famílias).

O têxtil construído é a superfície em que se constrói o texto que a mídia chilena não

pode publicar.

Às mulheres foi ensinado o ofício, dando também a elas a oportunidade de dividir

aquilo que em outros lugares eram obrigadas a calar. “Nessas comunidades do tecido,

tesouras e agulhas, as mulheres despejavam suas histórias nos tecidos” (BACIC,

2014, p. 67). Na produção das arpilleras materializavam aquilo que o regime insistia

em acobertar, em fingir que não existia, e que, rapidamente tornou-se o seu cotidiano:

os encontros nas Igrejas (figura 11), o papel das mulheres como voluntárias para

alimentar o povo (figura 12), os atentados, prisões (figura 13), perseguições, os

protestos, as perguntas, as salas de tortura e os assassinatos (figura 14). Além do

cotidiano, também retratavam os desejos pelo retorno à democracia e

consequentemente de seus parentes desaparecidos (figura 15), a queda dos militares,

ou mesmo um Natal farto (AGOSÌN, 1987, p.85).

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Como em grande parte das arpilleras, observa-se os Andes ao fundo, da cena

cotidiana em que as mulheres se movimentam para produzir alimento para a

comunidade desprovida de víveres.

Figura 11: Solidaridad en la Iglesia, 61X53 cm, 1986, Leonor Iribarren, Saco de farinha, retalhos, fios

e barrado em lã. Descrição em Ficha: cena do interior de uma igreja.

Fonte: acervo da Fundação Salvador Allende, extraído pela autora, 2018.

Figura 12: Olla Común, 38X48 cm, ano de produção desconhecido, autor desconhecido, Saco de farinha, retalhos, fios e barrado de lã.

Fonte: acervo da Fundação Salvador Allende, extraído pela autora, 2018.

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Figura 13: Prisioneros políticos en la academia de Guerra, 65X50 cm, 1980, Silvia Zamora, saco de

farinha, retalhos, fios e barrado de lã. Descrição em ficha: Campo de concentração, prisioneiros nus.

Fonte: acervo da Fundação Salvador Allende, extraído pela autora, 2018.

Figura 14: Ellos mataron a nuestra professora, 65X50, 1983, Carolina Diaz-Monroy, saco de farinha,

retalhos, fios e barrado em lã. Descrição em ficha: Cena de assassinato, enquanto as crianças

observam da escola.

Fonte: acervo da Fundação Salvador Allende, extraído pela autora, 2018.

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Figura 15: Sueño por el reencuentro II, 70X58 cm, 1982, Juana Vera, Saco de farinha, retalhos, fios e

barrado de lã. Descrição: Mulher sonhando com seu parceiro detido-desaparecido.

Fonte: acervo da Fundação Salvador Allende, extraído pela autora, 2018.

Assim, como afirma Yasky (2016, p. 92):

Por meio do ofício da costura, mulheres chilenas narravam acontecimentos dramáticos em obras têxteis de pequeno formato e grande

colorido, causando interesse e impacto no público que visitava as exposições, segundo diz a cobertura da imprensa no período.22

Certamente, o trabalho das arpilleristas, ainda que tenha demorado a ser notado, não

passou completamente irreconhecido pelo regime. Em 1977, um artigo publicado no

jornal La Tercera dá conta de que as arpilleras “espalham calúnia e infâmia e (...)

disseminam a crítica aos problemas estritamente políticos do país” (in AGOSÍN, 1987,

p. 63).

Bacic (2014, p. 69) aponta que:

“Levou cerca de cinco anos até que o governo atentasse para sua natureza subversiva [das arpilleras], simplesmente porque elas utilizavam

uma atividade muito cotidiana e mundana para expressar sua resistência. Além disso, as arpilleras eram atos de resistência no sentido em que

rompiam com a tradição. Primeiro, as arpilleras resistiram ao formato

costumeiro do idílio rural por mostrar imagens de opressão política e

refletir modos de vida mais urbanos. Segundo, elas permitiram que mulheres resistissem aos papeis tradicionais ao fazer com que tivessem

22 Tradução livre da autora.

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maior poder econômico – algo que era especialmente relevante quando

muitos dos provedores tradicionais tinham desaparecido ou estavam presos”.23

Oficialmente, produzir arpilleras não configurava nenhum crime e elas eram,

sabidamente, produzidas a fim de ser comercializadas como peças de artesania.

Extra-oficialmente, as peças eram vendidas para manter a causa e as produtoras dos

relatos. As peças eram coletadas e enviadas clandestinamente ao exterior, tendo sido

exibidas entre 1977 e 1980 em Cuba, na França, Espanha e Polônia, com o título de

“As Bordadeiras da Vida e da Morte”.

Yasky (2016, p. 91) aponta as arpilleras como de grande importância para o Museu

Internacional de Resistência Salvador Allende 24 (MIRSA) e sua campanha

internacional de denúncia contra o regime ditatorial no Chile:

“[...] já que ilustram, a partir de relatos individuais femininos, cenas cotidianas da vida na ditadura. Por seu valor testemunhal, essas obras

foram logo incorporadas às mostras que se realizaram nos distintos países em que funcionou o Museu”.

Algumas dessas peças retornaram ao Museu para compor seu acervo após a queda

dos militares, vindas de muitos lugares. Algumas das peças do acervo foram

produzidas no exílio, por mulheres chilenas, e outras foram levadas ao exterior e

retornadas, tornando-se não apenas peças de arte tradicional vendidas para levantar

fundos e trazer luz a um período obscuro da História do Chile, mas também serviram

como embaixadoras, levando em si aspectos da cultura chilena (BACIC, 2014, p. 69).

Em conjunto, contudo, é possível construir um relato dos anos vividos sob a ditatura

e, com esse intuito montou-se a exposição “Periódico de Tela”25, realizada em 2007,

23 Tradução livre da autora. 24 O MSSA (Museu da Solidariedade Salvador Allende) é um museu de arte moderna e contemporânea localizado hoje em Santiago, Chile, fundado em 1971. A história do Chile e as tensões ideológicas que enfrentou o mundo se misturam com as distintas fases que atravessou o próprio museu, fazendo com que tenha adotado até o momento três nomes diferentes. Inicialmente, foi fundado como Museu da Solidariedade, tendo esse nome permanecido até 1973. Esse período se caracteriza pela doação de obras de artistas internacionais para o povo do Chile. A partir do golpe de 1973, o museu precisou se reestruturar, passando a chamar-se Museu Internacional da resistência Salvador Allende. O acervo tornou-se itinerante e passou a ser composto por obras de artistas internacionais e chilenos, como um gesto de resistência. A partir do retorno à democracia e à restituição do acervo e consequente reabertura do museu em solo Chileno em 1991, o museu foi renomeado como Museu da Solidariedade Salvador Allende. Disponível em: <https://mssa.cl/el-museo/>. Acesso em: 15/02/2017. 24 Tradução livre da autora 25 Exposición Arpilleras de Chile. Periódico de Tela. 2007. (31m12s). Disponível em:

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na Fundação Salvador Allende. A exposição foi desenhada em ordem cronológica,

desde o golpe de 1973 até o retorno da democracia em 1990. O que se pode ver, é o

que também descreve Agosín (1987, p. 84):

Durante os primeiros anos da ditadura, 1973-1974, quando a vida de tantos tinha sido despedaçada, os desenhos das arpilleras também eram

essencialmente fragmentos desconectados. Depois que as mulheres começaram a se organizar e encontraram alguns caminhos para as suas vidas, isso passou a se refletir nas arpilleras. Os elementos separados

construíram um todo, o mundo estava se recompondo de alguma maneira.

Para nossa pesquisa, o que pesa sobre a produção têxtil de resistência do período da

ditadura chilena é aquilo que Bacic aponta como a relação entre o individual e o

universal, a compreensão simultânea de que o acontecido a cada uma das envolvidas

– o desaparecimento de seus parentes - é pessoal e particular, mas que não estão

sós e que, no que concerne ao universal, ao comum que estão vivenciando, também

estão as muitas privações que o povo sofre, a começar pelas liberdades individuais e

chegando às questões críticas de falta de víveres e emprego e o empobrecimento

geral da população, enquanto as divisas do país são evadidas por ordem do regime

ditatorial.

É a maneira coletiva e ao mesmo tempo individual de dar testemunho e denunciar e

questionar o que está acontecendo, sabendo que, quem deveria responder às

perguntas feitas está cego e surdo a quem as faz.

2.3 Corpos Ausentes: Os Pañuelos Das Mães Da Praça De Mayo

Mães são animais tolos. Apegam-se a bobagens. Guardam cueiros, chupetas,

camisas. Sentem nessas coisas os odores que só existem – se acaso existirem – na

memória. Vêem nesses objetos cotidianos amarelados, manchados, meio roídos pelo

tempo, os sorrisos, os choros, os tombos, os gênios.

<https://www.youtube.com/watch?v=aB7k4nudrKA&t=581s>. Acesso em: 02/01/2018.

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O tempo passa. O menino, hoje homem feito, diz para a mãe que se desfaça daquilo,

que o chame por seu nome, não mais pelo apelido infantil. É um homem, e aquelas

coisas – “quinquilharias” – ocupam muito espaço.

Somente uma mãe pode imaginar a dor de não ter com que acalentar a esperança de

rever seu menino. Somente uma mãe teria a coragem de expor em praça pública a

dor excruciante de não saber o paradeiro de quem ama, carregando na mão qualquer

coisa que diga “veja! Olhe para mim! Você tirou de mim um inteiro e só deixou um

retalho! Me diga aonde ele está! Me devolve o menino!”.

O segundo artefato têxtil de resistência do qual tratamos são os pañuelos usados

pelas Mães da Praça de Mayo, como distintivos que as identificam e que, ainda que

silentes, não só perguntam aos agentes do governo por aqueles que um dia couberam

naqueles cueiros, mas, sobretudo, demandam sua restituição às famílias.

Figura 16: Pañuelo manchado com sangue de uma das Mães da Praça de Mayo – Acervo do Museu

do Bicentenário em Buenos Aires, Argentina

Fonte: Disponível em: <https://ar.pinterest.com/pin/571957221398829484/>. Acesso em: 02/01/2018.

A nossa discussão aqui, diferente do que tange às arpilleras, não é sobre a criação de

um relato a partir de retalhos, e nem da adoção das práticas tradicionais, embora, com

o tempo, tenha sido incorporado ao objeto o bordado em ponto cruz em linha azul,

que o singulariza no universo dos lenços de cabeça. Aqui tratamos da adoção de um

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objeto, desviando-o do seu uso primário, para tornar mais evidente a ausência do seu

usuário original.

O pañuelo é o objeto desviante por excelência. Como já dissemos, é silencioso e, ao

mesmo tempo, eloquente, ruidoso.

Sua primeira nova função é identificar a mulher que o porta como mãe de alguém, cujo

pañal (cueiro, fralda) veste sobre a cabeça à guisa de um pañuelo (lenço), mas

também dá a ela a maternidade de uma causa que ocupa um lugar, e, como diz

Rosenberg (1992, p. 65) identifica o grupo como:

“[...] ‘mães’, já não de tal ou qual homem ou mulher cuja existência faz

perigar o regime, mas da ‘Praça de Mayo’. Mães de um lugar, do lugar

mítico de origem da vontade política do nosso povo de viver uma vida

independente”. 26

O pedaço de tecido sobre a cabeça dessas mães demanda respostas a perguntas não

feitas. Exige o retorno – com vida – de quem, como no caso chileno, foi feito

desaparecer. Não entrou no sistema.

A crueldade existente no fazer desaparecer de uma pessoa está em não fornecer

notícias à família, mas também em fazer desaparecer os delitos cometidos contra a

vida dela. Se não há registro de entrada no sistema, caso ela retorne, o que quer que

ela diga sobre o tempo em que ficou detida não é passível de comprovação e ainda

pode ser contestado. Ao mesmo tempo a história e a credibilidade de não só uma

pessoa, mas de todos que se relacionam com ela, deixam de existir.

Rosenberg (1996), aponta que existem dois tipos de mãe na Argentina, as mães de

desaparecidos e as Mães da praça de Mayo. No primeiro caso, a sua dor é privada,

não é levada a público e se “naturaliza”, como um fato da vida. As Mães da Praça, por

outro lado são aquelas que assumem a defesa da vida, e das suas garantias jurídicas,

26 Tradução livre da autora.

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políticas e sócio-econômicas, além de demandar não só dos órgãos governamentais,

mas da sociedade como um todo que respondam pelo que lhes aconteceu.

Entendem-se como mães “paridas” pelos seus filhos (MORALES, 2014). O

desaparecimento destes fez com que elas nascessem como grupo que toma a Praça,

como família que cuida e protege não apenas no âmbito íntimo e doméstico, mas

também na praça pública, a praça cercada pelos poderes.

Em grupo, também diferente do acontecido no Chile, não são clandestinas, dão cara

e nome às suas buscas, e levam à vista da população circundante as suas perguntas.

Assim como no caso chileno, as Mães da Praça de Mayo passaram a reconhecer

umas às outras enquanto buscavam notícias dos seus parentes detidos-

desaparecidos. Como as arpilleristas chilenas, cada uma delas sai às ruas a partir do

seu drama particular e só depois ancora sua organização e ação coletiva em papéis

e identidades femininas (MORALES, 2014).

São, por elas mesmas descritas, as mais comuns das mulheres, unidas na dúvida e

na dor e que passam a reunir-se na Praça às quintas-feiras feiras porque “às segundas

é o dia de lavar roupa. Melhor na quinta-feira, disse uma, e ficou sendo quinta”27

(ROSENBERG, 1996, p. 262), e formam seu grupo sem alinhamentos político-

partidários. Suas ações não estão pautadas por uma agenda, mas se organizam

“transversalmente, sobre sua condição feminina (...) mais do que sobre a dimensão

ideológica ou da posição que ocupam na estrutura social” (FEIJOO e GOGNA, 1987;

apud MORALES, 2014, s.p.) 28.

Jelin (1987, apud MORALES, 2014, s.p.) afirma que “a identidade (mãe, dona de casa,

mulher) é um elemento chave para compreender esses movimentos” 29 que não

seguem a lógica das ideologias políticas porquanto buscam dar novo sentido às ações

políticas estabelecidas e compreendidas.

27 Tradução livre da autora. 28 Tradução livre da autora. 29 Tradução livre da autora.

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A maneira como escolhem se manifestar mais costumeiramente é difícil de enquadrar

como uma reunião pública não autorizada, prevista como ato subversivo, pois andam

aos pares, dando voltas na Praça, obedecendo a ordem recebida em 30 de Outubro

de 1977 sob a mira de armas (ROSENBERG, 1992):

“Cada volta sobre seus passos já repetidos tantas vezes, cada volta, a mesma volta de sempre, as distancia tanto de conseguir seu único objetivo

inicial, a recuperação do filho, como da sua forma de exercer essa demanda. Demanda de não ser donas da vida e da morte. Demanda de

que não quede à mercê da mãe a declaração da morte do filho. Demanda de que o saber da vida e da morte dos filhos não permaneça anônimo nem

posto à conta da certeza da mãe, realizando arcaicas fantasias de reintegração. Demanda de história, datas, formas, circunstâncias [...]

(ROSENBERG, 1992, p. 66)30

Material e imaterialmente confrontam um governo, mais uma vez pouco desejoso de

responder, e deixam a ele o problema de ouvir as demandas de uma turba de

mulheres que cobrem a cabeça de branco e a cada quinta feira, dão voltas na Praça

de Mayo, diante do Palácio do Governo, da Catedral Metropolitana, do Banco da

Nação Argentina, do Cabildo e da Sede do Poder Legislativo (Honorable Concejo

Deliberante), todos símbolos do poder de uma nação formada também por elas – que

estão presentes – e por aqueles sobre os quais perguntam – uma vez que não estão

ali.

Não se trata de inverter os papéis, mas de subvertê-los, uma vez que acontece o

deslocamento e a ressignificação dos símbolos (da mãe, do filho, do cueiro, do

bordado), amalgamando as ideias de público e privado, individual e coletivo e o papel

do feminino em uma sociedade patriarcal, machista e conservadora.

É assim que essas mães ganham a pecha de “loucas”. Demandam o retorno de seus

filhos, dizem que foram presos pelos militares, mas oficialmente, a seu respeito não

existem registros. Elas estão delirando, usando sobre as cabeças fraldas atadas

debaixo de seus queixos, andando na praça toda semana. Seus filhos fugiram, as

deixaram, elas ouvem. De outras partes, as histórias que ouvem são outras. E são

30 Tradução livre da autora.

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iguais, são tirados de suas camas no meio da noite, estavam na rua à noite e são

levados. Outras histórias são mais sombrias, contam o que aconteceu a eles, ou aos

outros, uma vez que desapareceram. Vez por outra, são encontrados, no Rio da Prata.

Ou em valas comuns, indigentes. Os encontrados não têm nome, não podem ser

reclamados. Passam a ser número e:

Dez, vinte, trinta mil torturados, mortos, desaparecidos (...). Nessa escala, as cifras deixam de ter qualquer significado humano. Em grandes volumes

os homens se transformam em números constitutivos de uma quantidade e é então que se perda a noção de que se trata de indivíduos. (CALVEIRO,

2013, apud MESQUITA, 2015, p. 10).

Figura 17: Ronda de Madres de Plaza de Mayo, 1981, Fotografia de Carlos Villoldo

Fonte: Disponível em:

<http://propuesta77.blogspot.com/2014/03/madresdeplazademayofotografia.html?m=1>. Acesso em: 02/01/2018.

As mulheres de cabeça coberta que andam em círculos pela Praça de Mayo às quintas

feiras à tarde se recusam a deixar que seus filhos façam parte de uma estatística. Ao

carregar consigo um pedaço de suas memórias marcado com seus nomes, e, em

grupo, os mantém individualizados. De acordo com Rosenberg (1992, p.69):

“A matéria significante transformada: (...) os pañuelos brancos em que se

condensam o choro de dor e a despedida impossível desse filho cujo nome leva escrito, o esvaziamento da identidade do desaparecido mostrado em

sua presença (...) são algumas das formas com que impressionaram e,

paradoxalmente, renovaram a cristalizada simbologia política em curso,

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obstinada na maior parte das vezes em fazer esquecer a presença sinistra

dos desaparecidos entre nós [...].31

O que rechaçam é que sejam elas a decidirem quando seus filhos - nunca devolvidos

- foram levados, torturados, mortos e tiveram seus corpos aniquilados.

E também recusam ser elas as responsáveis por havê-los criado mal (MORALES,

2014), como a muitas das mães foi dito quando foram buscar por informações acerca

de seu paradeiro. O Estado ainda as queria fazer crer que, se haviam se tornado

subversivos e se haviam sido detidos, além de estarem do lado oposto à legalidade,

haviam sido mal-criados e suas mães tinham descuidado de sua boa educação.

Também rechaçam o esquecimento e fazem daquilo que adotam como símbolo de

sua luta e condição o lembrete constante do que aconteceu às suas vidas e às suas

famílias e, sobretudo à sua condição de mães.

Na recusa em deixar que desapareçam seus filhos, “marcam”32 com pontos delicados

em linha azul nos seus pañuelos os nomes dos seus familiares, a data de

desaparecimento, e a demanda da restituição com vida. Algumas ainda prendem aos

lenços ou à roupa as fotos deles.

Figura 18: Mãe e filha em Avellaneda, 1982. Fotografia de Adriana Lestido.

Fonte: Disponível em:

<http://propuesta77.blogspot.com/2014/03/madresdeplazademayofotografia.html>. Acesso em:

02/01/2018.

31 Tradução livre da autora. 32 As bordadeiras tradicionais chamam, no Brasil, o bordado em ponto cruz de marcado. Adoto

essa nomenclatura da tradição no sentido em que as Mães da Praça de Mayo carregam nos

seus lenços as marcas permanentes do desaparecimento dos seus familiares.

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A marca deixada permanece e ainda distingue essas mulheres, esse grupo e marca

fisicamente a paisagem. Marca fisicamente a História da Argentina, e a memória de

um país.

Fisicamente, estão presentes como marca gráfica sobre a cidade de Buenos Aires, o

pañuelo tendo se tornado marca distintiva da causa e reconhecível em sua forma mais

simples, presentificando não apenas o filho detido-desaparecido, mas também à sua

mãe, ao grupo ao qual pertence e à própria memória dos abusos cometidos pela

ditadura na Argentina.

Figura 19: Pañuelos pintados na Plaza Cívica 12 de Octubre – Ushuaia – Argentina – 2015

Fonte: Disponível em: <http://www.redintdf.com/ushuaia/madres-y-abuelas-de-plaza-de-mayosus-

panuelos-seran-pintados-en-la-plaza-civica/>. Acesso em: 02/01/2018.

Figura 20: Um povo com memória é democracia para sempre.

Fonte: Disponível em: <http://infoblancosobrenegro.com/noticias/9852-la-fulp-tambien-hara-

unreconocimiento-a-las-madres-de-plaza-de-mayo-linea-fundadora>. Acesso em: 02/01/2018.

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Em janeiro de 2018, as pinturas dos pañuelos que marcam a ronda das Mães da Praça

de Mayo foram removidas para que o piso da praça pudesse ser reformado. A

associação das Mães colocou-se em marcha rapidamente e as lajotas foram retiradas

sem que se pudessem romper e doadas “pelo povo argentino às Mães da Praça de

Mayo” (figura 21). Hebe de Bonafini, presidenta da Associação, declarou em entrevista

ao site Infonews33, no dia 23 de Janeiro de 2018, que “existem muitas maneiras de

apagar a História e nós não temos que permitir pois somos a História viva”34.

Figura 21: Pintura de pañuelo removida do piso da Praça de Mayo e doada à Associação das Mães da Praça de Mayo

Fonte: Disponível em <http://www.infonews.com/nota/313071/hebe-explico-por-que-decidieron-

conservar >. Acesso em: 02/01/2018

A declaração de Bonafini nos põe a pensar nessa marca, nascida de um objeto que

passa a ter a imagem como grande símbolo de uma luta e inclusive da memória, da

história, da permanência e da resistência, enquanto reforça a insistente ausência

daqueles por quem forma tomados a fim de presentificar (figura 22).

33 http://www.infonews.com/nota/313071/hebe-explico-por-que-decidieron-conservar 34 Tradução livre da autora

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Figura 22: Cartaz comemorativo do dia Nacional da Memória e da Justiça. A memória que não se

pode apagar é um pañuelo. 2015, Caja de Ayuda y Subsidio para Familiares del Personal de la

Industria (CASFPI), atual Administración Nacional de la Seguridad Social (ANSES).

Fonte: Disponível em: <https://anibalfuente.blogspot.com/2015/03/efemerides-del-24-

demarzo.html?spref=pi>. Acesso em: 02/01/2018.

2.4 Zuzu Angel: A Moda Usada Para Denunciar A Ditadura No Brasil

Uma mulher recebe a notícia do aprisionamento de seu filho. Não consegue encontra-

lo. Ninguém informa aonde ele pode estar. Apenas respondem que ali, naqueles

lugares em que ela procura, ele não está. Ninguém permite que ele seja visto ou

ouvido. O menino foi preso, torturado, teve a boca colada ao cano de escapamento

de um automóvel ligado, foi arrastado vivo por um terreno, vindo a falecer. Ao invés

de restituir o corpo à mãe que o procurava, foi levado de helicóptero e lançado ao mar.

A mãe que o procurava fez vestidos bordados com anjos aprisionados, sóis sob

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grades, tanques de guerra, pequenos generais, nuvens negras, e os apresentou em

um desfile-denúncia. Ela teve seu carro jogado para fora da estrada num acidente

suspeito.

Primeira estilista brasileira a falar em identidade da moda brasileira, Zuzu Angel foi também a primeira a usar a moda como bandeira política. No

auge da ditadura, foi através da coleção desfilada na embaixada brasileira nos Estados Unidos que Zuzu denunciou ao mundo os bastidores de

tortura e morte no regime militar. A denúncia através da moda lhe custou a vida (FRAGA, 2012, p. 219).

Zuzu Angel Jones, nascida Zuleika de Souza Netto, na cidade de Curvelo, Minas

Gerais, no ano de 1921, teve seu filho Stuart Edgard Angel preso, torturado e morto

pela ditadura militar35 em 1971.

São os artefatos construídos por ela a fim de denunciar a ditadura e seus feitos no

Brasil que abordaremos nessa seção. A saber, diferem dos anteriormente adotados

por ser produção individual, sim, mas sobretudo por apropriar-se não apenas dos

gestos e materiais para a produção têxtil a fim de constituir uma materialidade de

resistência, mas também por equipar-se do sistema e da linguagem da Moda para

constituir resistência e discurso político de denúncia e pedido de reparação.

Abrimos aqui um parêntese para ressalvar em parte nossa argumentação e

articulação. A Moda ainda é considerada por muitos, como visto em Munari (1998)

como atividade fútil, e embora seja uma categoria do Design, ainda há quem defenda

que a associação com a ideia de luxo e a construção das aparências deveria

desqualificar a atividade como tal, exceto quando se presta à produção de uniformes

e itens utilitários que correspondam à noção de vestuário, como calçados desportivos

e luvas para atender a necessidades específicas, por exemplo.

Contudo, encontramos outras correntes que oferecem de maneira ampla definições

de Design e toda sorte de demanda que o designer deve atender.

Assim tomamos a definição de Coelho, para quem Design é:

35 A ditadura militar no Brasil teve início em 1º de abril de 1964, com o golpe que destituiu o

presidente João Goulart, e durou até 15 de março de 1985, alternando na presidência do país

uma sucessão de governantes militares.

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“[...] essencialmente uma práxis que, acompanhada de teorias (para fundamentação e crítica), tem como tarefa dar forma a artefatos,

considerando um projeto previamente elaborado com uma finalidade

objetiva específica (COELHO, 2008, 187-188).

Nesse sentido, o Design de Moda atende às exigências da grande área do Design na

produção de artefatos projetados para, fundamentalmente vestir corpos, mas também

“equacionar, sistêmica e simultaneamente, fatores sociais, culturais, antropológicos,

ecológicos, ergonômicos, tecnológicos e econômicos” (COELHO, 2008, p. 188) e

porque não, políticos.

O caso de Zuzu Angel é um aparte e oferece um pequeno desvio em nossa pesquisa.

Quisemos trazer o exemplo brasileiro de ação de resistência construída sobre a

plataforma do têxtil à ditadura militar. Sua realização é individual, o projeto de uma

designer de Moda, que não deixa de projetar vestidos e de utilizar na construção

destes (especificamente os do desfiledenúncia realizado na embaixada do Brasil nos

Estados Unidos) aqueles elementos que a profissional já havia adotado ao longo da

sua carreira a fim de formular o sistema de signos que deriva na linguagem pela qual

veio a tornar-se conhecida.

A partir da abertura do pequeno ateliê, em 1957, até a apresentação do desfile-

denúncia em 1971, Zuzu Angel incorpora à sua produção a mescla de estamparias

com amostras da fauna e da flora do Brasil e as rendas, bordados, pedrarias, conchas

e contas de madeira encontrados na produção artesanal do país.

Certamente não é de uma hora para a outra que ela conquistou uma clientela que a

levou a promover lançamentos em espaços maiores que o seu ateliê no Rio de

Janeiro. A produção que, de certa forma, descolonizava o olhar, despertou o interesse

das mulheres da sociedade carioca e também portas para exibir fora do país suas

criações36 que, em tudo, eram novidade.

36 Em 1970, apresenta na Bergdorf e Goodman a International Dateline Collection, com boa repercussão na mídia internacional. Em 1971, tem suas peças apresentadas em Londres, no

Canadá e na Alemanha. No mesmo ano apresenta a 2ª International Dateline Collection, com boa repercussão também na imprensa brasileira. Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/ocupacao/zuzu-angel/colecoes/>. Acesso em 03/01/2017.

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Contudo, nosso foco está no produzido para o 3º lançamento que realizou nos Estados

Unidos em 13 de setembro de 1971 (INSTITUTO ZUZU ANGEL, s/d). A International

Dateline Collection III – Holiday and Resort, apresentada na residência do cônsul

brasileiro, Lauro Soutello Alves, em Nova York, apresentou:

“[...] roupas descontraídas para férias e lazer, como shorts e saias-

envelope, vestidos esvoaçantes em tecidos leves para ocasiões

especiais e vestidos de casamento. Por último, vestidos brancos

com modelagem ampla e bordados coloridos e pueris (ITAÚ CULTURAL, 2014).

Mas é o caráter desviante desta coleção que a aproxima das arpilleras e pañuelos

anteriormente apresentados. Em tudo, o produzido por Zuzu são apenas vestidos.

Também carregam em si a domesticidade dos gestos familiares do bordar e do tecer.

Já os motivos escolhidos contam uma outra história.

“Os bordados artesanais reproduziam figuras inocentes – anjos, pássaros, árvores, casas e tambores – e mordazes – uniformes, quepes, aviões, canhão, jipes, navios, pássaros engaiolados, o sol atrás de grades ou quadrado e palhaços armados. (...) Foi um marco: a primeira coleção a usar a moda como instrumento de denúncia de um regime político autoritário. (...) A partir daí o anjo em camisetas e estampas foi se tornando mais constante e seu significado transformado em alusão ao filho (ITAÚ CULTURAL, 2014)”.

Figura 23: International Dateline Collection III – Holliday and Resort, 1971. Na imagem, a modelo veste blusa em que a gola tem os bordados de um anjo e um sol por trás das grades, em alusão ao

aprisionamento de Stuart Angel Jones.

Fonte: Disponível em: <http://www.itaucultural.org.br/ocupacao/zuzu-angel/colecoes/>. Acesso em:

02/01/2018.

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Figura 24: International Dateline Collection III – Holliday and Resort, 1971, Na imagem um dos

vestidos em linho branco que encerrou o desfile realizado em Nova Iorque. Apresenta

bordados de anjos, pássaros, quepes militares.

Fonte: Disponível em: <https://www.zuzuangel.com.br/>. Acesso em: 02/01/2018.

Assim como as Mães da Praça de Mayo, também ela personifica a mater dolorosa,

passando a vestir luto, véu, e cruzes atadas ao cinto, e torna-se, assim, a imagem da

própria dor. O que fragiliza Zuzu Angel, contudo, é que trabalha só. Sua luta, no Brasil,

não tem o caráter coletivo, não tem a força de um grupo que a consola e dá suporte.

Ela conta com as suas forças, o seu trabalho, as cartas que escreve e a visibilidade

que consegue por meio do que produz para lidar com a sua causa e protestar.

Sendo um indivíduo que luta sozinho, diferente do que ocorre às Mães da Praça de

Mayo (que, como argumentam, vão em grupo à Praça porque se fossem sozinhas não

impactariam ninguém), desde o princípio, obriga-se e alcança seu intento em não

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deixar o desaparecimento do seu filho ser apenas mais um. Assim, Zuzu Angel, além

de tornar pública a dor que é privada, torna-se alvo daqueles a quem questiona. 37

Figura 25: Zuzu Angel e modelo. 1971. A designer veste luto: o vestido preto, véu, o pingente de anjo

no pescoço e o cinto com as cem cruzes penduradas que se tornou o seu hábito depois da prisão de seu filho. A modelo veste um dos looks da International Dateline Collection III, com o bordado de tanque

de guerra e do anjo, que tornou-se da marca de Zuzu em referência a Stuart.

Fonte: Disponível em: <http://memoriasdaditadura.org.br/biografias-da-

resistencia/zuzuangel/index.html>. Acesso em: 02/01/2018.

O pedido de Zuzu Angel, sabendo que o governo militar não lhe devolveria o filho, uma

vez que o corpo foi lançado ao mar, era que alguém assumisse o que havia sido feito,

e dignificasse seu luto. Mas o que ela pedia, era legitimidade, que pouco interessava

ao governo, uma vez que, como já tratamos nos casos anteriores, se não há corpo,

não há delito, não se pode julgar os culpados de um crime que não existiu

(D’ANTONIO, 2006).

Assim, de uma certa forma, por meio dos vestidos e dos bordados, ela reconstitui uma

corporeidade por meio da qual pode vivenciar sua perda.

37 As cartas escritas por ela às autoridades, a carta recebida por ela com o relato do ocorrido ao filho, vestidos, fotos, pertences, foram expostos na Ocupação Zuzu Angel, realizada em

2014 no Itaú Cultural, em São Paulo – SP e podem ser acessados online em http://www.itaucultural.org.br/ocupacao/zuzu-angel/. Também o acervo do Instituto Zuzu Angel está disponível online em https://www.zuzuangel.com.br/

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Sobretudo, Zuzu Angel inaugura, no desfile de 1971, o uso da Moda como denúncia

e não o fará apenas nessa ocasião. Ela vai levar o manifesto e a denúncia às suas

atividades, tornando a figura do anjo e a estampa dos pássaros negros a marca

registrada do seu trabalho e da sua luta até o “acidente”38 que tirou sua vida em 1976.

2.5 Quando Não Há Diálogo

A resistência não é complacente. No que tange à propriedade física à matéria, a

resistência mede quanto de esforço um corpo pode suportar até que se rompa. Resistir

é estar em estado de tensão ou compressão extrema, a ponto de rasgar-se, e mesmo

assim há reação.

Os artefatos aqui selecionados fazem o papel de mostrar não só o risco, mas a própria

ruptura. Produzidos em grupo ou individualmente, manifestam questões, confrontam.

Mas, não delineiam Áreas de Diálogo – como os modelos que trouxemos em nosso

primeiro capítulo e sob a égide dos quais parametrizamos a nossa prática em Design.

Apresentam discursos, desafiam, porque as respostas são difíceis de dar sem que o

outro, o receptor, comprometa a legitimidade – quando não a legalidade – dos seus

atos.

Para nós, é importante sublinhar que nem toda construção de discurso deseja praticar

o diálogo, nem toda causa abre espaço para a construção de um terreno comum.

38 No dia 12 de maio de 2018, em entrevista publicada no Jornal do Brasil, Hildegard Angel, jornalista e filha de Zuzu Angel, afirma que a mãe foi morta com a chancela do então presidente Ernesto Geisel. Zuzu Angel sofreu um atentado em que teve seu carro lançado para fora da pista na saída do Túnel Dois Irmãos, hoje renomeado em homenagem à designer. Disponível em: <https://www.jb.com.br/pais/noticias/2018/05/12/hildegard-angel-minha-mae-foi-morta-porordem-de-geisel/ e também https://www.zuzuangel.com.br/noticias/hildegard-angel-minha-maefoi-morta-por-ordem-de-geisel-hildegard-angel-minha-mae-foi-morta-por-ordem-de-geisel>. Acesso em: 02/01/2018.

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3. AÇÕES COLETIVAS DE ATIVISMO TÊXTIL

“A diferença não é um mal passageiro; ela é uma fonte do bem. Controvérsia não é uma situação de fraqueza preocupante, e sim um clima positivo para o florescimento de uma vida criativa. Somos diferentes uns dos outros não porque alguns de nós ainda não enxergam a luz, mas porque o que existe no mundo são luzes, e não uma só luz. Crenças e ideias, e não uma crença e uma ideia” Amós Oz.

A resistência é uma reação combativa, cujo esforço realizado pelo corpo ou sujeito é

o de manter-se íntegro mesmo sofrendo uma forte ação externa. Desenhamos a partir

de agora, a diferenciação entre ações de resistência e de ativismo.

Em primeiro lugar, faz-se necessário compreender que, se por um lado, as ações de

resistência são reativas, ou seja, dependem de algo acontecer para ser iniciadas, o

ativismo, como já prenunciado, é ativo. O ativista é um proponente, que, atento às

questões ao seu redor, gesta uma ação para tratar da situação que elege como causa

para defender. Acreditamos que essa eleição não é feita ao acaso, e que, certamente,

a motivação nasce das inquietações do sujeito. Em nossa pesquisa, investigamos

especialmente os grupos de sujeitos cujas motivações se entrelaçam de forma a

propiciar um embate com vistas a um debate.

Reiteramos que as ações aqui estudadas, em qualquer aspecto, são atividades

realizadas por pessoas, para pessoas e com pessoas, reforçando o fato de que são

realizadas em coletivo como de especial importância, uma vez que acreditamos que

estar em grupo oportuniza a formulação de um espaço39 para a realização de um

diálogo inicial com potencial de reverberação para além do grupo produtor de

artefatos40.

Neste capítulo, abordamos, então, o ativismo, o artivismo e o craftivismo, categoria na

qual se insere o ativismo têxtil.

39 Entendemos o espaço como uma convenção nem sempre delineada fisicamente, mas como

abertura no cotidiano dos sujeitos engajados no diálogo, oriunda das vontades individuais e

que deriva num desejo de grupo, comunal. 40 Falamos de artefatos, mas nem sempre o produto mais importante é a materialidade gerada. Muitas vezes é o próprio encontro que funciona como produto da ação.

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Cabe localizar o começo das ações conhecidas como de ativismo, relacionandoas

com os movimentos sociais que têm início em diversos lugares do mundo a partir da

segunda metade do século XX, como os de 1968, as questões envolvendo a AIDS e

os movimentos de Orgulho da comunidade hoje sob a sigla de LGBTQ, nos anos 1980,

os movimentos contrários à globalização nos anos 1990, e, os muitos outros do século

XXI, como o Occupy! (SPAMPINATO, 2015), mas aos quais podemos adicionar as

marchas feministas ocorridas pós-eleição de Donald Trump nos Estados Unidos em

2017, pró-legalização do aborto em Buenos Aires em 2018 e as múltiplas marchas em

repúdio ao candidato à presidência Jair Bolsonaro, denominadas #EleNão em muitas

capitais do Brasil, também em 2018.

Desses interesses comuns manifestados, nascem encontros que podem propiciar a

ideia da formação de comunidades (BAUMAN, 2003).

De acordo com Spampinato:

Uma comunidade é uma unidade social cujos membros compartilham valores comuns baseados em qualquer coisa desde religião até localidade ou estilo de vida, mas o que permanece continuamente interessante aos coletivos de arte é explorar como as comunidades se formam e como interagem entre si. Sendo comunidades, eles mesmos, a investigação vem naturalmente aos coletivos41 (SPAMPINATO, 2015, p. 8).

Assim, Spampinato desenha um contexto em que os coletivos, pelos interesses

comuns compartilhados, podem ser entendidos como comunidades. A nós interessam

aquelas comunidades denominadas por Bauman como éticas, ou seja, as que tecem

“entre seus membros uma rede de responsabilidades éticas e, portanto, de

compromissos a longo prazo42” (BAUMAN, 2003, p. 67), e, portanto os coletivos cuja

formação é motivada, da mesma maneira, por uma pauta ética.

O ativismo está associado àquilo que é denominado “política do conflito” (McADAM et

al. 2001, apud ABERS; VON BÜLOW, 2011, p. 60) ou da contenda, e que se define

pela

“[...] interação episódica, pública e coletiva entre os reivindicadores e seus objetos quando (a) pelo menos um governo é um reclamante, um objeto de reivindicações, ou uma parte das reivindicações e (b) as reivindicações

41 Tradução livre da autora. 42 Grifo do autor.

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afetariam os interesses de pelo menos um dos requerentes43 (McADAM et al. 2001, p. 5, apud ABERS; VON BÜLOW, 2011, p. 60).

Por seu caráter reivindicatório, o ativismo é muitas vezes, associado ao radicalismo e

à violência, não sem fundamento. Em primeiro lugar, o ativismo prevê, como dito

acima, a contenda. Aquele que reivindica, está descontente com alguma situação e

vai a público, expor-se e à sua causa. Segundo porque, mesmo ativistas do pacifismo,

como Amós Oz define a si e aos componentes do movimento israelense pela paz,

argumentam que, algumas vezes, aquilo contra o que se protesta deve ser repelido e

derrotado com o uso da força (OZ, 2016, p. 20).

Contudo, ele continua a sua argumentação dizendo que “é impossível acabar com

uma ideia apenas com o uso da força. Ideias ruins têm de ser superadas, afinal, por

ideias melhores” (Idem).

Assim, a primeira grande ideia é a subversão da própria compreensão de conflito ou

de contenda. É usar alternativas disruptivas para o enfrentamento, não para gerar

maior ruptura, mas para abrir um espaço em que seja possível construir o diálogo.

As ações encampadas por ativistas pretendem promover uma quebra no ritmo

cotidiano. Poderíamos dizer que, com suas ações, interrompem um fluxo, um trânsito,

em que as coisas estão acontecendo de maneira pouco satisfatória, mas

continuamente. Descontinuando o fluxo, o ativista rompe o transe em que estão os

seus con-cidadãos e oferece alternativas para a situação presente.

Oz, muito oportunamente, sugere, a fim de criar o ambiente para ideias melhores, o

uso concomitante da empatia 44 , do humor, do diálogo e da arte. Se o ativismo

tradicional encontra dificuldade nessa transposição de sentidos, o artivismo o opera

com maior familiaridade, ao imaginar-se no lugar do outro, adotar do humor para

acusar o absurdo de uma situação, para construir o espaço que conceituamos acima

e já em outros momentos da presente tese, a fim de exercer a troca e a equidade na

43 Tradução livre da autora. 44 “A empatia é a capacidade de identificar-se com os outros e compartilhar seus sentimentos” (FERNÁNDEZ, 2017, p.2)

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comunicação, criando algo novo, um outro espaço, nem meu e nem seu, mas comum,

na forma ou na linguagem da arte.

Cabe frisar que a convocação/provocação pública de uma ação ativista, artivista ou

craftivista, denuncia uma instabilidade, e oferece um vislumbre aos circundantes,

adeptos ou não da causa apresentada, da possibilidade de que uma comunidade, de

qualquer natureza, não é um escudo contra as incertezas. Ao contrário, desvela as

incertezas, as inseguranças e convida a discuti-las, em uma ação convocatória de

formulação de comunidade, nos termos éticos apresentados acima, em que se solicita

um compromisso com um conjunto de responsabilidades a fim de que aquele que se

engaja possa efetivamente pertencer.

Para Oz, o compromisso, formulado em negociações, é baseado em concessões

mútuas que só podem acontecer a partir da capacidade de imaginar-se em “outras

vidas, outras salas de estar, outros amores e outros pesadelos (...). Que possam “nos

fazer sair da nossa sala de estar e ir ao encontro da outra pessoa a meio caminho da

ponte” (OZ, 2016, p.16).

Esse exercício de imaginação propicia a criação de um espaço de invenção conjunta,

que convoca o outro, mas que também espera a aproximação/ aceitação daquele que

é convocado.

De acordo com Spampinato, os coletivos artivistas fazem uma abordagem

intervencionista da esfera pública e suas discussões giram em torno dos conflitos

mundiais, globalização, ou em favor das causas ambientais, direitos civis e direitos

humanos e humanitários, causas essas que se afastam evidentemente das pautas da

arte tradicional. Em geral, a ideia é:

“[...] provocar os transeuntes e sugerir novos usos da esfera pública (...). As operações são inerentemente festivas; mesmo quando oferecem crítica social, sua meta é fazer que alguém sorria (SPAMPINATO, 2015, p. 9).

Esse sorriso, ou inesperado uso do humor, são aproximadas daquilo que Mann define

como whimsy:

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[...] o caprichoso, brincalhão e fantasioso, e designa algo irracional ou sem uma razão óbvia e imediata para existir. (…) essa frivolidade e falta de lógica são precisamente o que faz do whimsy um terreno significativo, ainda que fugaz para mudança micro-política45 (MANN, 2015, p. 65).

Whimsy, traduzido como algo parecido com “absurdidade” é a maneira como o humor

é encontrado com maior frequência nas operações de artivismo e de craftivismo

(essas últimas, que exploraremos adiante), e que encontra uma área de contato com

o sugerido por Oz, para quem “nada é tão sagrado que não mereça uma zombaria

ocasional” (2016, p. 31).

Assim, podemos entender que o artivismo, embora se aproprie muitas vezes do léxico

de guerrilha, do anonimato, da ideia dos ataques, da produção de propaganda para

explorar suas causas, o faz a partir do exercício da arte, e muitas vezes adota o fazer

manual para evidenciar suas ações por meio do deslocamento das práticas e objetos

produzidos.

Existe um sentido, como visto no item 1.1 em que tratamos do modelo conceitual das

peles de Hundertwasser, que faz com que o uso de objetos e práticas relacionados à

domesticidade tornem-se especialmente convidativos quando utilizados para a

construção de discursos e abertura de áreas de diálogo46. O deslocamento do objeto

ou da prática doméstica para o espaço urbano, o espaço da cidadania, da comunidade

expandida, ou seja, da sociedade, cria um laço de familiaridade e reconhecimento, e

também posiciona o ativista como aquele que demanda o espaço público como um

espaço do público, para o público e não do poder público.

Assim, ao utilizar-se das atividades e da materialidade usualmente encontradas nos

ambientes domésticos para marcar sua posição, o craftivista também diz àquele que

passa por sua proposta que aquele é um lugar de transbordamento, que sua terceira

pele – a casa - espraiou-se sobre a quarta – o meio social, a cidade, a esfera pública

de convivência compartilhada - e convoca o seu con-cidadão a entender aquela

possibilidade de transbordamento como sua também. Fazer com que esses dois

45 Tradução livre da autora. 46 Aqui relacionada diretamente à leitura do trabalho de Ianês que já fizemos no 1º Capítulo da

presente tese.

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campos - o do ativismo e o do fazer manual - comunguem e se combinem para ser

efetivos precisa ser muito bem entendido. Não se trata de simplesmente retomar o

fazer manual, que por inúmeros motivos, havia sido deixado de lado como hábito.

Trata-se de fazê-lo, tornando-os “entidades positivas” em que “cada um deles poderia

usar a energia criada pelo outro para criar uma nova ideia”47, uma nova percepção de

ativismo (GREER in BUSZEK, 2011, pg. 178).

Greer (in BUSZEK, 2011, p. 178) lembra que o craft (ou artesanato, em português) é

“como o filho mais novo que não é levado a sério pela arte, e ativismo, deixa as

pessoas desconfortáveis, conjurando imagens desagradáveis de gás lacrimogêneo e

tumulto”48.

Ainda que sua natureza seja pacífica, geradora do sentimento de espanto/whimsy

relacionado a um grupo de pessoas reunida publicamente para fazer juntos ou ocupar

com o produto de uma atividade evidentemente manual um espaço, a intenção, como

toda forma de ativismo, é, por fim, a de levantar questões e propor o diálogo.

Diferente do que vimos a respeito do ativismo “puro”, a ação não visa a contenda.

Mesmo quando levanta questões complexas e de âmbito alargado, como a

participação em conflitos mundiais (vide o trabalho de Marianne Jorgensen com o Cast

Off Knitters, sobre o qual falaremos brevemente na próxima seção), por exemplo, a

ação craftivista é “uma maneira de ativamente reconhecer e lembrar” 49o lugar que

ocupamos no mundo (GREER in BUZSEK, 2011, p. 180).

Black e Burisch afirmam que:

“[...] as características principais do craftivismo incluem projetos participativos que valorizam processos democráticos, o uso de várias mídias inter-disciplinares, e um comprometimento contínuo com práticas, questões e ações politizadas. A atividade e as relações comunais sustentáveis são enfatizadas na criação de projetos de artesania politicamente engajados 50 (BLACK; BURISCH, in BUZSEK, 2011, p. 212).

47 Tradução livre da autora. 48 Tradução livre da autora. 49 Tradução livre da autora. 50 Tradução livre da autora.

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Continuamos, para todos os fins, adotando ações em que o

desenvolvimento/produção de têxteis é um fator comum. Dividimos o ativismo têxtil

em duas modalidades: o yarnbombing e os encontros públicos, o primeiro com maior

enfoque no artefato produzido, ainda que não descarte o processo, e o segundo, cujo

centro é o processo, o acontecimento, os questionamentos e a possibilidade de o

público interagir com os ativistas no local da manifestação.

A fim de melhor compreender as dinâmicas das duas modalidades, foram

selecionados coletivos, sendo o Coletivo NaLã e o Meiofio, de São Paulo, Brasil,

exemplos para a primeira modalidade, e os Hombres Tejedores, baseados em

Santiago, Chile, e com células na Argentina e em Portugal, o exemplo para a

segunda51.

3.1 Yarnbombing

O yarnbombing, também conhecido como yarn storming, knit graffiti e guerrilla knitting,

ou bombardeio de fios, foi eleito por nós como um meio para abordar as ações

coletivas de ativismo têxtil em que o artefato produzido é o promotor de discursos e

possibilitador das áreas de diálogo.

Como já dito, o ativismo têxtil é uma espécie de craftivismo, forma de ativismo em que

o praticante funde suas habilidades e seus interesses políticos “para lutar por um

mundo melhor, muitas vezes tricotando ou crochetando declarações políticas como

forma de protesto 52 ” (MANN, 2015, p. 66) e que tem suas primeiras ações

documentadas no início da década do século XXI.

No bombardeio de fios, a ideia é apropriar-se do léxico de guerrilha e plantar artefatos

que, à guisa de bombas, possa causar uma alteração na paisagem que cause uma

ruptura no ritmo de vida do transeunte e o faça atentar para alguma situação ou

51 Os Coletivos NaLã e Hombres Tejedores cederam entrevistas por email, que constam neste

volume como anexos. Embora tenha sido feito contato com o Meiofio, e extensa captação de

imagens em diversas ações, demos preferência ao uso do material institucional produzido pelo próprio grupo, e que está disponível em seu site: http://www.coletivomeiofio.com/ 52 Tradução livre da autora.

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questão levantada por aquele grupo ou pessoa que planta a bomba. De acordo com

o que levantamos, mesmo quando quem o bombardeio é assumido por um autor, os

artefatos em geral são produzidos por mais do que um par de mãos.

O yarnbombing é, por natureza, desconcertante. Está na formulação da própria ideia

de bombardeio, do ataque realizado com um objeto não destrutivo, mas

absolutamente familiar, se não pela forma em si, pela materialidade e pelos gestos

empregados para produzi-los.

Outro fator desconcertante e corriqueiro no yarnbombing é a escolha do lugar do

lançamento das bombas.

Mas, para tratar especificamente desse aspecto, traremos alguns exemplos. O

primeiro e um dos mais conhecidos é o Pink M.24 Chaffee Tank, realizado em 2006

por Marianne Jorgensen, o coletivo Cast Off Knitters, e outros coletivos convocados

ao redor do mundo, na Dinamarca.

Figura 26: M24 Pink Chaffee Tank, Marianne Jorgensen, Aarhus, Dinamarca, 2006.

Fonte: Disponível em: < https://br.pinterest.com/pin/501658845969246155/>. Acesso em: 02/01/2018.

Nessa ação, Jorgensen promoveu a construção coletiva de um cobertor de crochê e

tricô rosa para cobrir um tanque de guerra (modelo Chaffee M.24, descrito com uma

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peça de artilharia usada durante a 2ª Guerra Mundial e também em outros conflitos,

como a Guerra da Coréia). A causa evidenciada era o repúdio à adesão e ao envio de

tropas dinamarquesas para o Iraque. E a forma encontrada, o cobertor, tem a intenção

de “dar ao tanque uma presença física, ao invés de uma puramente simbólica53”

(BLACK; BURISCH, in BUSZEK, 2011, p. 208), uma vez que ao cobri-lo, ele não é

escondido, mas fica ainda mais evidente. Também o contraste entre os dois objetos,

um que protege e o outro que agride, é importante para a ação. Ou, nas palavras de

Jorgensen (apud BLACK; BURISCH, in BUSZEK, 2011, p. 209) “o tanque simboliza a

invasão dos limites das outras pessoas. Quando ele está coberto de rosa, torna-se

completamente desarmado e perde sua autoridade”54.

Desviante, ocupa o espaço público e se coloca impossível de ignorar, uma vez que a

exibição um objeto cotidiano e aconchegante cobrindo um artefato gigantesco e com

enorme potencial destrutivo ao invés de escondê-lo, o evidencia, por meio do absurdo

da ação.

Sobre o cobertor em si, de acordo com Black e Burisch (2011), embora fosse um

projeto de Marianne Jorgensen, uma vez que feito por uma multiplicidade de pessoas

que teceram quadrados cor-de-rosa de tons e em técnicas e pontos diferentes,

funcionou como uma petição, redigida pela proponente, mas assinada por todos

aqueles que contribuíram com a ação, inclusive aqueles que não fabricaram partes do

cobertor, mas que, durante a montagem do mesmo, pararam e voluntariamente

auxiliaram a artista e sua equipe na montagem da “bomba” sobre a peça de artilharia.

O objeto produzido, diferentemente de um abaixo-assinado produzido para ser

entregue às autoridades governamentais, ocupa o espaço público, desafiando esse

mesmo poder e solicitando que venha dele uma resposta.

Assim, com uma bomba - de fios - Jorgensen não apaga o conflito existente, mas toma

o espaço público para mantê-lo presente, vivo, visível e incontornável, deixando ao

mesmo tempo claro que seu protesto não é isolado, e que seu descontentamento tem

eco e se manifesta via ação coletiva.

53 Tradução livre da autora. 54 Tradução livre da autora.

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Ainda com relação ao yarnbombing, também a desobediência e o desvio encontram

entraves legais. A intervenção e instalação de bombas – de fios - no espaço urbano

são considerados tão ilegais quanto a pichação e o grafitti55, embora não exista lei

específica para a prática. Muito raramente um grupo é

impedido de bombardear, mas, mesmo assim, o ativista independente costuma plantar

suas bombas de madrugada, assumindo o atentado, deixando junto do artefato um

tag56 com o perfil de uma mídia social em que o trabalho do ativista ou do grupo pode

ser seguido.

Assim foi feito pelo Coletivo Agulha e por outros grupos, quando em 7 de junho de

2014, bombardearam – com fios – e outros equipamentos urbanos mais ou menos

efêmeros o recém “revitalizado” Largo da Batata.

Ora, revitalizar, significar trazer vida novamente a algo ou a algum lugar. Embora o

espaço tenha sido reformado e reformulado, faltou evidente vitalidade para que aquele

equipamento público fosse utilizado para o seu fim. A praça não contava com

mobiliário urbano que convidasse à permanência, como bancos. Não havia uma

sombra ou qualquer coisa que produzisse, no cidadão, a impressão de que aquele

espaço pudesse ser um espaço de uso e permanência. A ação visava trazer à atenção

a necessidade de tornar o espaço público um lugar para o encontro do público, e não

55 Para o graffitti e a pichação, por outro lado, vigora o artigo 65º da Lei nº 9.605 de 12 de

fevereiro de 1998, que diz:

“Art. 65. Pichar ou por outro meio conspurcar edificação ou monumento urbano:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

§ 1o Se o ato for realizado em monumento ou coisa tombada em virtude do seu valor artístico,

arqueológico ou histórico, a pena é de 6 (seis) meses a 1 (um) ano de detenção e multa.

§ 2o Não constitui crime a prática de grafite realizada com o objetivo de valorizar o patrimônio

público ou privado mediante manifestação artística, desde que consentida pelo proprietário e,

quando couber, pelo locatário ou arrendatário do bem privado e, no caso de bem público, com

a autorização do órgão competente e a observância das posturas municipais e das normas

editadas pelos órgãos governamentais responsáveis pela preservação e conservação do patrimônio histórico e artístico nacional.” (NR). Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12408.htm>. Acesso em

10/01/2017. 56 Pequena peça gráfica usualmente presa às peças de roupa, contendo informações sobre o

designer, marca ou sobre a peça, como cuidados de manutenção. Para mais

https://vimeo.com/99103642

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apenas torna-lo uma passagem, que foi o resultado imediato da intervenção do poder

público sobre aquele espaço.

Figura 27: Yarnbombing do Coletivo Agulha, no Largo da Batata, zona oeste da cidade de São Paulo

Fonte: Disponível em: <http://leandrodario.blogspot.com.br/2014/06/coletivo-agulha-no-largoda-

batata.html>. Acesso em: 03/01/2017.

Figura 28. Coletivo Agulha em ação no Largo da Batata em junho de 2014. A reunião pública para

tecer não é passível de repressão.

Fonte: Disponível em: <http://gazetadepinheiros.com.br/cidades/intervencao-artistica-criticaaridez-do-

largo-da-batata-03-06-2014-htm>. Acesso em 03/01/2017.

Um terceiro coletivo que investigamos, também baseado na cidade de São Paulo, e

também com vistas a inserir o trabalho de agulha na paisagem urbana, é o NaLã,

operado pela designer Priscila Curce e a arquiteta Fernanda Mafra. O NaLã se

reconhece como um coletivo, não necessariamente por sua formação original e

constante, mas, por considerar que suas intervenções pertencem a todas as pessoas

que usufruem/participam delas. Seu propósito está em, como diz Priscila Curce

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(2018)57, congregar “toda e qualquer pessoa interessada em aprender, contribuir,

colaborar, desenvolver, experimentar, ensinar e promover práticas têxteis”.

A prática de yarnbombing pode acontecer com maior ou menor curadoria, e também

a convite das instituições. O NaLã é um coletivo constantemente associado às feiras

que envolvem negócios sustentáveis e inovadores, valorizando a produção manual e

os pequenos negócios do mercado local na cidade de São Paulo, como o Mercado

Manual 58 e a Fair and Sale 59 e tem seus trabalhos comissionados para fazer a

ambiência desses eventos.

Outras vezes, seus projetos envolvem a comunidade de um certo local e instalam-se

no espaço público em ocupações assemelhadas àquela realizada pelo Coletivo

Agulha de que falamos anteriormente, como no caso da inauguração em abril de 2018,

da Praça Dorina Nowill.

Figura 29: Intervenção do Coletivo NaLã durante o Festival Pinheiros, ação que mistura feira e

convite à convivência do espaço público, em 21 de Outubro de 2018.

Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/coletivonala/photos/a.1801434420135400/2281292722149565/?typ

e=3&theater>. Acesso em 03/01/2017.

57 Em entrevista cedida por e-mail em 4 de setembro de 2018, cujo conteúdo pode ser encontrado

nos anexos da presente tese. 58 Festival gratuito que reúne artesãos contemporâneos, pequenos produtores, shows, oficinas e

atrações infantis. Para mais: redemanual.com.br 59 Festival de empreendedorismo e cultural itinerante que é realizado na cidade de São Paulo.

Disponível em: <https://www.fairesale.com/>. Acesso em: 02/01/2018.

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Figura 30: Inauguração da Praça Dorina Nowill, em 22 de abril de 2018. Vila Clementino, São Paulo.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/coletivonala/photos/a.1801434420135400/2144271172518388/?typ

e=3&theater>. Acesso em 03/01/2017.

De toda forma, a intenção do grupo não é só ocupar a cidade e torna-la um pouco

mais sua, mas também desenvolver a curiosidade, a vontade e espalhar a prática dos

trabalhos de agulha, criando com isso uma rede maior de convivência e conhecimento,

um maior espaço de troca e, consequentemente, ampliar as áreas de diálogo.

Assim, a exemplo do que fez Marianne Jorgensen, para projetos maiores, mais

coletivos são associados, como ocorrido em 12 de Agosto de 2017, por ocasião do

TED 60 X São Paulo, realizado no Allianz Parque 61 , quando os coletivos NaLã,

1000fiosa1000 62e Meiofio63 conceberam juntos um espaço para trocar e tecer, no

espírito do evento que os contratou.

60 TED (Technology, Entertainment and Design) é uma série de conferências realizadas na Europa, na Ásia e nas Américas pela fundação Sapling, dos Estados Unidos, sem fins lucrativos,

destinadas à disseminação de ideias – segundo as palavras da própria organização, "ideias que

merecem ser disseminadas". Disponível em: <www.

https://www.ted.com/about/programsinitiatives/tedx-program>. Acesso em: 02/01/2018. 61 O Allianz Parque, conhecido como Arena Palestra Itália ou Arena Palmeiras é uma arena

multiuso concebida para receber eventos, concertos e partidas de futebol do Palmeiras, seu proprietário, entre outros. Localiza-se na cidade de São Paulo, no bairro da Água Branca. Para

mais: www.allianzparque.com.br 62 Disponível em: <https://www.facebook.com/1000fios/>. Acesso em: 02/01/2018. 63 Disponível em: <http://www.coletivomeiofio.com/>. Acesso em: 02/01/2018.

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Figura 31: TED X São Paulo, oficina de crochê no espaço reservado ao tecer para os Coletivos NaLã,

Meiofio e 1000fiosa1000.

Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/coletivonala/photos/a.1801434420135400/2056648841280622/?typ e=3&theater>. Acesso em 12/08/2018.

O Coletivo Meiofio, composto por “7 mulheres. 7 novelos. 7 cores. 7 mil ideias” e que

também está presente em nossa tese na próxima seção, apresenta em sua página na

internet a pauta pela qual opera suas ações, e se define como

“um grupo multidisciplinar de intervenção urbana que trabalha para acolher pessoas,

preencher espaços e trazer novas ideias”, proposição que vai de encontro com as

ideias melhores:

“Através de fios imaginários e reais, ligamos presente, passado, pessoas

e memórias. Buscamos o valor de elementos ignorados e esquecidos da cidade com o objetivo de construir um futuro viável, acolhedor e

convidativo” [20-?].

Os seus artefatos mais conhecidos são os máxi-bordados em grades (figura 32), e a

marca registrada são os corações (figura 33) produzidos em encontros que acontecem

em espaços públicos, utilizando “técnicas tradicionais e lentas, uma forma de

resistência ao cotidiano de tempo acelerado da cidade”. Com isso, podem contar com

o que chamam de “curiosidade e a participação instantânea dos passantes” entendida

como “parte integrante da obra”. Ao mesmo tempo, como ocorrido com Jorgensen,

essa participação espontânea, além de criar proximidade e conexão, torna as obras –

entendidas como de criação compartilhada entre o coletivo e o público participante -

somente conhecidas na sua forma final quando são instaladas.

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Figura 32: Yarnbombing do Coletivo Meiofio em São Paulo. Bordado em fio de malha sobre portão.

Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/coletivomeiofio/photos/a.839850739429825/2040135686067985/?t ype=3&theater>. Acesso em 21/09/2018.

Figura 33: Yarnbombing do Coletivo Meiofio no SESC Parque Dom Pedro em São Paulo.

Fio de Malha sobre grade. 15 de Setembro de 2018.

O bordado faz parte de uma instalação que até o momento é a maior superfície bordada produzido

pelo coletivo, e foi realizada para as aulas abertas de bordado em superfícies diversas ministradas

pelo grupoa partir da leitura dos poemas de Ryanne Leão, no mês de setembro de 2018, naquele

espaço.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/coletivomeiofio/photos/a.839850739429825/2031943343553886/?t

ype=3&theater>. Acesso em: 02/01/2018.

Nos exemplos que elegemos, nos confrontamos com o estranhamento e o lugar do

espanto, do desconcertante encontro com o objeto têxtil, com o qual a maior parte das

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pessoas tem alguma familiaridade, no espaço inesperado do evento cultural, do

espaço urbano e público. E, em todas as fontes encontradas, a tomada de posição

com relação à causa defendida encontrava-se com o desejo de conexão e a formação

de uma comunidade nos moldes éticos expressos por Bauman e também por Oz.

Gauntlett (2018) processa essa compreensão entre o fazer e o conectar-se quando se

trata da produção de um objeto com dimensões políticas – ou seja, para além do objeto

em si – como um ativismo gentil, em que o valor da corporificação do gesto familiar do

fazer supera o objeto e tem por objetivo maior aproximar os con-cidadãos.

Greer (2008, p. 101) defende que “o privado é político e que toda escolha e ação que

fazemos afeta não apenas a nós e às nossas vidas, mas a vida dos outros também”,

assim como nós acreditamos, e, como demonstrado pelos craftivistas estudados “o

trabalho manual traz a vida de volta a um lugar em que a conexão com os outros é

possível”64. Essa é a razão da nossa relutância em tratar do yarnbombing a partir,

efetivamente, dos objetos produzidos, e sim pelas ações realizadas, e o que nos leva

à próxima seção, em que trataremos das reuniões públicas de trabalhos de agulha

como ação craftivista.

3.2 Reuniões Públicas De Trabalho De Agulha: Os Coletivos Em Ação

A fim de tratar das reuniões públicas para a produção de trabalho de agulha e a ideia

de transbordamento da esfera íntima (o lar, a terceira pele), para a pública (o meio

social, a cidade, o espaço compartilhado e público da quarta pele), tomamos

novamente o modelo conceitual das peles de Hundertwasser, explorado por nós no

item 1.1 da presente tese. Tecer – como denominamos genericamente as ações

relacionadas à produção de ou intervenção sobre o têxtil como bordar, tricotar,

crochetar – é visto como uma atividade doméstica, associada às ações femininas e

realizada no espaço reservado à intimidade.

64 Tradução livre da autora.

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Parker (1989) associa a consolidação dessa visão sobre a prática com a domesticação

da feminilidade, e desenvolve seu discurso compreendendo como essas práticas

foram empregadas para defender um discurso de naturalização da ideia do que é o

feminino relacionado diretamente com a percepção de feminilidade – e, inclusive

delimitando os espaços, mormente domésticos, em que os trabalhos femininos

poderiam acontecer. O produto desses trabalhos acaba por ser relacionado à tradição

e ser concebido como frívolo, sem criatividade, resultado da repetição de receitas

passadas de geração em geração e sem ser visto como algo que pudesse ter valor

comercial65.

Essa barreira da produção reclusa é rompida na segunda metade do século XX,

quando, a partir da segunda onda feminista ocorre uma apropriação do tecer para

subverter e desconstruir as ideias edulcoradas a respeito de uma “natureza feminina”,

em que o bordado principalmente é explorado como suporte para discursos feministas

no trabalho de artistas e grupos (figura 34).

Já Agosín (2014), no livro que organiza, seleciona os conteúdos mais aproximados

das produções de resistência realizados principalmente por mulheres, perpassando

os arquétipos femininos e atinge o tecer como construção ativa e material de memória,

como já exploramos no segundo capítulo dessa tese, a partir do trabalho das

arpilleristas do Chile.

65 É de estranhar, contudo, que esse mesmo tecer seja o propulsor da Revolução Industrial, que tem

como marco inicial a invenção do tear a vapor, a fim de possibilitar a produção de tecidos em escala.

Isso sem falarmos da França, alavancada a potência econômica no reinado de Luis XIV, no século

XVII, por meio da adoção de políticas protecionistas à indústria têxtil e de artigos de luxo, com emprego

de maciços investimentos na produção nacional de artigos têxteis, e da suspensão da importação

desses mesmos artigos pelo Ministro das finanças Jean-Baptiste Colbert. Além do impacto sobre a

Economia, tais medidas fortaleceram a indústria francesa de artigos de luxo – e demais associadas ao

vestuário – tornando o país referência em Moda, elegância e estilo, até os dias atuais (nota da autora).

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Figura 34: Caminho de mesa bordado, por Beryl Weaver, reproduzido em Spare Rib, 1978.

Na legenda sobre esse trabalho encontrado em Parker (1989, p. 205) “adotando motivos tradicionais de bordado, Beryl Weaver revela a maneira como o feminino ideal é prescrito”. No diálogo

entre as mulheres representadas no bordado, uma se debruça sobre o carrinho e pergunta à outra “Como está a mulherzinha hoje?”, ao que a segunda responde: “Ela está

ficando mais forte e mais zangada o tempo todo, obrigada.”

Fonte: Disponível em: <www.unchastenedstitch.com>. Acesso em: 02/01/2018.

Por fim, a leitura de Greer (2008), oferece um tecer com propósitos. Dimensiona-o

histórica e culturalmente, mas oferece a ideia de que a retomada do tecer em grupo

pode valer – contemporaneamente - como mecanismo de construção de comunidade.

Em seu livro Knitting for Good (traduzível como Tricotando para o Bem, mas também

como Tricotando para Sempre), ela desenvolve uma escrita assemelhada com a ideia

das peles de Hundertwasser: parte do tecer para si, passa para o tecer para e com a

comunidade circundante e atinge um ponto em que o tecer pode fazer parte de ações

maiores, tanto na produção de objetos sustentáveis – seja pelo produto em si, pelo

processo ou pelo material adotado – quanto na construção de discursos e narrativas

craftivistas.

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Todas essas visões con-correm66 para a composição da nossa própria sobre as

reuniões para a prática do trabalho de agulha com o propósito de ser plataforma para

discursos e questionamentos e como formuladores de áreas de diálogo.

Como já dissemos algumas vezes, existe, na artesania, e em especial na construção

de artefatos têxteis, uma familiaridade tangível, comum a diferentes culturas no

mundo. Greer (2008, p. 55) aponta que “tricotar, considerado ‘diferente’ ainda que

culturalmente familiar, ajuda a facilitar conversas”, e que “poucas atividades

incorporam tão bem uma habilidade transmitida de geração em geração no mundo

todo como o tricô”.67

Gilleland (in GREER, 2008, p. 56), defende a importância do tecer em grupo como

uma ferramenta para trazer novas perspectivas sobre questões que outrossim podem

parecer individuais – mas que de fato atingem uma coletividade – e para, inclusive,

resgatar o conhecimento de que fazemos parte de uma comunidade. E também:

Em uma escala mais prática, existe toda uma ideia acerca do “capital

social”, que aponta que quanto maior o número de pessoas você conhece,

mais recursos você possui para trocar habilidades, ferramentas e,

conhecimento. Em tempos de dificuldades econômicas ou sociais, nossas

conexões têm um valor verdadeiramente concreto. (...) Isso muda o

mundo? Bom, eu gosto de pensar nisso como uma experiência viral. (...)

Comunidades reais se constroem a partir de pequenos atos como esses68.

As perguntas feitas por aqueles que optam por empregar o craftivismo como meio de

construir e pertencer a uma comunidade, perpassam as pequenas escolhas cotidianas

acreditando que assim podem criar mudanças positivas e permanentes (TIPTON;

STURIALE apud GREER, 2008, p. 128).

Greer diz que (2008, p. 130):

Você pode usar um estereótipo cultural (...) para auxiliar a passar uma mensagem de sua escolha. Use para despertar as pessoas, para leva-las à ação. Ao mudar os paradigmas, você as leva a pensar, o que é uma grande parcela da caminhada em direção à mudança69.

66 No sentido em que percorrem juntas um caminho. 67 Tradução livre da autora. 68 Tradução livre da autora. 69 Tradução livre da autora.

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Assim, ao adotar o trabalho manual em público, alguns grupos tomam partido da

atividade tida como doméstica e um pouco frívola para torna-la uma maneira de

conduzir uma conversação sobre questões relevantes para a comunidade, trazendo o

poder de fazer como maneira de conectar-se com outras pessoas, provendo uma

ligação significativa com o mundo (GAUNTLETT, 2018).

Figura 35: Os Hombres Tejedores, Chile, em ação. Sua causa é romper com os estereótipos em busca

de uma sociedade mais inclusiva e tolerante.

Fonte: Disponível em: <http://media.biobiochile.cl/wp-content/uploads/2016/09/hombrestejedores-

730x350.jpg>. Acesso em 03/01/2017.

Destacamos algumas ações e grupos a fim de ilustrar como funciona esse

posicionamento na prática.

Em 18 de Fevereiro de 2017, teve lugar no SESC Pompéia, em São Paulo o

Bombardeo de Hilados – Encontrão de Tejedorxs e Crocheteirxs, como ação do

evento Latinossomos – Arte como Trabalho e as Identidades latino-americanas.

Naquela oportunidade, Sebastián Plaza Kutzbach, também conhecido como Ingrato,

juntamente com o Coletivo Meiofio e Thiago Rezende (Homem na Agulha) reuniu-se

com o público a fim de produzir discursos por meio de técnicas manuais.

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Ingrato70, designer e tecelão do Chile, diz ter começado com os trabalhos de agulha

em 2012, por curiosidade, e logo percebeu-se envolto em relações comunais, que

proporcionavam aprendizado por meio de intercâmbio de informações. Logo, Ingrato

passou a refletir sobre os conceitos envolvidos em seu trabalho e percebeu que, as

relações construídas estavam ali refletidas, pois a forma como é produzido gera uma

rede, uma estrutura, ainda mais evidente quando se produz em conjunto.

Ele afirma que, mesmo quando não sabe exatamente qual vai ser o resultado, o

propósito é de unir-se a outras pessoas e trabalhar por um objetivo, especialmente na

configuração social contemporânea, que privilegia o individualismo. Na atividade

realizada no SESC Pompéia, ele destacou que o objeto central, produzido

coletivamente está coberto – literalmente - de significados e simbolismos (figuras 36

e 37), e que cada participante adicionou a ele objetos que podem ser muito especiais,

como sapatos de bebês, corações, sóis e caveiras feitos de crochê. De uma forma ou

de outra, trata-se de falar de vida, e de fatos da vida, comuns a todos os presentes à

ação. Ele se definiu como um ativista pacífico, cujas ações partem de dentro da

comunidade e que promove, por meio do tecer, o encontro e as trocas entre as

pessoas.

Figuras 36 e 37: Bombardeo de Hilados, no evento Latinossomos, realizado no SESC Pompéia, em

18/02/2017.

Fonte: imagens produzidas pela autora, 2017.

70 Sebastián Plaza Kutzbach, 26 anos, nascido no Chile, cedeu a esta pesquisadora um

depoimento gravado em 18 de fevereiro de 2017, na Área de Convivência do SESC Pompéia,

durante o Bombardeo de Hilados, parte da ação do evento Latinossomos. Disponível em:

<www.imgrato.cl>. Acesso em 03/01/2017

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A leitura de Ingrato se assemelha, em certa medida, à concepção de Salles (2006, p.

17) para quem é necessário “pensar a criação como rede de conexões, cuja densidade

está estreitamente ligada à multiplicidade das relações que a mantém”. Não se pode

afirmar que, da mesma maneira que vê Ingrato, para Salles, a relação construída entre

a ideia de rede e de multiplicidade, deriva das conexões entre as pessoas envolvidas

no processo de produção dos objetos. Mas, pode-se tomar a definição acima para

também desenhar o entendimento de que a rede produzida no trabalho de agulha se

aproxima à Rede na forma das mídias sociais. Esta última tem tido um papel muito

importante na formação de grupos, além de disseminar informação, uma vez que

torna-se espaço para exposição de trabalho e discurso, e permite aos grupos que

convidem os interessados para reuniões, workshops e ações, muitos deles ocorrendo

em eventos cujo mote é a discussão política (quase sempre apartidária), social,

filosófica sobre um sem número de assuntos, tais como feminismo, sustentabilidade,

cultura e o próprio artesanato.

Outro exemplo que destacamos foi a reação a uma ocorrência do dia 30 de Abril de

2017 com o Coletivo Meiofio. Reunidos na Avenida Paulista – que aos domingos fica

fechada para a circulação de carros – os integrantes do Coletivo foram abordados por

fiscais da Prefeitura da cidade de São Paulo, que questionaram a sua presença

naquele espaço e exigiram a autorização para estar ali. Ora, a Avenida é

boulevarizada aos domingos justamente para propiciar os encontros e reuniões.

Diante da maneira como foram abordados, provavelmente por um agente mal

informado, o Coletivo resolveu repetir a reunião no domingo seguinte, no mesmo local.

O evento, organizado por meio das redes sociais, recebeu o nome de Crochetaço, e

foi realizado no dia 7 de Maio. O Crochetaço (figuras 38 e 39) transcorreu

tranquilamente, com a presença de alguns participantes do Coletivo e outros curiosos,

passantes que paravam para conversar, registrar, aprender um pouco dos pontos e

realizar também o tricô comunitário, uma grande tira de tricô em lã vermelha presente

em todas as ações públicas do Coletivo e chamado de “Tricô Infinito” com a qual quem

quiser pode contribuir, tecendo uma ou mais carreiras.

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Figuras 38 e 39: Crochetaço na Avenida Paulista, realizado pelo Coletivo Meiofio

Fonte: imagem produzida pela autora, 07/05/2017.

Greer (2008, p. 130) aponta que “a mudança é algo que temos que assumir

internamente antes de poder expressar externamente”71. Acreditamos que os grupos

ativistas levam a público justamente o seu desejo de mudança, e operam suas ações

como tentativa de, a partir delas, abrir espaços para que sejam realizadas

conversações, ou seja, construir áreas de diálogo.

71 Tradução livre da autora.

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Tendo isso em mente, nos aproximamos do coletivo crafitivista Hombres Tejedores72,

baseado em Santiago, capital do Chile. Retomando o que falávamos sobre a rede

mundial (internet) e as redes sociais, foi por meio destas, enquanto buscávamos as

primeiras informações sobre yarnbombing e coletivos craftivistas, que tomamos

conhecimento do referido grupo73.

Os Hombres Tejedores existem oficialmente como coletivo desde 18 de Junho de

2016, embora tenham começado a encontrar-se para tecer no início do mesmo ano.

A data de fundação do coletivo corresponde ao Dia Internacional do Tecido ao Ar

Livre, data em que fizeram uma convocatória por meio da rede social Facebook,

chamando àqueles que quisessem para encontrar-se com eles do lado de fora do

Museu de Belas Artes de Santiago.

Foi então que perceberam que mais do que a vontade de tecer e aprender mais sobre

pontos, tinham em comum “histórias profundas que nos entrelaçavam e poderíamos

deslindar e voltar a tecer para um trabalho mais consciente e focado desta vez como

um coletivo”74 (HIGUERA, 2018).

Higuera (2018) diz que a partir dos encontros realizados, “começou a ser tecida uma

história que hoje reúne muitas vontades, miradas e intenções de criar uma sociedade

em que os estereótipos de gênero não sejam o que nos define”.75

Suas motivações se acercam, assim com a desconstrução dos estereótipos de gênero

e em pensar como podem desconstruir a ideia de masculinidade tradicional a fim de

dar espaço para vive-la de novas maneiras.

72 Disponível em: <https://www.facebook.com/hombrestejedores/>. E

<https://www.instagram.com/hombrestejedores/>. Acesso em 03/01/2017. 73 Ricardo Higuera, um dos componentes do coletivo e falante de português, foi nosso contato

com o grupo, trocando mensagens por Facebook e email. O conteúdo da entrevista cedida por

email consta neste volume como anexo. 74 Tradução livre da autora. 75 Tradução livre da autora.

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Figura 40. Hombres Tejedores em encontro público de tessitura, 18 de Agosto de 2018, Santiago, Chile. Na legenda da foto “uma comunidade que cresce, se expande e vibra através do

tecido”.

Disponível em:

<https://www.facebook.com/hombrestejedores/photos/a.1713773822199759/217479434276436

9/?type=3&theater>. Acesso em: 18/08/2018.

Sabendo que mesmo entre aqueles homens que se aproximam do grupo, essas

questões podem não ressoar da mesma forma, Higuera diz que o coletivo propõe

frentes de trabalho e de relacionamento com a comunidade circundante que incluem

oficinas para ensino e aprendizado de técnicas de tessitura, encontros mensais em

espaços públicos76 , palestras em escolas, instituições e organizações, além das

intervenções urbanas, sempre com vistas a visibilizar e sensibilizar a comunidade a

respeito das questões que os movem.

Quando questionado porque escolheram a tessitura em público, Higuera (2018) nos

responde que:

A memória é o que nos permite olhar para o passado, honrar quem começou com ofícios tão belos como o tecer, e mantê-lo vivo por meio de uma prática contemporânea a que se podem adicionar novos significados para que nossa maneira de interpretar o mundo se enriqueça a cada dia. Nós gostamos de tecer (...) porque também por meio da prática, em

76 Como a que se pode ver em vídeo capturado do XXI encontro do coletivo, realizado na Plazuela Vera Cruz em Santiago. Disponível em: <https://www.facebook.com/hombrestejedores/videos/2135391930037944/>. Acesso em: Acesso em: 18/08/2018

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especial em espaços públicos, conseguimos sacudir consciências e formas de pensamentos para abri-las e, juntos, gerar melhores espaços de convivência. Aí está a contribuição do trabalho que realizamos: no apelo a homens e mulheres, na conversa que estabelecemos, no questionamento que fazemos às masculinidades tradicionais, ao surgimento de outras mais diversas e também ao manter viva uma prática de tanto valor para a humanidade como a tessitura77.

Assim, as oficinas de tessitura são direcionadas principalmente aos homens que

desejam aprender mais sobre essa prática que, por tradição, estava afastada de suas

atividades cotidianas, uma vez que – como vimos - era considerada “coisa de mulher”.

É justamente por meio do tecer que passam, então, a discutir a maneira como se vem

constituindo – e desconstruindo – a ideia de masculinidade, e toda sorte de

estereótipos relacionados aos gêneros, a fim de desenhar uma sociedade em que seja

possível respeitar as diferenças, reconhecendo-se como diversa e mais inclusiva.

77 Tradução da autora

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4. ATIVAÇÃO PELO DESIGN: COLABORAÇÃO E CO-CRIAÇÃO

“[...] CENA DA VIDA VIII Um espírito estava dentro de um banheiro público.

Sugeri que ele fosse para o céu e fizesse parte da luz. “Não quero fazer isso”, disse ele.

“Por quê?” “Porque quero manter minha individualidade.”

Achei interessante que ele preferisse ficar no banheiro

público em vez de ficar na luz. Será que ele realmente

valoriza o que percebe como sendo sua individualidade ou será que ele só tem medo de tomar

uma atitude? [...] Yoko Ono.

Nos primeiros capítulos de nossa tese, abordamos a produção dos têxteis como ato e

representação de resistência, e como ativismo, tanto no objeto produzido quanto na

ação de produzir.

Nessas duas situações, tratamos de processos, produtos, projetos e ações,

construídas em terrenos políticos e/ou fronteiriços com a linguagem adotada pelo fazer

da arte performada a partir do século XX, e em todos os casos, buscamos aproximá-

los da proposição das áreas de diálogo como aquelas reconhecidas nos modelos

conceituais construídos por nós a partir daqueles outros identificados entre os artistas

e autores por nós destacados – Ianês, Hundertwasser e Oz.

No presente capítulo, desejamos abordar processos e procedimentos em Design que

solicitam do campo ativar discursos e proporcionar mudanças de comportamento que

afetam a própria prática do Design e a percepção sobre a área. A partir da adoção e

ativação de discursos disruptivos, vemos o distanciamento da ideia de Design apenas

como produtor de bens de consumo, e entendemos que os objetos – e as etapas para

produzi-los - podem ser “adotados” a fim de ativar novos sentidos que os realocam no

cenário e os tornam promotores de ativismo.

Ann Thorpe (2011) define ativismo como a tomada de ação alinhada às rubricas de

sustentabilidade, enfatizando metas de longo prazo, o bem estar social e ambiental, a

fim de promover mudança a favor de um grupo excluído ou negligenciado. Na busca

de definir Design-ativismo, Thorpe visita uma série de autores e artefatos, delineando

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parâmetros a partir dos quais entende que o ativismo, além do aspecto disruptivo, tem

sempre como características revelar, desvendar, ou delimitar um problema, e o Design

na forma de ativismo busca oferecer alternativas a partir de quatro critérios descritos

a seguir:

• Revelar ou delimitar publicamente um problema ou questão desafiadora;

• Pedir por mudança fundamentada no problema ou questão levantada;

• Trabalhar a favor de um grupo negligenciado, excluído ou em desvantagem;

• Ser não-convencional e não-ortodoxo na proposta de ruptura com práticas

cotidianas ou sistemas de autoridade.

O enfoque de Thorpe é particularmente interessante à presente tese, pois proporciona

a discussão a respeito do uso dos meios e mecanismos do Design a fim de produzir

objetos ativadores de discursos e promotores de soluções que subvertem lógicas de

mercado.

De acordo com Thorpe:

“[...] a proposta do ativismo é prover um desafio mais focado aos padrões

dominantes de poder e subvertê-los em favor de algo melhor. Nesse sentido os conceitos de disrupção, enquadrar, desvelar e grupos

negligenciados tornam-se ferramentas para a elaboração de projetos de design ativistas78 (THORPE, 2011, p. 14).

Àqueles engajados nesses projetos cabe, muitas vezes, a subversão à maneira

descrita por De Certeau (2008), em que se escapa do poder sem deixá-lo, e os objetos

são entendidos em uma instância dominante em que a produção encerra significados

que diferem das circunstâncias de uso, forjando uma “produção secundária que se

esconde nos processos de sua utilização” (DE CERTEAU, 2008, p. 40). O autor

menciona um outro importante aspecto, em que os fazeres populares, a construção

da língua e as táticas de sobrevivência cotidianas também escapam às esferas de

dominação por meio de uma produção – tangível ou não - de conteúdos inesperados.

78 Tradução livre da autora.

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Analogamente, o designer ativista assume a responsabilidade pela geração de

discursos por meio do que produz, em que dá a conhecer as questões sobre as quais

deseja manifestar-se, e pode construir espaço de protesto e lugar de ativismo por meio

do Design.

Assim, acreditamos em conceber projetos em Design a partir do entendimento do

campo como ativador de discursos e críticas. A ativação, assim, passa a ser o ponto

de partida para a parametrização dos projetos a serem realizados, cujos produtos –

tangíveis ou não – resultam de diálogos entre áreas, práticas e pessoas.

A partir desses diálogos, formulamos o entendimento de Design como atividade

projetual realizada de pessoas, para pessoas e com pessoas, em que se faz

necessário visualizar como variável imprescindível o usuário.

Entende-se o usuário do produto cujo projeto se pauta no Design ativismo,

parametrizado por Thorpe, como um motivador dessa produção a quem o designer

vai atender em problemas reais identificados. Contudo, sua participação no processo

não será, necessariamente, demandada.

Por outro lado, naqueles processos que denominamos ativados pelo Design, existe a

chamada ao engajamento, e o entendimento do designer como parte ativa da

sociedade e que deve aproximar-se do grupo que pretende atender tanto quanto

puder. A ele é demandada a construção de uma área de diálogo que permita, por meio

do Design, construir discursos, comunidades e produtos que respeitem um código de

ética daquele meio.

Percebe-se então a necessidade de reestruturar um campo bastante jovem e sempre

questionado, revelando possibilidades e modalidades de projeto e produção em que

o objeto é oriundo de uma abertura significativa para a compreensão de que se pode

oferecer ao usuário mais do que o objeto tangível, mas o intangível, em que são

incorporados valores compartilhados.

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Dessa maneira, constituem-se possibilidades de interação com o usuário por meio da

colaboração. Fletcher e Grose (2011) definem Design colaborativo como aquele que

se desenvolve a partir da participação do usuário. Ou seja, o projeto existe, mas o

objeto só se materializa a partir da intervenção deste. Isso oferece a ele um papel

mais ativo na relação com o mundo que o cerca e promove uma condição em que este

passa a ser parte da equação. Sem ele o produto é potência. A partir dele, torna-se

realidade.

Esse tipo de projeto não se restringe aos bens materiais, mas também à promoção de

experiências, como proposto pelo aplicativo N79, desenvolvido pelo músico Jorge

Drexler80 e a Samsung81, projetado para tablets e smartphones em que são dadas ao

usuário três opções de interação com composições musicais, com um número

dificílimo de mensurar de combinações possíveis. Cada um dos N (figuras 41 a 49)

tem uma quantidade de inputs, sujeitos a variáveis mais ou menos complexas e que

dão ao usuário a sensação de ser, de uma certa forma, autor naquele projeto.

Ora, existe uma equipe de designers, programadores, engenheiros entre outros

profissionais, além dos músicos, para gerar os inputs, mas a canção só existe após

essa intervenção do usuário. Ao término da experiência, são ofertadas as opções de

refazer, gravar e compartilhar a versão produzida por ele para aquele N nas redes

sociais.

Oferecer ao usuário a percepção de que o output daquilo que seleciona é virtualmente

único é o que move algumas marcas de Design no sentido da colaboração.

79 Projeto N. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=PycgYziA5uM&list=RDPycgYziA5uM#t=68>. Acesso em 14/04/2017. 80 Músico uruguaio, vencedor do Oscar pela trilha sonora de Diários de Bicicleta e 14 vezes

nomeado ao Grammy. 81 A Samsung é uma corporação transnacional sul-coreana que atua em diversas áreas de tecnologiada informação, fundada em 1938 e sediada em Seul, Coréia do Sul.

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Figuras 41 a 49: Telas de apresentação e interação dos N 1, 2 e 3 disponíveis no aplicativo.

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Fonte: Disponível em <http://www.annacarreras.com/esp/n-album-interactivo-jorge-drexler/>. Acesso

em: 14/04/2017.

Como exemplo, pode-se citar a marca de bolsas Guardamundo82, sediada em São

Paulo, SP. Os modelos de bolsas são ofertados com um número limitado de materiais

e cores a serem aplicados nas diferentes partes e ferragens (figuras 51 e 52).

Figura 50: Bolsa Modelo Cláudia, tamanho médio na tela inicial de interação. O usuário pode

escolher entre os materiais disponibilizados para laterais, alças, forro, centro e ferragens, as

combinações que desejar. Alguns materiais não geram aumento de preço inicial da peça.

Fonte: <https://www.guardamundo.com.br/crie-a-sua/22>. Acesso em: 03/01/2017.

82 Disponível em: <http://www.guardamundo.com.br/>. Acesso em: 03/01/2017).

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O número de combinações possíveis é bastante vasto, o que confere ao produto

finalizado a característica de uma muito possível singularidade e exclusividade. A

usuária pode gravar na sua bolsa, ao fim do processo, o seu nome, com baixíssimos

riscos de encontrar outra peça como a dela (figuras 51 e 52).

Figura 51: Simulação de Montagem de Bolsa Claudia, tamanho médio.

Fonte: Disponível em: <https://www.guardamundo.com.br/crie-a-sua/22>. Acesso em:

03/01/2017.

Figura 52: Simulação de etiqueta personalizada para Bolsa Claudia, tamanho médio. O usuário pode

escolher o tipo de letra e escrever o texto.

Fonte: Disponível em: <https://www.guardamundo.com.br/crie-a-sua/22>. Acesso em:

03/01/2017.

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As designers da marca oferecem o serviço online (estar na Rede, mais do que nunca,

é mandatório) e produzem por demanda, o que viabiliza o seu negócio e mantem sua

proposta de valor, sem que os preços das peças se tornem exorbitantes.

Os exemplos supracitados estão diretamente conectados à relação dos sujeitos com

a Rede e as novas tecnologias, e à capacidade de projetar situações que possibilitem

a eles “’preencher’ com conteúdos ‘biográficos’ e com os próprios ‘talentos’ o espaço

que a Rede propõe ao usuário, para depois transferi-los para a vida real,

espacialmente no seu modo de relacionar-se e trabalhar” (MORACE, 2009, p. 11).

Também observamos que “a internet facilitou massivamente para pessoas comuns o

compartilhamento dos frutos de sua criatividade com os outros, e construir

colaborativamente espaços culturais interessantes, informativos e divertidos.”

83(GAUNTLETT, 2018, p. 13).

83 Tradução livre da autora.

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Dessa maneira, desenha-se o usuário como um protagonista em um processo

colaborativo, mas não necessariamente em um projeto coletivo. No caso do N e da

Guardamundo, concepção e criação existem antes das interferências realizadas pelo

sujeito usuário e, embora sua existência tenha sido levada em conta e o produto só

passe a existir a partir dele, enquanto consumidor, nem sempre o usuário está

engajado em todas as dimensões dos discursos adotados pelos autores dos projetos.

E é essa diferença de atuação na concepção do projeto que merece destaque, pois é

aí que se desenha o cenário para a ativação de diálogo por meio do Design. Para

projetar uma situação de ativação pelo Design, é necessário que todos os sujeitos

estejam conscientes da sua participação e contribuam não apenas com as suas

habilidades práticas, mas com a compreensão do valor da sua parcela na ação.

4.1 Desenvolvimento Coletivo De Projetos De Design

Neste início de século XXI, tem-se observado a proliferação de grupos que

desenvolvem projetos envolvendo trocas significativas a fim de conceber processos e

produtos em que se permite aos sujeitos que, associados, tragam à tona seus

repertórios, recursos, perspectivas e percepções a respeito daquilo que se entende

por problemas em Design e a busca de soluções para os mesmos.

Tais atividades podem ser vistas tanto como formadoras de “comunidade quanto um

movimento com valores atraentes, do qual as pessoas desejam fazer parte” 84

(GAUNTLETT, 2018, p. 75) decorrente de “uma reação contra uma enorme

quantidade de coisas, incluindo nossa cultura hiper-rápida, crescente dependência

das tecnologias digitais, [e] a proliferação da cultura de consumo”85 (Gschwandtner,

2008, apud GAUNTLETT, 2018, p. 75).

Os coletivos se organizam por vontade própria, voluntariamente e em exercício livre

de reconhecimento – tanto das diferenças quanto das similaridades -, e não em

coexistência forçada. Em “Comunidade”, Zygmunt Bauman investiga as relações

comunais, sociais, e a construção de nação e identidade nacional, em aberta crítica

84 Tradução livre da autora. 85 Tradução livre da autora

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aos discursos neoliberais a respeito do multiculturalismo e à pluralidade, que, a seu

ver, apenas disfarçam a dominação dos valores de comunidades “mais fortes” sobre

as “mais fracas”.

Assim, caberia às comunidades mais fracas ser assimiladas – e, com isso, ter aquilo

que as diferencia da “nação” aniquilado – ou perecer – e, consequentemente, ter o

diferente aniquilado. Qualquer que fosse a solução adotada, “nenhuma delas deixava

espaço para a sobrevivência da comunidade” (BAUMAN, 2003, p. 85), porque a

percepção de “comunidade” vigente é aquela que teme o que é “diferente” e se dispõe

a “dialogar” apenas com aquilo com que se identifica, sem provocar tensões.

Assim, a fim de consolidar uma ideia de “comunidade” fundamentada nos discursos

hegemônicos, o “diferente”, o “outro”, irreconhecido e desrespeitado, deveria ser

empurrado para longe, confinado em guetos, em que se “dissolve a solidariedade e

destrói a confiança mútua antes que estas tenham tido tempo de criar raízes”, em que

se vivencia a “impossibilidade de comunidade” (BAUMAN, 2003, p. 110-11).

Os coletivos, contudo, constituem-se, a partir da perspectiva baumaniana, como

comunidades, pois lançam-se em bases que são evidenciadoras das diferenças,

buscam mostrar seus valores (éticos, estéticos, políticos, poéticos que sejam) e trazê-

los à discussão, e se ocupam com a consolidação das áreas de diálogo, mesmo

quando podem causar mais fricções do que acomodações (inclusive entre os

participantes). Tal perspectiva encontra a leitura de Salles, para quem “o próprio

sujeito tem a forma de uma comunidade; a multiplicidade de interações não envolve

absoluto apagamento do sujeito e o locus da criatividade não é a imaginação de um

indivíduo” (SALLES, 2014, p. 152), em que a autoria se estabelece dinamicamente

nas relações entre os participantes do coletivo.

Essas comunidades – os coletivos - formuladas no entorno do fazer, organizadas pela

busca de formar vínculos significativos, nos devolvem ao modelo dos sujeitos

peninsulares, explorado por nós no item 1.3 da presente tese, cunhado por Amós Oz,

para quem:

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“[...] nenhum homem e nenhuma mulher é uma ilha, mas cada um de nós

é uma península, metade ligada ao continente, metade voltada para o mar (...). Creio que devíamos ter permissão para continuarmos a ser penínsulas” (OZ, 2016, p. 82).

Propor que cada um dos envolvidos permaneça península é solicitar que estejam

conectados, porém que seja preservado aquele conjunto de recursos que os

individualiza. Acreditamos que essa relação que não amalgama os sujeitos envolvidos

proporciona o desenvolvimento de projetos em que a proposta de dialogia é princípio

inatacável. Um “encontro de penínsulas”, em que se está “perto um do outro, às vezes

bem perto, mas sem se apagar. Sem se assimilar.

Sem anular a individualidade” (OZ, 2017, p. 47).

Para o Design, que, desde sempre se configura como área interdisciplinar, parece-

nos coerente que os envolvidos no desenvolvimento dos projetos vejam a si mesmos,

não como uma massa que trabalha em uníssono, mas como um grupo em que a

multiplicidade dos olhares, passível de construir uma área de diálogo que comporte

os diferentes repertórios, autorizando assim a ocorrência de múltiplas possibilidades

de abordagem das questões levantadas para os projetos realizados, em que “a

comparação entre parceiros é entendido como sem importância”86 (GAUNTLETT,

2018, p. 77).

Entendemos então que os coletivos operam a partir do reconhecimento de identidades

e alteridades, em que os encontros entre as partes são criadores de um espaço de

negociações, convergências e tensões. Também está acordado que os coletivos se

organizam em relações heterárquicas, em que os operadores são desejavelmente

autônomos e buscam atuar em consenso.

Nesse contexto, são construídas relações dinâmicas e oriundas da percepção de um

panorama crítico, em que se faz necessário romper com posições cristalizadas a

respeito das ideias de produção, com a materialidade e os modos de existir:

“[...] quando as velhas histórias de filiação (comunitária) já não soam

verdadeiras ao grupo, cresce a demanda por “histórias de identidade” em que “dizemos a nós mesmos de onde viemos, quem somos e para onde

vamos”; tais histórias são urgentemente necessárias para restaurar a

86 Tradução livre da autora

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segurança, construir a confiança e tornar “possível a interação significativa

com os outros” (BAUMAN, 2003, p. 90).

Sobre os modos de existir, é preciso diferenciá-los dos “estilos de vida” tão

propagados nas mídias desde os anos 1980, em que se popularizaram as liberdades

de parecer com o que bem se entenda, e pertencer, ainda que momentaneamente, a

quaisquer grupos que se eleja, muito mais por gosto que por crença (LIPOVETSKY,

2009). Em contrapartida, e como reação a essa disparidade, encontram-se os modos

de existir, em que os indivíduos buscam formular uma construção ética de existência,

fundamentada em escolhas conscientes e que mapeiam os valores e relações dos

indivíduos com os outros e com os ambientes em que se inserem.

Assim, o desenho contemporâneo de coletivo adota práticas que con-correm para

produzir espaços em que o diálogo permite visibilizar as questões do grupo, promover

relações inter e transdisciplinares possibilitadas pela existência das particularidades

dos sujeitos envolvidos, capazes de “introduzir e facilitar o fluxo de informação entre

diferentes domínios de conhecimento” (HICKEL, 2015, p. 80) e soluções que podem

ser “ideias melhores”, disruptivas sem ser necessariamente destrutivas, mas

certamente desestabilizadoras – em maior ou menor medida.

Os coletivos de Design contemporâneos têm como proposta, em grande parte,

produzir discursos, apoiados ou não por objetos. Hickel aponta para um “alinhamento

do fazer humano de acordo com as dinâmicas dos sistemas vivos”, movendo o “foco

dos aspectos materiais do design para examinar os seus domínios imateriais e, assim,

explorar e criar entendimento sobre os níveis de abstração cognitivos” (HICKEL, 2015,

p. 81-82). O autor faz analogia entre as sociedades e aquilo que produzem com os

sistemas vivos, em que as interações dinâmicas constituem “redes de comunicação e

certas perspectivas culturais (...) que estabelecem certas formas de estar no mundo”.

Quer sejam compostos por artistas e/ou designers, quer produzam obras materiais,

imateriais, perenes, efêmeras, interativas ou não, em coletivo a heterarquia das

relações é fator primordial, pois é esperado que os diferentes operadores contribuam

para a completude da obra com aquilo de que dispõem, “possibilitando a autonomia

de cada participante para encontrar seu próprio modo de estar no processo” (GOIS;

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BONFIM; BRITO; in CIRILLO et al., 2015, p. 179). Dessa maneira, o que se evidencia

é a autonomia e a auto-gestão, a natureza dinâmica das inferências e as

possibilidades de redesenho de projeto em curso, a partir das contribuições e

competências identificadas dos participantes, para quem os processos “auxiliam as

pessoas a aprender e criar vínculos”87 (GAUNTLETT, 2018, p. 78).

Além disso, os coletivos contemporâneos, de acordo com Spampinato, fazem de seus

trabalhos um convite para conversar com o público. Ou seja, oportunizam novos

diálogos, pois seus componentes não deixam de se reconhecer como público. Como

produtores e público, experimentam o processo de fazer, mais atentos aos detalhes e

às decisões que fundamentam as escolhas cotidianas acerca dos objetos construídos

e a experiência de utilizá-los (GAUNTLETT, 2018, p. 71).

Organizar-se em coletivo, contudo, pressupõe criar a oportunidade para desenvolver

conexões sociais e crescimento pessoal (GAUNTLETT, 2018), a partir do

reconhecimento das diferenças e das consequentes tensões decorrentes do não

apagamento do indivíduo, do “reconhecimento do direito igual para todos os seres

humanos de serem diferentes uns dos outros e de cada indivíduo isolado se equiparar

a um mundo inteiro, cuja existência merece respeito” (OZ, 2017, p. 59).

Assim, são reescritas as narrativas e atividades comunais e torna-se evidente que, ao

optar por trabalhar coletivamente, o grupo não apenas assume um modus operandi,

mas também faz dele a mensagem, ou pelo menos constrói parte dela a partir da sua

conformação. Dessa maneira, os operadores de um coletivo não são maiores que as

causas que defendem, que as questões que levantam, que as propostas que fazem.

A respeito das tensões, estamos de acordo com Oz (2017, p. 59-60), quando diz que

“controvérsia não é uma situação de fraqueza preocupante, e sim um clima positivo

para o florescimento de uma vida criativa” que converge com a “noção de contraponto

e também com a de polifonia humana, na qual a comunidade é um coro de muitas e

87 Tradução livre da autora.

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diferentes vozes, uma orquestra com instrumentos variados, todos regidos num

sistema de regras consensual” (idem, ibidem, p. 69).

Em resumo, os coletivos de Design se organizam, à guisa de comunidades, por

vontade própria, em torno do fazer. Buscam, diferentemente de organizações

hierárquicas encontradas nos ambientes industriais, trocas significativas realizadas

em situações horizontalizadas (aquilo que repetidamente chamamos de heterarquia,

ou o poder descentralizado de responsabilidades compartilhadas), em que o

importante não é a força de trabalho, mas a contribuição feita durante o projeto.

Nessas situações, os participantes dos coletivos trazem à mesa – de trabalho, em

torno da qual são convidados a reunir-se e sobre a qual devem depositar suas

contribuições - suas habilidades e os desejos de aprender e oportunamente ensinar,

em um movimento que privilegia a troca e construção de conhecimento – acerca de

processos, materiais, técnicas específicas. Os coordenadores de projeto, nessas

situações, funcionam mormente como propositores dos projetos e facilitadores da

formulação das áreas de diálogos que certamente serão estabelecidas entre aqueles

que se engajam em situações de projetar em coletivo.

As áreas de diálogo assim constituídas delineiam – mas não limitam - o terreno

necessário para a experimentação e a inovação, definida por Coelho (2008, p. 103),

como a introdução de novidades no existente, mas que, de alguma

maneira, subverte a maneira como esse existente prévio se apresenta, a ponto de

parecer novo, como uma invenção88.

Para o Design, implica em acercar-se de um processo de aceitação de que os projetos

podem ser mais do que realizar o que foi previamente concebido. Realizar um projeto

de Design passa a ser um caminho de descobertas em que as rotas são sempre

redesenhas, em que novas e melhores ideias podem ser formuladas durante o

processo de fazer.

88 Optamos por apresentar brevemente e conceitualmente as ideias de invenção e inovação. Coelho entende que a inovação é um processo de descristalização dos sentidos de um signo, “permitindo novas associações entre seus elementos” (COELHO, 2008, p. 102), enquanto a

invenção refere-se ao ineditismo, à primeira aparição daquilo. (Nota da autora)

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4.2 O Design De Moda Como Continente De Ideias Melhores

Em nossa tese, tratamos dos têxteis e artefatos têxteis, pensando-os como objetos

cujo desvio de uso os re-significam para leva-los à posição de objetos políticos e de

resistência. Também tratamos das técnicas têxteis, deslocadas do seu lugar de hábito

a fim de provocar propositalmente estranhamento e trazer a público questões

importantes para a sociedade e o convívio, empregando por meio da tessitura a

compreensão de que o ativismo, quando relacionado aos trabalhos de agulha pode

ter a função de provocar no indivíduo, impactado pela obra ou pela ação, a sensação

de pertencimento, de que faz parte daquela trama – daquele tecido social.

Assim, a partir de agora, depois de também nos dedicarmos a entender como funciona

o Design-ativismo e como, partindo da mirada construída em nosso primeiro capítulo

por meio do entrelaçamento dos três modelos conceituais que elegemos, derivamos

para a compreensão da formação de coletivos em Design como um oportunizador de

projetos em que é possível ativar discursos, discussões e diálogos.

Vamos nos dedicar aos projetos dos “objetos vinculados à noção de Moda”, como

denomina Deborah Christo (2018) e realizados em coletivo, trazendo para isso a

nossa experiência com o LabModAR, sobre a qual nos deteremos adiante. A primeira

opção que fazemos é entender porque se faz necessário pensar em ativação pelo

Design de Moda. Tratar disso é repensar um sistema que vem funcionando e se

consolidando globalmente desde o fim da Idade Média (LIPOVETSKY, 2009), e que,

dessa forma opera a partir de uma lógica que funciona em um mercado que – por

outro lado – privilegia a produção industrial em escala, as organizações hierarquizadas

e as linhas de produção em que aquelas pessoas engajadas na construção de um

produto apenas executam, repetitivamente, etapas de construção dos objetos que

muitas delas não sabem como se configuram, ao fim.

Então, em primeiro lugar, podemos apontar um cenário de crise econômica e política

global que se desenha desde o final do século XX, e com a forte industrialização de

lugares periféricos como Índia e China, tornados potências produtivas de artefatos em

larga escala, com baixa tributação e custo de produção, e, muitas vezes às custas de

condições de trabalho consideradas irregulares em outros países.

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Todos esses fatores causam impacto direto sobre a capacidade de industrialização e

atualização de processos e estrutura – maquinário e tudo que compete aos parques

industriais - de países como o Brasil e tantos outros no mundo. Se não é possível

competir com o produto industrializado e produzido em massa na Ásia, a resposta

deve vir por meio do diferencial, daquilo que as comunidades locais (e aí não estamos

falando dos grupos tradicionais de artesãos, mas da ideia de comunidade como temos

explorado até então) são capazes de fazer que os diferencie no cenário do Design de

Moda como um todo. Talvez isso implique em não desejar um alcance global, talvez

na demanda pelo reconhecimento de uma capacidade produtiva de menor escala,

porém com qualidade maior dos produtos, e que precisa redesenhar os tempos de

produção e lançamento das peças, subvertendo uma lógica que o mercado de Moda

vem desenhando e mantendo quase que sem alterações desde a metade do século

XIX.

Essa lógica se fundamenta na sazonalidade89, na constante busca pela novidade e

em modismos orientados por pesquisas de tendências globais.

Pequenos negócios relacionados ao fazer manual, coletivos ou não, localizados

naquelas localidades denominadas periféricas, em que se localiza a América Latina,

rapidamente aprendem que não conseguem competir economicamente com a

produção em massa e precisam se repensar. Um exemplo é o que Moseley-Williams

aponta sobre o mercado de Moda na capital argentina:

Em um país conhecido por seus ciclos econômicos flutuantes, que vão da estabilidade à falência, empreendedores com um plano de negócios global

devem superar obstáculos como taxas exorbitantes de novos exportadores e 21% de imposto de exportação. Não vamos esquecer a

inflação, que estava em 36% em 2016 e deve fechar em 24% em 2017, a mais alta da região depois da Venezuela90 (MOSELEY-WILLIAMS, 2017,

p. 231).

89 A sazonalidade refere-se aos lançamentos de novos produtos pelo menos duas vezes por ano, respeitando a uma agenda de mudanças climáticas estanque e convencionada, discutível em países de clima tropical como o Brasil e também, globalmente, devido a questões como aquecimento global e fenômenos climáticos que causam alterações significativas na temperatura esperada para cada estação do ano (nota da autora). 90 Tradução livre da autora.

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Ainda que Buenos Aires seja conhecida como um lugar em que são encontrados bons

produtos manufaturados, Moseley-Williams reforça que, para além das fronteiras da

Argentina e de alguns países vizinhos, encontrar o produto “Hecho en Argentina”91 é

raro, mas que mesmo assim, existe um mercado de jovens designers que decidem

permanecer sendo criativos enquanto constroem seus negócios, sem pensar

seriamente em expandir-se para além dos limites da Ciudad Autónoma de Buenos

Aires. O autor cita o caso de Cata Chavanne (figuras 53 a 55), que trabalha com peças

tricotadas em angorá e merino92:

‘Nós [designers argentinos] não somos competitivos. O cashmere do Nepal é mais barato que o merino da Patagônia; até que eu consiga enviar,

ninguém mais comprará meus suéteres. Eu recusei uma oferta de um cliente potencial de Nova York, dizendo a ele que não valeria a pena para

ele. (...).’ Chavanne vê ainda um outro benefício em vender suas roupas em Buenos Aires: ‘Eu atendo minhas clientes pessoalmente, o que é

importante para mim’93 (MOSELEY-WILLIAMS, 2017, p. 232).

Nesse cenário – em quase nada diferente do cenário brasileiro - em que tudo parece

ser contrário ao trabalho do designer, ainda assim há os que perseveram, acreditando

que “quando você corre riscos para fazer algo que não é visto com frequência, isso te

salva” (TROSMAN, apud MOSELEY-WILLIAMS, p. 234).

Autores como Gauntlett (2018) e Korn (2013) observam essa iniciativa por um fazer

manual e diferente como uma “conversa que atravessa o tempo” (KORN, 2013, p. 31)

e que remonta aos princípios do Movimento de Artes e Ofícios, do século XIX, no que

tange à valorização do projetar e fazer do objeto, no sentido em que ao experimentar

os procedimentos e as tomadas de decisão necessárias para realizar um produto, o

designer faz o trânsito entre quere ser e, efetivamente, torna-se um profissional

detentor não apenas do conhecimento sobre o que deseja, mas acerca dos processos

que poderá eleger e da materialidade necessária para atingi-lo:

“Um ser humano pode ser forçado a trabalhar como uma

91 Feito na Argentina, como consta nas etiquetas dos produtos fabricados naquele país (nota da autora). 92 Fibras têxteis naturais de origem animal, a primeira pode ser extraída tanto do pelo de um coelho chamado Angorá, quanto de um caprino que também carrega esse nome. A segunda é extraída de ovinos de raça Merino. Os animais, de pelo farto, são oriundos de climas frios (nota da autora). 93 Tradução da autora

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‘ferramenta’, seguindo instruções precisas do seu mestre, fazendo as

coisas corretamente, mas elas são desumanizadas e seu espírito está sufocado. Ou ele pode ser autorizado a ‘começar a imaginar, a pensar, a

tentar fazer qualquer coisa que queira’ – e isso pode levar à imperfeição, insucesso, e embaraço, mas também desencadeia ‘toda a majestade’ do

indivíduo” (GAUNTLETT, 2018, p.39).

Figuras 53 a 55: Suéteres de Blue Sheep por Cata Chavanne.

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Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/BlueSheepbycatachavanne/photos/>. Acesso em: 03/01/2017.

Figura 56: Look da Coleção Primavera Verão 2019 de Jessica Trosman (JTbyJT), designer de moda

argentina que define seu trabalho como “atemporal, sempre tentando modificar o tecido original”.

Fonte: Disponível em: <http://www.jtbyjt.com/collection/ss-2019>. Acesso em: 03/01/2017.

Existem ainda outras questões relacionadas ao Design de Moda e que partem de uma

observação sobre o campo e solicitam um redesenho do fazer do designer.

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A primeira questão que podemos apontar é relativa ao próprio entendimento do

designer como um sujeito social, cujo trabalho corresponde à mediação simbólica

entre sociedade e usuário por meio daquilo que projeta. Assim, diferentemente do

estilista, é desejável que o designer de Moda, como temos ressaltado, atenda ao

usuário no que diz respeito à funcionalidade, uso, ergonomia, durabilidade, orientar-

se por parâmetros culturais, estéticos, éticos e, se engajado nesses discursos, de

sustentabilidade.

Nesse cenário se complexifica o produzir dos tais objetos vinculados à noção de Moda,

que muito provavelmente não terão seu desenvolvimento pautado pelos Modismos e

as tendências globais.

Pode-se adotar, então, os critérios de Ann Thorpe a fim de parametrizar projetos de

Design também para Moda – na totalidade ou não. Se tomamos os modelos

conceituais de Hundertwasser, Ianês e Oz, minimamente, podemos isolar, dentre os

quatro critérios, os seguintes:

• Revelar ou delimitar publicamente um problema ou questão desafiadora;

• Pedir por mudança fundamentada no problema ou questão levantada;

• Ser não-convencional e não-ortodoxo na proposta de ruptura com práticas

cotidianas ou sistemas de autoridade.

Ressaltamos a diferenciação entre ativismo e ativação para o que propomos aqui, pois

pensamos que, ainda que possa ser utilizado em conjunto com outros conceitos a fim

de fazer notar problemas globais, o próprio Design de Moda tem uma pauta repleta de

causas, como estamos vendo. Acreditamos que a partir dos três critérios acima

destacados, pode-se atacar tais causas que começam com o redesenho da própria

área e perpassam a formação de jovens designers para o mercado de trabalho

contemporâneo.

Quando associamos as questões do Design de Moda ao fazer manual e em coletivo,

também tratamos de questões latentes e que já tangenciamos na presente tese, tais

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como as relações com a sustentabilidade e os movimentos como o de slow-fashion e

o de low-sumerism que derivam dessa atitude norteadora.

A definição tornada clássica de sustentabilidade e que consideramos doravante, é a

da Comissão Mundial Sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada em Oslo e

liderada por Gro Harlem Brundtland (1991, p.46), para quem “o desenvolvimento

sustentável é aquele que atende o presente sem comprometer a possibilidade de as

gerações futuras às suas próprias necessidades”.

Assim, Fletcher e Grose (2011, p. 10) consideram que, se é necessário operar

mudanças na indústria da moda a partir da sustentabilidade, a fim de torna-la “menos

poluente, mais eficaz e mais respeitosa (...); mudar a escala e a velocidade de suas

estruturas de sustentação e incutir nestas um senso de interconectividade”, e que tais

mudanças estão ao alcance de todos, pois é possível realiza-las a partir de ações de

pequena escala.

Também a relação do Design e dos designers – especialmente de Moda - com o tempo

é algo que em nossa pesquisa – e subsequente prática – tornou-se recorrente. Por

um lado, temos o tempo de fazer, os processos, - o slow fashion - mas por outro

também a construção de relações entre usuários e objetos aproximados da noção de

Moda, quer sejam roupas, quer sejam quaisquer tipos de acessórios, que sejam mais

permanentes – o low-sumerism.

Podemos mencionar o trabalho realizado por amaria94, um coletivo de artesania têxtil,

coordenado pela designer Mayumi Ito e que funciona desde 2003 em Muzambinho,

Minas Gerais. Lá, o grupo desenvolve desde superfícies têxteis tecidas e tingidas

manualmente, até peças de vestuário e produtos têxteis para casa, costuradas e

bordadas à mão, em fibras naturais e utilizando técnicas de modelagem de

desperdício mínimo (figuras 57 a 60). Sobre a marca, a informação encontrada no site

é a seguinte:

94 Disponível em: <http://www.amaria.com.br/>. Acesso em: 03/01/2017. E

<https://www.youtube.com/watch?v=4hyZYRaQTkY&t=163s>. Acesso em: 03/01/2017

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“[...] ‘amaria’ é peça única, manufaturada carinhosamente para você, em

sintonia com o meio ambiente, a cultura e a tradição do feito à mão em tear, tingimento natural, corte e costura consciente. A técnica manual de renda, macramê, abrolho, tricô, crochê, bordado, patchwork, fita viés e retalho é a valiosa herança de avós, mães e tias. A

irregularidade na textura, cor, forma, acabamento e tamanho é inerente ao material de fibras naturais e trabalho manual. Sugestão de carinho e cuidado em todo processo de manutenção e conservação para que sua peça tenha vida longa. Sendo aconselhável

lavagem manual com sabão neutro ou à máquina usando tela de proteção. Secagem horizontal, à sombra e do lado avesso. Evitar ferro quente, usar

uma proteção ou passar pelo avesso” (AMARIA, s. ano, s. p.).

Assim, privilegia-se, por um lado um fazer mais lento, mais consciente, e por outro, a

relação de permanência dos objetos adquiridos com aqueles que deles se apropriam,

tornando a segunda pele de Hundertwasser de fato em um transbordamento da

primeira.

Figura 57: Meadas de algodão tingidas naturalmente com casaca de cebola. Amaria, Junho de 2018.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/amaria.muzambinho/photos/>. Acesso em:

03/01/2017.

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Figura 58: Peças em algodão costuradas, bordadas e tingidas manualmente. Amaria, Maio de 2018.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/amaria.muzambinho/photos/ >. Acesso em:

03/01/2017.

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Figura 59: Vestidos em algodão costurados, bordados e tingidos manualmente. Amaria, Abril de 2018.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/amaria.muzambinho/photos/>. Acesso em:

03/01/2017.

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Figura 60: Vestido em algodão tecido, costurado, bordado e tingido manualmente. Xale em renda

frivolité, em fio de algodão fiado e tingido manualmente. Amaria, Março de 2018.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/amaria.muzambinho/photos/>. Acesso em:

03/01/2017.

A saber, de acordo com Gauntlett (2018, p. 71) sobre a obra de Carl Honoré (2004),

o “movimento slow” é:

“[...] uma abordagem ‘mais lenta’ do trabalho, do ócio, educação, desenvolvimento das crianças, e outras áreas da vida, pode

dramaticamente aumentar a qualidade das experiências, mesmo quando elas são menores numericamente (...) não representa uma mudança em

direção à preguiça, mas diz respeito a adotar um ritmo mais comedido, fazer as coisas da maneira apropriada, e apreciar e aproveitá-las, sem a

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sensação constante de pressa e o pânico latente de que não se está

fazendo as coisas tão rápido quanto se deveria”95.

A incorporação do fazer e, sobretudo, de um fazer manual não mediado por máquinas,

dá ao trabalho outra dimensão e valor. Adota-se uma atitude com relação ao objeto

produzido de respeito ao tempo, e que, no Design de Moda é denominado slow

fashion96 e que se contrapõe ao fast fashion97, construindo um sentido em que a

produção mais lenta e cuidadosa, voltada para uma causa e para pessoas reais faz

oposição direta ao amontoado de produtos substituíveis e esquecíveis, mais ou menos

baratos que invadem as lojas, sejam elas populares ou não, para corpos que devem

se moldar a essas roupas, em um processo claro de exclusão daquela - enorme -

parcela da população que a indústria não contempla.

Quanto ao low-sumerism98, podemos traduzi-lo como uma redução do consumo em

geral, a partir do aumento da consciência a respeito dos objetos que nos cercam e do

que de fato é necessário cotidianamente. Conecta-se com a construção de relações

mais duradouras entre as pessoas e a materialidade em seu entorno e conduz ao

repensar da descartabilidade dos objetos, que por um lado pode incentivar a

manutenção de pequenos serviços locais que fazem reparos em bens (tais como

sapateiros, costureiras e relojoeiros por exemplo, negócios que vínhamos vendo

diminuir, especialmente nos grandes centros urbanos, e que observamos, no

momento, em passo de re-surgimento) e, por outro, incentiva os sujeitos a aprenderem

a fazer os reparos e a manutenção dos seus próprios objetos:

“Sugerir que as pessoas podem fazer, consertar e reparar as coisas eles

mesmos tem muito em comum com sustentabilidade e ambientalismo. Também conecta-se obviamente com anti-consumismo – a rejeição à ideia

que a resposta a todas as nossas necessidades e problemas pode ser

95 Tradução livre da autora. 96 De acordo com Salcedo (2014) o slow fashion se caracteriza por um enfoque sobre a moda em que os agentes da cadeia têxtil, desde o designer até os consumidores, se tornam mais conscientes do impacto das roupas sobre pessoas e ecossistemas. Para isso, o consumidor e seus hábitos são vistos como parte importante da cadeia. O conceito de moda lenta trata da qualidade, o que, no fim, tem relação como tempo dedicado ao produto e o tempo de permanência do consumidor/usuário com o mesmo. 97 Salcedo (2014) descreve o fast fashion como uma prática de grandes empresas internacionais

de moda para atrair seus clientes graças à atualização constante de peças e baixo preço de seus produtos. 98 “The Rise of Lowsumerism” realizado pelo BOX 1824. Disponível em:

<https://www.youtube.com/watch?v=jk5gLBIhJtA>. Acesso em: 03/01/2017

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adquirido em lojas. Isso não quer dizer que as pessoas habilidosas 99

rejeitam todas as “coisas” – pelo contrário, ter objetos interessantes em nossas vidas, coisas de que gostamos e das quais cuidamos, é

enriquecedor”100 (GAUNTLETT, 2018, p. 68).

Em ambos os casos nos aproximamos daquilo que Gwilt (2014, p. 90) denomina de

design pela durabilidade, o que “na moda se inicia pela compreensão do que é preciso

para uma peça de vestuário ser durável”. A durabilidade tanto se relaciona com o

usuário e sua percepção particular do que é um objeto durável – Gwilt dá como

exemplo duas peças bastante distintas, uma calça jeans e um terno feito sob medida

– quanto com a combinação de abordagens feitas pelos designers durante o projeto

ao optar por técnicas de construção, materiais e modelagens que possam receber

melhores cuidados e permitam melhor conservação.

Certamente, designers independentes podem construir seus discursos e trajetórias

autorais, alinhados com sustentabilidade, realizando projetos que envolver o fazer

manual e em que isso passa a ser parte de sua assinatura. Assim fazia Zuzu Angel,

por exemplo, de quem tratamos sob outras lentes, no segundo capítulo da presente

tese.

Outros, como explora Ganem (2016) em seu trabalho a respeito do Design Dialógico,

associam-se a comunidades de artesania tradicional, encomendando a elas

componentes dos seus projetos, às vezes, engajando-as aos mesmos, mas sempre

com o entendimento de que essa relação é de complementaridade.

Nossa percepção de Design Dialógico, contudo, permeia outras relações, polifônicas,

heterárquicas e equânimes. Para nós, o pensamento de complementaridade causa

um desconforto pois como o vemos, o Design Dialógico, fundamentado sobre a nossa

leitura entrelaçada dos modelos conceituais que elegemos, lida, majoritariamente,

com as presenças, semelhanças, reconhecimentos (das diferenças, inclusive) e

desejos comuns e menos com as ausências que a complementaridade pressupõe, e

permite ao designer colocar-se em um contexto em que pode experienciar diferentes

e convergentes modos de existir.

99 Grifo da autora 100 Tradução livre da autora

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Assim, elegemos a investigação de procedimentos coletivos em Design de Moda

realizado por designers – e designers em formação – ativando diálogos que

transformam o campo do Design, ainda que possam concomitantemente abordar

pautas concernentes a grupos exteriores ao coletivo, e inclusive ver-se estimulado a

repensar suas ações em função das questões apresentadas por esses agentes

externos.

Assim, se “acolhe, portanto, a miscelânea colaborativa, a construção combinada das

peculiaridades e talentos individuais, uma celebração da imperfeição, da imaginação,

e do ‘faça o que você pode’”101 (GAUNTLETT, 2018, p. 38) e delineia-se a área de

diálogo na qual é possível projetar, juntos, um futuro possível para o Design de Moda

e para os designers.

101 Tradução livre da autora.

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5. RELATO DE EXPERIÊNCIA: O LABMODAR

CENA DA DANÇA II Sonhe junto.

Yoko Ono.

No presente capítulo apresentamos a experiência de formação e maturação de um

coletivo de Design de Moda, o LabModAR, um projeto de extensão nascido dentro do

Bacharelado em Design de Moda da Universidade Anhembi Morumbi102, a partir do

Projeto Pérola, sobre o qual trataremos adiante.

É importante pontuar que foi o projeto proposto o fator que desencadeou uma

sequência de fatos que nos levou a formar algo assim dentro da Universidade, e que

à época sequer falávamos sobre coletivos de Moda, menos ainda no ambiente

acadêmico. Sabíamos de algumas iniciativas desse tipo, muito mais aproximadas da

arte e do Design em sua produção mais ampla, como o Estúdio BijaRi 103 e

OEstudio104, mas ainda era muito mais comum pensar no designer, principalmente de

Moda, como um desejoso do trabalho assinado, aquele que queria ter seu nome

reconhecido e a sua figura associada ao produto do seu trabalho.

5.1 Precedentes

A grade curricular do Bacharelado em Design de Moda organiza-se em torno de

projetos de caráter interdisciplinar em que, a partir de eixos temáticos são criadas

102 A Universidade Anhembi Morumbi conta com dois Bacharelados em Moda, um em Negócios

da Moda e o outro em Design de Moda. 103 Fundado em 1997, o Estúdio BijaRi, sediado em São Paulo – SP - tem como missão criar experiências estéticas que transformem a relação entre as pessoas, marcas, espaço e sociedade. Definem-se como um centro de criação em artes visuais e multimídia, cujo trabalho deriva de uma pesquisa constante situada na convergência entre arte, tecnologia e design, permitindo imprimir novos olhares à comunicação em diferentes plataformas de atuação. Para isso, reúnem um grupo multidisciplinar de profissionais, composto por artistas, arquitetos, cenógrafos, designers, diretores de vídeo, planejadores e programadores, pessoas que acreditam no questionamento de modelos vigentes. Disponível em: <http://www.bijari.com.br/>. Acesso em: 03/01/2017. 104 Sediado no Rio de Janeiro, desde 2001, se define como uma agência especializada em

Design e Moda e cujo trabalho e fundamentado nas práticas coletivas e interdisciplinares. A

mais recente incursão de OEstudio é a New Fashion School, consolidada como um “laboratório itinerante de Fashion Design”, em que buscam pensar a moda como ferramenta de

transformação. Disponível em: <www.oestudio.com.br>. Acesso em 03/06/2017.

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pontes entre o Design de Moda e outras áreas. Até 2012, aproximadamente, os eixos

destacados relacionavam-se, por exemplo às Artes Visuais, a Cultura Brasileira, os

Movimentos Sociais da segunda metade do século XX, e, a partir deles discutia-se e

desenhavam-se projetos que contemplassem públicos merecedores de olhares

específicos, categorizados como “feminino acima dos 60 anos” ou “feminino plus size”,

por exemplo.

Buscávamos, com essas iniciativas, incentivar o trabalho em conjunto, em que os

estudantes poderiam explorar suas habilidades e exercitar um aprendizado mais

dinâmico e autônomo, o distanciamento do estilismo e da produção de coleções

“inspiradas” em temas abordados a partir de uma observação superficial e o

entendimento de que os usuários não necessariamente correspondem aos padrões

recorrentes nas mídias de Moda.

Ainda que não se falasse de formar coletivos, os estudantes deveriam organizar-se

para desenvolver em grupo, a depender do conteúdo curricular daquele semestre e

dos anteriores, projetos experimentais, orientados por um docente específico que

seria auxiliado pelos colegas responsáveis pelos demais componentes curriculares do

período. Os projetos, por fim, eram apresentados a uma banca, que recebia de

antemão e avaliava um material escrito, que deveria descrever o processo desde a

pesquisa até a finalização do percurso projetual, e, durante a apresentação, deveria

avaliar a desenvoltura do grupo, as soluções visuais empregadas e também as peças

de vestuário apresentadas, de acordo com a argumentação do grupo.

Já naquele momento, os projetos interdisciplinares do Bacharelado em Design de

Moda realizados semestralmente propunham, de alguma forma pautar-se pela

sustentabilidade e, amiúde contemplar públicos que, como falamos acima, fossem

além do sempre-alvo “feminino, heterossexual, branco, cisgênero, classe média alta

ou alta, em uma profissão dita ‘criativa’, de 25 a 35 anos” recorrente no ideário do

jovem designer e do mercado como um todo, mas do qual, de fato sabe-se pouco e

que corresponde, considerando-se as possibilidades estatísticas, a uma parcela muito

pequena e excessivamente atendida pelo mercado.

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Assim, passamos a interessar-nos por esse usuário, e entender que a investigação

sobre ele poderia nos sinalizar coisas mais interessantes que as pesquisas acerca

dos lançamentos realizados nas passarelas internacionais - o procedimento padrão

de pesquisa de tendências ensinado nas faculdades de Moda no Brasil até então.

Entendíamos que, sendo o Design uma área interdisciplinar, poderia ser mais

instigante – por exemplo – aprofundar a compreensão nas maneiras como os

pequenos aparelhos eletrônicos como os celulares, foram se tornando extensões do

corpo humano e mudando o próprio gestual e postura dos sujeitos, do que ver mais

uma revista de Moda dizendo que, naquele inverno as tendências são “jeans, couro,

xadrez e marrom”. Como em todos os invernos.

Também vínhamos discutindo a sazonalidade das coleções produzidas, considerando

a realidade climática do país com dimensões continentais que é o Brasil, e que,

sobretudo, está localizado em uma zona de clima tropical – e por isso mesmo sujeita

a períodos em que as variações climáticas e a amplitude térmica são, a despeito das

investigações científicas e dos parâmetros propostos pelas agências responsáveis,

absolutamente insondáveis - em quase toda a totalidade de seu território.

Como designers e usuários, percebíamos que peças de vestuário não eram

descartadas a cada estação e que as pessoas faziam escolhas cada vez mais

pautadas por seus modos de existir que por tendências e modismos.

Na retaguarda, entre o corpo docente, desenvolviam-se pesquisas e questionamentos

acerca da possibilidade de implantar propostas alinhadas com a sustentabilidade,

visando não apenas a adoção de práticas ambientalmente corretas, mas também que

fossem economicamente viáveis e socialmente responsáveis e inclusivas.

Sabíamos, desde a crise de 2008105, da fragilidade do mercado nacional de confecção

e da indústria têxtil como um todo, e como tal fragilidade abriu espaço para a entrada

105 Conhecida como Bolha Imobiliária dos Estados unidos, causou impacto e recessão mundial, e

também um refreamento dos investimentos em diversos setores das indústrias em países

emergentes, inclusive o têxtil no Brasil.

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de produtos industrializados da Índia e principalmente da China no mercado nacional,

com os quais, como já vimos no Capítulo 4, é bastante difícil competir.

Estávamos, sobretudo, formando profissionais para aquilo que Salcedo chama de

futuro possível. Pensar no futuro possível abria-nos então as portas para inventar um

futuro desejável. Como seria esse futuro?

5.2 Projeto Pérola: Moda e Resiliência

Para nós, o futuro começou de fato há cerca de oito anos, quando em 2011, os

Bacharelados em Design de Moda e Negócios da Moda da Universidade Anhembi

Morumbi, dos quais essa autora é docente desde 2009, se engajaram pela primeira

vez em um projeto de inclusão social.

Encampar um projeto desse tipo é reconhecer que:

[...] as populações são sistemas sociais complexos onde há uma luta pela

inclusão em igualdade de condições de todas as pessoas, e é quando todos aqueles que pareciam não existir se tornaram evidentes, aqueles

que sofrem alguma deficiência ou se encontram em desalento diante dos outros. sua idade ou sua condição física106 (FLORES; LOSADA, 2011, p.

9).

Contudo, em 2011 aconteceu algo inesperado. Fomos contatados pela sra. Carmelina

Amadei e pela dra. Faride Amar Cohen, do Centro de Referência em Saúde da Mulher

Hospital Pérola Byington107, que procuraram a Coordenação do Bacharelado em

Design de Moda da Universidade Anhembi Morumbi, em busca de roupas para vestir

as suas pacientes em um evento a ser realizado em Setembro daquele ano, chamado

Desfile da Primavera (figura 61).

106 Tradução livre da autora. 107 O CRSM Hospital Pérola Byington é um hospital da rede pública de saúde, vinculado ao Governo do Estado de São Paulo e localiza-se na região central da cidade de São Paulo. Presta assistência hospitalar na área ginecológica, destacando-se o tratamento do câncer ginecológico e mamário, a reprodução humana, planejamento familiar, esterilidade, sexualidade, violência sexual e uroginecologia. Além da atuação médico-hospitalar, promove educação em saúde da comunidade, pesquisa, ensino, desenvolvimento de tecnologia e intercâmbio com instituições de ensino, atendendo a região metropolitana da grande São Paulo.

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Figura 61: Convite do Desfile da Primavera de 2011, Celebrando e Colorindo a Vida.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/ModaeResiliencia/photos/>. Acesso em:

03/01/2018.

A resposta dada pela Coordenadora do curso, a Professora Eloize Navalon, foi que,

por mais que desejássemos ajudá-las, com as roupas produzidas por nossos

estudantes seria muito difícil. Era costume confeccionar os projetos de coleção em

tamanho 38 – tal indicação inclusive constava na maior parte das normativas de

projeto então vigentes -, o mais comum para prototipagem no mercado 108 , e,

confirmando o que se imaginava, poucas eram as pacientes que usavam essa

numeração.

Além de não corresponderem ao tamanho padrão de prototipagem para a indústria de

Moda, é preciso lembrar que, os corpos das pacientes, submetidos ao tratamento

quimioterápico, costumam reagir com alterações, como emagrecimento severo, ou

inchaço, principalmente na região abdominal, além da perda de cabelo – efeito

108 Naquele momento. Ao longo dos anos, o tamanho de prototipagem na indústria de confecção feminina passou a variar entre o 34 e o 36, o que nos leva à uma sobre-discussão a respeito dos

padrões inatingíveis de beleza suscitados pelas mídias e encampados pela indústria, mas que, de fato não é o foco dessa tese (nota da autora).

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colateral do tratamento mais associado à doença – sem contar as esperadas

alterações de anatomia oriundas de uma mastectomia109.

Assim, buscou-se alternativas e, por fim, usando roupas que haviam sido das próprias

pacientes, combinadas com tecidos doados, remanescentes de outros eventos, e

trabalhando em um time formado por professores e alunos, foram produzidas as peças

do desfile, além de um figurino para as pacientes que fazem parte de um grupo de

dança, em uma das muitas atividades de valorização à vida promovidas pelo Hospital,

e que realizariam uma performance no dia do desfile.

O evento, realizado no estacionamento do Hospital (figuras 64 e 65), foi um marco

para o curso, no sentido em que orientou uma mudança de rota para a concepção dos

projetos em Design dentro da grade curricular.

Enquanto vestíamos, e preparávamos aquelas mulheres muito reais para uma ocasião

única, e a despeito da profunda emoção causada pelo evento, passamos a pensar no

nosso papel de designers no mundo atual. Ali, o nosso papel era proporcionar bem-

estar e beleza a um grupo de pessoas que passa por uma infinidade de dores e

tragédias cotidianas. Certamente, não é nenhuma Semana de Moda.

Figura 62: Desenvolvimento de peça do figurino das pacientes-performers. Sobre um vestido-base de

denim foram aplicadas flores de tecido das roupas das pacientes.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/>. Acesso em:

03/01/2018.

109 Procedimento cirúrgico de retirada de mama (nota da autora).

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Figura 63: Desenvolvimento de peça da coleção desfilada pelas pacientes-modelos. A partir das

peças de roupas ofertadas pelas pacientes, foram construídas novas peças. Na imagem, a então

estudante Fabiane Medeiros.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/>. Acesso em:

03/01/2018.

Figura 64: Backstage do desfile da coleção Celebrando e Colorindo a Vida, apresentada no 7º Desfile da Primavera, em Setembro de 2011, nas dependências do CRSM Hospital Pérola Byington. Na imagem, além das pacientes, a coordenadora do Bacharelado em Design de

Moda, profa. Eloize Navalon, o Prof. Jofre Silva, então coordenador do PPG Design da Universidade Anhembi Morumbi e, ao fundo, a Profa. Miriam Levinbook, então coordenadora do

Bacharelado em Negócios da Moda da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em: 03/01/2018.

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Figura 65: Desfile da coleção Celebrando e Colorindo a Vida, apresentada no 7º Desfile da

Primavera, em Setembro de 2011, nas dependências do CRSM Hospital Pérola Byington.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/>. Acesso em:

03/01/2018.

E, ainda que seja um trabalho voluntário, não é caridade. Essas mulheres lutam contra

a doença, e uma série de adversidades e dúvidas – se terão acesso à medicação, se

os próximos exames trarão um resultado auspicioso, se conseguirão realizar os

próximos exames - e, graças ao trabalho da Sra. Carmelina e de sua equipe,

aprendem que a cura do corpo está fortemente associada à saúde da alma, à vontade

de estar curada.

Naquele momento recebemos como retorno do trabalho desenvolvido um conceito: a

Resiliência, essa propriedade física dos corpos de se recuperarem após um forte

impacto. Ao nos associarmos ao trabalho com o Hospital Pérola Byington, passamos

a nos dar a oportunidade de contemplar as questões que estavam latentes e que

correspondiam à própria prática do Design de Moda, mas que ainda não sabíamos

como atacar/solucionar, a partir da ótica da resiliência. A partir de então, tendo

decidido desenvolver o que automaticamente foi denominado de Projeto Pérola,

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precisamos entender nossas dificuldades, aceitando-as como oportunidades. O

primeiro exercício foi alinhar as noções de sustentabilidade ao conceito de resiliência.

Barlach define como resiliente:

O indivíduo ou grupo capaz de encontrar qualidade de vida em meio ao que é considerado socialmente ruim ou prejudicial (...) aquele capaz de

atribuição de significado, de valoração, de criação de soluções onde, aparentemente, estas não existem. O fenômeno da resiliência apóia-se

numa experiência subjetiva que envolve sensibilidade e valorização (BARLACH, 2005, p. 67).

Ainda de acordo com Barlach (idem) “os estudiosos associam a resiliência a uma

subjetividade criativa, autônoma, ativa, disposta à inovação e à mudança”, e que

“pressupõe um indivíduo capaz de valorar suas experiências”.

De posse desse entendimento, por exemplo, trabalhamos com o material de que

dispomos, e isso nos proporciona experimentar as diferentes maneiras de abordar a

sustentabilidade ambiental. Afinal, tecidos novos custam dinheiro, que não temos, e

recursos do meio-ambiente, que não desejamos desperdiçar. Dessa forma,

começamos a trabalhar com peças de roupa existentes, tecidos doados, fios, retalhos,

sempre com a política de gestão de resíduos em vista: a meta é desperdiçar a menor

quantidade de recursos possível.

Some-se ao material, a técnica. Muitos dos integrantes do Coletivo não dominam as

técnicas de costura e de modelagem, o que nos levou ao redescobrimento dos

trabalhos de agulha, que desde tempos imemoriais servem para reforçar o senso de

comunidade, oferecem espaço de troca, e de manutenção das tradições. Como é

próprio à Moda romper com a tradição, permanecem a técnica e a prática do encontro

comunal, mas abre-se mão da forma e da regra, denominado freeform110 (figura 66).

Better (apud GREER, 2008, p. 59), aventa que:

Talvez essa seja a resposta da nossa geração aos grupos de

conscientização feminista dos anos 1970. Grupos de tricô, como outros

110 Em tradução literal, forma livre. No caso dos trabalhos de agulha, é produzir têxteis a partir dos pontos mais comuns, sem receita, sem regra e sem correção dos eventuais erros.

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grupos de mulheres com ideias semelhantes reunidas em torno do

compartilhamento de alegrias ou dificuldades, proporcionam aos membros oportunidades de socialização, bem como chances de relaxar, construir

uma rede de contatos e trocar conhecimentos111.

Greer (2008) reforça, ao longo de seu trabalho, de que maneiras a reunião em torno

do fazer manual, especialmente dos trabalhos de agulha, ajudam a criar e reforçar

laços de comunidade, como os encontros são importantes ferramentas para a

socialização e para o aprendizado compartilhado. Para nós, trata-se sobretudo de

tornar-se parte do projeto, de engajar-se fisicamente nos processos e, no encontro

com as adversidades que certamente serão encontradas, poder, em grupo encontrar

soluções.

Além de encontrar soluções, podemos explorar em grupo outras questões que estão,

sempre, margeando a ética. Trata-se de fazer perguntas simples sobre como as

roupas são e/ou deveriam ser feitas, se os lugares onde são comercializadas

correspondem ao cenário que desejamos, não apenas no cenário da produção dos

objetos vinculados à noção de Moda, mas para a nossa própria construção como

comunidade.

Figura 66: Amostras de estruturas freeform, realizadas ao longo dos anos para o Projeto Pérola.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/>. Acesso em:

03/01/2018.

111 Tradução livre da autora.

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Figura 67: Convite do desfile da coleção Um Jogo de Damas, realizada para o Projeto Pérola,

apresentada no 8º Desfile da Primavera, em 28 de Setembro de 2012, no teatro do Campus Centro

da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/>. Acesso em:

03/01/2018.

Figura 68: Desfile da coleção Um Jogo de Damas, realizada para o Projeto Pérola, apresentada no 8º Desfile da Primavera, em 28 de Setembro de 2012, no teatro do Campus Centro da Universidade

Anhembi Morumbi.

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Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/>. Acesso em:

03/01/2018.

Figura 69: Convite do desfile da coleção O Bordado do Improviso, realizada para o Projeto

Pérola, apresentada no 9º Desfile da Primavera, em 25 de Outubro de 2013, no auditório do Campus

Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/>. Acesso em:

03/01/2018.

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Figura 70: Experimentação de moulage em superfície têxtil produzida em crochê freeform, em linhas

de algodão, para a coleção O Bordado do Improviso, realizada para o Projeto Pérola, apresentada no

9º Desfile da Primavera, em 25 de Outubro de 2013, no auditório do Campus Morumbi da

Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em: 03/01/2018.

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Figura 71: Experimentação de moulage em superfície têxtil produzida em tricô e bordado freeform, em

tiras de tricoline de algodão e fios de 100% lã natural, para a coleção O Bordado do Improviso, realizada

para o Projeto Pérola, apresentada no 9º Desfile da Primavera, em 25 de Outubro de 2013, no auditório do Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em: 03/01/2018.

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Figura 72: Experimentação de moulage em superfície têxtil produzida em tricô freeform realizado em

barbante de algodão cru, para a coleção O Bordado do Improviso, realizada para o Projeto Pérola,

apresentada no 9º Desfile da Primavera, em 25 de Outubro de 2013, no auditório do Campus

Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em: 03/01/2018.

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Figura 75: Desfile da coleção O Bordado do Improviso, realizada para o Projeto Pérola, apresentada no 9º Desfile da Primavera, em 25 de Outubro de 2013, no auditório do Campus Morumbi da

Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em: 03/01/2018.

Figura 76: Desfile da coleção O Bordado do Improviso, realizada para o Projeto Pérola, apresentada no 9º Desfile da Primavera, em 25 de Outubro de 2013, no auditório do Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

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Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em: 03/01/2018.

Figura 77: Convite do Desfile da coleção Jardim Resiliente, realizada para o Projeto Pérola,

apresentada no 9º Desfile da Primavera, em 25 de Outubro de 2014, no auditório do Campus

Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

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Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em: 03/01/2018.

Figura 78: Oficina para realização da coleção Jardim Resiliente, realizada para o Projeto Pérola em

2014.

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Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em:

03/01/2018.

Figura 79: Oficina para realização da coleção Jardim Resiliente, realizada para o Projeto Pérola em

2014.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em:

03/01/2018.

Figura 80: Oficina de freeform com as pacientes do Hospital Pérola Byington, na referida instituição,

para realização da coleção Jardim Resiliente, realizada para o Projeto Pérola em 2014.

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Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em:

03/01/2018.

Figura 81: Oficina de freeform com as pacientes do Hospital Pérola Byington, na referida instituição,

para realização da coleção Jardim Resiliente, realizada para o Projeto Pérola em 2014.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em:

03/01/2018.

Figura 82: Amostras dos trabalhos de agulha freeform obtidos nas oficinas para realização da coleção

Jardim Resiliente, realizada para o Projeto Pérola em 2014.

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Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em:

03/01/2018.

Figura 83: Antes da entrada das modelos, backstage do desfile da coleção Jardim Resiliente,

realizada para o Projeto Pérola, apresentada no 10º Desfile da Primavera, em 24 de Outubro de

2014, no auditório do Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em: 03/01/2018.

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Figura 84: Desfile da coleção Jardim Resiliente, realizada para o Projeto Pérola, apresentada no 10º

Desfile da Primavera, em 24 de Outubro de 2014, no auditório do Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em: 03/01/2018.

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149

Figura 85: Convite do Desfile da coleção Pérola Pétala, realizada pelo Coletivo Moda e

Resiliência para o Projeto Pérola, apresentada no 11º Desfile da Primavera, em 23 de Outubro de 2015, no auditório do Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em: 03/01/2018.

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Figura 86: Encontro para desenvolvimento da coleção Pérola Pétala, realizada pelo Coletivo

Moda e Resiliência para o Projeto Pérola, apresentada no 11º Desfile da Primavera, em 23 de Outubro de 2015, no auditório do Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: imagem extraída por esta autora, 2015.

Figura 87: Encontro para desenvolvimento da coleção Pérola Pétala, realizada pelo Coletivo

Moda e Resiliência para o Projeto Pérola, apresentada no 11º Desfile da Primavera, em 23 de Outubro de 2015, no auditório do Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: imagem extraída por esta autora, 2015.

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Figura 88: Encontro para desenvolvimento da coleção Pérola Pétala, realizada pelo Coletivo Moda e Resiliência para o Projeto Pérola, apresentada no 11º Desfile da Primavera, em 23 de

Outubro de 2015, no auditório do Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: imagem extraída por esta autora, 2015.

Figura 89: Experimentação de moulage em crochê freeform com fios 100% algodão para

desenvolvimento da coleção Pérola Pétala, realizada pelo Coletivo Moda e Resiliência para o

Projeto Pérola, apresentada no 11º Desfile da Primavera, em 23 de Outubro de 2015, no auditório do

Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: imagem extraída por esta autora, 2015.

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Figura 90: As peças da coleção Pérola Pétala, realizada pelo Coletivo Moda e Resiliência para o

Projeto Pérola, apresentada no 11º Desfile da Primavera, em 23 de Outubro de 2015, foram tingidas naturalmente. Na imagem, uma mistura de chá de hibisco com amoras e beterraba. Foi

utilizada pedra hume (alumén) como mordente. A peça de vestuário é mergulhada na panela e

“cozida” junto com a “tinta”, depois posta para secar à sombra.

Fonte: imagem extraída por esta autora, 2015.

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Figura 91: Desfile da coleção Pérola Pétala, realizada pelo Coletivo Moda e Resiliência para o Projeto Pérola, apresentada no 11º Desfile da Primavera, em 23 de Outubro de 2015, no auditório

do Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em: 03/01/2018.

Figura 92: Desfile da coleção Pérola Pétala, realizada pelo Coletivo Moda e Resiliência para o Projeto Pérola, apresentada no 11º Desfile da Primavera, em 23 de Outubro de 2015, no auditório

do Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em:

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154

03/01/2018.

Figura 93: Convite do desfile da coleção ... Se Tenho Asas, a História de Eufrides, realizada pelo Coletivo Moda e Resiliência para o Projeto Pérola, apresentada no 12º Desfile da Primavera, em 21

de Outubro de 2016, no auditório do Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em:

03/01/2018.

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Figura 94: Desenvolvimento de bordado

Fonte: imagem obtida por esta autora, 2016.

Figura 95: Desenvolvimento de bordado

12º Desfile da Primavera, em 21 de Outubro de 2016, no auditório do Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: imagem extraída por esta autora, 2016.

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Figura 96: Desenvolvimento de bordado

Fonte: imagem extraída por esta autora, 2016.

Figura 97: Desenvolvimento de bordado 12º Desfile da Primavera, em 21 de Outubro de 2016, no auditório do Campus Morumbi da

Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: imagem extraída por esta autora, 2016.

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Figura 98: Desenvolvimento de bordado

Fonte: imagem extraída por esta autora, 2016.

Figura 99: Desenvolvimento de moulage e bordado freeform para a coleção ... Se Tenho Asas, a História de Eufrides, realizada pelo Coletivo Moda e Resiliência para o Projeto Pérola, apresentada

no 12º Desfile da Primavera, em 21 de Outubro de 2016, no auditório do Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: imagem extraída por esta autora, 2016.

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Figuras 100 e 101: Desenvolvimento de moulage e bordado freeform para a coleção

... Se Tenho Asas, a História de Eufrides, realizada pelo Coletivo Moda e Resiliência para o Projeto

Pérola, apresentada no 12º Desfile da Primavera, em 21 de Outubro de 2016, no auditório do

Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

.

Fonte: imagens extraída por esta autora, 2016.

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Figura 102: Backstage do desfile da coleção ... Se Tenho Asas, realizada pelo Coletivo Moda e

Resiliência para o Projeto Pérola, apresentada no 12º Desfile da Primavera, em 21 de Outubro de 2016, no auditório do Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>.

Acesso em: 03/01/2018.

Figura 104: Entrada do desfile da coleção ... Se Tenho Asas, realizada pelo Coletivo Moda e

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Resiliência para o Projeto Pérola, apresentada no 12º Desfile da Primavera, em 21 de Outubro de

2016, no auditório do Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>.

Acesso em: 03/01/2018.

Figura 105: Desfile da coleção ... Se Tenho Asas, realizada pelo Coletivo Moda e Resiliência para o

Projeto Pérola, apresentada no 12º Desfile da Primavera, em 21 de Outubro de 2016, no auditório do

Campus Morumbi da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em: 03/01/2018.

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Apenas para os Projetos de 2017 e 2018 não restringimos o uso das máquinas de

costura e, em 2018 não fizemos uso do crochê, do tricô ou do bordado. Por outro lado,

trabalhamos com a construção de superfícies têxteis a partir de pequenos pedaços de

tecido, e também aplicamos estamparia manual, com estêncil e carimbos.

Dessa maneira, as construções são resultantes da vivência do processo e da

experimentação realizada a partir do manuseio de materiais variados, provenientes de

doação.

Figura 106: Oficina para realização da coleção Pérola Pétala, desenvolvida pelo Coletivo Moda e

Resiliência para o Projeto Pérola em 2015.

Fonte: acervo do LabModAR, 2015.

Parte-se de uma proposta projetual cujos parâmetros são desejosos do inesperado.

As premissas de projeto contemplam os corpos que habitarão as peças resultantes,

desejando valorizá-los em sua natureza dissonante do discurso homogeneizador que

dita o que é belo e o que não é. A força dessa heterogeneidade também emerge nos

diferentes pontos empregados, nas construções de vestíveis finalizados, todos

alinhados por parâmetros comuns, mas únicos e dificilmente reprodutíveis.

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Nesse exercício de dar liberdade à ação, incorporando ao processo o erro, os desvios

e desejando os desacertos, também olhamos para o público-associado, em cujos

corpos habitam células desviantes 112 , que promovem a essas vidas atendidas,

momentos de inesperado.

Sobre o erro, cabe o que diz Cooper (apud GREER, 2008, p. 17):

“Todos estão tão preocupados em cometer enganos, mas eu penso que precisamos nos preocupar, ao invés disso, em não fazer as coisas.

Enganos podem com frequência ser corrigidos, ou pelo menos podemos chegar à conclusão que ninguém vai morrer por isso”. 113

Ainda que sejam portadoras de um mal comum, o câncer feminino114, principalmente

o de mama, e que esse mal as tenha levado a um mesmo lugar, cada uma delas é

única. Seus corpos são únicos e não necessariamente pertencem às tabelas de

medida disponíveis em manuais técnicos ou adotados pela indústria de confecção.

Também não estão entre os visibilizados nas publicações de Moda e Beleza. Elas

sofrem de um mal cujo nome até bem pouco tempo atrás não podia ser mencionado,

e são invisíveis.

Acontece que, como designers que desenham sua atividade em uma área de diálogo,

penínsulas conectadas empaticamente a uma continente de ideias melhores,

sabemos que “elas” somos nós, e que todos precisamos vestir nossas peles a fim de

existir, resistir e vivenciar nossas interações.

112 Câncer é o nome dado a um conjunto de mais de 100 doenças que têm em comum o

crescimento desordenado de células que invadem os tecidos e órgãos podendo espalhar-se

para outras regiões do corpo. Dividindo-se rapidamente, estas células tendem a ser muito agressivas e incontroláveis, determinando a formação de tumores ou neoplasias malignas.

Sugere-se o site do Instituto Nacional do Câncer José de Alencar Gomes da Silva. Disponível

em: <http://www1.inca.gov.br/conteudo_view.asp?id=322>. Acesso em: 11/01/2017. 113 Tradução livre da autora. 114 Denomina-se câncer feminino aquele que acomete as mulheres e seus órgãos específicos, como

mamas, útero (colo e corpo) e ovários.

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Assim, em uma ação disruptiva não-destrutiva e propositora de discussão, o Projeto

Pérola tornou-se o oportunizador de uma série de modificações na maneira como

pensamos, projetamos, produzimos e ensinamos Design de Moda.

A partir de então, inicialmente com a organização do Coletivo Moda e Resiliência,

criou-se uma área de convergência para cerca de vinte pessoas/designers por ano,

interessadas em produzir conscientemente Design de Moda, entre professores,

alunos e ex-alunos, conhecedoras da agenda do grupo, de seus ativadores. Todos

são voluntários, e embora exista uma coordenação, o espaço das autorias individuais

não pode ser maior que o projeto do grupo. O Projeto Pérola, realizado pelo Coletivo

atende, em média, 30 pacientes por ano.

A causa evidenciada pelo Projeto Pérola é a conscientização em torno do câncer de

mama, em 2013 passou a ser exibido em desfile-performance no Campus Morumbi

da Universidade Anhembi Morumbi115 no mês de Outubro, integrando a agenda de

eventos do Outubro Rosa, mês dedicado às atividades de conscientização do câncer

de mama. Em 2017, em virtude do grande número de pessoas que vinham assistir ao

evento e a incapacidade do auditório de acomodá-las, o evento passou a ser realizado

no Campus Vila Olímpia116.

Todo o processo de projetar esse acontecimento é, como apontamos, vivenciado em

grupo. Diferentemente de uma apresentação de projeto para uma banca avaliadora,

ao longo de um tempo mais estendido, desenvolvem-se pequenos projetos paralelos

e que devem reforçar-se mutuamente. Os componentes do grupo vivenciam todas as

etapas, coisa que muitas vezes não chegam a realizar nos projetos interdisciplinares,

e passam seguramente a sistematizar processos com uma perspectiva ampliada

pelas trocas significativas estimuladas em coletivo.

115 Localizado na Avenida Roque Petroni Júnior, 630 – São Paulo - SP 116 Localizado na Rua Casa do Ator, 275 – São Paulo - SP

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Figura 107: Backstage do desfile da Coleção ExtraOrdinário, do LabModAR para o Projeto Pérola, 2017. Dona Júlia Akiko, paciente-modelo do CRSM Pérola Byington, e Regina Ramos,

coordenadora do LabModAR

Fonte: Imagem do acervo do LabModAR, 2017.

Figura: Convite do desfile da coleção ExtraOrdinário, realizada pelo Coletivo Moda e Resiliência para o Projeto Pérola, apresentada no 13º Desfile da Primavera, realizado em 27 de

Outubro de 2017, no auditório do Campus Vila Olímpia da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em:

03/01/2018.

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Figura 108: Bordado freeform sobre saco alvejado para a Coleção ExtraOrdinário, realizada pelo Coletivo Moda e Resiliência para o Projeto Pérola. A coleção foi apresentada no 13º Desfile da Primavera, em 27 de Outubro de 2017, no auditório do Campus Vila Olímpia da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: imagem extraída por esta autora, 2017.

Figura 109: Moulage de crochê freeform para a Coleção ExtraOrdinário, realizada pelo Coletivo

Moda e Resiliência para o Projeto Pérola. A coleção foi apresentada no 13º Desfile da Primavera, em 27 de Outubro de 2017, no auditório do Campus Vila Olímpia da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: imagem extraída por esta autora, 2017.

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Figura 110: Bordado freeform sobre saco alvejado para a Coleção ExtraOrdinário, realizada pelo

Coletivo Moda e Resiliência para o Projeto Pérola. A coleção foi apresentada no 13º Desfile da Primavera, em 27 de Outubro de 2017, no auditório do Campus Vila Olímpia da Universidade

Anhembi Morumbi.

Fonte: imagem extraída por esta autora, 2017.

.

Figura 111: Prova de roupas da Coleção ExtraOrdinário, realizada pelo Coletivo Moda e Resiliência para o Projeto Pérola, realizada no CRSM Hospital Pérola Byington. A coleção foi

apresentada no 13º Desfile da Primavera, em 27 de Outubro de 2017, no auditório do Campus Vila

Olímpia da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: imagem extraída por esta autora, 2017.

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Figura 112: Desfile da coleção ExtraOrdinário, realizada pelo Coletivo Moda e Resiliência para o Projeto Pérola, apresentada no 13º Desfile da Primavera, realizado em 27 de Outubro de 2017, no auditório do Campus Vila Olímpia da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em:

<https://www.facebook.com/pg/ModaeResiliencia/photos/?ref=page_internal>. Acesso em: 03/01/2018.

5.3 LabModAR: Laboratório De Moda Para A Mudança

O Coletivo Moda e Resiliência, também passou por transformações, e em 2018

passou a ser chamado LabModAR. Definido como um espaço dialógico de

experimentação em Design de Moda, fundamentado em uma estrutura heterárquica,

polifônica e focada em processos, ordenados por projetos, norteados pela

sustentabilidade e o desejo de responder às questões do Design, entendido como

uma atividade realizada por pessoas, com pessoas e para pessoas.

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Figura 113: Logo do LabModAR, um laboratório de Design de Moda para Mudança.

Fonte: desenvolvido pela autora, 2017.

Essa mudança de nome apontou para a compreensão deste coletivo como um

laboratório de experimentações em Design de Moda cuja causa é o próprio Design de

Moda, e ao descola-lo da conexão direta com a resiliência, reitera que o coletivo não

produz roupas para mulheres com câncer, mas pretende, na execução do Projeto

Pérola suscitar questões relacionadas ao vestir dos corpos que não correspondem

aos padrões hegemônicos de beleza.

Dessa forma, é preciso colocar-se em diálogo e exercitar a empatia, para melhor

corresponder às expectativas do usuário, e questionar-se:

“[...] ’E se eu fosse ela? Ou ele? Ou eles?’. Calçar por um momento os sapatos do próximo, até mesmo entrar na pele dele não para atravessar

um rio, para ‘nascer de novo’, e sim, apenas, para compreender e sentir o que existe lá” (OZ, 2017, p. 37).

O compromisso do Coletivo é com o Design de Moda, social, ambiental e

economicamente engajado, e assim, produz discursos e discussões a respeito do

papel do próprio designer enquanto mediador simbólico, propondo a este que repense

aquilo que produz, levando em consideração o modo como o faz e as formas de

oferecer tais produtos ao mundo – porque as mensagens que transmite transbordam

o território ocupado por usuários/consumidores.

Aos designers engajados oferece a oportunidade de repensar o seu papel de autor, e

é proposto aos indivíduos envolvidos nessa ação que tragam à mesa a sua

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contribuição, ampliando o repertório de todos. O ambiente criado, então, é o de

cooperação e co-criação. O prefixo “co” está presente, lembrando aos integrantes do

coletivo que aquela é uma operação conjunta.

Tem funcionado, para o LabModAR, a reunião em oficina 117 organizada para

parametrizar o projeto, desenvolver técnicas e processos de criação, construir coleção

e verificar resultados. Também a oficina se torna o espaço e oferece o tempo para

que as trocas sejam realizadas, em um ambiente em que ensinar e aprender têm suas

barreiras enevoadas.

Figura 114: Oficina de Estêncil do LabModAR para o Projeto Pérola, 2018.

Fonte: imagem do acervo do LabModAR, 2018.

117 Como na Wiener Werkstätte, uma única oficina em que todos os processos são realizados ao

mesmo tempo (BARBOSA, 2009).

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Figura 115: Oficina do LabModAR para o Projeto Pérola, 2018.

Fonte: Imagem do acervo do LabModAR, 2018.

Nesse contexto, buscamos sobretudo:

“[...] estar em situações abertas que não terminam com o fechamento de

um círculo, com uma conclusão inequívoca, ou para viver com perguntas e respostas alternativas cuja resolução se oculta muito além de horizontes

nebulosos” (OZ, 2017, p. 44).

Isso implica dizer que a finalidade do que é desenvolvido pelo LabModAR para o

Projeto Pérola não é o produto, nem o desfile. A coleção desfilada é consequência da

vivência de um processo que contempla múltiplos problemas de Design em

alinhamento com questões contemporâneas, e serve, sobretudo à construção das

bases para produzir um Design de Moda em que se sinta certamente “prazer naquilo

que realizaram, mas é o fazer que realmente conta”118 (GAUNTLETT, 2018, p. 81),

pois é no processo de realizar que são feitas, literal e figurativamente as correções de

rota que desenham um futuro para o Design de Moda.

Essa visão “desvia” a finalidade do projeto como sendo o produto e devolve

importância ao processo de projetar e aos procedimentos adotados para chegar ao

fim daquele processo.

118 Tradução da autora.

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Assim, retomamos a proposta dos objetos desviantes explorados por nós no Capítulo

2, ao atribuir aos objetos produzidos a partir da adoção dos nossos procedimentos, o

papel de plataforma de discussão sobre o que passa a ser, na contemporaneidade o

papel do designer de Moda. Os resultados de tais processos são principalmente

consequência da construção desse espaço em que se trocam permanentemente

experiências e repertórios, e não finalidade de uma proposta em que se tem claro o

produto.

Conduzir um projeto em que “o produto virá” é, sobretudo, dispor-se a desviar, ao

mesmo tempo, chamando atenção para os percalços do caminho. Tecer, porque não

temos tecido. Errar, porque não saber é parte do aprendizado. Experimentar, porque

dessa maneira se constrói o novo.

Assim, o papel do coordenador dos projetos, ocupado por esta autora, é o de organizar

a oficina e apresentar as linhas gerais do trabalho a ser realizado. Escolhemos

apresentar conceitos, discussões, leituras e algumas referências visuais, musicais e

filmográficas. Selecionamos alguns tecidos e buscamos outros, com maior ou menor

sucesso. E investigamos, buscando dar liberdade de ação aos participantes do Lab,

incentivando-os a explorar, a tomar suas próprias decisões, e, se necessário, achar

soluções para os problemas que eventualmente – para não dizer certamente -

acontecem.

Assim, ainda que seja possível ter uma coleção desenhada desde o princípio,

trabalhando nas condições de um coletivo de Design sem recursos, quase sempre a

intenção e o realizado serão muito diferentes.

Felizmente, ao longo dos anos, o realizado, resultado de um processo de maturação

do conhecimento acerca dos materiais e técnicas e da participação do grupo, na maior

parte das vezes excede positivamente as expectativas iniciais.

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Figura 116: Convite do desfile da coleção !NCOM1, realizada pelo LabModAR para o Projeto Pérola, apresentada no 14º Desfile da Primavera, realizado em 5 de Outubro de 2018, no auditório do

Campus Vila Olímpia da Universidade Anhembi Morumbi.

]

Disponível em: <https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1854857227885487&set=a.135739429797284&typ

e=3&theater>. Acesso em: 03/01/2018.

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Figura 117: Propostas de looks da coleção !NCOM1, realizada pelo LabModAR para o Projeto Pérola em 2018.

Fonte: acervo do LabModAR, 2018.

Figura 118: Edição dos looks da coleção !NCOM1, realizada pelo LabModAR para o Projeto Pérola

em 2018.

Fonte: acervo do LabModAR, 2018.

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Figura 119: Camiseta estampada manualmente da coleção !NCOM1, realizada pelo LabModAR para o

Projeto Pérola em 2018.

Fonte: acervo do LabModAR. 2018.

Figura 120: Vestido em paetê da coleção !NCOM1, estampado manualmente, realizado pelo

LabModAR para o Projeto Pérola em 2018.

Fonte: acervo do LabModAR, 2018.

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175

Figura 121: Estudo de viseira em plástico fundido para a coleção !NCOM1, realizado pelo

LabModAR para o Projeto Pérola em 2018.

Fonte: acervo do LabModAR, 2018.

Figura 122: Estudo de viseira em plástico fundido para a coleção !NCOM1, realizado pelo

LabModAR para o Projeto Pérola em 2018.

Fonte: acervo do LabModAR, 2018.

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Figura 123: Dia de oficina do LabModAR para realizar a coleção !NCOM1. Henrique de Campos fotografado através dos espaços deixados em um dos colares de plástico fundido, realizado pelo LabModAR para o Projeto Pérola em 2018.

Fonte: acervo do LabModAR, 2018.

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Figura 124: Estampa manual sobre superfície resultante da junção de resíduos têxteis para a coleção

!NCOM1, realizado pelo LabModAR para o Projeto Pérola em 2018.

Fonte: acervo do LabModAR, 2018.

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Figura 125: Estampa manual sobre superfície têxtil para a coleção !NCOM1, realizado pelo

LabModAR para o Projeto Pérola em 2018.

Fonte: acervo do LabModAR, 2018.

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Figura 126: Prova de roupa da coleção !NCOM1, realizado pelo LabModAR para o Projeto Pérola, no Hospital Pérola Byington em Setembro de 2018, A paciente-modelo, usa brincos e colar

em plástico fundido.

Fonte: acervo do LabModAR, 2018.

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Figura 127: Coleção !NCOM1, realizada pelo LabModAR para o Projeto Pérola, apresentada no 14º

Desfile da Primavera, realizado em 5 de Outubro de 2018, no auditório do Campus Vila Olímpia da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/ModaeResiliencia/photos/>. Acesso em: 03/01/2018.

Figura 128: Coleção !NCOM1, realizada pelo LabModAR para o Projeto Pérola, apresentada no 14º Desfile da Primavera, realizado em 5 de Outubro de 2018, no auditório do Campus Vila Olímpia da

Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/ModaeResiliencia/photos/>. Acesso em: 03/01/2018.

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Figura 129: Coleção !NCOM1, realizada pelo LabModAR para o Projeto Pérola, apresentada no 14º

Desfile da Primavera, realizado em 5 de Outubro de 2018, no auditório do Campus Vila Olímpia da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/ModaeResiliencia/photos/>. Acesso em:

03/01/2018.

Figura 130: Coleção !NCOM1, realizada pelo LabModAR para o Projeto Pérola, apresentada no 14º

Desfile da Primavera, realizado em 5 de Outubro de 2018, no auditório do Campus Vila Olímpia da Universidade Anhembi Morumbi.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/ModaeResiliencia/photos/>. Acesso em: 03/01/2018.

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Figura 131: LabModAR ao fim do desfile, no dia 5 de Outubro de 2018.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/photo.php?fbid=1727516130711381&set=t.1131276743&type=3&t

heater>. Acesso em: 03/01/2018.

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Reforçamos assim, “o engajamento com ideias, aprendizado e conhecimento que vem

não antes ou depois, mas durante a prática de fazer”119 (GAUNTLETT, 2018, pp. 32-

33).

5.4 LabModAR E O Oceano Entre Nós

Ainda que o LabModAR tenha sido fundado a partir da troca de experiências no

entorno de um fazer têxtil, em 2017 passamos a realizar outras experimentações.

Reconhecendo-nos como um grupo de indivíduos reunidos em torno de um olhar

coletivo e alinhado, de contribuições e desejo de fazer funcionar, para que algo que é

feito para o bem de outras pessoas e que não retorna nada além de novas discussões

seja mantido e realizado com excelência.

Foi esse contexto que recebeu a proposta do projeto em parceria com o Bacharelado

em Design de Moda da Royal Melbourne Institute of Technology (RMIT), denominado

The Sea Between Us.

Este é um projeto que teve início em 2017, por intermédio de uma egressa do

Bacharelado em Design de Moda da Universidade Anhembi Morumbi, e atualmente

doutoranda no RMIT, Fernanda Quilici Mola. Ela construiu uma possibilidade de

diálogo entre as duas entidades 120 , a fim de que fossem investigadas novas

abordagens para um problema ambiental que afeta aquilo que separa os dois maiores

países do Hemisfério Sul: o descarte dos plásticos nos oceanos.

No “oceano entre nós” flutuam ilhas de plástico que ameaçam a vida marinha,

produzidos a partir de recursos não renováveis e que não vão ser absorvidos pela

natureza. Intentando trabalhar juntos e intercambiar técnicas e visões, cada uma das

instituições coletou plástico, principalmente oriundo de sacolas de compras, em uma

franca discussão sobre o consumismo e o desperdício. Em seguida, fizemos a troca

119 Tradução da autora. 120 Em 2017, recebemos a visita da professora Denise Sprynskyj da RMIT, que nos procurou por

indicação da Fernanda Quilici e a partir de então passamos a trocar mensagens e chegamos à

formulação do projeto (nota da autora).

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do material e, com ele produzimos peças, vestíveis, acessórios121. Foram realizados

encontros por Skype em que cada grupo pôde mostrar um pouco da sua maneira de

abordar os materiais e os projetos.

Figuras 132 a 137 : Amostras da produção do LabModAR para The Sea Between Us, 2017.

121 O produto dessa investigação será exibido entre Agosto e Setembro durante a Melbourne

Fashion Week em uma locação chamada Tasma Terrace. Disponível em:

<https://www.nationaltrust.org.au/places/tasma-terrace/>. A exposição recebe o nome de The Illuminated Sea, the sea between us.

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Fonte: imagens do acervo do LabModAR, 2017.

Da dinâmica do LabModAR, pudemos compreender que a vocação do grupo é

orientar-se por projeto. Assim foram desenvolvidos em reuniões semanais, e a partir

das práticas já expostas, por meio das técnicas de crochê, tecelagem manual com

tear de pregos e fusão, superfícies que pudessem ser transformadas em um

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casaqueto, uma saia, corsets, colares, adereços de cabeça e bolsas (figuras 132 a

137).

Figuras 138 Convite da Exposição The Sea Between Us, realizada no Tasma Terrace, em Melbourne

– Australia, em Agosto-Setembro de 2018.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/groups/1917141178302264/>. Acesso em: 03/01/2018.

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Figura 139. Reunião por Skype dos grupos brasileiro e australiano para realizar The Sea Between Us. Fernanda Quilici, em Melbourne – Australia, mostrando ao grupo brasileiro as

experimentações realizadas. Segundo semestre de 2017.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/groups/1917141178302264/>. Acesso em:

03/01/2018.

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Figura 140 Reunião por Skype dos grupos brasileiro e australiano para realizar The Sea Between Us.

Segundo semestre de 2017.

Fonte: Disponível em: <https://www.facebook.com/groups/1917141178302264/.>. Acesso em: 03/01/2018.

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Figuras 141 e 142: Exposição The Sea Between Us, realizada no Tasma Terrace, em Melbourne – Australia, em Agosto-Setembro de 2018.

Fonte: acervo do LabModAR, 2018.

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O grupo brasileiro aprendeu a técnica de fusão de plástico por calor122 com o grupo

australiano, e a exploração desse material desdobrou-se no próprio exercício do

Projeto Pérola em 2018, em que acessórios e aviamentos foram construídos em

plástico oriundos de sacolas descartadas.

Figura 133: Prova de roupas da coleção !NCOM1 realizada pelo LabModAR para o Projeto Pérola em

2018. A equipe de Produção desenvolveu acessórios e aviamentos em plástico fundido para o desfile, a partir das técnicas aprendidas com os colegas do RMIT.

Fonte: acervo do LabModAR, 2018.

De acordo com Gauntlett (2018, p. 39), John Ruskin, um dos fundadores do

Movimento de Artes e Ofícios dizia que “Você pode tanto fazer de uma criatura uma

ferramenta quanto um humano dele”123. É nosso desejo, ao manter o LabModAR e

seus projetos, formar designers de Moda que entendam seu lugar no mundo e que se

relacionem com seu meio e seu usuário de maneira mais humana. Que se disponha

a entabular uma conversação com o meio em que se insere e que possa, ao fim do

dia, ter sido mais ético. Acreditamos que aquele que produz o objeto e o faz em um

122 Na verdade, uma técnica muito simples, em que várias camadas de plástico são envoltas em papel manteiga e essa superfície é com o ferro de passar roupas. Depois de fria, a placa de plástico fundida pode ser desembalada e utilizada para múltiplos fins. (Nota da autora) 123 Tradução livre da autora.

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ambiente salubre – sem pressa, com tempo para experimentar o processo de fazer,

podendo mudar de ideia, inclusive, porque se entende mais que um executor –

assume a responsabilidade pessoal sobre as qualidades do que produz. E, assim,

capacita-se para tornar-se um designer, capaz de saber que “sonhar com o impossível

e ignorar a realidade é questionar a inevitabilidade de circunstâncias existentes”124

(WILMER apud GAUNTLETT, 2018, p. 47).

.

124 Tradução da autora

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esquecem os empata-festas que este

elefante veio de longe, da índia remota,

desafiando impávido, firme, decidido, como

se não tivesse feito outra coisa na vida senão

navegar.

José Saramago, “A Viagem do Elefante”.

A construção de uma tese não tem início no dia em que se digita no topo de uma

página “Capítulo 1”. Também não é no dia em que se é admitido para integrar um

programa de pós-graduação.

Uma tese começa a ser construída muito antes, quando uma série de desconfortos e

dúvidas se instalam, e torna-se imperativo mergulhar em questões que se conectam

– em algum lugar dentro do universo do pesquisador, elas se conectam – ainda que

de forma pouco clara.

Considero-me uma pessoa com sorte, pois pude inquietar-me e agir no entorno da

minha inquietação, buscando testar procedimentos e engajamentos que fizessem a

atividade profissional também ganhar mais sentido.

Pude experimentar olhar para os textêis e os textos nas entrelinhas e enxergar o que

estava para além dos fios, cores, fibras e estruturas, e assim desestruturar e

reestruturar as concepções no entorno do Projeto de Design de Moda.

Já faz muito tempo que discuto a centralidade do projeto no produto. Parece-me de

maior valor o processo, e no meio do caminho, tal como em uma viagem, o encontro

com novas paisagens, novas maneiras de existir, novos sabores, novos rostos, novas

falas, e novas visões que permitam, continuamente, questionar este lugar do Design

e do designer, de materializar para o outro sem reconhecer a si mesmo como um

outro.

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Figura 134: Museu Internacional da Resistência Salvador Allende. Santiago – Chile – 2018

Fonte: imagem extraída pela autora, 2018.

Assim, acredito no Design como uma escolha diária de “trabalhar com”, e que só é

possível a partir do reconhecimento, por parte dos designers, do valor igual entre

escuta e fala. Seremos melhores designers e faremos melhores projetos, com

processos mais “elegantes”, a partir do reconhecimento do nosso assento na área de

diálogo, quando o incômodo não vier dos ruídos causados pelas múltiplas

experiências concomitantes, mas pelo silêncio da imposição de um repertório sobre o

outro.

Desejei, a fim de alcançar meu intento, encontrar diferentes exemplos e desenhar um

mapa de fronteiras fluidas entre conceitos que muitas vezes se confundem em objetos

e processos de fazer, que se reordenam no tempo e nos lugares que ocupam.

Foi assim que desenhou-se a estrutura da presente tese, em cinco capítulos. No

primeiro, foram apresentados os modelos conceituais de Oz, Ianês e Hundertwasser

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em separado, mas ao longo da tese, as suas similaridades e os pontos em que cada

modelo completava o outro foram se tornando mais evidentes.

Assim, retomando os modelos dos quais me aproximei e a partir dos quais

moldo outros modelos aplicáveis ao Design, entendo cada cruzamento entre

peles como uma possível área de diálogo, um provável continente pronto a ser

mapeado, onde se espera plantar e colher ideias melhores.

Ao longo dos capítulos seguintes, por meio dos artefatos têxteis destacados, abordei

as possibilidades de diferentes tipos de entabulação de conversas. E, em toda

situação, de resistência, ativismo ou ativação, o artefato têxtil, de artesania ou Design,

foi entendido como meio e não fim.

Também desejei a multiplicidade de vozes e sotaques na escolha dos trabalhos e das

fontes bibliográficas, ciente de que “toda alma é um mundo inteiro e cada mundo

desses é diferente de todos os outros” (OZ, 2015, p. 191).

Dessa maneira, a construção do segundo capítulo versou sobre a Resistência como

conceito e sua aplicação nos artefatos têxteis produzidos ou adotados/desviados para

presentificar ausências.

Contestar a história oficial, aquela que escondia o que se passava nos porões por trás

dos muros dos quartéis por onde sumiam os detidos. Dar corpo a cada um deles,

nome e data de desaparecimento. Ilustrar por meio de bordados singelos a

indignação, a perda e a dor.

O que me surpreendeu durante o desenvolvimento do capítulo foi a compreensão de

que, por mais que buscassem – por meio daqueles artefatos – falar, as propostas de

resistência não construíram bases para um diálogo, entendido por nós como um lugar

de trocas equânimes entre partes dispostas a coexistir.

Contudo, na escolha desses objetos que funcionam como mídia, delineiam uma

espécie de lugar de fala, desenham um território e fazem conhecer seus discursos.

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Ao dar andamento à escrita rumo ao terceiro capítulo, passei a falar de outro tempo e

outro tipo de manifestação, também próprios de um posicionamento político, mas de

outra natureza: da conscientização de uma parcela da população de que os espaços

comuns, chamados de públicos, ainda que sejam de responsabilidade do poder

público, são também do público, e por ele devem ser ocupados e cuidados.

Foram eleitos artefatos e técnicas têxteis, executados em grupo e chamados de

yarnbombing, ou bombardeio de fios, em uma alusão direta aos bombardeios,

realizados com artefatos bélicos que, quando detonados, interferem em um lugar e na

vida daqueles que por ali transitarem ou que ali vivem. Quando o artefato é construído

em crochê ou tricô ou bordado, os impactos começam por discutir o potencial

destrutivo ou construtivo de uma intervenção.

A partir dessa observação torna-se possível questionar se, para evidenciar um

problema social, urbano ou comunitário é preciso fazê-lo na forma de uma agressão.

Os grupos craftivistas de yarnbombing afirmam com suas ações que não. E grande

parte deles também convoca aquele que se interessar a participar da ação. Alguns

grupos se utilizam da reunião pública para construir o espaço em que trazem à tona

suas questões, e, assim proporcionam trocas que derivam na configuração de áreas

de diálogo.

Ao atingir o quarto capítulo, diferenciamos os discursos ativistas do entendimento de

que o Design (de Moda, em nosso caso, mas de fato acredito ser possível atingi-lo em

um exercício profissional de Design que se posicione de acordo com as proposições

aqui apontadas) pode funcionar como ativador de diálogos, como propositor de uma

nova maneira de existir e produzir em comunidade, a partir da produção da

materialidade (ou da sensorialidade).

Detecto que, oriundo de um cenário de crise, derivado de grandes debacles

econômicos globais e do crescimento da produção industrial em mercados periféricos

como o chinês, se tornou necessário encontrar o que diferencia os mercados locais,

e o que somente eles conseguem oferecer. No encontro com esses (re)produtores de

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saber local, mas com desejo de inovação e muitos deles com formação de nível

superior e tendo vivenciado experiências em outras paragens, percebeu-se o desejo

de produzir em conjunto, trocando conhecimento, alinhados com as discussões da

sustentabilidade.

Esse panorama redesenha inclusive a maneira como os negócios de Moda se

configuram, e a ideia de comunidade perpassa esse redesenho, possibilitando

ambientes dialógicos de co-criação como um novo modelo de negócio em várias áreas

chamadas criativas, incluindo a Moda.

Desde o início do meu processo de doutoramento, desejava falar desse lugar coletivo

de desenvolvimento de projetos a partir de trocas significativas entre os integrantes

do grupo, coisa que já experimentava muito antes de dar início a essa etapa com o

Projeto Pérola.

Certamente, as investigações realizadas para a construção da presente tese

proporcionaram questionar processos e procedimentos em nossos projetos e, assim,

fomos nos organizando em Coletivo.

Isso nos levou à produção de um quinto capítulo, inicialmente pensado apenas como

seção do quarto capítulo, mas que, quando finalizamos a escrita desta, decidimos por

destaca-la e apresentar um relato de vivência, a experiência de ver – ou de fazer –

surgir um coletivo em Design de Moda a partir de um projeto, e como esse tipo de

proposta gera engajamento entre os participantes e possibilidades de repensar e

modificar maneiras cristalizadas de atuar profissionalmente, quer seja na academia,

quer seja na indústria, e possibilita identificar outros desconfortos para transformá-los

em novas propostas projetuais.

O nosso coletivo, LabModAR, tem a vantagem de ser um espaço para

experimentações, nascido dentro de uma universidade, de não ter o compromisso de

dar retorno econômico. O compromisso, contudo, não é pequeno: reside em

possibilitar àqueles que se engajam aos projetos a experiência coletiva de vivenciar

um projeto realizado em exercício de diálogo, de criar continentes feitos de ideias

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melhores do que aquelas que temos visto até então, orientados pela responsabilidade

social, ambiental e cultural, pautados pela ética, formando profissionais críticos,

inclusive a respeito de si mesmos.

Hoje, às vésperas do ano de 2019, o LabModAR encampa dois projetos permanentes,

o Projeto Pérola, no qual já estamos trabalhando para a próxima edição, e estamos

dando continuidade ao Sea Between Us. Analisamos, nesse momento, a inclusão de

um projeto em que se deseja construir superfícies têxteis a partir da leitura de textos

– poéticos, acadêmicos, literários, folclóricos - que margeiam a tessitura, e a

participação em um projeto humanitário chamado Bolsas de Zâmbia125.

Também desejo dar continuidade à pesquisa, fundamentada nos encontros entre

designers com inciativas semelhantes às do LabModAR. Em princípios de Novembro

de 2018, estabelecemos um primeiro contato com a indústria têxtil vinculada à

denominada Economia Criativa da Argentina, por ocasião do MiCBR (Mercado das

Indústrias Criativas126, evento realizado entre os dias 5 e 11 de Novembro de 2018

em São Paulo, reunindo representantes de oito países da América do Sul e o Brasil),

e que, como nós, pautam seus trabalhos em torno do diálogo, da valorização do saber

manual e do conhecimento compartilhado, além da utilização racional dos recursos.

Ao construir essas relações, realizamos espaços para diferentes modalidades de

Diálogo em busca de formar designers mais empáticos, e que desafiem o absurdo das

situações que lhes são impostas a partir da experimentação não só do pensar mas

também do fazer. Que possam olhar os problemas tridimensionalmente e reconheçam

a possibilidade de, no deslocamento de pontos de vistas, descobrir uma perspectiva

inesperada, em que seja possível desviar-se – a partir do que produzem - a fim de

conceber caminhos e futuros transformadores da percepção de que existe um

caminho sempre garantido para obter um “bom” produto.

125 Bolsas de Zâmbia é realizado por voluntários do Bacharelado em Design de Moda desde 2017 e

consiste em fazer bolsas para que as meninas de Zâmbia possam carregar seus absorventes reutilizáveis e material de higiene íntima. A ação visa manter as jovens mulheres estudando e integra

uma ação global chamada Sew Powerful. Disponível em: <https://www.facebook.com/groups/sewpowerfulpurseproject/>. Acesso em: 03/01/2018. 126 Disponível em: <http://micbr.cultura.gov.br/sobre>. Acesso em: 03/01/2018

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O produto que, acreditamos, resulta de um projeto de um designer – ou grupo de

designers, preferencialmente - atento e disposto a produzir em condução dialógica é

consequência de um percurso vivenciado, em que os percalços promovem desvios.

Desviar propõe questionamentos acerca dos caminhos, os usos, os procedimentos,

as materialidades adotados, e, proporciona ao designer o entendimento sobre si

mesmo também como cidadão, pertencente a uma comunidade. Dessa forma,

cremos, não se fragiliza o designer, mas a ele se revela um fazer que é ampliado, pois

produz, no desvio, objetos – materiais ou não - que se propõem a ser mais que coisas.

Pensar-se designer de projetos desviantes é entender-se num contínuo fazer e refazer

de acordos de compromisso, comprometido antes com a ética e com o Diálogo.

Em nosso exercício junto ao LabModAR, dialogamos acerca do desvio. Fazemos

nossa tentativa de desmantelar padrões, tanto no que tange ao Sistema de Moda, às

ideias associadas ao domínio do vestir, tais como o “estar na moda”, a maneira

apropriada de fazer, o que é considerado bonito, as associações entre novo e

inovação. Optamos por fazer um trabalho reflexivo cujos resultados colhemos na

formação de jovens designers que se entendem como agentes de mudança nas

comunidades em que se inserem, desejosos de viabilizar suas carreiras não apenas

economicamente, mas também eticamente.

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ANEXOS

ANEXO 1

TEJEDORES, Hombres. ¡Hola! Preguntas sobre sus acciones. [mensagem pessoal].

Mensagem recebida em 08/05/2018.

From: Hombres Tejedores <[email protected]>

Date: ter, 8 de mai de 2018 às 12:50

Subject: Re: ¡Hola! Preguntas sobre sus acciones

To: Regina BRamos <[email protected]>

Hola, Regina,

Espero estés muy bien. Aquí Ricardo Higuera. Te enviamos nuestras respuestas.

Cuéntanos si necesitas algo más.

Muchas gracias!

Ricardo

¿Desde cuándo lo hacen?

Hombres Tejedores comenzó con talleres de tejido en el verano de 2016 y a partir de

ahí comenzó a tejerse una historia que hoy reúne muchas voluntades, muchas

miradas e intenciones de crear una mejor sociedad en donde los estereotipos de

género no sea lo que nos define. En términos formales, el 18 de junio de 2016 es la

fecha que nosotros reconocemos como el inicio del colectivo. En el contexto del Día

Internacional del Tejido al Aire Libre, hicimos una convocatoria a través de Facebook

(ya habíamos creado un Fanpage que estaba teniendo alta recepción por parte de la

gente) y a ese encuentro, que realizamos en las afueras del Museo de Bellas Artes,

llegó gran parte de quienes conformamos Hombres Tejedores hoy. En ese momento,

nos dimos cuenta que podíamos comenzar a trabajar más allá de aprender nuevos

puntos y técnicas, sino que había historias profundas que nos entrelazaban y que

podríamos destejer y volver a tejer para un trabajo más consciente y focalizado esta

vez como un colectivo.

¿Cuáles son sus motivaciones?

El trabajo de Hombres Tejedores se focaliza en levantar la problemática de los

estereotipos de género y cómo somos capaces de deconstruir la masculinidad

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tradicional para dar paso a nuevas maneras de vivirla. Son temas profundos que no

necesariamente resuenan en todos los hombres que se acercan a nosotros. Por esta

razón, hemos creado distintas instancias de trabajo y relación con la comunidad:

talleres para quienes quieren aprender a tejer, encuentros mensuales en espacios

públicos, charlas en colegios, instituciones y organizaciones que están en sintonía

con lo que hacemos, además de intervenciones urbanas u otro tipo de medio por el

cual buscamos visibilizar y sensibilizar. Para los objetivos específicos del grupo, las

puertas están siempre abiertas a quien sienta que estas problemáticas son

importantes de seguir trabajando y que quiera aportar en esta línea.

¿Cómo se organizan?

El trabajo de Hombres Tejedores se lleva a cabo a través de distintas hebras. Por un

lado, los talleres de tejido básico están dirigidos a hombres que tienen interés a

conocer más sobre esta práctica ancestral y cómo pueden utilizarla según sus

intereses personales. Recientemente formamos una alianza con Mundobelli, un

hermoso lugar en donde realizaremos talleres de forma permanente durante 2018 y

continuamos con nuestros encuentros mensuales de tejido al aire libre. El próximo

será el 16 de diciembre en el Parque Bicentenario (detrás de la Municipalidad de

Vitacura). También, estamos evaluando otras actividades para el próximo año y dos

de los desafíos importantes es apoyar el trabajo que está comenzando en Hombres

Tejedores Argentina y lo que esperamos sea Hombres Tejedores Portugal, en donde

actualmente viven dos integrantes del colectivo.

Lo que buscamos con estas acciones es seguir abriendo espacios, reuniéndonos en

torno al tejido y ver de qué manera más y más personas se suman a este interés de

tejer una nueva y mejor sociedad.

¿Por qué tejer?

La memoria es lo que nos permite mirar hacia el pasado, honrar a quienes

comenzaron con oficios tan bellos como el tejido, y mantenerlo vivo a través de una

práctica contemporánea a la que se le pueden añadir nuevos significados para que

nuestra forma de interpretar el mundo se enriquezca cada día. A nosotros nos gusta

tejer no sólo porque mejoramos nuestra motricidad, mantenemos nuestro cerebro

activo o podemos transformar materias en ropa u otro tipo de prendas. Nos gusta

tejer porque también a través de la práctica, en especial en espacios públicos,

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logramos remecer conciencias y formas de pensamiento para abrirlas y, juntos,

generar mejores espacios de convivencia. Es ahí donde está el aporte del trabajo

que realizamos: en la convocatoria a hombres y mujeres, en la conversación que

instalamos, en el cuestionamiento que hacemos a las masculinidades tradicionales,

al surgimiento de otras más diversas y también al mantener viva una práctica de

tanto valor para la humanidad como es el tejido.

¿Cómo nos proyectamos?

Además de la sistematización de los talleres que realizaremos durante 2018,

queremos seguir estableciendo lazos con otras organizaciones para trabajar juntos

por una mejor sociedad. Esto implica colegios, universidades, instituciones en

general que cuenten con algún grado de sensibilización sobre la problemática de los

estereotipos de género y las nuevas masculinidades. También, vamos a seguir

realizando nuestros encuentros mensuales y nos gustaría visitar algunas ciudades

de Chile, porque hay muchas personas que tienen inquietudes y quieren conocer de

cerca nuestra labor. De la misma manera, impulsar el trabajo de Hombres Tejedores

en Argentina y Portugal, además de establecer alguna forma de colaboración a

distancia con personas que también quieren iniciar un trabajo más sistemático, como

ocurre en México actualmente, además de los contenidos que compartimos a través

de nuestras redes sociales (Facebook e Instagram). Todo esto en el ámbito

operativo. Desde una perspectiva más amplia, queremos seguir abriendo espacios y

conversaciones de los temas que convocan nuestro trabajo como colectivo, seguir

aprendiendo y contribuyendo a la construcción de una sociedad más respetuosa de

las diferencias, diversa e inclusiva.

El 8 de mayo de 2018, 16:23, Regina

BRamos <[email protected]> escribió:

---------- Forwarded message ----------

From: Regina BRamos <[email protected]>

Date: 2018-04-22 17:26 GMT-03:00

Subject: ¡Hola! Preguntas sobre sus acciones

To: [email protected]

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Hola a todos.

¿Como estan?

He intercambiado mensajes con Ricardo y ha sido muy gentil en me contesto.

Muy desafortunadamente, no pudimos encontrarnos cuando estuve en Santiago el

pasado fin de semana.

Como dije en otros mensajes, me llamo Regina y hago doctorado en Diseño. Soy

profesora del Bachillerato en Diseño de Moda de la universidad Anhembi Morumbi,

en São Paulo, y estudio atvismo colectivo en textiles.

Mi interés en la producción chilena comenzó por las arpilleras del período de la

dictadura. Cuando estuve en Santiago, fui recibida en la Fundación Salvador

Allende, por su curadora, que me ofreció una serie de informaciones muy

importantes.

En fin, tengo un material histórico, pero me interesa mucho saber por qué algunas

personas resolvieron, en la última década, reunirse para tejer en colectivo.

¿Cuáles son sus motivaciones? Desde cuando lo hacen. ¿Cómo se organizan, cuáles

son sus causas?

¿Por qué tejer?

Espero recibir su correo electrónico muy pronto.

Desde ya, gracias.

Regina Barbosa Ramos

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ANEXO 2

CURCE, Priscila. Oiiiiisssss! Sobre o coletivo. [mensagem pessoal]. Mensagem

recebida em 04/09/2018.

---------- Forwarded message ---------

From: Priscila Curce <[email protected]>

Date: ter, 4 de set de 2018 às 15:23

Subject: Re: Oiiiiisssss! Sobre o coletivo

To: Regina BRamos <[email protected]>

Re, tudo bem?

Antes tarde do que nunca... tá aqui um breve resumo do naLã:

O coletivo naLã foi criado há dois anos com o intuito de ser um laboratórios de ideias

e experimentações têxteis. O projeto foi iniciado com a prática de inserir o trabalho

manual de crochet na paisagem urbana. Conforme o tempo foi passando, outras

práticas manuais foram adotadas a fim de aprimorar nossos conhecimentos têxteis e

propostas criativas. Dessa forma, macramê, tear, pompom, entre outros foram

ingressados para complementar nossos estudos e projetos.

Nosso berço foi o Mercado Manual, feira realizada inicialmente no Museu da

Casa Brasileira e que conquistou espaço também no Morumbi Shopping, Pinacoteca

e Inhotim.

As idealizadoras do projeto são Fernanda Mafra e Priscila Curce. Formadas em

Arquitetura e Design de Moda, respectivamente, cada uma tem sua particularidade e

paixões que as motivam nas práticas manuais têxteis. Se conheceram quando

faziam parte de outro grupo extinto de arte urbana têxtil, quando este participou de

um projeto realizado durante a comemoração de aniversário de uma instituição

social. Quando o grupo se desfez, decidiram seguir com os trabalhos, dando início

ao projeto naLã. O nome sugerido pelo coletivo dá-se pelas atividades realizadas

com lã. Inicialmente outros membros estavam envolvidos com o naLã. Porém,

devido a disponibilidade e outros interesses, somente Fernanda e Priscila seguiram

com as atividades.

Articulando com trabalhos que vão desde a decoração, projetos sociais, SESC,

exposições, escolas, museus, projetos de áudio visual, moda e até sorveterias, o

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naLã mantém seu movimento do feito à mão, devagar e sempre. O naLã trata-se de

um coletivo, pois, condizente a etimologia da palavra, pertence a várias pessoas.

Sendo assim, é um projeto onde toda e qualquer pessoa interessada em aprender,

contribuir, colaborar, desenvolver, experimentar, ensinar e promover práticas têxteis,

são sempre bem vindas.

Se precisar de mais informações, me avisa. Tô com mais "tempo livre" agora.

Beijous,

Pri

=)

Em seg, 16 de jul de 2018 às 09:37, Regina BRamos

<[email protected]> escreveu:

Gata, tá boua?

Beesha, seguinte. Tô precisando de umas informações sobre o Nalã.

Me conta de vocês?

Quais são suas motivações, desde quando vocês se configuram como um coletivo?

Como se organizam? Quais são as suas causas? Porque tecer? Quais são as ações

que vocês costumam realizar? Se associam a outros grupos?

Uma outra coisa que me interessou na conversa com o Hombres Tejedores: como

percebem o uso da internet/redes sociais na construção das redes de

relacionamentos de vocês?

Desde já, agradeço, mas quero muito agradecer ao vivo, fazendo Fio.me

Bisou