Tese Doutorado - Claudinei Eduardo Biazoli Junior

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    Claudinei Eduardo Biazoli Junior

    Inferncia do tempo de atividade neural apartir do efeito BOLD em ressonncia

    magntica funcional

    Tese apresentada Faculdade de Medicinada Universidade de So Paulo paraobteno do ttulo de Doutor em Cincias(verso corrigida, o original encontra-sena Biblioteca da FMUSP)

    Programa de Radiologia

    Orientador: Prof. Dr. Edson Amaro Jnior

    So Paulo

    2010

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    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)

    Preparada pela Biblioteca da

    Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo

    reproduo autorizada pelo autor

    Biazoli Junior, Claudinei Eduardo

    Inferncia do tempo de atividade neural a partir do efeito BOLD em ressonncia

    magntica funcional / Claudinei Eduardo Biazoli Junior. -- So Paulo, 2010.

    Tese(doutorado)--Faculdade de Medicina da Universidade de So Paulo.

    Programa de Radiologia.

    Orientador: Edson Amaro Jnior.

    Descritores: 1.Imagem por ressonncia magntica funcional 2.Rede

    nervosa/fisiologia 3.Modelo de balo 4.Crtex pr-frontal dorsolateral 5.Giro do

    cngulo 6.Giro fusiforme 7.Tomada de decises 8.Tristeza 9.Emoes

    10.Lateralidade funcional

    USP/FM/DBD-525/10

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    Para Aline,

    e para minha famlia.

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    Agradecimentos

    Agradeo ao meu orientador, Prof. Dr. Edson Amaro Junior, pela

    oportunidade de desenvolver esse trabalho, pelo apoio constante e por seu

    entusiasmo contagiante pela pesquisa em neuroimagem funcional.

    Ao Prof. Joo Ricardo Sato, atualmente professor da Universidade Federal do

    ABC, na prtica co-orientador e co-autor desse trabalho, auxilou-me em todas as

    etapas de sua elaborao, das primeiras idias verso final da tese.

    Ao Prof. Dr. Michael J Brammer, do Kings College de Londres, pelo auxilio

    na elaborao do manuscrito e pelos comentrios e crticas sempre pertinentes.

    Ao Dr. Ellison Fernando Cardoso que colheu os dados de ressonncia

    magntica funcional e auxiliou-me na anlise e interpretao dos resultados.

    Ao Prof. Dr. Koichi Sameshima, que participou da banca de qualificao

    desse trabalho, cuja leitura crtica e atenta da tese contribui sobremaneira para seu

    aprimoramento.

    Dra. Paula Ricci, tambm membro da banca de qualificao, pela

    inestimvel contribuio na discusso e esclarecimento dos pontos mais crticos do

    trabalho e de suas possveis aplicaes futuras.

    Aos Drs. Douglas Galante do Instituto de Astronomia e Geofsica e Fbio

    Rodrigues do Instituto de Qumida da USP, cientistas moleculares e grandes amigos,

    que mesmo atuando em astrobiologia e qumica orgnica, me ajudaram a

    compreender melhor os modelos do efeito BOLD.

    A Claudecir Ricardo Biazoli, pesquisador do Instituto de Fsica Gleb

    Wataghin da UNICAMP e tambm meu tio, que fez correes valiosas de alguns

    conceitos desenvolvidos aqui.

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    A Lia Melo, secretria de ps-graduao do InRad, sempre muito acolhedora

    e atenciosa.

    A todos ou meus colegas pesquisadores e ps-graduandos do Laboratrio de

    Neuroimagem Funcional (NIF/LIM-44), pelas discusses e conversas que, quando

    no contriburam diretamente para esse trabalho, me ensinaram muito.

    Ao apoio financeiro da CAPES e do CNPq.

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    O tempo para ns um problema, um problema trepidante e

    exigente, talvez o mais vital da metafsica...

    O tempo prope outras dificuldades.

    Uma delas, talvez a maior, a de sincronizar o tempo individual

    de cada pessoa com o tempo geral da matemtica...

    Histria da Eternidade, Jorge Luis Borges

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    NormalizaoAdotada

    Esta tese est de acordo com as seguintes normas, em vigor no momento desta

    publicao:

    Referncias: adaptado de International Committee of Medical Journals Editors

    (Vancouver)

    Universidade de So Paulo. Faculdade de Medicina. Servio de Biblioteca e

    Documentao. Guia de apresentao de dissertaes, teses e monografias.

    Elaborado por Annelise Carneiro da Cunha, Maria Julia de A. L. Freddi, Maria F.

    Crestana, Marinalva de Souza Arago, Suely Campos Cardoso, Valria Vilhena. 2

    edio. So Paulo: Servio de Biblioteca e Documentao; 2005.

    Abreviaturas dos ttulos dos peridicos de acordo com List of Journals Indexed in

    Index Medicus.

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    Sumrio

    Lista de Abreviaturas, Smbolos e Siglas

    Notao utilizadaLista de FigurasLista de TabelasResumoSummary

    1 INTRODUO ....................................................................................................... 1

    2 OBJETIVOS ............................................................................................................ 4

    3 REVISO DA LITERATURA ............................................................................... 6

    3.1 Histrico e estrutura dos experimentos de RMf ............................................ 63.1.1 Breve histrico geral.......................................................................... 6

    3.1.2 O surgimento da RMf....................................................................... 11

    3.1.3 A tcnica de RMf.............................................................................. 13

    3.2 O efeito BOLD: linearidade e seus desvios ................................................. 16

    3.2.1 O efeito BOLD................................................................................. 16

    3.2.2 Linearidade do efeito BOLD e seus desvios.................................... 20

    3.3 Bases fsicas do efeito BOLD ...................................................................... 253.3.1 Aquisio de imagens por RM......................................................... 27

    3.3.2 Contrastes e fsica do efeito BOLD.................................................. 30

    3.4 Bases fisiolgicas do efeito BOLD .............................................................. 37

    3.4.1 Do estmulo atividade neural: correlao com o efeito BOLD .... 40

    3.4.2 A relao entre atividade neural e fluxo sanguneo cerebral.......... 46

    3.4.3 Variao local do volume sanguneo cerebral................................ 51

    3.4.4 O metabolismo cerebral................................................................... 54

    3.4.5 O papel do astrcito na atividade neural........................................ 61

    3.5 Integrando fsica e fisiologia: modelagem matemtica do efeito BOLD .... 65

    3.6 Integrao de modelos mecansticos anlise de dados em RMf ............... 79

    3.7 Tempo de processamento neural .................................................................. 83

    3.8 Bases tericas da aplicao do modelo ....................................................... 85

    3.8.1 Bases neurais da tristeza.................................................................. 85

    3.8.2 Percepo de faces tristes e tomada de deciso.............................. 89

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    4 MATERIAIS E MTODOS ................................................................................. 93

    4.1 Modelo do efeito BOLD e tempo de processamento neural ........................ 93

    4.2 Integrao anlise de dados: rotinas de estimao ................................. 1034.2.1 Algoritmo gentico ........................................................................ 104

    4.2.2 Mtodo direto de estimao de parmetros.................................. 106

    4.3 Simulaes ................................................................................................ 108

    4.4 Aplicao .................................................................................................. 110

    4.4.1 Desenho experimental.................................................................... 110

    4.4.2 Processamento da imagem e estimao dos parmetros............... 112

    5 HIPTESES ........................................................................................................ 1146 RESULTADOS ................................................................................................... 116

    6.1 Modelo do efeito BOLD e tempo de processamento neural ...................... 116

    6.2 Simulaes ................................................................................................. 119

    6.3 Aplicao ................................................................................................... 125

    7 DISCUSSO ....................................................................................................... 134

    7.1 Modelos do efeito BOLD........................................................................... 134

    7.2 Rotinas de estimao .................................................................................. 137

    7.3 Aplicao ................................................................................................... 140

    7.4 Perspectivas................................................................................................ 145

    8 CONCLUSES ................................................................................................... 150

    9 REFERNCIAS .................................................................................................. 151

    APNDICES

    Apndice I Modelo do efeito BOLD em R

    Apndice II Modelo do efeito BOLD em C

    Apndice III Simulaes da rotina de estimao baseada em GA

    Apndice IV Simulaes da rotina de estimao do MD

    Apndice V Aplicao do GA ao experimento de reconhecimento de faces

    Apndice VI Aplicao do MD ao experimento de reconhecimento de faces

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    Lista de Abreviaturas, Smbolos e Siglas

    AMPA Receptor de glutamato tipo amino-metil-isoxazol-propionato

    ASL Arterial Spin Labeling

    ATP Trifostato de adenosina (adenosine triphosphate)

    B Campo Magntico

    BOLD Dependente do nvel de oxigenao do sangue (Blood OxigenationLevel Dependent)

    CBF Fluxo Sanguneo Cerebral (Cerebral Blood Flow)

    CBV Volume Sanguneo Cerebral (Cerebral Blood Volume)

    CMRO2 Taxa Metablica de Consumo de Oxignio (Cerebral MetabolicRatio of Oxigen)

    CMRglu Taxa Metablica de Consumo de Glicose (Cerebral MetabolicRatio of Glucose)

    CO2 Dixido de Carbono

    COX Ciclo-oxigenase

    dACC Poro Dorsal do Giro do Cngulo Anterior (Dorsal AnteriorCingulate Cortex)

    DLPFC Crtex Pr-Frontal dorsolateral (Dorsal Lateral Prefrontal Cortex)

    EEG Eletroencefalograma

    E(f(t)) Taxa de Extrao de Oxignio

    EPI Imagem ecoplanar (Echoplanar Image)

    f(t) Fluxo sanguneo cerebral regional normalizado

    fout(t) Fluxo sanguneo de sada regional normalizado

    FDG 18F-2-fluor-2-desoxi-D-glicose

    FG Giro Fusiforme (Fusiform Gyrus)

    g Fator de Land

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    G Gradiente de campo

    GA Algoritmo Gentico (Genetic Algorithm)

    GABA cido gama-amino-butrico

    GABAA Sub-tipo A do receptor de GABA

    Gd(DTPA) cido Dietilenotriaminopentactico Gadolneo

    GLM Modelo Linear Geral (General Linear Model)

    GRE Eco de Gradiente (Gradient Echo)

    HRF Funo de Resposta Hemodinmica (Hemodynamic ResponseFunctions)

    Hz Hertz

    I Imagem

    LI Modelo de sobreposio de funes logsticas inversas (LogitInverse functions) da HRF

    LFP Potencial de Campo Local (Local Field Potential)

    m Massa do prton

    M Magnetizao

    m(t) Consumo metablico de oxignio normalizado

    MD Mtodo Direto de estimao de parmetros

    MEG Magnetoencefalografia

    ms milisegundos

    MUA Atividade Multiunitria (Multiunity activity)

    NIRS Near-infrared spectroscopy

    NMDA Receptor de glutamato tipo N-metil-D-aspartato

    NO xido ntrico

    NOs NO- sintase

    O2 Oxignio Molecular

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    PEP Potencial ps-sinptico excitatrio (postsynaptic excitatorypotential)

    PET Tomografia por Emisso de Psitron (Positron EmissionTomography)

    PIP Potencial ps-sinptico inibitrio (postsynaptic inhibitorypotential)

    rCBF Fluxo Sanguneo Cerebral regional

    rCBV Volume Sanguneo Cerebral regional

    rCMRO2 Taxa Metablica de Consumo de Oxignio regional

    RF Rdio-frequncia

    RM Ressonncia Magntica

    RMf Ressonncia Magntica funcional

    q Carga do prton

    q(t) Contedo de desoxi-hemoglobina normalizado

    s segundos

    S Sinal

    SA Simulated Annealing

    t tempo

    T Tesla

    T1 Tempo de relaxao longitudinal

    T2 Tempo de relaxao transversa

    TE Tempo de eco

    TPN Tempo de processamento neural

    TR Tempo de Repetio

    u(t) Atividade neural ou estmulo

    v(t) Volume sangineo cerebral regional normalizado

    VASO Vascular Space Occupancy

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    Coeficiente de Grubb

    Coeficiente de Correlao

    Tempo de Processamento Neural (TPN)

    Razo giromagntica

    Susceptibilidade Mangtica

    Freqncia

    p Freqncia de ressonncia

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    Notaes utilizadas

    X0 Valor no repouso ou linha de base

    x Valor normalizado sobre a linha de base

    Matriz

    Vetor

    EscalarProduto escalar

    Produto vetorial

    Convoluo

    ou n-sima derivada de x com relao a y

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    Lista de Figuras

    Figura 1 - Caractersticas bsicas da curva de resposta hemodinmica .............. 18

    Figura 2 - Exemplo de sequncia de pulsos para aquisio de imagem porressonncia magntica ........................................................................ 29

    Figura 3 - Estrutura tridimensional da hemoglobina ........................................... 35

    Figura 4 - Diagrama dos mecanismos de gerao do efeito BOLD .................... 39

    Figura 5 - Principais mecanismos de controle do fluxo sanguneo cerebrallocal .................................................................................................... 50

    Figura 6 - Modelo do tempo de processamento neural ....................................... 94

    Figura 7 - Dinmicas do modelo de oscilador harmnico (A) e efeitos davariao dos parmetros sobre a curva BOLD (B). ............................ 97

    Figura 8 - Simulaes com LI/SA ..................................................................... 102

    Figura 9 - Mtodo de estimativa de parmetros baseado no GA ...................... 105

    Figura 10 - Rotina de estimao baseada no MD................................................ 107

    Figura 11 - Desenho experimental Reconhecimento de gnero em facesneutras, pouco tristes ou muito tristes .............................................. 111

    Figura 12 - Solues do modelo biofsico do efeito BOLD ................................ 118

    Figura 13 - Resultados das simulaes de comparao entre o TPN emedidas do modelo LI/SA ................................................................ 118

    Figura 14 - Simulaes do mtodo de estimativa baseado em GA ..................... 120

    Figura 15 - Simulaes do mtodo direto de estimativa dos parmetros. ........... 124

    Figura 16 - Resultados da aplicao: Tempo de processamento neural (TPN) .. 129

    Figura 17 - Curvas BOLD obtidas pelo GA ........................................................ 131

    Figura 18 - Sries temporais reais e estimadas pelo MD .................................... 132

    Figura 19 - Resultados da estimativa da HRF pelo LI/SA .................................. 133

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    Lista de Tabelas

    Tabela 1 - Valores dos parmetros fixos do modelo ........................................... 99

    Tabela 2 - Resultados das simulaes GA ...................................................... 121

    Tabela 3 - Regies com correlao positiva significativa com a tarefa ............ 125

    Tabela 4 - Valores das estimativas dos parmetros hemodinmicos GA ....... 126

    Tabela 5 - Parmetros Hemodinmicos em Faces Neutras Mtodo direto ..... 126Tabela 6 - Parmetros Hemodinmicos em Faces Pouco Tristes Mtodo

    direto ................................................................................................. 127

    Tabela 7 - Parmetros Hemodinmicos em Faces Muito Tristes Mtododireto ................................................................................................. 127

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    Resumo

    Biazoli Jr CE.Inferncia do tempo de atividade neural a partir do efeito BOLD em

    ressonncia magntica funcional [tese]. So Paulo: Faculdade de Medicina,

    Universidade de So Paulo; 2010. 161 p.

    A inferncia do curso temporal da atividade neural a partir do efeito BOLD

    um importante problema, ainda em aberto. A forma da curva BOLD no reflete

    diretamente as caractersticas temporais da atividade eletrofisiolgica dos neurnios.

    Nessa tese, introduzido o conceito de tempo de processamento neural (TPN) como

    um dos parmetros do modelo biofsico da funo de resposta hemodinmica (HRF).

    O objetivo da introduo desse conceito obter estimativas mais acuradas da

    durao da atividade neural a partir do efeito BOLD, que possui auto grau de no-

    linearidade. Duas formas de estimar os parmetros do modelo do efeito BOLD foram

    desenvolvidas. A validade e aplicabilidade do conceito de TPN e das rotinas de

    estimao foram avaliadas por simulaes computacionais e anlise de sries

    temporais experimentais. Os resultados das simulaes e da aplicao foram

    comparados com medidas da forma da HRF. O experimento analisado consistiu em

    um paradigma de tomada de deciso na presena de distratores emocionais. Espera-

    se que o TPN em reas sensoriais primrias seja equivalente ao tempo de

    apresentao de estmulos. Por outro lado, o TPN em reas relacionadas com a

    tomada de deciso deve ser menor que a durao dos estmulos. Alm disso, o TPN

    deve depender da condio experimental em reas relacionadas ao controle de

    distratores emocionais. Como predito, o valores estimados do TPN no giro

    fusiforme foram equivalentes durao dos estmulos e o TPN no giro do cngulo

    dorsal variou com a presena de distrator emocional. Observou-se ainda lateralidade

    do TPN no crtex pr-frontal dorsolateral. As medidas da forma da HRF obtidas por

    um mtodo convencional no dectectaram as variaes observadas no TPN.

    Descritores: 1.Imagem por ressonncia magntica funcional 2.Redenervosa/fisiologia 3.Modelo de Balo 4.Crtex pr-frontal dorsolateral 5.Giro docngulo 6.Giro fusiforme 7.Tomada de decises 8.Tristeza 9.Emoes10.Lateralidade funcional

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    Summary

    Biazoli Jr CE. Inference of neural activity time from BOLD effect in functional

    magnetic resonance imaging [thesis]. So Paulo: Faculdade de Medicina,

    Universidade de So Paulo; 2010. 161 p.

    The extraction of information about neural activity dynamics related to the

    BOLD signal is a challenging task. The temporal evolution of the BOLD signal does

    not directly reflect the temporal characteristics of electrical activity of neurons. In

    this work, we introduce the concept of neural processing time (NPT) as a parameter

    of the biophysical model of the hemodynamic response function (HRF). Through this

    new concept we aim to infer more accurately the duration of neuronal response from

    the highly nonlinear BOLD effect. We describe two routines to estimate the

    parameters of the HRF model. The face validity and applicability of the concept of

    NPT and the estimation procedures are evaluated through simulations and analysis of

    experimental time series. The results of both simulation and application were

    compared with summary measures of HRF shape. We analysed an experiment based

    on a decision-making paradigm with simultaneous emotional distracters. We

    hypothesize that the NPT in primary sensory areas is approximately the stimulus

    presentation duration. On the other hand, the NPT in brain areas related to decision-

    making processes should be less than the stimulus duration. Moreover, in areas

    related to processing of an emotional distracter, the NPT should depend on the

    experimental condition. As predicted, the NPT in fusiform gyrus is close to the

    stimulus duration and the NPT in dorsal anterior cingulate gyrus depends on the

    presence of an emotional distracter. Interestingly, the estimated NPTs in the

    dorsolateral prefrontal cortex indicate functional laterality of this region. The

    analysis using standard measures of HRF did not detect the variations observed in

    our method (NPT).

    Descriptors: 1.Functional magnetic resonance imaging 2.Neural network/physiology3.Balloon Model 4.Dorsal lateral prefrontal cortex 5.Cingulate gyrus 6.Fusiformgyrus 7.Decision-making 8.Sadness 9.Emotion 10.Functional laterality

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    Captulo 1

    Introduo

    Em experimentos de Ressonncia Magntica funcional (RMf), a atividade

    eletrofisiolgica de conjuntos de neurnios no medida diretamente. Geralmente,

    estes experimentos medem a variao do nvel de oxigenao sangunea local ou

    efeito BOLD (Blood Oxygenation Level Dependent). Assim, em experimentos de

    RMf, a atividade neural inferida a partir das mudanas no metabolismo e na

    hemodinmica regionais por ela geradas.

    A amplitude e a forma do efeito BOLD variam entre as diferentes reas

    cerebrais para o mesmo estmulo ou tarefa, e tambm variam na mesma rea cerebral

    na dependncia de caractersticas do estmulo como durao e contraste. Alm disso,

    o efeito BOLD no-linear e o seu grau de no-linearidade varia espacialmente no

    encfalo. Se por um lado essas variaes espaciais do efeito BOLD dificultam a

    anlise linear dos dados de RMf por outro tornam possvel a inferncia de variaes

    fisiolgicas das atividades neural, hemodinmica ou metablica e, em especial, a

    inferncia do curso temporal da atividade neural.

    A estratgia atualmente utilizada para inferir-se a durao da atividade neural

    a partir do efeito BOLD baseia-se na suposio de que a forma da funo de resposta

    hemodinmica (HRF) reflete diretamente parmetros neurais. Hipoteticamente, a

    largura da HRF correlaciona-se com a durao da atividade neural. Essa suposio,

    no entanto, no leva em considerao as contribuies hemodinmicas e metablicas

    para a gnese do efeito BOLD. A modelagem matemtica dos mecanismos do efeito

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    Introduo 2

    BOLD pode ser uma forma mais acurada de inferir a atividade neural a partir do

    efeito BOLD.

    A modelagem matemtica do processo complexo que desencadeia o efeito

    BOLD um campo de investigao ativa. O modelo mais influente e discutido nessa

    literatura foi proposto por Richard Buxton e colaboradores em 1998, e foi

    denominado modelo de balo (balloon model - Buxton, et al. 1998). Mas esse

    modelo no se aplica a todo o processo de gerao do efeito BOLD. Ele prediz uma

    curva BOLD para uma dada variao de fluxo sanguneo regional, e no para uma

    dada ativao neural ou mesmo para um determinado estmulo. Diversos modelos

    foram propostos para explicar os demais elos da cadeia de fenmenos responsvel

    pela produo do efeito BOLD (Buxton, et al. 2004; Friston, et al. 2000).

    Para a aplicao de modelos matemticos do efeito BOLD anlise de dados,

    formula-se o problema de determinao da curva BOLD de forma inversa, isto , o

    problema passa a ser determinar qual modelo ou quais parmetros de um modelo

    melhor se adequam a um sinal BOLD observado (Buckner 2003). A soluo desse

    problema hemodinmico inverso exige um mtodo para a estimao dos parmetros

    de um modelo. Esse tipo de formulao objeto de vasta literatura especializada e

    ainda no h uma soluo consensual ou indubitavelmente mais adequada para o

    problema hemodinmico inverso (Vakorin, et al. 2007).

    Para a estimativa mais acurada da durao da atividade neural a partir do

    efeito BOLD ou tempo de processamento neural (TPN) proposto, na presente tese,

    um modelo matemtico no qual o TPN um parmetro independente de

    contribuies hemodinmicas e metablicas. Alm disso, duas formas de estimao

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    Captulo 2

    Objetivos

    O objetivo principal dessa tese desenvolver uma forma de inferir a durao

    da atividade neural a partir do efeito BOLD. Atualmente essa inferncia baseia-se em

    um pressuposto provavelmente falso de que a durao do efeito BOLD, medida

    como a largura da HRF, reflete diretamente a durao da atividade neural. Para uma

    medida mais acurada da durao da atividade neural utilizando RMf faz-se

    necessrio a utilizao de um modelo biofsico da gerao do efeito BOLD no qual

    essa medida possa ser derivada diretamente. Assim, para atingir o objetivo geral, os

    seguintes objetivos especficos so necessrios:

    1 - Desenvolver um modelo biofsico do efeito BOLD no qual o tempo de

    processamento neural seja um parmetro independente, separado de contribuies

    metablicas e hemodinmicas para a gerao do sinal.

    2 Desenvolver, testar e comparar formas de estimao dos parmetros e variveis

    do modelo biofsico do efeito BOLD e, entre estes, de estimao do tempo de

    processamento neural (TPN). Em outras palavras, desenvolver solues numricas

    para o chamado problema hemodinmico inverso (Buckner 2003).

    3 Validar o modelo e os mtodos de estimativa e, simultaneamente, responder a

    uma questo emprica relevante, pela aplicao desses a dados experimentais. Os

    dados foram previamente obtidos por Ellison Cardoso (2008). A questo emprica

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    Objetivos 5

    o estudo do TPN na circuitaria nervosa envolvida no processamento do contedo de

    tristeza em faces durante a execuo de uma tarefa de identificao de gnero. As

    hipteses neuroanatmicas e funcionais dessa aplicao so apresentadas no quinto

    captulo.

    4 Comparar as estimativas do tempo de processamento neural no contexto de um

    modelo biofsico do efeito BOLD com o modelo atualmente aceito para a inferncia

    da durao da atividade neural em RMf.

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    Captulo 3

    Reviso da Literatura

    3.1 - Histrico e estrutura dos experimentos de RMf

    3.1.1 Breve histrico geral

    A anlise historiogrfica ou filosfica das neurocincias constituem, por si s,

    um campo de investigao autnomo. A exposio de um breve contexto histrico

    do desenvolvimento da neurocincia, no entanto, imprescindvel para a anlise

    esclarecida dos objetivos e aplicabilidade dos experimentos de RMf.

    As investigaes iniciais sobre os fundamentos da sensibilidade, motricidade

    voluntria e das capacidades intelectuais humanas basearam-se na idias lanadas

    por Aristteles (M. R. Bennett 2003). A concepo aristotlica de psiche, que

    englobava as relaes entre os rgos e suas funes e entre o corpo e suas

    capacidades, s foi suplantada pela noo cartesiana de mente no sculo XVII

    (Kandel 2000b).

    A questo central que se colocava nas investigaes experimentais iniciais da

    ao humana era a de como se dava a contrao muscular nos movimentos

    voluntrios. O prprio Aristteles abordou essa questo experimentalmente,

    concluindo que os vasos sanguneos eram responsveis por iniciar a contrao

    muscular. No sculo III d.C. , experimentos conduzidos por Galeno levaram-no a

    concluir que os nervos que emergiam tanto da medula espinhal quanto do crebroeram necessrios para iniciar a contrao muscular. Dessa forma, Galeno mudou a

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    Reviso da Literatura 7

    sede das funes perceptivas que Aristteles havia atribudo ao corao para o

    crebro. Ao observar que no havia correlao aparente entre as convolues

    cerebrais e as capacidades intelectuais, Galeno afirmou que o sistema ventricular era

    a sede do pensamento. Iniciava-se, assim, a doutrina da localizao ventricular das

    funes mentais, que perduraria por pelo menos um milnio (Bennett 2007).

    No sculo XVII, a revoluo que se observou em quase todos os campos do

    conhecimento no poupou o estudo dos fenmenos relacionados aos seres vivos. A

    partir de ento, as explicaes teolgicas dos fenmenos naturais foram

    gradualmente substitudas por explicaes mecanicistas (Hankins 1985). Esse

    movimento histrico culminou com a argumentao de Descartes de que as

    atividades do corpo deveriam ser explicadas em termos puramente mecnicos,

    rompendo radicalmente com a tradio aristotlica. Na viso cartesiana, no fazia

    mais sentido a doutrina milenar da localizao das funes psquicas nos ventrculos,

    simplesmente porque essas funes eram de substncia distinta e, portanto, no

    poderiam estar localizadas no crebro. Mas a mente se comunicaria com a matria

    por meio do crebro. Na metade do sculo XVII Descartes havia substitudo a

    doutrina ventricular por sua doutrina interacionista.

    Segundo o filsofo Thomas Hankins, a biologia ainda no havia se

    caracterizado como cincia, distinta da filosofia, no final do sculo XVIII (Hankins

    1985). Apesar disso, as idias que dariam origem a teoria da evoluo e a outros

    campos, como a fisiologia, surgiram durante o Iluminismo (Sober 2000). A filosofia

    mecanicista, bem sucedida nas cincias fsicas no sculo XVII, parecia insuficiente

    para explicar os fenmenos da vida. No entanto, a filosofia mecanicista tornou

    impossvel o retorno metodologia aristotlica. Nesse contexto, era inevitvel a

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    Reviso da Literatura 8

    procura por novas teorias e mtodos de investigao que, em ltima anlise,

    culminariam com a criao da biologia propriamente dita, durante o sculo XIX.

    No incio do sculo XIX, Franz Joseph Gall postulou que as faculdades

    mentais humanas estavam localizadas em reas particulares e restritas do crebro.

    Alm disso, Gall props que um maior desenvolvimento de funes particulares e,

    em consequncia das reas que as continham, levaria a proeminncias nas partes do

    crnio correspondentes. As diferenas individuais nas funes mentais poderiam ser

    assim determinadas pela forma dos ossos do crnio. Dessa forma, Gall fundava a

    frenologia (Kaitaro 2001; Kandel 2000b; Kandel 2000c). Essa perspectiva foi logo

    atacada, e a reao radical a escola frenolgica baseou-se na assero de que os

    processos mentais no poderiam ser reduzidos a atividades de diferentes regies

    cerebrais e, portanto, qualquer processo mental recrutaria todas as regies cerebrais.

    Essa viso foi denominada teoria de campo-agregado do crebro (Kandel 2000a).

    Na segunda metade do sculo XIX, os novos paradigmas da cincia biolgica

    repercutiam no estudo dos sistema nervoso. A composio celular e organizao do

    tecido nervoso foram descritas por Camillo Golgi e Santiago Ramn y Cajal, que

    demonstraram que o sistema nervoso consistia em uma rede discreta, formada por

    clulas individuais (Kandel 2000c). Rapidamente os neurnios foram considerados

    os elementos funcionais do sistema nervoso. Em 1850, o fisiologista e fsico alemo

    Hermann von Helmholtz, demonstrou que a atividade eltrica de um neurnio afeta a

    atividade da clula adjacente de modo previsvel (Kandel 2000b). Fortalecia-se a

    chamada teoria do conexionismo celular.

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    Reviso da Literatura 9

    Em 1861, Pierre Paul Broca descreveu o caso de um paciente capaz de

    entender a linguagem escrita e falada mas no de falar, mesmo sem dficits do

    aparelho fonador. Ao exame ps-morte desse paciente, Broca observou uma leso da

    regio posterior do lobo frontal esquerdo. A descoberta de Broca representou uma

    reformulao da frenologia e iniciou grande esforo no sentido de identificar regies

    corticais associadas a comportamentos especficos. Em 1876 Karl Wernicke

    descreveu um tipo de afasia contrrio ao estudado por Broca: seus pacientes

    apresentavam a fala preservada, mas eram incapazes de compreender a linguagem

    falada ou escrita. Dessa vez, a leso foi identificada na poro posterior do lobo

    temporal esquerdo. Wernicke props que as funes mentais mais bsicas estavam

    localizadas em reas especficas do crebro mas funes mais complexas resultavam

    de interconexes entre diversas reas funcionais (Kaitaro 2001; Kandel 2000c).

    Apesar do acmulo de evidncias em favor da existncia de reas cerebrais

    funcionalmente distintas, a teoria de campo-agregado dominou o pensamento

    experimental e a prtica clnica na primeira metade do sculo XX (Kandel 2000a).

    Paralelamente, o desenvolvimento de meios experimentais simples para o estudo do

    aprendizado e da memria no incio do sculo passado, em particular por Ivan

    Pavlov, levou a criao de uma escola rigorosamente emprica da psicologia

    denominada behaviorismo. Na dcada de 1950 o behaviorismoatingiu o pice de seu

    desenvolvimento com os trabalhos de J. B. Watson e B. F. Skinner. Os behavioristas

    defendiam que o estudo do comportamento deveria focar-se em seus aspectos

    observveis, sendo os processo mentais irrelevantes ou mesmo inexistentes. A

    psicologia cognitiva surgiu na dcada de 1960 como resposta a proposta radical do

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    Reviso da Literatura 10

    behaviorismo, e defendia que o conhecimento sobre os processos mentais so

    passveis de abordagem cientfica.

    Segundo Kandel (2000c), a neurocincia uma abordagem de estudo da

    atividade mental que emergiu da sntese entre a psicologia cognitiva,

    neuropsicologia, fisiologia do sistema nervoso, da neuroimagem e da modelagem

    matemtica e computacional. A concepo propriamente neurocientfica da

    localizao das funes mentais no crebro surgiu dessa sntese. Na formulao de

    Luria, os processos mentais no podem ser prescritos a faculdades isoladas e

    indivisveis e, portanto, no podem ser funesdiretas de um determinado grupo de

    clulas nem podem estar localizadasem uma rea cerebral particular (Luria 1973).

    Similar viso de Luria, Kandel afirma que a difcil tarefa da pesquisa em

    neurocincias demonstrar quais componentes de uma operao mental so

    representados por uma regio ou via neural particular (Kandel 2000a). Essa

    demonstrao deve ser precedida pela anlise sistemtica das funes mentais,

    derivando-se seus componentes passveis de teste. Na verdade, os processos mentais

    so compostos por numerosos componentes de processamento de informaes

    diferentes e mesmo a tarefa mais simples requer a coordenao de vrias reas

    cerebrais distintas. Ainda segundo Kandel, apenas na dcada de 1990, com a

    convergncia da psicologia cognitiva com as cincias do crebro, avanos no

    conhecimento da localizao dos processos mentais foram possveis (Kandel 2000a).

    O surgimento dos mtodos de neuroimagem contribuiu sobremaneira para esse

    avano recente no conhecimento das bases neurais dos processos mentais.

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    Reviso da Literatura 11

    3.1.2 O surgimento da RMf

    Em 1937 Isidor Rabi props que se a freqncia de um campo magntico

    oscilante fosse igualada freqncia de spin do ncleo atmico, esse ncleo

    absorveria a energia do campo magntico. Em 1946, dois grupos independentes, o de

    Flix Bloch e o de Edward Purcell, desenvolveram um mtodo para a medida do

    momento angular do ncleo atmico em substncias slidas. Os atuais aparelhos de

    imagem por ressonncia magntica compartilham os mesmos elementos bsicos do

    aparato utilizado por Bloch, ou seja, um campo magntico esttico forte, associados

    a uma srie de campos eltricos variveis e a um detector. A energia do campo

    magntico oscilante, que depende de sua freqncia, absorvida pelo ncleo atmico

    do hidrognio e, em seguida, emitida. A energia emitida depende do tipo e do

    nmero de ncleos presentes, permitindo a diferenciao dos tecidos biolgicos.

    A flexibilidade e segurana das tcnicas de imagem por ressonncia

    magntica so caractersticas determinantes para sua crescente utilizao tanto em

    cincias bsicas quanto na rotina clnica. Iniciada na dcada de 1970, a aplicao

    clnica das tcnicas de imagem estruturais por ressonncia magntica expandiu-se e

    consolidou-se na dcada de 1980. Concomitantemente, aumentava rapidamente o

    interesse na produo de imagens funcionais do crebro, principalmente graas a

    evoluo da tcnica de tomografia por emisso de psitron (PET). Essa tcnica

    tomogrfica baseia-se na radiao emitida por um grupo de istopos. Durante a

    dcada de 1970 foram realizadas as primeiras medidas quantitativas da taxa

    metablica cerebral regional de oxignio (rCMRO2), do fluxo sanguneo cerebral

    (rCBF) e do volume sanguneo cerebral (rCBV) utilizando injees intracarotdeas

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    Reviso da Literatura 12

    de radiotraadores. Os primeiros mapeamentos funcionais cerebrais com PET

    utilizavam como traador o 18F-2-fluor-2-desoxi-D-glicose (FDG), que permite o

    estudo do metabolismo local de glicose. A meia-vida relativamente alta do FDG e as

    limitaes na velocidade de aquisio dos dados levaram a uma mudana do foco

    dos experimentos de PET para a mensurao do fluxo sanguneo cerebral, utilizando

    H215O como traador. Com o desenvolvimento de aparelhos de PET capazes de

    detectar as altas taxas de contagem associadas ao 15O, tornou-se possvel a aquisio

    de mapas funcionais do crebro baseados na variao do fluxo sanguneo regional

    (rCBF).

    Em 1991 Belliveau, et al. produziram um mapa funcional do crtex visual

    humano utilizando imagem por ressonncia magntica anlogo aos mapas obtidos

    por PET. A variao local de volume sanguneo cerebral no crtex visual foi

    observada aps injeo de cido dietilinotriaminopentactico gadolnio ou

    Gd(DTPA). A necessidade de injeo intravenosa de contraste limitava a resoluo

    temporal e a aplicabilidade desse mtodo. Tambm no incio da dcada de 1990,

    Siege Ogawa e colaboradores observaram que a presena de desoxi-hemoglobina

    diminua o sinal observado na imagem por RM em estudos com animais (Ogawa e

    Lee 1990; Ogawa, et al. 1990a; Ogawa, et al. 1990b). Esse trabalho baseou-se em um

    fenmeno descrito por Linus Pauling e Charles Coryell em 1936. Redescoberto por

    Thulborn, et al. (1982), o fenmeno descrito por Pauling e Coryell a diminuio da

    susceptibilidade magntica do sangue desoxigenado em comparao com o sangue

    oxigenado. O trabalho pioneiro de Ogawa demonstrou, em animais experimentais,

    que a desoxi-hemoglobina poderia ser utilizada como um contraste intrnseco,

    eliminando a necessidade de injees intravenosas para os estudos funcionais.

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    Reviso da Literatura 13

    Ogawa denominou esse efeito como contraste dependente da oxigenao sangunea

    ou BOLD.

    Os primeiros mapas funcionais utilizando a tcnica de RMf baseada em efeito

    BOLD em humanos foram publicados em 1992 por grupos independentes: o de

    Bandettini (1992), o do prprio Ogawa (1992) e o de Kwong (1992). Algumas

    vantagens com relao ao PET impulsionaram a utilizao da RMf nos estudos

    funcionais do crebro (Raichle 2000): maiores resolues temporal e espacial que o

    PET, prescindir da aplicao intravenosa de traadores radioativos e maior

    disponibilidade de aparelhos de ressonncia magntica em relao ao PET-scan.

    Outra vantagem importante com relao ao PET foi a possibilidade de

    implementao de paradigmas relacionados a eventos em RMf, surgida no final da

    dcada de 1990. Esse tipo de paradigma permite a aplicao das estratgias mais

    sofisticadas das cincias cognitivas e evita fontes de confuso em experimentos em

    bloco, tais como aprendizagem e habituao. Por essas caractersticas a RMf tornou-

    se, atualmente, ferramenta imprescindvel para a pesquisa em diversos campos da

    neurocincia. Vale ressaltar, no entanto, que as tcnicas de neuroimagem no

    produzem mapas cerebrais de funes no sentido frenolgico. No contexto mais

    geral da neurocincia cognitiva, a tarefa da neuroimagem funcional identificar as

    regies cerebrais associadas com a performance de uma tarefa bem definida, por

    meio de um desenho experimental adequado.

    3.1.3 A tcnica de RMf

    A variao do sinal de ressonncia magntica com a ativao cerebral que

    caracteriza o efeito BOLD sutil. Em campo de 1,5 T essa variao de apenas 2 a

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    Reviso da Literatura 14

    4% da linha de base do sinal. Esse nvel de contraste pequeno com relao aos

    contrastes entre tecidos e, portanto, a ativao s pode ser detectada observando-se

    mudanas que se repetem no tempo, em um mesmo ponto no crebro. Para isso, a

    coleta de dados de imagem em um experimento de RMf consiste de uma ou vrias

    sries contnuas de varreduras, cada uma com durao na ordem de segundos. As

    imagens so constitudas de elementos tridimensionais de dimenses predefinidas,

    denominado voxel,palavra derivada de elemento de volume. Estes voxis compem

    um plano (aquisio bidimensional) e um conjunto de planos (imagens) compem

    um volume. Os dados adquiridos so armazenados com uma srie temporal de

    volumes.

    Classicamente, os experimentos de RMf envolvem a realizao de uma

    tarefa, que pode ser receptiva ou reativa. O objetivo da aplicao da tarefa isolar

    um conjunto particular de funes neurais. O modo de organizao das tarefas

    durante um experimento denominado paradigma ou desenho experimental. O

    experimento de RMf pode no envolver a realizao de uma tarefa. Quando

    nenhuma tarefa realizada o experimento dito em estado de repouso (resting

    state)(Patterson, et al. 2002; Raichle, et al. 2001).

    A maneira como o estmulo apresentado nos experimentos de RMf varia.

    As principais formas de apresentao dos estmulos so em bloco, relacionados a

    eventos, relacionados a eventos rpidos, mistos ou dirigidos pelo comportamento. No

    paradigma em bloco, o estmulo apresentado de maneira a manter o engajamento

    cognitivo em determinada tarefa por uma durao geralmente da ordem 10 a 30

    segundos, alternadamente com a apresentao de outra condio por perodos

    semelhantes.

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    Reviso da Literatura 15

    A maior resoluo temporal da RMf com relao a PET permitiu o

    desenvolvimento de estudos do tipo relacionados a eventos. O tempo de apresentao

    do estmulo nesse desenho experimental mais curto que no desenho em bloco,

    permitindo a anlise mais acurada dos correlatos neurais de comportamentos

    especficos. Entretanto, a durao dos experimentos relacionados a eventos maior

    que a dos experimentos em bloco j que o poder estatstico menor graas

    variabilidade da resposta hemodinmica. Quando o intervalo entre estmulos

    suficientemente curto para que haja sobreposio entre as respostas BOLD geradas

    pelos estmulos, o paradigma denomidado rapidamente relacionado a eventos. Esse

    experimentos so similares aos classicamente utilizados em neuropsicologia e em

    psicologia cognitiva. No entanto, as no-linearidades do efeito BOLD dificultam a

    anlise estatstica desses experimentos.

    Aps a aquisio, os dados so analisados com o objetivo de encontrar as

    mudanas no sinal de RM que se correlacionam tarefa. Antes, porm, uma srie de

    etapas de pr-processamento dos dados comumente realizada, incluindo a correo

    de artefatos gerados pela movimentao da cabea, correo de tendncias das sries

    temporais, aplicao de filtro espacial, entre outras. A anlise estatstica

    propriamente dita geralmente baseia-se no modelo linear geral (GLM). As sries

    temporais do sinal de ressonncia magntica so submetidos a uma regresso

    mltipla com a convoluo entre os estmulos apresentados e uma funo de reposta

    hemodinmica (HRF). Os parmetros do modelo linear so submetidos a teste

    estatstico com um limiar escolhido, produzindo-se o mapa funcional (Friston 2002).

    Posteriormente, os mapas funcionais podem ser coregistrados a um mapa padro.

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    Reviso da Literatura 16

    A utilizao da RMf baseada no efeito BOLD na pesquisa bem

    determinada, mas seu uso para a prtica clnica ainda incipiente (Matthews, et al.

    2006). O mapeamento de funes cerebrais em regies passveis de resseco

    cirrgica a aplicao clnica da RMf melhor estabelecida, sendo que nos Estados

    Unidos o Food and Drug Admnistration incluiu seu uso em janeiro de 2007 passvel

    de remunerao pelo Medicare Americano (Current Procedural Terminology: CPT

    70555, 96020 - http://www.ama-assn.org). No Brasil a 5 edio da Classificao

    Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Mdicos, de setembro de 2008, inclui o

    item 4.11.01.04-9: Estudo funcional (mapeamento cortical por RM) como passvel

    de remunerao e com valor estipulado

    (http://www.amb.org.br/teste/cbhpm_5a.html). A RMf tambm uma alternativa

    interessante ao mapeamento eletrofisiolgico do crtex em pacientes com epilepsia.

    Alm dessas aplicaes, a RMf poder ser aplicada no entendimento mais apurado

    de vrios distrbios mentais e cognitivos. No entanto, os avanos no uso clnico da

    RMf dependem da abordagem adequada de vrios aspectos limitantes na aquisio,

    anlise e interpretao do exame.

    3.2 O efeito BOLD: condies de linearidade e seus desvios

    3.2.1 O efeito BOLD

    O efeito BOLD , primordialmente, uma medida do contedo de desoxi-

    hemoglobina em determinado voxel. Portanto, o efeito BOLD no uma medida

    direta da atividade neural, mas sim de efeitos hemodinmicos e metablicos

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    Reviso da Literatura 17

    secundrios s atividades eltricas de conjuntos de neurnios. Logothetis, et al.

    (2001) demonstraram que o efeito BOLD est relacionado a medidas de atividade

    eltrica de conjuntos de neurnios. Mas a cadeia de eventos que ligam a atividade

    neural ao efeito BOLD ainda no foi completamente esclarecida, sendo seu

    conhecimento essencial para o avano da tcnica.

    A figura 1 ilustra uma curva tpica de resposta hemodinmica obtida em um

    voxel do crtex visual primrio aps a apresentao de um estmulo visual simples

    (Huettel e McCarthy 2004). Geralmente, um intervalo de meio a trs segundos entre

    o incio do estmulo e o incio da resposta hemodinmica observado. Em certas

    situaes experimentais, uma queda inicial do sinal abaixo da linha de base

    descrita, mas esse efeito no consistente. A amplitude dessa queda muito menor

    que os demais comportamentos transitrios da resposta hemodinmica. Um pico de

    variao positiva de sinal atingido aproximadamente 5 segundos aps o incio do

    estmulo, seguindo-se uma queda um pouco mais lenta, com o sinal atingindo a linha

    de base em aproximadamente 10 segundos. Segue-se uma resposta negativa

    (undershoot) ainda mais lenta, que dura cerca de 15 segundos (Chen, et al. 1998).

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    Reviso da Literatura 18

    Figura 1 Caractersticas bsicas da curva de resposta hemodinmica. A curvatpica de efeito BOLD apresenta um atraso no incio da respostas com relao apresentao do estmulo ou atividade neural, geralmente da ordem de um a cincosegundos. Uma diminuio do sinal magntico abaixo da linha de base (initial dip),

    presumivelmente devido a um aumento rpido do contedo local de desoxi-hemoglobina observado em condies especiais. Segue-se um aumento rpido dosinal, atingindo o valor mximo em tempos variveis dependendo de condiesexperimentais como o tempo de apresentao do estmulo. O retorno do sinal linhade base usualmente mais lento que a poro ascendente da curva. Alm disso,frequentemente observa-se um sinal negativo (undershoot) aps o retorno do sinal alinha de base com durao total da ordem de dezenas de segundos (geralmente entre20 e 30 segundos). Adaptado de Huettel e McCarthy (2004)

    Um estmulo pode evocar mudanas funcionais ou estruturais no sistema

    nervoso central em muitas escalas temporais diferentes, de milisegundos a dias.

    Apesar desse enorme domnio de escalas temporais, a maioria dos estudos

    psicolgicos destina-se a processos cognitivos da ordem de segundos, uma escala

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    Reviso da Literatura 19

    temporal compatvel com a RMf. A aplicabilidade dos experimentos de RMf para os

    estudos de processos neurais de diferentes escalas temporais , de certa forma,

    limitada pelo curso temporal do efeito BOLD.

    Observadas certas condies, explicitadas a seguir, a amplitude da resposta

    BOLD aumenta com a durao do estmulo e, para uma mesma durao de estmulo,

    a curva BOLD de diferentes reas cerebrais pode diferir tanto em amplitude quanto

    em curso temporal. Essa variao na forma do BOLD observada entre diferentes

    reas pode refletir diferenas na atividade neural de processamento do estmulo, na

    atividade metablica, ou na resposta hemodinmica, como variao de fluxo (rCBF)

    e volume sanguneos (rCBV) (Buxton, et al. 2004).

    A determinao do tempo absoluto de processamento neural a partir do efeito

    BOLD difcil uma vez que tanto a atividade neural quanto a resposta

    hemodinmica contribuem para a dinmica desse efeito (Huettel e McCarthy 2004).

    No entanto, paradigmas experimentais que geram estimativas dos tempos relativos

    de processamento entre reas cerebrais foram propostos (Bellgowan, et al. 2003;

    Ogawa, et al. 2000). Esses paradigmas utilizam diferenas de latncia na resposta na

    ordem de milisegundos. Mas as diferenas de latncia podem refletir mudanas na

    resposta vascular e no necessariamente mapeiam o tempo relativo de processamento

    neural.

    Alm de variar entre diferentes reas cerebrais, a forma da curva BOLD

    observada varia significativamente entre indivduos (Aguirre, et al. 1998;

    Handwerker, et al. 2004), entre diferentes experimentos com o mesmo indivduo

    (Costafreda, et al. 2007) e em funo das caractersticas elementares do estmulo,

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    Reviso da Literatura 20

    como durao e contraste, e com o intervalo entre estmulos (Aguirre, et al. 1998;

    Birn e Bandettini 2005; Birn, et al. 2001). Essa variabilidade pode comprometer a

    anlise estatstica convencional dos dados de RMf e adicionar fatores de confuso na

    interpretao dos resultados experimentais. Para o tratamento mais adequado das

    variaes da reposta BOLD, utiliza-se a idia de no-linearidade. No mbito dos

    estudos de RMf, a palavra linearidade expressa conceitos distintos: o modelo linear

    geral, o modelo estatstico mais utilizado para a anlise dos dados de RMf; os

    comportamento transitrios da funo de resposta BOLD, como o undershoot, que

    diferem da forma retangular da funo de estmulo; ou a violao da resposta

    observada das propriedades de um sistema linear invariante no tempo. De maneira

    geral, um sistema considerado linear e invariante no tempo quando apresenta as

    seguintes propriedades:

    (i) Propriedade de Escala Se um estmulo u produz uma resposta de

    amplitudes, ento um estmulo de intensidadea.uproduz um respostaa.s.

    (ii) Propriedade de Sobreposio A resposta total a dois ou mais estmulos

    u1,u2...un dada pela soma das respostas individuaiss1+s2+...+sn.

    (iii) Invarincia no tempo As resposta a estmulos iguais em momentos

    distintos so iguais.

    No-linearidade, na presente tese, definida como o no cumprimento de

    qualquer das propriedades acima.

    3.2.2 - Linearidade do efeito BOLD e seus desvios

  • 7/23/2019 Tese Doutorado - Claudinei Eduardo Biazoli Junior

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    Reviso da Literatura 21

    A caracterizao das no-linearidades do efeito BOLD de acordo com o

    tempo de apresentao, contrastes e posio temporal dos estmulos foi objeto de

    diversos estudos (Birn e Bandettini 2005; Birn, et al. 2001; Friston, et al. 2000;

    Vazquez e Noll 1998). Varios mtodos de estimatio e quantificao das no-

    linearidades do efeito BOLD foram utilizados e englobam desde o erro de estimativa

    de um modelo linear at mtodos matemticos sofisticados. Caracteristicamente,

    esses mtodos independem dos mecanismos fisiolgicos subjacentes resposta

    BOLD.

    Em um estudo pioneiro do efeito da variao da durao e do contraste de

    estmulos visuais sobre a resposta BOLD observada no crtex visual primrio,

    observou-se que a amplitude dessa resposta era maior para contrastes maiores e que a

    forma da curva se mantinha, em acordo com a propriedade de escala (Boynton, et al.

    1996). Alm disso, a resposta a estmulos longos podia ser predita pela soma das

    respostas a mltiplos estmulos curtos, ou seja, o sistema obedecia propriedade de

    sobreposio. Respostas a estmulos com durao menor que 3 segundos, no entanto,

    superestimavam a amplitude das repostas mais longas. Ao contrrio desse primeiro

    estudo, que utilizou um paradigma em bloco, Dale e Buckner (1997), utilizando um

    paradigma relacionado a eventos, observaram que a resposta BOLD aumentava

    linearmente com a durao dos estmulos, desde que o intervalo entre estmulos fosse

    suficientemente grande (Huettel e McCarthy 2004) . Quando os intervalos entre

    estmulos eram de 2 segundos, a resposta ao segundo estmulo apresentava menor

    amplitude e maior latncia. Uma hiptese aventada para esse fenmeno foi a

    existncia de um perodo refratrio da resposta BOLD durante o qual estmulos

    eliciariam respostas hemodinmicas ou neurais menores. Huettel e McCarthy (2000;

  • 7/23/2019 Tese Doutorado - Claudinei Eduardo Biazoli Junior

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    Reviso da Literatura 22

    2001) observaram que a resposta ao segundo estmulo de um par de estmulos visuais

    era reduzida em cerca de 40% com aumento de latncia de 1 segundo com relao a

    resposta ao primeiro estmulo quando o intervalo entre estmulos era de 1 segundo.

    Quando o intervalo entre estmulos era de 6 segundos, a resposta ao segundo

    estmulo voltava a ser semelhante a do primeiro estmulo, o que levou a estimar-se

    que o perodo refratrio dura entre 4 e 6 segundos. Zhang, et al. (2008), utilizando

    estmulos visuais ultra-curtos (10 milisegundos) pareados com intervalo entre

    estmulos variveis (1, 2, 4, 6 e 8 segundos), obtiveram resultados semelhantes aos

    de Huettel e McCarthy quanto ao valores do perodo refratrio e latncia da resposta

    BOLD.

    Robson, et al. (1998) examinaram a resposta BOLD a estmulos auditivos

    com durao na faixa de 100 ms a 25.5 s e observaram que, para estmulos menores

    que 6 s, quanto menor a durao destes, maior o erro na predio da resposta a um

    estmulo de durao longa (maior o desvio propriedade de sobreposio). Vazquez

    e Noll (1998) reportaram resultados semelhantes para estmulos visuais, que

    apresentaram no-linearidades substanciais para estmulos menores que 4 s ou com

    contraste menor que 40%. Em acordo com os estudos anteriores, estmulos mais

    curtos eliciaram respostas BOLD de amplitude maior e durao menor que a predita

    por um modelo linear.

    Como a prpria forma da curva BOLD (sua amplitude, latncia e durao),

    suas no-linearidades tambm variam espacialmente no encfalo, tanto entre voxis

    de diferentes reas quanto entre voxis de uma mesma rea. Birn, et al. (2001)

    utilizaram estmulos visuais e tarefa motora simples (finger tapping) em paradigmas

    em bloco com duraes variveis para determinar a distribuio espacial das no-

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    Reviso da Literatura 23

    linearidades do efeito BOLD. O valor das no-linearidades foi calculado pelo erro da

    estimativa da resposta a estmulos longos pela resposta a estmulos mais curtos,

    voxel a voxel. Esse valor variou de prximo a 1, isto , respostas aproximadamente

    lineares, at desvios de 10 vezes com relao ao predito. Nesse mesmo estudo, as

    reas motoras apresentaram diferentes padres de no-linearidades: as respostas da

    rea suplementar motora apresentaram a mesma amplitude para as diferentes

    duraes de estmulo e desvios de at 8 vezes da previso linear; a rea motora

    primria apresentou desvios de at 4 vezes para os estmulos de menor durao, mas

    a amplitude da resposta era diretamente proporcional durao da tarefa. A

    dependncia espacial e especificidade tecidual das no-linearidades do efeito BOLD

    foram estudadas para estmulos menores que 2 segundos em 4 T e 7 T (Pfeuffer, et

    al. 2003). As no-linearidades variaram com o valor do campo magntico principal,

    sendo significativamente maiores para o campo de 4 T com relao ao de 7 T e para

    vxeis na substncia cinzenta.

    O grau de contribuies diferenciais da resposta hemodinmica (variaes de

    rCBF, rCMRO2 e rCBV) e da resposta neural (maior ativao no incio da

    apresentao do estmulo que no equilbrio) para a gnese das no-linearidades do

    efeito BOLD uma questo em aberto. Semelhanas entre no-linearidades da

    atividade neural e do efeito BOLD foram observadas (Bandettini e Ungerleider

    2001), sugerindo a origem neural desses fenmenos. Por outro lado, Obata, et al.

    (2004), adquirindo mapas de efeito BOLD e de fluxo simultaneamente pela tcnica

    de ASL, observaram diferenas entre as no-linearidades do fluxo e do BOLD,

    sugerindo uma origem puramente vascular para o fenmeno. Tambm sugerindo

    uma origem puramente vascular para as no-linearidades, Zhang, et al. (2008)

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    Reviso da Literatura 24

    observaram que atividades neurais presumivelmente invariveis (a estmulos visuais

    de 10 milisegundos) eliciam respostas BOLD dependentes do intervalo entre

    estmulos. Alm disso, esses autores observaram que as no-linearidades tornam-se

    menos significativas quando se excluem voxis correspondentes a grandes vasos,

    sugerindo uma contribuio preponderante da resposta hemodinmica desses vasos

    para a gnese das no-linearidades. J Gu, et al. (2005), utilizando VASO, uma

    tcnica capaz de medir BOLD, rCBV e rCBF simultaneamente, reportaram no-

    linearidades semelhantes entre fluxo e volume e maiores desvios da linearidade da

    curva BOLD para estmulos visuais menores que 4 s, sugerindo a origem mista, tanto

    vascular quanto neural, das no-linearidades.

    Os estudos consistentemente demonstram no-linearidades do efeito BOLD

    para duraes de estmulo ou intervalos entre estmulos menores que 4 a 6 s.

    Yesilyurt, et al. (2008) investigaram as no-linearidades do efeito BOLD para

    estmulos visuais de 5 a 1000 ms com diferentes graus de luminncia. Mesmo

    estmulos da ordem de 5 ms eliciaram resposta BOLD detectvel e a amplitude da

    resposta para estmulos de 1000 ms foi apenas duas vezes maior que aquela para

    estmulos de 5 ms. As no-linearidades tambm dependeram da intensidade do

    estmulo visual, sugerindo que outros parmetros da apresentao de estmulos

    tambm correlacionam-se a respostas BOLD no-lineares. Birn e Bandettini (2005)

    demonstraram que as no-linearidades da resposta BOLD dependem da frao de

    tempo da apresentao de estmulo versos estado de repouso em um paradigma

    relacionado a eventos randomizado. Observaram ainda que a modulao do tempo de

    retirada do estmulo produz uma queda do sinal menor que a predita por um sistema

    linear quando a retirada breve.

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    Reviso da Literatura 25

    A caracterizao das no-linearidades do efeito BOLD apresentada nessa

    seo baseia-se em mtodos independentes dos fenmenos fsicos e fisiolgicos que

    geram o efeito BOLD. Mas a determinao da natureza dessas no-linearidades,

    especialmente a quantificao diferencial das provveis contribuies de

    mecanismos neurais e vasculares s pode ser obtido por mtodos ou modelos

    biofisicamente plausveis. Apresenta-se, a seguir, as bases fsicas e fisiolgicas do

    efeito BOLD e os modelos tericos e formalizados que buscam integrar os diversos

    passos do processo que gera o efeito BOLD.

    3.3 Bases fsicas do efeito BOLD

    O fenmeno de ressonncia magntica nuclear um fenmeno quntico.

    Apesar disso, a descrio em termos de mecnica clssica desse fenmeno oferece

    uma visualizao dos processos fsicos subjacentes e guarda certas analogias com o

    tratamento quntico do problema. A descrio clssica foi utilizada na elaborao

    dos modelos matemticos dos fenmenos fsicos que descrevem o sinal BOLD a

    partir da variao local de desoxi-hemoglobina.

    O ncleos de hidrognio das molculas que formam os tecidos possuem um

    momento magntico (spin). Esses ncleos podem ser descritos classicamente como

    pequenos magnetos ou ims que giram em torno de um eixo. Os ncleos podem

    tambm ser representados por vetores de magnetizao cuja soma resulta em uma

    magnetizao media do tecido. Em condies normais e no equilbrio essa

    magnetizao media nula nos tecidos biolgicos porque os vetores de

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    Reviso da Literatura 26

    magnetizao esto distribudos randomicamente e anulam-se mutamente. No campo

    magntico principal do aparelho de RM (contnuo e de alta intensidade), os tecidos

    se tornam magnetizados porque alguns dos vetores de magnetizao alinham-se

    direo do campo. A direo do campo denominada eixo longitudinal ou eixo z.

    Os vetores de magnetizao tambm descrevem um movimento de precesso

    em torno do eixo z, com uma freqncia que proporcional intensidade do campo

    magntico. Inicialmente, as precesses de diferente ncleos esto fora de fase. Isso

    faz com que no haja magnetizao no plano perpendicular ao eixo z, chamado plano

    transverso. Para obter-se o sinal de RM os tecidos so temporariamente submetidos a

    um pulso de ondas eletromagnticas cuja freqncia a mesma da de precesso dos

    ncleos de hidrognio (freqncia de ressonncia). Esse pulso faz com as precesses

    entrem em fase e aumenta o ngulo do cone de precesso com centro no eixo z.

    Com isso a magnetizao longitudinal diminui e surge uma magnetizao resultante

    no plano transverso. Os ncleos com precesso em fase so ditos excitados. Quando

    os ncleos excitados voltam ao seu estado original (relaxado) o tecido emite uma

    onda eletromagntica. A relaxao pode ser dividida em dois processos, a relaxao

    longitudinal (spin-lattice) e a relaxao transversa (spin-spin).

    Esse mesmo cenrio pode ser descrito em termos das variaes da energia

    quantizada do sistema. Tomando-se uma amostra de tecido (formado

    preponderantemente por molculas de gua) na qual todos os spinsdos eltrons esto

    balanceados, as molculas tero um pequeno momento magntico devido ao ncleo

    do hidrognio. Quando a amostra exposta a um campo magntico B h dois estados

    de energia possveis para os prtons (ncleos de hidrognio tm spin 1/2), paralelo e

    anti-paralelo ao campo. Se a amostra estiver em equilbrio trmico, ocorre um

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    Reviso da Literatura 27

    pequeno desbalano com uma maior quantidade de prtons no estado de menor

    energia, ou seja, com o momento magntico na mesma direo e sentido do campo

    B. Se essa mesma amostra de gua for exposta a um campo magntico que oscila

    com uma freqncia determinada , esse campo induzir transies entre os estados

    de energia. Como h mais prtons no estado de menor energia, o resultado ser uma

    absoro de energia do campo pelos prtons (Feynman 1964). Essa absoro de

    energia observada somente quando a freqncia do campo oscilante for igual a

    freqncia de ressonncia do prton, ou seja, quando

    , (I)

    onde a freqncia de ressonncia, uma constante (fator de Land),

    a intensidade do campo magntico, e so a carga e a massa do prton,

    respectivamente (Feynman 1964).

    3.3.1 Aquisio de imagens por RM

    A base da produo de imagens por RM o fato de que a freqncia de

    ressonncia do prton proporcional ao campo magntico local B, conforme a

    equao I que pode ser escrita como

    , (II)

    onde g e so constantes que representam o fator de Land e a razo

    giromagntica, respectivamente. Um campo magntico que varie linearmente em um

    dado eixo faz com que a freqncia de ressonncia tambm varie linearmente com a

    posio no eixo. O campo magntico linearmente varivel denominado gradiente

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    Reviso da Literatura 28

    de campo e utilizado na codificao de informao sobre a distribuio espacial do

    sinal de ressonncia magntica. A aplicao de pulsos de radiofreqncia (RF) muda

    a magnetizao do eixo longitudinal, criada pelo campo magntico principal, para o

    plano transverso (excitao). Pulsos de RF podem tambm ser usados como pulso de

    refocagem, criando ecos de sinais prvios. Seqncias de pulso so construdas pela

    combinao entre pulsos de RF e pulsos de gradientes de campo (Figura 2).

    Geralmente, a primeira etapa na aquisio de imagens por RM a aplicao

    de um pulso de RF que seleciona um corte do objeto, ou seja, cria magnetizao

    em um dado plano (Huettel e McCarthy 2004). Concomintantemente aplicao

    desse pulso de RF selecionador de corte, um pulso de gradiente aplicado no eixo z,

    perpendicular ao corte, de forma que a freqncia de ressonncia no centro desse

    corte seja . Como o pulso gradiente faz com que a freqncia de ressonncia varie

    com a posio no eixo z, apenas os spins localizados em uma estreita faixa, cujo

    centro o corte selecionado, sero excitados pelo pulso de RF. Esse processo produz

    uma magnetizao transversa de precesso em cada ponto do corte selecionado. Uma

    imagem da distribuio do sinal de RM nesse plano pode ento ser produzida

    (Buxton 2002b).

    Quando o gradiente de campo est ligado, o sinal resultante equivale a

    transformada de Fourier do objeto (S(t) = S(k), sendo S o sinal, k a freqncia e t o

    tempo) e a imagem I(x) pode ser obtida simplesmente aplicando-se a transformada

    de Fourier inversa em S(t). Essa codificao de freqncia mapeia o objeto para uma

    dimenso. Para o mapeamento no plano, geralmente se utiliza uma codificao de

    ngulo de fase para a segunda dimenso. Na codificao por freqncia a medida

    baseia-se no acmulo de diferenas de fase entre spins. Na codificao de fase a

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    Reviso da Literatura 29

    amostragem do espao-k feita ponto a ponto pela aplicao de pulsos de gradiente

    seqenciais de amplitudes crescentes.

    Figura 2 Exemplo de sequncia de pulsos para aquisio de imagem por

    ressonncia magntica. Uma sequncia de pulsos tpica pode ser dividade em trsfases. Na fase de preparao da magnetizao transversa, aplica-se o pulso de radiofreqncia concomitante ao pulso gradiente de seleo de fatia. Logo aps o pulso deRF, o gradiente de codificao de fase ligado. A localizao espacial dos spins noeixo do gradiente de codificao de fase dada por suas freqncias de precesso.Quando esse gradiente desligado, as freqncias dos spins se igualam mas os

    ngulos de fase variam com a posio espacial. Um segundo pulso de RF e um pulsode seleo de corte so aplicados simultaneamente causando a inverso de fase damagnetizao transversa, gerando o eco de spin. Um terceiro gradiente aplicadocriando dependncia da freqncia com a posio do spin durante a fase deamostragem ou coleta do eco de spin. A ltima fase consiste em um intervalo detempo suficiente para a recuperao da magnetizao longitudinal, necessrio para oincio da prxima sequncia de pulsos. Adaptado de Logothetis (2002).

    Imagens em duas dimenses so obtidas pela codificao de freqncia no

    eixo x e de fase no eixo y, sendo que esses processos no sofrem interferncia mtua.

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    Reviso da Literatura 30

    Qualquer imagem bidimensional I(x,y) uma distribuio da magnetizao

    transversa local no plano xy. Para cada ponto (x,y) so necessrios dois nmeros

    para especificar o sinal local que so a magnitude e o ngulo do sinal. Portanto, cada

    ponto em I(x,y) pode ser considerado um nmero complexo e pode ser expresso

    como uma funo S das freqncias espaciais kx e kyno espao-k. De forma mais

    geral, a freqncia k(t) um vetor no espao k que define a localizao amostrada no

    tempo t. Se G(t) o vetor do gradiente de campo total no tempo t, tem-se

    . (III)

    Essa a equao bsica da imagem por RM. Em resumo, a imagem

    tridimensional obtida de trs diferentes maneiras, correspondentes s trs

    dimenses espaciais: seleo de corte no eixo z, codificao de freqncia no eixo x

    e codificao de fase no eixo y (Buxton 2002b) (Figura 2).

    3.3.2 Contrastes e fsica do sinal BOLD

    A aplicao de diferentes sequncias de pulsos de RF e gradiente permitem a

    obteno de imagens por ressonncia magntica baseadas em contrastes entre os

    tecidos. Esses contrastes podem ser divididos em estticos e dinmicos. Contrastes

    estticos so sensveis ao tipo, nmero e propriedades de relaxao dos ncleos

    atmicos em determinada regio enquanto contrastes dinmicos so sensveis ao

    movimento dos ncleos atmicos. Exemplos de contrastes estticos so a densidade

    de prtons, a espectroscopia e os tempos de relaxao T1, T2e T2*. A angiografia por

    RM, imagens ponderadas por difuso ou por perfuso so exemplos de utilizao de

    contrastes dinmicos (Buxton 2002b). Os contrastes podem ainda ser divididos em

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    Reviso da Literatura 31

    endgenos, como o efeito BOLD, e exgenos, como injeo intravenosa de gadolnio-

    DTPA. De especial interesse para o entendimento das bases fsicas do efeito BOLD

    so os mecanismos dos contrastes estticos, mais especificamente de T2*.

    A magnetizao de um sistema de spins pode ser dividida em uma

    componente transversa (Mxy) e uma componente longitudinal (Mz), que decaem

    exponencialmente no tempo aps uma excitao inicial:

    , (IV)

    , (V)

    onde M0representa a magnetizao original, que depende da densidade de

    prtons; T1 e T2 so as constantes de tempo de decaimento da magnetizao

    longitudinal e transversa, respectivamente. As constantes de tempo so

    propriedades que variam com a constituio do tecido biolgico.

    Quando o intervalo entre pulsos de excitao sucessivos, o denominado

    tempo de repetio (TR), no longo o suficiente para permitir a recuperao

    total da magnetizao longitudinal, a magnetizao transversa passa a ser descrita

    por:

    , (VI)

    onde o termo entre parnteses expressa a recuperao incompleta da

    magnetizao longitudinal. Dado o intervalo entre o pulso de excitao e a

    aquisio dos dados do centro do espao-k, denominado tempo de eco (TE), a

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    Reviso da Literatura 32

    equao da magnetizao tranversa pode ser escrita como:

    . (VII)

    Considerando dois tecidos distintos A e B, o contraste entre eles (CAB) a

    diferena entre seus sinais de ressonncia magntica dada por:

    . (VIII)

    A manipulao dos valores de TE e TR permite obter-se os diferentes

    contrastes entre tecidos. Imagens ponderadas em T2so obtidas pela aplicao de

    sequncias de pulso com TE longo. Para minimizar o efeito de T1, um valor de

    TR suficientemente longo deve ser utilizado de forma que seja

    aproximadamente 0 e a equao do contraste fique:

    . (IX)

    Imagens ponderadas em T2 podem ser geradas apenas por sequncias de

    pulso do tipo spin-eco, pois essas permitem interaes spin-spin. A relaxao

    tranversa causada por interaes spin-spin, expressa pela constante temporal T2,

    e por mudanas na freqncia de precesso do spin geradas por no-

    homogeneidades do campo magntico. O efeito combinado desses dois fatores

    representado pela constante temporal T2*, cuja relao quantitativa com T2

    , (X)

    onde T2 reflete o efeito de defasagem causado pela no-homogeneidade do

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    Reviso da Literatura 33

    campo.

    A diminuio da homogeneidade do campo causada por diferenas desusceptibilidade magntica. Quando um corpo colocado em um campo

    magntico B, o campo em dado ponto do objeto no exatamente B. Pelo

    princpio de sobreposio dos campos, o campo resultante em determinado local

    a soma de B com o campo causado pela magnetizao do corpo gerada pela

    tendncia de alinhamento dos momentos magnticos do corpo com o campo

    principal (Feynman 1964). O grau de magnetizao M de um material exposto a

    um campo magntico B define a susceptibilidade magntica desse material:

    . (XI)

    As propriedades magnticas da matria devem-se aos momentos

    magnticos dos eltrons em camadas incompletas dos tomos e de eltrons

    desemparelhados (Guimares 2009). Os materiais so divididos em

    paramagnticos e diamagnticos de acordo com seu comportamento quando

    expostos a uma regio de campo magntico mais intenso. Materiais

    paramagnticos, ao contrrio dos diamagnticos, so atrados pelo campo

    magntico. Materiais diamagnticos apresentam susceptibilidade magntica

    relativamente pequena e negativa. Materiais paramagnticos apresentam

    susceptibilidade magntica positiva (Guimares 2009).

    A diferena de susceptibilidade magntica entre os compartimentos intra e

    extravascular criada pela presena de um contraste paramagntico apenas no

    intravascular cria gradientes de campo magntico microscpicos no tecido. Essa

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    Reviso da Literatura 34

    diminuio da homogeneidade do campo causa diferentes freqncias de

    precesso dos spinse essa perda de fase diminui o sinal medido por gradiente eco

    (GRE), o que descrito como diminuio de T2*. O sinal tambm reduzido pela

    diferena de susceptibilidade magntica em imagens de spin eco (SE) pois a

    difuso atravs dos gradientes de campo microscpicos fazem com que o eco de

    spinseja menos efetivo na refocagem de fase.

    As propriedades magnticas da hemoglobina formam a base biofsica do

    efeito BOLD. Essas propriedades dependem do estado de oxigenao de seus

    quatro grupos heme (Figura 3). Quando ligada a quatro tomos de oxignio, a

    hemoglobina denominada oxi-hemoglobina e tem comportamento

    diamagntico. Quando a hemoglobina no est carreando oxignio, no estado

    denominado desoxi-hemoglobina, os tomos de ferro do grupro heme esto

    expostos e o seu comportamento paramagntico. Como conseqncia, a

    susceptibilidade magntica do sangue varia com seu grau de oxigenao de

    maneira aproximadamente linear (Weisskoff e Kiihne 1992). Como a escala

    espacial da distoro do campo magntico causada pela diferena de

    susceptibilidade magntica entre a desoxi-hemoglobina paramagntica e o meio

    circundante menor que o tamanho do voxel, o sinal nesse voxel reduzido. Em

    outras palavras, a desoxi-hemoglobina causa uma queda do sinal em imagens

    ponderadas em T2* por reduzir a constante de relaxao transversa medida com

    uma sequncia de pulso de GRE (Buxton 2002c).

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    Reviso da Literatura 35

    Figura 3 Estrutura tridimensional da hemoglobina. A hemoglobina umaprotena globular qual ligam-se quatro grupos heme, em verde na figura. Osgrupos heme contm os tomos de ferro que conferem a propriedade de

    paramagnetismo essa molcula na forma desoxigenada. tambm nosgrupamentos heme que liga-se o oxignio (fonte: Protein Structure Database www.ncbi.nlm.nih.gov)

    O contedo de desoxi-hemoglobina nas artrias e arterolas praticamente

    zero e atinge cerca de 40% da concentrao de hemoglobina total nas veias.

    Portanto, a maior diferena de susceptibilidade magntica ocorrer em vxeis que

    contm veias. Mas o sangue nos capilares, onde ocorrem efetivamente as trocas

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    Reviso da Literatura 36

    gasosas entre o sangue e o tecido nervoso, tambm apresentar mudanas

    mensurveis de susceptibilidade magntica.

    A atividade neural causa um aumento do metabolismo oxidativo e,

    consequentemente, da produo local de desoxi-hemoglobina. No entanto, esse

    aumento do contedo de desoxi-hemoglobina muito menor que o aumento do

    fluxo sanguneo regional (rCBF), que tambm acompanha a atividade neural. O

    resultado da interao desses fatores um aumento da oxigenao do sangue de

    capilares e vnulas e, portanto, uma diminuio do contedo de desoxi-

    hemoglobina com relao a linha de base. Como conseqncia da diminuio da

    diferena de susceptibilidade magntica antes causada pela desoxi-hemoglobina,

    o sinal medido em uma imagem ponderada em T2* aumenta. Esse aumento do

    sinal ponderado em T2* foi denominado efeito BOLD por Ogawa e col (Ogawa,

    et al. 1990a).

    Em uma primeira aproximao, a mudana na taxa de relaxao tranversa

    (R2*=1/T2*) associada a diferena de susceptibilidade magntica entre o sangue e

    o tecido depende apenas do volume total de sangue venoso em um voxel, e no

    do tamanho dos vasos que o contm. Entretanto, essa aproximao no vlida

    se considerar-se os efeitos de difuso, isto , da relao entre a taxa de precesso

    do ncleo atmico e o movimento randmico das molculas. O efeito do

    movimento difusional uma diminuio da disperso de fases que, em ltima

    anlise, determina a atenuao medida no tempo TE. Como conseqncia,

    qualquer difuso das molculas de gua reduz o efeito BOLD adquirido em GRE.

    A magnitude do efeito da difuso sobre o sinal de RM depende da distncia

    percorrida pela molcula de gua durante o experimento e da relao entre essa

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    distncia e a extenso das variaes de campo locais. A distncia percorrida

    pelas molculas de gua para intervalos de TE geralmente utilizados em

    experimentos com contraste BOLD maior que o raio do capilar, comparvel ao

    tamanho das vnulas e menor que o raio das veias (Huettel 2004). Portanto,

    haver pouca atenuao do sinal devida a efeitos de difuso no entorno de veias

    mas uma reduo significativa no entorno de capilares. Somando-se o efeito

    dessa atenuao do sinal em vasos menores com a diminuio mais pronunciada

    do contedo de desoxi-hemoglobina nas veias que nos capilares, Buxton et al.

    (2002, 2004) concluiu que experimentos BOLD baseados em GRE so

    primariamente sensveis a veias. Apesar do compartimento intravascular

    representar cerca de 4% do tecido total, os spinsintravasculares apresentam uma

    contribuio comparvel a do extravasculares para a mudana de sinal em

    experimentos BOLD em 1,5 e 3 T (Boxerman, et al. 1995a; Boxerman, et al.

    1995b; Buxton, et al. 1998).

    3.4 Bases fisiolgicas do efeito BOLD

    A fisiologia do efeito BOLD baseia-se em uma complexa relao entre quatro

    parmetros mensurveis: o fluxo sanguneo cerebral regional (rCBF), o volume

    sanguneo cerebral regional (rCBV), a taxa metablica de consumo de glicose

    (rCMRglu), e a taxa metablica de consumo de oxignio (rCMRO2). Esses

    parmetros podem refletir, de maneira indireta e ainda pouco clara, determinados

    aspectos da atividade neural em vias especficas. A dinmica desses parmetros

    produzir a variao transitria do nvel de desoxi-hemoglobina local que o

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    fenmeno primordial do efeito BOLD. As definies desses parmetros variam na

    literatura, principalmente graas a disponibilidade de diferentes mtodos de medida.

    Segundo Buxton (2002), o rCBF definido como a quantidade de sangue que chega

    ao compartimento vascular em um dado volume cerebral e por dado intervalo de

    tempo. Por essa definio, a dimenso da medida de rCBF 1/s. O rCBV definido

    como a razo entre o volume sanguneo e determinado volume de tecido nervoso

    (um voxel, por exemplo) e, portanto, um nmero adimensional (Buxton 2002). A

    taxa metablica de consumo de qualquer substncia pelo tecido nervoso (CMR)

    dada pela diferena entre a concentrao dessa substncia nos compartimentos

    arterial e venoso, ponderada pelo rCBF (Magistretti 2008).

    Um maior aumento do rCBF com relao ao rCMRO2 (Fox and Raichle

    1986; Silva, et al. 1999) , na ordem de 1:2 a 1:6 dependendo do mtodo de

    mensurao desses parmetros, leva a um aumento da oxigenao local e diminuio

    do contedo de desoxi-hemoglobina o que explica o aumento observado do sinal em

    imagens ponderadas em T2* que caracteriza o efeito BOLD. O nmero absoluto de

    molculas de desoxi-hemoglobina, e no sua concentrao, correlaciona-se com a

    variao do sinal magntico (Buxton 2002). A variao do rCBV tambm contribui

    diretamente com o efeito BOLD, de maneira dependente da magnitude do campo

    magntico principal e pelo menos dez vezes menor que a contribuio do contedo

    de desoxi-hemoglobina (Buxton, et al. 2004). Um esquema geral da cadeia desses

    eventos fisiolgicos que geram o efeito BOLD a partir de um dado estmulo est

    ilustrado naFigura4.

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    Figura 4 Diagrama dos mecanismos de gerao do efeito BOLD. A maioria dosmodelos da gerao do efeito BOLD assume os mecanimos fisiolgico sequenciaisilustrados. Estmulos sensoriais ou tarefas especficas eliciam a atividade de umsistema neural tambm especfico (I). A atividade sinptica causa aumento local dofluxo sanguneo e do consumo de oxignio (II). O aumento do fluxo sanguneo, porsua vez, est relacionado ao aumento do volume sanguneo local (III a) e docontedo de oxi-hemoglobina (III-b), aumentando a oferta de oxignio ao tecidoativado. Concomitantemente, o aumento do metabolismo oxidativo pela atividadeneural produz desoxi-hemoglobina (linha pontilhada). Como o aumento de fluxo significativamente maior que o aumento do consumo de oxignio, h umadiminuio resultante do contedo total de desoxi-hemoglobina. O volume sanguneolocal e o contedo de desoxi-hemoglobina determinam o efeito BOLD (IV). (Huettel2004; Buxton, et al. 2004)

    Nesse esquema geral, o mecanismo que leva a variao do sinal magntico

    dividido em cinco passos, a saber: (1) um estmulo ou conjunto de estmulos causa

    uma resposta neural localizada; (2) a atividade neural leva a um aumento do fluxo

    sanguneo local (rCBF); (3) a atividade neural leva tambm a um aumento local do

    consumo metablico de oxignio (rCMRO2); (4) as variaes do rCBF e do rCMRO2

    causam mudanas no volume sanguneo e contedo de desoxi-hemoglobina no

    voxel; (5) a variao do sinal magntico a cada instante funo do volume

    sanguneo e do contedo de desoxi-hemoglobina.

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    3.4.1 Do estmulo atividade neural: correlao com o efeito BOLD

    Diversos fenmenos fisiolgicos e biofsicos sediados nos neurnios so

    denominados atividade neural. Esses fenmenos cobrem uma grande gama de

    escalas temporais e espaciais e incluem os processos metablicos necessrios

    manuteno das clulas em geral, como a sntese protica, processos metablicos

    mais especficos dos neurnios, como transporte de neurotransmissores, atividade

    eltrica por variaes do potencial transmembrana e trasmisso qumica pela fenda

    sinptica (Kandel 2000c). A fisiologia da atividade metablica cerebral revisada na

    seo 3.4.4. Na presente seo revisa-se os fundamentos da atividade eltrica

    cerebral, medidas eletrofisiolgicas e a correlao entre essas medidas e o efeito

    BOLD.

    Os neurnios podem ser divididos em trs compartimentos funcionais: os

    dendritos, o corpo celular e o axnio. O corpo celular, que contm o ncleo celular,

    a sede dos principais processos metablicos do neurnio (Kandel 2000c). Os axnios

    possuem terminaes especializadas no acoplamento qumico ou eltrico entre

    neurnios, as sinapses. Todo neurnio mantm um potencial transmembrana de

    repouso por manuteno de um gradiente eletroqumico pela bomba de sdio e

    potssio eletrognica, sendo negativamente carregado com relao ao meio

    intercelular (Kandel 2000c, Magistretti 2008) . A atividade eltrica neuronal pode ser

    dividida em potenciais ps-sinpticos e potenciais de ao, que so diferentes formas

    de variao do potencial de repouso (Kandel 2000c). O potencial de ao uma

    despolarizao do tipo tudo ou nada, que se inicia em uma regio especializada na

    transio entre corpo celular e axnio e transmitida unidirecionalmente pelo

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    axnio. O potencial de ao pode despolarizar diretamente um segundo neurnio por

    meio de uma sinpse eltrica. Mais frequentemente, porm, o potencial de ao

    causa a liberao de neutransmissores em sinapses qumicas (Kandel 2000c).