Texto Adroaldo Gaya (1)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA Educação Física: A vertente pedagógica da cultura corporal do movimento humano OU 100 Parágrafos em defesa da formação única: Subsídios para o debate sobre a reformulação curricular na EsEF-UFRGS Adroaldo Gaya PORTO ALEGRE, AGOSTO de 2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

ESCOLA DE EDUCAÇÃO FÍSICA

Educação Física: A vertente pedagógica da

cultura corporal do movimento humano OU

100 Parágrafos em defesa da formação única: Subsídios para o debate sobre a reformulação

curricular na EsEF-UFRGS

Adroaldo Gaya

PORTO ALEGRE, AGOSTO de 2009

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2

SUMÁRIO

Introdução 3

1- Educação Física e a Corporalidade 9

1.1- As correntes dualistas 10

1.2- As correntes não-dualistas 12

2- A Cultura Corporal do Movimento Humano 14

2.1- Sobre o significado de cultura 16

2.2- Sobre o significado da Cultura Corporal do Movimento

Humano

17

3- Educação Física como vertente pedagógica da Cultura

Corporal do Movimento Humano

19

3.1- Educação Física como profissão 19

3.2- Educação Física como uma disciplina escolar 23

3.3- Educação Física como uma área acadêmica 26

4- Licenciatura e Bacharelado. As idiossincrasias na formação

do profissional de educação física no Brasil

29

5- Em defesa de uma formação unificada do professor de

educação física em torno da licenciatura (ou em defesa de

uma licenciatura ampliada

40

6- Em conclusão. Palavras de otimismo

49

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Educação Física:

A vertente pedagógica da cultura corporal do movimento humano

Ou

100 Parágrafos em defesa da formação única Subsídios para o debate sobre a reformulação curricular na EsEF-UFRGS

Adroaldo Gaya

Introdução

O passado é histórico, o presente é caótico e o futuro é utópico. Ordem, caos e utopia são assim os vértices do triângulo

Sobre o qual se desenvolve a espiral do tempo

José Saramago1

Ler significa reler, compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos que tem e interpreta a partir de onde os pés pisam.

Leonardo Boff 2

Todavia, não desejaríamos esquecer-nos de que escrever,

mesmo quando feito de cabeça fria e com a melhor predisposição à objetividade, é sempre literatura e que a terceira dimensão da literaturas é a ficção.

Hermann Hesse3

§ 1(4) .As palavras de José Saramago embora ditas em outro contexto

serviram-me de motivação para refletir sobre a Educação Física. Sou professor

de Educação Física, e disso tenho muito orgulho. A Educação Física é o solo

onde piso e o horizonte para onde dirijo meu olhar. Mas, no entanto, não

esqueço que escrever é sempre literatura e que a sua terceira dimensão é a

ficção. Por isso, quando escrevo tenho sempre presente os riscos de estar

1 José Saramago em discurso na ocasião de seu doutoramento Honoris causa pela Universidade de Évora. Citado por ZORRINHO, C. Ordem, caos e utopia. Lisboa: Presença, 2001. 2 Boff, Leonardo. A Águia e a Galinha. 46ªed. Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p.15. 3 Hesse, Hermann. O Jogo das Contas de Vidro. Lisboa: Dom Quixote, 1993, p.43. 4 Vou publicar este texto em forma de parágrafos numerados com o intuito de facilitar a localização dos conteúdos que, eventualmente, sejam objeto de debate.

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4

além do real possível. Escrever me remete ao mundo dos desejos, dos sonhos.

Ao escrever revelo também a minha utopias.

§2

Por amor a minha profissão e por tê-la em alta consideração, por vê-la

digna, edificante e nobre, não obstante, tão pouco valorizada pela sociedade

dita do conhecimento e da informação é que me entrego à tarefa de escrever

esta monografia. Por um lado, para revelar minhas tristezas e, por outro lado,

para compartilhar meus sonhos. As minhas tristezas advêm do reconhecimento

à ignorância de tantos atores sociais quando se referem à Educação Física. A

Educação Física é tão pouco valorizada!

§3

A Educação Física é pouco valorizada, em primeiro lugar, pelo

desconhecimento e incompreensão de grande parte do senso comum. Para

muitos somos apenas (apenas?) os professores que ensinam as crianças a

jogar bola, os que treinam os jovens para desenvolver uma boa condição física,

os que exercitam os adultos para diminuir o peso corporal e os idosos para

aumentar sua expectativa de vida. Embora não haja dúvida, que tais propósitos

são socialmente relevantes e em boa parte, são mesmo fundamentais à vida

humana, todavia para parte significativa desse mesmo senso comum, essas

tarefas não vão além da reprodução mecânica de um conjunto de técnicas

corporais. Por suposto, tarefas com baixa exigência de conteúdo intelectual,

cultural e pedagógico. Nada que não possa ser retirado de uma coletânea de

exercícios e ser reproduzido por um instrutor, um ex-atleta, um amigo da escola

ou até mesmo um programa de computador. Ainda há quem se espante ao se

deparar com um estudante de educação física estudando e pesquisando sobre

fisiologia, psicologia, antropologia, filosofia, etc. Para esses distraídos, basta,

para ser professor de educação física, jogar bola, fazer ginástica, ser forte,

veloz e flexível.

§4

Educação Física, pouco valorizada por teologias, filosofias e pedagogias

dualistas que vêem o corpo e a alma como substâncias separadas e distintas.

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5

Dualismo que define o corpo como moradia ou prisão da alma, ou como um

relógio composto por rodas e contrapesos. Educação Física que, enfim, ao ter

suas raízes plantadas no campo fértil da corporalidade desfruta dos mesmos

preconceitos que tais teologias, filosofias e pedagogias compartilham em

relação ao corpo. Um corpo que para alguns ideólogos do trans-humanismo é

obsoleto e deve ser substituído por uma máquina sofisticada. Um corpo que

para determinadas correntes religiosas deve ser mortificado para expiar

prováveis descaminhos da alma ou do espírito. Um corpo que após a morte

deverá apodrecer na terra após dar liberdade à alma que voltará ao reino dos

céus ou ao mundo das idéias. Corpo que, para outros tantos teólogos, filósofos

e pedagogos mais condescendentes com a sua incômoda presença entendem

que ele deva ser cuidado e treinado para tornar-se belo, forte e saudável pela

simples razão de estar a serviço da mente. Pois, afinal! Uma mente sã deve

exigir um corpo sadio.

§5

Educação Física pouco valorizada por cientistas reducionistas que a

restringem aos limites estreitos de suas disciplinas. Nossas faculdades estão

cheias de fisiologistas, biomecânicos, psicólogos, antropólogos, sociólogos que

isolados no espaço restrito de suas especialidades pretendem

pretensiosamente através de suas estreitas janelas visualizarem o mundo

complexo e transdisciplinar da Educação Física. Assim, como produto desta

hiper-especialização, se por um lado, alguns de nossos alunos são capazes de

publicar artigos em revistas científicas nas diversas áreas do conhecimento,

por outro lado, muitos deles não adquirem a mesma competência para dar

aulas de Educação Física para uma turma da quinta série.

§6

Educação Física pouco valorizada por pedagogos racionalistas e

intelectualistas para quem o ato de educar se resume exclusivamente às

necessidades da razão – o inteligível -. Educação que deveria ser integral – o

inteligível e o sensível -, mas que, no entanto se resume ao ensino do escrever;

do fazer contas; do decorar nomes de continentes, países e suas capitais,

personalidades importantes da história universal. Educação onde o corpo e o

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6

sensível não têm relevância já que é apenas percebido como uma máquina a

serviço do raciocínio lógico.

§7

Educação Física pouco valorizada em escolas onde o corpo não tem

voz. Escolas onde o corpo permanece sentado, disciplinado no silêncio e

passividade de uma estátua de mármore. Ou, quem sabe, tal como umas

marionetes. Move-se por mecanismos articulados a partir de um conjunto de

fios que se mantém sobre o controle dos mestres. Educação Física

desvalorizada pela cultura do silêncio corporal. Corpo estátua de mármore que

sequer, como imaginava Condilacc5 tem, através da educação, seus sentidos

despertados um a um. Corpo aprisionado e de costas para o mundo, vendo

sombras na parede e tomando-as pela realidade, tal como na alegoria da

caverna de Platão6.

§8

Educação Física desvalorizada, também por muitos professores de

Educação Física. Sim! Professores de Educação Física que se mantendo

presos entre as fronteiras rígidas de concepções racionalistas e intelectualistas

se sentem menos importantes ao ter de lidar com corpos sensíveis. Corpos que

correm, saltam, jogam, dançam e fazem esportes. Corpos que suam nas

quadras, campo e estádios. Corpos que necessitam das aprendizagens de

habilidades motoras e técnicas esportivas, do treinamento das capacidades

físicas, dos cuidados de higiene e saúde. Corpos que, para além da razão,

expressam desejos e sentimentos. Corpos que não se deixam apreender em

sua complexidade pelos discursos sofisticados que, na maioria das vezes

sendo importados de outras ciências, se multiplicam nos cursos de formação,

nas conferências, nos livros e discursos de professores de Educação Física

investidos de filósofos, teólogos, psicólogos, sociólogos, antropólogos, etc.

Professores de Educação Física que imaginam que ao propor ou partilhar de

discursos eloquentes contra as competições esportivas, o ensino do esporte na 5 Condilacc E. Tratado das Sensações. Campinas: Ed da Unicamp, 1993. 6 Platão. In. Os Pensadores. Civita, V. (ed.), Trad. Jorge Paleika e João Cruz Costa. São Paulo: Abril Ed., 1972.

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escola, as práticas que envolvem a formação corporal e a busca da excelência

estão construindo (ou desconstruindo) um referencial teórico capaz de fornecer

fundamentos consistentes para a Educação Física. Professores que em minha

opinião, infelizmente fazem muitos gols contra.

§9

Educação Física desvalorizada por professores de Educação Física nas

escolas. Professores que engajados em fundamentalismos ou por pura

preguiça abdicaram do compromisso da formação de seus alunos. Professores

que se limitam a transformar suas aulas num lugar divertido, num espaço

exclusivamente lúdico, num parque de diversões onde o prazer individual e

imediato é o único bem possível, princípio e fim da vida moral. Professores que

se convertem em animadores culturais ou expectadores de uma “pelada de

futebol” entre seus alunos, mas sem qualquer compromisso pedagógico,

apenas entregam a bola no início das aulas e a recolhem ao final. Portanto,

Educação Física que ao abdicar da ética do esforço, do trabalho e da disciplina

abdica também de sua tarefa de formação e educação. Esqueceram que nada

do que realmente vale se alcança sem esforço e sem fatigante trabalho7.

§10

Mas, por que a mensagem de José Saramago me fez refletir sobre a

Educação Física e inspirou esta monografia?

1. Porque eu tenho consciência de que a Educação Física tem

passado, tem história e esta história tem sentido e ordem. A

Educação Física realizou-se num processo histórico que tende a dar

corpo ao sonho e construir passo a passo os mil passos que o

caminho exige. Sua história exigiu tempo, paciência, esperança,

superação de obstáculos e trabalho de construção8. Certamente se

torna necessário ler nossa história à luz dos condicionamentos

objetivos do presente e de novos sonhos de um futuro promissor

possível, mas isso, evidentemente, não significa esquecê-la e

7 Boff, Leonardo. A Águia e a Galinha. 46ªed. Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p. 81 8 Texto adaptado a partir de Leonardo Boff. Saber cuidar. Ética do humano – compaixão pela terra. (14ª Ed). Rio de Janeiro: Vozes, 2008, p.82.

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desconsiderar sua relevância para a construção presente e para as

expectativas futuras.

2. Porque a Educação Física tem um presente, que como tentei sugerir

nas linhas anteriores é caótico. Hoje não sabemos bem onde

estamos nem para onde vamos. Provavelmente vivemos uma crise

de identidade. É bacharelado, é licenciatura, é esporte, é atividade

física, é saúde, é lazer, é ciência...

3. Mas, sobretudo porque acredito e tenho fé que a Educação Física

tenha um futuro e, principalmente porque para este futuro eu tenho

sonhos e desejos. Tenho a minha utopia.

O ser humano e a sociedade não podem viver sem utopia. Não podem deixar de projetar seus melhores sonhos nem desistir de buscá-los dia após dia. Se não houvesse utopias, imperariam os interesses menores. Todos chafurdariam no pântano de uma história sem esperança9.

Por isso, eu me inspiro nas palavras de Saramago e creio que a ordem,

o caos e a utopia são os vértices do triângulo sobre o qual se desenvolve a

espiral do tempo.

§11

Neste ensaio, além das tristezas, revelo minhas utopias. As idéias que

apresento decorrem de muitos anos de estudos, de leituras, observações e

reflexões. Foi principalmente em 1994 que plantei as sementes que deram os

frutos que agora amadurecem e podem ser colhidos para a apreciação de suas

eventuais qualidades. Em 1994 publiquei um artigo na Revista Movimento da

UFRGS10. Nele eu buscava encontrar respostas para a pergunta: Mas afinal! O

que é Educação Física? Este texto polêmico gerou um debate apaixonado com

a participação de uma dezena de importantes intelectuais da área. Não

obstante, muitos anos se passaram e a questão permanece em aberto com

muitas propostas e quase nenhuma síntese. Ainda hoje, ao iniciar minhas aulas

nos cursos de graduação e pós-graduação reponho a questão: O que é

Educação Física? E após um silencio constrangedor vamos encontrar tantas

9 Boff, L; idem, p.81. 10 Gaya, A. Mas afinal! O que é Educação Física. Revista Movimento. Vol.1, Nº1, 1994/ Temas Polêmicos.

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9

respostas quanto o número de alunos que se manifestaram. Mas, afinal! O que

é Educação Física? Este é o desafio que pretendo novamente enfrentar.

§12

Está evidente no título deste ensaio. Defino a Educação Física como a

vertente pedagógica da cultura corporal do movimento humano. Mas esta

definição por si nada esclarece, portanto exige uma devida contextualização.

Exige um referencial teórico que lhe dê suporte. Exige uma justificativa

epistemológica coerente. Para tanto, será necessário definir operacionalmente

o significado e as relações entre os construtos que constituem a definição. Por

exemplo: qual o significado de cultura corporal do movimento humano? O que

representa a expressão vertente pedagógica? Por outro lado, como se

articulam as várias manifestações do conhecimento (a ciência, a filosofia, o

senso comum e as crenças) no conceito de cultura corporal e por

consequência na definição da Educação Física? Essas são as questões que

pretendo dar conta ao longo deste ensaio com o intuito de fundamentar as

idéias que subsidiam minha tese: A defesa incondicional da formação única

para professores de educação física em torno de uma licenciatura ampliada.

1. Educação Física e a corporalidade

Corpo!

Saudemos o corpo. Corpo dito / Corpo interdito;

Corpo curso / Corpo discurso; Corpo festejado / Corpo flagelado.

Corpo que existe/ Corpo que pensa. Corpo que sente e fala.

Corpo que anuncia, denuncia, renuncia. Corpo que insinua.

Corpo lugar/ polissêmico e polimorfo Corpo! Nossa existência. Corpo! Nossa referência.

Corpo onde tatuamos o sentido de nossas vidas. Corpo humano / Corpo cultura. Corpo movimento/ Corpo vida.

Corpo.

Adroaldo Gaya.

§13

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10

A Educação Física encontra seu sentido e significado ao relacionar-se com

o corpo humano. Mas, relacionar-se com o corpo humano exige que tenhamos

uma forma de interpretá-lo, enfim, exige uma concepção sobre sua

representação. Neste sentido, se recorrermos à filosofia, grosso modo,

identificaremos duas principais correntes de interpretação sobre o corpo

humano: as correntes dualistas e as correntes não-dualistas.

1.1- As correntes dualistas

§14

As correntes dualistas são hegemônicas em nossa cultura ocidental. As

influências do dualismo ontológico e axiológico platônico, do racionalismo

cartesiano, da teologia judaico-cristã, entre outros, são esteios vigorosos que

sustentam a crença num corpo material, finito e imanente que se contrapõe a

uma alma ou espírito imaterial, infinito e transcendente. Na mesma perspectiva

dualista algumas correntes do pensamento contemporâneo, principalmente

ligadas à inteligência artificial reforçam esta visão hierarquizada entre corpo e

alma. É bem verdade que Platão em Fédon11 deu ao corpo o significado de

prisão da alma. Descartes em Meditações12 de um relógio. Lock no Ensaio

Acerca do Entendimento Humano13 de uma tábua rasa. Hoje, entretanto, em

nossa contemporaneidade, filósofos, cientistas e artistas como Raymond

Kurzweil, Garry Sussman e Stelios Arcadiou (Stelarc), entre outros, reunidos

nas correntes denominadas de trans-humanistas14, anunciam para breve a

obsolescência do corpo humano. Para Breton15, esses são filósofos e cientistas

para quem (...) a obsolescência do corpo humano é um fato consumado. Para

quem o corpo é a ruína de muito dos esforços do espírito. G.J. Sussman,

professor do Massachusetts Institute of Technology, sonha em desvencilhar-se

de seu corpo: Se você for capaz de fazer uma máquina que contenha seu

11 Platão. Fédon. In. Os Pensadores. Civita, V. (ed.), Trad. Jorge Paleika e João Cruz Costa. São Paulo: Abril Ed., 1972. 12 Descartes, R. Meditações. In Os Pensadores. Civita, V. (ed.) Trad. J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. São Paulo: Abril Ed, 1973. 13 Lock, J Ensaio Acerca do Entendimento Humano. In. Os Pensadores. Civita, V. (ed.) Trad. Anoar Aiex. São Paulo:Abril Ed., 1973. 14 In. Glen Yeffeth. A Pílula Vermelha: questões de ciência, filosofia e religião em Matrix. São Paulo: Publifolha, 2003. 15 Breton, D. Adeus ao Corpo. In. Novaes, A. O Homem- Máquina. A ciência manipula o corpo. São Paulo: Companhia das Letras. 2003.

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espírito, então esta máquina é você mesmo. Que o diabo carregue o corpo

físico, não interessa16. Um corpo biônico sugere o artista plástico Stelarc, Um

computador. Um lugar propício para abrigar o espírito, é ele igualmente

promovido à condição de corpo glorioso, de libertação do mundo

biologicamente impuro17.

§15

Ora! Em tal contexto filosófico não resta ao corpo humano muito do que

se envaidecer. Ele é a prisão da alma, a ela é subalterno. Ou é simplesmente

um mecanismo sofisticado a serviço da razão. É do corpo humano de carne e

osso que devemos nos livrar para voltarmos ao mundo das idéias, ao paraíso

celeste ou nos transformarmos em seres biônicos.

§16

Sendo assim, considerando a hegemonia das concepções dualistas

sobre a relação corpo e alma, bem como sua força normativa sob as crenças,

costumes e ideologias da cultura ocidental creio que, em parte, se explica o

descrédito profissional, epistemológico e pedagógico da Educação Física. Em

minha opinião a pouca relevância social que é atribuída à Educação Física,

decorre de sua íntima relação com o corpo humano. Decorre da relação que as

crenças, as filosofias, as teologias e as pedagogias dualistas têm com o corpo

humano. Ora! Se o corpo é o lado menos edificante do humano; se em

algumas visões mais fundamentalistas o corpo representa um obstáculo para

realização espiritual ou mental ou se o corpo é uma máquina obsoleta, como,

neste contexto, poderemos valorizar uma disciplina que está intimamente

ligada aos cuidados do corpo? Enfim! Se o corpo humano não é digno de

nossa humanidade, de nossa racionalidade, de nossa espiritualidade e de

nosso processo civilizatório como exigir status e relevância à Educação Física?

16 BRETON, id.ibid. 17 Stelarc, apud Breton, D. In. Novaes, 2003, p.126.

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12

1.2- As correntes não-dualistas

§17

As correntes não-dualistas têm menor visibilidade em nossa cultura

filosófica, teológica, pedagógica, científica e popular. Nos fundamentos de

nossa tradição filosófica e por consequência nos cursos de formação em

Educação Física encontraremos facilmente referências a Platão, São Tomás de

Aquino, Descartes, Lock. Por outro lado, estão menos presentes filósofos

como Espinosa, Schopenhauer, Kant18, Nietzsche, Husserl, Heidegger,

Merleau-Ponty e contemporâneos como Michel Serres, Edgar Morin, Henri

Atlan e David de La Breton onde encontramos referências sólidas para a

reinterpretação dos corpos humanos, inclusive e, principalmente,

reinterpretação dos corpos humanos nos discursos e práticas pedagógicas. Em

minhas aulas na Universidade pergunto aos alunos se teriam sido

apresentados a alguns desses filósofos e, se nas ciências biológicas, foram

estimulados a ler Prigogine, Maturana, Varella, Atlan e Damásio; se em

biomecânica, para além de Newton, encontraram Einstein, Bohr, Heisenberg,

Capra. Infelizmente, a grande maioria de nossos alunos desconhece as obras

desses e de outros filósofos, antropólogos, biólogos e físicos não dualistas.

§18

Do meu ponto de vista, valorizar a Educação Física passa,

necessariamente, e em primeiro plano pela valorização do corpo humano.

Valorizar a Educação Física requer atribuir outro sentido a corporalidade. Exige

que façamos uma releitura da representação e do significado das relações

entre corpo e alma (corpo-espírito ou corpo-mente...). Trata-se, na minha ótica,

de superar as filosofias dualistas que atribuem, por um lado, à alma o sentido

do sagrado, do imaterial, do infinito e do transcendente e, por outro lado, ao

corpo o sentido do profano, da matéria, do finito e do imanente. A alma retorna

ao céu o corpo retorna a terra... Faz-se premente substituir o dualismo corpo e

alma por uma dualidade corpo e alma19. O dualismo impõe contradição entre

corpo e alma. Coloca-os em confronto e acaba por hierarquizá-los. A dualidade

18 Principalmente em Crítica Da Razão Pura, “Ética Transcendental” 19 Ver SCHOPENHAUER, A. O mundo como vontade e como representação. São Paulo: UNESP. 2005.

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sugere uma relação dialética, e como tal sugere complementaridade, impõe

uma configuração de unidade. Corpo e alma constituem os dois lados de uma

mesma moeda, não podem ser separados20.

A rejeição do dualismo permite-nos começar da posição de um observador da corporeidade e sugere uma integração destes aspectos que são objetivamente acessíveis com aqueles que são subjetivamente experimentados21.

§19

É preciso reabilitar o corpo humano. Isto porque, nos ensina Donaldo

Schiller: Há um saber corpo. O corpo sabe o mundo, convive com ele. Sabe as

coisas ao tocá-las. Conhece e reconhece. Os corpos comunicam-se,

interpenetram-se22. Nas palavras de Merleau-Ponty23: (...) porque sou esse

animal de percepções e de movimentos que se chama corpo. Em Nietzsche,

Eu sou corpo e alma24. Porque, como afirma António Damásio, sem corpo não

há mente25, ou como expressa Henry Atlan26 Porque somos nosso corpo.

§20

Em minha utopia eu vejo o corpo humano liberto dos dualismos

ontológicos e axiológicos mutilantes e, como tal, acredito que nesta perspectiva

encontramos o princípio fundador de um sentido radicalmente novo para a

Educação Física. Percebê-la como a vertente pedagógica da cultura corporal

do movimento humano.

20Espinosa, B. Pensamentos metafísicos. In. Os Pensadores. Civita, V. (ed.) Trad. Marilena Chauí. São Paulo: Abril Ed., 1973. 21 Rintala, J. The mind-body revisited. Quest. Champaign, Human Kinetics, 3(3), 1991, p. 261. 22 Cf. Schuller. D. Heráclito e seu (dis)curso. Porto Alegre, L&PM, 2001, p. 223 23 Merlau-Ponty, M. In. Civita, V. (ed.) Os Pensadores. Edmundo Husserl; Maurice Merlau-Ponty. Rio de Janeiro, Abril Cultural, 1975. 24 Nietzsche, F. Assim falava Zaratustra. Trad. Mário Ferreira dos Santos (3ªEd). Petrópolis: Vozes, 2009, p.51. 25 Damásio, A. O Sentimento de si. 5ª Ed. Mira–Sintra: Europa-América, 2000. 26 Atlan, H. Com Razão e Sem Ela. Lisboa: Piaget, 2000, p. 96.

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2- A Cultura Corporal do Movimento Humano

§21

Defino a Educação Física como a vertente pedagógica da Cultura

Corporal do Movimento Humano. Mas objetivamente, o que quero afirmar com

a expressão Cultura Corporal do Movimento Humano?

§22

Inicialmente devo esclarecer que diferentemente do que sugerem alguns

de meus críticos, não tenho a pretensão de propor novidades ou a vaidade de

criar um novo conceito. Incluo-me entre colegas com quem, em tempos

diversos, partilhei um caminho percorrido e ainda por percorrer. É importante

que tenhamos a clareza de que nada na vida está definitivamente pronto,

somos gênese, somos seres em construção, somos até a morte, caminhantes

a desvendar novas paisagens. A Cultura Corporal do Movimento Humano, tal

como percebo, tem suas raízes no Coletivo de Autores que publicou o livro

Metodologia da Educação Física em 1992. Compartilho a Idéia que a Cultura

Corporal do Movimento Humano configura-se como um acervo:

Acervo de formas de representação do mundo que o homem tem produzido no decorrer da história, exteriorizadas pela expressão corporal: jogos, danças, lutas, exercícios ginásticos, esportes (...) que podem ser identificados como formas de representação simbólica de realidades vividas pelo homem, historicamente criadas e culturalmente desenvolvidas27.

§23

É evidente que há entre nós diferenças. Percorremos nossos caminhos

por estradas diversas, criamos as nossas subjetividades, todavia, tenho a

convicção, que tais diferenças não são assim tão significativas como imaginam

nossos leitores. Creio que Cultura Corporal (Coletivo de Autores), Cultura

Corporal do Movimento (Bracht e Betti) e Cultura Corporal do Movimento

Humano (Gaya) estão muito mais próximas do que alguns percebem. Justifico

minha opção por Cultura Corporal do Movimento Humano por um conjunto de

argumentos muito simples que passo a relatar.

27 Soares, C. L. et al. Metodologia do Ensino de Educação Física. São Paulo: Cortez, 1992, p.38.

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1. Parece que não há divergência significativa quanto ao uso do termo

cultura corporal. Está presente em todas as propostas,

2. Acompanho Bracht28 e Betti29 e utilizo cultura corporal do movimento.

Minha justificativa é muito simples. Entendo que cultura corporal é

um conceito muito mais abrangente do que cultura corporal do

movimento. Os estudos, por exemplo, de Marcel Mauss30 e David Le

Breton31 indicam claramente esta diferença. A forma como nos

vestimos, nos maquiamos, nos expressamos, nos apresentamos

publicamente é uma manifestação da cultura, da mesma forma as

tatuagens expressam cultura. Reconheço sem qualquer dificuldade

esta conjectura. Faz parte da cultura o que se manifesta em nosso

corpo o que, por outro lado, não significa que todas essas

manifestações relacionem-se no rol de objetos e objetivos da

Educação Física. Não são de todas essas manifestações que eu

trato quando penso a Educação Física. Eu trato isto sim, das

manifestações corporais que se expressam através dos movimentos

codificados, ritualizados. Um sistema de movimentos

intencionalmente ritualizados Como sugere Betti, formas

culturalmente codificadas32. Dito de outra forma, minha idéia sobre a

cultura corporal do movimento, não inclui pura e simplesmente

todas as manifestações do corpo. São as manifestações do corpo em

movimentos codificados e ritualizados. São: o esporte, a dança, a

ginástica, o teatro, as lutas, as manifestações musicais, o circo, etc.

3. Por fim, apenas pretendi demarcar melhor meu objeto de estudo

quando acrescentei cultura corporal do movimento humano. A razão

é singela. Meus críticos dizem que sou redundante, pois se é cultura,

por consequência, será sempre uma atividade humana. Eles podem

ter razão. Todavia, eu não tenho certeza. Não sofro de

antropomorfismo. Não tenho a convicção de que alguns de nossos

28 BRACHT,V. Educação Física no 1º Grau: Conhecimento e especificidade. In. Revista Paulista de Educação Física. São Paulo, supl.2, p. 23 – 28, 1996. 29 BETTI, M. Educação Física, cultura e sociedade http://www2.fct.unesp.br/pefes/mauro_betti_artigo.pdf 30 MAUSS, M. Sociologia e antropologia. São Paulo: EPU/EDUSP, 1974. 31 BRETON, D. As paixões ordinárias. Tradução de Luis Alberto Salton Peretti. Petrópolis: Vozes, 2009. 32 BETTI, M. id.ibid.

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irmãos não-humanos não manifestem de alguma forma cultura. Por

isso, mantenho a expressão cultura corporal do movimento

humano.

Mas, para definir como clareza à Cultura Corporal do Movimento

Humano se faz necessário primeiramente definir cultura.

2.1- Sobre o significado de cultura

§24

Ao longo da história homens e mulheres têm produzido conhecimentos e

técnicas visando atender seus interesses e necessidades. Como produtos de

sua criação fabricaram ferramentas para atender às exigências de sua

produção material; armas para a defesa e para a caça. Cultivaram a agricultura

e desenvolveram a pecuária. Homens e mulheres dominaram o fogo,

inventaram crenças e mitos que deram significados aos fenômenos da

natureza, fundaram religiões que os protegem num mundo desconhecido.

Através das artes fizeram dos sentimentos expressões visíveis nas rochas, nos

utensílios, nas telas e na própria pele tatuada e prolongada por adornos que

lhe atribuem identidade 33. A linguagem instaurou-se como forma de expressão

e comunicação e, homens e mulheres tornaram-se filósofos, políticos,

cientistas, literatos, poetas, trovadores...

§25

Assim sendo, compartilho a definição de Claude Lévi-Strauss: é cultura

tudo o que, pelo menos, os homens e as mulheres acrescentaram à natureza.

§26

Através da cultura a humanidade rompeu os grilhões dos imperativos da

natureza. Enfim, homens e mulheres puderam superar os instintos naturais a

ponto de ultrapassarem os determinismos físicos e biológicos. No universo da

cultura se configuram construções de sentidos humanos da vida, com

33 Gaya, A.; Torres, L. O Esporte na infância e adolescência. Alguns pontos polêmicos. In. Gaya, A; Marques, A.: Tani, G. Desporto para Crianças e Jovens. Razões e Finalidades. Porto Alegre. EDITORA UFRGS, 2004, p. 57 – 74.

Page 17: Texto Adroaldo Gaya (1)

17

modificações da sua forma de expressão em concordância com o contexto

histórico-social e na dependência da força criativa de pessoas e grupos34.

2.2- Sobre o significado da Cultura Corporal do Movimento Humano

§27

Formaram-se distintos domínios culturais. Sim! Também no domínio da

corporalidade, da mesma forma, homens e mulheres criaram e desenvolveram

um conjunto de práticas com diversas formas e sentidos. As danças, os jogos,

as lutas, as ginásticas, os esportes, o teatro, o circo, as diversas e inúmeras

técnicas de terapias corporais, etc. Enfim, para além de manifestações de

sentimentos, motivações, desejos e crenças, homens e mulheres, constituíram

um espaço de representação, de comunicação e de expressão corporal.

Criaram uma complexa e variada tecnologia corporal que constituem

manifestações evidentes de sua Hominescência35. O esporte, a dança, a

ginástica, as artes cênicas,... são manifestações culturais diretamente

relacionadas às diversas possibilidades de expressão do movimento corporal

humano. Enfim, se pode afirmar que homens e mulheres deram sentido e

criaram o universo da Cultura Corporal do Movimento Humano.

§28

A Cultura Corporal do Movimento Humano representa a possibilidade

teoricamente justificada de demarcar um espaço próprio para as manifestações

culturais inerentes ao movimento corporal humano. Um campo de estudos

próprio para investigação, a expressão, o ensino-aprendizagem, a promoção

de conhecimentos e de discursos sobre as múltiplas manifestações e

expressões da corporalidade humana.

§29

Cultura Corporal do Movimento Humano, um campo de estudo, onde o

movimento corporal é percebido como local de encontro, ponto de interações

34 Bento, J. O. Contexto e Perspectivas. In. BENTO, J. O.; GARCIA, R. & GRAÇA, A. Contextos da Pedagogia do desporto. Lisboa: Horizonte, 1999. 35 SERRES, M. Hominescência. Lisboa: Instituto Piaget. 2004.

Page 18: Texto Adroaldo Gaya (1)

18

permanentes entre o cultural, social e o biológico, tanto no plano das práticas

como no das representações.

§30

Não obstante, para demarcar com clareza o significado da Cultura

Corporal do Movimento Humano como objeto particular de estudo torna-se

necessário identificar que manifestações do movimento corporal podem ser

percebidas para além dos determinismos da natureza. Portanto, como

definimos nas linhas anteriores que a cultura pressupõe tudo aquilo que

homens e mulheres acrescentam a natureza, cabe interrogar: que

manifestações do movimento corporal humano configuram-se como

expressões culturais? Será que todas as manifestações de movimento humano

podem ser percebidas como cultura?

§31

Não! É evidente que não. Por exemplo: os movimentos desordenados

em uma convulsão epiléptica não se configuram para além de determinismos

biológicos. Não traz em sua manifestação exterior qualquer sentido existencial

ou simbólico. Pode-se afirmar que os movimentos do corpo físico estão

apartados de qualquer intenção simbólica do sujeito. Sim, há ausência de

significados, da mesma forma como ocorre nos movimentos reflexos que

independem de nosso controle e em situações extremas em algumas doenças

neurológicas graves como o mal de Parkinson36. Por outro lado elefantes não

dançam e cães não jogam futebol. Como? Já os vi no circo a dar espetáculos e

fazerem muitos gols. Não eles não dançam e nem jogam futebol. O elefante,

coitado, se move mecanicamente adestrado por estímulo e resposta ao som de

uma música. Os cães, por sua vez, correm e saltam atrás dos balões por que

foram, da mesma forma, adestrados pelo seu “treinadores” e eventualmente

tais balões entram nas goleiras para a alegria das crianças. Mas elefantes não

dançam e cães não jogam futebol por que lhe falta o significado existencial de

dançar por prazer, por fé ou por estética. Os elefantes não diferenciam um

36 A doença de Parkinson é uma afecção do sistema nervoso central que acomete principalmente o sistema motor. É uma das condições neurológicas mais freqüentes e sua causa permanece desconhecida. Os sintomas motores mais comuns são: tremor, rigidez muscular, acinesia e alterações posturais.

Page 19: Texto Adroaldo Gaya (1)

19

samba de um tango ou bolero. Já os cães sequer sabem a alegria e o

significado de fazer um belo gol de “bicicleta” e, tampouco, a tristeza de ver

este gol anulado por estar em posição de “impedimento”.

§32

Portanto, conclui-se, e é importante salientar, que a Cultura Corporal do

Movimento Humano trata de determinadas manifestações dos movimentos que

revelam significado simbólico. São técnicas e tecnologias corporais codificadas

com significados e intencionalidades que acrescentamos aos determinismos da

natureza. São as formas e os modelos de utilização do corpo humano criadas

com o fim de acrescentar à funcionalidade natural e determinista algum sentido

existencial e simbólico. São manifestações da Cultura Corporal do Movimento

Humano, entre outras, os esportes, as danças, as ginásticas, os jogos, as lutas,

o teatro, as manifestações musicais, o circo...

3. A Educação Física como vertente pedagógica da Cultura Corporal do

Movimento Humano

§33

O que é Educação Física? Bem! Creio que inicialmente ela possa ser

definida operacionalmente, pelo menos, por três distintas formas de

manifestação: (a) Uma profissão; (b) uma disciplina escolar e, (c) uma área

acadêmica.

3.1- Educação Física uma profissão

§34

Profissão é um trabalho ou atividade especializada dentro da sociedade,

geralmente exercida por um profissional. Tais trabalhos e atividades

geralmente requerem estudos extensivos e a formalização de um dado

conhecimento37.

§35

37Http// pt.wikipedia.org/wiki/Profissão

Page 20: Texto Adroaldo Gaya (1)

20

Mas a Educação Física vai um pouco além. É uma profissão

regulamentada. As profissões regulamentadas são aquelas definidas por Lei e

com uma normatização própria, de direitos e garantias38.

§36

Bem! Mas como se deu o processo de regulamentação da Educação

Física? Nas páginas do CONFEF39 podemos encontrar uma descrição histórica

e os textos legais que regulamentam a profissão. Vou me deter aos aspectos

legais especificamente do item “Do Campo e da Atividade Profissional”

Vejamos:

Art. 9º - O Profissional de Educação Física é especialista em atividades físicas, nas suas diversas manifestações - ginásticas, exercícios físicos, desportos, jogos, lutas, capoeira, artes marciais, danças, atividades rítmicas, expressivas e acrobáticas, musculação, lazer, recreação, reabilitação, ergonomia, relaxamento corporal, ioga, exercícios compensatórios à atividade laboral e do cotidiano e outras práticas corporais -, tendo como propósito prestar serviços que favoreçam o desenvolvimento da educação e da saúde, contribuindo para a capacitação e/ou restabelecimento de níveis adequados de desempenho e condicionamento fisiocorporal dos seus beneficiários, visando à consecução do bem-estar e da qualidade de vida, da consciência, da expressão e estética do movimento, da prevenção de doenças, de acidentes, de problemas posturais, da compensação de distúrbios funcionais, contribuindo ainda, para consecução da autonomia, da auto-estima, da cooperação, da solidariedade, da integração, da cidadania, das relações sociais e a preservação do meio ambiente, observados os preceitos de responsabilidade, segurança, qualidade técnica e ética no atendimento individual e coletivo.

§37

A partir da leitura do artigo 9º, por mais boa vontade que eu possa ter,

apenas consigo chegar à outra pergunta: como definir Educação Física neste

contexto?

§38

Podemos facilmente concluir ao ler o artigo 9º que estamos efetivamente

perante um “saco sem fundo”. Tenho a impressão que a intenção dos

legisladores era de colocar como inerente ao papel do professor de Educação 38 Home / Direito do trabalho 39 http://www.confef.org.br

Page 21: Texto Adroaldo Gaya (1)

21

Física tudo o que nesse mundo se move. Ora! Tamanha pretensão acaba na

realidade por implodir o próprio significado da Educação Física. O artigo 9º é

carente de uma perspectiva teórica ou epistemológica consistente. Não há uma

base conceitual lógica. Por isso também, não é possível se visualizar uma

definição clara de Educação Física.

§39

Não é de estranhar, dessa forma, os freqüentes embates que o sistema

CREF/CONFEF mantém com inúmeras categorias profissionais40. Pois a

ambição demasiada de supor a possibilidade de enquadrar todas as

manifestações corporais como sendo Educação Física sofre de evidente

megalomania e, por suposto, está muito além do razoável para delimitar uma

área profissional.

§40

Mas, o artigo 9º ainda traz outra dificuldade conceitual. O Profissional de

Educação Física é especialista em atividades físicas (...). Ora! Convenhamos,

atividades físicas? Embora sendo uma expressão muito usada em nossa área,

é uma terminologia desajustada e desajeitada para definir nossa profissão. O

que são atividades físicas? Bem! Disso trata o parágrafo 1º do artigo 9º.

Atividade física é todo movimento corporal voluntário humano, que resulta num gasto energético acima dos níveis de repouso, caracterizado pela atividade do cotidiano e pelos exercícios físicos. Trata-se de comportamento inerente ao ser humano com características biológicas e sócio-culturais. No âmbito da Intervenção do Profissional de Educação Física, a atividade física compreende a totalidade de movimentos corporais, executados no contexto de diversas práticas: ginásticas, exercícios físicos, desportos, jogos, lutas, capoeira, artes marciais, danças, atividades rítmicas, expressivas e acrobáticas, musculação, lazer, recreação, reabilitação, ergonomia, relaxamento corporal, ioga, exercícios compensatórios à atividade laboral e do cotidiano e outras práticas corporais41.

Conclui-se da definição que, sendo assim, tudo o que no ser humano se

move voluntariamente é de responsabilidade do professor de Educação Física. 40 Quando já havia escrito este texto recebi um e-mail com a seguinte notícia: A Comissão de Educação e Cultura aprovou nesta quarta o Projeto de Lei 1371/07, da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA), que determina que os conselhos regionais e federal de Educação Física não podem fiscalizar e nem exigir o registro de profissionais de dança, capoeira, ioga, artes marciais e pilates. (Em 20 de junho de 2009). 41 O texto foi por mim sublinhado para destacar a algumas impropriedades conceituais.

Page 22: Texto Adroaldo Gaya (1)

22

Ora! Atividade física pode ser tudo, inclusive estar sentado a digitar essas

páginas ou roer as unhas.

§41

Absolutamente não concordo com essa tamanha pretensão. Tenho a

convicção que atividade física é um termo genérico que pode estar carente de

qualquer significado simbólico se não for adequadamente caracterizado.

Ressalte-se que atividade física, como expressa o parágrafo 1º do artigo 9º em

sua primeira frase, é um conceito retirado de Caspersen e colaboradores

(1985)42 no contexto das ciências biológicas (gasto calórico). Portanto, não se

pode atribuir ao profissional da Educação Física a tarefa de responsabilizar-se

por toda a atividade física. Esta exigência, repito, é genérica e não delimita com

consistência o espaço de atuação do profissional de Educação Física.

§42

Por outro lado, é um reducionismo lamentável tratar o esporte, a dança,

a ginástica, o jogo (...) simplesmente como atividades físicas. Essas práticas

corporais têm histórias distantes no tempo, tem sentido existencial e significado

simbólico. São praticas culturais. Vão muito além das exigências biológicas.

Elas representam construções de sentidos e manifestam emoções. Dançar,

praticar esporte ou ginástica, praticar capoeira não é igual a lavar roupas ou

fugir de um cão bravo.

§43

Ora! Uma profissão exige uma delimitação precisa. É uma atividade

especializada. Tem algo que lhe é inerente. Daí a pergunta que devemos tentar

responder: qual o trabalho ou atividade especializada dentro da sociedade, que

deve ser exercida pelo profissional da Educação Física?

§44

42 Caspersen. C.J., Powell K.E., Christenson, G.M. Physical Activity, Exercise and Physical Fitness. public heath reports,1985.100,2,126-131.

Page 23: Texto Adroaldo Gaya (1)

23

Minha resposta inicialmente será breve. Polêmica certamente, mas eu

espero mais adiante, quando discorrer sobre a formação do professor de

Educação Física, justificar com maiores detalhes minha conjectura.

§45

Advogo a tese de que o trabalho ou atividade especializada do professor

de Educação Física na sociedade concretiza-se como uma prática pedagógica.

É o ensino e/ou o treinamento das diversas manifestações da cultura corporal

do movimento humano. Em outras palavras é, em todas as etapas do

desenvolvimento humano, uma tarefa de ensino e/ou de treinamento das

habilidades motoras, dos esportes, das ginásticas, do fitness, dos jogos

populares, das danças folclóricas (...) seja na perspectiva da educação, do

lazer, da saúde, da performance.

§46

Enfim! A Educação Física é a vertente pedagógica da cultura corporal

do movimento humano.

§47

Porém, quero ressaltar que nessa perspectiva, como tal, seremos

sempre professores. Professores de Educação Física. Na escola, no clube, na

academia, nos parques, nos postos de saúde somos professores. Somos (ou

deveríamos ser) licenciados43 em Educação Física. Outro tipo de formação ou

caracterização profissional é, na minha visão, indesejável.

§48

Todavia, é importante ressaltar que a Educação Física definida como a

vertente pedagógica da cultura corporal do movimento humano não se exime

dos compromissos inerentes à educação global dos cidadãos. Ela não se limita

a educação motora. Abrange a educação intelectual, moral, ética, cultural,

política, da saúde, do lazer. Não obstante seu meio de intervenção será

43 Considerando que os cursos de licenciatura em nossa país são aqueles que habilitam para o exercício da docência.

Page 24: Texto Adroaldo Gaya (1)

24

predominantemente as manifestações da cultura corporal do movimento

humano.

3.2. Educação Física uma disciplina escolar

Lei nº 10.793, de 1º de dezembro de 2003 Altera a redação do art. 26, §3º, e do art. 92 da Lei nº 9.394, de 20

de dezembro de 1996, que "estabelece as diretrizes e bases da educação nacional", e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1º - O § 3º do art. 26 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação: "Art.26[...] § 3º - A Educação Física, integrada à proposta pedagógica da escola, é componente curricular obrigatório da educação básica (...). LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA

§49

É lei. A Educação Física é uma disciplina escolar. Mas, se por um lado a

lei é importante na medida em que garante sua presença nas escolas, por

outro lado, se exige de nós professores que tenhamos claro qual é realmente o

papel da Educação Física no currículo escolar.

§50

Em primeiro lugar, é importante ressaltar, que a inclusão de qualquer

disciplina ou atividade no espaço pedagógico da escola justifica-se pelo

reconhecimento de seu valor educativo e pela expectativa que ela é capaz de

proporcionar à melhoria da vida das pessoas e da sociedade.

Cada disciplina assume a incumbência pedagógica própria de contribuir para a formação da pessoa e para a melhoria da sociedade, e fá-lo tanto através daquilo que lhe é único, que só ela pode oferecer ou visar, como através daquilo que partilha com o esforço educativo geral da escola44.

§51

44 GRAÇA, A. O Desporto na Escola: Enquadramento da prática. In. Gaya, A; Marques, A. &Tani,G. Desportos para Crianças e Jovens. Razões e finalidades. Porto Alegre: UFRGS, 2004. p.100.

Page 25: Texto Adroaldo Gaya (1)

25

Das afirmações de Amândio Graça acima referidas, decorrem duas

questões evidentes:

1. Qual a especificidade de conteúdos com valor educativo que a Educação

Física pode oferecer a escola?

2. O que a Educação Física em seus conteúdos pode partilhar com o

esforço educativo geral da escola?

§52

Em primeiro lugar é preciso afirmar a relevância da Educação Física

como disciplina curricular. A Educação Física escolar, no meu entender,

constitui-se na disciplina que no interior da escola trata da Cultura Corporal do

Movimento Humano. Como tal cabe a Educação Física no espaço escolar

intervir na criação, configuração e modelação de sentidos para as diversas

manifestações da Cultura Corporal do Movimento Humano.

§53

A Educação Física é por essência educação e, como tal, através do

ensino e do treino das manifestações da Cultura Corporal do Movimento

Humano (esporte, dança, ginástica, jogos...) se constitui como uma disciplina

normativa e formativa de valores, de conhecimentos, de atitudes e habilidades.

Portanto, a Educação Física se distingue dos outros conteúdos escolares, no

que concerne à sua tarefa educativa primordial, pelo fato de educar, formar,

socializar e possibilitar experiências a partir das distintas manifestações da

corporalidade. A partir do trato específico com as práticas corporais inerentes a

Cultura Corporal do Movimento Humano.

§54

Compartilho com Forquin45 e Bracht a idéia de que o que justifica

fundamentalmente o empreendimento educativo é a responsabilidade de ter

que transmitir e perpetuar a experiência humana considerada como cultura. As

manifestações da cultura constituem-se no conteúdo substancial da educação

sua fonte e sua justificação última46. Como tal, eu mantenho a convicção que

45 Citado por Bracht op. cit., p.25 46 Soares. C. L. et al. Op. Cit, p. 50.

Page 26: Texto Adroaldo Gaya (1)

26

no âmbito da educação física serão as manifestações da Cultura Corporal do

Movimento Humano sua fonte e sua justificação última.

§55

No entanto, como o fez com pertinência Mauro Betti47, nunca é demais

ressaltar uma observação relevante cuja devida incompreensão é motivo de

interpretações equivocadas. Quando se afirma que a Educação Física é uma

disciplina escolar cujos conteúdos são as manifestação da cultura corporal do

movimento não se quer afirmar absolutamente que os conhecimentos

provenientes das áreas das ciências físicas e biológicas não estão presentes

ou não são relevantes. Apenas, afirma-se que eles, tais como os conteúdos

das ciências humanas, não são suficientes a partir de suas óticas

especializadas para a compreensão, por exemplo, da complexidade dos

fenômenos que envolvem o esporte, a dança, as lutas, etc.

§56

Enfim, o que pretendo afirmar é que o esporte, a dança, a ginástica, os

jogos são os conteúdos da Educação Física Escolar. Por suposto, eles devem

ser dimensionados pedagogicamente. O que significa objetivamente que, para

além de necessariamente exercitar os corpos e lhe proporcionar bons níveis de

aptidão física e habilidades motoras, deve desenvolver valores, conhecimentos,

atitudes e habilidades pessoais e sociais.

3.3. Educação Física uma área acadêmica (As Ciências do Movimento

Humano)

§57

A Educação Física tem sido ao longo dessa monografia definida como a

vertente pedagógica da Cultura Corporal do Movimento Humano. Sublinhei em

muitas passagens que a Educação Física é uma prática pedagógica. Educação

Física é educação. Em todos os espaços: nas escolas, nos estádios, nos

campos, nos estúdios, nas academias, nas piscinas, nos parques. Em todas as

47 Betti, Op. Cit., p.1.

Page 27: Texto Adroaldo Gaya (1)

27

formas de expressão é educação: para o lazer, para a saúde, para a

performance.

§58

Destarte, embora haja tantas reivindicações para que a Educação Física

seja reconhecida como uma disciplina científica, eu tenho claro: a Educação

Física não é uma ciência. Digo mais: tentar transformar a educação física numa

ciência é um esforço de muitos que, influenciados por um positivismo arcaico,

imaginam que só o conhecimento científico é detentor da verdade e, como tal,

imaginam que valorizar a educação física passa por necessariamente torná-la

uma disciplina científica.

§59

Ledo engano. Como adiante pretendo argumentar, a tentativa de tornar

a Educação Física uma ciência esfarelou seu sentido. Desfez sua identidade.

Se por um lado, fez avançar o conhecimento nas disciplinas científicas

tradicionais, a fisiologia, a biomecânica, a psicologia, a antropologia, a

sociologia, a filosofia aplicadas às manifestações da cultura corporal do

movimento humano, o que é muito positivo, por outro lado, ergueu fronteiras

tão pouco porosas entre estas disciplinas que deixou de haver diálogo sobre a

própria educação física. Fez-se uma nova Torre de Babel.

§60

A disciplina é uma categoria organizada dentro do conhecimento

científico; ela instituiu a divisão e a especialização do trabalho e responde à

diversidade das áreas que as ciências abrangem. Embora inserida em um

conjunto mais amplo, uma disciplina tende naturalmente à autonomia pela

delimitação das fronteiras, da linguagem em que ela se constitui, das técnicas

que é levada a elaborar e a utilizar e, eventualmente, pelas teorias que lhe são

próprias.

MORIN48

48 Morin, E. Uma Cabeça Bem-Feita. Tradução de Eloá Jacobina (5ª Ed.). Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001, p. 105.

Page 28: Texto Adroaldo Gaya (1)

28

§61

Nossas faculdades estão repletas de cientistas disciplinares. São

professores de educação física que se especializaram. Estudaram e se

transformaram em doutores em fisiologia, biomecânica, psicologia,

antropologia, sociologia, filosofia do esporte, da atividade física, do exercício,...,

mas que, no entanto, raramente conversam sobre educação física em sua

visão mais ampla.

§62

Nada obstante. Reconhecer que a educação física não é uma disciplina

científica, não me leva a afirmar que devemos expulsar nossos cientistas das

faculdades de educação física ou rejeitar a relevância do conhecimento

científico para o desenvolvimento da própria Educação Física. Isto seria uma

insanidade. Trata-se, isto sim, de planejar de forma epistemologicamente

justificada como essas várias disciplinas científicas podem se organizar de

modo a oferecer subsídios para a configuração de conhecimentos científicos

eficazes e capazes de assegurar uma formação consistente para que os

professores de educação física possam exercer sua prática pedagógica com

qualidade. Em outras palavras, trata-se de conceber um campo de pesquisa

científica aplicada à educação física. Um campo para investigações científicas

transdisciplinares sobre as diversas manifestações da cultura corporal do

movimento humano.

§63

Um campo científico, uma área acadêmica onde o objetivo é obter de

modo sistemático, uma compreensão racional e empiricamente fundamentada

dos fenômenos da cultura corporal do movimento humano. Compreensão que

inclui relatos do que são os fenômenos da corporalidade humana; de por que

são como são; das possibilidades que esses fenômenos permitem em virtude

de suas propriedades subjacentes e das interações em que podem se

envolver, e de como tentar realizar tantas possibilidades49.

49 Adaptado de LACEY, 2003. In. SANTOS, B.S. Conhecimento Prudente para uma Vida Decente. Um Discurso sobre as Ciências revisitado. Afrontamento, Santa Maria da Feira. 2003, p. 453

Page 29: Texto Adroaldo Gaya (1)

29

§64

Necessariamente, um campo transdisciplinar de conhecimentos, onde se

possa cercar a corporalidade humana com todas as ferramentas intelectuais e

experimentais em simultâneo e, em seguida, com base em seus resultados,

elucidar seus mecanismos, interpretar suas emoções e traduzir sua

significação bio-psico-socio-cultural50. Uma bioantropologia51. Um diálogo entre

o biológico e o cultural, entre o quantitativo e o qualitativo, entre o objetivo e o

subjetivo.

Assim, o corpo vivido por mim e para mim aparece como um intermediário, entre o sentir e o representado, entre o mundo e eu. Desenha-se uma dupla experiência: a da objetividade, o para cá do corpo, da epiderme, revelação de que ele existe no exterior, e a da subjetividade, o dentro do corpo, a das emoções52.

§65

Enfim! As Ciências do Movimento Humano. Um campo de

conhecimentos. Saberes oriundos de diversas áreas científicas que se

preocupam em responder aos problemas provenientes das diversas

expressões corporais da cultura (os esportes, as danças, os jogos, as lutas, as

terapias corporais...). Um campo de pesquisa cujo compromisso é o de

analisar, interpretar, propor teorias científicas relacionadas com o ensino, o

treino, a saúde, o lazer e, compreendê-las à luz dos sentidos e valores, das

condições e possibilidades, das normas e razões da educação e formação.

4- Licenciatura e Bacharelado.

As idiossincrasias53 na formação do profissional de educação física no

Brasil

§66

50 Adaptado de BERTHOZ, A. 2001. In. PESSIS-PASTERNAK, G. A Ciência: Deus ou o Diabo. São Paulo, UNESP, 2001, p.91. 51 VARELA, F. Prefácio de Francisco Varela à Segunda Edição. In. Maturana, A; Varela, F. De Máquinas e seres Vivos. Porto Alegre: Artes Médicas 1997. 52 Braunstein, F.; Pépin, J. F. O Lugar do Corpo na Cultura Ocidental. Lisboa: Instituto Piaget, 2001, p.138. 53 Idiossincrasias: maneira de ver, sentir, reagir, própria de cada pessoa. . Cf. Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI.

Page 30: Texto Adroaldo Gaya (1)

30

As regras estão confusas. Os conceitos pouco claros. Há um enorme

vácuo de conhecimentos. Há interesses corporativos em disputa. Misturam-se

ideologias, fundamentalismos e muita desinformação. Tudo se confunde.

Bacharelado, graduação plena, licenciatura, licenciatura ampliada, licenciatura

plena (...). Mas, afinal! O que É Educação Física? Ora! Não sabemos bem o

que é, mas, já temos dois cursos de formação. Licenciatura e bacharelado. São

dois cursos que, como refere Jorge Steinhilber, Oferecem conhecimentos e

habilidades distintas54.

§67

Todavia! Nada tão distante à realidade. Vejamos o que ocorre na

UFRGS. Temos dois cursos (na realidade três, pois há um terceiro currículo

ainda em extinção). Bem, mas, vamos considerar pelo menos dois cursos. Tais

cursos têm entradas distintas (inscrição no vestibular que se excluem

mutuamente). Mas, bastam os alunos adentrarem aos átrios da universidade,

que irão compartilhar da imensa maioria das aulas e dos professores. Seguem

juntos por um longo percurso. Separam-se nos estágios, nas disciplinas

ministradas pela faculdade de educação e em três ou quatro disciplinas

ministradas na própria esef55. Convenhamos é uma situação esdrúxula56. Duas

entradas distintas, praticamente o mesmo curso, e dois títulos incompatíveis.

Sim! Incompatíveis já que, como refere Steinhilber, os graduados em educação

física oriundos do bacharelado e da licenciatura devem assumir intervenções

profissionais distintas57. É uma esdrúxula diplopia58. Parece que andamos

todos embriagados a ver imagens desfocadas e em dobro. Bem! Não consigo

54 Steinhilber, J. Licenciatura e/ou Bacharelado. Opções de graduação para intervenção profissional. Educação Física. Ano VI, nº 19, Março de 2006. 55 Fato semelhante ocorre com os cursos de licenciatura e bacharelado em ciências biológicas em nossa Universidade. No entanto, lá prevaleceu o bom senso. A entrada no curso é única e, praticamente o licenciado é um biólogo (tal como o bacharel) que, no entanto ao cumprir as exigências da Regulamentação das Licenciaturas está também apto para lecionar na educação básica. Nada tão simples, claro e pertinente. 56 Esquisito, extravagante, excêntrico. Cf. Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI 57 Idibid. 58 Visão dupla de um objeto; ambliopia. . Cf. Dicionário Eletrônico Aurélio Século XXI.

Page 31: Texto Adroaldo Gaya (1)

31

ver este filme de outra forma. Nós estamos mergulhados num mar de

contradições cujas ondas vão acabar por nos afogar a todos.

§68

Mas, vou tentar navegar neste mar revolto em busca de bons ventos.

Ventos que me dêem algum rumo. Uma direção que, pelo menos, seja fruto de

algum instrumento de orientação. Um astrolábio59, uma bússola, um mapa. Em

outras palavras, procuro estruturar minhas idéias a partir de uma justificativa

teórica. Um quadro de referências. Um conjunto de princípios com a pretensão

de constituir uma doutrina60 orientadora (seria pretensão demasiada afirmar

“um conjunto de princípios filosóficos”). Um discurso que tenha coerência lógica

e consistência empírica capaz de fundamentar minhas posições e, como tal,

sugerir subsídios para o debate sobre a formação em educação física em

nossa UFRGS e, se for possível, desculpem a pretensão, colaborar com o

debate ao nível nacional. Realmente, eu estou convicto de que essa dupla

formação do profissional de educação física, do jeito que se pretende justificá-

la, é um estrupício61.

§69

Minha doutrina orientadora, tal como referi repetidamente ao longo deste

ensaio, é conceber a educação física como vertente pedagógica da cultura

corporal do movimento humano. Educação física como uma prática

pedagógica. Em todas as suas manifestações uma prática pedagógica...

Educação física unificada sob o propósito maior da educação e formação de

homens e mulheres. Educação Física como meio de educação através das

manifestações da cultura corporal do movimento humano. Educação para a

promoção da saúde, do lazer, da performance. Educação Física indispensável

na formação integral de cidadãos e cidadãs. Educação Física um curso de

graduação em licenciatura. Mas, uma licenciatura muito além desta que nos

pretendem impor. Muito além dessa infeliz intenção de reduzi-la

59 O astrolábio era um antigo instrumento utilizado na Idade Média para medir a altura dos astros e auxiliar a navegação. 60 Conjunto de princípios que servem de base a um sistema de idéias. 61 Estrupício: despropósito, despotismo, coisa esquisita, fora do comum (...). Cf. Dicionário Aurélio Século XXI.

Page 32: Texto Adroaldo Gaya (1)

32

exclusivamente à formação de professores da educação básica. Defendo a

tese de uma licenciatura ampla62 que, como sugere o termo, nos prepare para

a competente atuação em todos os espaços onde se manifestam

preocupações com a educação e formação de crianças, jovens e adultos

através da cultura corporal do movimento humano. É definitivamente

importante sublinhar que o campo de atuação do professor de educação física,

embora possa encontrar prioridade na instituição escolar, mais especificamente

no contexto da educação básica, porém, não se restringe a esta especificidade.

A educação física como prática pedagógica e fenômeno educativo

transcendem o espaço da escola inserindo-se em outros espaços sociais no

fomento da formação da cultura corporal do movimento humano.

§70

Como mera ilustração ao debate sobre as definições de licenciatura e

bacharelado, descrevo o significado da licenciatura e do bacharelado em

Portugal e Moçambique que, como veremos é completamente diferente das

nossas interpretações. Nestes países a licenciatura corresponde ao diploma

de nível universitário. Para todo curso universitário é atribuído o título de

Licenciado. Licenciado em engenharia, em arquitetura, em medicina, em

desporto. Já o bacharel é um diplomado em curso superior. Todavia, o curso

superior não tem o status de curso universitário. O bacharel não está no

mesmo nível acadêmico que o licenciado. O bacharel, por exemplo, não tem

acesso aos cursos de doutorado. Enfim, a licenciatura e o bacharelado são

níveis de formação distintos63.

§71

No Brasil, diferentemente de Portugal e Moçambique, licenciatura e

bacharelado tem o mesmo nível acadêmico. Ambos são reconhecidos como

cursos de graduação. A graduação, nos sistemas de educação superior

inspirados no modelo francês se refere ao primeiro título de formação superior

62 Licenciatura ampla termo adotado a partir das Propostas Encaminhadas à Assembléia Geral de Estudante da Escola de Educação Física da UFRGS durante sua V Semana Acadêmica. 2009. 63 Essa diferença cultural na interpretação dos conceitos de bacharelado durante algum tempo trouxe sérios problemas a estudantes brasileiros, pois ao apresentarem seus diplomas de bacharel não eram aceitos em programas de doutorado na Europa (Portugal e Espanha...).

Page 33: Texto Adroaldo Gaya (1)

33

recebido por um indivíduo64. Ambos, bacharelado e licenciatura dão acesso aos

cursos de pós-graduação senso-estrito (mestrado e doutorado). Todavia, no

Brasil os cursos de licenciatura habilitam para o exercício da docência; para a

formação de profissionais da educação. Formação de professores65. Todavia, a

partir da Resolução CNE/CP 1 de 18 de fevereiro de 2002 que Institui as

Diretrizes Curriculares para a Formação de Professores da Educação Básica,

em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena, instaurou-se uma

nova interpretação sobre a licenciatura. Foi possível a criação de cursos de

licenciatura exclusivamente para atender a formação de professores da

educação básica. Muitos cursos de licenciatura assim se constituíram, por

exemplo, na área da história, da física, da biologia, da matemática.

Evidentemente nada impede que se criem licenciaturas para atender esta

estrita finalidade.

§72

Não obstante, o que eu não aceito, e disto tenho plena convicção, é que

todo o curso de licenciatura deva, necessariamente, tornar-se um curso

exclusivamente de formação de professores da educação básica.

Convenhamos pretender impor esta idéia como verdade absoluta é subestimar

o nosso bom senso. Para contestar essa idéia reducionista basta imaginarmos

as diversas expressões da educação artística como, por exemplo, a música, a

dança. A educação artística, assim como a educação física, não pode limitar

seus cursos de licenciatura a essa estreita visão de formação de professores

exclusivamente para a educação básica sem descaracterizar parte significativa

de sua tarefa educacional na sociedade. Quem vai dar aulas em escolinhas de

artes, em conservatórios de música, em centros comunitários, em programas

sociais, em ONGs? Não serão professores? Que diferença essencial se

manifesta nas habilidades específicas de um professor de música, artes

plásticas ou esportes na educação básica e num curso de iniciação às artes ou

esportes da própria escola no turno oposto às aulas? Ora! Nesta perspectiva

absurda seria necessário contratar licenciados para ensinar música ou esportes

nas aulas de educação artística e educação física no currículo escolar e

64 Cf. Wikipédia. http://pt.wikipedia.org. Consultado em 05/08/2009. 65 E, nestes casos, os conceitos não limitam a docência ao âmbito do educação básica.

Page 34: Texto Adroaldo Gaya (1)

34

contratar bacharéis para ensinar música ou esportes nesta mesma escola no

turno oposto às aulas numa atividade extracurricular. É um despropósito! Seria

de se esperar, pelo menos, que os argumentos mantivessem coerência lógica

e consistência empírica. Mas, isto não ocorre absolutamente em nosso país,

principalmente na área da educação física onde interesses corporativos se

imiscuem no debate acadêmico. - Como pretendo demonstrar.

§73

O que pretendo demonstrar é que no caso dos cursos de formação em

Educação Física no Brasil estamos navegando sem bússola. Creio que, a partir

de algumas interpretações impertinentes da Resolução CNE/CP 1, 1 de

fevereiro de 2004; da Resolução Nº7, de 31 de março de 2004 e da Resolução

CNE/CES, de 6 de abril de 2009, a meu ver, interpretações comprometidas

ideologicamente com o corporativismo de classe, formularam-se diretrizes que

carecem de fundamentação epistemológica, de respeito à tradição histórica e

cultural da educação física brasileira. E mais, neste caminho, onde os

interesses corporativos suplantaram interesses acadêmicos, foram realizadas

ações que resultaram em graves prejuízos à própria identidade da educação

física como área acadêmica. Vejamos! Por orientação principalmente do

Sistema CREF/CONFEF foram criados dois cursos de educação física de

formação universitária. Isto, no contexto da minha doutrina é lamentável.

Lamentável sobre todos os aspectos. Traz prejuízo aos estudantes, primeiro

por que vêem extremamente reduzido seu campo de atuação profissional;

segundo porque os estudantes são submetidos obrigatoriamente a decidir seu

rumo profissional precocemente (antes do vestibular quando sequer tem

informações concretas sobre a carreira futura). Além de trazer prejuízos às

faculdades que tem que “ajeitar” dois cursos, que na essência são idênticos; e

aos professores que já não sabem quem são seus alunos em sala de aula. Isto

sem contar, volto a ressaltar, que a própria identidade da profissão ficou

dividida entre professores (licenciatura) e profissionais (bacharelado) em

educação física.

§74

Page 35: Texto Adroaldo Gaya (1)

35

Para demonstrar o pouco rigor teórico na concepção das diretrizes que

envolvem os debates sobre formação dos profissionais da educação física,

principalmente sob a orientação do Sistema CREF/CONFEF, eu vou me valer

de um texto do meu amigo Jorge Steinhilber - presidente do CONFEF. Quero,

com isso, sugerir que nossos colegas, a partir da leitura dos documentos legais

sugerem conclusões que estão muito além do logicamente prudente. Vejamos

alguns exemplos:

De modo geral são duas as opções de saída para todo o ensino superior: a licenciatura e o bacharelado. Cada um deles com perfil de formação e intervenção profissional próprios. As licenciaturas visam preparar o profissional para atuar como docente na educação básica, já os bacharelados excluem de sua formação a possibilidade de atuar na educação básica66.

Mesmo sem considerar que tal afirmação não é plenamente correta,

tendo em vista que o ensino superior também prevê cursos seqüenciais e de

extensão (ver quadro da estrutura do ensino superior em anexo), devo

considerar que a atual estrutura dos cursos de formação em educação física

segue este modelo. Licenciatura e bacharelado. É o caso de nossa UFRGS. As

diretrizes sugeridas por Steinhilber, por sua vez, são provenientes da

Resolução CNE/CP 1 de 18 de fevereiro de 2002 que institui as Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica,

em nível superior, curso de licenciatura, de graduação plena. É, da mesma

forma, relevante assinalar que esta mesma resolução em seu Art. 7º prevê no

item I, que a organização institucional da formação dos professores, a serviço

do desenvolvimento de competências deverá ser realizada em processo

autônomo, em curso de licenciatura plena67, numa estrutura com identidade

própria. Dessas regulamentações deve-se concluir, e isto parece claro, que a

formação de professores para a educação básica em todos os níveis é restrita

aos cursos de licenciatura68. - Estamos de acordo.

66 Steinhilber, J. Op. cit. p.19. 67 Licenciatura plena é outro conceito que foi subvertido pela lógica do sistema CREF/CONFEF, e curiosamente assumido pela comunidade discente. Que fique claro, na estrutura do sistema educacional brasileiro a terminologia licenciatura plena é para diferenciar-se da licenciatura curta. Uma licenciatura de curta duração. Em educação física a licenciatura curta ocorreu, por exemplo, nos anos 70 para atender o Programa de Expansão e Melhoria do Ensino Médio (PREMEM). Portanto, licenciatura plena não tem o significado de um licenciado que pode atuar tanto na escola como fora dela. 68 Todavia, não podemos deixar de referir a existência dos cursos sequencias que fazem parte da estrutura do ensino brasileiro. São os institutos superiores que licenciam professores para atuar nas séries iniciais da educação básica (algo semelhante ao antigo curso de Magistério “Normal”).

Page 36: Texto Adroaldo Gaya (1)

36

§75

Mas, no entanto, ao reconhecer que a formação de professores para a

educação básica é restrita aos cursos de licenciatura, não se deve concluir, por

outro lado, que a licenciatura deva limitar-se exclusivamente à formação de

professores para atuar na educação básica, como sugere Steinhilber. Eis uma

questão da maior relevância.

Em resumo, são duas formações distintas com intervenções profissionais separadas. Para o LICENCIADO é exclusivamente atuar especificamente na componente curricular Educação Física na educação básica (...) 69.

§76 .

Porque dividir a educação física em bacharelado e licenciatura se,

historicamente, nós sempre pudemos atender às exigências do trabalho na

escola e fora dela com uma formação unificada? Mas, o mais relevante, em

minha opinião, é o fato que a Resolução das licenciaturas não foi criada para

regulamentar à educação física. Ela foi criada para valorizar as licenciaturas e

dar um ordenamento mais eficaz a educação básica. Mas, é minha opinião, tal

Resolução foi rápida e estrategicamente incorporada às prerrogativas do

sistema CREF/CONFEF que vinha, na época, enfrentando problemas com os

sindicatos e conselhos de professores além, é evidente, do Colégio Brasileiro

de Ciências do Esporte que não aceitavam a prerrogativa do sistema em exigir

a regulamentação profissional dos professores em atuação no ensino escolar.

Eis, um exemplo:

A afirmação é do Sindicato dos Professores do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinpro/RS), que não concorda com a interpretação dada pelo Conselho Federal de Educação Física de que, independente da função exercida pelo profissional de educação física, o registro é obrigatória. “Tal interpretação não é a do Ministério da Educação, nem tampouco, de vários sindicatos que representam professores, em todo o país (...). O Sinpro/RS lembra que o Ministério da Educação, através de sua Consultoria Jurídica, expediu parecer (de nº 278/2000/CONJUR/MEC), baseado em pareceres anteriores (tais como: PJ nº 004/2000, 75/99/CONJUR/MEC), posicionando-se contrário à obrigatoriedade de registro nos Conselhos Profissionais, quando o exercício da atividade for de magistério70.

69 Id. Ibid., p. 20 (o sublinhado é de minha responsabilidade) 70 file:///C:/Documents%20and%20Settings/admin/Desktop/simpro.asp

Page 37: Texto Adroaldo Gaya (1)

37

Na minha avaliação, a Resolução das licenciaturas, interpretada por

interesses corporativos, abriu uma brecha e deu argumentos que permitiu a

criação de um profissional de educação física, o bacharel, este sim, submetido

às obrigações e deveres necessariamente regulamentados pelo sistema

CREF/CONFEF. Legitimou-se, dessa forma, a criação do sistema

CREF/CONFEF para regulamentar as atividades do profissional (não

professor) de educação física. Ou será que a terminologia de interesse do

sistema CREF/CONFEF, denominada e insistentemente repetida, de

profissional de educação física, que substituiu a histórica denominação de

professor de educação física, é assim tão imparcial? Na realidade se implodiu

com a formação unificada do professor de educação física por interesses

corporativos. Na essência inventou-se um profissional professor e outro

profissional não professor71, o que é um disparate. Isto é lamentável, e

pagaremos um alto preço num futuro próximo se não retornarmos ao bom

senso. Destituímos a educação física de uma identidade profissional para

atender interesses corporativos. De minha parte, continuo cheio de orgulho me

apresentando como professor de educação física.

§77

Há um tipo de homem, permitam-me dizer, que não gosta de

“profissão”, justamente porque ele sabe que tem “vocação”

NIETZSCHE72

§78

Afirmei em parágrafo anterior que essa dicotomia entre licenciado e

bacharel é um instrumento de legitimação do sistema CREF/CONFEF. Ora!

Esta hipótese faz sentido. Principalmente quando se percebe os critérios

(melhor seria dizer a falta de critérios) que definem a licenciatura e o

bacharelado. Vejamos o texto do Prof. Steihilber.

71 E em verdade, esta é uma ação sem consistência, posto que, salvo melhor juízo, a função de regulamentação da profissão se efetiva, não pelo título do profissional, se licenciado ou bacharel (muito menos pela cor da carteira profissional), mas sim pela função que exerce. Em outras palavras, independente de ser licenciado, sempre que o professor de educação física atuar fora do sistema escolar ele deverá necessariamente submeter-se à regulamentação da profissão que, como sabemos é fiscalizada pelo sistema CREF/CONFEF. 72 Nietzsche, F. Crepúsculo dos Ídolos, ou, Como se filosofa com o martelo Tradução de Paulo Cesar de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p.59.

Page 38: Texto Adroaldo Gaya (1)

38

Licenciatura é exclusivamente atuar na componente curricular Educação Física na educação básica e ao bacharelado é impossibilitada a atuação docente na educação básica.

Define-se, por um lado, a licenciatura por expressa inclusão no sistema da

educação básica e, por outro lado define-se o bacharelado por exclusão, ou

seja, tudo que não é educação básica. É gritante e, para mim, irritante a falta

de uma lógica coerente e teoricamente fundamentada.

§79

Mas o mais lamentável, no meu ponto de vista, é a publicação de um

novo documento legal que dá fortes argumentos em favor da tese da

fragmentação de nossa formação. Trata-se da Resolução CNE/CES, DE 6 DE

ABRIL DE 2009 que dispõe sobre carga horária mínima e procedimentos

relativos à integralização e duração dos cursos de graduação em Biomedicina,

Ciências Biológicas, Educação Física, Enfermagem, Farmácia, Fisioterapia,

Fonoaudiologia, Nutrição e Terapia Ocupacional, bacharelados, na modalidade

presencial. Nesta nova regulamentação o curso de bacharelado em educação

física deve ter uma carga mínima de 3200 horas (horas relógio) e completar-se

em quatro anos.

§80

Esta regulamentação é, na minha ótica, lamentável porque

definitivamente cria de direito dois profissionais de Educação Física. O

professor e o profissional. Mas é lamentável, principalmente, por que esse

famigerado bacharelado descaracteriza plenamente nossa identidade. É

importante salientar que nossa formação não é somente técnica e científica.

Diferentemente da biomedicina, da biologia, da fisioterapia, da fonoaudiologia,

da enfermagem, da nutrição, da farmácia e da terapia ocupacional que podem

ser exercidas profissionalmente sem a necessidade de formação pedagógica,

na educação física esta possibilidade inexiste. Nós somos professores em

todas as nossas intervenções. Não reconhecer isto é implodir com o próprio

conceito de EDUCAÇÃO FÍSICA.

§81

Page 39: Texto Adroaldo Gaya (1)

39

Isto tudo é muito grave e resultam em conseqüências sérias para todos

nós professores de educação física. Vou dar um exemplo muito preciso. Com

essa nova regulamentação caracteriza-se o bacharel em educação física como

um profissional claramente localizado na área da saúde. Podemos, portanto,

inferir que enquanto o bacharel mantém-se na área da saúde ele tem

prerrogativas distintas do licenciado em educação física que deverá, por

suposto, manter-se na área da educação. Bem, mas se formos observar com

seriedade as atividades de pesquisa científica em nosso país, a educação

física como um todo, bacharéis e licenciados, está na área de ciências da

saúde. Isto ocorre tanto no CNPq, na CAPES e FAPERGS. Sendo assim,

legitima-se um problema que nos vem atormentado a todos os professores que

fazem pesquisa e lecionam nos programas de pós-graduação. Qual seja: os

pesquisadores das ciências humanas serão irremediavelmente excluídos do

acesso a financiamento de pesquisa. Ou ainda. O que é mais grave serem

excluídos dos próprios programas de pós-graduação por impossibilidade de se

adequarem as exigências dos comitês da área da saúde. Em outras palavras,

os professores que pesquisam com preocupações na formação pedagógica, ou

nas ciências sociais e humanas não terão espaços para reivindicar apoio na

área das ciências da saúde e tampouco para publicação de seus estudos. Lá

será o espaço dos bacharéis. E, por outro lado, o bacharel por necessidade de

ofício, ficará cada vez mais longe da educação física, tornando-se um

pesquisador cada vez mais restrito à fisiologia, bioquímica, biomecânica, etc.,

e, provavelmente, esquecendo-se do real papel social da educação física. É,

mais uma vez, lamentável.

§82

É incrível! É um desatino! Estamos fora de nosso próprio tempo. Quando

o paradigma do saber em nossa contemporaneidade pretende educar

educadores de modo mais sistêmico, isso é, gerar intelectuais polivalentes,

abertos, capazes de refletir sobre a cultura em sentido amplo. Quando se torna

urgente encorajar professores de todos os níveis a religarem suas disciplinas,

assim como investir em reformas curriculares que propiciem uma reflexão

sobre metas, pontos de vista que rejuntem a natureza e a cultura, homem e

cosmos e edifiquem uma aprendizagem cidadã capaz de repor a dignidade da

Page 40: Texto Adroaldo Gaya (1)

40

condição humana73, a educação física no Brasil segue na contramão emitindo

regras e normas que levam à disjunção e fragmentação do conhecimento.

§83

Mas porque o sistema CREF/CONFEF jamais teve a explícita

preocupação de propor a unificação da profissão em torno da licenciatura,

respeitando a tradição histórica da educação física?74 Eu insisto, não foi a

Regulamentação das Licenciaturas que impôs a fragmentação da educação

física em dois cursos distintos. Ela não impede que se tenha uma licenciatura

ampliada. Onde são satisfeitas as exigências do CNE para a educação básica

e se contemple, sem qualquer prejuízo à formação unificada. Minha tese é a de

que interesses corporativos e métodos pragmáticos atropelaram o debate

acadêmico, a realidade concreta, o devir histórico e, desta forma, impuseram a

fragmentação à unidade de nossa profissão. Esta é minha conjectura, assim,

como foi possível demonstrar.

§84

Tenho uma curiosidade! Sendo tão iluminada a idéia de fragmentar a

educação física em licenciatura e bacharelado, em profissional e professor,

etc., porque só nós no Brasil discutimos essa alternativa? Seremos nós

brasileiros tão geniais? Ou andarão os demais povos do mundo distraídos?

5- Em defesa de uma formação unificada do Professor de Educação Física

em torno da Licenciatura (ou, em defesa de uma Licenciatura Ampliada)

§85

Esclarecimento. Não quero propor um novo curso. Não ofereço uma

nova alternativa para juntarem-se às demais. Utilizo a expressão Licenciatura

Ampliada - que adotei a partir da leitura do documento dos discentes – apenas

para assinalar que a licenciatura que defendo não se reduz, de modo algum, à

73 Edgard Assis Carvalho. In. Morin, E. A Cabeça Bem-Feita. Rio de Janeiro: Bertand Brasil. 2001, orelha da segunda capa. 74 Porque a proposta do graduado em educação física que chegou a ser formulada e discutida ficou pelo caminho esquecida, quem sabe, em alguma gaveta fechada a sete chaves?

Page 41: Texto Adroaldo Gaya (1)

41

formação de professores para o ensino médio. Defendo radicalmente uma

formação única: Licenciatura em Educação Física.

§86

Formar professores de educação física este deve ser o objetivo de

nossa ESEF-UFRGS. Mas, professores de educação física numa visão ampla.

Professores que sejam capazes de perceber, interpretar e atuar no largo

campo de visão que a educação física permite ver. Formar um licenciado.

Mas, um licenciado que ultrapasse solenemente as fronteiras impostas por esta

visão estreita que o limita à formação de professores de educação básica. Um

licenciado de visão ampliada. Um professor competente para atuar em todas as

etapas do desenvolvimento humano – infância, adolescência, idade adulta; nas

diversas áreas de atuação - na escola, no clube, na academia, na piscina, no

estádio, no ginásio, nas ruas e parques -; nas diversas expressões da cultura

corporal do movimento humano - esporte, dança, ginástica, lutas, jogos -; com

intencionalidades diversas - lazer, saúde, performance -. Não vejo de outra

maneira um professor de educação física.

§87

É incrível. É óbvio. Em todo lugar do mundo é assim. Um Professor de

Educação Física. Mas, nossa inteligência superior, nossa criatividade

tupiniquim resolveu que aqui na terra de Cabral deveria ser diferente. Seriam

duas profissões. Um licenciado só para a escola de educação básica e um

bacharel para dar conta de todo o resto. É um desatino! Nada prejudica mais

nossa cultura do que o excesso de pretensiosos mandriões e humanidades

fragmentárias. (NIETZSCHE)75.

§88

Um professor de educação física é sempre, em todas suas atividades

um educador, um pedagogo. É uma miopia severa acompanhada de

75 Nietzsche, F. Crepúsculo dos Ídolos, ou, Como se filosofa com o martelo Tradução de Paulo Cesar de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2006, p.57.

Page 42: Texto Adroaldo Gaya (1)

42

daltonismo crônico e surdez absoluta julgarem o professor como somente

aquele que atua na educação formal. Um professor de música, por exemplo,

pode ensinar flauta doce em qualquer espaço cultural. Na escola, no

conservatório em praça pública. E, indiferentemente do local, ele está sendo

professor com todas as responsabilidades de desenvolver as técnicas do

instrumento, os conteúdos da teoria musical, além da educação do sentido

estético e compromisso moral. É um professor. Assim deve ser em relação ao

professor de educação física. Independente do local onde atua, seu

compromisso pedagógico está inerente a sua prática. O ensino do esporte na

escola não deve ter pressupostos pedagógicos distintos do ensino do esporte

num programa de inserção social numa comunidade carente. Somos sempre

professores. Por isso nossa formação deve ocorrer num curso de licenciatura.

O bacharelado76 não pode formar um professor de educação física.

§89

Bem! Creio já ter deixado suficientemente claro minha posição em

relação à defesa da formação unificada em torno de uma licenciatura ampliada

para professores de educação física. Devo seguir adiante, outros muitos temas

deveremos pautar para nosso debate fraterno e democrático. Tratar da

reformulação curricular envolve muitas outras questões.

§90

Por exemplo, a concepção de currículo. Vamos manter esse currículo

multidisciplinar. Nossos currículos atuais são multidisciplinares (ou

pluridisciplinares77). Entendo por currículos multidisciplinares aqueles cuja

estrutura é constituída por um conjunto de disciplinas que atuam

independentemente uma das outras. Pode ser entendida como uma simples

associação de especialistas em diversas disciplinas que concorrem para uma

76 Quando penso na possibilidade de um bacharelado em educação física só vejo uma possibilidade. Um bacharel em pesquisa. Alguém que vai dedicar-se exclusivamente ao trabalho científico. Não vai dar aulas. Vai fazer pesquisa. Assim, mais ou menos, como é o curso de biomedicina em relação ao de medicina. 77 Considero o conceito similar ao de pluridisciplinaridade Alguns autores divergem. Consideram a diferença entre pluri e multi. Multidisciplinaridade seria a justaposição de duas ou mais disciplinas, sem relações entre elas e nenhuma coordenação. A pluridisciplinaridade já admitiria uma certa cooperação mas sem coordenação dessas relações. (CALLONI, 2006, p.65).

Page 43: Texto Adroaldo Gaya (1)

43

realização comum, mas sem que cada disciplina tenha que modificar

significativamente a sua própria visão dos objetos, seus próprios métodos e

linguagem. É uma justaposição de conhecimentos78.

§91

Ou deveremos propor um currículo transdisciplinar. Defino a

transdisciplinaridade como um sistema aberto. Distinto da visão multidisciplinar,

o olhar transdisciplinar não resulta em uma redução de um campo disciplinar a

outro, nem numa soma de metodologias ou na postulação de uma meta-

metodologia, tampouco, na criação de algo absolutamente novo (uma nova

disciplina ou uma nova ciência). A transdisciplinaridade é articulação de

saberes. É efetivamente um gerenciamento de saberes. A transdisciplinaridade

gera saberes, tanto abrangentes como particulares, mas configurando um

sistema coerente e consistente, como tais, fortemente contextualizados

segundo as situações, os objetos e escopos da prática pedagógica79. Creio, a

transdisciplinaridade é a abordagem capaz de justificar currículo de formação

de professores que dê sentido às formas de saber sobre as manifestações da

cultura corporal do movimento humano. Um saber estruturado em forma de

rede. Um sistema sem hierarquia pré-definida e sem espaços com fronteiras

rígidas. Sem ordem pré-definida no tempo. Um espaço onde os conceitos

disciplinares são relativizados, tornando suas fronteiras porosas ao ponto de

permitir uma miscigenação de saberes, saberes híbridos80;81). Ponto de

convergências. Conhecimentos estruturados em forma de redes permitem a

unidade do saber. De seu inacabamento, é certo. Mas também da sua

inexorável abertura à promessa de um saber em permanente crescimento. A

transdisciplinaridade é a coordenação do conhecimento em um sistema lógico,

que permite o livre trânsito de um campo de saber para outro, ultrapassando a

concepção de disciplina e enfatizando o desenvolvimento de todas as nuances

e aspectos do comportamento humano.

78 Nicolescu, B. A Visão do que há Entre e Além. Entrevista a Antónia de Sousa in. Diário de Notícias, Caderno Cultura. Lisboa, 3 de fevereiro de 1994, ps 2-3. 79 Conceito adaptado a partir de DOMINGUES, (2005, p.36). 80 Serres, M. Os Cinco Sentidos. Filosofia dos corpos misturados 1. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. 81 Serres, M. Hominescências. O começo de uma outra humanidade. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

Page 44: Texto Adroaldo Gaya (1)

44

§92

Caso, nossa estrutura curricular pretenda avançar para a

transdisciplinaridade, que estratégia ou método será definido? Os complexos

temáticos como sugerem os representantes discentes? Ou, por exemplo, como

eu pretendo propor, a pedagogia de projetos? Ou, quem sabe, outra alternativa

construída coletivamente?

§93

Que perfil profissional nós desejamos? O especialista ou o generalista?

Minha sugestão é superar essa dicotomia através da proposição de um

generalista instruído. O generalista instruído é aquele que, tal como um

bricoleur82, é capaz de nos fazer ver uma paisagem a partir de um conjunto,

mais ou menos, grande de pequenas peças. Aquele que nos permite

visualizar na floresta a partir de árvores mais ou menos dispersas a trilha

para alcançarmos nosso ponto de chegada. O generalista instruído é aquele

que dá sentido às totalidades. Ele dialoga com os especialistas, penetra nos

vários territórios, junta as peças, integra-as numa totalidade complexa e

constrói sua paisagem rica de novos sentidos. Provavelmente o generalista

instruído se manifeste menos na figura do cientista tradicional do que na

figura do pedagogo. Sim! Talvez um organizador de conhecimentos, aquele

que, viaja entre as várias fronteiras disciplinares das Ciências do Movimento

Humano. Nas palavras de Edgar Morin, um contrabandista de saberes83. O

Generalista Instruído dialoga com fisiologistas, biomecânicos, psicólogos,

coreógrafos, antropólogos, filósofos..., de onde retira os fundamentos para

organizar, por exemplo, uma bem estruturada teoria sobre o ensino ou treino

esportivo para crianças e jovens. O programa de ensino ou treino é a

paisagem que se quer vislumbrar. É o que se exige do generalista instruído.

§94

82 Lovisolo, H. Educação Física a Arte da Mediação. Rio de Janeiro: Sprint, 1995. 83 Morin, E. Contrabandista de Saberes. In PESSIS-PASTERNAK, G. Do Caos à Inteligência Artificial. 2a Ed. 1993, ps:83- 94.

Page 45: Texto Adroaldo Gaya (1)

45

Sobre as competências inerentes à formação do graduado em

licenciatura em educação física. Quais as atitudes, conhecimentos e

habilidades inerentes a sua prática pedagógica. Ora! A natureza de um

repertório de conhecimentos e habilidades específicos para a prática

pedagógica em geral, e para a educação física em especial, comporta

diferentes dimensões tanto ideológicas e políticas quanto normativas e

científicas. Como sugerem Gauthier et al.84, essas dimensões estão sempre

intimamente ligadas e só podem ser separadas, mesmo para fins de descrição

e análise, de modo arbitrário. Todavia, como o meu objetivo é sugerir

indicadores para subsidiar a configuração do currículo de licenciatura ampliada

em educação física da UFRGS, vou apenas enunciar algumas categorias de

análise sem me preocupar em aprofundá-las ao detalhe. Minha pretensão é,

apenas, delinear um mapa sobre conhecimentos e habilidades necessárias à

organização de uma grade curricular que satisfaça as exigências de um curso

de licenciatura em educação física de elevado nível acadêmico e profissional.

§95

Juarez Vieira do Nascimento85 define operacionalmente competência do

professor como um conjunto de saberes, habilidades e atitudes necessárias

para uma atuação profissional adequada.

Esta característica indica que o profissional necessita possuir conhecimentos amplos da realidade na qual vive em diferentes dimensões (cultural, social, econômica, etc.), bem como conhecimentos específicos dos conteúdos necessários para seu desempenho profissional. Da mesma forma, necessita dominar habilidades que o capacitem para o desenvolvimento de propostas pedagógicas. Além disso, precisa assumir e comprometer-se com atitudes de respeito (tolerância, flexibilidade, reflexão, etc.) e aceitação da diversidade de gênero, raça e religião86.

Mas o que eu gostaria de salientar, para além dessas exigências

sugeridas pelo meu amigo Juarez, é que para o ensino da educação física,

assim como para o ensino da educação artística, há uma competência

particular que, provavelmente não está presente de forma tão significativa nas

84 Gauthier, C; Martineau, S; Desbiens, J.F; Malo, A.; Simard, D. Por uma teoria da pedagogia. Tradução: Francisco Pereira Lima. Ijuí: Unijuí, 1998. 85 Nascimento, J. V. Preparação Profissional em Educação Física. In: Tani, G.; Bento, J. O. & Petersen, R. Pedagogia do Desporto. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2006, ps.193 – 203. 86 Id. Ibid. p.194 e 195.

Page 46: Texto Adroaldo Gaya (1)

46

outras áreas do ensino. Trata-se de um tipo especial de conhecimento, uma

forma de saber que se manifesta diretamente na corporalidade. É o saber

sensível. Enquanto nas disciplinas como matemática, ciências, biologia, etc.,

predominam o saber inteligível, a razão pura, a lógica formal, a racionalidade,

na educação física e educação artística predominam o saber sensível. O saber

sensível, repito, é aquele oriundo de nossa corporalidade. Manifesta-se através

dos processos perceptivos e expressivos. Situa-se no espaço da representação

simbólica, na estética, na manifestação de sentimentos e emoções. É a

expressão de um saber predominantemente corporal e motor. É, na expressão

de Merleau-Ponty, o corpo vivido. Como sugere Kant, é a característica

principal do saber humano devido ao fato dele estar sempre ligado à

sensibilidade, à intuição87. Todos nós que ensinamos o esporte, por exemplo,

sabemos que um bom atleta não aprende exclusivamente através do raciocínio

lógico de nossos discursos. Na aprendizagem esportiva e motora há intuição,

há criatividade. Há uma expressão corporal que é capaz de manifestar

mensagens que estão muito além das possibilidades manifestas em qualquer

discurso formal por mais sofisticado que possa ser. Enfim! É a manifestação de

um saber não declarativo. O saber sensível é o saber fazer. São as emoções e

os sentimentos expressos na sua mais ampla possibilidade. Oportunizar o

desenvolvimento do saber sensível é, sem dúvida, uma competência da mais

alta relevância na formação do professor de educação física. Dar ênfase ao

saber sensível atribui à educação física, bem como a educação artística, um

alcance educacional e formativo que vai além das exigências inerentes as

demais licenciaturas. Ao tratar da formação do saber sensível o professor se

envolve com o desenvolvimento da capacidade de sentir, de perceber e de

expressar o mundo valendo-se de construções éticas e estéticas que articulam

elementos dessa sabedoria primordial do ser humano que é a sua relação

corporal imediata com a realidade. A educação do saber sensível, por outro

lado, atribui à educação física responsabilidades que vão além do espaço

escolar. É evidente que se encontra fortemente no contexto da educação

básica, porém não se restringe a ela, visto que a educação física como

fenômeno educativo insere-se em outros espaços sociais no fomento da

87 Apud. Luc Ferry, Ibid, p. 5.

Page 47: Texto Adroaldo Gaya (1)

47

formação acadêmica, esportiva, artística e cultural, no âmbito da saúde, do

lazer e da performance e, em vários locais de atuação como escolas,

academias, clubes, etc. Portanto, mais uma vez se justifica a nossa conjectura

em identificar a educação física como uma licenciatura que ultrapassa os

limites estreitos da exclusiva formação de professores da educação básica, tal

como pretendem impor nossos órgãos de regulamentação profissional.

§96

Mas, dito de outra forma, entre as competências dos professores de

educação física e de educação artística estão presentes simultaneamente duas

modalidades de saber humano: o saber sensível88,89 e o saber inteligível. Já, o

saber inteligível é o conhecimento construído por meio de signos lógico-

conceituais, ferramentas básicas da ciência e da filosofia. Entre os saberes

inteligíveis podemos identificar três grupos. Os saberes conceituais ou

disciplinares, os saberes pedagógicos e os saberes de conteúdo da matéria de

ensino.

§97

Os saberes conceituais ou disciplinares são constituídos pelos

conhecimentos exigidos para a fundamentação teórica dos conteúdos da

matéria de ensino em educação física. São conhecimentos científicos e

filosóficos que constituem o cabedal de saberes do professor. São

conhecimentos que, embora, não se constituem em temas específicos das

aulas de educação física do professor, são necessários à compreensão dos

fenômenos que envolvem a prática pedagógica nos diversos ambientes de

trabalho. São conhecimentos inerentes às bases biológicas, psicológicas,

antropológicas, sociológicas e filosóficas do comportamento humano no amplo

espectro da cultura corporal do movimento humano. Em nosso currículo são as

88 Adaptado de: Reforma Curricular em Artes Visuais (Bacharelado e Licenciatura). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Artes – Departamento de Artes Plásticas, Coordenadoria de Graduação. Ribeiro, L. E. F. (coordenadora) & Mattos, C. V. (Coordenadora Associada). 89 Sugiro sobre o tema a leitura de Ferry, Luc. Kant uma leitura das três críticas. Tradução de Karina Jannini. Rio de Janeiro: Difel, 2009. Principalmente às páginas 33 a 40. A emancipação da sensibilidade: a descoberta do corpo.

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48

disciplinas como: anatomia, sociologia da educação, fisiologia do exercício,

bioquímica filosofia da educação, história da educação física, medicina do

exercício, antropologia do corpo e da saúde, psicologia da educação,

aprendizagem e desenvolvimento motor, etc.

§98

Os saberes pedagógicos referem-se aos saberes para ensinar. São

saberes de diferentes estratégias que são utilizados para tornar acessível e

compreensível a matéria de ensino90. São saberes referentes à pedagogia, à

didática, às técnicas de ensino, à estrutura e funcionamento do contexto

educacional, etc. Em nosso currículo são as disciplinas como: organização da

escola básica, intervenção pedagógica e necessidades educativas especiais,

fundamentos da educação física especial, metodologia do ensino da educação

física, ensino em espaços escolares, educação física e terceira idade,

pedagogia do esporte, etc.

§99

Os saberes de conteúdo da matéria de ensino são os conhecimentos

sobre o que será ensinado. Trata-se do conhecimento teórico e prático das

manifestações da cultura corporal do movimento humano que serão conteúdo

de ensino. São os saberes sobre as técnicas específicas de alguns esportes,

danças, técnicas de ginástica, jogos, etc. São, por exemplo, as disciplinas

esportivas (basquete, vôlei, natação, atletismo, handebol, futebol...), as

disciplinas referentes à ginástica (básica, artística, rítmica, ginástica de

academia...).

§100

Sobre os saberes de conteúdo da matéria de ensino eu quero afirmar

minha convicção sobre a relevância da manutenção das aulas práticas no

currículo de formação de nossos licenciados. Atualmente em nosso curso é

90 Nascimento, J. Ibid, p.197.

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possível um aluno se formar sem cursar sequer uma disciplina esportiva. Isto é

lamentável. Creio que na atual conjuntura, onde muitos de nossos alunos

chegam à faculdade sem qualquer experiência ou vivência nas diversas

manifestações da cultura corporal (esporte, dança, ginástica, lutas...), é um

absurdo licenciar um professor que deverá ensinar algumas, entre essas

manifestações da cultura corporal, mas que, no entanto, não detêm qualquer

experiência sensível sobre os conteúdos que pretende ensinar. Parto de um

pressuposto simples e, para mim, evidente. Só ensina quem sabe. Em outras

palavras, quem não vivenciou basquetebol, ginástica aeróbia ou capoeira não

tem competência para ensiná-los. Falta-lhe o saber sensível. Quem não sabe

nadar não deve ser professor de natação. Assim, como quem não sabe a

tabuada provavelmente não possa ser professor de matemática e, tampouco,

um analfabeto professor de literatura. Por isso, defendo com muita convicção

que nossos currículos devam permanecer oferecendo as disciplinas de

“fundamentos” para que, pelo menos aqueles alunos que chegam à

universidade sem uma mínima cultura esportiva possam vivenciar a

experiência sensível de práticas corporais e motoras que queiram ensinar em

sua vida profissional.

Em conclusão

Palavras de otimismo

Espero sinceramente ter pautado alguns temas interessantes para

subsidiar nosso debate sobre a reformulação curricular de nossa EsEF.

Evidentemente, não há qualquer pretensão e nem possibilidade de esgotar um

tema tão imenso e complexo. Tenho a convicção, no entanto, de que devemos

partir de um quadro teórico que oriente nosso pensamento. Caso contrário, eu

temo que, ao não considerar alguns princípios epistemológicos, antropológicos

e filosóficos, nós todos possamos nos embrenhar num debate irracional

permitindo, talvez, que o pragmatismo assuma as rédeas e, como tal,

prevaleçam os interesses pessoais sobre os interesses coletivos.

Em forma de conclusão eu quero reafirmar que minha intenção é

fundamentalmente colaborar com os debates de reformulação curricular de

Page 50: Texto Adroaldo Gaya (1)

50

nossa Escola de Educação Física. Faço-o, com um profundo sentimento de

gratidão, pois devo a esta escola tudo que na vida pude almejar

profissionalmente. Um dia, eu entrei nesta escola como estudante e, lembro

bem, que ao lado de outros colegas que ainda trilham ou já trilharam este

caminho estávamos cheios de sonhos. Éramos a maioria de nós, de origem

pobre. A época era difícil. Momento político onde as liberdades eram muito

limitadas. Mas, foi nestes prédios, neste espaço que aprendi com nossos

mestres uma paixão pela educação física que jamais me abandonou. A ESEF

me fez crescer. Fez-me homem e professor. Professor de educação física. Fez

muito mais, me fez mestre, doutor, livre docente e professor titular. Estimulou-

me a escrever livros. Oportunizou-me o sonho de conhecer quase todo esse

Brasil. Deu-me a chance de viver e constituir muitos amigos em Portugal e

alegria de ter um irmão fraterno e tantos amigos em Moçambique.

Se, por ventura, algum jovem estudante ainda me acompanha na leitura

desta monografia, quero lhe dizer com a convicção de uma vida inteira

dedicada a essa ESEF, todo o sonho é possível. Construam seus sonhos, Essa

escola traz no seu DNA a incrível capacidade de transformar lindos sonhos em

realidade. Acreditem!

Por amor a nossa ESESF e a educação física eu me dediquei a escrever

este ensaio. Repito, com a singela intenção de colaborar com nosso debate.

Mas, como espero esteja evidente no texto, expressei minhas idéias com

firmeza e frontalidade. Nestes cem parágrafos me esforcei para ser claro e

direto. Radical, mas sem ser fundamentalista. Não assumo compromissos com

corporativismos políticos, com doutrinas fechadas, tampouco com esse ou

aquele autor “sagrado”. Evidentemente embora eu tenha contado com a

colaboração de colegas e amigos com quem conversei e debati muitas das

idéias aqui contidas, embora eu tenha me dedicado à leitura de muitos autores,

eu escrevi a monografia na primeira pessoa. É um pouco da minha história.

Agora, vamos iniciar uma nova caminhada. Vamos para o debate de

idéias, de convicções e de sonhos. Felizmente eu tenho a renovada alegria de

participar, após 31 anos de UFRGS, novamente da tarefa de reformulação

curricular. Vou entrar nesta tarefa com a mesma dedicação. Mas, talvez pelo

tempo e pela longa jornada já percorrida, provavelmente (?), com mais

paciência, com mais tolerância e, quem sabe, com mais sabedoria. Pois como

Page 51: Texto Adroaldo Gaya (1)

51

afirma NIETZCHE no Crepúsculo dos Ídolos. “A sabedoria é como um corvo,

ela adora o cheiro de cadáver”.

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ANEXO

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Fonte: Clarissa Eckert Baeta Neves91

91 Extraído de: Neves, C. E. B. A. Estrutura e o Funcionamento do Ensino Superior no Brasil http://www.cfa.org.br/html/c_gestor/