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1 PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DIRETRIZES CURRICULARES: O QUE TEMOS CONSOLIDADO? 1 1 – INTRODUÇÃO A Secretaria Municipal de Educação de Vitória possui uma trajetória significativa de elaboração de Orientações Curriculares, expressa nos documentos: Educação Infantil: um outro olhar (2006), Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental (2004) e Proposta de Implementação da Modalidade de Educação de Jovens e Adultos no Município de Vitória (2007). Entretanto, consideramos que é necessário incorporar a estes documentos, as alterações oriundas dos diversos ordenamentos legais e dos novos resultados de pesquisas no campo da educação em geral e do currículo, especificamente. Outra questão pertinente é a implantação da modalidade de Educação de Jovens e Adultos a partir de 2007 e a necessidade da oficialização de um documento orientador do trabalho desenvolvido nesta modalidade. Considerando ainda os debates acerca da Educação Básica, garantida na Lei 9394/96, temos o desafio de pensar as duas primeiras etapas deste nível de ensino (Educação Infantil e Ensino Fundamental) e a modalidade Educação de Jovens e Adultos, de forma articulada e integrada. Por isso, estamos convocando toda a comunidade escolar do Sistema Municipal de Educação de Vitória para participar do processo de reelaboração do documento das Diretrizes Curriculares da Educação Infantil e do Ensino Fundamental e da elaboração das Diretrizes Curriculares da Educação de Jovens e Adultos. Não vamos fazer o árduo trabalho de quem começa do zero. Temos um caminho trilhado, reflexões construídas e práticas consolidadas pelo e no coletivo escolar. Neste texto faremos o exercício de olhar, revisitar e ressignificar esta construção e buscar formas de avançar no sentido de garantir, não a uniformidade e homogeneidade, mas a coerência dos princípios epistemológicos e políticos no trabalho que é realizado em nossas escolas. Na Educação Infantil, a discussão sobre proposta curricular é fomentada desde 1992 2 na Secretaria Municipal de Educação. Embora fosse necessário analisar as concepções, conteúdos e princípios 1 Busca-se com este texto proceder a uma análise dos documentos: “Educação Infantil: um outro olhar”, “Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental” e “Proposta de Implementação da Modalidade EJA no Município de Vitória”, fazendo uma análise destes e apontando os pontos comuns, para que os profissionais da educação discutam em suas Unidades de Ensino, o que poderá ser mantido, o que deve ser aprimorado, o que poderá ser excluído e/ou incluído, se for o caso. Desta forma serão retomados os princípios e/ou conceitos presentes nestes documentos para que a comunidade escolar, que forma o Sistema Municipal de Educação de Vitória possa fazer uma análise dos mesmos, indicando elementos que deverão permanecer no Documento Final das Diretrizes Curriculares da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos. 2 Ano que deu-se início à elaboração da proposta curricular na educação infantil, na transferência das crianças de 0 a 6 anos da Secretaria de Assistência Social para a Secretaria de Educação.

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PREFEITURA MUNICIPAL DE VITÓRIA

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO

DIRETRIZES CURRICULARES: O QUE TEMOS CONSOLIDADO? 1

1 – INTRODUÇÃO

A Secretaria Municipal de Educação de Vitória possui uma trajetória significativa de elaboração de

Orientações Curriculares, expressa nos documentos: Educação Infantil: um outro olhar (2006),

Diretrizes Curriculares para o Ensino Fundamental (2004) e Proposta de Implementação da

Modalidade de Educação de Jovens e Adultos no Município de Vitória (2007). Entretanto,

consideramos que é necessário incorporar a estes documentos, as alterações oriundas dos diversos

ordenamentos legais e dos novos resultados de pesquisas no campo da educação em geral e do

currículo, especificamente.

Outra questão pertinente é a implantação da modalidade de Educação de Jovens e Adultos a partir de

2007 e a necessidade da oficialização de um documento orientador do trabalho desenvolvido nesta

modalidade. Considerando ainda os debates acerca da Educação Básica, garantida na Lei 9394/96,

temos o desafio de pensar as duas primeiras etapas deste nível de ensino (Educação Infantil e Ensino

Fundamental) e a modalidade Educação de Jovens e Adultos, de forma articulada e integrada.

Por isso, estamos convocando toda a comunidade escolar do Sistema Municipal de Educação de

Vitória para participar do processo de reelaboração do documento das Diretrizes Curriculares da

Educação Infantil e do Ensino Fundamental e da elaboração das Diretrizes Curriculares da Educação

de Jovens e Adultos. Não vamos fazer o árduo trabalho de quem começa do zero. Temos um

caminho trilhado, reflexões construídas e práticas consolidadas pelo e no coletivo escolar. Neste

texto faremos o exercício de olhar, revisitar e ressignificar esta construção e buscar formas de

avançar no sentido de garantir, não a uniformidade e homogeneidade, mas a coerência dos

princípios epistemológicos e políticos no trabalho que é realizado em nossas escolas.

Na Educação Infantil, a discussão sobre proposta curricular é fomentada desde 19922 na Secretaria

Municipal de Educação. Embora fosse necessário analisar as concepções, conteúdos e princípios

1 Busca-se com este texto proceder a uma análise dos documentos: “Educação Infantil: um outro olhar”, “Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental” e “Proposta de Implementação da Modalidade EJA no Município de Vitória”, fazendo uma análise destes e apontando os pontos comuns, para que os profissionais da educação discutam em suas Unidades de Ensino, o que poderá ser mantido, o que deve ser aprimorado, o que poderá ser excluído e/ou incluído, se for o caso. Desta forma serão retomados os princípios e/ou conceitos presentes nestes documentos para que a comunidade escolar, que forma o Sistema Municipal de Educação de Vitória possa fazer uma análise dos mesmos, indicando elementos que deverão permanecer no Documento Final das Diretrizes Curriculares da Educação Infantil, do Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos.

2 Ano que deu-se início à elaboração da proposta curricular na educação infantil, na transferência das crianças de 0 a 6 anos da Secretaria de Assistência Social para a Secretaria de Educação.

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filosóficos da referida proposta, foi em 2006, com todos os profissionais envolvidos no trabalho

pedagógico da Educação Infantil que se optou pela elaboração de um “[...] documento que

caracterizasse melhor a identidade política e pedagógica que se desejava imprimir ao trabalho da

Educação Infantil no Município de Vitória” (EI, p.14). Desse modo, tal documento, elaborado por

várias vozes, sujeitos inseridos no processo histórico, estabeleceu bases teóricas, metodológicas e

políticas sem negar a experiência acumulada no município para aquele processo histórico. Um

formato “que explicitasse a opção por um documento e não pela reformulação da proposta curricular

existente”.(EI, p.15). Ao longo desse trilhar, o documento debatido internamente em formações foi

ressignificando as concepções de infância, linguagem, brincar, dentre outras questões. O mesmo foi

encaminhado ao Ministério de Educação, em 2007, e contribuiu na discussão das Diretrizes

Curriculares Nacionais para a Educação Infantil em 2008 e 2009.

A iniciativa de sistematização das Diretrizes Curriculares do Ensino Fundamental (2004) emergiu

dos estudos e reflexões realizados pelas professoras e pelos professores participantes do Programa

de Formação Continuada, desenvolvido pela Secretaria de Educação a partir do segundo semestre de

2001 (de 1ª a 4ª série) e início de 2002 (de 5ª a 8ª Série), coordenado por uma equipe de

professores(as) junto aos seus pares. A iniciativa de formação pautava-se em encontros de estudo e

reflexão a partir do Projeto de Formação Continuada de Professores denominado “Parâmetros em

Ação”, focado na análise crítica dos pressupostos políticos, epistemológicos e pedagógicos dos

Parâmetros Curriculares Nacionais. A Equipe foi composta por 02 (dois) professores de cada

componente curricular, juntamente com a participação de um grupo de professoras(es) que atuavam

nas séries iniciais. Os encontros aconteceram com uma periodicidade quinzenal e a partir da

avaliação realizada, envolvendo o conjunto de professores(as) que atuavam nestes níveis de ensino,

constatou-se que uma das principais demandas apontadas pela avaliação, dizia respeito à

reestruturação das Diretrizes Curriculares do Município de 1995, incorporando perspectivas plurais

de compreensão de currículo.

Em relação à Educação de Jovens e Adultos (EJA), ela foi implementada em 2007, ano em que, uma

das 20 escolas que atualmente ofertam a EJA, declararam seus alunos no Censo Escolar como

pertencentes a essa modalidade de ensino. O processo de implementação e construção de uma

proposta específica para a EJA surge no momento em que os profissionais reconhecem a

necessidade de rever a oferta noturna semestral (2005). A obrigatoriedade de 200 dias letivos, 800

horas e 75 % de frequência são aspectos ilustrativos de que as normas de funcionamento válidas

para as escolas diurnas, destinadas a estudantes em idade escolar obrigatória, não são simplesmente

adaptáveis à escola noturna e/ou à EJA. A proposta de implementação da modalidade foi elaborada

no final de 2007, sendo discutida nos anos seguintes em várias oportunidades: formação nas escolas,

formação por agrupamentos de escola e nos Seminários de Avaliação da EJA.

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2 – O DESAFIO DE ELABORAR UM DOCUMENTO COMUM PARA A EDUCAÇÃO

INFANTIL, ENSINO FUNDAMENTAL E EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

A construção ou reconstrução de Diretrizes Curriculares implica no reconhecimento da existência

de diferentes sujeitos e de diferentes gerações, no contexto educativo.

A atuação na Creche (0 - 3 anos), Pré-Escola (4 – 5 anos), Ensino Fundamental (6 - 14 anos),

perpassados pela modalidade Educação de Jovens e Adultos (a partir dos 15 anos), requer uma visão

ampla dos processos educacionais necessários para cada etapa da educação, bem como um olhar

diferenciado para entender as contribuições e demandas que os sujeitos, enquanto indivíduos e

enquanto geração, trazem para o cenário educativo.

Historicamente, a criança sempre foi vista como incompleta, imperfeita e imatura demarcando uma

concepção de criança como apenas um ente biopsicológico, em vias de desenvolvimento, sendo

considerada como adultos em miniatura que precisava ser preparada para o futuro e a infância

somente reconhecida como um estágio em desenvolvimento. Hoje, tem-se um conceito diferente da

criança e da infância. De acordo com Benjamin (2002), a criança é um indivíduo social, capaz de ver

o mundo com seus próprios olhos. Para ele, a criança não é vista de maneira romântica ou ingênua,

mas alguém inserida na história, numa classe social. Nessa ideia, a criança reconstrói o mundo

baseada em sua experiência infantil. Por isso, é sujeito em processo de criação e revela todo o seu

potencial. Reconhecê-la enquanto sujeito da história é entrelaçar a voz das crianças com a dos

adultos.

Esse olhar voltado às crianças e ao período da infância no qual vivem é também estendido ao

período de juventude e adultez, vivenciado por jovens e adultos.

A juventude é também uma construção social, situada historicamente e determinada pela cultura de

cada época, local, classe, etnia, gênero e assim por diante. Lidar com os jovens e com as juventudes

abrange a reflexão sobre a amplitude do que é ser jovem, para o próprio jovem e para a sociedade na

qual ele vive, muito além do conhecido determinismo etário. Desse modo, a não restrição etária

permite a compreensão dos jovens, considerando outros aspectos fundamentais, como a classe

social, o gênero, a etnia, dentre outros. Isso porque um jovem com condições financeiras que pode

se dedicar exclusivamente aos estudos não é o mesmo jovem que precisa trabalhar para se manter ou

ajudar a família. São juventudes distintas que trazem características comuns, como por exemplo, o

desejo de conhecer o mundo.

Podemos compreender a juventude de diferentes maneiras. Uma delas é a de entender o aluno jovem

como um problema, ou seja, como alguém difícil de estabelecer diálogos. Outro modo é o de

entender as necessidades e especificidades da juventude em cada momento histórico.

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A compreensão da diferenciação dessas visões sobre a juventude é importante na medida em que

proporciona o aprofundamento das realidades vivenciadas por esses jovens, na tentativa de

compreender essa geração presente nas escolas para qual o ensino deve corresponder às expectativas

e necessidades.

O jovem do ensino fundamental regular diurno diferencia-se daquele da Educação de Jovens e

Adultos, no que diz respeito às formas e tempos de vivenciar a sua juventude. Os jovens que

demandam a EJA são aqueles que foram excluídos, num determinado momento, dos sistemas de

ensino. Apresentam um tempo maior de escolaridade em relação aos adultos que demandam essa

modalidade, ainda que entrecortado por um significativo número de repetências e de interrupções na

vida escolar. Esses sujeitos jovens geralmente integram-se às etapas de finalização do ensino

fundamental e apresentam maior familiaridade não só em relação aos tempos e espaços escolares,

como também em relação ao contexto urbano.

Além das diversas práticas excludentes do sistema educacional, a entrada precoce no mercado de

trabalho e as pressões por ele exercidas, contribuem para que, cada vez mais, os jovens sejam

direcionados para a EJA em busca de completar a escolaridade, esperando, assim, ampliar suas

chances de melhores colocações no mercado de trabalho e/ou a permanência no emprego.

A EJA tem também como sujeito de suas ações educativas o adulto, trabalhador ou desempregado,

marcado por uma condição de classe. Geralmente migra da zona rural para as periferias das cidades,

normalmente filho de pais analfabetos que ao inserir-se nos meios urbanos, industrializados,

burocratizados e escolarizados, dedica-se a uma atividade profissional pouco qualificada e de baixa

remuneração. Muitos nunca foram à escola ou dela tiveram que se afastar, por motivos diversos, em

função da entrada precoce no mercado de trabalho ou ausência de oferta em suas cidades de origem

e procuram pela escola para iniciar ou prosseguir nos estudos.

O adulto traz para a escola uma experiência de vida mais longa e provavelmente mais complexa que

a das crianças e dos jovens. Carrega consigo uma série de saberes construídos nesta experiência e

tem uma forma peculiar de lidar com o conhecimento, demonstrando, em relação às crianças,

diferentes habilidades e necessidades. Apesar das diferenças existentes entre eles, jovens e adultos,

traços unificam todos esses sujeitos: as condições sociais, a condição de não crianças e de pessoas

que não tiveram acesso à educação na idade obrigatória.

Elaborar propostas pedagógicas para esses diferentes sujeitos requer a flexibilidade necessária para o

atendimento dessas diferenças geracionais, cada qual com suas especificidades, bem como atenção

às diferenças que as perpassam.

Este exercício é necessário tendo em vista o conceito de Educação Básica que estamos assumindo,

embasado numa concepção ampla e sequencial de educação, que tem como premissa a articulação

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efetiva entre suas etapas de ensino (Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio) e as

modalidades de ensino que a permeiam (Educação Especial, Educação de Jovens e Adultos,

Educação Profissional).

A concepção de Educação Básica, para além das definições legais e organizacionais do ensino,

implica, necessariamente, na compreensão e no desenvolvimento da perspectiva da articulação “[...]

que assegurem aos educandos [...] a continuidade de seus processos peculiares de aprendizagem e

desenvolvimento” e das dimensões do educar e do cuidar, inseparavelmente. “Cuidar e educar

significa compreender que o direito à educação parte do princípio da formação da pessoa em sua

essência humana” (CNE/CEB - Resolução nº 04/2010 – grifo nosso).

Esse direito ultrapassa o acesso e permanência nas etapas, isoladamente, para se efetivar no

desenvolvimento integral dos educandos, incorporando as suas especificidades, objetivando a

qualidade do processo educacional. Portanto, a Educação Básica, aqui referida, diz respeito à

educação como direito social, na garantia de acesso, permanência e qualidade, na progressão entre

séries ou ciclos das crianças, jovens e adultos, respeitando as categorias geracionais que a

engendram. Essa incorporação pressupõe que haja uma articulação entre as etapas e modalidades,

sendo esta subsidiada pela promoção cotidiana da inclusão social e o respeito às diversidades.

Nesse sentido, aos nos referirmos à Educação Básica, entendemos que esta incorpora referências

conceituais e legais, constituindo-se como um “[...] desafio para as diferentes instâncias

responsáveis pela concepção, aprovação e execução das políticas educacionais (CNE/CEB -Parecer

nº 07/2010 – grifo nosso).

3 – POR QUE ELABORAR UM DOCUMENTO COM AS DIRETRIZES CURRICULARES?

QUAL O SENTIDO DESTE DOCUMENTO?

A elaboração das Diretrizes Curriculares é hoje uma exigência legal, que pode ser observada no

artigo 9°, inciso IV, da Lei 9394/96 que aponta que a União tem a incumbência de “[...] estabelecer,

em colaboração com os Estados, Distrito Federal e os Municípios, competências e diretrizes para a

educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio que nortearão os currículos e seus

conteúdos mínimos, de modo a assegurar formação básica comum”. As Resoluções da Câmara da

Educação Básica do Conselho Nacional de Educação, que tratam da temática, trazem o seguinte

conceito de Diretriz Curricular Nacional: “constituem-se na doutrina sobre Princípios, Fundamentos

e Procedimentos da Educação Básica, definidos pela Câmara de Educação Básica, do Conselho

Nacional de Educação, que orientarão as Instituições de [educação infantil, ensino fundamental,

educação de jovens e adultos]3 dos Sistemas Brasileiros de Ensino, na organização, articulação,

3 Ao aparecer os colchetes [....] significa que algo foi incluído ou excluído do texto, uma vez que os documentos das diretrizes da Educação Infantil e Ensino Fundamental foram elaborados em separado, e neste texto é feita uma análise dos mesmos, já buscando a articulação entre Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos.

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desenvolvimento e avaliação de suas propostas pedagógicas”. A partir deste conceito geral são

delineadas as diretrizes curriculares para cada etapa e modalidade da Educação Básica.

Contudo, antes de ser uma exigência legal, acreditamos que a elaboração de diretrizes curriculares é

uma exigência vital ao sistema de ensino e às escolas, tendo em vista que estas têm a função de

“orientar as escolas do município na organização, no desenvolvimento, na construção e na avaliação

de suas propostas pedagógicas” (EF, 2004, p. 07).

Complementando a argumentação quanto à importância das Diretrizes Curriculares, este mesmo

documento complementa que: “as ideias contidas nas Diretrizes Curriculares só serão postas em

prática se os professores quiserem. Isso só acontecerá se o material [...] tiver a qualidade suficiente

para funcionar como um referencial e subsidiar com ideias pertinentes sua prática cotidiana”.

As Diretrizes Curriculares devem, assim, expressar um conjunto de princípios filosóficos,

sociológicos, históricos, políticos e culturais que imprimam uma coerência à ação desenvolvida nas

e pelas Unidades de Ensino. Esperamos, portanto, que as Diretrizes se constituam, sobretudo, como

um instrumento de diálogo para a elaboração do projeto de cada escola” (EF, p. 09 e 10).

As Diretrizes Curriculares por si só não produzem mudanças ou alteram a realidade. “Sabemos

todos que a mudança da qualidade para o ensino não será nunca feita apenas pela existência das

Diretrizes Curriculares, elaboradas pelo MEC ou pela SEME, mas pelo conjunto das políticas

públicas federais, estaduais e municipais e, fundamentalmente, pela comunidade escolar em sua

ação cotidiana” (EF p. 10, grifo nosso).

Então, na elaboração das Diretrizes Curriculares se faz necessário um compromisso profissional

ético e político capaz de promover as “bases comuns de reflexão sobre os desafios a serem

superados e sobre as demandas ainda não contempladas”. Torna-se, pois, “imperativa a definição e o

estabelecimento de uma proposta de Educação Infantil, [Ensino Fundamental e Educação de Jovens

e Adultos], considerando as seguintes linhas programáticas:

1. Efetivação de políticas públicas articuladas, motivadas pelo reconhecimento da criança, do

adolescente, do jovem e do adulto e dos trabalhadores da educação como sujeitos de direitos;

2. Reconhecimento da especificidade do trabalho pedagógico no cotidiano da Educação

Infantil, do [Ensino Fundamental e da Educação de Jovens e Adultos] (EI, 2006, p. 28).

De acordo com as Diretrizes Curriculares da Educação Infantil (EI)4 de 2004, este tipo de

documento deve:

4 Neste texto não utilizaremos as regras da ABNT para citação, tendo em vista que o mesmo é baseado nos documentos das diretrizes, e por isso apresenta muitas transcrições. Optamos pois, por citações inseridas no texto. E quando aparecer EF, EI e EJA, estamos nos referindo ao documento do Ensino Fundamental, da Educação Infantil e da Educação de Jovens e Adultos.

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• manifestar o desejo e a discussão coletiva dos diferentes profissionais que atuam nas escolas;

• representar o acúmulo das experiências práticas e teóricas vividas nas escolas;

• apontar a efetivação de políticas públicas articuladas para os alunos que frequentam as

escolas;

• garantir as bases filosóficas e políticas para a construção do projeto político-pedagógico de

cada escola.

E o documento do Ensino Fundamental afirma que o objetivo das Diretrizes Curriculares deve se

aproximar do agir cotidiano dos professores (EF, 9). Reforçamos a necessidade das Diretrizes

refletirem, expressarem e traduzirem o cotidiano, de modo que os profissionais da educação se

vejam e se identifiquem com o texto e encontrem neste documento elementos que potencializem seu

trabalho.

Portanto, no exercício de elaboração do documento das Diretrizes Curriculares deverão ser

garantidos os princípios orientadores comuns, sem contudo abrir mão de discutir as especificidades

do ensinar e aprender em cada etapa e modalidade da Educação Básica. Estes princípios deverão ser

observados na elaboração da fundamentação teórico-metodológica de cada área do conhecimento.

4 – O QUE TEMOS EM COMUM NOS DOCUMENTOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL, DO

ENSINO FUNDAMENTAL E DA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS?

Conforme descrito acima, os documentos em questão apresentam em comum a ideia de que a

elaboração do documento das Diretrizes Curriculares não pode significar a uniformização da prática

educativa, mas deve estabelecer princípios que garantam a coerência no trabalho que é desenvolvido

no Sistema Municipal de Educação de Vitória.

Outra ideia fundamental é a de que a educação é um direito social inalienável, direito humano que

se afirma independente do limite de idade (EJA, p. 05). O documento da educação Infantil reafirma

este direito e, conforme já mencionamos, aponta para a necessidade da efetivação de políticas

públicas articuladas, no sentido de garantir que todos usufruam da Educação como direito. A defesa

de políticas públicas articuladas se faz tendo em vista o empreendimento de esforços comuns para a

resolução de problemas e interesses coletivos. Muitas questões afetas à educação, quando pensadas

na sua articulação com a saúde, com a assistência social, com a cultura, com o lazer, etc. produzem

uma nova interlocução pública entre os setores do governo e da sociedade, gerando assim, um

compartilhamento de responsabilidades para com o direito à educação pública de qualidade para

toda a população.

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Esta articulação pode contribuir para a superação de um dos grandes desafios das Unidades de

Ensino, que é o enfrentamento dos diferentes problemas gerados pela conjuntura atual que

interferem cotidianamente no trabalho desenvolvido pelos profissionais da educação.

Além destes dois princípios básicos, os documentos apresentam alguns aspectos comuns em sua

fundamentação teórica, dentre os quais destacamos :

• prevalência da Pedagogia Histórico Cultural;

• princípios subjacentes à Educação Inclusiva;

• respeito às diversidades: étnico, cultural, social, religiosa (apenas a EI faz menção à questão

religiosa);

• necessidade de conceber o currículo: compreendido a partir de uma relação/tensão entre o

vivido e o concebido;

• busca de entrelaçamento das teorias críticas e pós-criticas, mantendo contudo, a prevalência

da definição teórica crítica, na abordagem histórico-cultural.

4.1 - Prevalência da Pedagogia Histórico Cultural5

Podemos observar “a concepção de uma Pedagogia Histórico-Cultural” como uma orientação que se

encontra “explícita e implicitamente visível na análise das representações expostas [nos documentos

das] Diretrizes”, uma vez que “coloca em destaque a importância da relação entre cultura, política e

pedagogia, reconhecendo que, ao excluir a cultura do jogo do poder e da política, educadores

obstruem as possibilidades de entender como a educação está ligada à mudança social” (EF, p. 13).

Os documentos das Diretrizes Curriculares “apresentam e representam discursos vinculados a uma

perspectiva que associa a pedagogia à política, à história e à cultura” (EF, 14, EI, p. 19). A educação

é concebida, assim, como práxis social, e as unidades de ensino, espaços de trocas culturais e de

apropriação do conhecimento (EI e EF).

No Documento do Ensino Fundamental há uma prevalência da Pedagogia Histórico-Cultural que

pode ser observada na análise do referencial teórico-metodológico das propostas das áreas de

conhecimento específico, que apresentam concepções voltadas para essa perspectiva que apresenta

como características:

• a concepção da cultura como forma social e histórica de existência, constituída por ideias,

atitudes, sentimentos, linguagens, proposições morais, relações e desejos;

5 Nos documentos analisados aparecem denominações diferentes para se referir a mesma abordagem. Encontramos, portanto, os termos “Pedagogia Histórico-Cultural” e “Pedagogia Sócio-Histórica” nos documentos, cuja ideia é a de apontar a educação e o ensino na abordagem Vygotskiana. Essa abordagem também é denominada no meio acadêmico como “Sócio-Histórica-Cultural” e “Sócio-Interacionista”.

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• a perspectiva que assume a pedagogia como uma importante ‘prática cultural’ que só pode

ser exercida por meio de análises sobre o poder, a linguagem, a diferença, a multiplicidade;

• a visão dos intelectuais da educação (técnicos, pedagogos e professores) como ‘pedagogos

culturais’ comprometidos e implicados nas relações de poder;

− formas de saber e modos de subjetivação produzidos pela dinâmica social e pelos quais são

sempre responsáveis em seus locais de trabalho e de vivências;

− a valorização de projetos de reconstrução da sociedade em tudo oposto aos atuais projetos de

neoliberalismo e às práticas da globalização” (EF, p. 15, 16).

Um princípio bastante presente nos documentos é o reconhecimento da criança, do jovem e do

adulto como sujeitos de direitos. No documento da Educação Infantil, está presente a ideia para além

deste reconhecimento, pois aponta que ao conceber a “[...] criança como sujeito de direitos [exige-

se] antes de tudo uma (re)significação de nossa concepção de criança e de infância, e, este esforço

de criar novas bases de compreensão sobre a criança e a infância não pode estar desatrelado do

modo como agimos e interagimos com as crianças no contexto da Educação Infantil, ou seja, o

trabalho pedagógico deve fortalecer a experiência da criança como sujeito histórico e produtor de

cultura em tempos e espaços da instituição” (p. 33).

Outro elemento importante desta perspectiva teórica é a ideia muito presente nos documentos da

necessidade de não “[...] negar a identidade cultural dos profissionais e das crianças [dos

adolescentes, dos jovens e dos adultos]”, como também “reconhecê-los como seres sociais, sujeitos

da história e produtores de cultura” (EF p. 14 e 15 e EI, p. 37).

É importante destacar a ideia de sujeito presente nos documentos em análise. Não se trata de um

sujeito autônomo e soberano, como propugnava a Ciência Moderna, mas de um ser que produz as

suas condições de existência nas suas relações com os outros homens e mulheres e que, ao

transformar a natureza, se apropria dela. Sabemos que o indivíduo intervém e recebe influências de

tudo que o circunda, mas neste processo ele se autoconstrói, por meio de suas atividades sociais e

culturais. Este sujeito é, a um só tempo, compreendido como um ser biológico, cultural e social que

participa de um processo histórico.

Encontramos ainda nestes documentos citações que destacamos importantes ao debate sócio

histórico, quando:

• Revelamos a identidade cultural de cada CMEI ao apontar a necessidade de “demarcar o

chão cultural onde os saberes seriam transmitidos para que todos pudessem perceber o seu

sentido e o seu significado para a vida” ( idem p.19);

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• Defendemos que “[...] se as crianças têm acesso à Educação Infantil desde os primeiros anos

de vida, significa que elas devem continuar a ter acesso às diferentes formas de

aprendizagens através de situações que lhes permitam brincar e expressar sua cultura e sua

individualidade, experimentar o novo, interagir com as diferenças, ter acesso a diferentes

forma de conhecimento, ampliar suas experiências e interagir com a realidade que as

cercam” (idem, p.65);

• Promovemos experiências culturais que respeitem a diversidade religiosa; a cultura da paz;

que superem a discriminação, o preconceito e o racismo (idem);

• Fortalecemos “o sentido da alfabetização como prática social e cultural de leitura e escrita”

(idem);

Outra citação contida no Documento da Educação Infantil referente à relação entre a teoria e prática

no trabalho pedagógico se constitui em um exemplo clássico que reforça a ideia destes documentos

conterem uma tônica centrada na Pedagogia Histórico-cultural: “como sujeitos históricos,

produtores de cultura, a apropriação crítica do conhecimento deve possibilitar uma (re)significação

do nosso modo de interpretar e compreender os diferentes modos de ser e agir no contexto da

Educação Infantil” (p. 40).

O documento da implementação da Educação de Jovens e adultos como uma modalidade aponta na

mesma direção quando defende que “há uma tradição de lutas pedagógicas enraizadas na educação

popular em que a experiência de vida dos sujeitos traz conhecimento, traz memória, relações sociais

e culturais, religiosidade, trabalho, família, política e afetividade. Essas dimensões do mundo jovem

e adulto, quando incorporadas ao saber escolar podem potencializar a essência educativa das práticas

sociais e da prática educativa escolar. Tornam-se instrumentos dos quais a sociedade pode dispor

para estimular a participação popular ampliando a cidadania desses setores da população. A

Educação de Jovens e Adultos se apresenta, então, como um momento de humanização do sujeito,

como um espaço de estimulação da autonomia, como um tempo de aprendizagem, como um

movimento de vida, como possibilidade de concretização de um direito” (EJA, p. 05).

A proposta de trabalho com Alfabetização, contida no documento da Educação Infantil, é a tradução

das concepções acerca do trabalho com a linguagem na perspectiva Histórico-Cultural, ressaltando

que “a aprendizagem possibilita o desenvolvimento e o desenvolvimento possibilita a aprendizagem,

o que significa dizer que a criança se desenvolve aprendendo e aprende se desenvolvendo”,

defendendo ainda que “pensamento e linguagem não são processos dicotômicos, mas sim processos

em estreita articulação. Porém esses processos não podem ser entendidos como mera abstração,

deslocados da realidade, mas processos com significação social e portadores de sentidos”. Assim a

Alfabetização “tem uma função social e cultural que não se reduz apenas na aquisição da leitura e da

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escrita”, mas a possibilidade da criança ter “acesso às diferentes linguagens [ampliando] o seu

universo cultural e se [apropriando] do sentido da leitura e da escrita para sua vida” (66, 67 e 68).

O mesmo pode ser observado no tocante à defesa da necessidade do brincar, que “é uma realidade

cotidiana na vida da criança. É uma prática sócio-cultural que possibilita à criança transpor dados da

realidade à fantasia, estabelecer novas interações com os objetos, com as pessoas e com seu próprio

corpo. O brincar, expressa, portanto, um diálogo com o mundo, a forma como a criança representa e

recria a realidade à sua maneira” (81).

Com a implantação do Ensino Fundamental de nove anos, as questões relacionadas ao brincar

passaram a ser uma discussão imprescindível e que deverá ser feita por todos os profissionais que

atuam nesta etapa de ensino, por que há que se “superar a ideia de que ‘na Educação Infantil se

brinca, na escola se aprende’, como se o brincar fosse desprovido de seriedade e entendido apenas

como um passatempo das crianças. Todavia essa mudança só será possível quando o adulto

reconhecer as crianças como sujeitos brincantes e se apropriar das culturas infantis como forma de

compreender melhor as diferentes ‘vozes’ da infância que atravessam o cotidiano do CMEI” (84).

A tradução dos conceitos e princípios teóricos da Pedagogia Histórico-Cultural são expressos

também no trato das unidades conceituais na concepção do currículo, “que assim se constituem:

Ciência, Cultura, Trabalho e Engajamento Social, Democracia e Poder, Gênero e Etnia” (EJA, p.

22). Defende-se, que “os conceitos escolhidos remetem ao sentido final do projeto educativo, ou

seja, a formação para a cidadania, com domínio dos instrumentos básicos para interferir e agir,

criticamente, sobre o mundo – a leitura, a escrita e o pensamento lógico matemático. Para dar-lhes

sentido, lança-se mão dos conhecimentos relativos aos diferentes campos do conhecimento, que com

ele dialogam, exigindo uma reorganização dos chamados conhecimentos científicos de cada área, de

modo a se conectarem, trançando-se com os demais. [...] A formação de conceitos dá-se sempre em

processos complexos, enlaçando os sentidos inicialmente atribuídos a novos fios que lhes vão

permitindo conexões que lhes ampliam esses sentidos originais. Pode-se entender este modo de

pensar a formação de conceitos como um processo em rede, o que significa dizer que eleger esses

conceitos não redunda, em absoluto, em restringir o trabalho pedagógico, pois a organização de cada

unidade, ano a ano, será diversa, mais ampla, com novas conexões, novos conteúdos, permitindo o

tensionamento cada vez maior do que se sabia até então, com o desafio de questionar esse saber e

ampliá-lo/revê-lo, modificando-o/reforçando-o, a partir dos novos fios que vão sendo entrelaçados”

(idem, p. 23).

Percebemos assim, no decorrer de todo o texto categorias próprias da Pedagogia Histórico-cultural,

que são: linguagem, interação e mediação, cultura, história, bem como o rompimento da

naturalização de infância, a ideia de desenvolvimento inato próprios da perspectiva cognitivista.

Desta forma ao tomar como referencial a abordagem sócio histórica, a Secretaria Municipal de

Educação busca desconstruir uma forte ideia, ainda presente no imaginário e nas práticas de

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12

muitas(os) educadoras(es) de nosso país, que compreendem o currículo como uma lista de

conteúdos hierarquicamente organizados, elaborada por alguns profissionais especializados a ser

executada pelo conjunto de docentes que estão nas escolas.

Experiências já vivenciadas pelas Unidades de Ensino provocam a construção de um percurso

dialógico e dialético, pelo qual se reconhece que a prática docente se realiza de maneira ativa, social

e histórica. Entende-se, nesta perspectiva, a sociedade como uma produção histórica dos homens

que através do trabalho produzem sua vida material. Esta concepção reconhece o professor como

intelectual, ressaltando o caráter político da prática pedagógica, além de afirmar a necessidade da

participação docente na concepção e no planejamento dessa prática.

Na perspectiva sócio histórica, o pensamento, a memória, a percepção, a imaginação, a linguagem,

entre outras funções psicológicas próprias aos humanos, são desenvolvidas por meio da utilização de

instrumentos adquiridos culturalmente. Desta forma, a relação entre aprendizagem e

desenvolvimento humano é dialética, não se restringindo à escola, se dando em uma perspectiva

mais ampla, isto é, no interior das relações estabelecidas com o meio social.

4.2 – Educação Inclusiva

Outro destaque importante a ser feito é a presença dos princípios subjacentes à Educação Inclusiva

no texto dos documentos. As unidades de ensino são apresentadas como espaços públicos

compartilhados formulados no “reconhecimento das diferentes categorias [crianças, jovens e

adultos] como sujeitos de direitos” (EI, p. 51). Esta ideia nos evoca a repensar nossas práticas nestes

espaços, e nossas “relações muitas vezes naturalizadas no cotidiano, relações essas que destacam o

significado da cidadania, da democracia e da inclusão, mas oblitera o princípio de equivalência que

confere ao outro [...] autonomia, identidade e direitos em todos os tempos e espaços da instituição

(EI, p. 51).

“Nessa (des)figuração do outro fixado no terreno da natureza, não é possível instaurar a dimensão

pública da experiência educativa porque alguns foram ‘naturalmente’ excluídos em função da sua

condição de classe, da cor de sua pele, da sua aparência física, da religião que professa, de suas

inúmeras carências. A esses, outras regras e outros atributos vão se impor para confirmar o lugar que

eles ocupam na sociedade e para determinar o lugar que eles devem ocupar na escola. Fora dessas

regras, suas formas de vida não conferem legitimidade e tornam-se incapazes de serem reconhecidos

como cidadãos de direitos, a não ser para referendar as motivações da caridade pública e da

benevolência particular, tendo a subserviência, a dependência e a condição de tutela dos

‘necessitados’, dos ‘subalternos’ e dos ‘excluídos’ como condição indispensável de ajuda e de

reconhecimento dos direitos” (EI, p. 51).

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13

O termo inclusão remete-nos, via de regra, à ideia de que há grupos, que por alguma razão histórica,

seja de ordem econômica, social, cultural ou orgânica, estiveram ou ainda estão alijados dos

processos coletivos. “E a discussão em torno da educação inclusiva não surgiu por acaso. Ela é fruto

de processos de reivindicação de diferentes movimentos sociais que lutavam e continuam a lutar –

pelo direito das pessoas [...] de serem incluídas em diferentes espaços sociais” (idem, p. 53).

Os alunos da EJA são exemplo clássico daqueles que, como diria Paulo Freire, foram expulsos da

escola, por diferentes motivos ou que não tiveram acesso aos diferentes níveis de ensino na idade

obrigatória, tendo este direito elementar negado por conta de condições políticas, econômicas,

históricas e sociais. Portanto, na organização desta modalidade da Educação Básica, há que se

considerar a condição de trabalhador como uma característica deste público na configuração do

tempo escolar. “A flexibilidade dos processos educativos é o imperativo que se apresenta aos

projetos pedagógicos das escolas. Assim, as temporalidades escolares na EJA – horários, duração

das aulas, calendários, tratamento dado à frequência [...] não podem inviabilizar o direito à

educação, têm que ser inclusivas de seus sujeitos” (EJA, p. 17).

Assim, a concepção de inclusão presente nos documentos pauta-se prioritariamente na garantia de

direitos que assegurem condições de igualdade para o pleno acesso com participação e permanência

de todos os alunos e alunas matriculados nas Unidades de Ensino do Sistema Municipal de

Educação de Vitória.

Ao tratar, especificamente, da inclusão escolar, vemos várias situações que revelam as dimensões da

exclusão. Uma delas se expressa pelas diferenças de aprendizagem dos alunos em virtude de

deficiências, transtornos globais do desenvolvimento ou mesmo pelas altas

habilidades/superdotação. Nesse sentido, Figueiredo (2010) afirma que a inclusão se traduz pela

capacidade da escola em dar respostas eficazes à diferença de aprendizagem dos alunos. Para incluir

esse grupo de alunos, precisaremos falar de transformação da escola e criação de condições para que

todos participem do processo de construção do conhecimento independente de suas características

particulares.

Temos ainda o debate atual sobre a Educação em Tempo Integral que perpassa não somente pelo

direito, mas pela garantia de participação e permanência de todos os alunos na escola. Esse direito é

um elemento fundamental que vem assegurar a ampliação e a consolidação dos demais direitos

sociais. O documento referência do Programa Educação em Tempo Integral do Município de Vitória

traz também um conceito de inclusão, cujo sentido visa atender aos princípios de um paradigma

educacional mais amplo, como um direito de todos e concebe crianças, adolescentes [jovens e

adultos] como sujeitos de direito, com o objetivo de promover seu desenvolvimento em suas

múltiplas dimensões.

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14

Outra dimensão da exclusão pode ser expressa pela falta de acesso às tecnologias. Nesse sentido,

temos um conceito de inclusão digital, que vê na democratização do acesso às tecnologias, a

possibilidade de inserção de todos na sociedade da informação, simplificando as rotinas diárias e

dinamizando os tempos e espaços dos sujeitos. Uma pessoa incluída digitalmente não é aquela que

apenas utiliza essa nova linguagem, que é o mundo digital, para trocar e-mails, mas aquele que

usufrui desse suporte para melhorar as suas condições de vida.

Atualmente os olhares se voltam para as estratégias inclusivas que possibilitem projetos e ações para

facilitar o acesso de todas as pessoas, inclusive aos usuários com deficiência, o que chamamos de

acessibilidade.

O movimento social voltado para a inclusão social garante o direito ao acesso das informações

disponíveis no mundo virtual, criando assim, uma nova competência na educação, ou seja, a

contextualização do que se aprende virtualmente, contribuindo para a formação de sujeitos críticos e

reflexivos, por meio da apropriação tecnológica. Esses sujeitos serão capazes de intervir em suas

comunidades provocando crescimento social por meio de mudanças comportamentais perante a

tecnologia e a aquisição de conhecimento.

Em síntese, a concepção de inclusão, presente nos documentos, fundamenta-se nos princípios da

democracia e da participação plena, compreendendo o espaço da escola como um campo de ações

pedagógicas e sociais, no qual todas as pessoas compartilham projetos comuns. Assim sendo, “a

questão central que se coloca nesta perspectiva inclusiva é a organização das situações de ensino de

modo a tornar possível personalizar as experiências comuns de aprendizagem, ou seja, chegar ao

maior nível possível de interação e participação por parte de todos os alunos, sem perder de vista as

necessidades concretas de cada um” (EF, p. 61).

4.3 - Respeito às diversidades: étnico, cultural, social, religiosa

Outro princípio presente nos documentos relacionado à educação inclusiva se refere ao respeito às

diversidades: étnico, cultural, social, religiosa, sendo este último abordado apenas no documento da

Educação Infantil (p. 76).

O documento do Ensino Fundamental faz menção ao fato do “Estado brasileiro, pela primeira vez

em sua história, trata(r) das desigualdades raciais como uma questão nacional específica, ao

promulgar a Lei 10.639/2003”, e, posteriormente a Lei 11.645/2008, que “altera a lei 9.394/96, ao

incluir no âmbito de todo o currículo oficial da rede de ensino, a obrigatoriedade da temática

‘história e cultura afro-brasileira’ [e a indígena], em especial nas áreas de Educação Artística,

Literatura e História Brasileira” (EF, p. 50).

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Este mesmo documento nos chama a atenção para o fato de que “incentivar a tolerância a grupos

radicalmente diferentes [é] um discurso que tem acompanhado as defesas em torno do

multiculturalismo, [sendo] uma questão que deve ser por nós observada, ou seja, a exposição pura e

simples da diversidade cultural e a celebração da diferença não problematizam os conflitos e as

contradições das relações étnicorraciais assimétricas, não aprofundam a discussão do racismo, do

sexismo e da xenofobia. Consequentemente, não propõem alternativas concretas de superação dos

preconceitos e discriminações, para que as diferenças não sejam transformadas em desigualdade e,

para que, os diversos grupos étnicorraciais possam respeitar-se mutuamente e conviver em

harmonia” (p. 54).

Nesta mesma linha o documento da Educação Infantil nos chama a atenção para a necessidade do

resgate da identidade cultural dos alunos e alunas de nossas instituições e sua importância para a

efetivação dos processos de ensino e de aprendizagem, colocando o desafio de superar o olhar

homogeneizador e superficial para desvelar as diferentes identidades, “sem esquecer as marcas

dolorosas e das inquietudes do real, [sendo] capaz de capturar uma outra realidade ainda escondida,

fragmentada, descontextualizada com práticas estereotipadas pela ‘pedagogização’ do conhecimento

e pela ‘psicologização’ dos comportamentos instituídos” (EI, p. 19).

O documento defende ainda que a ideia de “capturar a identidade cultural dos CMEI expressava,

assim, um modo de enraizar os saberes, consolidar um processo de abertura em direção aos

diferentes personagens que compunham o cenário social, valorizar as singularidades e as

pluralidades numa reconciliação permanente com a cultura, com as diferentes práticas sociais,

enfim, com a vida” (p. 19 e 20).

As diversas e diferentes dimensões da formação humana são colocadas como eixos da matriz

curricular da Educação de Jovens e Adultos. “As chamadas dimensões de formação de jovens e

adultos envolvem o trabalho e a cultura como expressões da realização da existência humana. Essas

dimensões se atualizam ao envolver outras dimensões não menos importantes no contexto

contemporâneo, relações de gênero, étnicorraciais, meio ambiente, sustentabilidade, espaçotempo e

memória, que vêm orientando a formulação de propostas pedagógicas para a Educação de Jovens e

Adultos. De forma dinâmica, o conteúdo explorado através dessas dimensões não as tornam

estanques, mas articuladas entre si, produzindo uma prática interdisciplinar e possibilitando ao

educador o trânsito pelas várias áreas do conhecimento” (EJA, p. 14 e 15).

O documento traz também a ideia de que “sempre existe a cultura nas culturas [...] a cultura existe

por meio das culturas”, concebe, pois, “a unidade que assegure e favoreça a diversidade, a

diversidade que se inscreve na unidade” (EJA, p. 25).

Concebe-se assim, a cultura como prática social, não como coisa (artes) ou estado de ser

(civilização). A palavra cultura implica, portanto, o conjunto de práticas por meio das quais

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16

significados são produzidos e compartilhados por um grupo (CANDAU; MOREIRA, 2008). Como

teia que está sendo constantemente tecida, a cultura estaria também se transformando, inclusive

aquela que é tecida no ambiente escolar, a partir do entrelaçamento das diversas culturas dos sujeitos

(pais, alunos, professores, etc), que vivem e convivem nesse ambiente.

Nesta perspectiva podemos dizer que a cultura escolar se materializa por meio dos gestos, rituais e

comportamentos dos sujeitos da escola, que compõem o currículo escolar. No entanto, cabe ressaltar

que a cultura escolar é constantemente atravessada por outros gestos, rituais e comportamentos da

família, da rua e da sociedade.

Na parte do documento da Educação de Jovens e Adultos que trata da unidade conceitual gênero e

etnia presume-se que “uma cultura para a democracia deve ser caracterizada pela promoção de

valores como a tolerância, a solidariedade, a participação e o respeito aos direitos humanos. Essa

cultura não comportaria preconceitos e discriminações de classe, crença, gênero e etnia [...], nem

desrespeitos às minorias ou à diversidade cultural, quando no âmbito dessa diversidade, não fossem

violentados os valores essenciais à própria cultura democrática. As discriminações de classe, de sexo

e de cor, a que se junte qualquer tipo de diminuição e desrespeito ao ser humano, negando sua

vocação, negam também a democracia” (EJA, p. 26).

Com estas questões postas, consideramos importante destacar neste processo de (re)elaboração do

documento da Diretrizes Curriculares a necessidade de observarmos de maneira minuciosa as

relações entre currículo, poder e identidade local. Os estudos sobre o currículo nos oferecem novas

possibilidades de análise, elucidando a compreensão das relações entre currículo e poder, alertando

para o fato de que a luta contra o poder cria novas relações de poder. Neste sentido, torna-se

necessário na construção do documento das Diretrizes Curriculares, numa perspectiva sócio

histórica, reconhecer que as relações de classe sozinhas, não dão conta de explicar toda a dinâmica

das relações de poder e dominação, principalmente se considerarmos as profundas mudanças

políticas, econômicas, culturais e geográficas que ocorreram nos últimos 20 anos, o que nos provoca

a revisões e renovações.

Tais revisões nos direcionam para o reconhecimento das categorias geracionais e étnicas/culturais,

porém sem abandonar as categorias sociais, pois estas questões não podem se restringir à celebração

festiva das diferenças, mas potencializar nosso trabalho no sentido de superarmos as discriminações

e preconceitos e fortalecer também a nossa luta em defesa de uma escola e uma sociedade mais

humana e solidária.

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17

4.4 – Relação teoria e prática e o currículo compreendido a partir de uma relação/tensão

entre o vivido e o concebido

Outro aspecto que merece destaque é a concepção de currículo compreendido a partir de uma

relação/tensão entre o vivido e o concebido. No documento da Educação Infantil, um dos princípios

defendidos é a articulação dos saberes e fazeres, o que poderia tornar possível o “rompimento com o

superficialismo e com a particularização dos saberes”, descobrindo no trabalho com o conhecimento

“suas inexploráveis belezas e tensões, suas diferentes possibilidades e sua articulação com o real”,

colocando “em cena o sentido de rede”. Desta forma, o “movimento permit[e] vislumbrar um outro

processo de interlocução, de descobertas de comunicação, permit[indo] também superar as

impressões artificiais, construir novas interpretações e imprimir outros valores ao modo de agir e

conceber as diferentes realidades teóricas e práticas que compõem o universo da educação Infantil”

(p. 39).

Esta reflexão se faz necessária tendo em vista a frequente dissociação “dos elementos teóricos da

prática cotidiana vivida pelas crianças [adolescentes, jovens e adultos] e seus professores”. E assim,

“a falta de clareza sobre o sentido da fundamentação teórica no fazer pedagógico” acaba por

privilegiar “a busca por modelos adequados a determinados objetivos que se pretendem atingir [...]

traduzindo assim, um reduzido conhecimento sobre os elementos teóricos fundantes do processo

ensino-aprendizagem” (idem, p. 40).

E conforme consta na introdução do documento do Ensino Fundamental “ao identificarmos e

definirmos como norte a proposta de uma Pedagogia Inclusiva associada a uma Pedagogia

Histórico-Cultural, partimos do pressuposto de que, em qualquer situação, e feita por quem for - a

formulação de Diretrizes Curriculares implica necessariamente uma concepção de ensino e de

aprendizagem fundamentada numa perspectiva teórico-filosófica. Dito de outra maneira, ocorre

sempre, uma relação entre os pressupostos teórico-epistemológicos do conhecimento, a formação

teórico-prática da(o) professora(or), as representações que estabelece, o ensino e a pesquisa que

desenvolve e/ou os modos com que e para que se utilizam ferramentas conceituais para agir no

cotidiano escolar” (p. 07).

Continuando, aponta que “tais relações imbricadas e alguns pressupostos subjacentes na condução

desse tipo de análise seriam:

• a relação entre teoria e prática, teoria, pesquisa e ensino;

• a superação das sombras que encobrem as condições sociais concretas de produção do

conhecimento da escola e da docência;

• o confronto entre as visões de mundo dos(as) professores(as) das escolas de Ensino

Fundamental e a produção acadêmico-científica na área;

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18

• a articulação entre trabalho e educação;

• o fazer dialogar conhecimentos formais e atividades acadêmico-científicas com a experiência

do trabalho educativo produzido nas escolas de Ensino Fundamental;

• e a superação da dificuldade representada pela visão pré-formada da escola nas disciplinas

dos cursos de formação dos educadores, calcada nos modelos teóricos explicativos

dominantes sobre a realidade escolar e/ou uma compreensão préconstruída [...]” (p. 7 e 8).

Esta reflexão tem uma relação direta com o conceito e construção do currículo, pois “fazer currículo

não é um ato neutro, mas um ato de comprometimento derivado de interpretações teórico-filosóficas

dos que o concebem e vivem” (EF, p. 12). Isto por que “o currículo formal e o efetivamente

praticado são dimensões ou diferentes faces do mesmo fenômeno – o currículo escolar em sua

relação com a realidade sociopolítica, econômica e cultural mais ampla. Esse fenômeno, em

qualquer dimensão, envolve a problemática da contribuição que a educação escolar e os educadores

são chamados a dar na superação das dificuldades derivadas da presença de pessoas e grupos com

diferenças de classe social, raça, gênero etc., ou seja, a questão do atendimento a grupos

minoritários, marginalizados ou não, em sociedades complexas” (idem, p. 12).

Na mesma direção, “a EJA incorpora a ideia de direito à educação básica, sem interrupção, na

perspectiva de romper com a concepção que fragmenta o tempo de formação e o tempo de trabalho.

Todos os tempos da vida são também tempos do educando. Os sujeitos são jovens e adultos que têm

histórias, identidades, vivências, trajetórias cognitivas, emocionais, sociais e culturais específicas

desses sujeitos. A visão do currículo enquanto conjunto de conteúdos programáticos em relação às

disciplinas e séries escolares, ainda muito presente no contexto da escola, silencia experiências

sociais e educativas vivenciadas pelo educando podendo inviabilizar a construção sociocultural no

interior das escolas e em outros espaços educativos”. (EJA, p. 06).

Para reforçar a ideia da relação entre teoria e prática, entre currículo vivido e concebido, o

documento do Ensino Fundamental discute o currículo a partir das teorias críticas e pós-críticas, ou

seja, espaço de poder na crítica, e “análise de poder envolvida nas relações de gênero, etnia, raça,

sexualidade, aumentando, dessa forma, a focalização das questões de poder para além da

centralidade da categoria classe social” (idem, p. 13), na perspectiva pós-crítica.

Dito de outra forma, “na teoria de currículo, assim como ocorre na teoria social mais geral, a teoria

pós-crítica deve se combinar com a teoria crítica para nos ajudar a compreender os processos pelos

quais, através de relações de poder e controle, nos tornamos aquilo que somos. Ambas nos

ensinaram, de diferentes formas, que o currículo é uma questão de saber, identidade e poder”

(SILVA, 1999, p. 147, apud EF, p. 13).

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19

O documento da Educação Infantil avança nesta reflexão, apontando que “para além dos materiais

curriculares preestabelecidos, Alves (2002) ressalta as alternativas que partem da própria

experiência dos sujeitos (professores/professoras, alunos/alunas), confirmando assim a existência de

muitos currículos na escola” (p. 94). A referida autora ainda complementa:

“Infelizmente, boa parte de nossas propostas curriculares tem sido incapaz de incorporar essas

experiências, pretendendo pairar acima da atividade prática diária dos sujeitos. Inverter o eixo desse

processo significa entender a tessitura curricular como um processo de fazer aparecer as alternativas

construídas cotidianamente e já em curso. Uma prática curricular consistente somente pode ser

encontrada no saber dos sujeitos praticantes do currículo sendo, portanto, sempre tecida, em todos os

momentos e escolas. Nessa perspectiva, emerge uma nova concepção de currículo. Não estamos

falando de um ‘produto’ que pode ser construído seguindo modelos preestabelecidos, mas de um

processo através do qual os praticantes do currículo ressignificam suas experiências a partir das

redes de poderes, saberes e fazeres que participam” (Alves, 2002, p. 40-41, apud EI, p. 94).

Este documento ainda frisa que “ao ressaltar as práticas curriculares como práticas que não se

limitam aos conteúdos selecionados, mas à compreensão das diferentes aprendizagens tecidas no

contexto intra e extra-escolar, às escolhas relativas aos processos de avaliação, à busca de coerência

com os princípios pedagógicos coletivamente construídos, à articulação entre saberes populares e

saberes científicos” quer se afirmar a necessidade de “ver essas práticas curriculares articuladas com

o conjunto de práticas sociais que constituem não apenas a escolarização, mas toda a experiência

que nos institui como sujeitos” (Idem, p. 94).

Todas estas questões apontadas nos documentos da Educação Infantil e do Ensino Fundamental são

de certa forma sintetizadas na parte do documento da EJA que trata da estrutura do currículo,

quando se afirma que “o currículo enquanto um processo de seleção e de produção de saberes, de

visões de mundo, de habilidades, de valores, de símbolos e significados, enfim, de culturas”, deve

considerar:

a) “a perspectiva integrada a fim de superar a segmentação e desarticulação dos conteúdos;

b) a incorporação de saberes sociais e dos fenômenos educativos extra-escolares [...];

c) a experiência do aluno na construção do conhecimento; trabalhar os conteúdos estabelecendo

conexões com a realidade do educando, tornando-o mais participativo;

d) o resgate da formação, participação, autonomia, criatividade e práticas pedagógicas

emergentes dos docentes;

e) a implicação subjetiva dos sujeitos da aprendizagem;

f) a interdisciplinaridade, a transdisciplinaridade e a interculturalidade;

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g) a construção dinâmica e com participação” (EJA, p. 20 e 21).

Fica claro, pois, a defesa da concepção de currículo ligada à prática social, à experiência dos sujeitos

que o produzem, às relações de poder que se estabelecem nas unidades de ensino, à tensão

permanente do que é prescrito/concebido, com o praticado/vivido. Neste sentido, a educação de uma

forma mais geral é algo que se deve constituir a partir da relação entre teoria e prática.

4.5 - Busca de entrelaçamento das teorias críticas e pós-críticas

Reiteramos aqui que a referência teórica prevalente é a Pedagogia Histórico-Cultural, mas

pontuações que fizemos acima sobre currículo se configuram a partir do entrelaçamento dos

fundamentos das teorias críticas e pós-críticas, ou seja, currículo não é prática neutra, mas política,

espaço de poder, como também é produção de identidade.

Outras citações são expressão desta busca, como é o caso do documento do Ensino Fundamental,

que ao apresentar uma análise da fundamentação teórica das áreas de conhecimento específico,

aponta que “a base epistemológica de todas as propostas se coaduna com um projeto de Educação

Inclusiva na perspectiva de uma Pedagogia Histórico-Cultural, focando a consideração da relação

entre os conhecimentos universais e/ou a realidade global e os conhecimentos locais e/ou derivados

da vivência dos alunos e alunos, professores/alunos e a comunidade e/ ou contexto social mais

amplo” (EF, p. 19).

O conceito de rede também aparece no documento da Educação Infantil na abordagem sobre

identidade cultural, quando este “[...] representava um esforço coletivo de colocar em cena o sentido

de rede para a Educação Infantil do município de Vitória. Uma rede tecida por todos. Uma rede que

rompe com a mesmice. Uma rede que dá garantias da descoberta, da diversidade, da busca

pedagógica, que possibilita a construção de um projeto político pedagógico que tenha como ponto

de partida a identidade cultural dos diferentes contextos e sujeitos que compõem o universo da

Educação Infantil” (EI, p. 20).

Ao estabelecer a estrutura de oferta da modalidade EJA em Vitória, avança-se nesta reflexão ao

reconhecer que “é em rede que se tecem os variados saberes, sem hierarquias antecipadas, mas

determinadas pelas exigências das aprendizagens cotidianas, e, considerando o amplo repertório de

vida e de produções já realizadas por jovens e adultos” (p. 18). E a abordagem pós-crítica também se

faz presente, na organização curricular, quando se afirma que “na organização curricular os

conteúdos não se dão a priori. Essa é uma construção contínua, processual e coletiva que envolve

todos os educadores” [...], esta organização “abre possibilidades de superação de modelos

tradicionais, disciplinares e rígidos. A desconstrução e construção de modelos curriculares e

metodológicos, observando as necessidades de contextualização frente à realidade do educando

promovem a ressignificação de seu cotidiano. Essa concepção permite a abordagem de conteúdos e

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21

práticas inter e transdisciplinares, a utilização de metodologias dinâmicas, promovendo a

valorização dos saberes adquiridos em espaços de educação não-formal, além do respeito à

diversidade” (p. 19 e 20).

Prosseguindo nesta discussão, este entrelaçamento também pode ser observado no documento da

Educação Infantil quando é discutido o significado de “capturar a identidade cultural dos CMEI”

como uma forma de “expressar um modo de enraizar os saberes, consolidar um processo de abertura

em direção aos diferentes personagens que compunham o cenário social, valorizar as singularidades

e as pluralidades numa reconciliação permanente com a cultura, com as diferentes práticas sociais,

enfim, com a vida” (p. 20).

O cotidiano e os seus elementos constitutivos é um dos traços teóricos da teoria pós-crítica. Este se

entrelaça com a ideia de sujeito que opera sobre este cotidiano, aparecendo de forma marcante no

documento: “No esforço de ver os CMEI a partir da comunidade e ver a comunidade a partir dos

CMEI, foi possível entrever um projeto educativo que deveria fazer uso cotidianamente dos

elementos constituidores de cultura: o samba, o congo, o funk, o reggae, o forró, o carnaval, as

festas juninas, a capoeira, a religiosidade e as diferentes expressões artísticas; enfim, de todas as

tradições, manifestações e costumes presentes na comunidade sem negar a própria identidade

cultural dos profissionais e das crianças reconhecidos como sujeitos da história e produtores da

cultura” (EI, p. 20).

Esta ideia também é reforçada ao final do documento onde é discutido a questão do currículo e o

projeto político pedagógico: “nas diferentes expressões de sua linguagem, a criança [jovem e adulto]

estabelece um diálogo permanente com o mundo, produz cultura ao mesmo tempo em que é

influenciado por ela, apresenta uma forma particular de pensar e interpretar o mundo. A perspectiva

curricular contida no projeto político pedagógico não pode prescindir, portanto, do conhecimento

articulado às culturas da infância [da juventude e da adultez, do conhecimento demarcado por

contextos sociais, culturais e políticos, ancorado em ‘redes coletivas de saberesfazeres dos sujeitos

que praticam o cotidiano’ (Ferraço, 2005), do conhecimento que amplia a possibilidade de construir

um projeto educativo que supere todas as formas de exclusão, sobretudo àqueles historicamente

discriminados por uma sociedade de raízes escravocratas e patrimonialistas como a nossa” (idem, p.

93).

Podemos observar também no documento da EJA o diálogo entre estas perspectivas teóricas, na

reflexão sobre a organização dos tempos nesta modalidade, uma vez que em um primeiro momento

apontam esta organização, levantando elementos tanto da teoria crítica quanto da pós-crítica,

mostrando que “as experiências humanas são construídas através do tempo. Neste contexto, estão as

experiências educativas escolares movimentadas por sujeitos diversos. A noção de tempos como

continuidade no presente e no futuro, e não como reposição do passado; articula-se também ao fato

de que os sujeitos da EJA vivenciaram, ao longo de suas vidas, outros tempos de aprendizagens, que

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22

não o escolar. Pensar o tempo na EJA vai além de definir uma medida. Pressupõe pensar que os

sujeitos jovens e adultos estão enredados em várias temporalidades circunscritas à vida e não à

escola. São os tempos do trabalho, das relações familiares, do cuidado com a saúde do filho, do

lazer, de ir à igreja, do pagode, da afetividade, etc” (EJA, p. 16 e 17).

Podemos perceber nos documentos a incorporação de conceitos próprios à perspectiva crítica e pós-

crítica que se entrelaçam, que dialogam entre si e que nos impelem a perceber nosso fazer como algo

dinâmico e processual, por que não dizer complexus, ou seja, que é tecido junto (MORIN, 1999).

5 – Considerações Finais

Desta forma queremos convidar toda a Comunidade Escolar para o processo de

ressignificação/reelaboração do documento das Diretrizes Curriculares, pois, conforme assinalamos

no Projeto de Formação Continuada, com a temática “Diretrizes Curriculares” (2011), além das

proposições no campo legal, também se faz necessário observar os avanços teóricos no campo da

educação, do currículo e das áreas de conhecimento específicas, oriundos da vasta produção

acadêmica.

Temos também que considerar as mudanças na conjuntura social, política, econômica e cultural, e,

principalmente as transformações na prática educativa, no trabalho docente, ou seja, neste momento

é de fundamental importância apropriar e incorporar os fazeres e saberes consolidados na escola,

pois o documento das Diretrizes Curriculares deverá revelar e traduzir o seu cotidiano, de modo a

potencializar o trabalho dos profissionais da educação.

Conforme observamos neste texto, temos muito em comum. Não pretendemos, com essa

informação, esgotar a análise dos documentos em questão - esta deverá ser enriquecida por todos os

envolvidos no processo. Cabe-nos o desafio de aprimorar o que temos consolidado, a partir da

perspectiva de articulação e integração da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de

Jovens e Adultos, bem como das áreas de conhecimento específico.

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6 – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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