Texto Para o Ponto Nº2 Teoria Jurídica Da Empresa

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Faculdade de Direito da Ucsal Direito Comercial I – 1º Semestre de 2008 Prof. Ninaldo Aleluia Costa Texto para o ponto nº 2 Teoria Jurídica da Empresa 1. Surgimento 1.1 A teoria do ato de comércio Na Itália, em 1942, sob o regime fascista de Benito Mussolini, surge um novo sistema de regulação das atividades econômicas dos particulares. Inaugura-se, assim, a terceira fase da evolução do direito comercial. Já se passara mais de um século desde a promulgação do “Código Comercial de Napoleão” (1807), que consagrava a teoria do ato de comércio, servindo de marco inicial para a segunda fase do direito Comercial (fase objetiva – do ato de comércio). No Brasil o Código Comercial de 1850 (cuja primeira parte foi revogada com a entrada em vigor do código civil de 2002 – art 2.045) sofreu forte influência da teoria do ato de comércio. Em sua vigência o direito comercial cuidava de certas atividades que fossem consideradas atos de comércio e era considerada comerciante a pessoa que exercesse de forma habitual e profissional alguma dessas atividades. Chegamos a ter uma lista dos atos de comércio que constou de regulamento baixado na mesma época da edição do Código Comercial de 1850 (o Regulamento 737/1850, depois revogado em 1875). Observa Rubens Requião: “O estudo dos atos de comércio não era destituído de interesse prático no direito comercial brasileiro. Podia não apresentar a importância de que se revestia em outros países, de que a França seria um exemplo, onde a permanência dos Tribunais de Comércio, conseqüente da especialização da jurisdição comercial, impõe atenção para o conceito diferencial entre o ato de comércio e o ato civil, 1

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Direito comercial ou Direito empresarial é um ramo do direito privado que pode ser entendido como o conjunto de normas disciplinadoras da atividade negocial do empresário, e de qualquer pessoa física ou jurídica, destinada a fins de natureza econômica, desde que habitual e dirigida à produção de bens ou serviços conducentes a resultados patrimoniais ou lucrativos, e que a exerça com a racionalidade própria de "empresa", sendo um ramo especial de direito privado.

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Faculdade de Direito da UcsalDireito Comercial I – 1º Semestre de 2008Prof. Ninaldo Aleluia Costa

Texto para o ponto nº 2

Teoria Jurídica da Empresa

1. Surgimento

1.1 A teoria do ato de comércio

Na Itália, em 1942, sob o regime fascista de Benito Mussolini, surge um novo sistema de regulação das atividades econômicas dos particulares. Inaugura-se, assim, a terceira fase da evolução do direito comercial. Já se passara mais de um século desde a promulgação do “Código Comercial de Napoleão” (1807), que consagrava a teoria do ato de comércio, servindo de marco inicial para a segunda fase do direito Comercial (fase objetiva – do ato de comércio). No Brasil o Código Comercial de 1850 (cuja primeira parte foi revogada com a entrada em vigor do código civil de 2002 – art 2.045) sofreu forte influência da teoria do ato de comércio. Em sua vigência o direito comercial cuidava de certas atividades que fossem consideradas atos de comércio e era considerada comerciante a pessoa que exercesse de forma habitual e profissional alguma dessas atividades. Chegamos a ter uma lista dos atos de comércio que constou de regulamento baixado na mesma época da edição do Código Comercial de 1850 (o Regulamento 737/1850, depois revogado em 1875).Observa Rubens Requião: “O estudo dos atos de comércio não era destituído de interesse prático no direito comercial brasileiro. Podia não apresentar a importância de que se revestia em outros países, de que a França seria um exemplo, onde a permanência dos Tribunais de Comércio, conseqüente da especialização da jurisdição comercial, impõe atenção para o conceito diferencial entre o ato de comércio e o ato civil, para determinação da competência. Esse problema de competência jurisdicional deixou de existir no Brasil, desde 1875, quando, pelo Decreto Imperial n.2.662, foram extintos os Tribunais de Comércio instalando-se, definitivamente, a unidade do nosso direito processual. O problema relativo ao ato de comércio, em decorrência deixou de ser agudo. Permanecia, todavia, esse interesse, embora amesquinhado, em função da aplicação dos princípios e prazos de prescrição, capitulados nos arts. 441 a 456 do Código Comercial. Temos a considerar, ainda, que, em face da antiga dicotomia do direito privado brasileiro, por diversas oportunidades, o intérprete deve (entende-se devia) descer à indagação da comercialidade da prática de alguns atos realizados em massa para definir como mercantil determinada profissão ou sociedade, a fim de lhe conceder, ou negar, certos direitos ou privilégios, de que são exemplos os institutos da falência, da concordata preventiva, (hoje substituída pela recuperação judicial ou extrajudicial de empresa – Lei nº 11.101/2005), a proteção do fundo de comércio pela manutenção do “ponto” (arts. 51 a 57 da Lei n.8.245, de 18-10-1991). Ora, além do mais, para qualificarmos uma pessoa como comerciante necessitávamos perquirir se se dedicava profissionalmente à mercancia (C. Comercial, art.4º), cujo conceito decorre (idem, decorria) da prática de diversos

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atos de comércio enumerados no art.19 do velho Regulamento n.737, de 1850” (“Curso de Direito Comercial” – São Paulo: Saraiva, 2003, p.35/36).A teoria objetiva do ato de comércio, pela qual se incluíam no campo do direito comercial apenas a compra e venda de bens móveis ou semoventes, no atacado ou varejo, para revenda ou aluguel; a indústria; os bancos; a logística; os espetáculos públicos; o seguro; a armação de expedição de navios, por ser mais estreita, como veremos adiante, já se encontrava defasada em relação à realidade que constituía o campo de incidência do direito comercial.

1.2. O alargamento do âmbito de incidência do direito comercial com a teoria da empresa

A teoria da empresa veio alargar o âmbito de incidência do direito comercial, passando as atividades de prestação de serviços e as ligadas à terra a se submeterem às mesmas normas aplicáveis às até então consideradas comerciais. O direito comercial, na verdade, deixa de cuidar de determinadas atividades (as de mercancia ou atos de comércio) e passa a disciplinar uma forma específica de produzir ou circular bens ou serviços, a empresarial.

1.3. O Contexto histórico e político em que surgiu a teoria da empresa

Expõe Fábio Ulhoa Coelho: “O mundo estava em guerra e, na Itália, governava o ditador fascista Mussolini. A ideologia fascista não é tão sofisiticada como a comunista, mas um pequeno paralelo entre ela e o marxismo ajuda a entender a ambientação política do surgimento da teoria da empresa. Por essas duas concepções ideológicas, burguesia e proletariado estão em luta; elas divergem sobre como a luta terminará. Para o marxismo, o proletariado tomará o poder do Estado, expropriará das mãos da burguesia os bens de produção e porá fim às classes sociais (e, em seguida, ao próprio Estado), reorganizando-se as relações de produção. Já para o fascismo, a luta de classes termina em harmonização patrocinada pelo estado nacional. Burguesia e proletariado superam seus antagonismos na medida em que se unem em torno dos superiores objetivos da nação, seguindo o líder (duce), que é interprete e guardião desses objetivos. A empresa, no ideário fascista, representa justamente a organização em que se harmonizam as classes em conflito. Vale salientar que Asquini, um dos expoentes da doutrina comercialista italiana, ao tempo do governo fascista, costumava apontar como um dos perfis da empresa “o corporativo”, em que se expressava a comunhão de propósito de empresários e trabalhadores. A teoria da empresa acabou se desvencilhando das raízes ideológicas fascistas. Por seus méritos jurídico–tecnológicos, sobreviveu à redemocratização da Itália e permanece delimitando o direito comercial daquele país até hoje. Também por sua operacionalidade, adequada aos objetivos da disciplina da exploração de atividades econômicas por particulares no nosso tempo, a teoria da empresa inspirou a reforma da legislação comercial de outros países de tradição jurídica romana, como a Espanha em 1989”. – (“Manual de Direito Comercial”) –16.ed. rev. e atual. – São Paulo: Saraiva 2005. p. 8/9).

1.4. A teoria póliédrica da empresa (Asquini)

Alberto Asquini definiu a empresa como um fenômeno econômico poliédrico com quatro perfis: objetivo, subjetivo, corporativo e funcional. O perfil objetivo consistiria no

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estabelecimento, a base patrimonial da empresa, o conjunto de bens corpóreos e incorpóreos reunidos pelo empresário para o desenvolvimento de uma atividade econômica. O perfil subjetivo corresponderia ao próprio empresário, o sujeito de direito, o exercente da atividade autônoma, de caráter organizativo e com assunção de risco. O perfil corporativo consiste em que a empresa é considerada uma instituição, na medida em que reúne pessoas – empresário e seus empregados – com propósitos comuns. O perfil funcional corresponderia à visão da própria atividade econômica organizada pelo empresário para a produção e circulação de bens ou serviços. É o elemento dinâmico-estrutural da organização, que consiste em reunir os recursos (fatores de produção) e produzir bens ou serviços com destino ao mercado.Fábio Ulhoa Coelho faz a seguinte crítica a tal teoria: “A visão multifacetária da empresa proposta por Asquini, sem dúvida, recebe apoio estusiasmado de alguma doutrina (entre nós, Marcondes, 1977 /718), mas dos quatro perfis delineados apenas o funcional realmente corresponde a um conceito jurídico próprio (cf. Ferrara, 1945:90/ 91). Os perfis subjetivo e objetivo não são mais que uma nova denominação para os conhecidos institutos de sujeito de direito e de estabelecimento comercial. O perfil corporativo, por sua vez, sequer corresponde a algum dado da realidade, pois a idéia de identidade de propósitos a reunir na empresa proletárias e capitalista apenas existe em ideologias populistas de direita, ou totalitárias (como a fascista, que dominava a Itália na época)”. –“Curso de Direito Comercial”. v.1.3.11. ed. rev. e atual; São Paulo: Saraiva, 2007.p.19.

1.5. A teoria da empresa no direito positivo brasileiro (Código Civil de 2002)

Com a promulgação do Código Civil de 2002, abandonou-se definitivamente no direito positivo brasileiro a teoria dos atos de comércio, (teoria objetiva), passando-se a adotar a Teoria da Empresa (teoria subjetiva moderna). Assinale-se que, em que pese a adoção definitiva dessa teoria ter se dado somente com o Código Civil de 2002, já vinha ela sendo adotada em algumas leis extravagantes, bem assim pela doutrina e pela jurisprudência, flexibilizando-se dessa forma a teoria mais restrita do ato de comércio. Assinala José Marcelo Martins Proença que “isto ocorria em razão da evolução operada no comércio mundial, notadamente com a difusão e crescente importância da prestação de serviços”. (“Direito Comercial”, v.1 – São Paulo: Saraiva, 2005. p. 7).A teor do art. 966 do Código Civil, que inaugura o livro II dedicado ao direito de empresa “considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.” Infere-se daí que a empresa é a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços e o empresário quem a exerce profissionalmente. Portanto, dos perfis propostos por Asquini, apenas o funcional foi adotado pelo Codex brasileiro para conceituar a empresa, pois o empresário, que seria o perfil subjetivo, é o mesmo sujeito de direito que antes exercia profissionalmente a atividade comercial (prática reiterada e profissional de atos de comércio) e hoje exerce profissionalmente a atividade econômica organizada (articula os fatores da produção, que, no sistema capitalista, são quatro: capital, mão-de-obra, insumo e tecnologia, para a produção ou a circulação de bens ou de serviços); o estabelecimento, é o mesmo estabelecimento comercial ou fundo de comércio já existente e conceituado como o conjunto de elementos utilizados pelo comerciante para atrair a clientela, a fim de obter sucesso na sua atividade, elementos estes que têm valor, patrimonial (valem dinheiro, podem ser negociados pelo comerciante, hoje empresário, em conjunto ou por partes); devendo ser observado que o

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hoje denominado estabelecimento empresarial, em decorrência do alargamento do âmbito do direito comercial com a teoria da empresa, alcança uma maior amplitude e passa a ser “o complexo de bens organizados, para exercício da empresa” (art.1.142 – C. Civil ) pelo empresário, devendo expandir-se muito mais, graças, especialmente, ao impulso proporcionado pelo hoje vertiginoso progresso tecnológico; o perfil corporativo, então, nem deve ser levado em consideração porque, como observa Fábio Ulhoa Coelho, em crítica procedente já transcrita integralmente linhas atrás, “sequer corresponde a algum dado da realidade, pois a idéia de identidade de propósito a reunir na empresa proletários e capitalistas apenas existe em ideologias populistas de direita ou totalitárias (como a fascista, que dominava a Itália na época)”.Mas o Código Civil de 2002, conquanto adote o conceito funcional de empresa abandonando os outros perfis apontados por Asquini, no Livro II, dedicado ao “direito de empresa”, regula o empresário (titulo I), a sociedade empresária (titulo II), o estabelecimento (titulo III), os institutos complementares (o registro, o nome empresarial, os prepostos, a escrituração – titulo IV), não deixando, portanto, de regular qualquer matéria relacionada à atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços (a empresa vista como atividade) e ao profissional que a exerce (o empresário – individual ou sociedade empresária),tudo isso constituindo o campo do direito comercial.

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