Texto Complementar - Tema 3 - Cristo se refere ao coração humano
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3º Curso Virtual de Teologia do Corpo – 2010 ____________________________________________________ 1
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Cristo se Refere ao Coração Humano
Introdução
1. No tema anterior voltamos ao ―princípio‖, e
vimos como no coração do homem e da mulher no
plano original de Deus não havia maldade nem
pecado, e como sua relação ―em uma só carne‖
era reflexo do seu chamado à comunhão, já que
eram imagem e semelhança de Deus. Porém,
quando Adão e Eva desobedeceram a Deus, o
pecado entrou no mundo. Esse é o período em que
vivemos, o período ―histórico‖, teologicamente
falando. Mas esse período não é marcado só pelo
pecado. É marcado também pelo mistério da
Redenção que Cristo veio nos trazer. Portanto, o
ciclo do ―Homem Histórico‖ trata de dois
aspectos: o homem corrompido pelo pecado
original, e ao mesmo tempo o homem redimido
por Cristo.
2. O ciclo de audiências chamado ―Cristo se
Refere ao Coração Humano‖ é o mais longo,
consistindo em 40 audiências gerais feitas pelo
Papa João Paulo II entre 16 de abril de 1980 e 6
de maio de 1981.
3. Lembremo-nos que o Papa, em cada um dos
ciclos, tem presente as palavras do Concílio
Vaticano II: ―Jesus Cristo revela plenamente o
homem a si mesmo‖(Gaudium et spes, 22:1).
Portanto, tudo começa pelo Novo Testamento,
pelas palavras de Cristo.
As palavras de Cristo
4. A seguir traduzimos um trecho de rodapé do
tradutor, Michael Waldstein, justificando o uso do
termo ―desejar de forma redutiva‖:
5. ―De acordo com João Paulo II, o desejo sexual
e o prazer sexual são, em si mesmos, bons. A
palavra ―desejo‖ pode ser utilizada em sentido
positivo. No namoro e no casamento, não é
apenas moralmente legítima, como boa e santa,
em conformidade com o significado esponsal do
corpo. O ―desejo‖ também pode ser utilizado em
um sentido negativo para designar um tipo
redutivo de desejo no qual a outra pessoa se torna
um mero instrumento para o prazer, contrário ao
significado esponsal do corpo. O ―desejo‖, em
um sentido negativo, surge quando um homem ou
uma mulher não consegue ver a atratividade
completa ou plena da outra pessoa, e reduz esta
atratividade somente à atratividade do prazer
sexual. O fato de isolar e ver somente o desejo
sexual é que dá origem ao vício da luxúria. No
desejo luxurioso ou concupiscente, vê-se a outra
pessoa de modo redutivo, como simples
instrumento ou meio para o prazer sexual. Para
evitar a impressão que Jesus (de acordo com a
compreensão de João Paulo II) estaria
condenando o desejo sexual em si, adicionaremos
algumas vezes, como lembrete, certos adjetivos
entre colchetes logo após a palavra ―desejo‖:
[luxurioso], [concupiscente], ou [redutivo].)."1
À Luz do Sermão da Montanha
6. Este enunciado constitui uma das passagens do
Sermão da Montanha, em que Jesus Cristo faz
uma revisão fundamental do modo de
compreender e cumprir a lei moral da Antiga
Aliança. Assim, portanto, Cristo apela para o
homem interior, e o faz mais que uma vez e em
diversas circunstâncias. (TdC 24)
1 Pág. 225 na tradução de Michael Waldstein, de título ―Man
and Woman He Created Them‖, Pauline Books, Boston,
2006.
“Ouvistes que foi dito: „Não cometerás adultério‟. Ora, eu vos digo: todo aquele que
olhar para uma mulher com o desejo [luxurioso] de possuí-la, já cometeu
adultério com ela em seu coração.” (Mt 5, 27-28)
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7. O homem, a quem Jesus se refere aqui, é
precisamente o homem "histórico", aquele cujo
"princípio" e "pré-história teológica" traçamos na
precedente série de análises. Mais diretamente, ele
é aquele que escuta, com os próprios ouvidos, o
Sermão da Montanha. (...) Este homem é, em
certo sentido, "cada" homem, "cada um" de nós.
(TdC 25)
8. O "coração" é esta dimensão da humanidade,
com que está ligado diretamente o sentido do
significado do corpo humano, e a ordem deste
sentido. Trata-se aqui, tanto daquele significado
que, nas precedentes análises, chamamos
"esponsal", quanto daquele que denominamos
―procriador‖ ou ―gerador‖. (TdC 25)
A Vergonha “Entra em Cena” -
O Significado da Vergonha
9. Falando sobre o pecado original, diz o Papa:
―Pondo em dúvida, no seu coração, o significado
mais profundo da doação, ou seja, o amor como
motivo específico da criação e da Aliança
original, o homem volta as costas para Deus-
Amor, ao "Pai". Em certo sentido, lança-O para
fora do próprio coração‖. (TdC 26)
10. ―Então os olhos de ambos se abriram, e, como
reparassem que estavam nus, teceram para si
tangas com folhas de figueira.‖ (Gen 3, 7) Em
tudo isto, a "nudez" não tem apenas significado
literal, não se refere só ao corpo, não é origem de
uma vergonha referida só ao corpo. Na realidade,
o que se manifesta através da "nudez" é o homem
destituído da participação no Dom, o homem
alienado do Amor que tinha sido a fonte do dom
original, fonte da plenitude do bem destinado à
criatura. (TdC 27)
11. A vergonha, cuja causa se encontra na
própria humanidade, é ao mesmo tempo imanente
e relativa: manifesta-se na dimensão da
interioridade humana e ao mesmo tempo se refere
ao "outro". (TdC 28)
12. A vergonha, que sem dúvida se manifesta na
ordem "sexual", revela uma dificuldade específica
em perceber a essencialidade humana do próprio
corpo. ―Fiquei com medo, porque estava nu‖. Por
meio destas palavras revela-se certa fratura
constitutiva no interior da pessoa humana, uma
ruptura da unidade espiritual e somática original
do homem. Este se dá conta pela primeira vez que
seu corpo cessou de beber da força do espírito,
que o elevava ao nível da imagem de Deus. A sua
vergonha original traz em si os sinais de uma
específica humilhação comunicada pelo corpo.
Esconde-se nela o germe daquela contradição, que
acompanhará o homem "histórico" em todo o seu
caminho terrestre, como escreve São Paulo: "Sinto
prazer na lei de Deus, de acordo com o homem
interior. Mas vejo outra lei em meus membros, a
lutar contra a lei da minha razão‖ (Rom 7, 22-23)
– (TdC 28)
13. A vergonha (pudor) imanente, e ao mesmo
tempo sexual, é sempre, ao menos indiretamente,
relativo. É a vergonha da própria sexualidade ―em
relação‖ a outro ser humano. (TdC 28)
14. O homem tem vergonha do corpo por causa
da concupiscência. Mais exatamente, ele tem
vergonha não tanto do corpo, e sim mais
precisamente da concupiscência: tem vergonha
do corpo guiado pela concupiscência. (TdC 28)
15. A vergonha tem significado duplo: ela
indica a ameaça ao valor [original do corpo e
do homem], e ao mesmo tempo ela preserva
interiormente esse valor. (TdC 28) Se, por um
lado, a vergonha revela o momento da
concupiscência, ao mesmo tempo pode em
primeira mão fornecer armas ou meios contra as
conseqüências da concupiscência. (TdC 31)
16. Esta vergonha confirma que foi destruída a
capacidade original de se comunicarem
reciprocamente a si mesmos, de que fala Gênesis
2, 25. (...) É como se a sexualidade se tornasse
"obstáculo" na relação pessoal do homem com a
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mulher. (...) A necessidade de se esconder ante o
―outro‖ mostra a fundamental falta de confiança,
que já em si aponta para o colapso da relação
original ―de comunhão‖. (TdC 29)
17. À luz da narrativa bíblica, a vergonha sexual
tem o seu profundo significado, que está
conectado precisamente com a incapacidade de
satisfazer a aspiração de realizar, na "união
conjugal do corpo", a comunhão recíproca de
pessoas. A mulher, cujos "desejos a arrastarão
para seu marido" (Gen 3, 16), e o homem, cuja
resposta a tal instinto, como lemos, é de "dominá-
la" (Gen 3, 16), formam indubitavelmente o
mesmo par humano, o mesmo matrimônio de
Gênesis 2, 24, e até mesmo a mesma comunidade
de pessoas: todavia, são agora alguma coisa de
diverso. Já não são apenas chamados à união e
unidade, mas também ameaçados pela
insaciabilidade daquela união e unidade. (TdC
30)
O Homem da Concupiscência
18. Esta verdade, sobre o homem "histórico", de
universal importância, para a qual nos orientam as
palavras de Cristo tiradas de Mt 5, 27-28, parece
estar expressa na doutrina bíblica sobre a tríplice
concupiscência. Referimo-nos aqui ao conceito
enunciado da primeira Epístola de São João 2, 16-
17: ―Porque tudo o que há no mundo — a
concupiscência humana, a cobiça dos olhos e a
ostentação da riqueza — não vem do Pai, mas do
mundo.‖ (TdC 26)
19. A tríplice concupiscência, incluída a do corpo,
traz consigo uma limitação do próprio significado
esponsal do corpo, de que o homem e a mulher
eram participantes no estado da inocência
original. (TdC 31)
20. O homem da concupiscência não domina o
próprio corpo do mesmo modo, com igual
simplicidade e "naturalidade" como o fazia o
homem da inocência original. (TdC 28)
21. Entretanto, o significado esponsal do corpo
não se tornou totalmente estranho àquele coração:
não ficou nisso totalmente sufocado por parte da
concupiscência, mas só habitualmente ameaçado.
O "coração" tornou-se um campo de batalha
entre o amor e a concupiscência. (TdC 32)
22. Quanto mais a concupiscência domina o
coração, tanto menos este experimenta o
significado esponsal do corpo, e tanto menos se
torna sensível ao dom da pessoa. (TdC 32)
23. O "desejo" [luxurioso] de que Cristo fala
em Mateus 5, 27-28 aparece no coração
humano de muitas formas: nem sempre é
evidente e manifesto, às vezes é obscuro, de
maneira que se passa como "amor", embora
mude o seu autêntico aspecto e obscureça a
limpidez do dom. Isto quer dizer que devemos
desconfiar do coração humano? Não! Quer
somente dizer que devemos permanecer no
controle dele. (TdC 32)
24. O "corpo" não cessa de estimular os desejos
por união pessoal, precisamente por causa da
masculinidade e feminilidade ("Teus desejos te
arrastarão para teu marido"), por outro lado e ao
mesmo tempo a concupiscência dirige a seu modo
estes desejos; isto é confirmado pela expressão
"Ele te dominará" (Gen 3, 16). Agora, a
concupiscência da carne orienta esses desejos para
a satisfação do corpo, muitas vezes às custas de
uma autêntica e plena comunhão das pessoas. A
partir do momento em que o homem "domina" a
mulher, a comunhão de pessoas —feita de plena
unidade espiritual dos dois sujeitos que se dão
reciprocamente— é substituída por uma relação
mútua diferente, isto é, uma relação de posse do
outro como um objeto do próprio desejo. (TdC
31) A relação de dom transforma-se em relação
de apropriação. (TdC 32)
Mandamento e Ethos
25. A sucessiva etapa da nossa análise deverá ser
de caráter ético. O Sermão da Montanha, e em
particular a passagem que escolhemos como
centro das nossas análises, faz parte da
proclamação do novo ethos: o ethos do
Evangelho. (TdC 34)
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26. As palavras do Sermão da Montanha
consentem-nos estabelecer um contato com a
experiência interior deste homem [―histórico‖].
Com a categoria do "coração", cada um se
identifica de modo singular, mais ainda que pelo
nome. A imagem do homem da concupiscência
diz respeito acima de tudo ao seu [ser] interior.
27. Detenhamo-nos um pouco na expressão que,
segundo Mateus 5, 27-28, efetua de certo modo a
transferência ou a deslocação do significado do
adultério do "corpo" para o "coração". São
palavras que se referem ao desejo. Cristo fala da
concupiscência: "todo aquele que olhar para uma
mulher com o desejo de possuí-la". Essa é a
expressão que precisa ser analisada em detalhe
para se compreender o enunciado como um todo.
(...) O homem de que fala Cristo no Sermão da
Montanha —o homem que olha "para desejar"— é
indubitavelmente o homem da concupiscência.
(TdC 38)
28. O olhar exprime o que está no coração. O
olhar exprime, diria eu, o homem completo. Em
certo sentido, o homem através do olhar revela-se
exteriormente e aos outros; sobretudo revela o que
percebe no "interior".
29. O "Desejar" [luxurioso], ou o "olhar com
desejo [redutivo]", indicam uma experiência do
valor do corpo em que o seu significado esponsal
cessa de ser esponsal, precisamente por causa da
concupiscência. (...) Portanto, quando o homem
―deseja‖ e "olha com desejo" (como lemos em Mt
5, 27-28), ele experimenta mais ou menos
explicitamente a ruptura com o significado do
corpo, que (segundo já observamos nas nossas
reflexões) está na base da comunhão das pessoas.
(TdC 39)
30. O "desejo" nascido precisamente da
concupiscência da carne passa sobre as ruínas do
significado esponsal do corpo para satisfazer só o
impulso sexual do corpo. Tal redução intencional
e axiológica pode verificar-se, segundo as
palavras de Cristo, já no âmbito do "olhar" ou,
antes, no âmbito de um ato puramente interior
expresso pelo olhar. (TdC 40)
31. A mulher começa a existir intencionalmente
como objeto para a potencial satisfação da
necessidade sexual inerente à masculinidade.
Embora o ato seja completamente interior,
encerrado no "coração" e expresso só pelo "olhar",
nele dá-se já uma mudança (subjetivamente
unilateral) da intencionalidade mesma da
existência. (TdC 41)
32. Como acontece muitas vezes no Evangelho,
também aqui encontramos certo paradoxo. Como,
de fato, pode haver "adultério" sem se "cometer
adultério", isto é, sem o ato exterior, que permite
reconhecer o ato proibido pela Lei? (...)Ao
entender o "adultério no coração", Cristo
considera não apenas o real estado jurídico do
homem e da mulher em questão. Cristo faz com
que a avaliação moral do "desejo" dependa acima
de tudo da dignidade pessoal do homem e da
mulher; e isso é importante seja quando se trata de
pessoas não casadas, seja —e talvez mais ainda—
quando são cônjuges, mulher e marido. (TdC 42)
33. É significativo que Cristo, quando fala do
objeto de tal ato [de olhar com concupiscência],
não sublinha que seria no caso "a mulher do
próximo", ou a mulher que não é a própria esposa,
mas diz genericamente: uma mulher. (...) O
adultério "no coração" não é cometido só porque o
homem "olha" desse modo [luxurioso] para a
mulher que não é sua esposa, mas precisamente
porque olha desse modo para uma mulher.
Também se olhasse deste modo para a mulher que
é sua esposa cometeria o mesmo adultério "no
coração". (TdC 43)
34. A concupiscência que nasce como ato interior
muda a própria intencionalidade do existir da
mulher "para" o homem, reduzindo a riqueza do
perene chamado à comunhão de pessoas
unicamente à satisfação do "impulso" sexual do
corpo. Tal redução faz com que a pessoa (neste
caso, a mulher) se torne para a outra pessoa (o
homem) acima de tudo um objeto para a possível
satisfação de seu próprio "impulso" sexual. O
homem que "olha" de tal modo, como escreve Mt
5, 27-28, "se utiliza" da mulher, da sua
feminilidade, para satisfazer o próprio "instinto".
Mesmo que não o faça em um ato exterior, já
tomou essa atitude no seu íntimo. Um homem
pode cometer tal adultério ―no coração‖ mesmo
com a própria esposa, se a trata apenas como
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objeto para a satisfação de impulsos. (...) Não é
possível chegarmos a essa segunda interpretação
das palavras de Mt 5, 27-28, se nos limitamos à
interpretação puramente psicológica da
concupiscência, sem ter em conta aquilo que
forma o seu específico caráter teológico. (TdC
43)
O Coração – Acusado ou Chamado?
35. Se nas palavras analisadas do Sermão da
Montanha o coração humano é "acusado" de
concupiscência (ou se é posto em guarda contra
aquela concupiscência), simultaneamente
mediante as mesmas palavras é ele chamado a
descobrir o sentido pleno daquilo que no ato de
concupiscência constitui para ele um "valor não
suficientemente apreciado". (TdC 45)
36. Uma segunda questão surge de mãos dadas
com essa, uma questão mais ―prática‖: Como
alguém que aceita as palavras de Cristo no
Sermão da Montanha ―pode‖ e ―deve‖ agir? (TdC
44)
37. O homem "histórico" valoriza sempre, a seu
modo, o próprio "coração", assim como julga
também o próprio "corpo": e assim passa do pólo
do pessimismo ao pólo do otimismo, da
severidade puritana ao permissivismo
contemporâneo. (TdC 44)
Maniqueísmo
38. O maniqueísmo via a fonte do mal na matéria,
no corpo, e proclamava portanto a condenação de
tudo o que no homem é corpóreo. E como no
homem a corporeidade se manifesta acima de tudo
através do sexo, a condenação era estendida ao
matrimônio e à convivência conjugal, e a todas as
outras esferas do ser e do atuar, em que se
exprime a corporeidade. (TdC 44)
39. As pessoas, portanto, procuravam descobrir –
e às vezes viam – tal condenação [do corpo] no
Evangelho, encontrando-a onde foi pelo contrário
expressa exclusivamente uma exigência particular
dirigida ao espírito humano. (TdC 44)
40. A interpretação apropriada das palavras de
Cristo, segundo Mateus 5, 27-28, como também a
"prática" na qual se realiza sucessivamente o
autêntico ethos do Sermão da Montanha, devem
ser completamente livres de elementos
maniqueístas no pensamento e na atitude. (TdC
45)
“Mestres da Suspeita”
41. Na hermenêutica de Nietzsche, o juízo e a
acusação do coração humano correspondem, em
certo modo, ao que na linguagem bíblica é
chamado "soberba da vida"; na hermenêutica de
Marx, ao que foi chamado "concupiscência dos
olhos"; e na hermenêutica de Freud, pelo
contrário, ao que é chamado "concupiscência da
carne". (TdC 46)
42. O significado do corpo é, em certo sentido, a
antítese da libido freudiana. (TdC 46)
43. As palavras de Cristo segundo Mateus 5, 27-
28 não nos permitem parar na acusação contra o
coração humano e colocá-lo em estado de suspeita
contínua, mas devem ser entendidas e
interpretadas sobretudo como apelo dirigido ao
coração. Isto deriva da própria natureza do ethos
da redenção. A redenção é uma verdade, uma
realidade, em cujo nome o homem deve sentir-
se chamado, e "chamado com eficácia". (TdC
46)
44. As palavras de Cristo testemunham que a
força original (portanto, também a graça) do
mistério da criação se torna para cada um deles
força (isto é, graça) do mistério da redenção. Isso
concerne a própria "natureza", o próprio substrato
da humanidade da pessoa, os mais profundos
impulsos do "coração". (TdC 46)
O Ethos da Redenção do Corpo
45. É indubitavelmente um ethos "novo". É
"novo", em confronto com o ethos dos homens do
Antigo Testamento. É "novo" também com
respeito ao estado do homem "histórico",
posterior ao pecado original, isto é, a respeito do
"homem da concupiscência". (TdC 49)
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46. No Sermão da Montanha, Cristo não convida
o homem a voltar ao estado da inocência original,
porque a humanidade deixou-a irrevogavelmente
atrás de si, mas chama-o a reencontrar as formas
vivas do "homem novo". (TdC 49)
Pureza como “Vida segundo o Espírito”
47. A análise da pureza é complemento
indispensável das palavras de Cristo no Sermão da
Montanha (―Aquele que olhar para uma mulher
cobiçando-a desordenadamente já cometeu
adultério em seu coração...‖). (TdC 50)
48. O sentido mais amplo e geral de pureza
também está presente nas cartas de São Paulo. Ele
observa uma oposição e tensão entre a ―carne‖ e o
―Espírito‖. (TdC 50) ―Pois o que a carne deseja é
contra o Espírito, e o que o Espírito deseja é
contra a carne: são o oposto um do outro, e por
isso nem sempre fazeis o que gostaríeis de fazer‖
(Gálatas 5, 16-17).
49. A carne, então, para S. Paulo, não deve ser
identificada com o sexo ou o corpo físico. Na
verdade, está mais perto do sentido Hebreu de
personalidade física – o ―si mesmo‖, incluindo os
elementos físicos como veículos da vida exterior.
O termo ―carne‖, para São Paulo, indica não
apenas o homem ―exterior‖, mas também o
homem ―interiormente‖ sujeito às coisas ―do
mundo‖. O homem que vive ―segundo a carne‖ é
o homem voltado apenas para o que vem ―do
mundo‖: é o homem ―sensorial‖, o homem da
tríplice concupiscência. (...) Para Paulo a vida
―segundo a carne‖ se opõe à vida ―segundo o
Espírito‖ não apenas no interior do coração do
homem, mas se expande no campo das obras (ver
Gal 5, 19-23). (TdC 51)
50. O homem encontra sua justificação não apenas
observando preceitos individuais da lei do Antigo
Testamento, mas sua justificação vem ―do
Espírito‖ (de Deus), e não ―da carne‖. Nesse
sentido Paulo exorta os leitores de sua carta a se
considerarem ―livres da lei‖, e ainda mais, que
sejam livres com a liberdade pela qual Cristo ―nos
fez livres‖. (TdC 52)
51. Em primeiro lugar, a pureza é uma
―habilidade‖, ou, na linguagem tradicional da
antropologia e da ética, é uma atitude. E nesse
sentido é uma virtude. O que temos aqui é uma
habilidade prática que permite ao homem agir de
um modo definido, e ao mesmo tempo a não agir
de modo contrário. A pureza obviamente deve ter
suas raízes na vontade, nos próprios fundamentos
do agir consciente do homem. (TdC 54)
52. O Espírito Santo, segundo as palavras do
Apóstolo, entra no corpo humano como no
próprio "templo", nele habita e opera unido aos
seus dons espirituais. Entre estes dons, conhecidos
na história da espiritualidade como os sete dons
do Espírito Santo , o mais congenial à virtude da
pureza parece ser o dom da "piedade" (eusebeía,
donum pietatis). (TdC 57)
53. A pureza, como virtude, ou seja, capacidade
de "manter o próprio corpo com santidade e
respeito", aliada com o dom da piedade, como
fruto da permanência do Espírito Santo no
"templo" do corpo, realiza nele tal plenitude de
dignidade nas relações interpessoais, que Deus
mesmo é nisso glorificado. A pureza é glória do
corpo humano diante de Deus. É a glória de Deus
no corpo humano. (TdC 57)
Conclusão
54. Seguindo a referência que fez Cristo ao
"princípio", dedicamos uma série de reflexões aos
relativos textos do Livro do Gênesis, que tratam
precisamente daquele "princípio". Ao mesmo
tempo, é preciso todavia considerar, entender e
interpretar a mesma verdade fundamental sobre o
homem, o seu ser de varão e de mulher, no prisma
de outra situação: isto é, daquela que se formou
mediante a ruptura da primeira aliança com o
Criador, ou seja, mediante o pecado original.
Convém ver tal verdade sobre o homem —varão e
mulher— no contexto da sua pecaminosidade
hereditária. E é precisamente aqui que nos
encontramos com o enunciado de Cristo no
Sermão da Montanha. (TdC 58)
55. Qual é esta verdade? Indubitavelmente, é uma
verdade de caráter ético e, portanto, afinal, de uma
verdade de caráter normativo. "Não cometerás
adultério". A interpretação deste mandamento,
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dado por Cristo, indica o mal que é necessário
evitar e vencer — precisamente o mal da
concupiscência da carne — e ao mesmo tempo
indica o bem a que a vitória sobre os desejos abre
caminho. Este bem é a "pureza de coração", de
que fala Cristo no mesmo contexto do Sermão da
Montanha. (TdC 58)
56. Mas as palavras de Cristo são realistas. Não
tentam fazer o coração humano voltar ao estado
de inocência original, que o homem deixou para
atrás de si no momento em que cometeu o pecado
original; pelo contrário, indicam-lhe o caminho
para uma pureza de coração, que lhe é possível e
acessível também no estado da pecaminosidade
hereditária. (TdC 58)
57. Deste modo, a pureza, no sentido de
temperança, desenvolve-se no coração do homem
que a cultiva e tende a descobrir e a afirmar o
sentido esponsal do corpo na sua verdade integral.
Esta mesma verdade deve ser conhecida
interiormente; deve, de certo modo, ser "sentida
com o coração", para que as relações recíprocas
do homem e da mulher — e mesmo o simples
olhar — readquiram aquele conteúdo
autenticamente esponsal dos seus significados.
(TdC 58)
________________________________________
Perguntas para estudo 1. O Papa escolheu começar esta seção com o trecho:
―Ouvistes que foi dito: Não cometerás adultério. Eu
porém digo-vos que todo aquele que olhar para uma
mulher, desejando-a, já cometeu adultério com ela no
seu coração‖ (Mt. 5, 27-28). Porque o Papa disse que
não deveríamos temer a severidade das palavras de
Cristo sobre a luxúria?
2. Você poderia dizer algumas consequências da
entrada da concupiscência na relação homem –
mulher?
3. Como o homem vê seu corpo depois do pecado
original?
4. Porque a maioria das pessoas pensa a moralidade
cristã como uma lista opressiva de normas? O que
significa estar ―livre da lei‖?
5. Você já escutou alguma vez que Cristo nos dá um
―poder real‖ para experimentar a sexualidade como o
desejo de amar como Deus ama? Você acredita nisso?
6. O que significa a luta entre carne e espírito? E o
que significa ―ethos‖ da redenção?
7. Por que o maniqueísmo e a interpretação da
suspeita são visões equivocadas?
(Sugere-se enviar as respostas para [email protected]) ____________________________________________
© Texto elaborado pela equipe Teologia do Corpo - Brasil
exclusivamente para fins didáticos, contendo trechos das
catequeses do Papa. As citações das catequeses TdC seguem
a numeração de Michael Waldstein (ver quadro de referência
em separado) As citações bíblicas são da tradução da CNBB.