Texto Formação Júridica Do Policial Militar - Texto Na Íntegra

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O policial militar operador do Direito http://jus.com.br/revista/texto/9539 Publicado em 02/2007 Adilson Luís Franco Nassaro Sumário:1. Introdução 2. Missão constitucional e exercício da autoridade policial 3. Discricionariedade do ato de polícia 4. Análise prévia da configuração da prática de crime e da situação de flagrante 5. Atuação na fase da repressão imediata e o apoio à Justiça Criminal 6. Formação jurídica do policial militar 7. Conclusão 1. Introdução Observamos que alguns expositores ao mencionarem o conjunto dos profissionais chamados "operadores do direito", em manifestação oral ou escrita no meio acadêmico, relacionam nesse grupo os juízes, promotores, advogados, delegados de polícia e até mesmo estudantes de direito, não fazendo referência, porém, à figura do policial militar. Desconsideram o fato de que o policial militar, em qualquer nível hierárquico, opera constantemente o direito no desempenho de sua atividade profissional ímpar, cuja principal ferramenta de trabalho é exatamente a interpretação das normas legais, objetivando alcançar o fiel cumprimento da lei e o "fazer cumprir a lei" em defesa da sociedade, para a preservação da ordem pública. Não se trata de reivindicar qualquer mérito, mas, sim, de destacar a importância da informação - e da formação - jurídica na atividade policial-militar e o reconhecimento da efetiva operação do direito que se processa na relação direta com a população, em tempo real, fora dos cartórios dos fóruns, das salas de audiência e longe dos gabinetes dos estudiosos do direito, das salas de aula e mesmo das sedes dos distritos policiais. Referimo-nos à aplicação prática do direito que se processa na ação do policial militar em contato pessoal e permanente com o cidadão, destinatário de todo o esforço do Estado no objetivo maior de alcançar a paz social. Vamos refletir sobre isso. 2. Missão constitucional e o exercício da autoridade policial O policial militar trabalha com segurança quando possui conhecimento da lei em nível adequado ao desempenho da sua função, em patamar acima da média do cidadão comum, com especialização em atividades de segurança pública. E ele deve ser preparado para esse plano de atuação. Necessário, primeiramente, conhecer a competência da Instituição da qual é parte integrante, para exercer a autoridade policial

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Formacao juridica do policial

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O policial militar operador do Direito http://jus.com.br/revista/texto/9539 Publicado em 02/2007Adilson Lus Franco Nassaro Sumrio:1.Introduo2.Missoconstitucionaleexercciodaautoridadepolicial3. Discricionariedade do ato de polcia 4. Anlise prvia da configurao da prtica de crime edasituaodeflagrante5.AtuaonafasedarepressoimediataeoapoioJustia Criminal 6. Formao jurdica do policial militar 7. Concluso 1. Introduo Observamosquealgunsexpositoresaomencionaremoconjuntodosprofissionais chamados"operadoresdodireito",emmanifestaooralouescritanomeioacadmico, relacionamnessegrupoosjuzes,promotores,advogados,delegadosdepolciaeat mesmoestudantesdedireito,nofazendoreferncia,porm,figuradopolicialmilitar. Desconsideramofatodequeopolicialmilitar,emqualquernvelhierrquico,opera constantementeodireitonodesempenhodesuaatividadeprofissionalmpar,cuja principalferramentadetrabalhoexatamenteainterpretaodasnormaslegais, objetivandoalcanarofielcumprimentodaleieo"fazercumpriralei"emdefesada sociedade, para a preservao da ordem pblica. Nosetratadereivindicarqualquermrito,mas,sim,dedestacaraimportnciada informao-edaformao-jurdicanaatividadepolicial-militareoreconhecimentoda efetiva operao do direito que se processa na relao direta com a populao, em tempo real,foradoscartriosdosfruns,dassalasdeaudinciaelongedosgabinetesdos estudiososdodireito,dassalasdeaulaemesmodassedesdosdistritospoliciais. Referimo-nos aplicao prtica do direito que se processa na ao do policial militar em contato pessoal e permanente com o cidado, destinatrio de todo o esforo do Estado no objetivo maior de alcanar a paz social. Vamos refletir sobre isso. 2. Misso constitucional e o exerccio da autoridade policial Opolicialmilitartrabalhacomseguranaquandopossuiconhecimentodaleiemnvel adequadoaodesempenhodasuafuno,empatamaracimadamdiadocidado comum,comespecializaoematividadesdeseguranapblica.Eeledeveser preparadoparaesseplanodeatuao.Necessrio,primeiramente,conhecera competnciadaInstituiodaqualparteintegrante,paraexerceraautoridadepolicial inerentesuacondio,agindoemnomedoEstadoenolimitedesuasatribuies, capacitando-seatomardecisesquesereconheamcorretasporquerazoveise cobertas pelo manto da legalidade e da moralidade administrativa.Tal como os demais operadores do direito, deve ser capaz de organizar-se mentalmente, formulandoumraciocniojurdicosobreofatoconcreto.Edevedecidircomamparona fundamentao legal que d legitimidade sua ao, eis que, via de regra, o policial atua nasensvelfaixadalimitaodas liberdadesindividuais,noexercciododenominado poder de polcia, condio que o distingue. Sobreessediferencialdesuafuno,faz-seoportunodestacaroensinamentosempre atual de lvaro Lazzarini: "A Polcia a realidade do Poder de Polcia, a concretizao materialdeste,isto,representaematoaeste.OPoderdePolcialegitimaaaoea prpria existncia da Polcia. Ele que fundamenta o poder da polcia. O Poder de Polcia umconjuntodeatribuiesdaAdministraoPblica,indelegveisaosparticulares, tendentesaocontroledosdireitoseliberdadesdaspessoas,naturaisoujurdicas,aser inspiradonosideaisdobemcomum,eincidentesnossobreelas,comotambmem seus bens e atividades" 1.Opolicialmilitarnopodesimplesmentetrataropoderdepolciacomoalgoetreo, construdopeladoutrinaouaceitocomolegtimoemrazodequeningumquestionou sua deciso diante de um caso prtico... obrigao do profissional de polcia conhecer a naturezajurdicadessasuaautoridadeexteriorizadanasmaisvariadassituaes, normalmentediantedeconflitossociaisoumanifestanocontextodapreveno,quase semprecaracterizadapelaadoodemedidascogentes.Certoquenaesferada seguranapblica,aPolciaMilitaradetentoraprincipaldoconjuntodeatribuiesda Administrao Pblica chamado poder de polcia.Poisbem,partindodotextodaConstituioFederal,particularmentedoart.144, posiciona-seopolicialmilitaremrelaocompetnciadosoutrosrgospoliciaise identificaasuaprpria,nacomplexadimensodoexerccioda"polciaostensiva"eda "preservaodaordempblica".E,diantedadiversidadedesuasmisses,aobuscara regulamentao de matria especfica nas leis infraconstitucionais, observada a hierarquia das normas, obtm os subsdios necessrios para qualquer tomada de posio.Os trs aspectos da ordem pblica: segurana, tranqilidade e salubridade, reconhecidos eminmerasproduesacadmicasdesenvolvidassobreotema,expandemadinmica da atuao policial-militar muito alm da realizao do notrio policiamento ostensivo que previneaprticadeinfraopenal.Atuaoprofissionaltambmemsituaesmarcadas pelaprticadeatoquenoconstituidelito,masqueconsideradoilcitoemrazode desrespeito a regra na rbita do direito civil ou na esfera administrativa, como por exemplo, em ocorrncia que envolve prtica de infrao de trnsito, infrao ambiental, questo de relaesdevizinhanaemuitasoutras,semprecomprevisonoordenamentojurdico, postoque,conformeoart.5,incisoII,aindadaConstituioFederal:"ningumser obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa seno em virtude de lei".Enquanto ao cidado comum permitido movimentar-se no vazio deixado pela lei, ou seja, ele pode fazer em regra tudo o queno lhe seja vedado em mandamento legal,de outro lado, os integrantes da Administrao Pblica devem fazer apenas o que a lei permite, em face da observncia aos princpios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e, ainda, eficincia, nos termos do artigo 37, tambm da Carta Magna. O raciocnio aplica-senosomenteaoexercciodaatividadefim,mastambmgestodosrecursos necessrios,nombitodasatividadesdesuporteessenciaisrealizaoda"polcia ostensiva"eda"preservaodaordempblica",caractersticosdaAdministraoMilitar Estadual.Nessecontexto,ogestordacoisapblica,noexercciodesuasatribuies, autoridade administrativa, com poderes, deveres e responsabilidades prprios.Omesmoartigo37daConstituioFederal,emseupargrafo6,preva responsabilidadeobjetivadaAdministraoPblicaeaaoregressivacontraoagente pblicocausadordodano:"Aspessoasjurdicasdedireitopblicoededireitoprivado prestadorasdeserviospblicosresponderopelosdanosqueseusagentes,nessa qualidade,causarematerceiros,asseguradoodireitoderegressocontraoresponsvel nos casos de dolo ou culpa".Verifica-se,portanto,quealmdasresponsabilidadescomunsaqualquercidadoo policialmilitarestsujeitoaoutras.Conforme visto,estsujeitoeventualobrigaode indenizao em razo de ao regressiva, por danos causados a terceiros na condio de agente pblico; a responsabilizao no campo disciplinar, mediante aplicao de rigoroso regulamento de conduta que estabelece como sano inclusive a privao de liberdade e, ainda,jurisdiopenalespecial,naesferadaJustiaCastrense,emrazodesua qualidadedemilitar.Eisopesodaresponsabilidadedoexercciodafunoeda autoridade policial-militar a exigir, como contrapartida, uma boa preparao, especialmente nareadosconhecimentosjurdicosessenciaisaodesempenhodetorelevantese complexas atribuies. 3. Discricionariedade do ato de polcia O aprofundamento no estudo da misso institucional e doexerccio da autoridade policial, levaoprofissionaldePolciaMilitaraconheceraanlisedoutrinriasobreas caractersticas do ato de polcia. Conforme lio de Hely Lopes Meirelles2, o ato de polcia temtrsatributosbsicos:discricionariedade,auto-executoriedadeecoercibilidade,ou seja, caracterizado pela livre escolha da oportunidade e da convenincia do exerccio do poderdepolcia,almdosmeios-lcitos-necessriosparaasuaconsecuo,pela execuodiretaeimediatadadeciso,semintervenodoPoderJudicirio,excetoos casosemquealeiexigeordemjudicial,bemcomo,pelaimposiodasmedidas adotadas, de modo coativo. Exatamente como um contraponto liberdade do cidado comum, que pode movimentar-se no vazio deixado pela lei, a discricionariedade possibilita ao policial militar um nvel de escolha de oportunidade essencial ao xito do trabalho de quem pode estar no lugar certo e no momento certo para agir. Celso Antnio Bandeira de Mello define discricionariedade comosendo"amargemdeliberdadequeremanesaaoadministradorparaeleger, segundocritriosconsistentesderazoabilidade,um,dentrepelomenosdois comportamentos, cabveis perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a soluo mais adequada satisfao da finalidade legal, quando, por fora da fluidez das expressesdaleioudaliberdadeconferidanomandamento,delanosepossaextrair objetivamente uma soluo unvoca para a situao vertente" 3.Significadizerqueoatodepolciaencontraseuslimitestambmnomandamentolegal. Os fins, a competncia do agente, oprocedimento (sua forma) e tambm osmotivos e o objeto so limites impostos ao ato de polcia, ainda que a Administrao disponha de certa margem de discricionariedade no seu exerccio, conforme adverte Maria Sylvia Zanella Di Pietro, em elucidativa exposio: "Quanto aos fins, o poder de polcia s deve ser exercido paraatenderointeressepblico.Seoseufundamentoprecisamenteoprincpioda predominncia do direito pblico sobre o particular, o exerccio desse poder perder a sua justificativaquandoutilizadoparabeneficiarouprejudicarpessoasdeterminadas;a autoridade que se afastar da finalidade pblica incidir emdesvio de poder e acarretar a nulidadedoatocomtodasasconseqnciasnasesferascivil,penaleadministrativa.A competnciaeoprocedimentodevemobservarasnormaslegaispertinentes.Quantoao objeto, ou seja, quanto ao meio de ao, a autoridade sofre limitaes, mesmo quando a leilhedvriasalternativaspossveis.Temaquiaplicaoumprincpiodedireito administrativo,asaber,odaproporcionalidadedosmeiosaosfins;istoequivaleadizer queopoderdepolcianodeveiralmdonecessrioparaasatisfaodointeresse pblicoquevisaproteger;a suafinalidadenodestruirosdireitosindividuais,mas,ao contrrio,asseguraroseuexerccio,condicionando-oaobem-estarsocial;spoder reduzi-losquandoemconflitocominteressesmaioresdacoletividadeenamedida estritamente necessria consecuo dos fins estatais"4.Para no incidir em prtica de ato arbitrrio, que consiste em posicionamento antagnico prtica de ato discricionrio, o policial militar deve ter a noo exata dos contornos legais dadiscricionariedade.Ora,noexisteoutraformasenoestudarasleis,conhecera doutrinae,ainda,tomarcontatocomajurisprudncia,comofazumbomoperadordo direito. Por outro lado, no se pretende que o policial militar transporte na viatura todos os cdigosemanuaisdisponveis,ouquedelesejaexigidoobachareladoemCincias Jurdicas; importante, sim, que ele receba uma boa formao tcnico-jurdica para que se sintapreparadoe,porconseqncia,encontre-se seguroaotomardecises,sobopeso da responsabilidade de quem representa o prprio Estado e, nessa condio, o primeiro normalmente a tomar contato com situao de conflito, adotando providncias imediatas - e imprescindveis - para o restabelecimento da ordem. 4.Anliseprviadaconfiguraodaprticadecrimeedasituaode flagrante Qualquer do povo pode e o policial deve prender quem for encontrado em flagrante delito, oquedeterminaoart.301doCdigodeProcessoPenal...Mas,paraprender, necessrioentendercomoseconfiguraasituaojurdicadeflagrnciadelituosae, particularmente,setalconduta-emestadoflagrante-amolda-sedescrioprpria desse ou daquele tipo penal. Tambm essencial, nesse contexto, compreender as regras de processo penal aplicadas ao ato de priso. Trata-se exatamente de saber o porqu da deciso que ser tomada; agir pela razo e no pela emoo; reservar a "intuio" apenas para a ao policial que no impe qualquer restrio de direitos.Areflexosobreotemaresultaemsriaadvertncia:seaanlisepreliminarnofor baseada em critrios tcnicos, ou seja, com conhecimento das normas bsicas de direito penal e de direito processual penal, o policial militar poder incidir, ele prprio, na prtica de crime. Pode vir a praticar prevaricao ou abuso de autoridade. A responsabilidade do policial marcante em relao s normas de contedo penalque, aocontrriodasnormasprocessuais,noadmiteminterpretaoextensiva,usode analogia, de costumes ou de princpios gerais de direito. Em outras palavras, em razo de quedeveserperfeitooajustamentodacondutaaotipopenalparaaconfiguraoda prticadecrime,porvezesumdetalheilideamaterialidadee,portanto,inviabiliza qualquer medida de carter repressivo; e o raciocnio contrrio tambm verdadeiro: um detalhepodecaracterizaraprticadoilcitopenalemcondutaqueaparentementeno transgride normas penais, ensejando ao policial.E ainda ocorre, no poucas vezes, que a rpida interveno do policial militar ou apenas a suapresenaostensivaevitaaprticadedelito,como,porexemplo,deumaleso corporaleatdeumhomicdioqueresultariadaevoluodeumcasodegrave desentendimento.Nohcomonegar,numavisosistmicadoesforodoEstadonaprevenoena repressodacriminalidade,queopolicialmilitaratuacomoumaespciedefiltro,em razodesuaanliseprvia,elaborandoumrpidoraciocniojurdicosobreofatoque chega ao seu conhecimento, quando do atendimento de uma ocorrncia a ele confiada, ou simplesmente, ao deparar-se com uma situao de aparente conflito.Frente ocorrncia, reneimediatamenteos elementos danotcia:quem, quando, onde, como e por que, para alcanar a sntese, sob o prisma da legalidade, que deve direcionar a sua conduta profissional, a fim de adotar um dos caminhos possveis a partir de quatro nveisbsicos:conclusosobreinexistnciadequalquerilcito;verificaodaprticade ilcitoemcondutanoincidentenaesferapenal;verificaodeindciosoufundada suspeita da prtica de ilcito penal; constatao da situao de flagrante delito.Salvo os casos de imunidade, de prerrogativa funcional do infrator, ou de compromisso de comparecimentoemjuzonasinfraespenaisdemenorpotencialofensivo(art.69, pargrafo nico, da Lei n 9.099/95), o ltimo nvel permitir ao policial militar apenas uma deciso:daravozdeprisoemflagrante.Apartirdessemomento,devergarantiro respeito aos direitos constitucionais do preso, sob sua custdia no menor tempo possvel, atquesejaapresentadoaodelegadodepolciaresponsvelpelalavraturadoautode prisoemflagrante,desdeque,evidentemente,acondutaanalisadapreviamenteno tenha configurado crime militar circunstncia que enseja a realizao do ciclo completo de polcia sob responsabilidade de autoridade policial-militar competente.Emrazodessaatuaoimediatadiantedocasoconcreto,compoderdedecisono exercciodeautoridadepolicial,lvaroLazzariniobservaqueopolicialmilitar encarregadodaaplicaodalei,ou"lawenforcement",naalocuoqueinclui"todosos agentesdalei,quernomeados,quereleitos,queexerampoderespoliciais, especialmente poderes de priso ou deteno" de acordo com o Comit Internacional da Cruz Vermelha, a propsito doartigo 1 doCdigo de Conduta para os Encarregados da Aplicao da Lei5. 5. Atuao na fase da represso imediata e o apoio Justia Criminal Oresultadodetodaaatividadepolicialdecombatecriminalidadevaidesembocarna Justia Criminal, que o seu desaguadouronatural. Eno poderia ser diferente, pois no Estado Democrtico de Direito em que vivemos, inviolvel o direito vida, liberdade, igualdade, segurana e propriedade, conforme art. 5, "caput", da Constituio Federal, destacando-seosmandamentos:"ningumserprivadodaliberdadeoudeseusbens semodevidoprocessolegal"e"ningumserconsideradoculpadoatotrnsitoem julgadodesentenapenalcondenatria",nostermosdosincisosLIVeLVIIdomesmo dispositivo constitucional. Porisso,opolicialmilitardeveanalisarcombastantecuidadoaexpressopopularque representaoanseiodasociedadepormaiorefetividadenapersecuopenal:"aPolcia prende, mas a Justia solta...". Na verdade, um trabalho policial mal desenvolvido ainda na fasedeatendimentodeumaocorrnciaounaatuaologoapsaprticadainfrao penal, por desconhecimento do aspecto pragmtico do direito, pode inviabilizar mais tarde uma sentena condenatria.O policial militar, operador do direito, deve compreender como funciona a Justia Criminal, conhecer a mecnica do processo penal, exatamente o seu aspecto instrumental; precisa estar consciente de que o juiz, apesar do esforo constante da busca da verdade real, ser obrigadoaabsolveroacusadocasonodisponhadeprovassuficientesparaa condenao,emrespeitoaoprincpiodaprevalnciadointeressedoru,que representado na expresso latina: in dubio pro reo.Opolicialmilitardeveteranoodeque,nocontextodapersecuopenal,como expresso do exerccio do "jus puniendi" do Estado, ele prprio parte integrante deum dosrgosdochamado"SistemaCriminal",nemmaisenemmenosimportanteque outros, somando esforos junto aos demais rgos policiais, rgos do Ministrio Pblico e doPoderJudicirio.Portanto,oseutrabalhonoisoladoe,aocontrriodopont ode vista centralizador que por vezes se faz observar - como se esgotasse a persecuo penal o ato policial bem sucedido representado nas frases: "prendemos", "desvendamos o crime" -, deve prevalecer, acima de tudo, a preocupao com o aspecto de colaborao com os rgos que prosseguiro na fase processual.Essaavisotemporaldenecessriaamplitude,quantodimensodaatividadedos outrosrgosquetmemcomumaoperaododireito,inclusiveparaqueopolicial militarseconscientizedequea"ocorrncia"noseencerrasimplesmentecomos registrosnodistritopolicialou,ento,maisrecentemente,comalavraturadoTermo Circunstanciadopeloprpriopatrulheiro,noscasosdasinfraespenaisdemenor potencial ofensivo, nas reas de circunscrio policial militar em que foi implementado tal procedimento.Semdesconsideraraimportnciadaatuaopolicialmilitarantesdaprticadodelito, exatamentenosentidodeevit-lo,certoqueaPolciaMilitarparticipadiretaou indiretamente de todo o ciclo da persecuo penal, desde o atendimento da ocorrncia em queseconstataaprticadedelitoatoefetivocumprimentodeeventualsentena condenatria daquele que foi submetido a processo penal, seno vejamos: o policial militar d voz de priso, quando conclui pela prtica deinfrao penal em estado de flagrncia; preservaolocaldocrime,garantindoaintegridadeeainviolabilidadedasprovasque sero colhidas pela polcia tcnica; por vezes colhe imediatamente, ele prprio, provas que podem se perder em pouco tempo, a fim de queno ocorram prejuzos aos trabalhos da JustiaCriminal;relacionatestemunhasnocalordosfatos,antesqueseesgotea oportunidadedefaz-lo;oseuregistrodaocorrncianormalmenteanalisadocom grandeatenopelaautoridadejudiciriae,porconseguinte,capazdeinfluenciaro convencimento sobre a configurao da prtica delituosa; o testemunho dopolicial militar constituiquasesempreumdosprincipaiselementosdainstruodoprocessoemrazo de que ele, via de regra, a primeira autoridade que chega ao local dos fatos - por isso ele compareceraofrumparaprestardepoimento...Eainda,comonobastasse,tambm ser um policial militar o responsvel pela escolta de rus presos, em situaes definidas em normas administrativas, pela segurana externa dos estabelecimentos prisionais e pelo apoionecessrioaocumprimentodemandadosjudiciais,dentreoutrasatividades imprescindveis garantia da segurana dos trabalhos desenvolvidos em juzo criminal. 6. Formao jurdica do policial militar Nosedesprezaaimportnciadaprticapolicial-militar,daculturaadquiridapela experinciacotidianadopoliciamentoostensivo,uniformizado,quenenhumaoutra instituio civil ou militar possui. E esta deve ser cultivada e perpetuada, como vem sendo feito,naformadepadronizaodeprocedimentosoperacionais.Mas,umpolicialmilitar em atuao, quenopossua o mnimo necessrio do conhecimento jurdico preconizado nos cursos de formao da Polcia Militar, ser comparvel a um msico tocando em uma orquestra sem saber ler partitura, ou com um instrumento desafinado: por maior que seja suaintimidadecomoinstrumentomusical,nopoderconvenceratodososouvintes, menosaindaaosoutrosmsicos.Simbolicamente,essaorquestracorrespondeao SistemaCriminaleosdiferentesnaipesdeinstrumentoscorrespondemaosrgoscom participaonociclodapersecuopenal;porisso,somentehaverharmoniasecada grupo executar corretamente a parte que lhe cabe.Aformaojurdicadopolicialmilitarvemsendoprestigiadanosdiversoscursosde formaoedeaperfeioamentodaPolciaMilitar.Praticamentemetadedacargahorrio dos cursos no mbito da Instituio composta por matrias voltadas Cincia do Direito, com nfase na sua aplicao durante a atividade policial.Aafinidadecomtaismatriaseoreconhecimentodesuaimportnciafazcomque diversospoliciaismilitares,destacadamenteosoficiais,busquemoaperfeioamento pessoalconcluindoobachareladoemDireito,vezqueasFaculdadesaproveitamas matriasministradasnaAcademiadePolciaMilitardoBarroBrancoevriosconcluem, ainda,cursosdeps-graduao.Mesmosemumlevantamentocompletosobreessa formaoacadmicadeiniciativaindividual,possvelafirmar quebem maisdametade dosOficiaisdaPolciaMilitarpossuibachareladoemCinciasJurdicasevriosso, inclusive, ps-graduados. Sobre a importncia do estudo do direito para a atuao profissional, tambm importante frisarquecadaUnidadecontacomumOficialChefedeSeodeJustiaeDisciplina, juntoaumaequipedepraas,queresponsvelpeloandamentodosprocedimentos administrativos apuratrios, disciplinares e de polcia judiciria militar na respectiva rea de circunscrio, ou de competncia prpria em razo do comando local, mantendo constante contatocomoutrosoperadoresdodireitonaesferaadministrativaoupenalmilitar.Toda essaestrutura,aliadaaumaCorregedoriabemorganizada,foifortalecidacoma implantao,nadcadade90,dosPlantesdePolciaJudiciriaMilitar(PPJM),com funcionamentonosComandosregionais,foradohorriodeexpediente,hoje implementados em todo o Estado de So Paulo, com excelentes resultados.Almdeparticipardireta,ouindiretamente,desseverdadeirosistemadeJustiae Disciplina,nacondiodeencarregadodeInvestigaesPreliminareseSindicncias,de InquritosPoliciaisMilitareseeventuaisAutosdePrisoemFlagranteDelitodecrime militareProcessosdeDesero,deProcessosDisciplinares-inclusiveintegrando Conselhos de Disciplina ou de Justificao para possvel ato de demisso ou expulso -, o OficialdaPolciaMilitarconcorreperiodicamente,mediantesorteio,atuaonos ConselhosdasAuditoriasdaJustiaMilitarEstadual,parafuncionarcomo juizintegrante dessesrgos colegiadosdejulgamentodecrimes militares, soboregimentoprprioda Justia Castrense. Emtempo,particularmentenasatividadesespecializadas,aexemplodopoliciamento ambientaledopoliciamentorodovirio,cresceaindamaisaexignciadeconhecimento tcnico especfico, demandando cursos de especializao a que se submetem os policiais militaresqueatuamnessasreas,oqueaumentaocontatocomasCinciasJurdicas, medianteestudodirigidosuaaplicaoemdeterminadamodalidadedefiscalizao. Expande-se,porconseqncia,ainterfacecomgruposdeatuaoespecializadade outros rgos pblicos, tambm operadores do direito, envolvidos na mesma temtica. 7. Concluso O policial militar, em qualquer nvel hierrquico, opera constantemente o direito, na forma mais viva que se possa imaginar. Lida diretamente com a realidade dos conflitos sociais, prprios das relaes humanas e deve decidir de imediato, como "juiz do fato", com base noordenamentojurdico.Suaresponsabilidadegrande,poiscarregaopesodas decisesdequemnormalmentechegaprimeiroaolocaldosfatos,naflagrnciados acontecimentos, personificando o poder do Estado perante a sociedade que o identifica de imediato em razo do uso do uniforme. Comoencarregadodaaplicaodalei,opolicialmilitaroperanaturalmenteodireito, atuando em situaes de conflito ou em circunstncias que lhe exigem domnio de normas especficas,tantonaatividadeoperacionalquantonasatividadesdesuporteedeapoio administrativo. Essa ao to espontnea no cotidiano do policial militar, que por vezes ele prprio pode no perceber a relevncia do estudo, principalmente, dos ramos do direito constitucional,administrativo,penal,processualpenalecivil,dentreoutros.Porisso,os cursosdeformaoedeaperfeioamentodaPolciaMilitartmdestacado,comnfase em seus currculos, as matrias relacionadas ao direito.Defato,oprincipalinstrumentodetrabalhodopolicialaimediatainterpretaodalei, paradesenvolverumacapacidadedetomardecisesrpidasecoerentes,sobreuma plataformadeconhecimentospreviamenteadquiridos,solucionandoconflitosoudando prontaresposta,pormeiodesuasaes,aoanseiodacoletividade.Existiriamelhor expresso para a prtica de "operar o direito"? Notas 1 Estudos de Direito Administrativo. 2. ed. So Paulo: RT, 1999, p. 203. 2 Direito Administrativo da Ordem Pblica. 2. ed., Rio de Janeiro : Forense, 1987, p. 130. 3 Curso de Direito Administrativo. 14. ed. So Paulo : Malheiros. 2001. p. 821. 4 Direito administrativo. 15. ed. So Paulo : Atlas, 2002. p. 116. 5 Artigo: Poder de Polcia e Direitos Humanos, A Fora Policial, n 30, So Paulo, 2001, p. 16. Bibliografia: DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 15. ed. So Paulo : Atlas, 2002. LAZZARINI, lvaro. Estudos de direito administrativo. 2. ed. So Paulo : RT, 1999. ------- Temas de direito administrativo. So Paulo : RT, 2000. -------PoderdePolciaeDireitosHumanos,revistaAForaPolicial,n30.SoPaulo, 2001. LAZZARINI, lvaro et alii. Direito administrativo da ordem pblica. 2. ed., Rio de Janeiro : Forense,1987. MELLO,CelsoAntnioBandeira.Cursodedireitoadministrativo.14.ed.SoPaulo: Malheiros.2001. MIRABETE, Jlio Fabrini. Processo penal. 13. ed. So Paulo : Atlas, 2002. NOGUEIRA,PauloLcio.Cursocompleto deprocessopenal.5.ed.SoPaulo:Saraiva, 1991. NORONHA,EdgardMagalhes.Cursodedireitoprocessualpenal.22.ed.SoPaulo: Saraiva, 1994. NUCCI,GuilhermedeSouza.Cdigodeprocessopenalcomentado.SoPaulo:RT, 2002. RAMOS,AdemirAparecido.APolciaMilitareopoderdepolcia,naatividadede seguranapblica, no cumprimento de mandado de busca e apreenso. Monografia CSP II, 2003. SCARANCE FERNANDES, Antonio. Processo penal constitucional. So Paulo : RT, 1999. TOURINHOFILHO,FernandodaCosta.Processopenal.19.ed.SoPaulo:Saraiva, 1997. v. 1. Autor Adilson Lus Franco Nassaro Major da Polcia Militar de So Paulo, bacharel em Direito, ps-graduado em Direito Processual Penal na Escola Paulista da Magistratura, mestrando em Histria (UNESP).Informaes sobre o texto Como citar este texto (NBR 6023:2002 ABNT): NASSARO, Adilson Lus Franco. O policial militar operador do Direito. Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1336, 27 fev. 2007 . Disponvel em: . Acesso em: 29 mar. 2013.