Texto Adolescência, Violência e Sociedade Punitiva

8
Texto: Adolescência, violência e sociedade punitiva. Ana Paula Motta Costa (socióloga e advogada; mestre em Ciências criminais pela PUC/RS) Texto trata do Estado social x Estado penal, violência, adolescência e juventude. O valor preponderante da sociedade atual é a liberdade individual que se resume pela busca do próprio prazer, da emoção e do instinto. “É a satisfação, mesmo que por um instante”. (p. 64). A sociedade do séc XXI se caracteriza por uma sociedade individualista e atomizada; “vivemos num período em que não existem certezas” (p. 64). Agudiza-se as desigualdades sociais, num mesmo processo em que exacerba-se a individualização de modo que os graves problemas sociais/crises são transformados e compreendidos como elementos representativos de um fracasso pessoal; de uma crise de ordem individual. (p. 64). Wac guant sinaliza um processo de diminuição do Estado social e ampliação do Estado penal. Este movimento pode ser percebido através do, nos últimos anos, aumento do número de encarcerados e, de todos os que dependem da indústria do encarceramento, ao mesmo tempo em que há o crescimento do número de exonerados, abandonados, excluídos da vida econômica e social. (p. 65). No Brasil este movimento pode ser sentido mais drasticamente, visto nossa condição histórica e política que resultou na construção de um Estado de bem-estar social e da não tradição de instituições democráticas capazes de amortecer os efeitos das mudanças no mundo do trabalho no qual o desemprego passa a ser uma realidade estrutural e a

description

ECA

Transcript of Texto Adolescência, Violência e Sociedade Punitiva

Texto: Adolescncia, violncia e sociedade punitiva.Ana Paula Motta Costa (sociloga e advogada; mestre em Cincias criminais pela PUC/RS)

Texto trata do Estado social x Estado penal, violncia, adolescncia e juventude.

O valor preponderante da sociedade atual a liberdade individual que se resume pela busca do prprio prazer, da emoo e do instinto. a satisfao, mesmo que por um instante. (p. 64). A sociedade do sc XXI se caracteriza por uma sociedade individualista e atomizada; vivemos num perodo em que no existem certezas (p. 64). Agudiza-se as desigualdades sociais, num mesmo processo em que exacerba-se a individualizao de modo que os graves problemas sociais/crises so transformados e compreendidos como elementos representativos de um fracasso pessoal; de uma crise de ordem individual. (p. 64).

Wac guant sinaliza um processo de diminuio do Estado social e ampliao do Estado penal.Este movimento pode ser percebido atravs do, nos ltimos anos, aumento do nmero de encarcerados e, de todos os que dependem da indstria do encarceramento, ao mesmo tempo em que h o crescimento do nmero de exonerados, abandonados, excludos da vida econmica e social. (p. 65).No Brasil este movimento pode ser sentido mais drasticamente, visto nossa condio histrica e poltica que resultou na construo de um Estado de bem-estar social e da no tradio de instituies democrticas capazes de amortecer os efeitos das mudanas no mundo do trabalho no qual o desemprego passa a ser uma realidade estrutural e a poltica econmica mundial no aponta para o reingresso da populao sobrante no mercado de trabalho.Associa-se este movimento de crescimento dos excludos do mbito da produo (do trabalho) ao sucateamento da Previdncia Social, que ainda figurava como um suporte aos trabalhadores e direitos de cidadania. Os que recorrem a previdncia ganham o estigma de incapazes.

O mundo do trabalho vive numa progressiva degradao e desestabilizao das condies de trabalho (p. 66) e fragilizao dos suportes de sociabilidade. Ao mesmo tempo em que temos uma sociedade centrada no consumo (p. 67), porm esse processo de consumir uma atividade meramente individual (Bauman) (p. 67). Porm, a estratgia de seduo do mercado consumidor poderosa e coletiva. Os padres que a sociedade consumidora promove de que h de se tentar buscar os fins diretamente, o consumo deve ser alcanado de forma individual, numa sintonia onde os fins justificam-se os meios. Amplia-se o espao para a criminalidade. Portanto a criminalidade no um produto de mau funcionamento, muito menos de fatores externos prpria sociedade: o prprio produto individual da sociedade de consumidores. Quanto mais elevada a busca do consumidor, mais eficaz ser a seduo do mercado e mais segura e prspera ser a sociedade de consumidores. Todavia, ser maior o hiato entre os que desejam e os que podem satisfazer seus desejos. (pags. 67 e 68)

As classes perigosas so assim definidas como classes de criminosos. E, desse modo, as prises agora, completa e verdadeiramente, fazem s vezes das definhantes instituies de bem-estar. (Bauman, 1998) (p. 68). Cada vez mais, ser pobre encarado como um crime, empobrecer como produto de predisposies e intenes criminosas. Os pobres, em vez de fazerem jus aos cuidados de assistncia, merecem dio e condenao. Comportamentos como o abuso de lcool, de jogos de azar, de drogas, assim como a vadiagem e a vagabundagem, dependendo de quem os pratica, so objeto de criminalizao. (p. 68).

2. Violncia e Sociedade punitiva

Convivemos em uma sociedade onde a violncia, em seu sentido mais abrangente, faz parte da vida cotidiana dos indivduos, acontece em todos os segmentos sociais e est em todas as instituies, como na famlia, no trabalho, na escola, nos poderes polticos, na prpria justia, na igreja, enfim, est implcita nas relaes entre pessoas e legitimada socialmente. (p.68).

Sociedade brasileira, a despeito de seu crescimento econmico das ultimas dcadas, continua caracterizada por uma grande disparidade social e pela pobreza da maior parte de sua populao (p. 69), aliada ausncia de um Estado social comprometido com as necessidades da populao e, por outro lado, tradio de um Estado autoritrio. Fatores que promovem o crescimento da violncia. O crime de mercado, trfico de coisas ilcitas ou servios ilcitos est sempre junto corrupo, cuja principal fonte a deteriorizao dos servios pblicos, especificamente de segurana pblica. Os governos, ao provocarem a deteriorizao das policias, permitem que faam sua prpria arrecadao (drogas, trafico de armas e pessoas...) (Zaffaroni, 2002). Tanto os criminalizados quanto os policiais esto na mesma faixa social, pertencem ao extrato social mais vulnervel submetidos a instituies com discursos moralizante para fora e completa para dentro. (p. 69).

Lembrar do documentrioNoticias de uma guerra particular

Propaga-se de forma massificada a punio e a represso como soluo para conter a forma de violncia especifica da criminalidade. (p. 70). Justifica-se o uso da violncia pelo Estado como forma de garantir a segurana, produz-se um pnico social que se faz crer que a nica soluo efetivamente o encarceramento ou o sistema penal utilizado em grande escala. (p. 71). O aumento do espao dada divulgao de crimes acontecidos e sua dramatizao, bem como a publicidade excessiva e concentrada em casos de maior crueldade, aproximadamente fator das pessoas, que passam a v-los como acontecendo com maior intensidade, maior do que efetivamente existente na realidade. (Karan, 1993).

H uma cumplicidade entre o campo poltico, miditico/jornalstico e as instituies penais que corrobora para o excesso do pnico moral em torno da criminalidade. (p. 71) (Wac guant, 1999).

O combate ao crime o grito de convergncia de polticos de diferentes matizes, preocupados em tranqilizar as classes mdias e brancas, assustadas com a insegurana das grandes cidades. De outra parte, a violncia o assunto predileto da mdia, espetculo que conquista e mantm mercado a partir da fascinao mrbida da populao. Interesses corporativos e econmicos esto em jogo, multiplicam-se leis repressivas e perda de garantias individuais e sociais. o fantasma da criminalidade criada para logo em seguida props-se o sistema penal como alternativa.

Em funo disto que os gastos com a chamada segurana pblica tornam-se uma necessidade justificada socialmente. Antes de se oferecer polticas sociais, se gasta com aparatos repressivos, no porque sejam mais caros ou baratos, mas porque so mais eficazes do ponto de vista higienista. A culpabilizao individual faz com que no reste alternativa seno a de terminar com aqueles que provam ser incapazes de pertencer sociedade de consumo. (p. 74).

A priso , portanto, a escola e refgio dos excludos do consumo: negros, imigrantes, moradores de bairros estigmatizados. Quer nos EUA, quer na Europa ou na Amrica latina, encontramos o mesmo perfil no apenado. A priso mais um mecanismo de perpetuao da discriminao tnica: circunscreve guetos, mantendo-os em relativa estabilidade. Alm disso, consolida o estigma, demonstrando que a criminalidade anda junto com a pobreza, com o baixo nvel de escolaridade, com a baixa ou a nenhuma renda e com as etnias no-brancas. Buscam-se demonstrar que essas so as causas etiolgicas da criminalidade e no parte de uma mesma lgica criminalizadora, que descarta pessoas, tira-lhes a possibilidade de serem sujeitos e pulveriza responsabilidades. (p. 76).

3. Adolescncia e a Sociedade punitiva

A violncia praticada por jovens um tema cada vez mais presente e assustador na vida cotidiana e nos meios de comunicao. O alarde do crescimento do nmero de infraes da populao juvenil e a propaganda miditica geram solicitaes de medidas repressivas por partir da populao que se materializam nos vrios projetos de lei e de emendas Constituio que transmitam no Congresso Nacional, buscando a reduo da idade de imputabilidade penal. (p. 74).Conforme Volpi (2001) existe em relao adolescncia em conflitos com a lei, na sociedade brasileira, um trplice mito que composto pelo hiperdimensionamento do problema, pela periculosidade do adolescente e pela impunidade.Os dois primeiros fatores componentes do mito decorrem da manipulao dos dados oficiais, cotidianamente feita pelos meios de comunicao. A idia que costuma ser repassada a opinio pblica de que cada vez tem um nmero maior de infraes cometidas por adolescentes, que tais crimes so em maior volume que os cometidos por adultos e que estes atos infracionais so revertidos de grande violncia.Em contraponto, os dados do Censo Penitencirio Brasileiro, realizado pelo Ministrio da Justia (1994) aponta que havia no Brasil 88 presos adultos para cada 100 mil habitantes enquanto, no mesmo perodo, trs adolescentes internados cumprindo medida socioeducativa para cada grupo de 100 mil habitantes. Prossegue afirmando que 03 anos depois, em 1997, embora tenha havido o crescimento da populao carcerria nacional, a proporo entre adultos e adolescentes manteve-se inalterada, provando que o alarme propagado sobre a delinqncia juvenil no encontra respaldo em dados oficiais. A equivocada idia da periculosidade juvenil pode ser observada atravs dos dados estatsticos que apontam que o percentual de infraes praticadas por adolescentes perfaz menos de 10% dos crimes praticados por adultos. E, ainda, no universo de delitos cometidos por adolescentes, apenas 19% so considerados delitos graves, como homicdios, latrocnios ou estupro, ou seja, menos de 2% do total de delitos cometidos.A idia de impunidade est associada interpretao dominante junto ao senso comum de que a lei destinada aos adolescentes, no caso ECA.

(FALTA, RENATA)

Fatores que fazem parte do modo de vida da populao infanto-juvenil nas cidades brasileiras:

a) Famlia, escola e comunidade fragilizadas na dimenso protetiva. A maior parte das famlias so numerosas, chefiadas por mulheres vivendo em condio de estresse permanente que trazem como desafio a sobrevivncia cotidiana. Dados mostram que 60% (Assis, 1999) das famlias de jovens em conflitos com a lei no RJ viviam em famlias exclusivamente chefiadas por mulheres. Estas famlias esto submetidas ao subemprego, alm das circunstncias como: trabalho infantil e explorao sexual comercial, fragilizao das redes sociais de apoio que constituem as polticas pblicas.b) Tem as suas prticas e valores sociais criminalizados e subalternizados, o que dificulta a constituio de um projeto de vida em que haja sentimento de pertencimento. Vivencia o estigma da inferioridade e subalternidade.c) Estado social ausente. Precarizao das polticas sociais. Estado penal forte.d) Oferta do mundo do trafico como fonte de renda imediata que permite um padro de consumo jamais acessado por meio do mundo do trabalho formal ou informal. Frente ao desemprego, baixa escolaridade adeso ao trafico passa a ser uma possibilidade. Alm das vantagens simblicas como status, auto-estima, visibilidade que so ofertadas. Os ganhos simblicos so maiores do que a atividade econmica, a possibilidade de reconhecimento, mesmo que de forma negativa.e) Cultura da violncia como forma de sociabilidade que pr-passa todas as relaes sociais. A violncia como linguagem e forma de se relacionar com o outro e com o mundo.