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    UMinho|2008

    Universidade do Minho

    Instituto de Educao e Psicologia

    Vtor Manuel Cortinhas Sil

    Estratgias Pedaggicas no Ensino

    de Alunos em Risco de Insucesso

    Escolar: Estudo com Professores do

    Ensino Bsico

    Outubro de 2008

    VtorManuelCortinhasSil

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    Tese de Doutoramento em Educaorea de Especializao em Psicologia da Educao

    Trabalho efectuado sob a orientao doProfessor Doutor Joo Armnio Lamego Lopes

    Universidade do Minho

    Instituto de Educao e Psicologia

    Vtor Manuel Cortinhas Sil

    Estratgias Pedaggicas no Ensino

    de Alunos em Risco de Insucesso

    Escolar: Estudo com Professores do

    Ensino Bsico

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    AUTORIZADA A REPRODUO INTEGRAL DESTA TESE APENAS PARA

    EFEITOS DE INVESTIGAO, MEDIANTE DECLARAO ESCRITA DO

    INTERESSADO, QUE A TAL SE COMPROMETE.

    Universidade do Minho, ___/___/______

    Assinatura: ________________________________________________

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    Agradecimentos

    Desejo expressar o meu mais sincero agradecimento a todos aqueles que tornaram possvel a

    concretizao deste trabalho. Sem o apoio e sem o estmulo que, generosamente, me

    disponibilizaram tal empreendimento no seria uma realidade.

    Agradeo reconhecidamente ao Professor Doutor Joo Lopes, pela forma como sabiamente

    orientou a execuo deste trabalho, pela sua disponibilidade, pela sua preocupao atenta e

    incansvel, pela sua confiana e pelo permanente incentivo que sempre transmitiu ao longo de

    toda a investigao.

    Agradeo a todos os professores do 1 ciclo do ensino bsico que comigo colaboraram

    desinteressadamente e que tornaram possvel a realizao desta investigao.

    Agradeo particularmente ao meu colega e amigo Antnio Soares pela sua amizade e pelo seu

    constante apoio e estmulo.

    Finalmente agradeo a toda a minha famlia, em especial Maria Etelvina, ao ngelo Filipe e

    ao Srgio Miguel, muito obrigado pela vossa pacincia e pela vossa compreenso ao longo de

    todos estes anos. Sem a fora do vosso carinhoso e incondicional apoio tudo seria certamente

    mais difcil.

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    ESTRATGIAS PEDAGGICAS NO ENSINO DE ALUNOS EM RISCO DE INSUCESSO

    ESCOLAR:ESTUDO COM PROFESSORES DO ENSINO BSICO

    Resumo

    Abordar a problemtica do ensino de alunos com baixo rendimento acadmico uma tarefa complexa que

    implica, por um lado, a clarificao do conceito de baixo rendimento acadmico/escolar (tambm denominado

    dificuldades de aprendizagem, sub-rendimento, insucesso, fracasso, etc., e, se aplicado a domnios

    especficos, recebendo designaes como dislexia, incompetncia leitora, dificuldades especficas de

    aprendizagem, entre outras) e, por outro lado, conhecer os modos, os tempos e os ritmos que mais

    plausivelmente se adequaro ao ensino desses alunos.

    O facto de os alunos com baixo rendimento escolar estarem inseridos nas classes regulares remete para o

    professor do ensino regular no apenas a sinalizao dos casos de baixa realizao acadmica, mas

    essencialmente a organizao dos recursos e a implementao das intervenes. o professor da turma quem

    proporciona as respostas adequadas e quem selecciona as estratgias mais eficazes para o ensino desses alunos.

    O professor no dever ter apenas a percepo dos problemas de aprendizagem dos alunos com baixo

    rendimento escolar mas dever tambm demonstrar uma ampla e circunstanciada concepo do processo ensino-

    aprendizagem desses alunos de maneira a poder intervir, atempadamente, com fortes possibilidades de sucesso.

    O presente trabalho tem precisamente como principal objectivo estudar as percepes e prticas de professores

    do 1 ciclo do ensino bsico com alunos com baixo rendimento acadmico. Na parte I apresentamos o

    enquadramento terico e a reviso da literatura especializada no mbito das dificuldades de aprendizagem e dorendimento acadmico e ainda no que respeita interveno em problemas de realizao acadmica. Na parte II

    apresentado um estudo exploratrio com professores do 1 ciclo do ensino bsico, no qual se procura conhecer

    as opinies e as percepes dos professores desse grau de ensino relativamente s dificuldades e aos tipos de

    desempenho dos alunos com baixo rendimento escolar e quais as estratgias que esses professores utilizam para

    ensinarem os referidos alunos. Para tal foram realizadas observaes directas e sistemticas de 26 professores em

    contexto de sala de aula.

    Na sequncia das observaes foram realizadas entrevistas de aprofundamento e esclarecimento com 11 desses

    professores observados. Posteriormente e a partir das observaes e das entrevistas foi construdo um

    questionrio que foi aplicado a 604 professores do 1 ciclo do ensino bsico no exerccio de funes em escolas

    pblicas, tendo por objectivo conhecer as suas opinies e as suas percepes no apenas sobre o estabelecimento

    de procedimentos na interveno pedaggica realizada na sala de aula, mas tambm sobre a utilizao (ou seja,

    saber se utilizam) de estratgias eficientes e adequadas ao ensino dos alunos com baixo rendimento escolar

    inseridos nas classes regulares.

    De uma forma geral os resultados revelaram que os professores percepcionam a importncia e a necessidade de

    implementar estratgias de ensino que proporcionem algum sucesso aos alunos com fraco desempenho

    acadmico, apesar de nem sempre utilizarem e aplicarem essas estratgias nas suas aulas. Os professores

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    evidenciam e referem ainda dificuldades no ensino dos alunos com baixo rendimento escolar, embora procurem

    implementar estratgias adequadas s diversas situaes de risco de insucesso manifestadas por esses alunos.

    Este estudo revelou ainda que os professores identificam e caracterizam as dificuldades demonstradas pelos

    alunos com baixo rendimento escolar nos domnios da leitura, da escrita e da matemtica. Os resultados revelam

    tambm que os professores associam o fraco desempenho nesses domnios s frequentes situaes de insucesso

    escolar desses alunos.Os resultados evidenciaram ainda que os professores manifestaram fortes opinies de concordncia com a

    reteno dos alunos que habitualmente apresentam um fraco desempenho acadmico. Apesar da elevada

    percentagem de professores que est de acordo com a reteno, parece existir uma aparente contradio entre as

    suas opinies e a legislao vigente, o que evidencia um constrangimento profissional destes professores perante

    as transies de ano e/ou de nvel dos alunos com baixa realizao acadmica.

    Os professores consideram fundamental que os alunos com baixo rendimento escolar possam usufruir da ajuda

    de um professor de apoio e de apoio individualizado apesar de reconhecerem a pouca utilizao do mesmo nas

    suas aulas e nas suas prticas.

    Sintetizando, os resultados revelam que os professores nem sempre utilizam as melhores, as mais adequadas e/ou

    as mais eficientes estratgias e instrues de ensino nas intervenes realizadas na sala de aula e dirigidas aos

    alunos com baixo rendimento escolar, isto apesar de reconhecerem a elevada importncia pedaggica e

    instrucional das mesmas no ensino desses alunos.

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    ESTRATGIAS PEDAGGICAS NO ENSINO DE ALUNOS EM RISCO DE INSUCESSO

    ESCOLAR:ESTUDO COM PROFESSORES DO ENSINO BSICO

    Abstract

    The issue of teaching low achieving students is a complex task that implies a clarification of the concept of low

    school or academic achievement (also known as learning difficulties, underachievement, failure, etc. and,

    when applied to specific areas, defined as dyslexia, reading incompetence, specific learning difficulties

    among others) and the knowledge of the way, time and rhythms that more likely produce positive results with

    those students.

    The integration of students with low achievement in regular classes makes teachers responsible not only for the

    identification of cases of low achievement but also, and essentially, for the organization of resources and the

    application of interventions. The main objective of this work is to analyze perceptions and practices of primary

    school teachers with low achievements students. Part I is dedicated to the theoretical framework and a revision

    of literature specialized in learning difficulties and low achievement as well as in intervention in achievement

    problems. In Part II we present a study with primary school teachers in which we try to find out teachers

    perceptions about the main difficulties and developmental pathways of students with low achieving students, as

    well as the strategies used by the teachers to teach these students. In order to do so, 26 teachers were

    systematically and directly observed in classroom context.

    Following these observations, eleven of the teachers were individually interviewed. Afterwards, and on the basis

    of both observations and interviews, a questionnaire was constructed and administered to 604 primary schoolteachers. In order to understand their perceptions about the use of pedagogical interventions with low achieving

    students but also about their effective use.

    Results show that teachers are aware of both the importance and need to carry out effective strategies with low

    achieving students, although they do not always use and apply these strategies in their own classes. Teachers also

    mention that they experience difficulties in teaching low achieving students, despite their attempt and effort to

    put in practice effective strategies

    This study also shows that teachers are quite effective in identifying and characterizing and low achieving

    students difficulties in reading, writing and mathematics. Results also show that teachers associate low

    performances in these areas with the general school failure of these students.

    Results have also made clear that teachers strongly agree with retention as an effective strategy for low achieving

    students. The high proportion of teachers who agree with this practice implies some sort of contradiction

    between their opinions and the current legislation, which encourages students with low achievement to proceed

    to the next level of study. Teachers consider that students with low achievement must benefit of an extra-teacher

    and individualized support but they recognized that does not happen often in their classrooms.

    To sum up, results show that whereas teachers do not always use the best, most adapted and/or most efficient

    strategies and/or classroom practices they are aware of their importance when teaching low achieving students.

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    ndice

    Introduo Geral 1

    Parte I O Estado de Arte sobre os Problemas de Realizao Acadmica Reviso da Literatura 6

    Capitulo Um A Indefinio Conceptual 7

    1. Dificuldades de Aprendizagem Conceitos 71.1.Breve delimitao conceptual do termo Dificuldades de

    Aprendizagem/Learning Disabilities 7

    1.2.Definio das Dificuldades de Aprendizagem 101.2.1. Algumas definies de Dificuldades de Aprendizagem 12

    2. Critrios de determinao 192.1.Identificao e Causas das Dificuldades de Aprendizagem 19

    2.1.1. Identificao das Dificuldades de Aprendizagem 192.1.2. Causas/Etiologia das Dificuldades de Aprendizagem 24

    2.2.Avaliao das Dificuldades de Aprendizagem 282.2.1. Conceitos essenciais 28

    3. Rendimento Acadmico Que conceitos e que perspectivas? 313.1.Compreender o Rendimento Acadmico 313.2.Que critrios de determinao? 363.3.O Baixo Rendimento Escolar 383.4.A Resposta Interveno (RTI) 40

    Captulo Dois Interveno em Problemas de Realizao Acadmica 50

    1. Incidncia fundamental sobre Estratgias de Interveno 501.1.Domnios da Interveno 531.2.Interveno e Estratgias de Ensino 571.3.A melhoria do Desempenho Escolar 60

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    vii

    Parte II Estudo com Professores do Ensino Bsico 77

    Captulo Um Estudo Exploratrio 78

    1. Enquadramento Conceptual 782. Sujeitos 803. Mtodo 84

    3.1.Instrumentos 843.2.Procedimentos 87

    Captulo Dois Apresentao e Discusso dos Resultados 91

    Concluses Gerais 146

    Referncias Bibliogrficas 155

    Anexos 178

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    INTRODUO GERAL

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    Introduo Geral

    A procura de meios pedaggicos que proporcionem adequadas respostas aos problemas de

    aprendizagem dos alunos, particularmente daqueles que apresentam um fraco desempenho

    acadmico e um baixo rendimento escolar, tem sido uma preocupao constante de todos osque se questionam sobre o processo ensino-aprendizagem e sobre o sucesso/insucesso desses

    alunos no contexto educativo actual.

    Solucionar os problemas relacionados com as realizaes escolares dos alunos que

    evidenciam dificuldades de aprendizagem pressupe no apenas um conhecimento da

    situao escolar desses alunos, mas essencialmente a preparao de uma interveno

    educativa eficiente ao nvel da classe /turma.

    Com efeito, as intervenes a desenvolver pelos professores devero evidenciar uma

    adequada escolha das estratgias e das actividades orientadas para a melhoria dascompetncias e das aptides (Fernndez, 2006), procurando distinguir entre o que deve ser

    ensinado ao aluno com baixo rendimento escolar e a forma como lhe deve ser proporcionada

    essa informao (Dockrell & McShane, 2000).

    De facto, a articulao da realidade educativa da sala de aula e da sua organizao pedaggica

    com o desenvolvimento de respostas adequadas s necessidades dos alunos com fraco

    desempenho acadmico, exigem estratgias de ensino diferentes, especficas e eficientes

    (Bender, 2008; Rathvon, 2003; Slavin,1994).

    Perspectivar as concepes dos professores do 1 ciclo do ensino bsico acerca das

    problemticas de aprendizagem dos alunos que apresentam um baixo rendimento acadmico e

    escolar, enfatizando a compreenso das relaes entre o pensamento, as percepes e as

    opinies desses professores e as suas prticas de ensino, so algumas das linhas orientadoras

    desta investigao.

    O presente estudo teve como objectivo fundamental conhecer as opinies e as percepes dos

    professores do 1 ciclo do ensino bsico, em funes docentes em escolas pblicas deste nvel

    de ensino, acerca da utilizao de estratgias pedaggicas no ensino dos alunos com baixo

    rendimento escolar. Pretendemos ainda conhecer as suas percepes e opinies relativamente

    ao nvel do desempenho desses alunos no mbito da aquisio das competncias bsicas de

    leitura, da escrita e da matemtica. Alm disso, procuramos conhecer que tipo de intervenes

    os professores do 1 ciclo do ensino bsico desenvolvem na sala de aula para darem respostas

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    pedaggicas e educativas adequadas s frequentes situaes de insucesso escolar manifestadas

    pelos alunos com baixo rendimento escolar inseridos nas classes/turmas regulares.

    Na primeira parte (Parte I) apresentamos uma viso geral acerca da problemtica da

    realizao acadmica. Assim, procuramos evidenciar aquilo que a literatura especializadasalienta sobre: i) as dificuldades de aprendizagem; ii) o rendimento acadmico e iii) a

    interveno em problemas de realizao acadmica.

    No primeiro captulo procuramos fazer algumas delimitaes conceptuais quer no que

    respeita s dificuldades de aprendizagem, quer ainda sobre o rendimento acadmico. Com

    efeito, procuramos no apenas conceptualizar o termo Dificuldades de

    Aprendizagem/Learning Disabilities mas tambm apresentar algumas definies

    consensuais das Dificuldades de Aprendizagem. Como tal, salientamos aquelas definiesque, pela sua importncia e aceitao junto da comunidade cientfica, tm teorizado no

    apenas as investigaes mas tambm as prticas, os procedimentos e as estratgias de

    interveno no campo das dificuldades de aprendizagem. Abordamos a identificao e as

    causas/etiologia das dificuldades de aprendizagem. Procuramos ainda apontar diferentes

    critrios de determinao e enfatizamos os conceitos essenciais para a avaliao das

    dificuldades de aprendizagem apresentadas pelos alunos no decurso do processo ensino-

    aprendizagem.

    Neste captulo procuramos ainda desenvolver um suporte terico que permita a compreenso

    da problemtica do baixo rendimento acadmico dos alunos. Assim, salientamos alguns

    estudos comparativos internacionais como o TIMSS e o PISA e focalizamos diversos

    conceitos e diferentes perspectivas susceptveis de proporcionar uma melhor compreenso

    desta problemtica. Sublinhamos ainda alguns factores associados eficcia escolar.

    No segundo captulo abordamos as questes da Interveno em Problemas de Realizao

    Acadmica. Com efeito, debruamo-nos sobre os domnios da interveno e sobre as

    estratgias de ensino habitual e frequentemente utilizadas pelos professores, em contexto de

    sala de aula, para incrementar um eficiente desempenho acadmico dos alunos com baixo

    rendimento escolar. De facto, procuramos abordar a importncia evidenciada pela literatura

    no que respeita melhoria do desempenho acadmico dos alunos, particularmente no mbito

    da aquisio das competncias bsicas da leitura, da escrita e da matemtica, cujos padres de

    rendimento identificam, definem e estabelecem no apenas as necessrias intervenes mas

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    tambm a implementao de estratgias pedaggicas adequadas ao ensino dos alunos com

    fraco desempenho escolar.

    Tambm expomos algumas das problemticas relacionadas com a baixa realizao acadmica,

    nomeadamente a questo sempre actual da reteno/promoo social dos alunos com baixo

    rendimento escolar inseridos na escola regular. Neste particular, procuramos no s clarificaralguns conceitos, mas tambm apresentar algumas constataes e algumas taxas comparativas

    dos ndices de reteno nos planos nacional e internacional. Fazemos ainda uma descrio de

    diversas estratgias de ensino passveis de ser implementadas pelos professores nas

    intervenes conducentes modificao do desempenho acadmico dos alunos com baixo

    rendimento escolar inseridos nas classes regulares.

    Na segunda parte (Parte II) apresentamos o Estudo com Professores do Ensino Bsico,

    onde desenvolvemos detalhadamente o estudo emprico realizado.

    No primeiro captulo descrevemos o Estudo Exploratrio que levamos a cabo junto dos

    professores do 1 ciclo do ensino bsico. Com efeito, apresentamos a estrutura e o

    enquadramento conceptual da investigao, expomos as nossas expectativas e definimos os

    objectivos a atingir. Descrevemos e apresentamos a caracterizao dos sujeitos integrantes do

    estudo, com base nos dados biogrficos recolhidos. Fazemos tambm a descrio do mtodo

    utilizado na investigao e apresentamos os instrumentos de recolha de dados. Referimos

    ainda os aspectos procedimentais mais relevantes da investigao.

    No segundo captulo feita a apresentao e a discusso dos resultados obtidos por

    intermdio dos vrios instrumentos de recolha de dados utilizados nos diferentes momentos

    da investigao. Comeamos por apresentar os dados recolhidos junto dos professores do 1

    ciclo do ensino bsico observados e entrevistados, aps o que procuramos fazer a anlise e

    discusso dos resultados extrados das 26 observaes realizadas nas salas de aula e nas

    subsequentes entrevistas a 11 desses professores. Posteriormente feita a apresentao e a

    discusso dos resultados obtidos pelo tratamento e anlise das respostas ao questionrio

    aplicado a uma ampla amostra (n = 604) constituda por professores do 1 ciclo do ensino

    bsico em funes docentes em escolas pblicas integradas em agrupamentos de escolas. Na

    apresentao e subsequente anlise e discusso de resultados procuramos articular e conjugar

    os dados recolhidos com o recurso aos vrios instrumentos de investigao com vista ao

    enriquecimento e robustez do estudo.

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    Finalmente apresentamos as Concluses Gerais decorrentes da anlise e interpretao dos

    resultados obtidos no confronto com a literatura revista na primeira parte do trabalho. A

    apresentao dasReferncias Bibliogrficas utilizadas neste estudo e os Anexos integrantes

    do mesmo so destacados na parte final.

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    PARTE IO ESTADO DE ARTE SOBRE OS

    PROBLEMAS DE REALIZAOACADMICA REVISO DA LITERATURA

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    Parte I O Estado de Arte sobre os Problemas de Realizao Acadmica Reviso da Literatura

    Captulo Um A Indefinio Conceptual

    1 Dificuldades de Aprendizagem Conceitos

    1.1 Breve delimitao conceptual do termo Dificuldades de Aprendizagem/LearningDisabilities

    Apesar de mais de dois sculos passados sobre os primeiros trabalhos realizados no campo da

    frenologia por Joseph Gall (1758-1828), as Dificuldades de Aprendizagem (DA) tm existidocomo sendo um distrbio de difcil definio, sendo apresentadas como uma inesperada

    baixa realizao (Fletcher, Morris & Lyon, 2003), cujo conceito tem sido, historicamente, um

    constructo complexo devido ausncia de uma explicao terica coerente (Hallahan &

    Mercer, 2002), bem como s inconsistncias na classificao, definio e identificao dos

    alunos com DA (Keogh, 2005).

    A corrente e vulgar utilizao do termo Dificuldades de Aprendizagem adquiriu alguma

    popularidade que, mais do que facilitar a sua compreenso constitui um significativo

    obstculo sua definio. Efectivamente, tornou-se comum por parte de qualquer pessoasituada ou no na rea educativa explicar o que so DA, numa vaga aluso aos problemas

    de aprendizagem, s alteraes na aprendizagem escolar, ao baixo rendimento, ao fracasso ou

    ao insucesso escolar (Gonzlez, 2004), transformando o conceito de DA num conceito

    confuso (Santituste & Gonzlez-Prez, 2005).

    Apesar de nos ltimos trinta anos se ter assistido a uma esforada e sistemtica investigao,

    nomeadamente na procura e na compreenso das causas, nas condies de atendimento e na

    obteno de resultados significativos na interveno nas DA, tem sido difcil a implementao

    das prticas emergentes dessa investigao (Fletcher, Morris & Lyon, 2003; Lyon et. al.,2001), o que tem conduzido a um debate feroz em torno da definio do que so DA (Fletcher

    et. al., 2007).

    Citoler (1996) diz-nos que as DA podem ser abordadas de perspectivas muito diferentes

    como so a mdica, a psicolgica, a educativa, a administrativa ou a socioeconmica (p.

    21), o que nos coloca perante distintas realidades, com diferentes interesses e necessidades,

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    dentro de um campo pluri e interdisciplinar (Rebelo, 1993), delimitado por um conceito

    polivalente (Santituste & Gonzlez-Prez, 2005), onde o problema mais significativo e

    persistente provavelmente a ausncia de uma definio precisa e de um sistema de

    classificao teoricamente fundamentado que permita: i) a identificao de diferentes tipos de

    DA e ii) meios de reconhecer as diferenas e as inter relaes entre os tipos de DA e outrosdistrbios de aprendizagem (Lyon, 1996, citado por Casas, Ferrer & Luz, 2003).

    Com efeito, a existncia de alunos com problemas na aprendizagem amplamente

    reconhecida por todos, embora no se possa afirmar que todos esses alunos tenham

    dificuldades especficas de aprendizagem (Casas, Ferrer & Luz, 2003), sendo o termo

    Dificuldades de Aprendizagem utilizado em duas concepes diferentes, isto , em sentido

    amplo e em sentido restritivo (Surez, 1995).

    A concepo ampla refere-se utilizao do termo Dificuldades de Aprendizagem como

    sendo um sinnimo de Necessidades Educativas Especiais (NEE), identificando-se com aconcepo inglesa surgida na dcada de 1970 na sequncia do Warnock Report de 1978, cujo

    carcter mistificador procura evitar a estigmatizao e a etiquetao diagnstica (Casas,

    Ferrer & Luz, 2003; Gonzlez, 2004; Surez, 1995). Em contrapartida a concepo restritiva

    provem da concepo americana, donde as DA constituem uma categoria diagnstico

    diferenciada, identificando-se indubitavelmente com o conceito de Learning Disabilities

    utilizado pela primeira vez na dcada de 1960 por Samuel Kirk, e ao qual voltaremos mais

    adiante.

    O conceito amplo de DA no existe como categoria de diagnstico em diversos pases

    europeus (Gonzlez, 2004), ao contrrio do que ocorre nos EUA e Canad onde o termo DA

    tradicionalmente utilizado de forma generalizada nas ultimas dcadas. Esta realidade europeia

    apresenta-nos um conceito de DA no correspondente interpretao americana, mas que

    associada a termos como dislexia, discalculia ou mesmo ao fracasso escolar resultante de

    dfices intelectuais. O exemplo de Inglaterra bastante carismtico, pois so reconhecidos

    dois grupos de dificuldades o grupo das dificuldades que afectam de forma directa o

    rendimento do aluno, como a dislexia ou a discalculia e o grupo das dificuldades associadas

    s perturbaes da ateno e do comportamento, como o caso da hiperactividade e do dfice

    de ateno (Gonzlez, 2004; Wedell, 2001).

    Nos pases escandinavos utilizam-se os termos discalculia, dislexia ou dfice de ateno, de

    controlo motor e de percepo (Lundberg & Hien, 2001; Gonzlez, 2004). Em Espanha a

    utilizao do termo DA utilizado correntemente como sinnimo de NEE, tendo surgido pela

    primeira vez na LOGSE (Lei Orgnica do Sistema Educativo Espanhol) de 1990. Na LOGSE

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    o conceito de DA corresponde ao conceito de NEE, situando-se os problemas de

    comportamento e as DA no campo das NEE Temporrias (Gonzlez, 2004; Jimnez, 1999;

    Surez, 1995). A LOGSE no estabelece uma categoria de diagnstico para as DA, embora a

    investigao mais recente, bem como as publicaes surgidas nas ultimas dcadas entendam

    as DA como uma concepo restritiva semelhana do que ocorre nos EUA e no Canad,onde a concepo restritiva obteve o necessrio reconhecimento administrativo como

    categoria de diagnstico.

    Apesar da tradio e da larga aceitao conceptual do termo DA ainda subsiste alguma

    controvrsia volta de definio do que so Dificuldades de Aprendizagem, situando-se a

    discusso no plano poltico-administrativo e no plano da investigao, com profundos debates

    e anlises minuciosas por parte de organizaes e investigadores, sobressaindo neste

    particular a definio de 1987 da IDEA (Individuals with Disabilities Education Act) usada

    em diversos estados americanos como referencial poltico-administrativo, bem como adefinio proposta em 1988 pelo NJCLD (National Joint Committee on Learning Disabilities)

    que obtm um largo consenso por parte dos pais, dos investigadores e dos profissionais

    professores e outros tcnicos.

    Do ponto de vista terico no se torna fcil a delimitao conceptual do termo DA, porquanto

    a discusso subsiste. Indubitavelmente a definio, a identificao e a classificao, que

    abordaremos mais adiante, contribuiro para uma melhor compreenso desta problemtica,

    particularmente no que respeita ao nosso sistema de ensino.

    Com efeito, se no plano internacional surgem amplas discusses e profcuos debates

    associados s polticas educativas e investigao no campo das DA, em Portugal a

    investigao sobre DA incipiente (Lopes, 2005), a legislao praticamente inexistente, o

    debate insuficiente e pouco profcuo, sendo reduzido o nmero de publicaes nesta rea.

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    1.2 Definio das Dificuldades de Aprendizagem

    Tal como na definio conceptual do termo DA, tambm na procura de uma definio do que

    se entende por Dificuldades de Aprendizagem a controvrsia continua presente, quer ao

    nvel da investigao quer ao nvel da teorizao. A importncia de definir o que so DA leva-nos primeiramente distino entre definio conceptual e definio operacional ou operativa

    de DA (Cruz, 1999; Kavale, Forness & Lorsbach, 1991; Hammill, 1990) cuja importncia se

    torna decisiva na identificao do aluno com problemas de aprendizagem.

    Uma definio conceptual genericamente aceite ter que ser consensual e constituir o ponto

    de partida para o desenvolvimento de uma definio operacional, a qual se torna essencial

    para a prtica (Kavale, Forness & Lorsbach, 1991).

    Com efeito, uma definio consensual proporciona uma base de resoluo de muitos dos

    problemas no campo das DA, pese embora o facto de que a investigao nos diga que oprincipal problema de identificao dos indivduos com DA no tanto uma questo de saber

    como aparece a dificuldade de aprendizagem mas sim como se define operacionalmente essa

    dificuldade de aprendizagem (Shaw et. al. 1995), pois em termos prticos a definio

    consensual precisa de ser operacionalizada, quer como classificao quer como categoria de

    diagnstico.

    A falta de correspondncia entre a definio conceptual consensual e a definio operacional

    das DA impede a verificao terica da definio conceptual (Gonzlez, 2004), devendo

    qualquer definio operacional manter uma relao lgica e racional com os elementosestabelecidos na definio conceptual (Deese, 1972, citado por Gonzlez, op. cit.) os quais

    sero validados pelos procedimentos estabelecidos na definio operacional.

    A definio das DA pertence a um tipo de definio que pode ser denominada de

    stipulative (Kavale & Forness, 2000, 2003) possuindo a qualidade de no necessitar de ser

    verdadeira, apenas til. Desde que exista um consenso e um valor heurstico percebido a

    definio ser aceite e usada (Kavale & Forness, op. cit.), no necessitando de ser usada com

    uma finalidade prpria ou comum, podendo as varias interpretaes conduzir ao

    desenvolvimento de perspectivas divergentes.

    Por conseguinte, qualquer definio operativa assenta numa definio consensual, definio

    essa estipulada por associaes ou por indivduos que a formularam com base na

    interpretao daquilo que dever ser uma dificuldade de aprendizagem. Embora as definies

    consensuais sejam teis no nos do uma total garantia de validade dado poderem no

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    corresponder verdade o que, ao repercutir-se directamente nas definies operativas nelas

    baseadas, pode impedir a sua total correco (Gonzlez, 2004).

    Com efeito, a anlise das definies das DA efectuadas por Kavale & Forness (2000) conclui

    que as DA no foram definidas com muita exactido (p. 245) e que as definies apenas

    nos do uma imagem generalizada de uma parte da populao escolar que tem dificuldadesacadmicas, embora o acordo sobre a definio das DA no implique uma interpretao

    uniforme, qualquer mudana passvel de impedir uma descrio mais precisa do que se

    entende por DA (Kavale & Forness, 2000, 2003).

    Neste contexto, se por um lado as DA podem ser consideradas numa perspectiva cientfica

    cuja meta predizer e explicar as dificuldades na aprendizagem, por outro lado podem ser

    consideradas numa perspectiva poltico-administrativa, cuja meta a defesa de uma poltica

    dirigida criao de programas e de servios que vo ao encontro das necessidades e dos

    interesses dos alunos com DA.Porque estas duas perspectivas requerem interpretaes diferentes do que so dificuldades de

    aprendizagem em termos de definio, seja uma definio mais cientfica ou seja uma

    definio mais administrativa, torna-se importante ter em ateno as metas e os objectivos a

    que cada uma se prope, bem como ter em ateno critrios de operacionalizao e critrios

    de diagnstico das DA.

    Para uma melhor compreenso e uma mais ampla conceptualizao do vasto campo das DA

    apresentamos algumas definies que, pela sua importncia, tm teorizado de forma indelvel

    as investigaes, as prticas, os procedimentos e as estratgias da interveno nas DA.

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    1.2.1 Algumas definies de Dificuldades de Aprendizagem

    Na sequncia de uma vasta pesquisa sobre Dificuldades de Aprendizagem Hammill (1990)

    referenciou e identificou onze definies diferentes de DA. Estas definies no especificam

    procedimentos (Swanson, 1991) sendo essencialmente definies conceptuais que, apesar detudo, marcaram o campo das DA ao longo dos ltimos quarenta anos.

    Das anlises de Hammill (1990) resultaram algumas concluses significativas, de entre as

    quais destacamos um conjunto de nove aspectos que permitem estabelecer diferenas entre as

    diversas definies.

    Casas, Ferrer & Luz (2003) referem os seguintes aspectos: a) baixo rendimento; b) etiologia

    de disfuno do SNC; c) aluso a processos; d) presena atravs do ciclo vital; e)

    especificao dos problemas da linguagem oral como possvel DA; f) especificao dos

    problemas acadmicos como possvel DA; g) especificao dos problemas de raciocniocomo possvel DA; h) especificao de outros problemas, tais como competncias sociais,

    orientao espacial, etc. como potenciais DA; i) permitir a coexistncia das DA com outras

    situaes de desvantagem (p. 44).

    O estudo concluiu tambm que, actualmente, apenas quatro das onze definies tm

    viabilidade profissional (Casas, Ferrer & Luz, 2003; Cruz, 1999; Hammill, 1990), sendo essas

    definies as propostas pelo US Office of Education (USOE) de 1977, pela Association of

    Children with Learning Disabilities (ACLD) de 1986, pela Interagency Committee on

    Learning Disabilities (ICLD) de 1987 e pelo National Joint Committee on LearningDisabilities (NJCLD) de 1988.

    Antes de passarmos a uma abordagem destas quatro definies e tal como j anteriormente

    referimos, retomamos a utilizao do termo Learning Disabilities feita na dcada de 1960 por

    Samuel Kirk. A primeira definio de Kirk uma definio descritiva, a qual no d uma

    explicao concreta sobre em que consistem as DA. Esta explicao centra-se mais em

    estipular quais os problemas que no devem ser considerados como DA, deixando de fora

    algumas deficincias sensoriais como a surdez e a cegueira, desde que no tenham outras

    perturbaes associadas. Tambm so excludos os indivduos com atraso mental

    generalizado e que afecta as aprendizagens, bem como todos aqueles que por razes scio-

    familiares ou pelo seu historial escolar apresentam graves carncias educativas (Citoler,

    1996).

    De acordo com Kirk (1962) citado por vrios autores (Casas, Ferrer & Luz, 2003; Citoler,

    1996; Cruz, 1999; Fletcher et. al., 2007; Hallahan & Mock, 2003; Hammill, 1990; Solis,

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    2003) uma DA refere-se a um atraso, desordem, ou atraso no desenvolvimento de um ou

    mais processos da fala, linguagem, leitura, escrita, aritmtica ou outras reas escolares,

    resultantes de um handicap [desvantagem] causado por uma possvel disfuno cerebral e/ou

    distrbios emocionais ou comportamentais. No o resultado de deficincia mental, privao

    sensorial ou factores culturais e instrucionais (Kirk, 1962, p. 263).Esta definio descritiva de Kirk alterada em 1965 por Barbara Bateman ao propor que as

    crianas que tm dificuldades de aprendizagem so aquelas que manifestam uma

    discrepncia educativa significativa entre o seu potencial intelectual estimado e o nvel

    actual de realizao relacionada com distrbios bsicos nos processos da aprendizagem, os

    quais podem ou no ser acompanhados de disfunes demonstrveis do SNC, e que no so

    secundrias a uma deficincia mental generalizada, privao cultural ou educativa,

    alterao emocional severa, ou perda sensorial (Bateman, 1965, p. 220).

    importante realar o valor histrico destas definies, com particular relevo para aintroduo da noo de discrepncia entre rendimento aptido (Ferrer, 2006; Hallahan &

    Mock, 2003) para identificar os indivduos com DA.

    Retomando as definies analisadas por Hammill (1990) apresentamos seguidamente, de

    forma sucinta, as definies acima referenciadas:

    Definio do US Office of Education (USOE) 1977

    Em 1975 foi assinada nos EUA a Education for All Handicapped Children Act (EAHCA),

    sendo tambm promulgada a Public Law 94-142. Esta legislao providenciava uma educao

    apropriada para todos os alunos, incluindo os alunos com DA, devendo todos os estados e

    distritos escolares implementar as medidas educativas propostas. Assim, com a

    implementao global da legislao alcanada em 1977 o US Office of Education (USOE)

    avanou com uma definio de DA.

    Esta definio era basicamente a mesma que o National Advisory Committee on

    Handicapping Condition (NACHC) tinha proposto em 1968, com a introduo de algumas

    modificaes e alteraes, a qual ainda usada actualmente (Hallahan & Mock, 2003).

    Esta definio operativa refere que o termo DA especficas significa uma desordem num

    ou mais processos psicolgicos envolvidos na compreenso ou no uso da linguagem, falada

    ou escrita, que se pode manifestar numa habilidade imperfeita para ouvir, falar, ler, escrever,

    soletrar, ou para fazer clculos matemticos. O termo inclui condies tais como handicaps

    [desvantagens] preceptivos, leso cerebral, disfuno cerebral mnima, dislexia e afasia

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    comportamental. O termo no inclui crianas que tm dificuldades de aprendizagem que so

    primeiramente o resultado de handicaps [desvantagens] visuais, auditivos ou motores, ou

    deficincia mental, cultural ou econmica (USOE, 1977, p.65083, citado em Hallahan &

    Mock, 2003, p. 24).

    Como complemento desta definio o USOE prope ainda um conjunto de recomendaes eprocedimentos para identificar as DA, os quais incluem a noo de discrepncia entre o QI e a

    realizao (Fletcher et. al., 2007).

    A significativa discrepncia entre a realizao acadmica e a capacidade intelectual para

    identificao das DA (Hallahan & Mock, 2003; Fletcher et. al., 2007) constitui um marco

    neste campo.

    Fletcher et al. (2007) citando o USOE (1977, p. G1082), referem que a significativa

    discrepncia entre a realizao e a capacidade intelectual, numa ou mais reas: 1) expresso

    oral; 2) compreenso auditiva; 3) expresso escrita; 4) capacidade de leitura; 5)compreenso de leitura; 6) clculo matemtico ou 7) raciocnio matemtico (p. 20) podem

    ser consideradas como critrios de discrepncia.

    Estamos perante um critrio de excluso quando a criana pode no ser identificada como

    tendo uma dificuldade de aprendizagem especifica e a discrepncia entre a capacidade e a

    realizao uma consequncia de: 1) handicap visual, auditivo ou motor; 2) deficincia

    mental; 3) distrbio emocional e 4) desvantagem envolvimental, cultural ou econmica

    (Fletcher et al., 2007).

    Esta definio operativa do USOE remete-nos para a controvrsia da utilizao dos critrios

    de discrepncia entre o QI e a realizao como um aspecto essencial do processo de

    identificao das DA (Fletcher et. al., 2007; Kavale & Forness, 2000), questo a que

    voltaremos mais adiante, bem como nos remete ainda para a controvrsia entre o que so

    dificuldades de aprendizagem especficas e dificuldades de aprendizagem gerais, conforme

    essas dificuldades ocorrem numa ou em mais reas da aprendizagem.

    Definio da Association of Children with Learning Disabilities (ACLD) 1986 e daInteragency Committee on Learning Disabilities (ICLD) 1987

    A preocupao administrativa e a preocupao das associaes de carcter profissional em

    fazer avanar definies das DA com o intento de implementar algum consenso neste

    controverso e vasto campo (Hallahan & Mock, 2003) contribuiu para o aparecimento de um

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    conjunto diversificado de definies com alguma viabilidade profissional e aplicabilidade

    prtica (Vidal & Manjn, 2001).

    Neste contexto surgem algumas definies de DA, tais como a definio avanada pela

    Association of Children with Learning Disabilities (ACLD), actual Learning Disabilities

    Association of America (LDA), que em 1986 prope uma definio na qual os autoresenfatizaram a natureza crnica e vitalcia desta condio de dificuldades na aprendizagem,

    bem como os potenciais efeitos que as dificuldades podem ter no indivduo (Hallahan &

    Mock, 2003).

    Esta definio diz-nos que as dificuldades de aprendizagem especfica so uma condio

    crnica provavelmente de origem neurolgica, que interferem selectivamente no

    desenvolvimento, integrao e/ou demonstrao de habilidades verbais e/ou no verbais. As

    dificuldades de aprendizagem especficas existem como uma condio incapacitante e variam

    nas suas manifestaes e no grau de severidade. Ao longo da vida, a condio pode afectar aauto-estima, a educao, a vocao, a socializao e/ou as actividades da vida diria

    (ACLD, 1986, citada por Casas, Ferrer & Luz, 2003; Cruz, 1999; Hallahan & Mock, 2003;

    Hammill, 1990; Vidal & Manjn, 2001).

    Esta definio a nica onde se verifica a falta de uma clusula de excluso, referindo-se s

    DA como um problema das habilidades verbais e no verbais (Cruz, 1999; Hallahan & Mock,

    2003).

    A definio proposta no ano seguinte pelo Interagency Committee on Learning Disabilities

    (ICLD) inclui os dfices das competncias sociais como sendo um tipo de DA e lista o

    distrbio por dfice de ateno como uma DA (Hallahan & Mock, 2003). Para o ICLD as DA

    so um termo genrico que se refere a um grupo heterogneo de desordens manifestados

    por dificuldades significativas na aquisio e uso da audio, fala, leitura, escrita,

    raciocnio, ou competncias matemticas, ou nas competncias sociais. Estas desordens so

    intrnsecas ao indivduo e devem-se provavelmente a disfunes do SNC. Mesmo que uma DA

    possa ocorrer concomitantemente com outras condies de desvantagem (p. ex. dfice

    sensorial, deficincia mental, distrbios sociais e emocionais), com influncias scio-

    ambientais (p. ex. diferenas culturais, instruo insuficiente ou inapropriada, factores

    psicolgicos congnitos) e especialmente desordens por dfice de ateno, todas as quais

    podem causar problemas de aprendizagem, uma DA no o resultado directo destas

    condies ou influncias (ICLD, 1987, citado por Casas, Ferrer & Luz, 2003; Cruz, 1999;

    Hammill, 1990; Vidal & Manjn, 2001).

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    Definio do National Joint Committee on Learning Disabilities (NJCLD) 1988

    A definio proposta pelo National Joint Committee on Learning Disabilities (NJCLD) em

    1988 uma reviso da definio do ICLD, melhorando anteriores definies da prpria

    organizao. Esta definio produzida pelo NJCLD em 1988 uma definio compatvel coma natureza vitalcia das DA instituda pela definio da LDA e dissonante das definies

    estabelecidas pela LDA e pelo ICLD quanto ao dfice de competncias sociais. (Hallahan &

    Mock, 2003).

    A definio proposta m 1988 pelo NJCLD diz que DA um termo geral que se refere a um

    grupo heterogneo de desordens que se manifestam por dificuldades significativas na

    aquisio e uso da audio, fala, leitura, escrita, raciocnio ou competncias matemticas.

    Estas desordens so intrnsecas ao indivduo e presumivelmente devem-se a disfunes do

    SNC e podem ocorrer ao longo do ciclo de vida. Juntamente com as DA podem coexistirproblemas nos comportamentos de auto-regulao, percepo social e interaco social, mas

    eles prprios no constituem uma DA. Embora as DA possam ocorrer concomitantemente

    com outras condies de handicap [desvantagem] (p. ex. deficincia sensorial, deficincia

    mental, distrbios emocionais graves) ou com influncias extrnsecas (tais como diferenas

    culturas, instruo insuficiente ou inadequada), elas no so o resultado dessas condies ou

    influncias (NJCLD, 1988, citado em Casas, Ferrer & Luz, 2003, Citoler, 1996; Cruz, 1999;

    Fletcher et al., 2007; Gonzlez, 2004; Hallahan & Mock, 2003; Hammill, 1990, 1993; Prez,

    Gonzlez-Pineda & Martn, 1998; Shaw et. al., 1995; Solis, 2003; Vidal & Manjn, 2001).

    Esta definio de DA proposta pelo NJCLD considerada como sendo uma definio

    consensual entre profissionais, pais e investigadores e inclui elementos essenciais abordados

    pela literatura (Hammill, 1990, 1993; Shaw et. al., 1995), sendo significativo para esse

    consenso generalizado a existncia de um amplo apoio, ao mesmo tempo que proporciona

    uma definio descritiva das DA.

    O facto de no excluir a possibilidade de que as DA possam estar presentes ao longo de todo

    o ciclo de vida do indivduo nem to pouco excluir a possibilidade de que qualquer indivduo,

    mesmo aqueles indivduos com talento, poderem apresentar uma DA (Citoler, 1996; Shaw et.

    al. 1995), contribuem decisivamente para a aceitao generalizada desta definio.

    Com efeito, cinco constructos (Casas, Ferrer & Luz, 2003; Gonzlez, 2004) se destacam nesta

    definio de DA:

    A heterogeneidade das DA, intra e entre indivduos As DA manifestam-se deforma diferente de sujeito para sujeito, no que respeita s diferenas inter-

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    individuais. Quanto s diferenas intra-individuais so reconhecidas diferenas ao

    longo do ciclo de vida do indivduo, bem como so reconhecidas diferenas no que

    respeita ao rendimento nas diferentes reas.

    As DA ocorrem na aquisio de competncias bsicas essenciais, como alinguagem oral e escrita (ouvir, falar, ler, escrever), o raciocnio ou ashabilidades matemticas Estas dificuldades tornam-se evidentes quando o

    aluno no obtm um progresso razovel, apesar de ter uma instruo educativa

    eficaz e apropriada e de se ter esforado o suficiente. Reconhece ainda que o ritmo

    de aprendizagem diferente de aluno para aluno e que o esforo desenvolvido por

    cada aluno tambm distinto.

    As DA so intrnsecas ao sujeito No desaparecem com o tempo, emborapossam variar em severidade e expresso ao longo da vida. Presumivelmente esto

    ligadas a diferenas no desenvolvimento do SNC.

    As DA coexistem com outras dificuldades, as quais no constituem em simesmas uma DA A existncia de dfices sensoriais, deficincia mental, dfice

    de ateno com hiperactividade e distrbios emocionais graves num indivduo

    podem conduzir a uma DA, mas tais condies no causam nem constituem uma

    DA. Tambm as dificuldades na percepo social, na interaco social e nos

    comportamentos de auto-regulao podem ocorrer por varias razes e coexistir

    com uma DA, mas no so em si mesmas uma DA.

    As DA no so causadas por influncias extrnsecas Uma instruoinadequada ou insuficiente no pode ser considerada a causa primria das DA,

    embora os indivduos que recebem essa instruo inadequada ou insuficiente

    podem ter DA.

    Estes cinco constructos contribuem para que esta definio proposta pelo NJCLD se constitua

    como o resultado de uma parte significativa da investigao desenvolvida, ao mesmo tempo

    que procura operacionalizar o conceito de DA, no sentido em que uma definio operativa

    tem a vantagem de converter conceitos tericos em termos especficos e quantificveis

    (Gonzlez, 2004) os quais so significativos para os profissionais, tcnicos e investigadores.

    Sendo a concepo restritiva das DA a concepo dominante no plano cientfico, reflecte-se

    esta concepo restritiva na definio proposta pelo NJCLD, destacando-se o seu grau de

    difuso e de representatividade, bem como a existncia de critrios restritivos conducentes

    identificao das DA.

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    Citoler (1996) refere-nos um conjunto de critrios que subsistem total ou parcialmente nas

    diferentes formulaes de DA: fracasso nas tarefas; discrepncia rendimento capacidade;

    factores de excluso; etiologia e procedimentos psicolgicos alterados.

    De entre estes critrios um conjunto de trs critrios se destaca particularmente na

    identificao das DA: a) critrios de excluso; b) critrios de discrepncia e c) critrios deespecificidade (Casas, Ferrer & Luz, 2003; Citoler, 1996; Cruz, 1999; Fletcher et al., 2007;

    Fletcher, Morris & Lyon 2003; Ferrer, 2006; Gonzlez, 2004; Kavale & Forness, 2003;

    Kavale, Forness & Bender, 1987; Prez, Gonzlez-Pineda & Martn, 1998).

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    2 Critrios de determinao

    2.1 Identificao e Causas das Dificuldades de Aprendizagem

    2.1.1 Identificao das Dificuldades de Aprendizagem

    Tal como j tivemos oportunidade de observar anteriormente, a controvrsia em torno do

    conceito de DA no se esgota facilmente na literatura. O conceito amplo de DA, o qual abarca

    todo o conjunto de situaes nas quais se encontram os alunos que necessitam de uma

    resposta educativa especial para poderem aceder ao currculo, independentemente da natureza

    e origem das suas dificuldades (Solis, 2003; Vidal & Manjn, 2001), foi adoptado em alguns

    pases onde as crianas com DA gerais ou genricas integram as categorias tradicionais da

    Educao Especial, precisando de recursos e meios extraordinrios de acesso ao currculo.Contrariamente o conceito restrito ou restritivo de DA, adoptado nos pases onde se admite a

    existncia de DA em reas escolares bsicas (Solis, 2003; Vidal & Manjn, 2001) como a

    linguagem, a escrita, a leitura e a matemtica, juntamente com disfunes pedaggicas,

    distrbios sociofamiliares ou dfices perceptivos, visuo-motores ou atitudinais, conduziram

    criao de uma categoria de diagnstico (Gonzlez, 2004; Solis, 2003), no se restringindo a

    determinados tipos de desordens ou distrbios de aprendizagem.

    Genericamente este conceito de DA especficas, usado no sentido restrito, refere-se assim a

    um grupo heterogneo de distrbios de aprendizagem (Vidal & Manjn, op. cit.) observveisnos alunos cujo rendimento acadmico ao nvel da linguagem, leitura, escrita e matemtica

    inferior ao esperado, em funo das suas capacidades intelectuais e da sua idade (Solis, op.

    cit.; Vidal & Manjn, op. cit.).

    As DA especficas e as DA gerais acabam por se complementar, dado que embora sejam

    diferentes os distrbios apresentados, por exemplo, por dislxicos, surdos ou deficientes

    mentais, o facto que todos eles tm dificuldades na aquisio das aprendizagens,

    contribuindo assim para a no separao entre DA especficas e DA gerais (Solis, op. cit.).

    Referindo-se a esta questo Lopes (2005) diz-nos que este tipo de diviso [entre DA

    especficas e DA gerais] controverso, dado que algumas investigaes, embora no

    negando a importncia do QI na avaliao dos problemas de aprendizagem (), assinalam

    que as diferenas entre dificuldades especficas e gerais no parecem ser to

    significativas quanto se prensava (p. 24)

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    No se afigura fcil a identificao dos alunos com DA, at porque se torna importante

    diferenciar as DA de outros problemas de aprendizagem (Gonzlez, 2004), pelo que o

    estabelecimento de critrios aceitveis de identificao das DA constitui uma nova

    controvrsia neste campo (Vaughn & Fuchs, 2003).

    Na procura de uma clarificao deste assunto Speece & Shekitka (2002) realizaram estudoscom vista a analisar quais as componentes que mais de uma centena de especialistas em DA

    consideram como importantes para o processo de identificao, verificando-se uma situao

    de indeciso entre esses especialistas (Ferrer, 2006; Speece & Shekitka, 2002), tal como se

    pode observar no Quadro 1:

    Quadro 1 Concordncia entre especialistas sobre as componentes de identificao das DA

    Componentes de Identificao Concordncia%

    Baixo rendimento acadmico 84.00Resposta ao tratamento 67.00Problemas de processamento cognitivo 49.00Discrepncia compreenso verbal rendimento 47.00Inteligncia 42.00Discrepncia QI rendimento 30.00Critrios de excluso: 77.00

    Atraso mental 72.00 Instruo inadequada 61.00 Dfice sensorial 61.00 Distrbio emocional ou comportamental 29.00 Diferenas culturais 24.00 Desvantagem socioeconmica 19.00

    Fonte: Adaptado de Ferrer (2006); Speece & Shekitka (2002)

    De entre os diversos critrios de identificao das DA, tal como referimos anteriormente,

    faremos em seguida uma resenha daqueles que so considerados mais importantes critrios

    de discrepncia; critrios de excluso e critrios de especificidade (Casas, Ferrer & Luz, 2003;

    Citoler, 1996; Cruz, 1999; Fletcher et. al., 2007; Fletcher, Morris & Lyon, 2003; Ferrer, 2006;

    Gonzlez, 2004; Kavale & Forness, 2003; Kavale, Forness & Bender, 1987; Prez, Gonzlez-

    Pineda & Martn, 1998).

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    Critrios de Discrepncia

    Um dos principais problemas que apresenta a actual definio de DA tem a ver com a sua

    operacionalizao (Kavale & Forness, 2000, 2003), pois embora haja concordncia quanto a

    critrios bsicos, existe uma grande dificuldade em medi-los e valid-los (Kavale & Forness,2003). As dificuldades na utilizao pratica das definies das DA conduziram ao

    estabelecimento de algumas normas que estipulam a discrepncia entre o potencial e o

    rendimento como sendo o principal critrio a ser usado na identificao das DA (Speece, Case

    & Molloy, 2003).

    De acordo com este critrio as DA caracterizam-se por uma falta de concordncia entre o

    resultado real de uma aprendizagem e o esperado em funo das capacidades cognitivas do

    sujeito (Citoler, 1996, p. 26). Assim, considerar como uma das caractersticas bsicas das

    DA (MacMillan & Speece, 1999) o baixo rendimento inesperado e associ-lo ao insucessoescolar e ao conceito de discrepncia tem sido objecto de vrias crticas, primeiramente pelo

    tipo de quantificao da discrepncia com base no QI, depois pelo uso da prpria discrepncia

    entre QI rendimento (Vaughn & Fuchs, 2003).

    Efectivamente a utilizao do critrio de discrepncia QI rendimento tem sido contestada

    por alguns investigadores (Citoler, 1996; Naglieri & Reardon, 1993; Siegel, 1989, 1999,

    2003a; Stanovich, 1991, 1999), chegando-se a afirmar no ser necessrio administrar um

    teste de QI para determinar se existe ou no uma DA (Siegel, 1999, p. 311), ao mesmo

    tempo que surgiram propostas alternativas (Naglieri, 2001; Kaufman & Kaufman, 2001) ao

    QI no clculo da discrepncia, as quais tambm no ficaram isentas de crticas, levando

    Speece & Shekitka (2002) a considerar que o campo das DA se encontra na difcil situao de

    ter que abandonar a discrepncia QI rendimento sem encontrar uma alternativa vivel

    que a substitua (p. 122).

    Em sntese, poderemos dizer que o conceito de discrepncia representa, do ponto de vista

    cientfico, a definio operacional de baixo rendimento (Kavale & Forness, 2003). Por

    conseguinte, quando usada como critrio exclusivo para a identificao das DA torna-se

    num conceito equivalente das DA (Kavale & Forness, op. cit.). No entanto, o baixo

    rendimento e as DA no so conceitos equivalentes, o que faz com que o critrio de

    discrepncia possa ser melhor entendido como um critrio necessrio mas no suficiente para

    a identificao das DA (Kavale & Forness, 2003; Reynolds, 1992).

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    Critrios de Excluso

    Como vimos anteriormente, a definio de DA proposta em 1988 pelo NJCLD exclui do

    mbito das DA aqueles indivduos que apresentam baixas realizaes explicveis por factores

    como: deficincia mental, deficincias sensoriais, alteraes sociais e/ou emocionais graves,ou condies extrnsecas como diferenas socioculturais, ou mesmo ausncia de

    oportunidades educativas.

    Embora admitindo a ocorrncia de DA em simultneo com estes factores importante

    sublinhar que as DA no se devem a esses factores (Casas, Ferrer & Luz, 2003; Ferrer, 2006;

    Fletcher et. al., 2007).

    Por conseguinte, estes critrios procuram distinguir as DA de outras dificuldades (Citoler,

    1996) ao estabelecer que os sujeitos devem ter uma inteligncia normal, alm das adequadas

    capacidades fsicas, emocionais, mentais e ambientais.A dificuldade de diferenciar formas de baixa realizao que se presume sejam especficas ou

    inesperadas, daquelas que podem ser atribudas a outras causas onde a baixa realizao

    esperada, no significa a no validade do conceito de DA, nem significa que os critrios de

    excluso no devam ser usados. No entanto, os critrios de excluso devem ser vistos como

    uma determinao com fundamentos polticos facilitadores de servios e no como factores

    de classificao fortemente vlidos (Fletcher et. al., 2007).

    Critrios de EspecificidadeA definio de DA a que nos temos vindo a referir (definio proposta pelo NJCLD em 1988)

    pressupe a incluso de um grupo heterogneo de distrbios que se manifestam

    especificamente na aquisio das aprendizagens bsicas, problemas de linguagem ou

    problemas de raciocnio.

    Os critrios de especificidade, alm de pretender especificar em que mbito se produzem as

    DA (Citoler, 1996; Cruz, 1999), referem-se a um problema de aprendizagem que ocorre num

    conjunto limitado de domnios cognitivos e acadmicos (Casas, Ferrer & Luz, 2003; Ferrer,

    2006; Swanson, 1991) implicando fortes restries e levando a que se d uma denominao

    especifica a cada dificuldade, em funo do tipo de problema dislexia, disortografia,

    disgrafia ou discalculia (Citoler, 1996).

    Com efeito, se por um lado a especificidade se refere ao domnio em que a dificuldade de

    aprendizagem se manifesta, por outro deixa intacta a capacidade intelectual geral do

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    indivduo, embora afecte os processos cognitivos concretos ou as suas capacidades

    acadmicas (Citoler, 1996, Cruz, 1999).

    Citoler (1996) refere-nos ainda que os critrios de especificidade deixam implcita a ideia de

    que domnios como a leitura, a escrita ou as matemticas so processos cognitivos

    completamente independentes, o qual no se ajusta realidade (p. 28) pois o sujeito queapresenta dificuldades nesses processos cognitivos ter tambm dificuldades nas tarefas que

    os impliquem (Siegel, 1988, citada por Citoler, op. cit.).

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    2.1.2 Causas/Etiologia das Dificuldades de Aprendizagem

    Determinar as causas das DA tem sido um dos mais controversos problemas com que os

    investigadores se tm confrontado, no sendo raro encontrar reflexes que remetem as causas

    das DA para causas biolgicas e para causas cognitivas, interpretadas como alternativasque se excluam mutuamente, no se relacionando nem constituindo uma anlise diferente de

    uma mesma realidade (Vidal & Manjn, 2001), nem se conjugando com qualquer perspectiva

    social, impedindo assim a construo de um modelo bio-psico-social das DA.

    Com efeito, falar de uma causa, seja ela orgnica ou ambiental, para explicar a origem das DA

    de todo insustentvel (Solis, 2003). A multiplicidade de factores explicativos da origem das

    dificuldades apresenta diferentes tipos, como sejam o tipo psicolgico, pedaggico,

    ambiental, gentico ou neurolgico (Arndiga, 1998).

    Bricklin (1971) prope as causas fsicas, emocionais, sociais e educativas como estando nabase das DA. No entanto, tendo em linha de conta quer os processos cognitivas bsicos

    implicados na aprendizagem, quer ainda as reas curriculares, Kirk & Chalfant (1984)

    sugerem a diviso das DA em evolutivas e acadmicas, conforme podemos observar na

    Figura 1.

    Assim, no primeiro grupo centrar-se-iam as dificuldades ao nvel dos processos psicolgicos

    bsicos, no especficos, implicados na execuo de todas as actividades cognitivas.

    Subdivide-se em dois grupos de um lado as dificuldades bsicas ou primrias que incluem a

    percepo, a ateno e a memria e, por outro lado, as secundrias que incluem as estratgias

    de pensamento e a linguagem oral e que surgem como uma consequncia das anteriores, isto

    , das primrias (Citoler, 1996).

    So consideradas dificuldades de aprendizagem acadmica todas as que ocorrem durante a

    vida escolar dos alunos e que se situam ao nvel das dificuldades especficas de leitura,

    escrita, soletrao e aritmtica (Citoler, op. cit,).

    Para Beltrn, Santituste et. al. (1988), numa perspectiva tambm aceite por Portellano (1991),

    as causas das DA so agrupadas em quatro grupos diferentes: a) causas biolgicas, tais como

    os factores genticos, os factores fisiolgicos ou as alteraes endcrinas e a disfuno

    cerebral mnima; b) causas psicgenas, caracterizadas por alteraes afectivo-emocionais,

    alteraes da personalidade e deficincia mental; c) causas ambientais, onde se incluam os

    factores sociais, culturais e econmicos; d) causas institucionais, que abarcavam as diferentes

    condies e o planeamento incorrecto do sistema escolar.

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    Figura 1 Dificuldades de Aprendizagem diviso de acordo com Kirk & Chalfant (1984)

    Dificuldades de Aprendizagem

    Evolutivas Acadmicas

    Primrias Secundrias

    Ateno Pensamento SoletraoMemria Linguagem oral Expresso escrita

    Percepo Leitura

    Escrita

    Aritmtica

    Fonte: Adaptado de Kirk & Chalfant (1984); Solis (2003)

    Uma concepo multifactorial das causas das DA -nos descrita por Brueckner et. al. (1975),

    atribuindo as DA a cinco factores: 1)factores cognitivos e verbais, de entre os quais se realaa percepo, a ateno e a memria, bem como a expresso oral e a construo sintctica; 2)

    factores emocionais e da personalidade; 3)factores socioculturais; 4)factores pedaggicos;

    5)factores biolgicos, nos quais considerada a evoluo do sistema nervoso.

    Numa outra concepo factorial (Martinez, Garcia & Montoro, 1993; Monedero, 1989; Prez,

    1989) as DA so categorizadas em quatro tipos quanto sua etiologia: 1) factores biolgicos;

    2) factores psicolgicos; 3) factores pedaggicos e 4) factores socioculturais.

    Esta categorizao etiolgica remete-nos, sob o ponto de vista da psicologia cognitiva, para

    uma dimenso relevante no mbito da avaliao e da interveno psicoeducativa no campo

    das DA, dado que a existncia de factores pessoais e de factores ambientais, considerados

    respectivamente como factores intrnsecos e como factores extrnsecos (Kirk & Chalfant,

    1984; Prez, 1989) que influenciam quer o rendimento acadmico, quer a aprendizagem, tem

    conduzido tradicionalmente ao estabelecimento de trs categorias etiolgicas (Arndiga,

    1998; Casas, 1994; Citoler, 1996; Cruz, 1999; Martn, 1994) a considerar: a) factores

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    neurofisiolgicos abarcam quer a disfuno cerebral mnima, quer os factores genticos,

    quer ainda os factores bioqumicos, os factores endcrinos ou os traumas e disfunes

    neurolgicas; b) factores socioculturais referem-se a aspectos como a m nutrio, a

    privao cultural, a pobreza lingustica e as estratgias educativas inadequadas que tm

    influncia na aprendizagem; c) factores institucionais sendo o contexto de aprendizagemdeterminante torna-se importante referir as condies em que ocorre todo o processo

    ensino/aprendizagem, bem como referenciar as metodologias de ensino e os recursos

    materiais utilizados, quer ainda a adequao do programa s caractersticas do aluno, naquilo

    que tem sido considerado como dispedagogia (Arndiga, 1998).

    Este modelo de categorizao etiolgica das DA foi fortemente criticado pelo facto de no

    incluir o funcionamento dos processos cognitivos bsicos e as estratgias necessrias

    execuo e automatizao das competncias requeridas em qualquer tipo de aprendizagem

    (Arndiga, op. cit.; Citoler, op. cit.).Uma outra perspectiva multifactorial das causas das DA -nos apresentada por Lopes, (2005)

    e refere os seguintes factores: a) factores neurofisiolgicos; b) factores psicolgicos; c)

    factores socioculturais; d)factores institucionais, que apresentamos no Quadro 2:

    Quadro 2 Causas das Dificuldades de Aprendizagem

    Factores

    Neurofisiolgicos

    Factores Psicolgicos Factores

    Socioculturais

    Factores

    InstitucionaisLinguagem Memria Ateno

    Disfuno cerebralmnima

    Factores genticos

    Factores bioqumicos eendocrinolgicos

    Problemas perinatais

    Factoreslingusticos deordem global

    Factoreslingusticos deordem especifica

    Dfices dememria de curtoprazo

    Dfices dememria de longoprazo

    Dfices no alerta,activao,selectividade,manuteno, nvelde apreenso, etc.

    Malnutrio

    Pobreza lingusticado contexto familiar

    Falta de estimulao,indisponibilidade delivros

    Desvalorizao dasaprendizagens porparte da famlia

    Ensino insuficienteou inadequado

    Condiesmateriaisdeficitrias

    Inadequao dosprogramas. Daavaliao, etc.

    Fonte: Adaptado de Lopes (2005)

    Tambm o facto de um significativo nmero de DA apresentarem origem desconhecida, bem

    como o facto de dificuldades de origem semelhante poderem apresentar manifestaes

    diferentes e, portanto, exigirem estratgias de interveno diferenciadas e distintas (Dockrell

    & McShane, 1997) lava ao aparecimento de novas propostas no sentido de utilizar

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    classificaes funcionais que referenciem o nvel de actuao do aluno, embora seja

    metodologicamente complexo obter classificaes e categorizaes que distingam as

    discrepncias dentro dos perfis cognitivos dos alunos (Arndiga, 1998; Dockrell &

    MacShane, 1997).

    Assim, nas concepes sobre a origem das DA observa-se a presena de uma multiplicidadede factores (Mercer, 1989, cit. in Citoler, 1996, p.37) uma vez que os mdicos consideram

    as possveis leses ou disfunes do SNC, as anomalias bioqumicas, as influncias genticas

    e hereditrias como sendo a origem das DA numa perspectiva neurolgica e bioneurolgica,

    enquanto que quer os psiclogos, quer os pedagogos propem uma multiplicidade de factores

    do tipo psicolgico, pedaggico, sociolgico e lingustico como etiologia das DA (Mercer,

    1989, in Citoler, op. cit.).

    Com efeito, a tendncia actual para considerar as DA como intrnsecas ao indivduo (Citoler,

    1996; Lopes, 2005) independentemente de se lhes reconhecer ou no uma causa orgnica (Lopes, 2005, p. 31) sublinha a importncia dos factores motivacionais e atitudinais na

    definio de causas das DA, dado que em no poucas ocasies uma DA ultrapassa o mbito

    acadmico e pode vir a afectar significativamente o auto-conceito, a auto-estima, a motivao

    e o interesse pelas tarefas ou mesmo derivar para problemticas emocionais.

    tambm de sublinhar o significativo e relevante papel dos factores psicolingusticos no

    desenvolvimento dos factores explicativos das DA (Lopes, 2005), sendo importante e

    pertinente observar pormenorizadamente, desde o ponto de vista psicoeducativo, as

    manifestaes de DA apresentadas pelos alunos para uma posterior actuao e interveno

    assente nessa avaliao.

    Neste sentido, torna-se essencial no apenas que a identificao das DA apresentadas pelo

    aluno ocorra o mais cedo possvel, mas tambm que se proceda sua avaliao atempada para

    promover uma interveno educativa o mais eficaz possvel, na procura da superao dessas

    dificuldades de aprendizagem e na aprendizagem desenvolvida pelos alunos em contexto

    escolar.

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    2.2 Avaliao das Dificuldades de Aprendizagem

    2.2.1 Conceitos Essenciais

    Conceptualizar o termo avaliao algo que tem instigado os investigadores ao longo dostempos, particularmente a partir do sculo XIX com o surgir da escolarizao para toda a

    populao e com o aparecimento da escola com caractersticas genricas de universalidade

    e de obrigatoriedade (Sil, 2004).

    Avaliao e escola tornaram-se indissociveis, passando o termo avaliao a ser utilizado em

    diferentes contextos, num sentido polissmico e multidiferencial, podendo apresentar

    diferentes funes consoante o contexto de aplicao.

    No nosso objectivo analisar a avaliao na perspectiva tradicionalmente associada, na

    escola, criao de hierarquias de excelncia (Perrenoud, 1996, 1998, 1999) onde os alunosso comparados e posteriormente classificados em funo de uma norma de excelncia, cuja

    finalidade a hierarquizao e a certificao das aquisies (Ferreira, 2007; Perrenoud, 1999).

    Importa, no entanto, referenciar que as hierarquias de excelncia regem o xito e o fracasso

    escolares dos alunos enquanto que a certificao das aquisies em relao a terceiros

    (Perrenoud, 1999) apenas garante ao aluno aquilo que ele precisa saber para transitar ao nvel

    seguinte, no fornecendo detalhes significativos acerca dos saberes e das competncias

    adquiridas pelos alunos.

    Neste contexto, estamos perante uma avaliao que no integra as aprendizagens no seu

    contexto de realizao (Ferreira, 2007) nem to pouco avalia as aprendizagens que no

    estavam previstas nos objectivos, apesar de essas aprendizagens terem sido realizadas pelos

    alunos.

    Esta avaliao uma avaliao completamente descontextualizada, onde o controlo de todo o

    processo ensino-aprendizagem detido pelo professor. o professor que exerce o controlo

    sobre o processo de avaliao e sobre a tomada de decises de aprovao ou de reteno dos

    alunos (Ferreira, 2007; Leite e Fernandes, 2002; Perrenoud, 1999), onde o erro, alm de ser

    punido, no constitui objecto de anlise para a adopo de estratgias de interveno

    individualizada (Ferreira, 2007, p. 14) que solucionem esse erro ou dem uma resposta s

    dificuldades de aprendizagem manifestadas pelo aluno.

    Neste contexto importa no apenas repensar os conceitos de erro e de fracasso escolar, mas

    tambm o prprio conceito de avaliao das aprendizagens, bem como o papel e a funo do

    professor.

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    Com efeito, uma das funes do professor ao avaliar os seus alunos tem a ver com o

    reconhecimento do tipo de erro cometido pelo prprio aluno ao longo do processo de

    aprendizagem, ao mesmo tempo que dever contribuir para que esse erro seja superado sem

    punies (Sousa, 2000). Isto pressupe que a tarefa do professor ser fazer com que o erro se

    torne gradualmente percebido pelo prprio aluno, tomando conscincia dele, ao mesmo tempoque lhe dever fornecer condies para a sua superao (Davis, 1990; Sousa, 2000).

    Assim, mais do que saber porque razo o aluno no aprende e fracassa, torna-se essencial

    saber o que se passa com o prprio aluno do ponto de vista cognitivo, ou seja, saber o que o

    impede de elaborar estratgias que lhe permitam compreender e utilizar os conhecimentos que

    a escola formalmente lhe apresenta, bem como saber a forma como essa apresentao formal

    desenvolvida pela escola e pelo prprio professor e quais as implicaes que as estratgias

    utilizadas tero na aprendizagem dos alunos.

    Como tal, a avaliao das aprendizagens dos alunos deve visar no s a anlise do produtodessas aprendizagens mas, essencialmente, o seu processo (Sousa, 2000).

    Por conseguinte, a avaliao ser um processo de recolha de informaes (Coll & Onrubia,

    2003; Dockrell &McShane, 2000; Rey et. al., 2005; Solis, 2003) para um objectivo

    especfico, contemplando diferentes domnios da aprendizagem, sendo esse processo

    directamente direccionado para a identificao do perfil de necessidades e de potencialidades

    do aluno sobre o qual ir recair a tomada de decises.

    Apesar de, tradicionalmente, o processo de avaliao estar centrado no aluno e se considerar a

    existncia de trs aspectos nem sempre diferenciados 1) identificao da existncia do

    problema; 2) avaliao da natureza do problema e 3) realizao do diagnstico (Dockrell &

    McShane, 2000) a realidade educativa continua a considerar como distintos os papis da

    avaliao e do diagnstico (Fernndez, 2006).

    Uma vez avaliado o problema, deve colocar-se em prtica uma interveno adequada

    (Dockrell & McShane, 2000; Fernndez, 2006; Santituste & Gonzlez-Prez, 2005) que

    oriente, ajude e permita apreciar os resultados e/ou os sucessos escolares (Fernndez, 2006).

    De acordo com Dockrell & McShane (2000), para que a avaliao seja confivel e vlida e

    para que a mesma se transforme numa interveno eficaz, deve ser desenvolvido um

    programa que tenha em ateno no apenas as exigncias da tarefa, o acompanhamento e as

    habilidades cognitivas do aluno, mas tambm o contexto no qual a interveno se desenrolar,

    sendo essencial o controlo constante das intervenes (Fernndez, 2006) no apenas para

    observar a validade das decises tomadas, mas ainda para decidir acerca das possibilidades de

    melhoria da prpria interveno.

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    Em sntese, poderemos dizer que o facto de as DA afectarem um significativo nmero de

    alunos, bem como o facto de essas dificuldades de aprendizagem serem heterogneas e

    poderem ser ligeiras, moderadas ou graves, exigem contudo uma avaliao e uma interveno

    (Dockrell & McShane, 2000).

    Com efeito, as dificuldades de aprendizagem do aluno devem ser abordadas de acordo com oseu nvel actual de desempenho, devendo a avaliao incluir uma anlise no apenas do meio

    onde o problema ocorre, mas tambm uma anlise das tarefas e um diagnstico das

    dificuldades vividas pelo aluno (Dockrell & McShane, op. cit.), sendo essencial considerar a

    natureza interactiva dos problemas e o contexto no qual estes ocorrem (Dockrell & McShane,

    1996, citados por Vidal & Manjn, 2001).

    A avaliao dever permitir ainda fazer a ligao das necessidades educativas do aluno com o

    processo ensino-aprendizagem no qual o aluno est inserido (Prez, Gonzlez-Pineda &

    Nuez-Prez, 1998). Torna-se importante diferenciar entre o processo de reconhecimento ecompreenso da informao e o prprio contedo informativo (Prez, Gonzlez-Pineda &

    Nuez-Prez, op.cit.), tendo o processo a ver com a capacidade, a habilidade, a estratgia e o

    estilo de aprendizagem, enquanto que o contedo informativo est relacionado com a

    competncia do indivduo (idem). Finalmente poder-se- afirmar que se a avaliao estiver

    intimamente relacionada com a interveno, de alguma forma ser dada uma reposta s

    necessidades da escola, dos pais, dos alunos e dos professores (Dockrell & McShane, 2000).

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    3 Rendimento Acadmico Que conceitos e que perspectivas?

    3.1 Compreender o Rendimento Acadmico

    O rendimento acadmico pode ser considerado a partir do xito que os alunos obtenham naescola, o qual pode perspectivar a noo de um elevado rendimento escolar ou de um baixo

    rendimento escolar (Smith, 2007), sendo interessante referir a definio adoptada pelo

    Department for Education and Skills (DfES) [UK] ao considerar que o aluno tem baixo

    rendimento quando est pelo menos dois nveis abaixo do nvel standard (nvel esperado),

    enquanto que o aluno ter um rendimento elevado quando se situa pelo menos um nvel acima

    do nvel esperado (DfES, 2002).

    Poder-se- considerar assim a sobreposio entre o conceito de baixo rendimento e o conceito

    de desvantagem (West & Pennell, 2003), evidenciando-se o fraco desempenho escolar comuma frequente manifestao de desvantagem (Morris et. al., 1999) a qual pode ser vista no

    apenas individualmente, mas tambm em termos da escola e do prprio sistema educativo.

    Com efeito, no sendo nossa inteno escrutinar o baixo rendimento escolar numa perspectiva

    tridimensional aluno/escola/sistema educativo pretendemos apenas referenciar a

    importncia que o debate desta temtica tem produzido e continuar a produzir no contexto

    global, uma vez que as implicaes sociais e polticas, econmicas e de competitividade

    fazem emergir estudos comparativos que, de alguma forma, avaliam o rendimento acadmico

    e escolar numa perspectiva internacional de apreciao das escolas, dos alunos e dos sistemas

    de ensino.

    O aparecimento de estudos comparativos como Third International Mathematics and Science

    Study (TIMSS) ou o Programme for International Student Assessment (PISA) colocou os

    diferentes pases debaixo do olhar crtico do panorama internacional (West & Pennell, 2003;

    Smith, 2007) relativamente ao baixo rendimento escolar dos seus alunos e s suas

    desvantagens acadmicas.

    Uma breve apreciao do Quadro 3 permite-nos tirar algumas ilaes relativamente ao mais

    recente estudo internacional PISA 2006 (OCDE, 2007).

    Enquanto os anteriores ciclos incidiram predominantemente sobre as competncias ao nvel

    da leitura (o PISA 2000) e nas competncias ao nvel da matemtica (o PISA 2003), o PISA

    2006 incidiu fundamentalmente sobre as competncias cientficas, pretendendo-se assim

    medir a literacia dos alunos de 15 anos nas reas referenciadas, isto , na leitura, na

    matemtica e nas cincias.

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    Quadro 3

    ESCALA ORDENADA DA CLASSIFICAO EM CINCIAS DO PISA 2006

    Mdia Erro padroPases OECD Todos os pases

    Superior Inferior Superior InferiorFinlndia 563 (2.0) 1 1 1 1

    Hong Kong - China 542 (2.5) 2 2Canad 534 (2.0) 2 3 3 6

    China Taipei 532 (3.6) 3 8Estnia 531 (2.5) 3 8Japo 531 (3.4) 2 5 3 9

    Nova Zelndia 530 (2.7) 2 5 3 9Austrlia 527 (2.3) 4 7 5 10Holanda 525 (2.7) 4 7 6 11

    Liechtenstein 522 (4.1) 6 14Coreia 522 (3.4) 5 9 7 13

    Eslovnia 519 (1.1) 10 13Alemanha 516 (3.8) 7 13 10 19Inglaterra 515 (2.3) 8 12 12 18

    Repblica Checa 513 (3.5) 8 14 12 20Sua 512 (3.2) 8 14 13 20

    Macau - China 511 (1.1) 15 20ustria 511 (3.9) 8 15 12 21

    Blgica 510 (2.5) 9 14 14 20Irlanda 508 (3.2) 10 16 15 22Hungria 504 (2.7) 13 17 19 23Sucia 503 (2.4) 14 17 20 23Polnia 498 (2.3) 16 19 22 26

    Dinamarca 496 (3.1) 16 21 22 28Frana 495 (3.4) 16 21 22 29Crocia 493 (2.4) 23 30Islndia 491 (1.6) 19 23 25 31Letnia 490 (3.0) 25 34

    Estados Unidos 489 (4.2) 18 25 24 35Eslovquia 488 (2.6) 20 25 26 34

    Espanha 488 (2.6) 20 25 26 34Litunia 488 (2.8) 26 34Noruega 487 (3.1) 20 25 27 35

    Luxemburgo 486 (1.1) 22 25 30 34Rssia 479 (3.7) 33 38Itlia 475 (2.0) 26 28 35 38

    Portugal 474 (3.0) 26 28 35 38Grcia 473 (3.2) 26 28 35 38

    Israel 454 (3.7) 39 39Chile 438 (4.3) 40 42Srvia 436 (3.0) 40 42

    Bulgria 434 (6.1) 40 44Uruguai 428 (2.7) 42 45Turquia 424 (3.8) 29 29 43 47Jordnia 422 (2.8) 43 47Tailndia 421 (2.1) 44 47Romnia 418 (4.2) 44 48

    Montenegro 412 (1.1) 47 49Mxico 410 (2.7) 30 30 48 49

    Indonsia 393 (5.7) 50 54Argentina 391 (6.1) 50 55

    Brasil 390 (2.8) 50 54Colmbia 388 (3.4) 50 55Tunsia 386 (3.0) 52 55

    Azerbaijo 382 (2.8) 53 55Qatar 349 (0.9) 56 56

    Quirguisto 322 (2.9) 57 57

    Estatisticamente acima da mdia da OCDENo difere estatisticamente da mdia da OCDEEstatisticamente abaixo da mdia da OCDEFonte: GAVE ME (Adaptado)

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    Tal como j referimos, no nossa preocupao alongarmo-nos em profundas anlises a estes

    estudos, no entanto respigamos algumas linhas comparativas relevantes do panorama

    educacional dos pases envolvidos.

    Com efeito, verifica-se que os lugares cimeiros so ocupados por pases com realidades

    educativas, sociais, econmicas e polticas to distintas como so os pases anglo-saxnicosou os pases orientais da rea do Pacfico.

    A importncia das comparaes internacionais focalizadas nas polticas educativas dos pases

    no pode ser menosprezada (Smith, 2007), uma vez que ela reflecte a mudana do paradigma

    educativo em muitos dos pases industrializados. A alterao global das polticas educativas

    na Europa, sia e Amrica do Norte fez com que os sistemas educativos se envolvessem

    longamente no aumento das prioridades fulcrais conducentes mudana (Smith, op. cit.).

    Em alguns pases como a Finlndia e a Dinamarca, o uso do termo fracasso escolar foi

    substitudo pelo de xito escolar, tanto ao nvel institucional como individual (Kovacs, 2003),enquanto que noutros pases, como o Japo, existe um altamente centralizado sistema

    educativo (Smith, 2007), sendo as escolas japoneses vistas como um paraso acadmico, com

    escolas de classe mundial, apesar de que a presso relacionada com o baixo rendimento

    escolar esteja dirigida essencialmente aos alunos e s suas famlias (Kovacs, 2003).

    Esta extrema presso que a escola japonesa exerce sobre os alunos caracteriza-se por

    situaes de suicdio, assassnios, bullying e abandono escolar, bem como por situaes em

    que h agresses e assassnios como resposta quebra das regras escolares, tal como alguns

    alunos que se suicidam face presso dos exames e humilhao por bullying (Berliner &

    Biddle, 1995; Smith, 2007), sendo os alunos japoneses considerados e tratados como

    autnticos autmatos (Bracey, 1997).

    Smith (2007) citando Yoneyama (1999), diz-nos que a escola japonesa est organizada e

    estruturada de forma altamente formal, rgida e autocrtica, onde a relao entre o professor e

    os seus alunos, bem como as relaes entre os professores e as relaes entre os alunos so

    hierarquizadas. Tambm a comunicao aluno/professor tipicamente centrada no professor,

    funcionando num s sentido (de cima para baixo), sendo o relacionamento do professor com

    os alunos um acto burocrtico, distante e impessoal, no esperando os alunos respeito,

    compreenso ou qualquer tipo de ateno pessoal por parte dos professores. Qualquer tipo de

    atitude paternalista um mito, sendo os alunos remetidos a um papel subordinado e

    silencioso.

    A intensa presso para preparar os alunos para os exames, o uso da violncia fsica por parte

    dos professores, a relutncia dos pais e das famlias em apresentar qualquer queixa, com medo

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    de que um eventual relatrio escolar desfavorvel prejudique os filhos, comea a contribuir

    para a autodestruio deste sistema escolar, com muitos alunos a recusarem-se a ir escola,

    apesar da existncia de aplausos entre a comunidade internacional por produzirem classes de

    sucesso (Smith, 2007).

    Este complexo sistema japons contrasta, por exemplo, com alguns pases ocidentais, comoso alguns dos pases anglo-saxnicos e outros, onde se responsabiliza fundamentalmente a

    escola pelo insucesso e pelo baixo rendimento escolar dos alunos (Kovacs, 2003).

    Uma outra perspectiva de enquadramento do rendimento escolar tem a