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Intervenções em Crises Rogério Wolf de Aguiar INTRODUÇÃO / o desenvolvimento da teoria e das técnicas das intervenções psicoterápicas em crises ocorreu prin- cipalmente em duas linhas paralelas, as qua!s, ~or sua vez, influenciaram-se mutuamente. A pnmelra delas foi a d~teoria das crisesf a se~unda, a~- cessivas tentativas de alguns pSIcanalIstas de obte- _rem resultados terapeutIcos mais rapidamente do que na psicanálise. " , De um lado, a psicanálise contrUla sua teonas a medida que desenvolvia suas técnicas; as desco- bertas da dinâmica do inconsciente conduziam os tratamentos a se alongarem, característica da pri- meira metade deste século. De outro lado, à medi- _da que se difundia, a pressão da demanda exigia maior diversidade de aplicações dos novos conhe- cimentos psicanalíticos. TEORIA DAS CRISES CErik Erikson (1976), ~e origem alemã, juntou- se ~o grupo de Freud em 1927, analisou-se com Anna Freud e se tornou psicanalista de crianças. Emigrou para os Estados Unidos em 1933, fugin- do do nazismo. Tornou-se professor de Desenvol- vimento Humano e Psiquiatria na Universidade de Harvard. Nos anos 50 explanou sua teoria sobre as oito idades (fases) do desenvolvimento psicológi- co do ser humano e em 1959 conceituou as chama- dast~rise~ vltaís"e as "cr.!~~!!.t~i~;:~ reações emocionais a acontecimentos percebIdos como ameaçadores. A teoria psicanalítica já propunha que a forma- ção da personalidade ocorreria ao longo de uma sucessão de etapas. Erikson, entretanto, detalhou e valorizou os momentos de crise, inclusive desta- _cando seu potencial de superação e de amadureci- mento, sem desprezar seu potencial de desadap- tação. Além disto, Erikson não se re-stringiu 00 aêiãfiíamento das fases infantis do desenvol\'imen~o da personalidade, mas ampliou o estudo evolutl\'o. detendo-se nos conflitos básicos das fases IDa15 adultas e de envelhecimento do ciclo vital. Gerald Caplan (1980), professor da Escola de Saúde Pública e diretor do Programa de Saúde Mental Comunitária da Universidade de Harvard, mais tarde conceituou e detalhou crises em uma obra que se tornou clássica: Princípios de psiquia- tria preventiva, publicada pela primeira vez em 1964. Em sua opinião, o fator essencial que influi na ocorrência de uma crise é um desequilíbrio en- .tre a dificuldade e a importância do problema, por um lado, e os recursos imediatamente disponíveis pãra resolvê-los, de outro lado. Isto significa que a pessoa percebe um perigo para a satisfação de uma necessidade fundamental ou um estímulo provoca- do por uma necessidade importante, e as circuns- tâncias não permitem a solução do problema por meio dos métodos habituais no espaço de teml?.0 disponíveIs. A elevação de tensão inicial aciona as respostas habituais de solução de problemas (I" fase); a tensão aumenta com a falta dt: êxj~l- mente 'acol!l_Q~hada de sentim~nto~_!_<li~_:'~I:l_~n- gusim:-medo, culpa, vergonha,_além__da s:ns~ç~() ai" Impotênçia e ineficácia, EEl_g~r~U:~!.~!~~~!_-_ çroâãeficiência habitual da pessoa (2"fase). A éontTnuação do estím~I_~~~~g3~ª_ç~~Q_-~~:~~í~1:ia_m clevãndoô-Ii"í~él-dê tefi-são,a pessoa mobiliza suas rêservru.~-suced~-=-sé---é~-~aios de- teniâti va~e- -eITO~ h-á grãnãe cori:~.eniii&.~§]leeneigj_ª-.riª-~.~S,ç~é:l_c:l_1! ~_o- iução;(iüe-pod~s.~! alcança~a l:lt!~yés~a r~~fi!1Íç~o doprobIéma. do encontr()_~~ ,!QY_Qs m~to_çiQ~_ge sólução, ou mesmo__Çof)1 a dirninuiçã() do e~!írnlJl0 pertu~bador. Mas isto pode não ocorrer, e a tensão pode progredir para patamares insuportáveis. com desenlaces dramáticos, ou, para que isto não ocor- ra, a pessoa pode cronificar o uso de !!l~c~fli_?~05 -i. de de~!ia mai~g_!:.~ssivos. Estas situações são agud~, em geral não ultrapassando quatro sema- nas de evolução para atingir seu pico máximo. Quando a pessoa consegue redimensionar sua \ P,S_ Ícodinâmica interior e de relacionamento com as -\.~ r!""l_,. _ pessoas do ambiente, a resolução da cnse. neste " cãso~pode ~esentar un:!_!!!9m~!!tode am..íldure- ciffien~-de cre~çimen~º~!!I__O_fional. -Lêmgrub~~ 1990) considera que as três primei- ras fases descritas por Caplan constituem um está- . gio "potencialmente crítico" e que a crise propria- ~. ?g ~,

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Intervenções em CrisesRogério Wolf de Aguiar

INTRODUÇÃO

/

o desenvolvimento da teoria e das técnicas dasintervenções psicoterápicas em crises ocorreu prin-cipalmente em duas linhas paralelas, as qua!s, ~orsua vez, influenciaram-se mutuamente. A pnmelradelas foi a d~teoria das crisesf a se~unda, a~-cessivas tentativas de alguns pSIcanalIstas de obte-_rem resultados terapeutIcos mais rapidamente doque na psicanálise. " ,

De um lado, a psicanálise contrUla sua teonas amedida que desenvolvia suas técnicas; as desco-bertas da dinâmica do inconsciente conduziam ostratamentos a se alongarem, característica da pri-meira metade deste século. De outro lado, à medi-_da que se difundia, a pressão da demanda exigiamaior diversidade de aplicações dos novos conhe-cimentos psicanalíticos.

TEORIA DAS CRISES

CErik Erikson (1976), ~e origem alemã, juntou-se ~o grupo de Freud em 1927, analisou-se comAnna Freud e se tornou psicanalista de crianças.Emigrou para os Estados Unidos em 1933, fugin-do do nazismo. Tornou-se professor de Desenvol-vimento Humano e Psiquiatria na Universidade deHarvard. Nos anos 50 explanou sua teoria sobre asoito idades (fases) do desenvolvimento psicológi-co do ser humano e em 1959 conceituou as chama-dast~rise~ vltaís"e as "cr.!~~!!.t~i~;:~ reaçõesemocionais a acontecimentos percebIdos comoameaçadores.

A teoria psicanalítica já propunha que a forma-ção da personalidade ocorreria ao longo de umasucessão de etapas. Erikson, entretanto, detalhou evalorizou os momentos de crise, inclusive desta-_cando seu potencial de superação e de amadureci-mento, sem desprezar seu potencial de desadap-

tação. Além disto, Erikson não se re-stringiu 00

aêiãfiíamento das fases infantis do desenvol\'imen~oda personalidade, mas ampliou o estudo evolutl\'o.detendo-se nos conflitos básicos das fases IDa15

adultas e de envelhecimento do ciclo vital.Gerald Caplan (1980), professor da Escola de

Saúde Pública e diretor do Programa de SaúdeMental Comunitária da Universidade de Harvard,mais tarde conceituou e detalhou crises em umaobra que se tornou clássica: Princípios de psiquia-tria preventiva, publicada pela primeira vez em1964. Em sua opinião, o fator essencial que influina ocorrência de uma crise é um desequilíbrio en-.tre a dificuldade e a importância do problema, porum lado, e os recursos imediatamente disponíveispãra resolvê-los, de outro lado. Isto significa que apessoa percebe um perigo para a satisfação de umanecessidade fundamental ou um estímulo provoca-do por uma necessidade importante, e as circuns-tâncias não permitem a solução do problema pormeio dos métodos habituais no espaço de teml?.0disponíveIs. A elevação de tensão inicial aciona asrespostas habituais de solução de problemas (I"fase); a tensão aumenta com a falta dt: êxj~l-mente 'acol!l_Q~hada de sentim~nto~_!_<li~_:'~I:l_~n-gusim:-medo, culpa, vergonha,_além__da s:ns~ç~()ai" Impotênçia e ineficácia, EEl_g~r~U:~!.~!~~~!_-_çroâãeficiência habitual da pessoa (2"fase). AéontTnuação do estím~I_~~~~g3~ª_ç~~Q_-~~:~~í~1:ia_mclevãndoô-Ii"í~él-dê tefi-são,a pessoa mobiliza suasrêservru.~-suced~-=-sé---é~-~aiosde- teniâti va~e--eITO~h-á grãnãe cori:~.eniii&.~§]leeneigj_ª-.riª-~.~S,ç~é:l_c:l_1!~_o-iução;(iüe-pod~s.~! alcança~a l:lt!~yés~a r~~fi!1Íç~odoprobIéma. do encontr()_~~ ,!QY_Qsm~to_çiQ~_gesólução, ou mesmo__Çof)1a dirninuiçã() do e~!írnlJl0pertu~bador. Mas isto pode não ocorrer, e a tensãopode progredir para patamares insuportáveis. comdesenlaces dramáticos, ou, para que isto não ocor-ra, a pessoa pode cronificar o uso de !!l~c~fli_?~05 -i.de de~!ia mai~g_!:.~ssivos. Estas situações sãoagud~, em geral não ultrapassando quatro sema-nas de evolução para atingir seu pico máximo.Quando a pessoa consegue redimensionar sua

\

P,S_ Ícodinâmica interior e de relacionamento com as -\.~r!""l_,. _

pessoas do ambiente, a resolução da cnse. neste" cãso~pode ~esentar un:!_!!!9m~!!tode am..íldure-ciffien~-de cre~çimen~º~!!I__O_fional.-Lêmgrub~~1990) considera que as três primei-

ras fases descritas por Caplan constituem um está- .gio "potencialmente crítico" e que a crise propria- ~ .

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154 ARISTIDES VOLPATO CORDlOL!

mente dita ocorreria somente quando fosse atingi-da a última fase,(d~-~~pt~rà.Desta maneira as rea-'~""""'V .._,.. ,. -.'ções menores de ansiedade frente a desafios daadolescência, nascimento de filhos, etc., quandosuperadas em seus primeiros estágios, não confi-gurariam uma crise completa. Os anos 60 e 70 fo-ram os mais profícuos em trabáThõs s-obre a teoriadas crises, defxando uma contribuição muito im-portante ao destacarem que esta situação é ummomento de perturbação que pode ser de cresci-mennf e· não apenas um fator desencadeante dedesequilíbrios crônicos.

INTERVENÇÓES EM CRISE

Sabe-se que nos primeiros anos da psicanálise,alguns dos tratamentos descritos por Freud,Ferenczi e Stekel hoje seriam chamados de breves.Stekel até fez funcionar um "Instituto para AnáliseAtiva", em Viena, aonde praticou o que seria hojepsicoterapia breve.

Referências isoladas se seguiram até após aSegunda Guerra Mundial, quando começaram asurgir obras mais sistemáticas sobre as psicoterapiasde duração mais curta. A influência mais notávelnos Estados Unidos foi a Teoria Psicanalítica, deFranz Alexander e Thomas French.

Em geral se cita o trabalho de Eric Lindemann(1944) como um marco histórico no desenvolvi-mento das intervenções em crise, ao criar um ser-viço de consultas no Hospital Geral de Massa-chussetts para atender pessoas em luto agudo pelaperda de parentes no incêndio da boate CoconutGrove, em Boston. O atendimento se estendeu aoutros tipos de pessoas em várias situações de cri-se.

Na Inglaterra, Michael Balint e Enid, sua espo-sa, em 1960, após cinco anos de estudo para de-senvolverem uma psicoterapia de curto prazo, con-cluíram que a nova técnica era suplementar, e nãocontrária à psicanálise. Seguiram-se na ClínicaTavistock, de Londres, os conhecidos trabalhos deDavid Malan, continuador de Balint, sobre psi- .coterapia breve dinâmica.

Contemporâneos surgiram: Sifneos, com suapsicoterapia breve provocadora-de-ansiedade,Davanloo, com a psicoterapia breve dinâmica,Klerman a psicoterapia interpessoal, Beck e a

psicoterapia cognitiva, bem como lames Mann,Hans Strupp, J. Marmor e Wolberg, entre outros.

Posteriormente, de 80 em diante, multiplicaram-se os trabalhos que, em primeiro lugar, começarama comparar resultados, cada vez mais definindo aspossibilidades e os limites das psicoterapias bre-ves quanto ao nível de profundidade do inconsci-ente que eram capazes de atingir, e em segundolugar, ampliando seu espectro de ação no sentidoda diversidade de situações que podiam atender.Isto queLdizer que houve um arrefecimento maiscauteloso sobre o entusiasmo inicial dos autoresanteriores no que se refere às possibilidades de aspsicoterapias breves substituírem as psicoterapiasde longa duração em geral e, ao mesmo tempo, umatomada de consciência maior do largo espectro deação das intervenções breves, inclusive das cha-madas intervenções em crise.

Bellak & Small (1980), em publicação originalde 1978, muito apropriadamente chamam a aten-ção para o fato de que a maioria das pessoas pro-cura ajuda especializada somente quandoem-Cii:se. Uma vez esta superada, a motivaçao párà cõõü:'nuar uma abordagem mais profunda diminui oudesaparece. Todo terapeuta deveria se perguntarqual a sua responsabilidade para com pessoas emtal situação. Deveríamos nos omitir? Contentarmo-nos em classificá-los como "desmotivados para tra-tamento"? A resposta dos autores acima é "não",com a qual concordamos inteiramente. A respon-sabilidade dos terapeutas é oferecer ajuda tão efi-cientemente quanto possível dentro dos limites dasmotivações e das disponibilidades das pessoas quedela necessitam. Evidentemente não são todos ospsicoterapeutas que se dispõem ou que se motivampara tratar nestas circunstâncias, ao menos siste-maticamente. Mas uma maior reflexão mostrará autilidade de tais técnicas para aqueles que se moti-varem a exercê-Ias. Muitos dos autores que desen-volveram as técnicas psicoterápkas-h~e;;ão ps-i-canalistas que trabalhav<\m.-em-amp9Hjiõ-rT§fde-hospitais gerais ()u el11seryj_çps comunitários ouaillda em países cujos sistemas de saú-d~favôreci~am a atenção primária e o encaminhamento, a par-tir daí, para especialistas. Assim;il visao -que aque-les autores tinham de demanda da população é bemdiferente da de profissionais de outros países, quenão possuem estes serviços. Lê-se nas publicaçõesque eles partiram em geral da constatação de que amaioria das pessoas comparecia a quatro ou pouco

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PSICOTER-\PL~S 155

mais sessões psicoterápicas e depois se desinteres-sava. Esta não é evidentemente a experiência depsicoterapeutas de clínica privada, preparados paraatender a uma demanda específica de pessoas, que,já pela escolha, mostram um tipo de motivação ede possibilidades para uma psicoterapia mais pro-funda e de final aberto, em geral de longa duração.

TIPOS DE INTERVENÇÃO EM CRISE

Sifneos (1976) postulou dois tipos de psico-terapia breve: as supressoras de ansiedade (ou deapoio) e as provocadoras de ansiedade (ou dinâmi-cas).

As supressorasde ansiedad~Jêm"IWI; objce_tiyo'] diminuir ou eliminar a ansi~dade através do uso de.~ técnicas de apoio: tais como r~as'segura~~~to, téc~~. nicas de relaxal)1ento e manipulação do ambiente;;.; s~"ne"c~~";á~i~,somam-se a medidas tais como

',;j hospitalização e medicação apropriada. A,_ psicoterapia de apoio freqüentemente é de longaJ duração, mas um grupo selecionado de pessoas,\-' mesmo com transtornos graves de personalidade',)

"<" ou com quadros psicóticos crônicos, pode se be-',~l,i neficiar de uma psicoterapia breve de apoio que$',,_ se estenda de dois meses a um ano. Dentre estas,3" pessoas, algumas, em um momento crítico muito, agudo, poderão se beneficiar de uma psicoterapia

fle._{JpoioJm çri$e,ou seja, ,!ym período de tempoque r~~º."yJtrapasse do;s-mes~s;; Esta subdivisãobaseada no'''tempõapenás'' éhama a atenção para anecessidade de uma intervenção rápida, ágil edirigida para atender uma situação agudamentedisrupti va.

As provocadoras de ansiedade têm por o~jeti-.., ._vo pr()pºrcio~~r a.~li?uI_l2Di':~L<!~,jl,~s:igl1,t:~!LL~eD~()..:,~-'t clarificaçªg, cºDfI9nJ1!ç.ãp,ç;perg4J1tas 911,e:estiJJlU-.;j lem a Pt:s"~_O~,,ase qlles"tionar.As interpretações tam-

bém são utilizadas. A identificação de um foco de''-~ tratamento é fundamental, pois ele dirige o trata-'.";'.menta. As intervenções procuram se manter deri-

. .:8 tro do foco formulado. A mesma subdivisão base--..; .:só ada no tempo pode ser feita aqui: nas situações mais"-? agudas, a extensão da terapia sendo necessariamen-~;[ te mais curta, não ultrapassando dois meses, carac-'"),_ teriza uma psicoterapia provocadora de ansieda-

~ de em crise; quando se estender entre dois meses aum ano, se caracteriza como umapsicoterapia bre-ve provocadora de ansiedade.

Na visão de Sifneos, a psicanálise é a psicote-rapia provocadora de ansiedade de longa duração.

Sifneos chamou a atenção de que as subdivi-sões em prazos de tratamento não são rígidas, ape-nas destacam a ênfase na intensidade da crise. Já adivisão em provocadoras de ansiedade e su-pressoras de ansiedade tem maior importânciaoperacional, porque se dirigem a dois tipos dife-rentes de pessoas em crise e utilizam técnicas dife-rentês.

Um aspecto em comum entre os autores psica-nalistas que desenvolvera,rn "a,['sicoteraE_iabr!ve éa utilização düfSé.nceitôde (oÇQJbJ!.~ja, aC2!!~n-tração, durante um período detempo:nã resoluçãoãêüm conil-lia principal assoCIado à situação atu--ai,éle~dodõco-;)flitonucIe~ã;::ge~étiéo,ou a buscadêum objetivo e'specífiééi. "Tecnic-a'me~nte,o com:prom'rssocõmumõ6Jêtívo focal, identificado cedona relação terapêutica, implica numa modificaçãoe, às vezes, até num abandono do compromissopsicanalítico com o processo da associação livre ecom o desenvolvimento e análise de uma neurosede transferência. Mas é importante salientar que asmanifestações transferenciais e períodos de asso-ciação livre são incorporados nessas terapias bre-ves" (BeIlak & Small, 1978).

Posteriormente, outras fontes de conhecimen-to, além da psicanalítica, também embasaram tra-balhos que versaram sobre psicoterapia breve. Nes-te caso, já não são necessariamente dinâmicas, mascognitivo-comportamentais, por exemplo. Alémdisto, técnicas grupais, francamente sugestivas(para tratar dependentes químicos, por exemplo)também surgiram sob a denominação de breves.Resumindo, a diversidade de técnicas psicoterá-picas também incorporou as breves, e hoje em diatemos múltiplas psicoterapias breves, caraCleriza-das por serem de relativamente curta duração e p,Jf

trabalharem com objetivos específicos,

TÉCNICAS

Identificada uma crise, G ob'e1:"o genérico é a«--_._", ...._.-_.- .• ~- _., - - -

sua superação. Um insmlmemo clinico ú[il é es-t~beiecer umalÍista d_e - na qual são colo-cadas as questões quc:.pa:ecem esmr sendo enfren-tadas com difi::ukíade, se possÍ\'el com alguma h.i:er!lrq.ui_ª,isto é, p0f uma possível ordem de impor-tância.

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156 ..t"p.:o,'lDES Vai.PATO CORDIOL!

Sa illten'enção em crise supressora de ansie-~e O terapeuta utiliza reasseguramento, clarifi-

mais do que confrontação, exame detalhado,:125 tentativas de solução para cada um dos itens datista de problemas, encorajamento, técnicas de re-i3.:~amento, apoio de familiares ou conhecidos dopaciente, hospitalização breve e medicamentos, senecessário. As sessões podem ser de poucos minu-ws ou até as padrões de 45 ou 50 minutos, poden-do ser a intervalos freqüentes e variáveis, de acor-do com a intensidade e os riscos em questão. Érecomendável que haja disponibilidade do terapeutapara ser acessível, ou, então, que coloque à dispo-sição do paciente uma equipe ou um serviço paraemergências. Por esta razão, um terapeuta que tra-balhe individualmente em seu consultório deveráler poucos pacientes em crise, pois as solicitaçõesde atenção poderão superar a disponibilidade. Casouma situação de crise não seja percebida como talpelo terapeuta, este poderá tomar uma atitude de-fensiva, interpretando a demanda do paciente ape-nas como manipulação, sem estar atento para aiminência de um risco maior. Isto não quer dizerque o terapeuta fique desatento para as possíveismanipulações por parte do paciente.

Na intervenção em crise provocadora de ansi-edade a confrontação e a interpretação são maisutilizadas. Depois da lista de problemas, tenta-senão só identificar conflitos subconscientes asso-ciados à crise, mas alcançar algum insight. A for-mulação de um foco em termos dos elementos com-ponentes de um conflito intrapsíquico deverá ori-entar a dupla terapeuta-paciente, mas aqui oterapeuta explora mais a capacidade de o pacientese dar conta de suas motivações inconscientes,mostrando mais alguns dos elementos componen-tes dos conflitos psíquicos. '!:enta-se ajudar a pes-soa a entender um pouco mais seus sint0!llas e assuas dificulda~

Nas intervenções em crise tão logo a meta desuperação da crise seja atingida o tratamento deveser interrompido, para evitar que. os.._aspe~toscar.?-cteroIógicos Q.prolonguem. Caso esta meta nãoseja atingida, a psi~oterapià deve ser reorientada;Jl1fll um outro encaminhamento (revisão diagnós-~ica, psicoterapia breve dinâmica ou de longa du-ração. adequação da indicação psicoterápica inici-a; e assim por diante)

i\fackenzie (1988) estabelece um sistema su-':<.'~5ivo de decisões, no qual a primeira é se vai ser

utilizada uma intervenção tipo apoio ou provoca-dora de ansiedade. Se esta for a escolhida, apóspoucas semanas a decisão terá de ser se ela vai serterminada ou continuada como psicoterapia brevedinâmica. Estas decisões vão ser determinadas peloandamento da psicoterapia e pelas circunstânciaspossíveis.

É necessário chamar a atenção para a ambien-tação possível destas psicoterapias em crise: elaspodem oc&;-er num consultório privado, num am-bulatório, numa enfermaria clínica ou cirúrgica deum hospital, numa instituição escolar ou geriátri-ca, numa sala de emergência, num domicílio, numaenfermaria psiquiátrica de um hospital geral, emserviços comunitários como NAPS, CAPS, etc.Nestas várias situações, o terapeuta vai ter de ade-quar seu modo de agir às circunstâncias.

É de fundamental importância portanto a sele-ção adequada de pacientes para estas intervençõesem CrIse.

SELEÇÃO

Para uma intervenção de apoio em crise, sele-cionamos pessoas com longa história de relaçõesinterpessoais muito confusas, com poucos recur-sos psicológicos para manejar com os problemasdo cotidiano, com quadros psiquiátricos graves, emsituações clínicas que, em virtude de problemas fí-sicos, desaconselhem intervenções ansiogênicas(pré e pós-operatório imediatos, hemorragias di-gestivas, crise hipertensiva aguda e outras), quan-do a ambientação é imprópria para outra aborda-gem (intervenções à beira do leito clínico, porexemplo), enfim, quando razões internas ou exter-nas à pessoa em crise favorecem o apoio e não asintervenções mais psicodinâmicas.

Para uma intervenção provocadora de ansieda-de (psicodinâmica) em crise selecionamos pessoasque entraram em crise, mas que apresentavam an-teriormente condições psicológicas mais favorá-veis, com coesão maior de suas estruturas psíqui-cas e maior disponibilidade para uma abordagemmais compreensiva. Igualmente é necessário queavaliemos as condições de ambientação favoráveisa maior privacidade, as condições físicas da pes-soa e assim por diante.

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INDICAÇÕES

PSICOTERAPIAS 157

As pessoas em situação de crise em geral pode-rão se beneficiar deste tipo de intervenção.

No hospital g~ral, 'há indicações freqüentes:crises depressivasrêacionais, ansiedades pré e pós-operatórias, adaptação a situações clínicas novas,reações emocionais frente à própria hospitalização,familiares que acompanham seus doentes nas en-fermarias e na UTI, reações agudas de luto. Muitasdestas situações são acompanhadas por fortes emo-ções, tais como medo, raiva, sentimentos depres-sivos e de desvalia, medo de abandono, culpa porestar doente. Algumas vezes, estas reações apare-cem com as características de uma verdadeira cri-se ou esboçando alguma em potencial. As inter-venções neste momento são aliviadoras e preventi-vas, pois po.ºe.'!}j!p"'p'~dirreações mais disruptivas.

Em ambulatório!;lem geral tais situações ocor-rem em pessoas que já estão em tratamento, poisas crises são mais freqüentemente atendidas ememergências. Assim mesmo, naqueles ambulatóri-os com serviços mais disponíveis, próximos dacomunidade e menos burocratizados, estas situa-ções poderão ser atendidas em maior número.

Em consultórios privados, Eizirik (1996) mos-tra que a psicoterapia breve ocupa 6,6% do tempode uma amostra de 430 psiquiatras brasileiros,membros da Associação Brasileira de Psiquiatria,distribuídos em cinco estados e no Distrito Fede-ral. Os dados da pesquisa foram colhidos em 1990no Rio Grande do Sul e em 1992 nos demais esta-dos (Bahia, Pará, Rio de Janeiro, São Paulo) e noDistrito Federal. Já no Canadá, por exemplo, umestudo realizado em 1982, visando avaliar o im-pacto da entrada dos seguros-saúde na prática doconsultório psiquiátrico privado, encontrou 23,8%dos tratamentos como psicoterapia breve, certamen-te ocupando um tempo bem maior dos psiquiatrascanadenst';,s <loque naamostra brasileira.

EI1\âmbito comuniiáriô';)em serviços disponíveispara a demanda -popu'iãd(;nal há uma consciênciacada vez maior da necessidade deste tipo de aten-ção. Hickling (1994) descreve a evolução do aten-dimento à saúde mental na Jamaica, aonde adesinstitucionalização dos doentes mentais determi-nou um reforço dos serviços disponíveis na comuni-dade, basicamente postos de saúde ou pequenoshospitais gerais que cobriam uma região. A manu-tenção dos pacientes em seus domicílios foi garanti-

da por agentes de saúde, principalmente enfermei-ros psiquiátricos e auxiliares de enfermagem que osvisitam regularmente. O autor destaca a necessida-de de se desenvolverem, entre outras, medidas asintervenções em crise, que se mostram de extremaeficiência para manutenção e como medida preven-tiva de quadros psiquiátricos maiores. Salokangas(1994) relata uma experiência na Finlândia, aonde oprocesso de desinstitucionalização diminuiu muitoo número de pacientes hospitalizados, mas não di-minuiu significativamente a necessidade de atendi-mento dos mesmos. Partindo da constatação de queas pessoas com esquizofrenia e que saíram dos hos-pitais psiquiátricos são muito vulneráveis ao estressepsicossocial, o que já foi constatado em vários tra-balhos de Wing na Inglaterra; por exemplo, elas ne-cessitam de intervenções freqüentes e de serviçoscomunitários bastante disponíveis. Há muitos Cen-tros Comunitários de Saúde Mental espalhados pelaFinlândia. O Programa Nacional para Esquizofre-nia, nesse país, sugeriu a instalação de equipes parao atendimento de "crises" ou "psicoses" em cadaárea de atendimento e reforçou a importância de queos Centros Comunitários de Saúde Mental adotas-sem uma posição voltada para o atendimento de cri-ses.

Pulakos (1993) discute a adequação das inter-venções em crise para\prevenir suicídio. Primeirolembra que há vários trabalhos mostrando que ocomportamento suicida dos pacientes é o maisestressante para os terapeutas, em que os sentimen-tos despertados são, em geral, de choque, raiva,dúvida, culpa, incredulidade e medo de ser respon-sabilizado. Mais tarde surgem ansiedade e preocu-pação excessivas quando confrontado com mani-festações suicidas de outros pacientes e perda deautoconfiança. Pulakos conclui que as psicoterapiasde mais longa duração levam vantagem porquepodem ser utilizadas tanto para aquelas pessoas quetêm um estado contínuo autodestrutivo como paraaquelas que passam por um estado isolado suicida.Critica a atitude paternalista e muitas vezes autori-tária de quem utiliza as técnicas de intervenção emcrise para atender suicidas, defendendo mesmo atese de que pode ser pior, pois reforçam a depen-dência e a fantasia de impotência do paciente, quetransfere para outros, e para o terapeuta em parti-cular, a responsabilidade de cuidar dele, paciente,inclusive para mantê-lo vivo. Esta fantasia seriaresponsável por um agravamento da situação.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS,,::::;.:;_::-':;L;-C i992) concorda com esta posição, des-:.':'~;L;:C,:;que muitos suicidas inconscientemente::::.:~;em provar que por mais que o terapeuta faça,:::':::":-:1 será o bastante para ele. Se o terapeuta não.;:-e:-,:eber isto, cairá num beco sem saída, indo ao)C:liOxismo de atenção, passando a sentir frustra-;;i!.;). raiva e impotência. Isto seria um caminho cer-co para o fracasso do tratamento. Mas Gabbard res-S:J!\'a que é preciso fazer um diagnóstico corretodo comportamento suicida, se não é secundário auma depressão maior por desequillíbrio neuro-químico, o que implicaria no uso de medicação ou

outro procedimento adequado."É necessário ser flexível para adaptarmos as

técnicas aos pacientes e não ao contrário. Entre-tanto, a flexibilização é mais efetiva quando dis-pomos do conhecimento dos parâmetros pelos quaisnos guiamos" (Aguiar, 1993).

COMENTÁRIOS FINAIS

As intervenções em crise são aplicações origi-nalmente derivadas das psicoterapias breves, asquais se derivam da psicanálise como técnica. Acompreensão dos fenômenos psíquicos não muda,baseando-se na teoria psicanalítica. Outras verten-tes do conhecimento da vida psíquica se somam àsações psicoterápicas, tais como medicação, mane-jo do ambiente e de familiares dos pacientes. Ou-tras teorias, tais como a da aprendizagem, valori-zam o aspecto educativo que as intervenções emcrise têm, daí advindo talvez sua maior ação pre-ventiva. Ao formato individuai, as intervençõestambém podem serem grupo. As intervenções bre-ves também se adequam à ambientação possível.Em resumo, são práticas psicoterápicas queobjetivam ajudar pessoas em momentos de crise,vulneráveis, potencialmente à beira de um desen-lace positivo ou de ruptura. Exigem rapidez, flexi-bilidade, empatia e tolerância para situações de ris-co por parte do terapeuta.

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