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  • Universidade Federal de Santa Catarina Licenciatura e Bacharelado em Letras-Libras na Modalidade a Distncia

    Audrei Gesser

    Metodologia de Ensino em LIBRAS como L2

    Florianpolis

    2010

  • MEN em LIBRAS como L2 Audrei Gesser

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    APRESENTAO DA DISCIPLINA

    Caro(a) aluno(a), Voc est na reta final de sua formao para atuar e se tornar um(a) professor(a) de lngua de sinais, parabns! Neste perodo iniciamos nossos estudos com a disciplina de Metodologia do Ensino em LIBRAS como L2 e estudaremos algumas fundamentaes que permeiam esta rea terico-metodolgica no sentido de lhe orientar sobre questes de ordem prtica no ensino. O ponto central do material que estar sua disposio torn-lo capaz de refletir, dialogar, e questionar posies, significados e conceitos tericos da rea metodolgica e das abordagens de ensino nos diversos espaos de aprendizagem de lnguas, especialmente queles da sua realidade de atuao profissional.

    Vimos na disciplina de Lingstica Aplicada que h vrias questes que compem os cenrios de sala de aula, e ensinar e aprender uma lngua est marcado de atravessamentos scio-discursivos, poltico-ideolgicos, culturais e metodolgicos. O processo ensino-aprendizagem no e nunca foi um fenmeno isolado desenvolvido em um vcuo independente de outras influncias societais. Voc ver que a disciplina que nos debruaremos a estudar est embasada na perspectiva das metodologias de ensino de lnguas orais, mas o ponto de partida de que tambm deva ser teorizada a partir de perspectivas das culturas surdas e dos contextos de lngua de sinais. E da sua contribuio para construirmos e refletirmos juntos a prtica de ensino de LIBRAS como L2 e/ou LE no sentido de criarmos tambm uma tradio terico-metodolgica pensada em outra dimenso de ensino-aprendizagem de lnguas a visual-gestual.

    O material est composto de 8 unidades abrangentes e inter-relacionadas O que metodologia de ensino de lnguas?, Histrico e princpios das metodologias de ensino de lnguas, O que aprender lnguas?, O que ensinar lnguas?, Variveis no contexto de ensino, Habilidades receptivas e produtivas da lngua, Material didtico, Cursos, unidades e aulas apresentados em hipertextos e no DVD, nos quais voc encontrar resumos, situaes de sala de aula, atividades, glossrio, bibliografia obrigatria e sugestes de bibliografia complementar. Ento, sucesso nos estudos e um forte abrao!

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    SUMRIO

    1. O que metodologia de ensino de lnguas? 1.1 Comeando a conversa... 1.2 L1, L2, e LE: por uma definio quase possvel... 1.3 Resumindo...

    2. Histrico e princpios das metodologias de ensino de lnguas 2.1 Os mtodos em Lnguas Orais 2.2 E os mtodos em Lnguas de Sinais, o que dizer? 2.3 Alguns jarges utilizados no Ensino de Lngua Comunicativo 2.4 Para refletir... 2.5 Resumindo...

    3. O que aprender lnguas? 3.1 Escopo de investigao 3.2 Notas sobre as teorias de aquisio de segunda lngua 3.3 Resumindo...

    4. O que ensinar lnguas? 4.1 Ensinar uma arte... 4.2 Ensinando a partir de princpios cognitivos, afetivos e lingsticos 4.3 Ecletismo no ensino 4.4 Por uma prtica de ensino reflexivo 4.5 Operao global de ensino e as competncias do professor 4.6 Resumindo...

    5. Variveis no contexto de ensino 5.1 O papel da Lngua Materna na aprendizagem de L2/LE 5.2 Estilos cognitivos de aprendizagem 5.3 Estratgias de aprendizagem 5.4 Resumindo...

    6. Habilidades receptivas e produtivas das lnguas 6.1 Compreenso oral e compreenso visual: alguns paralelos 6.2 Produo oral e expresso sinalizada: alguns paralelos 6.3 Observaes sobre o ensino de vocabulrio 6.4 Ensino da gramtica da LIBRAS 6.5 Ensino da datilologia 6.6 Classificando as tcnicas de ensino... 6.7 Resumindo...

    7. Material didtico 7.1 Delineando princpios e critrios para avaliar livros-texto 7.2 Notas sobre reformulao e criao de material didtico 7.3 Resumindo...

    8. Cursos, unidades e aulas 8.1 Elaborando o plano de aula... 8.2 Questes no planejamento de cursos e unidades 8.3 Uma palavrinha sobre currculo 8.4 Resumindo...

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    1. O QUE METODOLOGIA DE ENSINO DE LNGUAS?

    O objetivo dessa unidade introduzir alguns conceitos que norteiam a discusso sobre as Metodologias de Ensino de Lnguas, procurando desmistificar a idia de que a utilizao de um ou outro mtodo possa resolver as questes complexas e inerentes de aprendizagem. Alm disso, a discusso caminha para o entendimento de alguns conceitos, como por exemplo, os conceitos de lngua(gem), ensinar e aprender. Estes do o tom para afirmarmos quando uma abordagem norteadora de ensino de lnguas mais estrutural ou comunicativa.

    1.1 Comeando a conversa... Um jeito bastante comum de se conceituar realidades que

    desconhecemos nos ampararmos em informaes que dispomos por meio de comparaes, associaes, dedues e/ou nos discursos do senso comum (conjunto de opinies e modos de sentir que, por serem impostos pela tradio aos indivduos de uma determinada poca, local ou grupo social, so geralmente aceitos de modo acrtico como verdades e comportamento prprios da natureza humana Fonte: Dicionrio Aurlio). Vejamos a cena:

    Um grupo de alunos est esperando o professor de Metodologia de Ensino em LIBRAS chegar. Entre uma conversa e outra, alguns alunos, curiosamente, indagam uns aos outros: O que ser que vamos aprender nessa disciplina?, Ser que existe um jeito certo de ensinar lnguas?. Outra aluna, ao ouvir o comentrio acrescenta: Acho que vamos aprender muitas dicas e frmulas para o ensino da LIBRAS.... O professor se aproxima da sala de aula, e um aluno lana a pergunta: Ento professor, na sua disciplina vamos aprender como que se ensina lnguas corretamente?

    Eis na cena descrita acima um exemplo de senso comum. Tradicionalmente, metodologia tem sido definida como um conjunto de procedimentos explicveis por um feixe de pressupostos recomendveis para bem ensinar uma lngua (Brown, 1994). As prprias teorizaes em torno das metodologias tm desencadeado no imaginrio dos professores em formao uma viso idealizada (ato de criar na imaginao; imaginada, fantasiada) de ensino e de professor de lnguas pautada em receitas e em comportamentos especficos. As metodologias viveram (vivem?) ondas de modismo, e alguns professores seguidores

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    ortodoxos (que seguem uma doutrina, moral, dogma como se fossem verdades absolutas) de uma ou outra tendncia.

    Em conformidade com a limitao das metodologias e aos seus altos e baixos provenientes de alguns modismos na rea, sugiro iniciar uma discusso descolada da imagem ideal e normativa da prtica de ensino, pois como veremos adiante, elas no correspondem realidade e especificidades que encontraremos cotidianamente nas salas de aula.

    Em linhas gerais, pode-se afirmar que as metodologias de ensino de lnguas orais tm oscilado (balanado de um lado para outro) entre uma abordagem cujo foco no uso da lngua e noutra com o foco na forma. Dentro destas duas vises antagnicas (opostas, contrrias) delineado o campo investigativo de ensino e aprendizagem de lnguas e no qual um panorama geral dos inmeros mtodos ser introduzido posteriormente. Voc deve estar se perguntando a esta altura: (1) qual a diferena entre abordagem e metodologia de ensino? E, (2) o que significa uma abordagem com foco na forma e outra com foco no uso da lngua? Vamos por partes.

    As terminologias na literatura especializada de ensino de lnguas tm sido alvo de inmeras discusses e at confuses. Todo o conceito passa por releituras e refinamentos tericos, e neste sentido torna-se dependente das significaes elaboradas por cada pesquisador. Voc poder encontrar definies distintas ou equivalentes sobre um mesmo termo. Pense, por exemplo, sobre as inmeras definies na lingstica sobre o significante lngua... para evitar algumas ambigidades (obscuridade, impreciso) e possveis mal entendidos que se torna relevante, antes do incio de qualquer discusso, pontuar e situar o entendimento (sempre provisrio!) dos conceitos utilizados.

    Nesta disciplina, o termo metodologia ser utilizado para se referir ao estudo das prticas pedaggicas de uma forma mais abrangente, ou seja, o estudo dos mtodos de uma forma geral (Brown, 1994: 51). Abordagem empregada como um conceito mais abstrato, indicador de um conjunto de pressupostos, crenas e princpios tericos sobre a natureza da lngua(gem) e da aprendizagem (Brown,

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    1994: 51). Almeida Filho (1997a), na mesma linha de raciocnio, expande o conceito, afirmando que abordagem a filosofia de ensinar, ou seja, a orientao do fazer do professor, e, por ser constituda por idias mais abstratas, se mobiliza a orientar no somente os mtodos empregados para promover a experincia com e na lngua alvo, mas todos os outros elementos envolvidos no processo ensino-aprendizagem, a saber, o planejamento curricular, os materiais, a produo/extenses das aulas e a avaliao.

    Por ora, vejamos o esquema hierrquico proposto, em 1963, por Edward Anthony e refinado por Brown (1994: 51):

    Vejam que na hierarquia proposta acima, dois outros termos esto inter-relacionados: mtodo e tcnica. Mtodo diz respeito a um plano geral de apresentao sistemtica da lngua baseado em uma abordagem e tcnica (na literatura especializada outros termos podem, algumas vezes, ser utilizados como sinnimos de tcnica. So eles: tarefa, procedimento, atividade, exerccio. Na unidade 7, conheceremos algumas tcnicas e suas respectivas definies.) seriam as atividades especficas manifestadas na sala de aula que so consistentes com o mtodo e, portanto, tambm em harmonia com a abordagem (Brown, 1994: 48). Explica-se da porque mtodos distintos podem pertencer a uma mesma abordagem.

    Retomando a segunda pergunta posta acima, que questiona a diferena sobre o significado de uma abordagem de ensino com foco na forma e outra no uso

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    de lngua, o que dizer? Em linhas gerais, pode-se afirmar que estas duas linhas mestras e orientadoras do processo ensino-aprendizagem de lnguas diferem em seus construtos tericos a partir de, pelo menos, trs categorias de comparao (Brown, 1994; Almeida Filho, 1997a, 1998):

    o conceito de lngua(gem) o conceito de ensinar o conceito de aprender

    Atravs da anlise destes conceitos, encontraremos traos distintivos que nos fazem compreender quando uma abordagem mais gramatical (forma) ou mais comunicativa (uso). Para a abordagem de vis estrutural a lngua(gem) deve ser entendida e estudada a partir da anlise da estrutura formal da lngua alvo. Portanto, nesta abordagem se contempla o estudo da gramtica, o que inclui o estudo da sintaxe e da fontica, por exemplo. As regras e as funes destas regras seriam o objeto de aprendizagem pelo aluno. No outro extremo, ou seja, para a abordagem comunicativa, a lngua(gem) concebida com um instrumento de comunicao e interao social. Os indivduos so partcipes na construo discursiva, e de maneira sempre negociada buscam a compreenso mtua que vai alm da simples decodificao lingstica. Aspectos psicolgicos, sociais e culturais moldam tambm a comunicao verbal da lngua de que fazem uso, e neste sentido, tais aspectos comporiam o contexto de significados na interao.

    A viso de ensino na abordagem gramatical usualmente se pauta em livros didticos ou materiais cujo objetivo transmitir contedos da estrutura gramatical da lngua alvo. J na abordagem comunicativa ensinar uma lngua promover o desenvolvimento da competncia comunicativa (e lingstica) sempre partindo da promoo de vivncias do uso real e significativo da lngua alvo a partir da construo de novos significados na e atravs da interao com o outro.

    Quanto ao conceito de aprender, a abordagem gramatical o concebe como a internalizao das formas lingsticas e a memorizao de modelos sem cogitar quaisquer intervenes dos alunos nos contedos oferecidos. Na comunicativa, por outro lado, aprender lnguas significa saber interpretar e produzir mensagens dentro

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    de situaes e contextos particulares. Entra a a compreenso do aluno em saber tambm negociar significados entre e com os seus interlocutores.

    Esclarecido os elementos norteadores que definem as duas grandes abordagens de ensino de lnguas uma mais estrutural (foco na forma) e outra mais comunicativa (foco no uso) fica ainda um lembrete: o professor quem ir decidir, considerando as diversidades (e adversidades!), quais aspectos do ensino e da aprendizagem so mais ou menos relevantes em determinadas situaes, pois sabido que no h teoria ou combinao de teorias capazes de dar conta de todos os desafios presentes nos contextos de aprendizagem de lnguas segundas e/ou estrangeiras. Mas esta questo refere-se a algumas orientaes que determinam a prtica do professor, assunto que discorreremos, na unidade 4, sobre as ditas competncias do professor...

    Vejamos agora o quadro resumido comparando os conceitos norteadores das duas grandes abordagens (baseado em Brown, 1994; Almeida Filho, 1997a, 1998):

    Abordagem Gramatical

    Abordagem Comunicativa Conceito de lngua(gem) a lngua ser abordada estruturalmente, via gramatical (forma), ou ainda, com base na leitura e traduo de textos literrios e de memorizao de vocabulrio

    Conceito de lngua(gem) interao e comunicao so funes primordiais da lngua. H nela um significado real. Consideram-se aspectos no-verbais para a comunicao. Todos os elementos (significado, forma, fune e o contexto social) so relevantes para que a mensagem seja passada de forma apropriada.

    Conceito de ensinar transmisso de conhecimentos. Enfoque sobre a lngua (forma), sendo ela objeto de estudo.

    Conceito de ensinar pouca nfase na gramtica, priorizando-se a comunicao. A lngua alvo o veculo e seu uso deve ser maximizado nas interaes. As regras gramaticais s sero explicadas se as mesmas se converterem em desempenho fluente.

    Conceito de aprender o aprender monitorado e feito de forma consciente atravs das regras gramaticais, memorizaes e/ou tradues. Aprender unilateral e ocorre do professor ao aluno.

    Conceito de aprender o aprender feito de forma no monitorada. O envolvimento do aprendiz em situaes reais e significativas so construdas na interao com outros aprendizes e com o professor. O aprender dinmico e ocorre do professor ao aluno, do aluno ao professor, do aluno ao aluno.

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    1.2 L1, L2 e LE: por uma definio quase possvel... Pois bem, ainda ficou uma questo para ser esclarecida. Vejamos a cena:

    Aluno falando para a professora: Agora estou comeando a entender que o sucesso de aprendizagem de lnguas no depende exclusivamente das metodologias de ensino que o professor utiliza, mas ser que ensinar L1, L2 ou LE tudo igual? O que estes termos significam?

    A situao descrita nos remete novamente a essa fase importante na nossa construo de conhecimento: a definio dos termos. Na literatura especializada encontraremos algumas divergncias (opinies contrrias), o que gera algumas confuses. H uma tendncia simplista em se conceber os termos em uma perspectiva exclusivamente de ordem: L1 sendo a primeira lngua que falamos; L2 como a segunda; e lngua estrangeira (LE) a lngua como uma lngua pertencente a um povo de outro pas. No Brasil, a Lngua Inglesa, por exemplo, do ponto de vista nacional e institucional uma LE.

    Entretanto, quando se comea a estudar contextos de minorias e contextos bi/multilinges, tais definies parecem conturbar esse entendimento. E por que isso ocorre? Por que o status da lngua no deve ser definido apenas em relao lngua oficial ou nacional de um pas e sim a partir da perspectiva dos usurios, em suas respectivas comunidades de fala. No cenrio brasileiro, temos a lngua portuguesa como lngua primeira (L1) da maioria dos indivduos, mas no caso dos surdos, trata-se de uma lngua segunda (L2). O mesmo pode proceder para algumas etnias indgenas e para imigrantes alemes, italianos e japoneses, por exemplo. Alm disso, o indivduo pode ter mais do que uma L2, como o caso bem marcado dos indivduos de pases Africanos e Asiticos (Ellis, 1994). O bi/multilingismo , conforme vimos na disciplina de Lingstica Aplicada, um fenmeno mais recorrente e comum do que se pensa (Grosjean, 1996).

    Neste material, portanto, entende-se como L1 (ou LM) a lngua materna e natural do indivduo que funciona como meio de socializao familiar; L2 como aquela utilizada pelo falante em funo tambm de contatos lingsticos na famlia, comunidade ou em escolas bilnges (papel social e/ou institucional), podendo a L2 ser ou no de uso oficial da sociedade envolvente (Ellis, 1994), e lngua estrangeira

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    (LE) prxima definio de Almeida Filho (1998: 11): lngua dos outros ou de outros, de antepassados, de estranhos, de dominadores, ou lngua extica. Gostaria de extrapolar, entretanto, um pouco mais no conceito de LE, pensando este nos contextos de lnguas de sinais. Tenho defendido (Gesser, 2006: 67) que na perspectiva de muitos ouvintes a LIBRAS

    uma lngua estrangeira em seu sentido mais amplo, pois sabemos que a comunidade majoritria ouvinte pertence a uma tradio oral e aqui no me refiro em oposio modalidade escrita que concebe a lngua no sentido vocal-auditivo e no espao-visual. Ao tratar a relao dos ouvintes com a LS como estrangeira no estou levando em considerao somente questes de modalidades distintas, bem como o fato de a LS pertencer a uma minoria lingstica invisvel, e que no falada e entendida na sociedade brasileira (cf. Cavalcanti, 1999a). Afinal, seria um paradoxo chamar de estrangeira uma lngua Brasileira de sinais, lngua esta que est contemplada juntamente com mais de 200 lnguas no Livro de Registros das Lnguas.. Enfim, o uso (sempre entre aspas) da palavra estrangeira para fazer reflexes em torno da LS no sentido de De Certeau (1994) uma ttica/estratgia que lano mo para sensibilizar e pontuar o quo alheia a lngua de sinais para a maioria dos ouvintes...

    As definies so sempre complexas. Mas o que nos interessa por ora que fique claro que a literatura tem apontado diferenas na forma que a L1, L2 e LE so ensinadas, por sua vez influenciadas pela distino entre a noo de aquisio e aprendizagem (Krashen, 1981). Isto no anula a possibilidade de se fazer paralelos, pois alm de as teorias de aquisio de L1 iluminarem os estudos de como se aprende lnguas outras, h quem diga tambm que a aprendizagem de L1 em contextos formais de sala de aula teria mais sucesso se adotasse as perspectivas de ensino de L2/LE.

    Na nossa disciplina MEN em LIBRAS como L2 o foco esta voltado para a aprendizagem da lngua por alunos ouvintes. Ento, os termos L2 e LE sero sempre relacionados nesta discusso, pois assumo com Almeida Filho (1998: 12) que em toda aprendizagem de lnguas h um processo de desestrangeirizao, podendo a lngua-alvo tornar-se (ou no!) uma lngua mais familiar para o aprendiz. O status de L2/LE, a meu ver, serve tanto para se entender a relao de aprendizagem do ouvinte com a LIBRAS, quanto a do surdo com o portugus.

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    1.3 Resumindo... Vimos at aqui que vrios conceitos precisam ser esclarecidos para

    entendermos a complexidade da discusso sobre metodologias de ensino de lnguas. Dentre alguns aspectos, foi destacado que as metodologias no devem ser apropriadas pelo professor dentro de uma perspectiva universal ou imutvel, pois sabemos que todas elas pregam vises normativas e idealizadas de ensino. Neste enquadre de discusso, duas grandes abordagens foram delineadas com o intuito de mostrar que os mtodos se desenham entre, basicamente, dois extremos: com o foco mais voltado para a forma ou para o uso da lngua. Embora no tenhamos adentrado na discusso particular de cada mtodo, podemos antecipar que as metodologias termo abrangente para se referir aos mtodos tm sido permeadas por trs pilares disciplinares: a Lingstica, a Psicolingstica e o Ensino de Lnguas cujos conceitos de lngua(gem), aprender e ensinar so balizadores de toda a construo terica. E, neste quadro, configuram-se os traos distintivos e caractersticas de cada mtodo, mas este assunto para ser aprofundado na prxima unidade...

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    2. HISTRICO E PRINCPIOS DAS METODOLOGIAS DE ENSINO DE LNGUAS Nessa unidade o objetivo fazer com que voc compreenda a definio e abrangncias tericas das metodologias de ensino de lnguas orais como lngua segunda e/ou estrangeira e as possveis relaes no contexto de ensino de lnguas de sinais, especificamente o contexto de LIBRAS L2/LE. Para tanto, faremos um passeio histrico em torno das metodologias, e, resumidamente, ser apontado suas respectivas caractersticas. Veremos que h pouca referncia bibliogrfica focalizando o ensino de LIBRAS para ouvintes, e os contextos de Lngua Americana de Sinais contribuem para a construo deste entendimento. A unidade encerrada com a discusso das diversas faces do ensino de lngua comunicativo.

    2.1 Os mtodos em Lnguas Orais Variados mtodos so agrupados sob a abordagem gramatical e so

    desenvolvidos entre os sculos XVIII e meados do sculo XX. As habilidades mais enfatizadas eram a escrita, as regras gramaticais, a memorizao de vocabulrio e tambm tradues de textos, em funo da aprendizagem, no sculo XVIII, das lnguas consideradas clssicas latim e grego lnguas estas utilizadas pela elite letrada da poca na religio, filosofia, poltica e negcios. Orientados pelo Mtodo Clssico, os professores eram considerados autoridades mximas, e centralizavam o ensino nas habilidades de escrita e leitura, desconsiderando totalmente a comunicao oral. Com o passar dos tempos data-se que no sculo XIX o Mtodo Clssico comeou a ser chamado de Mtodo da Traduo e Gramtica; ainda que com uma nova roupagem mantinha suas caractersticas originais. Este perdurou at o sculo XX com fora e popularidade, pois requer poucas habilidades especializadas por parte dos professores alm do que os testes de regras gramaticais e de traduo so fceis de construir e pode objetivamente ser pontuados na avaliao Brown (1994: 53) [traduo minha].

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    Registra-se que a primeira reao contra o Mtodo da Traduo e Gramtica teve seu inicio por volta de 1920 (Celce-Murcia, 1991a: 4). Nesta onda, o argumento era de que parte gramatical usada era inapropriada para a aprendizagem efetiva da lngua inglesa, alm do que muita nfase era dada em aprender sobre a lngua e no em como usar a lngua. Embora a traduo fosse relevante quando a comunicao internacional era feita pelo latim escrito, as tentativas de uso e extenses de ensino oral das lnguas ficavam comprometidas, pois havia mais nfase nas formas literrias e no na linguagem natural falada pelos usurios.

    Ainda que o Mtodo Direto surja como alternativa ao Mtodo de Traduo e Gramtica, importante destacar, anteriormente, o Mtodo Seriado (de Gouin) na nossa discusso, dado que no tem recebido muita ateno na profisso. Conforme ilustra Brown (1994), as idias do francs Franois Gouin foram ofuscadas pela proeminncia do Mtodo Direto. Gouin era professor de latim e comeou a elaborar algumas idias, no final do sculo XX, a partir de sua prpria experincia de aprendizagem do alemo em idade avanada. Residiu em Hamburgo para aprender o idioma e o fazia atravs de memorizaes de verbos, palavras e da gramtica da lngua alem. Resultou dessa experincia um fracasso e concluiu que aprender uma lngua transformar percepes em conceitos da mesma forma que fazem as crianas. Ento, neste mtodo a lngua ensinada diretamente (sem traduo) e conceitualmente (sem explicaes das regras gramaticais) [a partir de] uma srie de sentenas conectadas que so facilmente percebveis (Brown, 1994: 55).

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    O Mtodo Direto, todavia, ganha mais popularidade no sculo 20. Esse mtodo, desenvolvido pelo alemo Charles de Berliz, enfatizava as habilidades udio-orais e o uso da lngua alvo pelo aluno, relegando como secundria a leitura e a escrita, pois acreditava que os aprendizes poderiam confundir os sons com a grafia. Da mesma forma que o mtodo de Gouin, a premissa era de que o aprendizado de uma segunda lngua deveria ser igual ao da primeira lngua, com interao natural e uma aprendizagem indutiva da gramtica pelos alunos. Estes repetiam e imitavam o modelo oferecido pelo professor. Critica-se este mtodo especialmente por entender que a linguagem praticada pelos alunos era a de sala de aula e no a linguagem que os alunos estariam usando na vida real.

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    O Mtodo Direto entra, nos anos 30, em declnio e os currculos escolares voltam a enfatizar o Mtodo de Traduo e Gramtica, enfatizando alm da gramtica, o ensino da lngua atravs da leitura. Permanece esta viso de leitura extensiva e intensiva agregada s explicaes gramaticais at mais ou menos o inicio da II Guerra Mundial. Neste cenrio de conflito internacional, os Estados Unidos precisavam de soldados comunicando em outras lnguas (de aliados e de inimigos), marcando a partir da o incio de uma revoluo no ensino de lnguas. A emergncia para se adquirir competncia lingstico-comunicativa pelos militares fomentou cursos intensivos com foco em habilidades udio-orais. Muitos investimentos foram feitos para se construir o que atualmente conhecido como Programa de Treinamento Especializado do Exrcito, popularmente, Mtodo do Exrcito. Dadas as necessidades dos soldados em guerra, a caracterstica principal era a atividade oral, com foco na conversao, prtica de pronncia e muita repetio. O olhar de vrias instituies voltou-se para este mtodo, e seguido de adaptaes e novas formulaes o mtodo do exrcito ento denominado entre profissionais de ensino como Mtodo Audiolingual. Mas quais eram as suas bases tericas?

    O Mtodo Audiolingual tornou-se dominante entre a dcadas de 40 e incio de 60 e, embora seja orientado por alguns preceitos de Mtodo Direto, h nele influncias significativas das teorias que estavam em voga: a lingstica estrutural e a psicologia comportamental. H neles uma supervalorizao da lngua falada, sustentando que o aprendizado estaria ligado ao comportamento de reflexos condicionados. Para tanto, a habilidade de fala era desenvolvida a partir de imitaes, repeties e memorizaes de palavras e frases. A pronncia enfatizada no lugar da gramtica (esta relegada a um plano menor), e laboratrios de lnguas e materiais audiovisuais so criados e intensamente utilizados no ensino. O enfoque, como se v, recai para o uso da lngua, mas concebe o aprendizado com um molde de hbitos, centrado e manipulado pelo professor para evitar que alunos no cometessem erros. A popularidade do mtodo comeou a entrar em declnio e severas crticas foram feitas: apontava-se que a lngua no poderia ser adquirida somente pela repetio, ou por formao de hbitos; e que erros no deveriam ser necessariamente evitados (Brown, 1994: 58). Outra questo era a de que havia repetio de frases que eram incompreensveis para os prprios aprendizes, sem qualquer tipo de interao

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    comunicativa. Coibia-se a liberdade de expressar formas no treinadas, e por isso a criatividade e os interesses dos alunos no era sequer contemplado.

    No perodo subseqente (anos 70) os profissionais vivem certa revoluo com a gramtica-gerativa de Chomsky, afirmando que o nativo de uma lngua tem uma predisposio inata para adquirir a lngua, ou seja, possui uma gramtica universal. A mente humana j est pr-determinada biologicamente para adquirir uma lngua, pois possui princpios rgidos internalizados. Chomsky ao desenvolver sua teoria da Gramtica Universal no estava tratando do aprendizado de uma L2, mas sua teoria tem implicaes e aplicaes para esta rea de conhecimento (cf. Krashen). Esta abordagem, conhecida como racionalista (ou cognitiva), contrape-se com a abordagem empiricista (behavorista) que fundamentou o mtodo audiolingual. A primeira concebe o uso da lngua como uma funo intelectual, onde a aprendizagem deve ser carregada de sentido: saber uma lngua ser capaz de criar novas sentenas na lngua. J na segunda (empiricista) concebe-se a lngua como um hbito, de uso automtico, imitativo, cuja aprendizagem recai na memorizao e exerccios repetitivos pautados em estmulos. Nesta atmosfera da abordagem cognitiva so formulados vrios mtodos: Silencioso, Comunitrio, da Resposta Fsica Total, Sugestopedia, e Natural.

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    O Mtodo Silencioso, idealizado por Caleb Gateno em 1972, tem uma inclinao bastante voltada para a resoluo de problemas, ainda que Gateno pensasse em uma perspectiva humanista. Nele, o aprendiz era motivado a descobrir o seu aprendizado sem ser ensinado, e por isso os processos indutivos de ensino eram postulados pelo professor. Nesta perspectiva acreditava-se promover a independncia, a autonomia e a responsabilidade do aluno no processo da aprendizagem da lngua alvo. Atividades de resoluo de problemas eram feitas, e o aluno levado a descobrir ou criar novas produes ao invs de apenas repeti-las ou emita-las. Os professores, por sua vez, ficam em silncio, promovendo feedback atravs de sinais ou por intermediaes com o uso de objetos fsicos. Todos os desafios so resolvidos pelo o aluno e o professor deve ficar fora de cena para no intervir no processo. As crticas ao mtodo referem-se ao fato de o professor ocupar um papel muito distante, e neste sentido, provocar uma atmosfera menos interativa e comunicativa. As falhas recaem no fato de que em muitos casos no h necessidade de o aluno ficar horas a fio tentando resolver uma questo j que o professor pode interferir e rapidamente guiar este aluno sem que este sofra tanto. A lio que esse mtodo nos ensina procurar permitir aos alunos em alguns momentos das nossas aulas que se sintam desafiados para buscar respostas e no receb-las prontinhas a toda hora (Brown, 1994: 63).

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    A natureza afetiva e interpessoal cogitada na aprendizagem, e o Mtodo Comunitrio de Aprendizagem de Lnguas inscreve-se nesta viso. O idealizador Charles Curran prega em trabalho datado em 1972 que para se aprender uma lngua necessrio um ambiente afetivo, sem ameaas para o aprendiz. Para tanto, os alunos, inicialmente, estabelecem relaes interpessoais em sua prpria lngua para evitar qualquer constrangimento. O objetivo instaurar uma comunidade de aprendizagem, e como em uma seo de aconselhamento, o professor vai traduzindo as falas a partir do que os alunos dizem em sua lngua. Em seguida os aprendizes repetem, e a conversa continua. Esse processo se estende e caso haja necessidade, o professor explica algumas regras ou itens lexicais especficos. Desenvolve-se o esprito de trabalho em grupo/equipe, por isso o mtodo se chama comunitrio (Brown, 1994: 59).

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    Outro mtodo que tem proeminncia na dcada de 70 o Mtodo da Resposta Fsica Total, articulado por James Asher em 1977. De acordo com os psiclogos o estmulo motor tem um papel fundamental na aprendizagem, e vinculado a esta noo, Asher observa que as crianas adquirindo a sua primeira lngua aparentam ouvir muito mais do que falar, e no processo de compreenso do insumo respondem fisicamente em forma de movimentos, olhares, toques, etc. Alm disso, o estudioso tinha uma preocupao em promover uma forma de ensinar que fosse o menos estressante possvel, para que os aprendizes no ficassem na defensiva nos momentos de aprendizagem. A essncia do mtodo est para a utilizao de atividades desempenhadas fisicamente, e para isto ocorrer o professor utiliza-se de vrios comandos na forma imperativa: abra a janela, peguem o material, mudem de lugares... so exemplos dessa forma utilizados extensivamente pelo professor. O uso da aprendizagem sinestsica potencialmente favorecido, e nele os aprendizes so convidados a atuarem enquanto o professor lhes fala alm de falar das atividades enquanto atuam. O mtodo, entretanto, tem seus pontos fracos, e embora funcione com alunos iniciantes, parece perder sua funo com alunos mais avanados no idioma. O apelo teatral e o uso de pantomimas funcionam em algumas situaes, mas

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    h momentos na aprendizagem em que a traduo e/ou explicao mais direta so necessrias, caso contrrio a aula pode se tornar apenas um jogo de adivinhaes (Brown, 1994: 64).

    Nem to embasado em princpios afetivos como o anterior, o Mtodo Sugestopedia do psiclogo blgaro Georgi Lozanov, registrado em 1979, propunha que a aprendizagem s ocorreria em um ambiente em que os alunos estivessem totalmente relaxados. O uso de idias da psicologia sobre a percepo sensorial e dos princpios da yoga promoveriam concentrao, em funo do aumento das ondas cerebrais e baixa na presso sangnea e pulsos. Para atingir este estado alfa na sala de aula, o professor utiliza msicas barrocas e assim, supunha, criava-se o estado de concentrao relaxada. O professor responsvel pela explicao do contedo, variando as atividades de dilogo, drama e traduo, por exemplo. Os alunos so sugestionados e devem se comportar de forma infantil para que o seu aprendizado fique mais aberto. Muitas crticas foram feitas ao mtodo, mas a principal est para o fato de se requerer do aluno uma quantidade excessiva de memorizao ao invs de entendimento da lngua alvo. Contudo, pode-se tirar como sugesto a possibilidade de se fomentar maneiras de tornar a sala de aula um ambiente mais relaxante e tranqilo para a aprendizagem de L2 (Brown, 1994: 61).

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    Tracy Terrel dedicou-se no desenvolvimento do Mtodo Natural com base nos estudos de aquisio de L2 do colega Krashen (krashen & Terrel, 1983). Utilizou alguns pressupostos do Mtodo da Resposta Fsica Total para argumentar que os alunos aprenderiam melhor se protelassem a produo lingstica at que esta naturalmente surgisse. Neste sentido no h expectativa que os alunos produzam linguagem logo de incio, pois entendem que no processo h um perodo silencioso. Da mesma forma que a aquisio de L1, o aprendiz de L2 passar por estgios de aprendizado, e tem a autonomia na sala de aula para decidir quando deve falar. Neste mtodo a comunicao o objetivo primeiro e evita-se a correo de erros feitos pelos alunos. Para a aprendizagem ocorrer o professor ser aquele que promover o insumo lingstico, e este deve ser compreensvel e ir um pouco alm do nvel do aluno. As atividades tm um carter significativo e so relacionadas com o mundo real de comunicao. Esta abordagem ensina aos professores que h necessidade de respeitar o tempo dos alunos. Promover esta atmosfera permite aos alunos decidirem quando produzir na lngua alvo na qual esto expostos.

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    Encerramos este passeio histrico sobre as metodologias de ensino de lnguas orais com o Mtodo de Ensino de Lngua Comunicativo. Este tem seus idealizadores na Inglaterra, no final dos anos 60 e incio de 70, e embasado, por exemplo, nos trabalhos de Michael Halliday. A abordagem comunicativa comeava a dar um tom mais humanista, focado em um processo mais interativo para o ensino da lngua. Assim, os cursos de lnguas foram desenvolvidos e neles a lngua no era mais focada em descries de conceitos gramaticais ou lexicais, e sim em sistemas de significados necessrios para o uso comunicativo (Almeida Filho, 1998). O professor de Lingstica Aplicada ingls David Wilkins desenvolve alguns significados para o uso comunicativo de lnguas destacando dois tipos: as categorias de funes comunicativas (pedidos, ofertas, recusas e queixas) e as categorias nocionais (conceitos de quantidade, tempo, seqncia, freqncia, localizao). Estas esto articuladas e expandidas em seu livro Planejamento Nocional (Notional Syllabuses), escrito em 1976. Embora o movimento comunicativo tenha as suas origens na tradio de estudos de significao (semntica) na Europa, h tambm uma expanso

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    nos Estados Unidos, na dcada de 70, fundamentado no trabalho de Dell Hymes (1972) e com a agregao de valores que enfatizam a educao como instrumento de mudanas sociais. Inseridos nessa atmosfera do movimento reconstrucionista, a lngua passa a ser concebida para alm de um simples processo de codificao e decodificao, destacando os professores e alunos como agentes ativos, que se engajam no processo ensino-aprendizagem atravs de atividades de negociao e construo de sentidos, e que d vazo, portanto, produo criativa, imprevisvel e singular da natureza interacional.

    Com o exposto, podemos verificar que o ensino formal da gramtica predominou no panorama de discusso e nas prticas metodolgicas por um longo perodo, sendo que somente a partir da dcada de 70 que se comea a pensar a importncia do ensino comunicativo, conforme pode se visualizar no grfico abaixo:

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    Estas duas grandes abordagens (gramtical e comunicativa) marcam o panorama, mas dependendo dos movimentos e da atmosfera dominante de cada perodo histrico os mtodos so orientados pelas seguintes abordagens centrais de aprendizagem (Celce-Murcia, 1991a: 8):

    Abordagem estrutural-gramatical: aprender uma lngua saber combinar unidades mnimas dentro da sua estrutura maior, desde o estudo fonolgico ao sinttico.

    Abordagem comportamental: aprender uma lngua parte da idia de imitao, ou seja, da formao de hbitos repetitivos como a extensa repetio de modelos lingsticos.

    Abordagem cognitiva: aprender uma lngua envolve processos cognitivos mentais complexos.

    Abordagem afetivo-humanstica: aprender uma lngua um processo de auto-realizao e de socializao com outras pessoas.

    Abordagem da compreenso: aprender uma lngua ocorre se e somente se o aprendiz compreende o insumo significativo.

    Abordagem comunicativa: o propsito de se aprender uma lngua a comunicao.

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    2.2 E os mtodos em Lnguas de Sinais o que dizer? Pouqussimas investigaes tm sido feitas a respeito das metodologias

    para o ensino de lngua de sinais como L2. Ainda assim, os Estados Unidos tm tido uma tradio de pesquisas um pouco mais ampliada e discutida em relao instruo da American Sign Language (ASL). Wilcox & Wilcox (1997: 84) relatam que, no incio da profisso, os professores de ASL tinham sua disposio dois livros didticos, orientados basicamente por princpios cognitivistas. O livro inicialmente usado e intitulado Um curso bsico em ASL prioriza o conhecimento gramatical, e a lngua alvo apresentada atravs de atividades de repetio de substituio ou de transformao do exemplo proferido pelo professor, e tambm de atividades de pergunta e respostas. Estava tambm a disposio dos professores o livro chamado Um curso bsico em comunicao manual, cuja linha mestra estava para o mtodo audiolingual neste caso o livro era composto de vrias figuras para se promover a prtica da lngua alvo.

    Outro livro utilizado a srie denominada American Sign Language, cuja perspectiva de ensino est pautada em um conceito espiral e tambm interativo, o que inclui, por um lado, um aprofundamento do contedo na medida em que o conhecimento da lngua ia progredindo, e por outro, a oportunidade de o aprendiz praticar o contedo em pares e/ou em grupos. Com a disseminao das descries da ASL, os professores passam a incluir a discusso das caractersticas lingsticas da lngua como objeto de ensino. Contudo, o conhecimento sobre a lngua alvo, ainda que efetivo pelos alunos, no dava conta de tornar os alunos usurios, capazes de conversar naturalmente em ASL, ou seja, era possvel observar que os alunos no se sentiam confortveis em interaes interculturais com os surdos (Wilcox & Wilcox, 1997: 84). Resulta da o entendimento de que a competncia gramatical/estrutural de uma lngua apenas uma parte do processo de aprendizagem, j que questes de interao intercultural devem tambm ser enfatizadas para efetivamente fluir no desempenho lingstico.

    Neste cenrio, financiamentos do governo americano so liberados e um novo projeto curricular desenvolvido dentro de uma abordagem funcional, cuja nfase est para a comunicao pautada em funes lingsticas do tipo saudaes,

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    como fazer solicitaes, como dar direcionamentos, etc. O projeto (Sinalizando naturalmente) foi desenvolvido na Califrnia e provou ser uma orientao tanto mais efetiva para a aprendizagem da dos ouvintes com uma forma de mostrar a complexidade da ASL. Inserem-se a os postulados da abordagem comunicativa ao se propor a prtica de uso de linguagem em situaes reais atravs do ensino das funes, e tambm cognitiva ao se propor um foco em aspectos como pronncia, marcaes no-manuais, habilidades expressivas e receptivas... (Wilcox & Wilcox, 1997). Os professores surdos americanos tm sido encorajados a abordar o ensino comunicativamente, e no contexto de ensino da ASL, o caminho percorrido das abordagens e metodologias parece ter sido o mesmo: inicia-se em uma viso mais gramatical-estrutural para uma mais comunicativo-interativa.

    No Brasil, a discusso incipiente (nova, que est no incio), mas pode-se destacar o projeto pioneiro coordenado por Tnia Felipe em 1993, intitulado Metodologia do ensino de LIBRAS para ouvintes, que resulta na formulao do livro LIBRAS em Contexto Curso Bsico. Embora no material no haja um esboo refletindo teoricamente as metodologias padres de ensino de lnguas e as possveis transposies e/ou aplicaes no contexto da LIBRAS, pode-se encontrar algumas orientaes metodolgicas postuladas pela equipe no captulo Orientaes para o aluno (Felipe, 2001a: 15). Vejamos o guia na ntegra:

    Princpios gerais para o estudante:

    Para que o aluno alcance um nvel razovel em seu desempenho comunicativo, precisar ter o desejo e oportunidade de se comunicar em LIBRAS, por isso as orientaes metodolgicas, abaixo, serviro dos seguintes princpios gerais que nortearo o ensino/aprendizagem desta lngua: Evite falar durante as aulas: devido ao fato de as lnguas de sinais utilizarem o canal gestual-visual, muitos alunos ouvintes ficam tentados a falar em sua lngua enquanto tentam formular uma palavra ou frase na lngua que esto aprendendo. Esta atitude pode ocasionar um rudo na comunicao, ou seja, uma interferncia mtua de cdigos que prejudica o processo de aprendizagem de uma segunda lngua j que cada uma tem sua prpria estrutura. Tente esquecer sua lngua oral-auditiva quando estiver formulando frases em LIBRAS. Um aprendizado de uma segunda lngua pode ter o suporte da primeira para se compreender e comparar as gramticas das duas lnguas, mas quando se esta estruturando uma frase tente pensar em LIBRAS;

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    Use a escrita ou expresses corporais para se expressar: em um primeiro momento, devido ao fato de no se ter ainda um domnio da lngua, o aluno, motivado por uma insegurana natural, tentado a usar sua lngua para perguntar ao professor ou aos seus colegas o que no consegue apreender de imediato. Uma alternativa, para evitar esta interferncia, a comunicao atravs da datilologia, da escrita, ou tentar a utilizao de expresses corporal e facial a partir do contexto, recursos utilizados pelos prprios surdos ao se comunicarem com ouvintes, que no conseguem compreend-los, quando se expressam oralmente, ou no sabem a lngua de sinais. Tente sempre se expressar em LIBRAS, o professor entender sua comunicao e o induzira aos sinais que sero necessrios para a situao comunicativa que deseja expressar; No tenha receio de errar: o erro no deve ser entendido com falha, mas como um processo de aprendizagem. Tenha segurana em si mesmo. Na comunicao sempre o erro est presente, mas o contexto ajuda a perceber a inteno comunicativa e o professor ou o colega poder ajudar a encontrar a forma adequada para a situao. Pense na mensagem que se quer transmitir e no nas palavras isoladamente; Desperte a ateno e memria visuais: como os falantes de lnguas orais-auditivas desenvolvem geralmente mais ateno e memria auditivas, necessrio um esforo para o desenvolvimento da percepo visual do mundo um olhar, uma expresso fcil, sutis mudanas na configurao das mos so traos que podem alterar o sentido da mensagem; Sempre fixe o olhar na face do emissor da mensagem: as lnguas de sinais so articuladas em um espao neutro frente do emissor, mas como as expresses faciais e corporais podem especificar tipos de frases e expresses adverbiais, preciso estar atento ao sentido dos sinais no contexto onde esto colocados. O importante a frase e no o sinal isolado. , tambm, considerado falta de educao o desviar o olhar durante a fala de algum pois representa desinteresse no assunto; Atente-se para tudo que est acontecendo durante a aula: preste ateno nas orientaes e conversas do professor com outro aluno e nas atividades feitas pelos seus colegas de classe. Tudo aprendizagem; Demonstre envolvimento pelo que est sendo apresentado: atravs de aceno de cabea, expresso facial e certos sinais, o receptor demonstra ao emissor da mensagem que est interessado, compreendendo e que este pode continuar sua fala (funo ftica da linguagem); Comunique-se com seus colegas de classe, em LIBRAS, mesmo em horrio extra-classe ou em outros contextos, assim pode-se sempre exercitar e apreender as vantagens de se saber uma lngua de sinais em certas situaes onde se quer falar a distancia, o som atrapalha ou mesmo a mensagem deve ser sigilosa; Envolva-se com as comunidades surdas: como todo o aprendizado de lngua, o envolvimento com a cultura e os usurios importantssimo, portanto, no basta ir s aulas e rev-las atravs da fita de vdeo, preciso tambm buscar um convvio com os surdos para poder interagir em LIBRAS e, consequentemente, ter um melhor desempenho lingstico.

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    Em conformidade com as idias expostas, tambm h no captulo Orientaes para o instrutor/professor (Felipe, 2001b: 15) princpios pautados em como ensinar a LIBRAS. Vejamos:

    Princpios gerais para o professor:

    Ensinar uma lngua de sinais para ouvintes tarefa difcil, por isso, certos princpios podem ser seguidos para melhor ensino-aprendizado: a) Desperte em seus alunos a segurana em si mesmos, reduzindo ao

    mximo as correes quando eles estiverem tentando se comunicar; b) Quando for fazer uma atividade individual, solicite primeiro aos alunos

    mais desinibidos ou aos que esto demonstrando ter compreendido melhor a atividade;

    c) Estimule sempre a produo, incentivando o uso da LIBRAS em todas as situaes mesmo fora da sala de aula;

    d) Faa sempre atividades que exercitem a viso; e) Nunca fale em portugus junto com a LIBRAS, porque como estas

    lnguas so de modalidades diferentes, uma pode interferir negativamente sobre a outra, j que uma necessita uma ateno auditiva e a outra, visual;

    f) Faa o aluno perceber que no deve anotar nas aulas porque isso desvia a ateno visual. A reviso das aulas em casa poder ser feita atravs do Livro do Estudante e da Fita que acompanha esse livro;

    g) No faa o aluno repetir suas frases ou memorizar listas de palavras, coloque-o sempre em uma situao comunicativa onde ele precisara usar um sinal ou uma frase. A tarefa do instrutor de lngua habilitar o aluno a ser um bom usurio, isto , a usar a lngua que est aprendendo para poder se comunicar;

    h) Incentive seus alunos a participarem de atividades scio-culturais realizadas nas comunidades surdas para que possam se comunicar em lngua de sinais brasileira.

    2.3 Alguns jarges utilizados no Ensino de Lngua Comunicativo Dentro dos mtodos apresentados, parece que h certa tendncia dos

    cursos de lnguas segundas e/ou estrangeiras e dos profissionais que neles atuam em qualificar como positiva a abordagem comunicativa. H, entretanto, uma possibilidade enorme de formas para se interpretar e definir o que determinaria o comunicativo no processo. Brown (1994: 77) afirma que ns nos beneficiamos com as batalhas metodolgicas do passado, pois hoje, sabemos que a questo metodolgica tem outra dimenso e complexidade:

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    Alm dos elementos gramaticais e discursivos na comunicao, ns estamos provando a natureza das caractersticas sociais, culturais e pragmticas da lngua. Ns estamos explorando meios comunicativos para a comunicao de vida real na sala de aula. Ns estamos tentando levar nossos alunos a desenvolver fluncia, e no apenas a exatido normativa que tem consumido na jornada histrica. ... Ns estamos preocupados de que forma facilitar a aprendizagem de vida longa entre nossos alunos, e no apenas com a tarefa de sala de aula imediata. Ns estamos olhando para nossos alunos como parceiros em uma aventura cooperativa. E nossas prticas de sala de aula visam alcanar seja l o que for que intrinsecamente desperte os aprendizes para alcanar seu maior potencial. (Brown, 1994: 77). [traduo minha].

    O ensino comunicativo tem seu caminho bifurcado em vrias direes (Brown, 1994: 80-84). Vejamos o diagrama:

    1. Ensino centrado no aprendiz contrasta com o ensino centrado no professor e orienta tanto as tcnicas utilizadas pelo professor como o currculo de uma forma ampliada. A noo que embasa esta perspectiva est para a motivao e emancipao dos alunos no processo. H uma preocupao em trabalhar as necessidades dos alunos, bem como os estilos individuais de aprendizagem. Os alunos so levados a desenvolver um senso de propriedade do aprendizado, o que os conduz a um sentimento positivo sobre sua competncia. Os objetivos so, via regra, negociados com o grupo.

    Aprendizagem

    baseada em tarefas

    Educao

    centrada no contedo

    Educao da lngua como um

    todo

    Aprendizagem

    interativa

    Aprendizagem cooperativa

    Ensino centrado no aprendiz

    Ensino Comunicativo

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    2. Aprendizagem cooperativa pressupe um ambiente de sala de aula (e/ou currculo) que prime pelo trabalho de grupo, como times que colaboram uns com os outros. Neta perspectiva acredita-se que a aprendizagem bem sucedida pelo fato de se reduzir o controle do professor nas intermediaes, por se reduzir o ambiente de competitividade, por aumentar a interao e participao dos alunos, e neste sentido, por ser considerado um ambiente no-ameaador para os aprendizes. As tcnicas e atividades so desenvolvidas sempre no sentido de dar a oportunidade de os alunos trabalharem em grupo, ajudando uns aos outros, inclusive explorando o progresso coletivo, e no individualizado.

    3. Aprendizagem interativa a interao considerada o corao de uma aula comunicativa, e neste sentido, este tipo de aprendizagem oportunizar momentos de interaes genunas, cujo foco estar para a negociao dos significados no uso de linguagem. Para tanto, atividades em dupla e em grupo so estimuladas para promover as trocas, e, portanto, promover um espao de trocas lingsticas espontneas, que remetam s conversas cotidianas reais.

    4. Educao da lngua como um todo neste vis, derruba-se a idia de que a lngua deva ser ensinada por partes isoladas. Trata-se de um foco holstico para o ensino de lnguas, cuja nfase est para situaes e contextos reais de uso de linguagem. Acredita-se que as atividades devem ser conduzidas a partir do todo para as partes menores, ento seria mais produtivo e eficiente para aprendizagem dos alunos, por exemplo, a leitura de um texto/artigo em sua forma original ao invs de partes adaptadas do mesmo. Alm disso, as habilidades so integradas e utilizadas, evitando-se o uso isolado ou enfatizado de uma ou outra. A aprendizagem centrada no aluno e como interao a palavra-chave, as atividades so mais trabalhadas em grupo do que individualmente.

    5. Educao centrada no contedo refere-se ao estudo simultneo da lngua alvo e contedo, disciplina e/ou assunto. O contedo que ditaria as formas e seqncias lingsticas, e a lngua passa a ser o meio cuja finalidade vai alm da proficincia lingstica. primordial a aquisio do contedo, e este est geralmente relacionado s necessidades e/ou interesse do aluno. Assim, concomitantemente construo de conhecimentos em matemtica ou geografia, por exemplo, adquire-se a lngua alvo. Neste tipo de enfoque, todavia, so requeridos profissionais habilitados tanto na proficincia lingstica como em conhecimento de disciplinas diversas.

    6. Aprendizagem baseada em tarefas nesta vertente do ensino comunicativo, a tarefa ocupa o seu lugar central. Acredita-se que a aprendizagem ser efetiva, pois h nela um propsito de uso da lngua que vai alm de um ensino pautado na gramtica ou vocabulrio. Ento, situaes que solicitem como obter informao, como dar instrues, como fazer solicitaes no trabalho e escola, como relatar ou contar uma estria, etc. As tarefas tm um carter que vise, em primeira instncia, a comunicao.

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    2.4 Para refletir... Veja-se que a abordagem comunicativa de ensino tem em seu eixo central

    a premissa de que as lnguas servem para comunicar, interagir. O professor realizaria a sua prtica de modo a contemplar situaes nas quais os aprendizes tenham oportunidades garantidas de manter o contato com o outro. Ainda que tentemos, ao assumirmos este vis, fazer do contexto de ensino um momento de comunicao real, significativa e natural, estas so apenas tentativas e aproximaes. Isto importante destacar porque tanto os professores como os alunos podem criar uma iluso instaurada pelo mito do nativo e o mito da comunicao (Coracini, 2007). Afirmaes positivas em respeito diversidade lingstica marcam os discursos dos tempos modernos, mas parece que se mantm a crena ainda muito forte entre professores e alunos de que a aprendizagem efetiva de uma lngua s se d se falarmos muito prximos ou iguais ao nativo. Esse ideal estigmatiza os diversos falares e finca noo de lngua os ideais da homogeneidade e do purismo lingstico. O mito da comunicao, por sua vez, supe que ao entendermos que usamos a lngua para travar a comunicao, temos a idia (ilusria) de que ela transparente e que as palavras por si s so suficientes para se estabelecer o entendimento... e, sabemos, no so! (cf. Bakhtin, 2004). A profisso de professor requer uma reflexo contnua dessas questes, seja no contexto de lnguas orais ou de sinais. Pense a respeito!

    2.5 Resumindo... At o momento trilhamos o caminho que pretendeu desconsiderar formas

    certas ou erradas de se ensinar j que todas as metodologias, abordagens e/ou mtodos refletem variados posicionamentos, compromissos e pontos de vista tericos, e esto inseridas em momentos histricos distintos. Por isso, o estudo sobre as metodologias de ensino de lnguas deve ser feito criticamente, pois sabido que o xito na docncia e no processo ensino-aprendizagem depende de inmeras variveis. No h, portanto, como bem pontuou o lingista aplicado Prabhu (1990), mtodo melhor ou pior para ensinar lnguas, nem tampouco um receiturio do que deve ser feito para enfrentar as situaes educativas. Adentrar e trilhar o percurso que estuda as metodologias de ensino de lnguas s ter tido validade se voc, aluno em formao, relacionar e assimilar o que lhe foi

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    apresentado s transformaes que vem ocorrendo no ensino, na prpria sala de aula e no contexto social mais amplo. H, entretanto, alguns princpios que podem embasar a atuao docente. Esteve (1997: 119) nos aponta trs:

    1. Identificar-se a si prprio como professor e aos estilos de ensino que capaz de utilizar, estudando o clima da turma e os efeitos que os referidos estilos produzem nos alunos.

    2. Ser capaz de identificar os problemas de organizao do trabalho na sala de aula, com vista a torn-lo produtivo.

    3. Ser capaz de resolver os problemas decorrentes das atividades de ensino-aprendizagem, procurando tornar acessveis os contedos de ensino a cada um dos seus alunos.

    Estes princpios do o tom, de uma forma ampliada, sobre a atuao docente, mas na unidade seguinte que discutiremos princpios especficos e questes de ordem prtica que devem ser relevados para se pensar o ensino de lnguas segundas e/ou estrangeiras sejam orais ou de sinais.

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    3. O QUE APRENDER LNGUAS?

    Sero abordadas, nesta unidade, algumas questes que compem o complexo processo de aprendizagem de lnguas. Primeiramente, os termos aquisio e aprendizagem sero definidos, e em seguida ser esboado o escopo de investigao e as grandes perguntas da rea de aquisio de L2/LE. Por fim, trs modelos de aquisio sero abordados: o modelo inatista, cognitivo e o scio-construtivista. O estudo da unidade traz expanses para pensarmos a aprendizagem da LIBRAS por ouvintes, e estimula a idia de que o professor deve constantemente teorizar as questes de sala de aula, estabelecendo elos entre seu ensino e suas teorizaes com a sua prtica e a aprendizagem do aluno.

    Vimos, no captulo anterior, que as metodologias de ensino foram formuladas e idealizadas para contornar e tentar resolver problemas de ordem prtica. Ainda que limitadas, pois no do conta de outras variveis condizentes com as diferenas individuais e contextuais, as metodologias so orientadas e pautadas em teorias de aquisio/aprendizagem de lnguas, pois na histria do ensino de lnguas a busca tem sido em encontrar formas para promover uma aprendizagem mais eficiente para um nmero maior de aprendizes. nessa direo que vrias disciplinas tm segmentado a questo e sugerido aos professores distintas opinies para se alcanar este objetivo:

    O psiclogo educacional aconselhou: olhe para o que os princpios da instruo da lngua(gem) se sustentam, e ns [professores] experimentamos mais conscientemente com os vrios modelos educacionais. O lingista descritivo aconselhou: olhe para uma melhor descrio da estrutura da lngua(gem), e ns experimentamos com formas alternativas de descrio da estrutura lingstica. O scio-lingista aconselhou: ensine a lngua(gem) atravs do seu uso funcional, e ns experimentamos com a substituio do nosso ementrio lingstico formal para um ementrio funcional objetivado em projees das necessidades comunicativas dos aprendizes. Os especialistas em desenvolvimento da lngua(gem) infantil aconselharam: olhe para o modelo natural de aquisio de lngua(gem), e ns experimentamos com as mudanas ao conduzir a instruo em conformidade com o que ali encontrado. Os humanistas aconselharam: centralize o seu ensino no aprendiz e ensine a lngua como um todo, e ns comeamos a experimentar mais conscientemente com as formas que refletem esta viso... (Celce-Murcia, 1991a: 23) [traduo e nfase minhas].

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    3.1 Escopo de investigao

    O processo de aquisio/aprendizagem de L2/LE fenmeno bastante complexo, pois h nele uma variedade de fatores. Por exemplo, idade, gnero, interesse, aptido, e fatores scio-psicolgicos como motivao, personalidade, atitude, estilo cognitivo, estratgico so de suma importncia para se compreender se ocorre e como ocorre a aprendizagem pelos alunos. Essa pletora (superabundncia) de variveis no permite respostas fceis ou seguras sobre o assunto...

    Diferentes pesquisadores tm dado inmeras interpretaes em suas pesquisas, especificamente quanto ao entendimento dos termos aquisio e aprendizagem. Krashen (1981), por exemplo, define aquisio como o processo subconsciente, onde a lngua se desenvolveria informalmente sem a necessidade de instruo. o entendimento do processo de aquisio da nossa lngua materna. J o segundo termo est relacionado com o processo consciente de se estudar uma dada lngua. Na aprendizagem pressupe-se um ensino formal enquanto que na aquisio a lngua adquirida naturalmente. Krashen (op. cit.) faz a distino entre os termos, pois entende que o processo de segunda lngua deve seguir os mesmos moldes da aquisio da primeira, sendo desnecessrio o ensino da gramtica e correo de erros. Veremos, mais adiante, um pouco mais sobre as hipteses sustentadas por Krashen (op. cit.). Por ora, importante dizer que no h definies simples para o entendimento de aquisio e aprendizagem, podendo significar coisas diferentes para diferentes pessoas, e por isso sero usadas, no decorrer deste material, como termos sinnimos e intercambiveis.

    Mas, qual o escopo das investigaes sobre aquisio de segunda lngua? Ellis (1994: 15-17) delimita quatro grandes questes: (1) O que os aprendizes de segunda lngua adquirem? (2) Como os aprendizes adquirem uma segunda lngua? (3) quais so as diferenas que existem na forma que os aprendizes individuais adquirem uma segunda lngua? (4) Qual efeito a instruo/ensino tem na aquisio da segunda lngua?

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    A primeira pergunta sobre o que os aprendizes adquirem a preocupao das pesquisas desenvolvidas entre o final da dcada de 60 e incio dos anos 70. Nessa linha procurava-se entender por que os alunos produziam sentenas incorretas. Amostras das produes dos aprendizes eram coletadas com o intuito de descrever as principais caractersticas, procurando regularidades. Posteriormente, os pesquisadores verificavam se havia mudanas ou no de uso de linguagem pelo aprendiz no decorrer de um perodo para tentar mapear o que aprendido.

    A pergunta que indaga como se adquire uma segunda lngua assunto de pesquisa que privilegia o processo, e nisto implica considerar os aspectos internos que buscam entender o que a mente processa para converter o insumo lingstico em conhecimento lingstico, e os aspectos externos que busca entender qual o papel da situao social em que o aprendizado ocorre.

    Em relao a terceira grande pergunta nos estudos de aquisio de linguagem, o foco nas diferenas individuais de aprendizagem. Aqui, pela primeira vez, desloca-se o olhar da aprendizagem (o que se aprende e como se aprende) para o aprendiz (quem ? quais as caractersticas?). Acredita-se que diferentes aprendizes tm diferentes ritmos para aprender uma lngua, que h diferenas na forma como aprendem, nas estratgias que utilizam, na forma que so motivados, etc.

    Finalmente, h tambm um interesse central em se descobrir qual o papel da instruo e seus efeitos na aquisio da linguagem. Alguns pesquisadores argumentam que a aquisio de uma L2/LE deve deixar a instruo explcita de lado, promovendo ambientaes similares aos contextos de aquisio da L1 em crianas (Krashen, 1981). Contudo, no da para se negar que os efeitos da instruo tm um papel central no desenvolvimento e aprimoramento das pedagogias de L2, j que as salas de aula permitem fazer um controle mais rigoroso da quantidade e do tipo de insumo lingstico que os aprendizes so expostos.

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    3.2 Notas sobre as teorias de aquisio de segunda lngua Pesquisas com o foco no processo merecem uma ateno especial, pois

    nos introduz aos modelos e hipteses que configuram as teorias no campo de aquisio de segundas lnguas. A literatura especializada destaca trs grandes modelos: o inatista, o cognitivo, e o scio-construtivista.

    MODELO INATISTA No modelo inatista, a hiptese do insumo, como mais conhecida,

    desenvolvida nos estudos de Krashen (1981) para tentar explicar o processo de aquisio, que por sua vez, compe o arcabouo terico com mais outras 4 hipteses. A primeira, referida como hiptese da aquisio-aprendizagem, pontua a diferena entre os dois processos para argumentar que uma segunda lngua, para ser de fato internalizada, precisa se pautar na mesma perspectiva que a aquisio da L1 das crianas. A diferena est em conceber aquisio como um processo intuitivo e subconsciente, e no caso de aprendizagem, o entendimento o oposto, ou seja, um processo monitorado e consciente. Para Krashen, portanto, aquisio e aprendizagem so dois processos excludentes. Esta primeira distino nos conduz ao entendimento da hiptese do monitor. Nela pontuada a idia de que se os aprendizes monitoram a lngua extensivamente ao produzi-la porque os aprendizes no adquiriram a lngua. O monitor comparado a um editor, e seu uso demanda do aprendiz tempo, conhecimento consciente das regras, preocupao com regras, fazendo da atuao lingstica um ato no-espontneo. Em seu entendimento, portanto, a aquisio da linguagem ocorreria de uma maneira predizvel, ou seja, seguindo uma ordem natural, da a hiptese da ordem natural. J na hiptese do insumo, Krashen enfatiza que para ocorrer aquisio necessrio que os aprendizes sejam expostos a um insumo compreensvel e que este seja estruturalmente um pouco mais elaborado e complexo do que o seu nvel atual de competncia lingstica. Ento, para um aprendiz produzir enunciados na lngua alvo, a compreenso pr-requisito. Refere-se a conhecida frmula (i+1). Um insumo fcil, sem desafio (i+0) tanto como um insumo muito difcil e complexo (i+2) emperrariam o processo de aquisio. Em sua quinta formulao terica, o pesquisador destaca a hiptese do filtro afetivo dizendo que se o aluno est ansioso, se tem baixa auto-estima, se no se sente parte do grupo no ambiente,

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    ento a aquisio ser bloqueada. Podemos ver ai que fatores emocionais podem inibir a faculdade de linguagem dos alunos.

    Embora tenha alguns pontos fortes, a teoria de Krashen tem tambm seus pontos fracos e por isso recebido severas crticas de outros estudiosos sobre o assunto. Uma das principais questes est para a forma nebulosa que o autor usa os termos subconsciente ao se referir aquisio e consciente para aprendizagem, j que muitos tm apontado que estes so termos muito difceis de se definir (McLaughin et allii, 1983). Outra crtica o fato de Krashen declarar que no h interfaces entre aprendizagem e aquisio, e tambm renegando a zero a idia de ensino explcito de regras gramaticais. A este respeito muitos estudos apontam direes positivas e afirmam que a instruo na forma pode desencadear a competncia comunicativa na L2 (cf. Brown, 2000: 280). H tambm certo essencialismo em Krashen ao dizer que o insumo a varivel para a aquisio, sugerindo um descrdito total aos aprendizes e aos seus esforos no processo de exposio lingstica. Promove-se, em contra partida, evidncias para a hiptese do produto (output) que, de uma forma geral, pregam que se adquire linguagem produzindo, tentando novas regras e vocabulrio a partir da correo, e ajustando a produo aos interlocutores. Este enfoque dado no modelo scio-construtivista, como veremos adiante. (Swain & Lapkin, 1995).

    MODELO COGNITIVO Neste modelo tem-se outro olhar sobre a aquisio de L2. Ir contestar as

    hipteses de Krashen, que em essncia so pautadas na aquisio de L1, para mostrar que a teorizao sobre o assunto deve se desvincular dos termos consciente/subconsciente. McLaughlin et allii (1983), por exemplo, argumentam em seu modelo de processamento e ateno que as informaes lingsticas podem ser processadas de forma controlada ou automtica. Este mecanismo de processamento, por sua vez, se justape as categorias de ateno, e com isso, pode sem tratar tanto de uma ateno focal como periferal. Ento na aprendizagem de uma L2 seriam consideradas controladas as habilidades novas e automticas, isto , quelas mais praticadas e exercitadas. Pensemos no exemplo de dirigir um carro. Inicialmente todas as nossas atenes esto voltadas para desempenhar as habilidades de pisar na embreagem, dar a partida, engatar a primeira marcha, soltar

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    a embreagem (aos poucos) e ir acelerando gradativamente e guiar o carro pelo caminho que queremos percorrer... Quando somos iniciantes, processamos controladamente essas etapas at o ponto que dirigimos o carro de uma forma mais automtica. Neste exemplo poderamos dizer tambm que no incio de nossa tarefa de aprender a dirigir o carro, nossa ateno mais focal, ou seja, depositamos uma ateno intencional, ao passo que depois de automatizada a nossa ateno passa a ficar mais periferal. Veja-se que ainda que tentemos separ-las para fins de discusso, estas operaes ocorrem simultaneamente. Brown (2000: 284) a partir do modelo de processamento desenvolvido por Barry McLaughlin esquematiza uma aplicao prtica em relao aquisio de L2:

    Ainda em conformidade com a perspectiva cognitva, Brown (2000) aponta alguns estudiosos que advogam o uso dos termos implcito e explcito na elaborao e explicao de modelos de aquisio de L2. Dentre eles, destaca o estudo pioneiro de Ellen Bialystok que equaciona os termos implcito/explcito com conhecimento no-analisado/analisado. O conhecimento explcito (ou analisado) aquele que o aprendiz alm de saber a lngua, ainda consegue articular a respeito. O conhecimento implcito (ou no-analisado), outro lado, refere-se ao conhecimento automtico e espontneo sobre a linguagem sem necessariamente saber articular ou explicar as suas regras. Tais modelos tm implicaes nas prticas de sala de

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    aula, onde estes dois tipos de conhecimento podem ser trabalhados, dependendo das necessidades dos aprendizes.

    MODELO SCIO-CONSTRUTIVISTA Os modelos scio-construtivistas esto pautados tanto nas teorias de

    aquisio de L1 como de L2. Os estudiosos que se inscrevem neste vis, concordam que a linguagem tem uma estrutura biolgica que distingue o comportamento humano, mas entendem que ela um produto scio-cultural que se serve do ambiente externo para sua estruturao. A linguagem, portanto, concebida como um produto scio-cutural. A interao mediada pela linguagem , portanto, o foco de explicao neste modelo. Retomamos o que vimos na disciplina de Lingstica Aplicada, quando estudamos a concepo de Lev Vygotsky sobre a linguagem. Alis, os modelos aqui desenvolvidos para se compreender a aquisio de L2 so potencialmente embasados na obra do psiclogo russo. nesse sentido que Michael Long se contrape a Krashen ao defender a hiptese da interao. Nela, diz o autor, o insumo compreensvel o resultado da interao modificada sendo este definido como as vrias modificaes que os falantes nativos e outros interlocutores criam a fim de render o insumo compreensvel para os aprendizes Brown (2000: 287) [traduo e nfase minhas]. Interessante neste modelo ficarmos atentos quanto s implicaes para a sala de aula: o currculo, as atividades, os materiais e as prticas dos professores buscam integrar o papel do insumo e da interao em um processo de construo social contnuo. Para finalizar a discusso, vejamos o esquema resumido de Brown (2000: 288) das teorias e modelos de aquisio de L2:

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    3.3 Resumindo... Nesta unidade estudamos algumas das grandes questes para a

    investigao da aquisio de L2, e tambm alguns modelos e hipteses que constroem o arcabouo terico da rea. oportuno enfatizar que toda a teorizao sobre a aquisio de L2 tem interfaces com a prtica de sala de aula e vice-versa. Veremos que a profisso do professor requer a integrao entre a prtica e a teoria. Nisto supe-se que o professor alm de buscar embasamento terico na literatura especializada, ele tambm pode (e deve) teorizar. Esses momentos de teorizao ocorrem se encarnamos o esprito do ensino reflexivo (assunto da prxima unidade) e se adotamos a pesquisa como mais uma prtica de sala de aula. Eventualmente, todos ns professores pensamos sobre algumas questes durante o nosso ensino, mas necessria muita descrio, formulao de hipteses e comparaes para entender como e o que os nossos alunos aprendem. No podemos nos esquecer tambm quais os estilos individuais para aprendizagem, e quais as necessidades dos aprendizes assim poderemos garantir algum tipo de alcance que nos move no ato de ensinar: a aprendizagem dos nossos alunos!

    Encerro a discusso desta unidade trazendo a ilustrao elaborada por Brown (1991, 2000: 295) naquilo que entende como a ecologia da aquisio de linguagem:

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    4. O QUE ENSINAR LNGUAS?

    Esta unidade traz alguns questionamentos da profisso: ensinar uma arte ou cincia? Os professores nascem professores ou so preparados? O processo ensinar-aprender previsvel ou no? Quais os princpios de ordem cognitiva, afetiva e lingstica devem pautar o ensino? A discusso aponta para uma abordagem ecltica, com prticas de um ensino reflexivo, onde o dinamismo, a relevncia, a adaptabilidade e a flexibilidade so as palavras de ordem para se conceber o ensino na atualidade, e, portanto, sermos bem sucedidos no nosso objetivo de professores: o de promover a aprendizagem. Essa construo de conhecimento nos fornece subsdios para pensar algumas relaes sobre o ensino de LIBRAS L2/LE.

    4.1 Ensinar uma arte... Quem j no ouviu dizer que o professor um artista ao ter que driblar os

    inmeros desafios e contratempos da profisso? Ou ainda, que para ser professor preciso ter dom? Alis, a idia de dom parece estar arraigada (firmada, enraizada) no nosso imaginrio em relao a tantas outras reas de atuao, no mesmo? fato que cada profisso demanda de seus profissionais certos adjetivos e/ou caractersticas especiais que tornam uma pessoa apta para ser mdica, advogada ou professora. Mas isto, sabemos, decorre, em grande medida, da formao profissional, pois ela nos d subsdios e ferramentas para entendermos questes de ordem terica e prtica. Neste sentido, pode-se afirmar que ensinar arte, mas tambm cincia! Arte porque permite que cada indivduo exercite habilidades individuais e a criatividade de formas distintas, e cincia porque existem teorizaes e sistematizaes estabelecidas, legitimadas e reconhecidas dentro da comunidade acadmica.

    Os professores que esto iniciando a profisso, todavia, ficam geralmente apreensivos e fazem muitos questionamentos: Como vou ensinar? Ser que levo jeito para ensinar? O que devo ensinar? Ser que ensinar lngua igual a ensinar outras disciplinas? Como devo planejar as aulas? Como responder perguntas difceis dos meus alunos, ou ainda, perguntas que no sei a resposta? Por onde comear? Como devo fazer as intervenes para promover a aprendizagem do

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    aluno? Voc mesmo j deve ter feito, introspectivamente, algumas destas perguntas, certo?

    Todas estas indagaes fazem parte do cotidiano do professor e com o passar do tempo que a confiana e segurana vo aumentando e, neste sentido tornando as prticas de ensino e os fazeres mais familiares. Os desafios na tarefa de ensinar so muitos, mas, por outro lado, ns professores testemunhamos com muita satisfao o processo (e progresso!) de aprendizagem de lngua dos nossos alunos (Brown, 1994: ix).

    4.2 Ensinando a partir de princpios cognitivos, afetivos e lingsticos

    Para se compreender melhor o processo ensino-aprendizagem de L2/LE, Brown (1994: 15-32) postula um ensino pautado em 12 princpios, que por sua vez esto relacionados a questes de ordem cognitiva, afetiva e lingstica do aprendiz:

    PRINCPIOS COGNITIVOS Dizem respeito, principalmente, s funes mentais e intelectuais. Todos aqueles processos internos monitorados e/ou desencadeados na nossa relao de aprendizagem/aquisio de uma lngua. So eles: automaticidade, aprendizado significativo, antecipao da recompensa, motivao intrnseca, e investimento estratgico.

    1. Automaticidade A aprendizagem de uma segunda lngua envolve um movimento gil do controle de algumas formas da lngua ao processo automtico de um nmero relativamente ilimitado dessas formas. Analisar demais a lngua, pensar muito sobre suas formas, e conscientemente hesitar sobre suas regras, tudo isto tende a impedir a formao da automaticiidade. (Brown, 1994: 17) [traduo minha].

    2. Aprendizado significativo A aprendizagem significativa conduzir a uma reteno de longo prazo melhor do que o aprendizado rotulado. (Brown, 1994: 18) [traduo minha].

    3. Antecipao da recompensa Os seres humanos so universalmente inclinados a agir, ou comportar-se, pela antecipao de algum tipo de recompensa tangveis ou intangveis, de longo prazo ou curto prazo

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    que ir garantir como um resultado do comportamento. (Brown, 1994: 19) [traduo minha].

    4. Motivao intrnseca As recompensas mais fortes so quelas intrinsecamente motivadas dentro do aprendiz. O fato de o comportamento ser desencadeado das necessidades, vontades e desejos dentro de cada um, o prprio comportamento auto-recompensador; portanto, nenhuma recompensa administrada externamente necessria. (Brown, 1994: 20) [traduo minha].

    5. Investimento estratgico O domnio bem sucedido de uma segunda lngua se dar em grande medida ao investimento pessoal do prprio aprendiz de tempo, esforo, e ateno a segunda lngua na forma de uma bateria de estratgias individualizadas para compreender e produzir lngua. (Brown, 1994: 20) [traduo minha].

    PRINCPIOS AFETIVOS Relacionados ao processamento emocional dos seres humanos, como por exemplo, os sentimentos sobre si, sobre as relaes na comunidade de aprendizes, e sobre os vnculos emocionais entre lngua e cultura. So eles: linguagem egocntrica, autoconfiana, correr riscos, e conexo entre lngua e cultura.

    6. Linguagem egocntrica Enquanto os seres humanos aprendem a usar uma segunda lngua, eles tambm desenvolvem um novo modo de pensar, sentir, e agir uma segunda identidade. A nova linguagem egocntrica, interligada com a segunda lngua, pode facilmente criar dentro do aprendiz um senso de fragilidade, um senso defensivo, um aumento de inibies. (Brown, 1994: 22) [traduo minha].

    7. Autoconfiana O sucesso eventual que os aprendizes atingem em uma tarefa pelo menos parcialmente um fator de sua crena que eles na verdade so perfeitamente capazes de cumprir a tarefa. (Brown, 1994: 23) [traduo minha].

    8. Correr riscos Aprendizes de lngua bem sucedidos, em seu realstico elogio de si prprios como seres vulnerveis ainda que capazes de cumprir tarefas, devem se esforar para se tornarem apostadores no jogo da lngua, tentar produzir e interpretar a lngua que est um pouco alm de sua absoluta certeza. (Brown, 1994: 24) [traduo minha].

    9. Conexo entre lngua e cultura Sempre que se ensina uma lngua, tambm se ensina um sistema complexo de costumes culturais, valores, e formas de pensar, sentir, e agir. (Brown, 1994: 25) [traduo minha].

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    PRINCPIOS LINGSTICOS A forma pela e na qual os alunos lidam com o complexo sistema lingstico que lhes exposto. So eles: efeito da lngua nativa, interlngua, e competncia comunicativa.

    10. Efeito da lngua nativa A lngua nativa dos aprendizes ser um sistema altamente significativo sobre o qual aprendizes dependero para prever o sistema da lngua alvo. Enquanto o sistema nativo exercitar tanto os efeitos de facilitar e interferir sobre a produo e compreenso da nova lngua, os efeitos de interferncia so provavelmente os mais salientes. (Brown, 1994: 26) [traduo minha].

    11. Interlngua Aprendizes de segunda lngua tendem a passar por um processo de desenvolvimento sistemtico ou experimental-sistemtico enquanto eles progridem na competncia da lngua alvo. O desenvolvimento bem sucedido da linguagem interlngua parcialmente um fator de utilizar retorno dos outros. (Brown, 1994: 27) [traduo minha].

    12. Competncia comunicativa Dado que a competncia comunicativa o objetivo de uma sala de aula de lngua, ento a instruo precisa apontar em direo de todos os seus componentes: organizacional, pragmtico, estratgico, e psicomotor. Os objetivos comunicativos so melhores alcanados quando se d devida ateno ao uso da lngua e no apenas ao emprego, fluncia e no apenas exatido, lngua e contextos autnticos, e necessidade eventual dos alunos em aplicar o aprendizado de sala de aula aos at ento no ensaiados contextos no mundo real. (Brown, 1994: 29) [traduo minha].

    4.3 Ecletismo no ensino A rea de instruo de lnguas chegou a um ponto de maturidade que

    reconhece que o contexto de ensino-aprendizagem to complexo, variando de lugar para lugar, de um grupo de indivduos para outro, com propsitos educacionais distintos (aprender lngua para ler textos tcnicos, aprender lnguas para viagem, para passar no vestibular...) e com cargas horrias determinadas, que hoje no se fala mais em mtodos separadamente, nem tampouco da necessidade de se criar novos mtodos. Nenhuma metodologia e/ou mtodo sozinho pode assumir a responsabilidade da composio heterognea dos contextos e dos indivduos. Por isso, tanto a sublimao quanto a segmentao dos mtodos podem conduzir a uma prtica reducionista (limitada, reduzida). desse entendimento que se fala em

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    abordagem ecltica (que inclui categorias variadas) para o ensino de lnguas segundas e/ou estrangeiras, pois pressupe que o professor pode dispor de todas as metodologias, sem que estas sirvam de dogmas (princpios religiosos e/ou moral, estabelecido como verdade e que no se contesta) em seus fazeres de sala de aula.

    Entretanto, usar, combinar, adaptar e/ou refinar os mtodos em questo s far sentido dentro deste vis se o professor pensar a partir de uma relao inversa: o contexto, a situao e as necessidades dos aprendizes determinariam a prtica do professor e no mais o mtodo. Sendo assim, temos uma abordagem mais dinmica, fluida e multifacetada, ou seja, uma abordagem que v o ensinar-aprender, metaforicamente, como um caminho de mo dupla com vrias bifurcaes e atalhos...

    Vale lembrar que o professor deve estar atento e preparado para fazer conexes no idealizadas entre a teoria (princpios derivados de pesquisa, podendo ser inclusive a teorizao sobre os inmeros mtodos de ensino e das teorias de aprendizagem) e a prtica (escolhas que o professor faz na sala de aula). Caso contrrio, continuaremos gravitando aqui e acol, carregando conosco o sentimento daquilo que Coracini e Bertoldo (2003) expressam bem no ttulo de sua obra: o desejo da teoria e a contingncia da prtica.

    4.4 Por uma prtica de ensino reflexivo Prabhu (1990), ao polemizar a idia de que no h melhor mtodo de

    ensino, postula que h um fator mais bsico do que a escolha entre os mtodos: o entendimento subjetivo do professor acerca do ensino que ministra. Est denominado a o senso de plausibilidade. O autor argumenta que os professores precisam ter uma compreenso sobre a forma que atingem o objetivo desejado no ensino que praticam. Noutras palavras, o professor deve estar atento a respeito de como o seu ensino age sobre o aprendizado e como este ocorre, [pois] professar a crena num mtodo pode meramente demonstrar o quo congelado est o senso de plausibilidade de um professor e o quo inseguro ele se sente frente s rotinas do ensino (172). necessrio que os professores contem com as experincias vividas com os seus alunos, e comecem, a partir das experincias profissionais, a criar suas

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    prprias rotinas de trabalho, por sua vez geradas pela sua intuio pedaggica, ou seja, senso de plausibilidade. Neste processo inclui um professor engajado no processo, um professor aberto a mudanas. Mas como este entendimento ocorre? Como evitar que as condies de trabalho congelem este esprito, limitando-se em apenas rotinas mecnicas e rotineiras de ensino? Pode-se afirmar que ocorre dentro de uma prtica da reflexo continuada ou como conhecido na literatura de Ensino Reflexivo.

    O norte-americano Donald Shn tem trabalhado com reformas curriculares nos cursos de formao de professores e desde o incio dos anos 90 emprega a expresso do professor reflexivo para articular a idia de valorizao da prtica profissional enquanto construo de conhecimento. Essa noo crucial, pois conforme a observao de Shn (1983), o professor formado no consegue dar respostas s situaes concretas de sala de aula, que emergem na correria do cotidiano e extrapolam as teorizaes cientficas. O professor estaria refletindo sua prtica, atravs da observao, anlise e problematizao constantes, que por sua vez resultariam em um repertrio de experincias configuradas em conhecimentos prticos. Em contextos brasileiros, autores como Cavalcanti & Moita Lopes (1991), por exemplo, tm discutido sobre a formao do professor. Argumentam que os cursos de licenciatura, de uma forma geral, tm tido uma preocupao elevada em desenvolver a proficincia lingstica do futuro professor de lnguas. Argumentam que a prtica de ensino tal como est sendo discutida em cursos de formao fica sucumbida a um receiturio de atividades, sem incluir ou prever uma formao que defenda o ensino reflexivo, onde estes profissionais tenham a oportunidade de pensar e discutir as prticas calcadas no esprito do professor-pesquisador.

    Nessa mesma linha pedaggica, Richards (1994) dedica um livro inteiro para explorar o ensino reflexivo no ensino de segunda lngua. O pesquisador acredita que em cada situao de sala de aula h a possibilidade de o professor desenvolver uma compreenso melhor a cerca do ensino de lnguas. Este conhecimento emprico serve de base para possveis intervenes e/ou mudanas, para um entendimento melhor da prpria prtica, do processo de aprendizagem do aluno, e tambm como uma ferramenta para auto-avaliao. Pressupe-se que o professor seja um questionador crtico, fazendo perguntas e formulando respostas,

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    coletando informao sobre o seu ensino e sobre as prticas dos colegas, e reconstruindo os seus fazeres a todo o momento. Veja a representao da idia do ensino reflexivo:

    Para que esta prtica ocorra com sistematicidade o professor deve lanar mo de algumas ferramentas, como dirios, memorandos, questionrios, gravaes das prprias aulas, relatos retrospectivos das aulas, etc. Com base em Richards (op. cit.), veja um roteiro bem simplificado de algumas perguntas que voc pode se questionar na sua atuao profissional:

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    Reflexes da aula do dia _____________________________________________ Grupo_____________________________________________________________

    1. Como foi a aula de uma forma geral? 2. Quais foram os objetivos dessa aula? Consegui alcan-los? 3. Quais procedimentos eu utilizei para ensinar os contedos? Funcionaram bem? 4. Quais problemas eu tive nesta aula? Como os solucionei? 5. Quais as maiores dificuldades dos alunos? E o que fazer para minimizar? 6. Os alunos demonstraram diferenas entre si no aprendizado? 7. Quais foram os pontos positivos da aula? E os pontos negativos? 8. Eu faria algo diferente da prxima vez? Como isso seria?

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