Texto 20 - Tércio Sampaio Ferraz Jr. - Hermenêutica do Direito.docx
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HERMENÊUTICA E A CIÊNCIA DO DIREITO1
JOÃO VICTOR RODRIGUES SANTOS2
INTRODUÇÃO
Antes de iniciarmos a abordagem da teoria da interpretação em relação à ciência do
Direito, é necessário frisarmos a importância deste assunto para um conhecimento mais
preciso do Direito e sua aplicação na situação concreta, pois todo indivíduo se vale da
interpretação para conhecer e compreender os objetos ao seu redor. Ao ler um livro qualquer,
por exemplo, deparamo-nos com uma série de conceitos, significados e até mesmo
compreensões diferentes sobre os ensinamentos deste. Para o operador do Direito não poderia
ser diferente. Para ele, a interpretação é de fundamental importância, pois é com ela que a
norma do Direito deixa seu aspecto rígido e fechado, ganhando vida e sentido3.
Porém, vale ressaltar que existe uma ampla quantidade de interpretações possíveis e o
grande problema que entra em discussão é, justamente, o modo correto de fazê-las. Portanto,
feitas as devidas ênfases que demonstram o quanto esse assunto é essencial para a ciência do
Direito, podemos iniciar o nosso foco principal.
Este consiste em três pontos expostos por Ferraz Júnior (1980), no capítulo “A Ciência
do Direito como teoria da interpretação”, do livro “A Ciência do Direito”, onde ele explora os
variados pontos de vista e polêmica acerca da interpretação na prática jurídica. Eles são: (1) O
problema da Interpretação; (2) As técnicas interpretativas e (3) A integração do Direito.
1. O PROBLEMA DA INTERPRETAÇÃO
Inicialmente devemos ressaltar que “toda norma é, pelo simples fato de ser posta,
passível de interpretação” (FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 68). Porém, analisando o processo
histórico de elaboração de técnicas para se interpretar, observamos que, em alguns casos,
1 Ensaio apresentado à matéria Introdução à ciência do direito, ministrada pelo Professor Luiz Otavio Pereira, no qual abordaremos a obra “A Ciência do Direito”, de Tercio Sampaio Ferraz Júnior.2 Discente regularmente matricula no curso de Bacharel em Direito na Universidade Federal do Pará/Instituto de Ciências Jurídicas/Faculdade de Direito com o número de matrícula: 12641003901.3 Em sua obra “Duas Palavras”, Goffredo da Silva Telles Junior menciona, com louvor, que “Na interpretação das leis, mais importante do que o rigor da lógica racional é o entendimento razoável dos preceitos, porque o que se espera inferir das leis não é, necessariamente, a melhor conclusão lógica, mas uma justa e humana solução” (TELLES JUNIOR, 2004, p. 28).
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houve uma proibição da interpretação das normas, na qual apenas o legislador poderia
interpretá-la4.
No caso citado, podemos observar que deixar a interpretação do legislador ser a única
válida implica na soberania desse legislador, pois deixará com que ele tome as rédeas do
poder, podendo, inclusive, utilizar-se deste para os seus interesses particulares.
Apesar de as técnicas interpretativas já estarem presentes desde a “jurisprudência
romana e até na retórica grega” (FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 68), passando por uma série de
sociedades, “a consciência de que a teoria jurídica é uma teoria hermenêutica, ou seja, a
tematização da Ciência do Direito como ciência hermenêutica é relativamente recente”
(FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 68).
No final do século XIII, começa-se, sutilmente, uma construção da teoria da
interpretação que nos fornece dois modelos: o mecânico e o orgânico. O mecânico se baseia
na soma de partes que se complementam e o orgânico se baseia em um sentido próprio e não
formado por fragmentos, isto é, um todo5.
“No plano jurídico, a questão da unidade se torna um problema de sentido da ordem
normativa” (FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 69), isto é, procura-se descobrir, primeiramente, o
que a lei diz em seu texto e, para isso, elaborou-se quatro importantes técnicas interpretativas:
“a interpretação gramatical, que procurava o sentido vocabular da lei; a interpretação lógica,
que visava ao seu sentido proposicional; a sistemática, que buscava o sentido global; e a
histórica, que tentava atingir o seu sentido genético” (FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 69).
Porém, após 1814 as técnicas interpretativas entraram em decadência para dar lugar a
um modelo hermenêutico na Ciência do Direito, pois se começa uma reflexão acerca de um
grande problema da interpretação, que é o fator da autenticidade da teoria da interpretação.
E é acerca deste problema que Ferraz Júnior (1980) aborda a diferença entre duas
doutrinas: A doutrina dos objetivistas e a dos subjetivistas. Os objetivistas defendem que na
maioria das vezes o legislador não é uma pessoa única, fisicamente identificável, na maioria
das vezes é um grupo de pessoas. Estes também afirmam que “só as manifestações normativas
trazidas na forma jurídica têm força para obrigar” (FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 71) e que a
função do legislador é apenas ser uma competência legal para escrever a norma6. Por fim, eles
4 Um exemplo desta situação “Já estava lá, no Código de Justiniano, que, se é dado ao imperador fazer as leis, apenas ele poderá interpretá-las” (GRAU, 2004, p. 47).5 Esta distinção é semelhante à análise e à síntese, onde a análise se baseia em observar e estudar os fragmentos separadamente e a síntese consiste no todo, isto é, compreender o objeto numa concepção geral em que esses fragmentos estão unidos em um só objeto de estudo.6 Gustav Radbruch (1999) já afirmava em sua obra “Introdução à Ciência do Direito” que a interpretação vai muito além da “vontade do legislador”, “Pois é próprio da força misteriosa da criação humana emprestar a suas criações um significado mais profundo do que o imaginado pelo próprio criador” (RADBRUCH, 1999, p. 217).
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afirmam que é preciso confiar na palavra da norma e que somente uma interpretação objetiva
pode considerar a jurisprudência no Direito, devido ao seu caráter altamente mutável.
Porém, os subjetivistas defendem que, para uma interpretação autêntica das leis, é
preciso compreender o pensamento do legislador, pois, para eles, a norma foi criada com uma
intenção7 e esta só pode ser analisada reconhecendo “a vontade do legislador”.
Eles afirmam, também, que não se pode ignorar o legislador originário, pois os
documentos e todo o recurso à técnica histórica que elaboraram a discussão e criação da
norma são fundamentais e, portanto, deve-se analisar o objetivo do legislador ao construir as
leis. Afinal, os subjetivistas abordam que ignorar a “vontade do legislador” implicaria no
favorecimento da “vontade do intérprete”, como se o intérprete fosse mais apto do que o
próprio legislador, gerando assim, uma insegurança do Direito.
Ferraz Júnior (1980) afirma que destas duas correntes de pensamento surgem os
pressupostos básicos da hermenêutica. O primeiro consiste em um ponto de partida dogmático
da interpretação, onde uma autoridade competente deu sentido à norma. O segundo defende
uma arbitrariedade do intérprete e o terceiro é “o caráter deontológico e normativo da
interpretação” (FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 73). Porém, apesar das múltiplas possibilidades
interpretativas, é preciso que haja uma interpretação preponderante, para que, assim, seja
atribuído ao Direito o seu caráter decisório.
2. AS TÉCNICAS INTERPRETATIVAS
Segundo Ferraz Júnior (1980), inicialmente, o intérprete deve buscar a definição do
texto e relacioná-lo com o caso a que ele se designa e fazer uma interpretação gramatical do
texto da lei. Depois dessa primeira tarefa, é preciso uma interpretação lógica e sistemática
cujo objetivo é evitar a incompatibilidade das normas e, para isso, valemo-nos de “três
procedimentos básicos: a atitude formal, a atitude prática e a atitude diplomática” (FERRAZ
JUNIOR, 1980, p. 77).
Para definirmos esses três procedimentos, basta notarmos que “enquanto a atitude
formal procura soluções, olhando as situações a partir das normas, a atitude prática visa ao
mesmo objetivo, olhando as normas a partir das situações” (FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 78).
Com estas definições basta ressaltar um exemplo nas atitudes práticas que é a Jurisprudência,
7 Nesse ponto, podemos observar o pensamento de Goffredo da Silva Telles Junior de que “O Filósofo do Direito sente que a lei tem letra e tem espírito. Quase poderíamos dizer que a letra tem corpo e alma. A verdade é que a lei, para o jurista, não se esgota em sua letra. A lei se acha, também, no seu pensamento e na sua intenção” (TELLES JUNIOR, 2004, p. 27).
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que se baseia nas decisões de tribunais e da prática jurídica para formular argumentos válidos.
No caso da atitude diplomática, trata-se de uma decisão provisória e imediata, isto é, que não
está baseada na observação das normas ou na prática, mas numa solução repentina que pôde
resolver os problemas da circunstância em questão.
Como terceira tarefa, necessitamos de uma interpretação sistemática que envolve o
estudo da origem da norma do Direito e a concepção de um ordenamento de princípios como
um todo, que regem as atividades interpretativas e, conforme Ferraz Júnior (1980) explica,
estas características nos levam a falar de uma interpretação histórico-evolutiva que “conforme
as necessidades sociais do mundo em transformação passam a exigir passam a exigir uma
revaloração dos fins propostos para determinada legislação” (FERRAZ JÚNIOR, 1980, p.
80). Vale notar que os princípios não são regras já criadas, mas sim um pressuposto dessas
regras, isto é, eles supõem as ideias de justiça, liberdade, igualdade e outras concepções8.
3. A INTEGRAÇÃO DO DIREITO
O problema de integração do Direito consiste nas lacunas do ordenamento legal, que
tomou conta do cenário jurídico com o rompimento da concepção de que no direito positivo
vigente estaria o Direito em sua totalidade, pois afinal, as lacunas provam a insuficiência da
positividade jurídica. “Discute-se aqui a legitimidade de o intérprete ir além da compreensão
da norma, configurando novas hipóteses normativas, quando o direito vigente não as prevê ou
mesmo quando as prevê, mas de modo insatisfatório” (FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 80).
O problema gira em torno da totalidade do sistema de normas, isto é, saber se esse
sistema é completo e envolve todos os casos. O problema é a definição de lacuna e da
legitimidade ou ilegitimidade desta. Por vezes, a própria interpretação das leis podem
preencher essas “lacunas” e, portanto, não haveria necessidade de criar uma norma para
preenchê-la. A integração do Direito em seu aspecto dinâmico é extremamente mutável, pois
a própria história do Direito revela “ ‘lacunas’ que antes não existiam e preenchendo outras
antes conhecidas” (FERRAZ JÚNIOR, 1980, p. 83).
Afinal, Ferraz Júnior (1980) exprime que a integração do Direito pode possuir ou não
lacunas, mas o que não podemos deixar de perceber é que estas servem de apoio ao modelo
hermenêutico, pois abrem possibilidades para uma teoria da interpretação que, mesmo
possuindo caráter dogmático em sua origem, permite-nos um “caráter de procedimento
8 Podemos relacionar a ideia de princípios do Direito com a ideia de Direito pressuposto, que Eros Roberto Grau aborda em sua obra, “Porque o Direito, no seu momento de pressuposição, é um produto histórico-cultural que condiciona a formulação do direito posto” (GRAU, 2004, p. 37).
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persuasivo, que busca uma decisão possível, mais favorável (decidibilidade)” (FERRAZ
JÚNIOR, 1980, p. 84), um instrumento, portanto, de defesa contra as normas positivistas
fechadas e rígidas, como o direito natural, por exemplo.
CONCLUSÃO
Inicialmente abordamos as variadas técnicas de interpretação, a gramatical que analisa
o significado do texto da lei, a lógica (sentido proposicional), a sistemática (sentido global) e
a histórica (sentido genético). Depois passamos pela polêmica entre os objetivistas e os
subjetivistas, que nos levaram aos pressupostos básicos da hermenêutica jurídica que são a
origem dogmática, a arbitrariedade do intérprete e o caráter deontológico normativo. Por fim,
após as observações e análises que acabamos de expor nesse ensaio sobre a teoria da
interpretação e a Ciência do Direito, passando pela Ciência do Direito como ciência
hermenêutica e relacionando seus inúmeros problemas na elaboração de uma interpretação
legítima, pode-se constatar que o Direito é um processo em desenvolvimento e que suas
lacunas fazem parte da sua elaboração, pois permite-nos refletir sobre como preenchê-las e as
vezes o simples preenchimento dessa lacuna para um caso pode não servir para outro, gerando
outra lacuna e, portanto, a interpretação é um processo de formação contínuo de construção da
Ciência do Direito que se baseia na problemática, aparentemente insolúvel, da integração do
Direito.
REFERÊNCIAS
FERRAZ JÚNIOR, Tercio Sampaio. A ciência do direito como teoria da interpretação. In. A ciência do direito. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 1980, p. 68-86.
TELLES JUNIOR, Goffredo da Silva. Duas Palavras. In. O que é a Filosofia do Direito? Barueri-SP: Manole, 2004, p. 11-32.
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GRAU, Eros Roberto. O direito posto, o Direito Pressuposto e a Doutrina Efetiva do Direito. In. O que é a Filosofia do Direito? Barueri-SP: Manole, 2004, p. 33-50.
RADBRUCH, Gustav. Ciência do Direito. In. Introdução à ciência do direito. Trad. Vera Barkow. São Paulo: Martins Fontes, 1999, p. 215-232.