Texto Da Nancy Fraser

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  Estudos Feministas, Florianópolis, 15(2): 240, maio-agosto/2007  291 Mapeando a imaginação Mapeando a imaginação Mapeando a imaginação Mapeando a imaginação Mapeando a imaginação feminista: feminista: feminista: feminista: feminista: da redistribuição ao da redistribuição ao da redistribuição ao da redistribuição ao da redistribuição ao reconhecimento e à reconhecimento e à reconhecimento e à reconhecimento e à reconhecimento e à representação representação representação representação representação * * R R R R Resumo esumo esumo esumo esumo: Est e artigo realiza uma re fl exão sobre como reinvent ar o projeto femin ist a em um mun do que se g l obaliza, a p artir de um bal anç o sobre a s mu danç as no feminis mo no context o das t ransformões no c apital ismo pós-g uerra e na g eopolít ic a pós-c omun ist a. O pós-11 de  Setembro sig nific ou um a mudanç a drá st ic a nas energ ias feminist as, de sl oc ando a ponta-de - l anç a da l ut a de g ênero dos Est ados U nidos para espaç os transnacionais, c omo a “ Europa” . O que est á por trás dessa mudança g eog ráfica e quais são as s uas im pl ic ões pol ít ic as para o  fut uro do proje to feminista são questões que a aut ora busc a respond er. P P P P Palavras-chave alavras-chave alavras-chave alavras-chave alavras-chave: feminismo contemporâneo; pós-11 de Setembro; redistribuição e reconhecimento. C opyrig ht    2007 b y  Revista Estudos Feministas. *  Publicado em C onstel lat ions , Oxford: Blackwell Publishing Ltd., v. 12, n. 3, 2005. p. 295-307.  T r aduzido e public ado com a aut orização da autora. Nancy Fraser New School for Social Research A r A r A r A r A r tigos tigos tigos tigos tigos Por muitos anos, feministas ao redor do mundo se voltaram para os Estados Unidos em busca das mais avançadas teorias e práticas. Contudo, atualmente o feminismo estadunidense se encontra em um impasse, entravado pelo clima político hostil pós-11 de Setembro. Incert as de c omo bus car ju s t iça em r elaç ão a gênero sob as condições atuais, estamos agora devolvendo o favor ao olharmos para as f emini s t as de outros lugar es bus cando inspiração e ori ent ação. Assim, hoje, a ponta de lança da luta de gênero transferiu-se dos Estados Unidos para espaç os t r ansnac ionais , c omo a “E ur opa”, onde há m aior margem para manobras. A c ons eqüência é uma m udanç a drástica na geografia das energias feministas. O que está por trás dessa mudança geográfica? E quais são as suas implicações políticas para o futuro do projeto feminis t a? No que se segue, eu pr oponho um relat o da trajetória histórica da segunda onda do feminismo de

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 Estudos Feministas, Florianópolis, 15(2): 240, maio-agosto/2007  291

Mapeando a imaginaçãoMapeando a imaginaçãoMapeando a imaginaçãoMapeando a imaginaçãoMapeando a imaginaçãofeminista:feminista:feminista:feminista:feminista: da redistribuição aoda redistribuição aoda redistribuição aoda redistribuição aoda redistribuição ao

reconhecimento e àreconhecimento e àreconhecimento e àreconhecimento e àreconhecimento e à

representaçãorepresentaçãorepresentaçãorepresentaçãorepresentação *****

R R R R R esumo esumo esumo esumo esumo: Este artigo realiza uma reflexão sobre como reinventar o projeto feminista em um mundo que se g lobaliza, a partir de um balanço sobre as mudanças no feminismo no c ontexto das transformações no capitalismo pós-guerra e na geopolítica pós-comunista. O pós-11 de Setembro significou uma mudanç a drástica nas energias feministas, deslocando a ponta-de- lança da luta de gênero dos Estados Unidos para espaços transnac ionais, como a “Europa ”. O que está por trás dessa mudança geográfica e quais são as suas implicações políticas para o 

futuro do projeto feminista são questões que a autora busca responder.P P P P P alavras-chave alavras-chave alavras-chave alavras-chave ala vras-c have: feminismo c ontempo râneo; p ós-11 de Setemb ro; redistr ibuiçã o e reconhecimento.

Copyright   2007 by  RevistaEstud os Feministas.* Publicado em Constellations ,Oxford: Blackwell Publishing Ltd.,v. 12, n. 3, 2005. p. 295-307.

Traduzido e p ublic ad o co m aautorização da autora.

Nancy FraserNew School for Social Research

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Por muitos anos, feministas ao redor do mundo sevoltaram para os Estados Unidos em busca das maisavançadas teorias e práticas. Contudo, atualmente ofeminismo estadunidense se encontra em um impasse,

entravado pelo clima político hostil pós-11 de Setembro.Incertas de como buscar justiça em relação a gênero sobas condições atuais, estamos agora devolvendo o favorao olharmos para as feministas de outros lugares buscandoinspiração e orientaç ão. Assim, hoje, a ponta de lança daluta de gênero transferiu-se dos Estados Unidos paraespa ços transnac ionais, como a “Europa” , onde há maiormargem para manobras. A conseqüência é uma mudançadrástica na geografia das energias feministas.

O que está por trás dessa mudança geográfica? Equais são as suas implicações políticas para o futuro do

projeto feminista? No que se segue, eu p roponho um relatoda trajetória histórica da segunda onda do feminismo de

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maneira a jogar alguma luz sobre esse tema. Minhaestratégia será a de relacionar as mudanças geográficasnas energias feministas a dois outros tipos. Por um lado,identificarei algumas grandes transformações no modo

como feministas imaginaram a justiça de gênero partir dosanos 70. Por outro lado, situarei as transformações noimaginário feminista no contexto de mudanças maiores noZeitgeist político e no capitalismo pós-guerra. O resultadoserá uma Zeitdiagnose historicamente situada através daqual podemos avaliar os prospectos políticos das lutasfeministas para os tempos vindouros.

De forma geral, então, o objetivo deste trabalho épolítico. Ao historicizar mudanças na geografia das energiasfeministas, pretendo alcançar algum insight  sobre comopodemos revigorar a teoria e a prática da igualdade de

gênero sob as condições atuais. Do mesmo modo, aomapear as transformações na imaginação feminista, almejodeterminar o que deveria ser descartado ou preservadopara as lutas que virão. Ao situar tais mudanças, por fim,no contexto das transformaç ões no capitalismo pós-guerrae geopolítica pós-comunista, desejo estimular a discussãosobre como podemos reinventar o projeto do feminismoem um mundo que se globaliza.

1 Histor ic izando a segunda onda do1 Histor ic izando a segunda onda do1 Histor ic izando a segunda onda do1 Histor ic izando a segunda onda do1 Histor ic izando a segunda onda do

feminismofeminismofeminismofeminismofeminismoComo devemos entender a história da segunda

onda do feminismo? A narrativa que proponho se diferenc iarelevantemente do padrão di fundido nos cí rculosacadêmicos dos Estados Unidos. A história padrão é umanarrativa de progresso, segundo a qual nós saímos de ummovimento exclusivista, dominado por mulheres brancasheterossexuais de c lasse média, para um movimento ma iore ma is inclusivo que permitiu integrar as preocupações delésbicas, mulheres negras e/ou pobres e mulheres trabalha-

doras.1 É claro que eu apoio os esforços para ampliar ediversificar o feminismo, mas não acho que essa seja umanarrativa satisfatória. No meu ponto de vista, ela é muitointerna ao feminismo. Preoc upada exclusivamente c om osdesenvolvimentos dentro do movimento, essa narrativa nãoconsegue situar mudanças interiores em relação aosdesenvolvimentos históricos mais amplos e ao c lima externo.Assim, eu indicarei uma história alternativa, que é maishistórica e menos autocongratulatória.

Para os meus propósitos, a história da segunda ondado feminismo se divide em três fases. Em uma primeira fase,o feminismo estava estritamente relac ionado a vários “novosmovimentos sóc ias” que emergiram do fermento dos anos

1 Ver, por exemplo, bell HOOKS,2000; Ruth ROSEN, 2001; e BenitaROTH, 2004.

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60. Na segunda fase, foi atraído para a órbita da políticade identidades. E, finalmente, em uma terceira fase, o femi-nismo é cada vez mais praticado como política transna-cional, em espaços transnacionais emergentes. E eu me

explico em seguida.A história da segunda onda do feminismo apresentauma trajetória impressionante. Fomentada pelo rad ica lismoda Nova Esquerda (New Left), essa onda do feminismocomeçou como um dos novos movimentos sociais quedesafiaram as estruturas normatizadoras da social-democ racia pós-Segunda Guerra. Originou-se, em outraspa lavras, como pa rte de um esforço ma ior pa ra transformaro imaginário político economicista que tinha centrado aatenção em problemas de distribuição entre as classes.Nessa primeira fase (novos movimentos sociais), feministas

buscaram ampliar o seu imaginário. Ao exporem umaampla gama de formas de dominação mascul ina,feministas sustentaram uma visão expandida da políticaque incluísse “o pessoal”. Mais tarde, no entanto, com odeclínio das energias utópicas da Nova Esquerda, osinsights anti-economicistas foram ressignificados eincorporados em um novo imag inário político que colocouquestões culturais em primeiro plano. Efetivamentecapturado por esse imaginário culturalista, o feminismoreinventou-se como política de reconhecimento. Nessa

segunda fase, o feminismo se p reoc upou com a cultura efoi atraído para a órbita da política de identidade. Apesarde o feminismo não ter sido notado àquela época, a suafase de pol í t ica de ident idade coincid iu com umdesdobramento histórico mais amplo: o esga rçamento dademocrac ia social baseada na idéia de nação g raças àpressão do neoliberalismo g lobal. Sob tais cond ições, umapolítica de reconhecimento centrada na cultura nãopoderia ser bem-sucedida. Na medida em quenegligenciou os desdobramentos político-econômicos egeopolíticos, essa abordagem não pôde opor-se de

maneira efetiva nem à selvageria das políticas de livre-mercado nem ao chauvinismo de d ireita que emergiu comelas. Principalmente o feminismo estadunidense não estavapreparado para as alterações dramáticas no horizontepolítico após o 11 de Setembro. Na Europa e em outroslugares, contudo, feministas descobriram, e estãodestramente explorando, novas oportunidades políticas nosespaços políticos transnacionais no nosso mundo que seglobaliza. Logo, estão mais uma vez reinventado ofeminismo – desta vez como um projeto e um processo de

política transnacional. Apesar de esta terceira fase ser aindabastante recente, ela anuncia uma mudança na escalada política feminista que poderia tornar possível integrar os

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melhores aspec tos das duas fases anteriores em uma novae ma is adequada síntese.

Essa é, de forma resumida , a história que eu gostariade elaborar aqui. Antes de prosseguir com os seus

desdobramentos, são necessários dois lembretes. O p rimeirodiz respeito ao caráter altamente estilizado dessa narrativa;de forma a esclarecer a trajetória como um todo, acabopor desenhar linhas extremamente demarcatórias quando,em muitos lugares e em muitos pontos, as realidadestendem a se sobrepor. Contudo, vale a pena correr o riscoda distorção, se a narrativa gerar insights políticos eintelec tuais pa ra o período futuro.

Minha segunda advertência diz respeito à geografiadas três fases do feminismo. Da forma como eu a entendo,a primeira fase (novos movimentos sociais) alcançou os

feminismos da América do Norte e da Europa Ocidental –e possivelmente correntes em outros lugares. A segundafase (política da identidade) foi mais bem expressa nosEstados Unidos, apesar de ter tido ressonância em outrasregiões. Finalmente, a terceira fase é mais desenvolvida,como seu nome sugere, em espaços políticos transna-cionais, paradigmaticamente associados à “Europa”.

2 Aproximando o gênero à socia l -2 Aproximando o gênero à socia l -2 Aproximando o gênero à socia l -2 Aproximando o gênero à socia l -2 Aproximando o gênero à socia l -democrac ia: uma c rítica a o economic ismodemocrac ia: uma c rítica ao economic ismodemocrac ia: uma c rítica a o economic ismodemocrac ia: uma c rítica ao economic ismodemocrac ia: uma c rítica a o economic ismo

Para entender a fase um, relembremos as condiçõesnas quais ainda estava o que significativamente sechamava de “Primeiro Mundo”. Quando a segunda ondado feminismo ec lodiu, as nações de cap italismo avançadona Europa Oc idental e na América do Norte a inda estavamcolhendo os frutos da onda de prosperida de que se seguiuà Segunda Guerra Mundial. Utilizando novas ferramentasdo dirigismo econômico keynesiano, essas nações tinhamaparentemente aprendido a lida r com os maus tempos nosnegócios e a guiar o desenvolvimento econômico nacional

de forma a assegurar emprego quase pleno para oshomens. Incorporando os antes incontroláveis movimentosdos trabalhadores, elas tinham construído um abrangenteEstado de bem-estar social e institucionalizado asolidariedade entre as classes em âmbito nacional.Obviamente, esse acordo histórico de classe repousavasobre uma série de exclusões de gênero, raça e etnia, semmencionar a exploração neocolonial. Mas esses defeitosem potencial tenderam a permanecer latentes noimaginário soc ial-democrata que enfatizava redistribuiçãoentre as classes. O resultado foi um cinturão de prósperassoc iedades de consumo de massa no Atlântico Norte, queaparentemente haviam domesticado o conflito social.22 Eric HOBSBAWM, 1995.

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Na déc ada de 60, entretanto, a relativa calma dessaÉpoca de Ouro foi repentinamente destruída. Em umaextraordinária explosão internacional, a juventude rad ica ltomou as ruas – primeiro para se opor à segregaç ão rac ial

e à Guerra do Vietnã. Logo após, começou a questionarcarac terísticas centrais da modernidade capitalista que asoc ial-democracia tinha naturalizado a té então: repressãosexual, sexismo e heteronormatividade; materialismo, culturacorporativa e a “ética do sucesso”; consumismo, burocraciae “controle social”. Rompendo as rotinas polít icasnormalizadas da era anterior, novos atores soc iais formaramnovos movimentos sociais, com a segunda onda dofeminismo entre os mais visionários.3

Ao lado de seus camaradas de outros movimentos,os feminismos dessa era mod ificaram o imaginário político.

Transgredindo uma cultura política que privileg iava atoresque se colocavam como classes definidas nacional epoliticamente domesticadas, eles desafiaram as exclusõesde gênero dentro da soc ial-democrac ia. Problematizandoo paternalismo do Estado do bem-estar social e a famíliaburguesa, os feminismos expuseram o profundo andro-centrismo da soc iedade capitalista. Politizando “o pessoa l”,expandiram as fronteiras de contestação para além daredistribuição sócio-econômica – para incluir o trabalhodoméstico, a sexualidade e a reprodução.4

Radica l como era, o feminismo dessa fase mantinhauma relação ambivalente com a social-democracia. Porum lado, grande parte do iníc io da segunda onda rejeitouo étatisme 5 dessa democracia e sua tendência,principalmente na Europa, a marginalizar divisões sociaisque não fossem de classe e problemas sociais que nãofossem de distribuição. Por outro lado, a maioria dasfeministas pressupunha atributos-chave do imagináriosoc ialista como ba se p ara projetos mais rad ica is.

Contando com o ethos solidário do Estado de b em-estar social e com as capacidades de assegurar a

prosperidade, elas também estavam comprometidas adomar mercados e p romover igualitarismo. Agindo a pa rtirde uma crítica que era, ao mesmo tempo, radical eimanente, a p rimeira fase da segunda onda do feminismobuscava menos o desmantelamento do welfare state doque transformá-lo em uma força que pudesse remediar adominação masculina.6

Contudo, por volta de 1989, a história parece terultrapassado o projeto político. Uma década de governoconservador na Europa Ocidental e na América do Norte,

coroada pela queda do comunismo no Leste, deu novavida às ideologias do livre-mercado antes dadas comomortas. Ressuscitado da lixeira histórica, o “neoliberalismo”

6 Para mais exemplos dessaambivalênc ia, ver os ensaios emLinda GORDON, 1990, incluindominha contribuição: “Struggleover Needs: Outline of a Soc ialist-

Feminist Critical Theory of Late-Capitalist Political Culture” (p.205-231).

5 No origina l (N.T.).

4 Sara EVANS, 1980; Alice ECHOLS,1990; e Myra Marx FERREE e BethB. HESS, 1995.

3 Alain TOURAINE, 1988; AlbertoMELUCCI, John KEANE e Paul MIER,1989; e Hank JOHNSTON, EnriqueLARANA e Josep h R. GUSFIELD,1994.

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permitiu um ataque sistemático à idéia de redistribuiçãoigualitária. O resultado, amplificado pela globalizaçãoacelerada, foi a dúvida gerada em relaç ão à legitimidadee viabilidade do dirigismo keynesiano. Com a social-

democracia na defensiva, os esforços para ampliar eaprofundar suas promessas foram naturalmente sendodescartados. Os movimentos feministas que antes tinhamo Estado de bem-estar como seu ponto de partida,procurando desdob rar o ethos igualitário da c lasse para ogênero, perderam o seu chão. Incapazes de assumir asocial-democracia como base para a radicalização,gravitaram para novas gramáticas de reivindicaçõespolíticas, ma is próximas do Zeitgeist pós-socialista.

3 Da redistribuição ao reconhecimento: o3 Da redistribuição ao reconhecimento: o3 Da redistribuição ao reconhecimento: o3 Da redistribuição ao reconhecimento: o3 Da redistribuição ao reconhecimento: o

infeliz casamento do culturalismo com oinfeliz casamento do culturalismo com oinfeliz casamento do culturalismo com oinfeliz casamento do culturalismo com oinfeliz casamento do culturalismo com oneoliberalismoneoliberalismoneoliberalismoneoliberalismoneoliberalismo

Entra em jogo a política de reconhecimento. Se aprimeira fase do feminismo pós-guerra procurou aproximaro gênero do imaginário soc ialista, a segunda fase enfatizoua necessidade de “reconhecer a diferença”. “Reconhe-cimento”, assim, tornou-se a principal gramática dasreivindicações feministas no fin-de-siècle . Uma categoriavenerável da filosofia hegeliana ressuscitada por cientistas

políticos, essa noção capturou o caráter distintivo das lutaspós-soc ialistas, que freqüentemente tomavam a forma deuma política de identidade, visando mais a valorização dadiferença do que a promoção da igualdade. Quer oproblema fosse a violência contra a mulher, quer adisparidade de gêneros na representação polít ica,feministas recorreram à gramática do reconhec imento paraexpressar suas vindicações. Incapazes de ob ter progressocontra as injustiças da política econômica, p referiram voltar-se para os males resultantes dos padrões antropocêntricosde valor cultural ou de hierarquias. O resultado foi uma

grande mudança no imaginário feminista: enquanto ageração anterior buscava um ideal de eqüidade socialexpandido, esta investia suas energias nas mudançasculturais.7

Deixe-me esclarecer. O projeto de transformaçãocultural foi parte integ rante de todas as fases do feminismo,incluindo a fase dos novos movimentos sociais. O quediferencia a fase da política de identidade é a relativaautonomização do projeto cultural – seu apartamento doprojeto de transformação político-econômica e de justiça

distributiva.Não surpreende que os efeitos da fase dois tenhamsido confusos. Por um lado, a nova orientação para o

7 Nancy FRASER, 1997.

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MAPEANDO A IMAGINAÇÃO FEMINISTA

reconhecimento deu atenção às formas de dominaçãomasculina que antes estavam enraizadas na ordem dostatus da soc iedade capitalista. Se tivesse sido c omb inadocom o foco anterior dado às desigualdades sócio-

econômicas, nosso entendimento da justiça de gêneropoderia ter se aprofundado. Por outro lado, a figura da lutapelo reconhecimento capturou de forma tão completa aimaginação feminista que serviu mais para deslocar doque aprofundar o imaginário socialista. A tendência foisubordinar lutas sociais às lutas culturais, a política deredistribuição à política do reconhecimento. Essa não foi,com c erteza, a intenção original. Os proponentes da viradacultural pressupunham, ao contrário, que a política feministade identidade e diferença criaria uma sinergia com as lutaspela igualdade social. Mas tal pressuposição virou uma

presa para o Zeitgeist da época. No contexto do fin-de- siècle , a virada em direção ao reconhecimento acomodou-se confortavelmente ao neoliberalismo hegemônico quenada mais queria do que reprimir a memória do igualita-rismo soc ial. O resultado foi uma trágica ironia histórica. Aoinvés de chegar a um paradigma maior e mais rico queincluísse tanto a red istribuição quanto o reconhec imento,nós efetivamente trocamos um paradigma truncado poroutro – um economicismo truncado por um culturalismotruncado.

O momento não poderia ter sido pior. A mudançapara uma política culturalizada de reconhecimento ocorreuprec isamente no período em que o neoliberalismo estavaencenando seu retorno espetacular. Durante esse período,a teoria acadêmica feminista estava preocupada comdebates sobre “diferença”. Colocando frente a frente“essencialistas” e “não-essencialistas”, essas disputasserviram de forma útil para revelar as premissas de exclusãodas teorias anteriores, e acabaram por abrir os estudos degênero para muitas novas vozes. Porém, mesmo nos seusmelhores momentos, as teorias tenderam a permanecer

no terreno do reconhecimento, onde a subordinaç ão eraconstruída como um problema cultural e dissociado daeconomia política. O resultado foi ter nos deixado semdefesa contra o fundamentalismo do livre-mercado, quetinha se tornado hegemônico. Efetivamente encantadaspela política de reconhec imento, sem querer direc ionamosa teoria feminista para canais culturalistas precisamentequando as circunstâncias requeriam atençã o redob radaa políticas de redistribuição.8 Retornarei a esse ponto embreve.

8 Nancy FRASER, 1997, p. 173-188(“Multiculturalism, Antiessen-tialism, and Rad ica l Democ racy:

A Genealogy of the CurrentImpasse in Feminist Theory”).

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4 Geografias do reconhecimento: pós-4 Geografias do reconhecimento: pós-4 Geografias do reconhecimento: pós-4 Geografias do reconhecimento: pós-4 Geografias do reconhecimento: pós-comunismocomunismocomunismocomunismocomunismo, pós-colonialismo e a terceira, pós-colonialismo e a terceira, pós-colonialismo e a terceira, pós-colonialismo e a terceira, pós-colonialismo e a terceiraviaviaviaviavia

Antes de qualquer coisa, preciso esclarecer esseponto. Ao relatar a mudança da fase um para a fase dois,eu descrevi uma a lteração no imaginário feminista. Mas amudança não se limitou ao feminismo per se . Ao contrário,transformações análogas podem ser encontradas empraticamente todo movimento social progressista, assimcomo no dec línio e/ou cooptação mundial dos sindicatose partidos socialistas, e na correspondente ascensão dapolítica de identidade, tanto nas formas progressistasquanto nas chauvinistas. Relacionada, por um lado, à

queda do comunismo e, por outro, à ascensão do neoli-beralismo, essa “mudança da redistribuição para oreconhecimento” (como eu designei) é parte de umatransformação histórica de maior escala associada àglobalização.9

Pode-se argumentar que esse Zeitdiagnose  refleteuma perspectiva limitada, estadunidense e primeiro-mundista. Mas não creio que o seja. Ao contrário, atendência das demandas pelo reconhecimento de ec lipsaras demandas por distribuição foi geral, até mesmo mundial,apesar de o conteúdo dessas demandas diferirem. Na

Europa Ocidental, o foco social-democrata na redistri-buição cedeu terreno nos anos 90 à terceira via. Essaabordagem adotou uma orientação neoliberal de “ flexibi-lização” do mercado de trabalho, enquanto procuravamanter um perfil político progressista. O sucesso namanutenção desse perfil ocorreu não na busca de mitigaras iniqüidades econômicas, mas na superação dashierarquias – através de políticas anti-discriminatórias e/oumulticulturais. Assim, também na Europa Ocidental, amoeda corrente das reivindicações políticas mudou da

redistribuição pa ra o reconhecimento, ainda que de formamais sutil do que nos Estados Unidos.Alterações aná logas ocorreram no antigo Segundo

Mundo. O comunismo tinha sacramentado sua própriaversão do paradigma economicista, que empurroudemandas políticas por canais distributivos, emudecendoas questões de reconhecimento, que foram descartadascomo meros subtextos para os problemas econômicos“reais”. O pós-comunismo quebrou esse paradigma,fomentando a deslegitimação do igualitarismo econômicoe liberando novas lutas por reconhecimento – especial-

mente em relação à nacionalidade e à religião. Nessecontexto, o desenvolvimento da política feminista foi

9 Nancy FRASER, 2003, p. 7-109.

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MAPEANDO A IMAGINAÇÃO FEMINISTA

retardada pela associação, real e simbólica, com ocomunismo já desacreditado.

Processos relacionados também ocorreram no“Terceiro Mundo”. De um lado, o fim da c ompetição bipolar

entre a União Soviética e o Ocidente reduziu o fluxo deajuda para a periferia. De outro lado, o desmantelamento(liderado pelos Estados Unidos) do regime financeiro deBretton Woods animou a política neoliberal de a justamentoestrutural, que ameaçava o desenvolvimento dos Estadospós-coloniais. O resultado foi a redução drástica do alcancedos projetos de redistribuição igua litária nos países do Sul.E a resposta foi o surgimento de políticas da identida de napós-colônia, majoritariamente de caráter comunalista eautoritário. Assim, os movimentos feministas pós-coloniaistambém foram forçados a operar sem a c ultura política de

fundo que guiasse aspirações populares para os canaisigua litários. Presos entre as diminuídas capacidades estata ise chauvinismo comunalistas, esses feminismos tambémsentiram a p ressão por modificar suas demandas de formaa manter a sintonia com o Zeitgeist pós-colonial.

De maneira geral, então, a mudanç a do feminismoda fase um para a fase dois ocorreu dentro de uma maisampla matriz pós-comunista e neoliberal. Na medida emque as feministas não conseguiram entender essa matrizmais ampla, demoraram a desenvolver os recursos

necessários para lutar pela justiça de gênero sob novascircunstâncias.

5 P5 P5 P5 P5 Política de gênero nos Estados Unidosolítica de gênero nos Estados Unidosolítica de gênero nos Estados Unidosolítica de gênero nos Estados Unidosolítica de gênero nos Estados Unidosapós o 11 de Setembroapós o 11 de Setembroapós o 11 de Setembroapós o 11 de Setembroapós o 11 de Setembro

Esse foi o caso dos Estados Unidos. Lá, feministasficaram surpresas ao descobrir que, enquanto elasdiscutiam sobre essencialismo, uma aliança entre osdefensores do livre-mercado e fundamentalistas cristãostomava conta do país. Por causa de seu impacto mundial,

gostaria de me deter sobre tal acontecimento, antes decomentar a emergência da fase três.Os fatores dec isivos nas eleições de 2004 nos Estados

Unidos foram a assim chamada “guerra contra o terrorismo”,de um lado, e, do outro (de maneira menos evidente), osassim chamados “va lores familiares”, em espec ial o d ireitoao aborto e ao casamento gay. Em ambos os casos aestratégica de manipulação do gênero foi instrumentocrucial para a vitória de Bush. A estratégia vencedorainvocou uma política codificada de reconhecimento degênero para esconder uma política de redistribuiçãoregressiva.

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Deixe-me explicar. A estratégia da campanha deBush pintou a “guerra contra o terror” como uma questãode liderança, à qual se referia em termos explicitamentede gênero. Mobilizando estereótipos masculinos, Bush

cult ivou a imagem de um chefe de Estadotranqüilizadoramente firme e determinado, um protetor quenunca demonstra dúvida ou hesitação – em resumo, umhomem de verdade. De forma inversa, os Republicanospintaram John Kerry como um homem “emasculado”,10 parausar a memorável frase de Arnold Schwarzenegger, um “vira-casacas” efeminado a quem não se poderia confiar aproteção das mulheres e crianças estadunidenses daviolência de fanáticos barbudos. 11

Apesar da distância em relação à realidade, essaretórica codificada de gênero se mostrou imensamente

poderosa – tanto para eleitores quanto para eleitoras. Tãopoderosa, na verdade, que pareceu neutralizar o que todosachavam ser o ponto fraco da campanha de Bush: suapolítica conservadora de redistribuição, que estavatrazendo significativas dificuldades para muitos estadu-nidenses. Já no seu p rimeiro mandato, Bush delineou umaenorme redistribuição de riqueza para os interesses dasgrandes corporações e classes proprietárias. Ao eliminaros impostos sobre herança e diminuir os tributos dos ricos,ele obrigou a c lasse trabalhadora a paga r por uma maior

parte do orçamento nacional do que antes. O efeito foicolocar a política de redistribuição de ponta cabeça,promovendo injustiça  social. Mas ninguém parecia seimportar diante da “guerra ao terror”. Assim, uma políticade gênero codificada efetivamente se sobrepôs a umapolítica de redistribuição regressiva.12

Uma dinâmica similar assenta-se no uso estratégicoda retórica dos “valores familiares” na campanha eleitoral.A questão decisiva em Ohio, que acabou se tornando oEstado crucial pa ra a campanha, pode ter sido “a defesado casamento”. Essa questão foi deliberadamente

escolhida pelos conservadores para um referendo nesse(e em outros) estados como uma estratégia pa ra um grandecomparecimento às urnas de eleitores cristãos funda-menta listas. A teoria era de que, uma vez levados às urnascontra o casamento gay, eles iriam adiante e tambémvotariam em Bush. E parece que a estratégia funcionou.

De qua lquer forma, “valores familiares” se mostraramum poderoso tema de campanha. Mas aqui jaz umagrande ironia. As verdadeiras tendências que estãotornando a vida em família tão difíc il pa ra as c lasses média

e trabalhadora derivam da agenda capitalista neoliberalque Bush apóia. Tais políticas incluem impostos reduzidospara as corporações e os ricos, seguridade social e

12 Para análises relacionadas(ainda que não interessadas emgênero), ver Thomas FRANK, 2005;e Ric ha rd SENNETT, 2004.

10 “Girlie man”, no origina l (N.T.).

11 Frank RICH, 2004.

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proteção ao consumidor reduzidas, e baixos salários eemprego precário. Graças a essas tendências conexas,não é mais possível sustentar a família com apenas umcontracheque, e muitas vezes nem mesmo com dois. Longe

de ser voluntário ou suplementar, o salário da mulher torna-se obrigatório, um p ilar indispensável da ordem econômicaneoliberal. Assim também é a prática de “ fazer bicos”, emque membros de famílias trabalhadoras ou de c lasse médiabaixa têm de trabalhar em mais de um emprego parapagar as contas no fim do mês. Tais são as forças que estãorealmente ameaçando a vida em família nos EstadosUnidos.13 As feministas entendem isso, mas não conseguiramconvencer muitos dos que são prejudicados por essaspolíticas. Ao contrário, a direita conseguiu persuadi-los deque são os direitos ao aborto e ao casamento gay que

ameaçam seu estilo de vida. Aqui também, em outraspalavras, os Republicanos usaram de forma bem-sucedidaa política anti-feminista de reconhec imento para escondera política de redistribuição anti-classe trabalhadora.

Nesse cenário, você pode ver todo o problema dafase dois. Apesar de não ter totalmente c ompreendido issonaquele tempo, feministas estadunidenses muda ram o focoda redistribuição pa ra o reconhecimento no momento emque a direita aperfeiçoava seu próprio uso estratégico deuma política cultural regressiva pa ra tirar a atenção de sua

política de redistribuição regressiva. Foi uma coincidênciainfeliz. O relativo desprezo à economia política do feminismodos Estados Unidos e outros movimentos progressivosac abou jogando a favor da direita, que colheu os principa isbenefíc ios da virad a cultural.

6 Evangel ica l ismo: uma tecnologia6 Evangel ica l ismo: uma tecnologia6 Evangel ica l ismo: uma tecnologia6 Evangel ica l ismo: uma tecnologia6 Evangel ica l ismo: uma tecnologianeoliberal do selfneoliberal do selfneoliberal do selfneoliberal do selfneoliberal do self

Mas como os estadunidenses foram tão facilmenteenganados por esse truque óbvio? E por que tantas mulher-

es dos Estados Unidos mostraram-se suscetíveis a esse apelocodificado de gênero? Muitos observadores notaram quea direita teve algum sucesso em mostrar as feministas dosEstados Unidos como profissionais de elite e humanistasseculares que desprezam as mulheres comuns, especial-mente as trabalhadoras e religiosas. Até certo ponto essavisão do feminismo como elitista é patentemente falsa,c laro, mas o fato é que o feminismo falhou ao tentar alcan-çar estratos das mulheres trabalhadoras e de c lasse baixa,atraídas na última déc ada para a cristandade evangélica.Focadas apenas na política de reconhe-c imento, falhamosna tentativa de entender como a orientação religiosa delasresponde às suas posições sociais.

13 Ver FRANK, 2005; e SENNETT,2004.

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Explico-me. À primeira vista, a situação das mulherescristãs evangélicas nos Estados Unidos parece contrad itória.Por um lado, subscrevem a uma ideologia conservadorade domestic idade trad icional. Por outro lado, tais mulheres

não vivem de fato vidas pa triarca is, sendo a maioria a tivano mercado de trabalho e relativamente empoderada navida familiar.14 O mistério é resolvido quando entendemosque o evangelicalismo responde, nos Estados Unidos, àemergência de um novo tipo de sociedade, a que euchamo de “soc iedade da insegurança”. Essa soc iedade éa sucessora da “sociedade da seguridade” que estavaassociada à social-democracia do período anterior.Diferentemente desta, a nova sociedade institucionalizauma crescente insegurança nas condições de vida damaioria das pessoas. Como eu disse antes, ela enfraquece

as proteções da seguridade soc ial ao institucionalizar formasmais precárias de trabalho assalariado, incluindoterceirização, trabalho temporário e trabalho não-sindicalizado, que são mal pagos e não dão direito abenefícios. O resultado é uma grande sensação deinseguranç a, à qua l o c ristianismo evangélico responde.

Interessantemente, o evangelicalismo não dásegurança de forma real. Na verdade, dá às pessoas umdiscurso e um conjunto de práticas através das quais elaspodem gerir a insegurança. O evangelicalismo lhes diz:

“Você é um pec ador, você vai fracassar, você pode perderseu emprego, você pode beber demais, você pode terum caso extraconjugal, seu marido pode te abandonar,seus filhos podem usar drogas. Mas está tudo bem. Deusainda te ama e a tua igreja te aceita”. O efeito é, em parte,transmitir aceitação, mas também preparar as pessoas paraos problemas de tempos difíceis. Constantementeinvocando a possibi l idade de haver problemas, oevangelica lismo incute sentimento de insegurança em seusseguidores mesmo quando parece oferecer-lhes umamaneira de lidar com ele. Talvez seja preciso recorrer ao

Foucault tardio para entender isto: o evangelicalismo é umatecnologia do cuidado-de-si que é especialmenteadap tada ao neoliberalismo na medida em que este estásempre gerando insegurança. Como eu disse, muitasmulheres trabalhadoras nos Estados Unidos estão tirandoalgo significativo dessa ideologia, algo que lhes conferesentido à vida. Mas as feministas não c onseguiram entendero que é e como funciona. Nem conseguimos entendercomo nos comunica r com elas ou o que o feminismo podelhes oferecer em troca.

Demorei-me nesse exemplo em particular porqueeu o acho emblemático de uma situação mais ampla denossa ép oc a . Tod os vivemos em uma era em q ue a

14 Para estudos sobre mulherescristãs de direita, ver R. MarieGRIFFITH, 1997; Sally GALLAGHER,2003; e Julie INGERSOLL, 2003.Dois estudos anteriores sãotamb ém úteis: o ca pítulo “Funda-mentalist Sex: Hitting Below theBible Belt” (p. 134-160) emBarbara EHRENREICH, ElizabethHESS e Gloria JACOBS, 1987; eJud ith STACEY, 1987.

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segurança decai, graças às pressões neoliberais paraaumentar a “flexibilidade” e cortar as proteções daseguridade social, em meio a cada vez mais precáriosmercados de trabalho. Para estratos menos integrados,

incluindo imigrantes, tais pressões são aumentadas quandodesigualdades de distr ibuição são sobrepostas àdesigualdade de status de reconhec imento; e esta últimapode ser atribuída ao “ feminismo secular”. Em tais casos, éobrigação de todas feministas, na Europa e nos EstadosUnidos, revisitar a relação entre as políticas de redistribuiçãoe as de reconhecimento. Hoje, enquanto mudamos parauma terceira fase do feminismo, precisamos reintegrar essasduas dimensões indispensáveis da política feminista, quenão foram adequadamente balanceadas na fase dois.

7 R7 R7 R7 R7 Reenquadrando o feminismo: umaeenquadrando o feminismo: umaeenquadrando o feminismo: umaeenquadrando o feminismo: umaeenquadrando o feminismo: umapolítica transnacional de representaçãopolítica transnacional de representaçãopolítica transnacional de representaçãopolítica transnacional de representaçãopolítica transnacional de representação

Felizmente, algo desse tipo já está acontecendonaquelas áreas da política feminista que operam nosespaços transnacionais. Sensibilizadas pelo crescentepoder do neoliberalismo, essas correntes estão construindouma nova e promissora síntese entre redistribuição ereconhecimento. E estão também mudando a escala dapolítica feminista. Cônscias da vulnerabilidade das mulheresàs forças transnacionais, essas feministas acham que nãopod em desafiar adequadamente a injustiça de gênero sepermanecerem no já aceito quadro do Estado territorial.Porque esse quad ro limita o a lcance da justiça às instituiçõesdentro do Estado que organizam as relações entre oscidadãos, ele sistematicamente obscurece fontes deinjustiça que atravessam fronteiras e que compõem asrelações sociais transnacionais. O resultado é excluir doalcance da justiça as forças que formatam as relaç ões degênero que rotineiramente atravessam fronteiras territoriais.

Atualmente, muitas feministas transnacionais rejeitam

o quad ro do Estado territorial. Elas percebem que dec isõestomadas dentro de um território freqüentemente provocamimpacto na vida de mulheres fora dele, assim como o fazemorganizações inter e supranacionais, governamentais ounão-governamentais. As feministas também percebem aforça da opinião pública transnacional, que flui comsupremo desprezo por fronteiras através dos meios de massagloba is e da c ibertecnologia. Como conseqüênc ia temosuma nova apreciaç ão do papel das forças transnac ionaisna manutenção da injustiça de gênero. Diante doaquecimento global, propagação da AIDS, terrorismointernac ional e unilateralismo de superpotênc ias, feministasdesta fase acreditam que as chances de as mulheres

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viverem uma boa vida dependem tanto dos processos queatravessam fronteiras dos Estados territoriais quantodaqueles que a contecem dentro deles.

Sob tais condições, importantes correntes do

feminismo estão desafiando o quadro de demandaspolíticas do Estado territorial. Da forma como elas vêem,esse quadro é um grande veículo de injustiça, pois reparteo espaço político de maneira a bloquear a contestação,pelas mulheres, das forças que as oprimem. Canalizandosuas demandas para os espaços políticos domésticos deEstados desempoderados, quando não totalmente falidos,tal quadro isola os poderes exteriores da crítica e docontrole. Entre aqueles que estão protegidos contra oalcanc e d a justiça estão os poderosos Estados predad orese poderes transnacionais privados, incluindo investidores e

credores estrangeiros, especuladores e corporaçõestransnaciona is. Também proteg idas estão as estruturas degovernança da economia mundial, que colocam termosexploradores de interação e os eximem de controledemocrático. Finalmente, o quadro do Estado territorial éauto-isolante; a arquitetura do sistema inter-Estados protegea partilha do espaço político que ela institucionaliza,efetivamente excluindo a tomada de dec isão democ ráticatransnacional nas questões de justiça de gênero.

Atualmente, as demandas feministas por

redistribuição e reconhecimento estão cada vez maisconectadas a lutas pata alterar esse quadro. Diante daprodução transnac ionalizada, muitas feministas vão alémdas economias nacionais. Na Europa, por exemplo,feministas miram as políticas e estruturas econômicas daUnião Européia , enquanto correntes feministas entre os queprotestam contra a OMC desafiam as estruturas degovernança na economia globa l. De forma análoga, lutasfeministas por reconhec imento cada vez mais olham a lémdas fronteiras do Estado territorial. Sob o abrangente slogan“d ireitos das mulheres, direitos humano”, feministas ao redor

do mundo estão conectando as lutas contra as práticaspatriarcais locais a campanhas para reformar o direitointernacional.15

O resultado é uma nova fase da política feministaem que a justiça de gênero está sendo reenquadrada.Nesta fase, uma preocupação maior é com o desafio àsinjustiças – interligadas – de má distribuição e não-reconhec imento. Acima e a lém dessas formas de injustiça ,feministas estão mirando uma meta-injustiça que apenasrecentemente se tornou visível, a que eu chamo de mau 

enquadramento .16

O mau enquadramento surge quandoo quadro do Estado terr i torial é imposto a fontestransnacionais de injustiça . Como resultado, temos divisão

15 Brooke A. ACKERLY e SusanMoller OKIN, 2002; DonnaDICKENSON, 1997. Para duasavaliações da política de gênerodo movimento anti-globalizaç ão,ver Virginia VARGAS, 2003; e JudyREBICK, 2002.

16

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desigual de áreas de poder às expensas dos pobres edesprezados, a quem é negada a chance de colocardemandas transnacionais. Em ta is casos, as lutas contra amá distribuição e o não-reconhecimento não são levadas

adiante, e menos ainda são bem-sucedidas, a não ser quese liguem a lutas contra o mau enquadramento. O mauenquadramento, assim, emerge como alvo central dapolítica feminista na sua fase transnacional.

Ao confrontar o mau enquadramento, esta fase dofeminismo torna visível uma terceira dimensão da justiçado gênero, além da redistribuição e do reconhec imento.Chamo essa terceira dimensão de representação . Comoa entendo, representação não é apenas uma questão deassegurar voz política igual a mulheres em comunidadespolíticas já constituídas. Ao lado disso, é necessário

reenquadrar as disputas sobre justiça que não podem serpropriamente contidas nos regimes estabelecidos. Logo,ao contestar o mau enquadramento, o feminismotransnacional está reconfigurando a justiça de gênerocomo um problema tridimensional, no qual redistribuição,reconhec imento e representação devem ser integrados deforma equilibrada.17

O espaço político transnac ional em desenvolvimentona União Européia promete ser um importante campo paraessa terceira fase do feminismo. Na Europa, a tarefa é, de

alguma maneira, fazer três coisas ao mesmo tempo.Primeiro, as feministas têm de trabalhar com outras forçasprogressistas para criar proteções de seguridade socialigualitárias e sensíveis ao gênero. Além disso, devem se

 juntar a a liados para integrar tais políticas distributivas compolíticas de reconhecimento igualitárias e sensíveis aogênero que façam justiça à multiplicidade c ultural européia.Finalmente, devem fazer tudo isso sem enrijecer as fronteirasexternas, certificando-se de que a Europa transnacionalnão se torne a Europa fortaleza, para que não se repliquemas injustiças de mau enquadramento em uma escala maior.

A Europa, contudo, não é o único campo para essaterceira fase. Igualmente importantes são os espaçostransnac ionais que cercam as várias ag ênc ias das NaçõesUnidas e do Fórum Soc ial Mundial. Aqui, também, feministasestão se aliando a outros atores transnac iona is progressistas,incluindo ambientalistas, ativistas do desenvolvimento epovos indígenas para confrontar as injustiças de mádistribuição, não-reconhecimento e má representação.Aqui, também, a tarefa é desenvolver uma políticatridimensional que equilibre e integre tais preocupações.

Levar a cabo essa política tridimensional não é nem umpouco fácil. Contudo, ela contém em si uma grandepromessa pa ra a terceira fase do feminismo. De um lado,

17 Nancy FRASER, 2005.

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essa abordagem pode ultrapassar as maiores fraquezasda fase dois, ao reeq uilibrar as políticas de redistribuição ereconhec imento. Por outro lado, pode superar o ponto cegode ambas as fases anteriores do feminismo, ao

explicitamente contestar as injustiças desse mauenquadramento. Acima de tudo, tal política talvez nospermita colocar e, quem sabe, responder à questãopolítica-chave de nossa época: como podemos integrardemandas por redistr ibuição, reconhecimento erepresentação de forma a contestar o amplo espectro deinjustiças de gênero em um mundo que se g loba liza?*

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* Este ensaio se originou comouma palestra apresentada emuma c onferênc ia sobre “Eqüida-de de Gênero e Mudança Social”na Universidade de Cambridge,Inglaterra, em março de 2004.

Uma outra versão foi ap resentadaem uma conferência sobre“Gênero em Movimento” naUniversida de d e Basel, Suíça, emmarço de 2005. Agradeço aJuliet Mitchell, Andrea Ma ihofer eaos participantes dessas confe-rências que discutiram essasidéias comigo. Agradeço, tam-bém, a Nancy Nap les; ap esar denão comungarmos das mesmasidéias, nossas conversas influen-ciaram muito o meu pensamento,

como fica c laro em nosso projetoconjunto: “To Interpret the Worldand To Cha nge It: An Interviewwith Nanc y Fraser,” de autoria deNancy Fraser e Nancy A. Naples(Signs: Journal of Women in Culture and Soc iety , v. 29, n. 4,Summer 2004. p. 1103-1124). Eutambém fico grata a KeithHaysom, pela assistência depesquisa bem-humorada e efici-ente, e a Veronika Rall, cuja tra-duçã o pa ra o a lemão melhoroutanto o original (“Frauen, denktökonomisch!” Die Tageszeitung ,n. 7633, April 7, 2005. p. 4-5) queeu acabei incorporando parte deseu fraseado. Obrigada, final-mente, ao Wissenschaftskolleg zuBerlin, que deu apoio financeiro,estímulo intelectual e um am-biente idea l de trabalho.

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Mapping the F Mapping the F Mapping the F Mapping the F Mapping the F eminist Imagination: F eminist Imagination: F eminist Imagination: F eminist Imagination: F eminist Imagination: F rom R rom R rom R rom R rom R edistribution to R edistribution to R edistribution to R edistribution to R edistribution to R ecognition to R ecognition to R ecognition to R ecognition to R ecognition to R epresentation epresentation epresentation epresentation epresentation Abstract Abstract Abstract Abstract Abstrac t: On this ar ticle the author aims to stimulate discussion as to how reinvent the projec t of feminism for a globalizing world, situating those shifts, in the context of changes in postwar cap italism and post-communist geopolitics. US feminism finds itself at an impasse, stymied by the hostile, post-9/11 politica l c limate. The cutting edge of gender struggle has shifted away from the 

United States to transnational spaces, such as “Europe”. What lies behind this geographic al shif? what are its politica l implications for the future of the feminist projec t? Key W Key W Key W Key W Key W ords ords ords ords ords: Contemporary Feminism; Post-11 September; Redistribuition and Recognition.

Tradução: Ramayana Lira