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Texto de apoio 2 – Unidade curricular (41036) - Introdução às ciências sociais
Olga Magano – Universidade Aberta
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Texto de apoio 2 – Unidade curricular (41036) - Introdução às ciências sociais
Docente: Olga Magano
1. A ruptura com o senso comum
Para Myrdal (1976), a essência das ciências sociais é a procura da verdade objectiva. Ocientista procura atingir o "realismo" que significa uma visão objectiva da realidade.Uns dos problemas com que o cientista se depara é como determinar o que é a
objectividade e quais as formas para atingir essa objectividade quando se analisam os
factos e as relações causais entre esses factos. Como se libertar de noções normativas
herdadas e das influências do meio social e cultural, económico e político da sociedade
em que vive, onde trabalha e ganha o rendimento necessário para que tenha uma
determinada posição social e da influência que deriva da sua própria personalidade,
cujas particularidades não decorrem apenas das tradições e do meio em que vive, mastambém da sua história pessoal? (Myrdal, 1976). Os meios lógicos para nos protegermos destas distorções e influências é definir
claramente as valorações que efectivamente determinam as nossas concepções teóricas e
as nossas investigações práticas, analisá-las do ponto de vista da sua relevância,
significado e efeito na sociedade que se estuda, transformá-las em premissas de valor
específicas e determinar a perspectiva de análise e os conceitos utilizados em termo do
conjunto formado pelas premissas de valor que foram explicitamente definidas.
Na medida em que a ciência não é mais do que o senso comum altamente sofisticado, o
autor entende que se pode começar a análise por tentar caracterizar a maneira como as
pessoas vulgares na nossa sociedade concebem o mundo em que vivem (Myrdal, 1976).
No nosso tipo de sociedade a generalidade das pessoas procuram ter comportamentos
racionais e encontrar razões que os levam a conceber de determinada forma e a reagir de
um determinado modo à realidade que os rodeia.
Há dois tipos de concepções que os indivíduos elaboram sobre a realidade, na sua forma
pura são crenças ou valorações. Nas opiniões, as crenças e as valorações estão
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combinadas embora não exista uma linha rígida e clara nos processos mentais entre
estes dois tipos de concepções, no entanto, é importante distingui-los: um tem
características intelectuais e cognitivas e o outro é emocional e volitivo. As crenças
exprimem as nossas ideias sobre como a realidade é ou foi enquanto que as valorações
exprimem as nossas ideias sobre como a realidade deveria ser ou deveria ter sido. As
crenças de cada indivíduo procuram atingir o estatuto de conhecimento. Assumem
também uma característica de totalidade por ser possível estabelecer uma análise
comparativa, objectiva, das crenças em relação a conhecimentos elaborados,
determinando-se as insuficiências ou distorções em relação a esses conhecimentos mais
rigorosos. Contudo, na medida em que as valorações são definidas por indivíduos ou
grupos, são, tal como as crenças, uma parte da realidade e, portanto, também
susceptíveis de constituírem objectos de investigação. Dificuldades básicas são as
valorações de cada indivíduo variarem de situação para situação, chegando mesmo a ser
contraditório entre si. Na base do comportamento de cada indivíduo não está um
conjunto homogéneo de valorações mas sim uma combinação complexa de inclinações,
de interesses e de ideias em conflito. Alguns elementos desta combinação complexa são
conscientes enquanto que outros são mantidos numa zona não consciente durante longos
períodos, mas todos eles contribuem para definir as formas específicas do
comportamento de cada indivíduo.
As distorções conduzem a percepções falsas da realidade e a conclusões erradas e
limitam decisivamente a capacidade das ciências sociais para eliminar crenças populares
falsas e enviesadas (Myrdal, 1976: 48). A única forma de conseguirmos atingir a
"objectividade" na actividade teórica consiste em expor claramente as valorações, torná-
las consistentes, bem definidas e explícitas, permitindo que os seus efeitos condicionem
a nossa investigação mas de uma forma clara. É necessária uma explicitação clara das
premissas de valor para que a análise possa atingir o estatuto de "objectivo" (Myrdal,1976: 55).
Para fazer a ruptura com o senso comum é necessário relativizar, relacionar e fazer
análise científica das concepções de senso comum. Sendo as ideologias e os saberes
práticos formas de racionalização do mundo e de o classificar, isto é, instrumentos de
coesão e tensão social, todas as disciplinas científicas estão sujeitas à influência de
elementos simbólico-ideológicos.
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Pode-se dizer que a atitude problematizadora da ciência e os princípios da pesquisa
social constituem os elementos da superação do senso comum: a
relativização dos fenómenos humanos; os contextos sócio-históricos e as coordenadas
de tempo e lugar são determinantes; a relacionação dos factos; integrá-los em sistemas
de relações recíprocas, empiricamente verificáveis e questionar e problematizar todos os
conhecimentos adquiridos, inclusivamente o senso comum, as ideologias e a própria
ciência.
A ruptura nunca será completa nem unitária mas a separação dos domínios da ciência e
do senso comum são talvez condições da própria investigação científica.
De acordo com Silva e Pinto (1986), após a epistemologia de Gaston Bachelard1, com a
insistência no carácter construído do conhecimento, na descontinuidade racional entre
ciências e saber corrente, e na imprescindibilidade da ruptura com os “obstáculos
epistemológicos” – veio dar um novo apoio às prevenções durkheimianas. Tornou-se, a
partir de então, frequente sublinhá-las, actualizando-as. As disciplinas sociais são
especialmente permeáveis às interpretações de senso comum. Ao passo que a física ou a
astronomia romperam já há alguns séculos, por vezes em circunstâncias dramáticas com
o senso comum, construindo uma linguagem conceptual e processos de demonstração
específicos que as imunizam, em grande parte, à influência daquele, as ciências sociais,
mais recentes, não possuem ainda, em geral, códigos e instrumentos exclusivos. Depois,
como já vimos, a realidade social surge, aos olhos da maior parte das pessoas, como
mais facilmente explicável pelo seu carácter mais familiar do que o universo físico ou
outro conhecimento mais distante da vida quotidiana de cada um.
De facto, para este autores, há uma espécie de ilusão de transparência proporcionada
pela familiaridade do social que autoriza a produção, a baixo preço, de sociologias ou
economias “espontâneas” – e aos sistemas de atitudes e acções ligados às condiçõessociais objectivas – que obrigam à produção, a qualquer preço, de sociologias ou
economias “espontâneas” – representam os mais poderosos obstáculos à análise
científica.
1 Gaston Bachelard (1884-1962), filósofo e ensaísta francês. Destaca-se pelo seu contributo para a
formação de um novo espírito científico em ruptura com o senso comum com a superação dos obstáculosepistemológicos.
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“Eles estão por detrás dessa “resistência profunda” que provém, nas palavras de
Alain Tourraine2, “da nossa ligação à crença de que os factos sociais são
comandados por uma ordem superior, metassocial” – seja esta a vontade divina, o
espírito humano, a motivação individual, acção dos “grandes homens”, a nossa
natureza biológica, o sentido da história. A regra metodológica de Durkheim –
explicar o social pelo social - constituiu ainda um princípio-chave para a
superação de tais obstáculos, se a entendermos precisamente como afirmação de
que não há elementos metassociais que possam dar cientificamente conta dos
factos sociais” (Silva e Pinto, 1986: 30).
Silva e Pinto sugerem que se aborde como ilustração, um problema em relação ao qual
são claras a eficácia e a necessidade – em termos de racionalização dos comportamentos
e da conversão das probabilidades objectivas de sucesso em esperança subjectivas – das
interpretações de senso comum: o problema da génese e desenvolvimento diferencial da
inteligência e, nomeadamente, a sua relação com o sucesso escolar.
“As correcções correntes combinam, decerto, argumentos de tipo naturalista e
individualista: a carreira escolar teria a ver com inteligência e as “capacidades” de
cada aluno, e a inteligência seria um “dote “, um “dom natural” (muitas vezes
imputado apenas à hereditariedade). Ora, a força de tais interpretações – que
tendem, portanto, a considerar que a inteligência está para lá do objecto possível
da análise social – deve-se às suas funções simbólico-ideológicas, visto que
carecem de qualquer fundamentação científica. Desde logo, em psicologia, o
principal estudioso do desenvolvimento intelectual, Jean Piaget, considerava que
este se devia a quatro ordens de factores: a maturação do sistema nervoso; a
experiência adquirida pela acção sobre os objectos; os factores sociais – alinguagem, a interacção e a cooperação grupal, a educação familiar e escolar; os
mecanismos de “equilibração”, a “auto-regulação”, postos em prática pelas
crianças (Piaget fala, como se sabe, em termos de psicologia genética). No quadro
de uma tal concepção construtivista e interaccionista, psicólogos sociais têm
desenvolvido pesquisa sobre o papel causal desempenhado pela interacção social,
2 Alain Touraine, Pour la Sociologie, Paris, Seuil, 1974, pp 13-14 (referência no texto de Silva e Pinto,1986: 30)
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sustentado, evidentemente, que se trata de uma causalidade não unidireccional,
mas “curricular e progredindo em espiral3. (…)
A isto se acrescenta a investigação em sociologia da educação que mostra à
evidência as regularidades que pautam o insucesso escolar (fenómeno massivo
constante, precoce, cumulativo (…) e as fortes correlações entre insucesso e
origem social; partindo para uma análise que o considera como resultante de uma
relação negativa entre alunos, portadores de diversas condições sócio-culturais, e
a instituição escolar. Neste quadro, o estudo aprofundado e relacional dos
estudantes, das suas personalidades e histórias pessoais, das família e meios
respectivos, da escola e do sistema de ensino em geral, das práticas educativas,
constitui uma abordagem central – incomensuravelmente distante porque
qualitativamente distinta das interpretações correntes de senso comum, e que
psicólogos, psicólogos sociais e sociólogos (e também historiadores ou
economistas) enriquecem, a partir das perspectivas, diferentes, que caracterizam
as suas disciplinas” (Silva e Pinto, 1986: 43).
Na maior parte das vezes o que acontece é que a actividade etnocentrista é uma
actividade legitimadora, ainda que muitas vezes inconsciente, do domínio – afirmação
no plano do conhecimento e da representação simbólica. O seu núcleo não está, aliás,
em rigor, na ostentação imediata da superioridade social ou rácica – mas, mais
subtilmente, na operação de fechamento do que é cognoscível, no pressuposto de que o
que vale a pena conhecer e, portanto, o que serve de padrão único para o conhecimento
dos outros, são os factos e as ideias interiores à nossa própria área cultural, ao “nós”
que é nosso. Ou seja, acaba por funcionar como uma espécie de inibidor ou de obstáculo
para uma maior abertura a novos conhecimentos. Há muitas vezes a tendência para o
fechamento de oportunidades de conhecimento quando se considera que o nossoconhecimento é o “bom” e absoluto conhecimento.
De facto, e ainda seguindo Silva e Pinto (1986: 47), a propensão para o etnocentrismo
constitui, ao nível do senso comum, um factor de identificação do grupo, do “nós” um
vector de legitimação da dominação, um instrumento decisivo da luta simbólica entre
3 “A interacção permite ao indivíduo dominar certas coordenações que lhe permitem então participar eminteracções mais elaboradas que por seu turno se tornam fonte de desenvolvimento cognitivo para o
indivíduo” – Willem Doise, L’Explication en Psycologie, Paris, P.U.F., 1982, pp. 63-64 (nota do texto deSilva e Pinto, 1986:43).
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grupos. Ora, a forma tipicamente etnocentrista de pensar por preconceitos – por ideias-
feitas, que se toma por absolutas, indiscutíveis, invalidáveis pela análise científica –
preconceitos de toda a espécie, de raça, de sexo, de classe, de profissão, de religião, de
civilização, representa um obstáculo no qual constantemente tropeçam os cientistas
sociais: até porque tem por si a ilusão da transparência do que nos é familiar, do que é
“nosso”, constitutivo da nossa identidade de grupo. Finalmente, poderá sugerir-se que o
etnocentrismo – essa resistência a assumir que a relação entre “nós” e os “outros”
contêm dois pólos igualmente dinâmicos, esse fechamento do “nós” sobre si próprio –
para lá de estar intimamente articulado com os postulados de índole naturalista e
individualista (o que é claro), estará na sua base.
No entanto, o processo de ruptura com as evidências do senso comum não significa que
se trate de uma superação “absoluta”. Para Silva e Pinto (1986:51) isso não é possível
pelo facto de que as ciências contêm sempre elementos ideológicos mais ou menos
explícitos, repousam sobre certas pressuposições de valor. Ideologias e saberes práticos
não são teorias pré-científicas, que o progresso científico se encarregaria de eliminar e
em relação às quais os especialistas pudessem estabelecer fronteiras intransponíveis –
são, antes, formas de racionalização do mundo, formas de classificar os factos, as
pessoas e os objectos, instrumentos de coesão e de tensão social, e aí radica
precisamente a sua eficácia. É assim que na perspectiva de Silva e Pinto (1986: 52)
chegamos ao nó principal da questão:
“Na linha de Gaston Bachelard, distinguimos no processo de produção de
conhecimentos científicos três “actos epistemológicos” - a ruptura, com as
“evidências” de senso comum que possam constituir obstáculos àquele processo; a
construção, do objecto de análise, das teorias explicativas; a “verificação”, davalidade dessas teorias pelo seu teste, quer dizer, pelo confronto com informação
empírica. Os três são indissociáveis e a construção teórica, desempenha nesta
relação um papel central. Do mesmo modo que os processos de verificação
dependem das teorias que verificam, a ruptura vale o que vale a construção – quer
dizer, a problematização e a teorização – que a suporta. Ou então, se quisermos
falar em paradigmas – articulando os três termos numa só unidade de princípios,
perspectivas, conceitos, modelos teóricos e resultados empíricos cruciais –
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diremos que cada paradigma teórico rompe (ou não rompe) a seu modo com pré-
noções de senso comum e os operadores ideológicos que obstem, do ponto de
vista desse paradigma, à produção de conhecimentos científicos sobre o social.
(…)
Em primeiro lugar, uma produção axial consiste na relativização dos fenómenos
humanos. Ao mostrar que estes não podem ser imputados a qualquer absoluto, não
podem ser explicados por propriedades universais, e só podem ser analisados nas
coordenadas de tempo e de lugar e nos contextos sócio-históricos em que se
integram – a relativização inerente à abordagem científica invalida, desde logo, os
pressupostos naturalistas e etnocentristas, e permite situar o nosso trabalho bem
para lá deles. Perceber que as regras de parentesco melanésias são radicalmente
diversas das dos portugueses contemporâneos, e que estas, por sua vez, diferem
das dominantes na Alta Idade Média, representa um ponto de partida
indispensável para, por exemplo, a história e a sociologia da família.
Em segundo lugar, a relacionalização dos factos constitui uma outra operação
decisiva, que também ela contribui para a superação dos argumentos de senso
comum invocados, nomeadamente dos de tipo individualista. Os factos sociais só
podem ser explicados por sistemas de relação entre eles – a análise produtiva é,
portanto, a que estabelece correlações (ou seja, relações empiricamente testáveis)
entre fenómenos que estuda. Perceber, por exemplo, que há correlações estreitas
entre o nível de instrução dos pais e a frequência dos museus pelos filhos constitui
um ponto de partida indispensável para a história e a sociologia da arte (aliás, foi
este o principal alcance da revolução conduzida por Durkheim, quando mostrou
que as taxas de suicídio eram diferentes segundo a situação familiar e a confissão
religiosa).
Em terceiro lugar, uma das condições cruciais para a superação das concepções dosenso comum e ideológicas deriva precisamente do facto de que a pesquisa social
pode torná-las objecto da sua própria análise – quer dizer, pode submetê-las aos
seus próprios mecanismos de controlo. Tal constitui, é bom não esquecê-lo, um
passo indispensável para a ruptura: é porque é capaz de pôr sistematicamente em
causa os conhecimentos adquiridos, quer por saber prático, quer por vinculação
doutrinária, quer mesmo por investigação científica – é porque o questionar, o
problematizar, representa a própria essência do seu trabalho, que a ciência é capaz
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de continuamente romper, no seu domínio, com as noções que não se adeqúem às
suas regras” (Silva e Pinto, 1986: 52).
A procura da verdade objectiva é a essência da ciência social. O cientista social acredita
que a verdade existe, e parte desse pressuposto para tentar atingir o "realismo", ou seja,
uma visão objectiva da realidade.
As questões metodológicas colocam-se na definição do que é a objectividade e das
formas de atingir essa objectividade na análise dos factos e das suas relações causais. O
cientista debate-se com as seguintes questões: como libertar-se da influência de
trabalhos anteriores, fundamentados em noções normativas e teológicas, baseadas em
opções metafísicas – filosofia da lei natural e utilitarismo; como libertar-se das
influências do meio cultural, económico, político e social da sociedade em que vive;
como anular a influência da sua subjectividade própria, formada em contacto com as
tradições de um meio social específico e que condicionam a sua história pessoal e
inclinações particulares?
Tudo isto tem como pano de fundo a interrogação de como pode o cientista ser
objectivo e eficaz na compreensão da realidade e não na sua transformação, ou seja, de
como pode atingir a “verdade” colocando de parte as suas inclinações morais e políticas.
O cientista é influenciado, na procura da verdade, pelo meio social e pela sua
personalidade. A sua única defesa consiste em definir as valorizações que poderão
condicionar as suas concepções teóricas e investigações práticas, analisando a sua
relevância, significado e efeito no objecto de estudo, adaptando a perspectiva de análise
segundo essas premissas.
2. A construção do conhecimento científico
Todas as ciências se orientam por um conjunto de regras e procedimentos estabelecidos
sobre a forma de um método científico. Pelo método científico aplicado no processo de
investigação procura-se garantir o rigor dos resultados observados. Esta perspectiva de
rigor metodológico deve existir desde a colocação das hipóteses de trabalho ao decorrer
de todo o processo de investigação.
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No caso das ciências sociais, o objecto de estudo é a realidade social. A natureza fluida
e inconsistente da realidade social dificulta a aplicação directa e uniformizada do
método científico à análise do social. Uma das questões essenciais neste processo é a
necessidade de diferenciar o processo de estudo científico sobre a realidade social e a
própria realidade social, tendo em conta que o investigador é também parte integrante
dessa realidade social. Daí que no campo das ciências sociais, e no sentido de assegurar
a objectividade, uma das tarefas essenciais é a identificação dos obstáculos
epistemológicos e progredir no sentido de fazer a ruptura com o senso comum.
De acordo com Gaston Bachelard a “ciência não se opõe absolutamente à opinião”
(citado por Santos, 1990: 33), ou seja, é possível a coexistência dos dois tipos de
conhecimento, desde que seja devidamente justificado e relativizado. A premissa de
Santos é a de que:
“(…) em ciência nada é dado, tudo se constrói. O «senso comum», o
«conhecimento vulgar», a «sociologia espontânea», a «experiência imediata», tudo
isto são opiniões, formas de conhecimento falso com que é preciso romper para
que se torne possível o conhecimento científico, racional e válido. A ciência
constrói-se, pois, contra o senso comum e, por isso, dispõe de três actos
epistemológicos fundamentais: a ruptura, a construção e a constatação e
verificação. Porque essenciais a qualquer prática científica, esses actos aplicam-se
por igual nas ciências naturais e nas ciências sociais. São, contudo, de aplicação
mais difícil nestas últimas. Por um lado, porque as ciências sociais têm por objecto
real um objecto que fala, que usa a mesma linguagem de base de que se socorre a
ciência e que tem uma opinião e julga conhecer o que a ciência se propõe
conhecer. Como diz Piaget, a sociologia, tal como a psicologia, tem «o tristeprivilégio de tratar de matérias de que todos se julgam competentes» (1976:24).
(…)
O senso comum é um «conhecimento» evidente que pensa o que existe tal
como existe e cuja função é reconciliar a todo o custo a consciência comum
consigo própria. É, pois, um pensamento necessariamente conservador e fixista. A
ciência, para se construir, tem de romper com estas evidências e com o «código de
leitura» do real que elas constituem, tem, nas palavras de Sedas Nunes, «de
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inventar um novo ‘código’ – o que significa que, recusando e contestando o
mundo dos ‘objectos’ do senso comum (ou da ideologia), tem de constituir um
novo ‘universo conceptual’, ou seja: todo um corpo de novos ‘objectos’, todo um
sistema de novos conceitos e de relações entre conceitos» (1972.30)” (Santos,
1990:33-34)
Este universo de conceitos e das relações que se estabelecem entre eles é o que se
designa por paradigmas. No entanto, Kuhn chama a atenção para o facto de que o
conhecimento não cresce de modo cumulativo e contínuo. Na sua teoria central, exposta
em especial na obra intitulada The Structure of Scientific Revolutions publicada pela
primeira vez em 19624 - é que o conhecimento não cresce de modo cumulativo e
contínuo. Ao contrário, esse crescimento é descontínuo e opera por saltos qualitativos,
que, por sua vez, não se podem justificar em função de critérios internos de validação de
conhecimento científico. A sua justificação reside em factores psicológicos e
sociológicos e sobretudo na comunidade científica enquanto sistema de organização do
trabalho científico. Os saltos qualitativos têm lugar nos períodos de desenvolvimento da
ciência em que são postos em causa e substituídos os princípios básicos em que se funda
a ciência até então produzida e que constituem o que Khun chama de «paradigma»”
(Santos, 1990: 150).
Mas, segundo Santos (1990), o decurso da ciência normal não é feito só de êxitos, pois,
se tal fosse o caso, não eram possíveis as inovações profundas que têm tido lugar ao
longo do desenvolvimento científico. Ao cientista «normal» pode suceder que o
problema de que se ocupa não só não tenha solução no âmbito das regras em vigor
como tal facto não possa ser amputado à interpretação ou inépcia do investigador. Esta
experiência pode em certo momento ser partilhada por outros cientistas e pode suceder,
além disso, que por cada problema resolvido ou que por cada incongruência eliminadaoutros surjam em maior número e de maior complexidade ou de impossível solução. O
efeito cumulativo deste processo pode ser tal que a certa altura se entre numa fase de
crise. Incapaz de lhe dar solução, o paradigma existente começa a revelar-se como a
fonte última dos problemas e das incongruências, e o universo científico que lhe
4 A importância de Khun, assenta menos na sua originalidade do que no seu esforço de síntese e na suacapacidade para dar fôlego polémico a ideais já presentes nas obras de outros autores. No seguimento dadiscussão com os seus críticos, Khun alterou sucessivamente a sua teoria em aspectos mais ou menos
marginais e, em meu entender, nem sempre no melhor sentido (por exemplo as sucessivas reformulaçõesdo conceito de paradigma) (Santos, 1990: 150).
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corresponde converte-se a pouco e pouco num complexo sistema de erros onde nada
pode ser pensado correctamente. Neste momento já outro paradigma se desenha muito
provavelmente no horizonte científico e o processo em que ele surge e se impõe
constitui a revolução científica que se faz ao serviço deste objectivo é a cedência
revolucionária (Santos, 1990: 152).
O novo paradigma, entretanto delineado, redefine os problemas e as incongruências até
então insolúveis e dá-lhes uma solução convincente; é nesta base que se vai impondo à
comunidade científica. Mas a substituição do paradigma não é rápida. O período de
crise revolucionário em que o “velho” e o “novo” paradigma se defrontam e entram em
concorrência pode ser bastante longo. Uma vez que cada um dos paradigmas estabelece
as relações de cientificidade do conhecimento produzido no seu âmbito, as provas
cruciais aduzidas em favor do novo paradigma podem facilmente ser consideradas
ridículas, triviais ou insuficientes pelos defensores do velho paradigma. O diálogo entre
os cientistas pende para o monólogo na proporção da incomensurabilidade dos
paradigmas em confronto. Mais ou menos tempo será necessário para o novo paradigma
se impor, mas, uma vez imposto, ele passa a ser aceite (quase) sem discussão e as
gerações futuras de cientistas são treinadas para acreditar que o novo paradigma
resolveu definitivamente os problemas fundamentais. Da fase da ciência revolucionária
passa-se de novo à fase da ciência normal e, portanto, ao trabalho científico sub-
paradigmático. De início existem vastas áreas em que a aplicabilidade do novo
paradigma é apenas assumida sem ainda ter feito qualquer prova nesse sentido. É para
essas áreas que se orienta a ciência normal. Posteriormente, os objectos de estudo, e por
conseguinte os problemas a resolver, vão-se tornando cada vez mais específicos e
complexos (Santos, 1990: 152). Este processo vai-se reproduzindo de forma continuada
dando lugar ao aparecimento de novos conceitos e de novos paradigmas, ou seja, a
teoria científica não constitui um conjunto de conceitos rígidos e imutáveis. Embora deforma lenta, acompanham o desenvolvimento da ciência.
Ainda segundo Boaventura de Sousa Santos, é importante a realização de uma dupla
ruptura. Uma vez feita a ruptura epistemológica (o autor entende que o acto
epistemologicamente mais importante é a ruptura com a ruptura epistemológica), deixou
de ter sentido criar um conhecimento novo e autónomo em confronto com o senso
comum (primeira ruptura) se esse conhecimento não se destinar a transformar o senso
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comum e a transformar-se nele (segundo ruptura) (Santos, 1990: 168). Ou seja, para o
autor, o conhecimento resultante da ruptura epistemológica deve ser incorporado no
conhecimento de senso comum.
Para Santos (1990) todo o conhecimento é contextual. O contexto em que é produzido e
aplicado o conhecimento nas sociedades capitalistas distingue-se em quatro contextos
estruturais do conhecimento: o contexto doméstico, o contexto da produção, o contexto
da cidadania e o contexto da mundialidade. Cada contexto é um espaço e uma rede de
relações dotadas de uma marca específica de intersubjectividade que lhes é conferida
pelas características dos vários elementos que o constituem. Esses elementos são: a
unidade da prática social, a forma institucional, o mecanismo do poder, a forma de
direito e o modo de racionalidade. Os quatro contextos não são os únicos existentes na
sociedade; são, no entanto, os únicos contextos estruturais, porque as relações sociais
que eles constituem determinam todos os demais que se estabelecem na sociedade. O
contexto doméstico constituiu as relações sociais (os direitos e os deveres mútuos) entre
os membros da família, nomeadamente entre o homem e a mulher e entre ambos (ou
qualquer deles) e os filhos. Neste contexto, a unidade de prática social é a família, a
forma institucional é o casamento e o parentesco, o mecanismo de poder é o patriarcado,
a forma de juridicidade é o direito doméstico e o modo de racionalidade é a
maximização do afecto. O contexto da produção constitui as relações do processo de
trabalho, tanto as relações de produção ao nível da empresa (entre produtores directos e
os que se apropriam da mais-valia por estes produzida), como as relações na produção
entre trabalhadores e entre estes e todos os que controlam o processo de trabalho. Neste
contexto, a unidade da prática social é a classe, a forma institucional é a fábrica ou a
empresa, o mecanismo de poder é a exploração, a forma de juridicidade é o direito da
produção e o modo da racionalidade é a maximização do lucro. O contexto de cidadania constituiu as relações sociais da esfera pública entre cidadãos e o Estado. Neste
contexto, a unidade da prática social é o indivíduo, a forma institucional é o Estado, o
mecanismo de poder é a dominação, a forma de juridicidade é o direito territorial e o
modo de racionalidade é a maximização da lealdade. Por último o contexto de
mundialidade constitui as relações sociais entre estados nacionais na medida em que
eles integram o sistema mundial. Neste contexto, a unidade da prática social é a nação, a
forma institucional são as agências e os acordos internacionais, o mecanismo de poder é
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a troca desigual, a forma de juridicidade é o direito sistémico e o modo da racionalidade
é a maximização da eficácia (Santos, 1990:173).
“Vivemos, pois, em quatro quotidianidades: a doméstica, a da produção, a
da cidadania e a da mundialidade. Todos nós somos configurações humanas em
que se articulam e se interpenetram os nossos quatro seres práticos: o ser da
família, o ser de classe, o ser se indivíduo, o ser de nação. E como cada um destes
seres, ancorado em cada um das práticas básicas, é produto-produtor de sentido, o
sentido da nossa presença no mundo e, portanto, da nossa acção em sociedade é,
de facto, uma configuração de sentidos.
Ainda que se possa falar , a nível muito abstracto, de um senso comum,
como de resto tenho vindo a fazer, em realidade a nossa prática está embebida em
quatro sensos comuns, produtos-produtores de quatro comunidades de saber, as
comunidades familiar, da produção, pública e nacional. A cada uma destas
comunidades pertence uma forma específica de interacção comunicativa. (…)
O senso comum inclui a aceitação não problemática das condições que são
responsáveis pelo fechamento do sentido e a restrição da comunidade. A tensão
latente ou manifesta que constitui a nossa quotidianidade ocorre de modo diferente
em cada um dos contextos estruturais em função do mecanismo de poder
específico que subjaz a cada um deles: o patriarcado, a exploração, a dominação e
a troca desigual. Actuam assim na sociedade várias formas de poder, e não, como
quer Habermas, apenas uma, o poder estatal. O desequilíbrio do poder em cada
contexto não produz necessariamente violência ou silenciamento, tudo
dependendo da forma e grau como é aceite e partilhado esse desequilíbrio. Em
geral, a prática quotidiana tende a ampliar o âmbito e a medida do que é
consentido e partilhado, do que é de todos e a todos envolve como dever oudireito, como ónus ou recompensa, como dor ou prazer. Por isso o conflito é
normalmente vivido como consentimento relutante, reservado ou fatalista; a
violência, como repressão tão-só dos excessos; o silenciamento, como
comunicação desinteressante, irrelevante ou vazia; o estranhamento, como
proximidade indiferente ou intimidade rotineira. As várias comunidades de saber
têm, assim, uma aptidão notável para negociar sentidos, encenar presenças,
dramatizar enredos, amortizar diferenças, deslocar limites, esquecer princípios e
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lembrar contingências; é nisso que reside a sua dimensão utópica e emancipadora
num mundo moderno saturado de demonstrações científicas, de necessidades
técnicas e de princípios sem fim.
O conhecimento científico é produzido num contexto específico, a
comunidade científica, em que se cruzam determinações de alguns dos contextos
estruturais: do contexto da produção, na medida em que a investigação está hoje
organizada como um lugar de trabalho e cada vez mais de trabalho empresarial; do
contexto da cidadania, na medida em que a ciência é pertença mais ou menos
exclusiva do Estado e é produzida em muitos países por um corpo de funcionários
do estado; do contexto da mundialidade, na medida em que a produção e a
aplicação do conhecimento científico é um dos ingredientes principais das
relações entre nações e de troca desigual que os caracteriza, A comunidade
científica é, assim, um corpo social relativamente autónomo, a forma social
organizada da primeira ruptura epistemológica. Sem comunidade científica
separada não há conhecimento científico autónomo, ainda que as determinações de
uma e de outro sejam diferentes e estejam sujeitas a lógicas distintas.
Mas a comunidade científica, porque sujeita a várias determinações
estruturais, é heterogénea e complexa, diverge de país para país e, em cada país,
segundo as áreas científicas, os vínculos institucionais, os sistemas organizativos
da investigação, etc., etc. Para dar um exemplo dessa complexidade, o mecanismo
de poder específico da comunidade científica é a própria qualidade do
conhecimento que nela se produz, é um poder saber por excelência, mas esse
poder não existe no estado puro, uma vez que nele convergem outros mecanismos
de poder: o patriarcado (por exemplo, nas relações científicas e de trabalho entre
homens cientistas e mulheres cientistas), a exploração (por exemplo, nas relações
dentro do laboratório, enquanto processo de trabalho), a dominação (por exemplo,no modo como o Estado define a política científica e distribui os recursos de
investigação) e, inclusivamente, a troca desigual (por exemplo, nos intercâmbios
científicos internacionais entre cientistas do «primeiro mundo» e cientistas do
«terceiro mundo»).
A comunidade científica, como qualquer outro contexto profissionalizado e
separado, é um sistema aberto às determinações dos quatro contextos estruturais.
Mas a comunidade científica, enquanto comunidade de saber, tem uma outra
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característica específica. Dado o desenvolvimento social dos discursos de que fala
Foucault5, o conhecimento científico produzido pela comunidade científica só em
escassa medida é para consumo interno. É um conhecimento que é produzido a
partir de objectos empíricos que se situam fora da comunidade científica e que,
depois de produzido, se destina a ser contextualizado e, depois, recontextualizado.
Destina-se a ser aplicado fora da comunidade científica no interior de vários
contextos sociais, e, nomeadamente, no interior dos quatro contextos estruturais
onde se situam também os objectos empíricos que estiveram na «origem» desse
conhecimento. A família é, assim, objecto e objectivo de psicólogos, sociólogos e
técnicos de marketing; a fábrica é objecto e objectivo de todos eles e também de
físicos, químicos, biólogos, programadores, etc. O Estado é objecto e objectivo de
todos eles e também de cientistas, políticos e técnicos de opinião pública; e a
nação é objecto e objectivo de todos eles quando se trata de produzir ou
transformar, ao nível dos contextos anteriores (sobretudo da produção e da
cidadania, mas também do contexto doméstico, por exemplo, no caso da
esterilização forçada das mulheres do terceiro mundo) a posição de um dão país no
sistema mundial” (Santos, 1990: 176-179).
2.1 A função de comando da teoria
Gaston Bachelard (2006 [1938]) assume o propósito de mostrar o destino do
pensamento científico abstracto, tendo em consideração que o processo de abstracção
não consiste num processo uniforme pelo facto de ser confrontado com obstáculos. Este
autor descreve o trajecto que vai da percepção considerada exacta até à abstracção da
razão no âmbito da evolução científica. As soluções científicas não se encontram todasno mesmo estágio de maturação - Bachelard distingue três períodos de maturação: 1)
Estado pré-científico que compreenderia tanto a antiguidade clássica como os séculos
do Renascimento e de novas base com os séculos XVI, XVII e XVIII. 2) Estado
científico seria o período entre o fim do século XVIII até início do século XX. 3) Desde
1905 com o início do novo espírito científico potenciado com a teoria da relatividade de
5 Michel Foucault (1926-1984), filósofo francês que se propôs elaborar uma história do pensamento
desenvolvido em 3 eixos fundamentais: saber, poder e si, centrando a sua análise sobretudo eminstituições repressivas.
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Einstein a partir da qual se colocam em causa em causa conceitos que eram
considerados fixos até então.
A partir desta época começam a ser feitas propostas de abstracção mais audaciosas,
nomeadamente o objectivo de retraçar a luta contra alguns preconceitos. A experiência
científica é uma experiência que contradiz a experiência comum. A experiência
imediata e usual guarda sempre uma espécie de carácter tautológico, desenvolve-se no
reino das palavras e das definições. Falta-lhe precisamente esta perspectiva de erros
rectificados que caracteriza, a partir do ponto de vista do autor, o pensamento científico
(Bachelard, 2006 [1938]: 17). A experiência comum não é construída, quando muito é
feita de observações justapostas, e é surpreendente que a antiga epistemologia tenha
estabelecido um vínculo contínuo entre a observação e a experimentação ao passo que a
experimentação se deve afastar das condições usuais de observação como a experiência
comum não é construída, não poderá ser, efectivamente verificada. Permanece um facto,
não cria leis. Para confirmar cientificamente a verdade, é preciso confrontá-la com
vários e diferentes pontos de vista. Pensar a experiência é, assim, mostrar a coerência de
um pluralismo inicial.
A noção de obstáculo epistemológico assenta numa perspectiva em que o conhecimento
do real é uma luz que projecta sempre algumas sombras. Nunca é imediato e pleno. As
revelações do real são recorrentes. O real nunca é «o que se poderia achar» mas é
sempre o que se deveria ter pensado. O pensamento empírico torna-se claro depois,
quando o conjunto de argumentos fica estabelecido o acto de conhecer dá-se contra um
conhecimento anterior, destruindo conhecimentos mal estabelecidos, superando o que,
no próprio espírito, é um obstáculo à espiritualização (Bachelard, 2006 [1938]: 19).
A ciência, tanto pela sua necessidade de coroamento como por princípio, opõe-se
absolutamente como opinião. Se, sobre uma determinada perspectiva, ela legitima aopção, é por motivos diversos daqueles que dão origem à opinião. O autor defende que
“a opinião pensa mal; não pensa; traduz necessidades em conhecimentos”. Ao
designarmos os objectos pela utilidade, ela impede-os de conhecer. Não se pode basear
nada na opinião: antes de tudo é preciso, é preciso destrui-la. Ela é o primeiro obstáculo
a ser superado. O espírito científico proíbe que tenhamos uma opinião sobre uma
questão que não compreendemos, sobre questões que não sabemos formular com
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clareza. Em primeiro lugar, é preciso saber formular problemas que não se formulam de
forma espontânea, em ciência.
É este sentido de problema que caracteriza o verdadeiro espírito científico. Para o
espírito científico, todo o conhecimento é uma resposta a uma pergunta. Se não há
pergunta, não pode haver conhecimento científico. Nada é evidente, nada é gratuito.
Tudo é construído. O obstáculo é também uma experiencia vivida. O esquema que de
seguida apresentamos representa este processo de construção.
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Esquema extraído de José Madureira Pinto (1994: 102) (Pinto, 1994)
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O desenvolvimento de procedimentos padronizados de recolha de informação sobre o
real, como por exemplo as técnicas do inquérito por questionário, da entrevista, da
análise de conteúdo, contribuiu para que o processo de observação sociológica em
sentido amplo, se tornasse uma fase do trabalho científico cada vez mais sistemática e
racionalmente controlada. Mas o avanço nesta direcção só é possível com o contributo
de outro elemento da prática: a teoria (ou seja, a matriz teórica), entendida como
conjunto organizado de conceitos e relações entre conceitos substantivos, isto é,
referidos, directa ou indirectamente ao real (Almeida e Pinto, 1986: 55)
Num esforço de sensibilizar para o papel da teoria no processo de pesquisa empírica e
na demonstração científica em geral, imagine a seguinte situação, proposta por Almeida
e Pinto: munido de uma formação básica de ciências sociais suponha que tinha de
estudar fenómenos de mudança social numa colectividade pertencente ao espaço peri-
urbano de uma área fortemente industrializada (Almeida e Pinto, 1986: 56).
Numa fase de contacto exploratório com a colectividade, a atenção dirigir-se-á
necessariamente ao conjunto de manifestação das actividades aí desenvolvidas.
Supondo que, no caso, a elevada preparação de terreno agro-florestal sugere que a
agricultura ainda é uma actividade económica preponderante, como explicar que a
grande extensão de campos trabalhados não tenha correspondência visível (de
trabalhadores e equipamentos?). Produção sem produtores?
O recurso a alguns depoimentos da colectividade pode fornecer alguns elementos para a
solução do enigma ao revelar, nomeadamente que o crescimento de um pólo industrial
vizinho em termos de oportunidade de emprego para a população local foi fazer da
agricultura cada vez mais uma actividade económica complementar de fim-de-semana,
em boa medida “invisível”. No entanto, este inquérito exploratório brevemente denotará
os seus limites – os depoimentos dos autóctones frequentemente apoiam-se emoperadores simbólico-ideológicos, identificados como obstáculo epistemológico a uma
“explicação do social pelo social”.
O “mistério” em causa só se poderá solucionar se tivermos podido construir, a partir de
coordenadas intelectuais tão explicitadas quanto possível, um conjunto estruturado de
interrogações e de hipóteses devidamente especificadas sobre o lugar, função e
transferência da agricultura e do espaço social rural nas sociedades industrializadas - a
teoria é o ponto de partida adequado. É o comando de um “código de leitura” da
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realidade que em anteriores processos de investigação se tenha revelado capaz de
transcender os limites de percepções correntes, indicado aos núcleos problemáticos
cruciais a investigar e um modo plausível de os equacionar.
Regressando ao exemplo anterior, o recurso a conhecimento obtido sobre situações
similares às observadas, envolvendo uma interpretação sobre a especificidade dos
processos migratórios observados em regiões peri-urbanas e respectivas funções no
quadro das sociedades industrializadas, ou seja, a sua relação com a estrutura de classes
camponesas. O recurso a esse conhecimento pré-existente é insubstituível se quisermos
perceber as dinâmicas de mudança social na colectividade em causa. Se ao longo da
pesquisa pudermos dispor de um conjunto de hipóteses teóricas sobre o modo como o
“exército industrial de reserva” se articula no espaço nacional, com um “exército
agrícola de recurso”, ficaremos em condições de integrar produtivamente na análise
certos indícios.
Em termos de pesquisa empírica, a teoria é um ponto de partida insubstituível e o
elemento que comanda os seus momentos e opções fundamentais. Não pode querer
significar que a análise de situação concretas se circunscreva necessariamente no
interior de um círculo traçado de antemão, em forma definitiva, pelo conjunto de
hipóteses pertinentes incluídas na matriz teórica da disciplina.
A recolha de informação sobre a situação concreta é sempre única e condensa uma
infinidade de determinações, sendo embora orientada pelo quadro teórico prévio de
referência revela a necessidade de ajustar, especificar ou mesmo reformular este último
de modo a torná-lo um guia de observação mais preciso e eficaz.
Assim, a observação em grande escala dos fluxos migratórios numa colectividade pode
impor uma revisão de tipologias de mobilidade geográfica (por exemplo, conceitos de
êxodo rural, migrações sazonais, migrações de substituição, etc.).
O papel de comando da teoria na pesquisa empírica pode não controlar racionalmentetodas as componentes do ciclo de observação/demonstração empírica. Os processos de
recolha de informação são eles próprios processos sociais que colocam com acuidade as
questões epistemológicas do observador/observado (Almeida e Pinto, 1986: 58). A
questão assume aqui uma particular complexidade pelo facto de a maior parte das
técnicas de observação recorrerem a parte de depoimentos dos agentes sociais acerca
das suas próprias condições de existência. Mas é indispensável integrar outros
conhecimentos / complementares (teorias auxiliares) à teoria principal – acerca de
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processos sociais tão distantes da agricultura local como os que dizem respeito ao
mundo socialmente determinado de aceder aos instrumentos de racionalização da
prática social, às técnicas sociais de camuflagem e de apresentação de si, à construção
mítico-ideológica de valores e interditos sociais, às sanções e censuras impostas, em
sociedades de interconhecimento, pela interacção linguística em situações como a
pesquisa, etc. Desse modo, para os autores, só à luz das teorias auxiliares podemos
esboçar respostas adequadas (Almeida e Pinto, 1986: 58).
2.2 Construção e verificação de teorias: problemas e controvérsias
Os diversos grupos sociais, alheios ao campo científico, não deixam de pensar sobre as
sociedades de que fazem parte, em sobreposição com o trabalho de investigação que aos
mesmos objectos se dirige. Proximidades instrumentais, proximidade de objectos,
efeitos de familiaridade, contribuem para tornar necessário esse constante esforço de
marcação do corpo das ciências sociais em relação ao senso comum, às atribuições de
sentido especializado
Nem sempre são positivos os efeitos de um trabalho de demarcação já que ele tem
conduzido a uma fragmentação artificial das ciências sociais o que tem vindo a ser
compensado pela procura de complementaridade e interdisciplinaridade. Imposição
devida à especificidade dos objectos das ciências sociais e determinações sociais
complexas (Almeida e Pinto, 1986: 60).
2.2.1 Teorias e paradigmas nas ciências
A actividade científica constitui um processo social específico, definidor de um campo
gerador de múltiplos e crescentes efeitos. Afirmar-lhe a identidade passa pelo constanteaperfeiçoamento das teorias e dos métodos disponíveis e, em certos casos, implica a sua
superação por novos elementos conceptuais e novos procedimentos de pesquisa.
A importância da história, da epistemologia e da sociologia da prática científica, tendo
por objecto as condições sociais e teóricas como um sistema mutável de limites e
potencialidades em que se inscrevem forçosamente as decisões individuais dos
investigadores, deixa-se ver, por exemplo, através da regularidade com que surgem
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simultaneamente certas descobertas em campos científicos de alta comunicabilidade
internacional.
As reconstruções objectivadas da actividade científica são assim muito mais do que a
descrição factual estrita de acontecimentos relevantes. Elas avaliam oportunidades
empíricas e o seu grau de aproveitamento real, obstáculos e limites defrontados, factores
exteriores interferentes e sentido em que se exercem. Ao analisarem retrospectivamente
mutações nas racionalidades teóricas e processuais, elas podem produzir efeitos
heurísticos próprios que não se traduzem em regras coercivas para a prática científica,
mas nem por isso deixam de fornecer referências e orientações.
Se o conhecimento se opera em constante superação de outros conhecimentos, então os
exorcismos da ruptura devem deixar de ser exercícios de uma lógica abstracta, para se
efectivarem na crítica de todos os níveis e de todos os momentos da pesquisa que tome
os processos sociais como horizonte analítico. A ruptura é condição lógica inicial do
trabalho científico, mas renova-se e prolonga-se às outras duas fases que a
epistemologia de Bachelard propõe: a construção e a verificação (Almeida e Pinto,
1986: 61).
A construção da teoria é fomentada pela colocação de perguntas, pela interrogação
sobre determinados aspectos da realidade social. Admitindo que observar supõe
necessariamente a categorização do que é observado, as posições racionalistas vêm
afirmar, de um modo mais geral, a unidade e a integração do processo de pesquisa,
orientando-se o vector epistemológico, como dizia Bachelard, do racional para o real. À
teoria é conferido o papel de comando do conjunto de trabalho científico, que se traduz
em articular-lhe os diversos momentos: ela define o objecto de análise, confere à
investigação, por referência a esse objecto, orientação e significado, constrói-lhe as
potencialidades explicativas e define-lhe os limites. Nos percursos de diversos níveis dasua especificação ela produz e integra os chamados enunciados observacionais, dá
consistência à rede de relações que se estabelece em todo o processo.
As ciências são em cada momento um conjunto de resultados. Mas o caminho que a tais
produtos vai conduzindo tem de ser concebido como uma prática social. O primeiro
momento é o da interrogação, do questionamento a certas dimensões da realidade. A
forma e os protocolos da pergunta hão-de condicionar as respostas que se obtém, ou
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seja, evidências empíricas a que a investigação conduz são por ela antecipadas ou, pelo
menos, susceptíveis de acolhimento no âmbito do questionamento formulado.
Cada formação científica propõe um conjunto articulado de questões – a sua
problemática teórica – que delimita zonas de visibilidade. Essa problemática, ponto de
partida, em cada momento das pesquisas das pesquisas que se efectivam, define e
acolhe problemas de investigação, para os quais buscam respostas. Os meios de as obter
residem em todo o conjunto de disponibilidades conceptuais substantivas – as teorias
em sentido estrito – que a disciplina foi forjando, bem como em instrumentos técnicos
de recolha e tratamento de informações organizadas pelos métodos, enquanto
codificação provisória dos caminhos críticos de pesquisa (Almeida e Pinto, 1986: 63).
As matrizes disciplinares, “paradigmas” ou “programas de investigação” não constituem
sistemas fechados. Mesmo sendo certo que cada matriz contém um núcleo duro de
hipóteses e modelos de pesquisa que a define e que resiste com tenacidade às tentativas
de refutação e às “anomalias” encontradas no percurso das suas aplicações, nem por isso
ela deixa de conter zonas de disponibilidade, “heurísticas” que se aperfeiçoam, que
sugerem novas perguntas, iluminam novos problemas, desembocam em novas soluções.
A categoria verdade, no campo científico, apenas pode funcionar como limite e
orientação operatória. O que os processos de pesquisa produzem são aproximações
cognitivas aos horizontes empíricos de que se ocupam.
A visibilidade permitida pela problemática e pelas hipóteses pode fazer com que surjam
imprevistos que pode levar a especificar, corrigir ou ampliar as formulações originais.
Podem surgir outras pistas metodológicas e outros desenvolvimentos, criações ou
combinações técnicas, levando ao aperfeiçoamento do processo de operacionalização e
produção de efeitos acumulativos de conhecimentos integráveis na disponibilidade
teórica da matriz.
2.2.3 O problema da verificação
O justificacionismo afirmava só ser científico o que pudesse ser provado, o que fosse
positivamente demonstrado pela articulação de factos repetidamente observados com os
enunciados abstractos da teoria. A explicação objectiva resultaria da aplicação dedutiva
das leis e das teorias a novas situações observacionais singulares. No entanto, já Popper
mostrara ser impossível provar positivamente qualquer teoria, uma vez que a
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generalização se faz forçosamente a partir de observações em número limitado
(Almeida e Pinto, 1986).
O real social é pluridimensional, por isso, susceptível de ser abordado de diferentes
maneiras pelas diversas ciências sociais. As diferentes ciências sociais analisam as
mesmas realidades, os mesmos fenómenos sociais totais, embora privilegiando cada
uma, uma perspectiva própria de análise. A interdisciplinaridade nas ciências sociais
significa o intercâmbio de saberes com vista à complementaridade do conhecimento,
para melhor explicar os fenómenos sociais na sua totalidade.
Este intercâmbio entre disciplinas leva a que as investigações realizadas numa disciplina
possam ser fundamentais para outra. É precisamente a mesma realidade social que vai
interessar às diversas ciências sociais. Temos, portanto, que o social é único, as
maneiras do abordar, as dimensões a privilegiar é que variam consoante os interesses
que orientam e a partir dos quais se situa o investigador em ciências sociais, com a
específica abordagem da realidade social.
O conceito de fenómeno social total significa que ao pretendermos estudar um
determinado fenómeno social, o devemos considerar na sua multiplicidade de aspectos e
procurar várias perspectivas de análise que possam contribuir para uma melhor
compreensão do fenómeno. Este não se restringe à sua instância social, poderá ter
implicações de vária ordem aos níveis: económico, político, ideológico, demográfico,
etc.
As várias facetas dos fenómenos sociais remetem para um intercâmbio entre as várias
disciplinas que mantêm entre si múltiplas relações de interdependência. O
conhecimento dos fenómenos sociais só se constrói mediante a complementaridade de
perspectivas, pois só deste modo o objecto de estudo em questão poderá ser
compreendido e explicado na sua globalidade e complexidade intrínsecas (Maia, 2002).
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