Texto de Apoio 2 | Projeto Artes - Expressões corporais, gráficas, plásticas e musicais
texto de apoio 2
-
Upload
filipa-lopes -
Category
Documents
-
view
223 -
download
7
description
Transcript of texto de apoio 2
![Page 1: texto de apoio 2](https://reader036.fdocumentos.com/reader036/viewer/2022073104/568c4bf41a28ab49169e38bd/html5/thumbnails/1.jpg)
TRABALHO DOCENTE: O MAL-ESTAR E OS DESAFIOS DA PROFISSÃO NA CONQUISTA DO PRAZER, DO BEM-ESTAR E DA
FELICIDADE
Ana Maria da Trindade Rodrigues Rauber1 - UCDB [email protected]
Flavinês Rebolo2 - UCDB
GT- 03
Resumo
Este artigo foi escrito a partir das leituras, reflexões e discussões realizadas na disciplina “Formação Continuada, Trabalho e Bem-Estar Docente, no Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado e Doutorado – da Universidade Católica Dom Bosco. O objetivo é problematizar e discutir as especificidades do trabalho docente que o tornam fonte de prazer e bem-estar ou de sofrimento e mal-estar. O texto estrutura-se em quatro partes: a primeira apresenta algumas discussões acerca do trabalho e seu sentido como atividade humana por excelência; a segunda trata do trabalho docente na contemporaneidade como atividade propiciadora de identidades sociais e, como tal, indispensável para a obtenção do bem-estar, para a saúde e a qualidade de vida do professor; a terceira discute as finalidades e os desafios do trabalho docente buscando compreender o seu significado em um momento historicamente situado; e a quarta parte reflete sobre os desafios na conquista do prazer, do bem-estar e da felicidade frente às novas exigências, feitas a todos os profissionais e, mais especificamente aos professores, pelas transformações que estão ocorrendo na sociedade contemporânea e que atingem a escola e o trabalho docente. Palavras-chave: trabalho docente; bem-estar docente; mal-estar docente.
1. O trabalho como atividade essencialmente humana e os seus sentidos
A humanidade se estrutura histórica, política e culturalmente, em sua quase
totalidade, em função do trabalho. O trabalho, como atividade essencialmente humana,
representa, sem dúvida, um valor importante para o Homem e exerce uma influência
considerável sobre sua satisfação enquanto sujeito social. Conforme citado por Livia de O.
1 MMeessttrraannddaa ddoo PPrrooggrraammaa ddee PPóóss--GGrraadduuaaççããoo eemm EEdduuccaaççããoo ddaa UUnniivveerrssiiddaaddee CCaattóóll iiccaa DDoomm BBoossccoo –– UUCCDDBB -- BBoollssiissttaa ddaa CCAAPPEESS.. PPrrooffeessssoorraa eeffeettiivvaa ddaa SSeeccrreettaarriiaa ddee EEssttaaddoo ddee EEdduuccaaççããoo ddee MMaattoo GGrroossssoo ddoo SSuull –– SSEEDD//MMSS,, lloottaaddaa nnoo CCEEEEJJAA ddee DDoouurraaddooss ee TTééccnniiccaa eemm AAssssuunnttooss EEdduuccaacciioonnaaiiss –– NNíívveell SSuuppeerriioorr -- UUnniivveerrssiiddaaddee EEssttaadduuaall ddee MMaattoo GGrroossssoo ddoo SSuull –– UUEEMMSS.. 2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado e Doutorado da Universidade Católica Dom Bosco.
![Page 2: texto de apoio 2](https://reader036.fdocumentos.com/reader036/viewer/2022073104/568c4bf41a28ab49169e38bd/html5/thumbnails/2.jpg)
2
Borges e Oswaldo H. Yamamoto (2004), os seres humanos, desde os caçadores da era
paleolítica, os artesãos medievais, os operários das linhas de montagem do século XX,
até os profissionais da área técnico-científica informacional de hoje, têm no trabalho
parte fundamental de sua existência, de sua razão de viver.
Pelo trabalho o homem transforma a natureza e transforma a si mesmo. Nessa
relação de dupla transformação o trabalho passa a ter enorme significado para o ser
humano, pois lhe confere uma identidade social e dá sentido às suas realizações e à sua
existência. Nesse sentido, se justifica a busca por identificar e compreender o sentido e as
características que o trabalho precisa ter para que seja significativo e prazeroso para aqueles
que o realizam.
O trabalho, enquanto ação transformadora do homem sobre a natureza, está
presente em todas as sociedades: desde as primitivas até as sociedades industrializadas e
informatizadas de hoje. É o que o Homem faz desde o início: relaciona-se com a
natureza, domina-a, tenta tirar dela proveito para si e para os seus, para preservar a sua
existência enquanto indivíduo e espécie, bem como para melhorar suas condições de
vida de acordo com os desafios criadas no tempo e no espaço. Nesse sentido,
consideramos o trabalho
[...] como uma atividade humana nobre e muito especial [...] que transforma a natureza e permanece no tempo e no espaço [...] atividade criativa e de transformação do mundo [...] atividade que coloca o homem na posição onipotente de criador, e que muitas vezes nos parecem tão naturais que nos esquecemos de nos espantar diante de tudo que já construímos. (SORATTO E OLIVIER-HECKLER, 1999, p. 111).
O trabalho como atividade essencialmente humana criou, paulatinamente, o
mundo como o conhecemos, graças à capacidade que a espécie humana revela de
produzir as suas condições materiais de existência, em processos historicamente
elaborados e construídos coletivamente pelas numerosas gerações que nos antecederam.
Porém, esses processos não se realizam por acaso, nem por vontade livre dos homens,
mas acontecem de acordo com condições econômicas, sociais e culturais produzidas e
que podem ser alterados pela ação consciente do homem e que se transformam pelo seu
trabalho, modificando, como apontam Lúcia Soratto e Cristiane Olivier-Heckler (1999,
p. 112), “seus hábitos, seus gostos, seu jeito de se vestir, seu modo de comportar-se”. As
autoras afirmam, ainda, que “o trabalho enriquece o homem [...] em conhecimento,
experiência, habilidades, enfim, desenvolvimento da forma mais ampla que podemos
![Page 3: texto de apoio 2](https://reader036.fdocumentos.com/reader036/viewer/2022073104/568c4bf41a28ab49169e38bd/html5/thumbnails/3.jpg)
3
pensar”. É esse desenvolvimento que produz a cultura e os valores culturais que tornam
possível o processo de humanização e das relações entre o indivíduo e a natureza.
Entendido dessa forma, o trabalho pode ser visto como atividade satisfatória
em si, ou seja, que propicia prazer e satisfação para quem o realiza, pois possibilita a
resolução de problemas, o uso do talento e do potencial humano com autonomia e gera
relações humanas satisfatórias. Não desconsiderando as mazelas e o sofrimento que
determinadas condições e formas de organização do trabalho possam infligir aos
Homens, concordamos com Estelle M. Morin (2001, p. 17) que destaca o trabalho como
“uma atividade que coloca as pessoas em relação umas com as outras, o que contribui
para o desenvolvimento da identidade”, de laços de afeição duradouros, que permitem
às pessoas escapar do isolamento, da solidão e, também, para o fortalecimento da vida
comunitária. Nessa perspectiva, Morin continua: “um trabalho que tem sentido permite
encontrar pessoas com que os contatos podem ser francos, honestos, com quem se pode
ter prazer em trabalhar, mesmo em projetos difíceis” (2001, p. 17) e, além disto, precisa
ser moralmente aceitável para quem o realiza de forma a ajustar-se às regras, aos
valores éticos e às práticas sociais.
Para que o trabalho tenha sentido é preciso, ainda, que proporcione condições
de segurança e saúde e um retorno financeiro que permita garantir as condições de vida
a quem o realiza e aos que dependem desse trabalhador. O trabalho com sentido gera
ocupações num tempo adequado de forma a evitar sentimentos de ansiedade com
adequada carga horária às diferentes situações e tempos.
Itacy Salgado Basso (1998, p. 4), ao abordar o significado do trabalho como
atividade humana na perspectiva histórico-social, aponta que o trabalho como atividade
humana “constitui-se de um conjunto de ações, e a necessidade objetiva ou o motivo
pelo qual o indivíduo age não coincide com o fim ou o resultado imediato de cada uma
das ações constitutivas da atividade”. Disso se deduz que não são as ações em si que
dão sentido ao trabalho humano, mas é o conjunto das ações que dão coerência e
justificam a sua realização. Assim, a atividade humana não é concebida ou assume
significado em sua individualidade, pois “a significação é o reflexo da realidade
independentemente da relação individual ou pessoal do homem a esta. O homem
encontra um sistema de significações pronto, elaborado historicamente, e apropria-se
dele, tal como se apropria de um instrumento” (BASSO, 1998, p. 5).
![Page 4: texto de apoio 2](https://reader036.fdocumentos.com/reader036/viewer/2022073104/568c4bf41a28ab49169e38bd/html5/thumbnails/4.jpg)
4
Dessa forma, compreender os sentidos do trabalho nas organizações
contemporâneas torna-se um desafio importante não apenas para os profissionais
envolvidos diretamente no trabalho fabril, mas constitui-se em um desafio para todos
aqueles que direta ou indiretamente estão ligados às organizações de trabalho,
principalmente quando se verifica que as transformações no mundo do trabalho são
paradoxais como no momento atual. Observamos que o trabalho tem um papel relevante
na vida das pessoas e, portanto, não pode ser compreendido, necessariamente, como
prejudicial à saúde. Se há situações em que o trabalho pode lesar homem, sua ausência
também pode se tornar nociva à saúde das pessoas.
Os professores, como os demais trabalhadores, estão imersos em um ambiente
de profundas transformações sociais, tecnológicas e culturais e sofrem os mesmos
efeitos nocivos de mal-estar a que estão submetidos os trabalhadores em geral.
2. O trabalho docente e o sofrimento do professor na época contemporânea
Antonio Nóvoa (1995) menciona que a figura do professor é apresentada como
uma necessidade desde a Grécia antiga, cabendo-lhe a responsabilidade de ajudar os
jovens cidadãos livres a compreenderem o mundo e a argumentarem, de forma a se
emanciparem pelo conhecimento. Ao longo da história a profissão docente tem sofrido
significativas mudanças que interferem no papel do professor, o que tem deixado
algumas lacunas entre o ideal e a realidade do trabalho docente. Assim, buscamos nesta
parte de nosso trabalho trazer a discussão para o trabalho docente e, a partir dela,
compreender o significado da ação de ensinar.
Nas palavras de Eloiza da Silva Gomes de Oliveira, o professor na sociedade
capitalista aproxima-se do proletário, alienado do produto do seu trabalho, ele passa a
vender a força de trabalho, dando aulas “em série” e, submetido a duas ou tres jornadas
de trabalho, “para manter as condições mínimas de sobrevivência diante dos salários
aviltados”. Os professores são levados a “trabalhar em várias escolas, em múltiplos
turnos, em extensos horários que vão da manhã à noite” (OLIVEIRA, 2006, p. 28).
Esse conjunto de fatores deixa os mestres distantes de coisas essenciais como formação
continuada, participação em atividades culturais, de lazer, do ócio e do pleno gozo do
tempo livre, benefícios que o trabalho deve proporcionar a quem o realiza. Situação que,
ainda segundo Oliveira, expõe os professores a um ritual de desmotivação, falta de
![Page 5: texto de apoio 2](https://reader036.fdocumentos.com/reader036/viewer/2022073104/568c4bf41a28ab49169e38bd/html5/thumbnails/5.jpg)
5
sentido, cansaço e alienação, o que gera sofrimento, perpetuados a “cada ‘modismo’
educacional que invade de forma avassaladora as escolas - quase sempre pela mão dos
documentos legais” (2006, p. 29).
Tal situação leva os professores a se sentirem desorientados e, em
contrapartida, acentua a tendência à alienação. Ainda mais, pois segundo Oliveira, o
trabalho docente, na atualidade, “tem uma dureza às vezes revestida de perversidade” o
que gera sofrimento, desmotivação, falta de sentido, cansaço, tédio, síndrome de Sísifo
(trabalho sem sentido). Diante dessa situação, como mecanismo de defesa, alguns
abandonam a profissão, outros passam a incorporar à prática docente atitudes
autoritárias e de extrema severidade em sala de aula (OLIVEIRA, 2006, p. 28-29).
Na mesma perspectiva Oliveira retoma os estudos de Christophe Dejours que,
ao abordar o sofrimento no trabalho, aponta como principais causas a “perda de controle
sobre os meios de produção, sobre a finalidade e sobre o processo de trabalho. Inclui
ainda, processo de desqualificação, empobrecimento por baixos salários e venda
indiscriminada da força de trabalho” (OLIVEIRA, 2006, p. 34). Essas causas, também
presentes no trabalho docente, levam os professores a intensificarem o uso das
estratégias de defesa contra o sofrimento, adotando comportamentos de resistência a
todo tipo de mudança e baixo envolvimento com o trabalho.
As mudanças do contexto social e, mais especificamente dos mundos do
trabalho, refletiu diretamente sobre a organização do trabalho escolar, sobre a
organização do processo pedagógico e sobre o trabalho docente através da divisão do
trabalho representada pela atuação dos especialistas e pela divisão do trabalho de
planejar e o de executar. Este processo, sustenta Oliveira, “levou à diminuição do
controle dos docentes sobre o processo pedagógico” (2006, p. 34).
Quando Basso analisa as condições objetivas de trabalho do professor que permitem
que ele se realize como ser humano, pondera que o desenvolvimento e o aprimoramento de
novas capacidades de forma autônoma, passam a criar necessidades de outro nível em que “ele
se afirma mas se nega em seu trabalho, que não se sente bem, mas infeliz, que não desenvolve
energia mental e física livre, mas modifica a sua physis e arruina a sua mente” (BASSO, 1998,
p. 8). A consequência desse processo é a perda de controle do trabalho docente na forma
de organização do trabalho escolar e a diminuição do controle dos docentes sobre o
processo pedagógico, em especial a seleção e organização dos conteúdos e das
metodologias.
![Page 6: texto de apoio 2](https://reader036.fdocumentos.com/reader036/viewer/2022073104/568c4bf41a28ab49169e38bd/html5/thumbnails/6.jpg)
6
Embora haja divergências entre os autores em torno do processo de
proletarização docente, Oliveira, (2006) destaca dois tipos: a proletarização técnica (diz
respeito ao controle dos meios de execução do trabalho docente) e a ideológica, na qual
são instaurados controles ideológicos e profissionais sobre as finalidades e as metas do
trabalho docente. Esse processo, segundo a autora, trouxe consequências que refletiram
diretamente no processo de proletarização docente: a não constituição, pelo professor,
de uma identidade de trabalhador; a necessidade de cumprimento de longa jornada de
trabalho e, ainda, as precárias condições de trabalho, com a alienação e a
desqualificação profissional, além dos baixos salários (que fez os homens se afastarem
dessa profissão). Esse fenômeno, segundo Oliveira, fez com que tanto a docência, como
o trabalho feminino, nas sociedades patriarcais, fossem
vistos como uma extensão do trabalho doméstico; os salários serem idênticos para homens e mulheres, o que não acontece na maioria dos trabalhos; tradicionalmente o magistério representado no imaginário popular como um trabalho de mulher; e os baixos salários afastarem os homens (2006, p. 35).
Estelle Morin, Maria José Tonelli e Ana Luisa Vieira Pliopas (2007) apontam
que nos últimos anos diversos estudos exploraram especialmente os efeitos do trabalho
sobre a saúde mental, como estresse e a Síndrome de Burnout. Estudos realizados por
Dejours (1991) demonstram que o trabalho precisa fazer sentido para o próprio sujeito,
para seus pares e para a sociedade. No mesmo sentido, uma pesquisa coordenada por
Wanderlei Codo (1999, p. 240) aponta que não há um consenso na literatura
internacional sobre o bournout, “mas é um consenso até os estudos hoje desenvolvidos
que seria uma resposta ao stress laboral crônico, não devendo, contudo ser confundido
com stress”. Ele é expressão do sofrimento psíquico e da deterioração afetiva da pessoa,
que prejudica sua relação com o trabalho, com as instituições ou organizações e com as
outras pessoas. Esta síndrome afeta, especialmente, trabalhadores com muito contato
social, incluindo os setores de Educação e Saúde. No processo de adoecimento
evidenciam-se variáveis sociais, políticas, culturais, das relações estabelecidas no
ambiente escolar, além de variáveis mais especificamente relacionadas aos próprios
docentes, tais como sua experiência, seu status socioeconômico, sexo e tipo de
instituição em que ensinam.
Esteve (1992), Jesus (1995), Morin (2007), Rebolo (2005, 2008), Lipp (2002),
Reinhold (2002), Siqueira e Padovan (2008) afirmam que as modificações no contexto
social das últimas décadas alteraram significativamente o perfil do trabalho docente e as
![Page 7: texto de apoio 2](https://reader036.fdocumentos.com/reader036/viewer/2022073104/568c4bf41a28ab49169e38bd/html5/thumbnails/7.jpg)
7
exigências pessoais e do meio em relação à eficácia de sua atividade, frente as
profundas e rápidas transformações tecnológicas, os professores tem sofrido mudanças
nas exigência e posturas requeridas pela sociedade, como também passaram a sofrer as
consequências relativas aos recursos materiais e humanos, o que tem gerado
consequências e alterações na saúde física e psíquica dos mesmos. A atividade de
ensino tem perdido o seu prestígio social afetando o quadro docente, ou seja, gera
efeitos negativos no trabalho que desempenham, nas relações profissionais e sociais e
nas interações pessoais que estabelecem, comprometem a auto-estima dos professores e
desencadeiam, muitas vezes, relações autoritárias e de rígido controle. Isso tem afetado,
diretamente, a execução da atividade docente, proporcionando um movimento de
tensões e ansiedades geradas na prática cotidiana e que contribuem para o processo de
sofrimento dos professores, gerando o “mal-estar”.
Sob este mesmo foco, ao estudar o “mal-estar” docente como fenômeno da
modernidade, Oliveira (2006, p. 35) aponta que “a escola constitui-se em uma
instituição bastante conservadora e especialmente autoritária”, que o trabalho pode ser
causa de medo e de sensação de incompetência, favorecendo, assim, o surgimento, da
doença e do sofrimento.
Os aspectos citados acima têm contribuído, como apontam Flavinês Rebolo
Lapo e Belmira A. O. Bueno (2003), para acentuar o sofrimento dos professores com o
trabalho e deixam entrever a questão da insatisfação dos docentes, podendo ser
apontados como desencadeantes do “mal-estar docente”, expressão cunhada por José
Manuel Esteve, e que “incidem fundamentalmente sobre a imagem que o professor tem
de si mesmo e de seu trabalho”, o que acaba por afetar a “eficácia docente ao promover
um decréscimo da motivação do professor” (ESTEVE, 1992, p.33).
3. O trabalho docente na contemporaneidade: desafios para a obtenção do bem-
estar, da saúde e da qualidade de vida do professor
O trabalho tem um lugar fundamental na vida das pessoas e é, para a maioria
destas, fonte e garantia de subsistência e de posição social. Somos conhecidos na
sociedade pela categoria profissional a que pertencemos. O trabalho e a profissão irão
determinar grande parte de nossas vidas. Assim, ao mesmo tempo em que pode ser visto
como ameaça à integridade física e psíquica do trabalhador e gerador de sofrimento, por
![Page 8: texto de apoio 2](https://reader036.fdocumentos.com/reader036/viewer/2022073104/568c4bf41a28ab49169e38bd/html5/thumbnails/8.jpg)
8
estar desprovido de significação para quem o realiza ou por não ser reconhecido social e
economicamente, pode, também, ser fonte de bem-estar, de prazer, alegria, e
especialmente saúde, quando satisfatório.
Estudos realizados em diferentes realidades (Jesus,1995, 1998; Basso, 1998;
Rebolo, 2005) buscaram compreender e explicar os aspectos essenciais para o bem-estar
docente que incluem um conjunto de fatores relacionados às quatro dimensões do
trabalho bem como as estratégias de enfrentamento, ou mecanismos de defesa,
utilizados pelos professores para evitar o mal-estar docente.
Nesses estudos, podem-se identificar inúmeros fatores determinantes do bem-
estar dos professores, entre os quais se destacam: as motivações do professor em relação
ao trabalho; a perspectiva de um plano de carreira e de salário; reconhecimento
profissional pelo trabalho realizado; possibilidade de participar ativamente nas decisões
sobre o trabalho, juntamente com seus colegas e superiores; e a qualidade do
relacionamento dos docentes com os alunos, colegas e pais de alunos. Como
mecanismos de defesa, utilizados pelos professores para o enfrentamento do mal-estar,
destacam-se os afastamentos e as licenças médicas; o distanciamento psicológico, ou
“acomodação”, do professor em relação ao trabalho; podendo chegar até ao abandono
da profissão.
Ao analisar o bem-estar docente como um fenômeno complexo, decorrente de
múltiplos fatores, Samuel Neves de Jesus (1998) propõe o agrupamento dos fatores que
concorrem para o bem-estar/mal-estar docente em três planos: “o sócio-político; o da
formação inicial e continuada e o da atuação dos professores”, que devem ser objeto de
atenção para que se melhore a qualidade de vida e de trabalho dos professores. Rebolo
(2005), partindo da proposta de Jesus, aponta algumas medidas que devem ser tomadas,
visando a obtenção do bem-estar, que são:
1 - do plano sócio-político: revalorização da imagem social dos professores; delimitação clara e coerente das funções dos professores; maiores investimentos na educação; salários condizentes com a habilitação e responsabilidade do professor; e melhores condições de trabalho; 2 - do plano da formação de professores - aprimoramento de qualidades pessoais e interpessoais; e aquisição de competências comportamentais, cognitivas e emocionais; 3 - do plano de atuação dos professores - aquisição de habilidades de autoconhecimento e auto-avaliação (2005, p. 64).
Além destes aspectos, que dizem respeito a uma dimensão macro do trabalho,
devem ser considerados, também, os aspectos relacionados ao trabalho em si, àquilo que
torna o trabalho satisfatório, capaz de gerar o bem-estar do trabalhador, porque
![Page 9: texto de apoio 2](https://reader036.fdocumentos.com/reader036/viewer/2022073104/568c4bf41a28ab49169e38bd/html5/thumbnails/9.jpg)
9
[...] possibilita a satisfação das necessidades; garante a sobrevivência física e psíquica; propicia a utilização das capacidades e o desenvolvimento de habilidades; permite à pessoa sentir-se útil, integrada e aceita dentro da sociedade em que vive; oferece, durante e após a realização, a possibilidade de fruição da vida e de lazer, possibilita, pela própria realização das atividades inerentes à ação de trabalho, como planejamento, elaboração, técnicas e execução, a utilização das competências e a satisfação dos interesses e expectativas, isto é, possibilita a percepção do trabalho em si como atividade prazerosa (REBOLO, 2005, p. 61).
A concretização desses aspectos, para que o trabalho se torne satisfatório e
gere bem-estar, envolvimento e comprometimento do trabalhador com o seu trabalho,
só acontecerá a partir de determinadas condições que envolvem as seguintes dimensões
do trabalho, conforme cita Rebolo:
1- A DIMENSÃO DA ATIVIDADE LABORAL: relacionada ao conjunto de tarefas que o trabalho docente comporta e às especificidades dessas tarefas quanto à: diversidade e identidade que possuem entre si; ao grau de autonomia que permitem; aos desafios que impõem; às exigências de habilidades e concentração; à posse de objetivos e metas claras e exeqüíveis; ao retorno que oferecem; à sensação de alteração do tempo; e à possibilidade de controle das situações.
2- DIMENSÃO RELACIONAL: que se refere ao modo pelo qual o trabalho é gerido, isto é, diz respeito às relações do professor com a atividade laboral e às relações interpessoais na instituição escolar. Inclui os seguintes fatores: liberdade de expressão, repercussão e aceitação das idéias dadas, trabalho coletivo, grupos de trabalho e possibilidade de troca de experiências, ausência de preconceitos, igualdade de tratamento, relações hierárquicas, apoio sócio-emocional, conhecimento das metas da escola, participação nas decisões sobre metas, objetivos e estratégias a serem adotadas, fluxo de informações e formas de comunicação e reconhecimento do trabalho realizado.
3- DIMENSÃO SÓCIO-ECONÔMICA: que abrange aspectos sociais e econômicos que atingem diretamente o professor. Os elementos relacionados a esta dimensão são: salário, salário variável (bônus, gratificações, hora extra, etc.), benefícios (materiais e não materiais), direitos garantidos, estabilidade no emprego, plano de carreira, privacidade, horários previsíveis, tempo para lazer e para a família, imagem interna (entre alunos, professores, funcionários e dirigentes) e imagem externa (entre a comunidade e a sociedade em geral) da escola e do sistema educacional, responsabilidade comunitária e social da escola, desenvolvimento profissional, treinamentos e aprimoramento contínuo e nível de interesse dos alunos.
4- DIMENSÃO CONCRETA: que diz respeito às condições materiais e/ou ambientais em que se realiza o trabalho e inclui a adequação das instalações e condições gerais de infra-estrutura, a limpeza e o conforto do ambiente de trabalho, a segurança e os instrumentos, equipamentos e materiais disponíveis para a realização do trabalho. (REBOLO, 2005, p.10-12).
Ainda segundo Rebolo (2005) o bem-estar no trabalho, entendido como a
vivência, com maior freqüência e intensidade, de experiências positivas é um processo
dinâmico, construído na intersecção das quatro dimensões citadas acima com outra
![Page 10: texto de apoio 2](https://reader036.fdocumentos.com/reader036/viewer/2022073104/568c4bf41a28ab49169e38bd/html5/thumbnails/10.jpg)
10
dimensão, a subjetiva, que está relacionada às características pessoais do professor e diz
respeito tanto às competências e habilidades que possui quanto às suas necessidades,
desejos, valores, crenças e projeto de vida. É na intersecção dessas dimensões, realizada
por meio das avaliações que o professor faz de si próprio, da atividade que realiza e das
condições existentes para o desempenho do trabalho, que ocorre o bem-estar ou o mal-
estar docente. Quando o resultado dessa avaliação for positivo, haverá o bem-estar e a
possibilidade de felicidade. Quando for negativo, ocorrerá o mal-estar, um estado de
desconforto, resultante de insatisfações e conflitos, que desencadeará estratégias de
enfrentamento, as quais se constituem em ações que visam eliminar ou minimizar a
sensação de mal-estar e obter o bem-estar. Deve-se considerar, ainda, como afirma
Rebolo (2005) que, para cada professor, o bem-estar estará relacionado a algumas coisas
e limitado por outras. Isso é compreensível na medida em que se considera que a relação
entre o professor e o seu trabalho é uma trama tecida por cada um, de forma singular, a
partir de suas representações, sentimentos, valores e crenças.
Nesse sentido, é importante lembrar que quando se pretende
compreender e discutir o bem-estar docente deve-se considerar não apenas os fatores de
satisfação e insatisfação do trabalho, mas, também, a relação destes com a auto-
percepção de bem-estar e mal-estar do professor. Rebolo (2005) afirma que a
construção do bem-estar docente
“está vinculada à existência de características pessoais e condições materiais que possibilitem a realização de um trabalho que proporcione resultados positivos e recompensas agradáveis, que tenha sentido, no qual se acredita, que seja reconhecido como útil e importante, pois isto proporciona o aprovar-se e o aprovar a ação realizada. E que, também, está vinculada às estratégias de enfrentamento utilizadas pelos professores face aos fatores avaliados como insatisfatórios e aos conflitos e dificuldades vivenciados no dia-a-dia do trabalho” (REBOLO, 2005, p.130-131).
Considerações Finais
As novas demandas que têm sido apresentadas à educação escolar com relação
aos seus objetivos, vêm refletindo em mudanças nas formas de gestão e organização do
trabalho na escola. Essas mudanças têm resultado em intensificação do trabalho
docente, ampliação do seu raio de ação e, consequentemente, em maiores desgastes e
insatisfação por parte dos professores.
![Page 11: texto de apoio 2](https://reader036.fdocumentos.com/reader036/viewer/2022073104/568c4bf41a28ab49169e38bd/html5/thumbnails/11.jpg)
11
Se por um lado entende-se que a educação em tempos de globalização sofreu
grandes mudanças na sua organização, deixando os docentes enfraquecidos como
sujeitos do saber e expostos a sofrimentos que geram um grande mal-estar, por outro
lado entende-se que nem os professores são os culpados pela situação, nem é possível
afirmar que os dirigentes desqualificam o trabalho escolar porque assim o desejam
consciente e conspiratoriamente. Não é possível discutir a docência como ocupação
felicitária sem discutir as formas concretas de organização do trabalho, sob pena de atribuir-
se a responsabilidade desses processos aos próprios docentes.
As divergências e o descaso com a educação no cenário nacional, a
acumulação e a sobrecarga de trabalho do professor, a diversificação de tarefas, a
pressão por metas de produtividade em menor tempo, o aumento das exigências sobre
os professores pela necessidade de capacitação e atualização constante, refletem as
condições do trabalho docente na atualidade. É importante salientar que esses aspectos
afetam diretamente o trabalho docente, gerando insatisfação aos professores.
Frente a esta realidade é oportuno refletir sobre o trabalho docente e os
desafios que se põem à profissão numa sociedade que, cada vez mais, cobra resultados
dos professores e, ao mesmo tempo, os desvalorizam. Nesse sentido, a realização de
estudos que busquem compreender melhor a vinculação dos processos de trabalho aos
processos de saúde e adoecimento dos professores, as relações entre as condições de
trabalho e o bem-estar e o mal-estar docente, representam uma necessidade e uma forma
de contribuir para o desenvolvimento e a melhoria da Educação.
Perante o exposto, considera-se imprescindível e urgente a realização de mais
estudos interdisciplinares e de reflexões que desvelem os desafios que o trabalho
docente impõe aos governantes, à sociedade em geral e, principalmente aos professores.
Referências
BASSO, Itacy Salgado. Significado e sentido do trabalho docente. Cadernos CEDES [online]. Abr. 1998, vol. 19. Disponível em < http://www.sielo.br > Acesso em16 dez. 2010.
BORGES, Livia de O. e YAMAMOTO, Oswaldo H. O mundo do trabalho. In: ZANELLI, José C. BORGES-ANDRADE, Jairo E. & BASTOS, Antonio V. B. Psicologia, organizações e trabalho no Brasil. Porto Alegre: Artemed, 2004, p. 24-62.
![Page 12: texto de apoio 2](https://reader036.fdocumentos.com/reader036/viewer/2022073104/568c4bf41a28ab49169e38bd/html5/thumbnails/12.jpg)
12
CODO, Wanderley (coord.). Educação: carinho e trabalho. Petrópolis (RJ): Vozes, 1999.
CODO, Wanderley e VASQUES-MENEZES, Iône. O que é Burnout? In: CODO, Wanderley (org.). Burnout, a síndrome da desistência do educador, que pode levar à falência da educação. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 237-254.
DEJOURS, Christophe. A Loucura do Trabalho. São Paulo: Cortez / Oboré, 1991.
ESTEVE, José Manuel. O Mal-Estar Docente. Lisboa: Escher / Fim de Século Edições, 1992.
JESUS, Saul Neves de. A Motivação Para a Profissão Docente. Tese de doutorado. Faculdade de Psicologia e Ciências da Educação, Universidade de Coimbra, 1995.
JESUS, Saul Neves de. Bem-Estar dos Professores: estratégias para realização e desenvolvimento profissional. Porto: Porto Editora, 1998.
LAPO, Flavinês Rebolo; BUENO, Belmira Oliveira. Professores, desencanto com a profissão e abandono do magistério. Cadernos de Pesquisa, n. 118, p. 65-88, março/ 2003.
MORIN, Estelle; TONELLI, Maria José e PLIOPAS, Ana Luisa Vieira. O trabalho e seus sentidos. Psicologia e Sociedade [online]. 2007, vol. 19. Disponível em http://www.sielo.br/pdf/psoc/v19nspe/v19nspea.pdf >. Acesso em 13 dez. 2010.
MORIN, Estelle M. Os sentidos do trabalho. RAE- Revista de Administração de Empresas [online]. 2001, v. 41. Disponível em <http://16fgv.br/rae/artigos/1507.pdf> Acesso em: 20 dez. 2010.
MELEIRO, Alexandrina Maria Augusto da Silva. O stress do professor. In: LIPP, Marilda Novaes. O stress do professor. Campinas: Papirus, 2002, p. 11-27.
NÓVOA, António. Profissão Professor. Porto: Editora Porto, 1995.
OLIVEIRA, Eloiza da Silva Gomes de. O “mal-estar docente” como fenômeno da modernidade: os professores no país das maravilhas. Ciência& Cognição. 2006; Vol. 07: 27-41. Disponível em <http://www.cienciasecogniçao.org> acesso em 20/12/2010
REBOLO, Flavinês. Fontes e dinâmicas do bem-estar: as quatro dimensões de um trabalho “felicitário”. In: REBOLO, Flavinês. O bem-estar docente: limites e possibilidades para a felicidade do professor no trabalho. Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo – FEUSP,Tese (Doutorado em Educação) - São Paulo, 2005, p. 61-102.
SORATTO, Lúcia & OLIVIER-HECKLER, Cristiane. Trabalho: atividade humana por excelência. In: CODO, Wanderley (coord.) Educação: carinho e trabalho. Petrópolis (RJ): Vozes, 1999, p. 111-121.