textos geraldi I

5
II A LINGUAGEM E A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADEl A existência de processos formais de educação - aqueles que conhecemos como escolares - resulta de processos históricos específicos da cultura ocidental em que vivemos. Estes processos desvelam uma preocupação com o futuro (por isso que chamamos de formação); um projeto de sobrevivência do passado neste futuro (a herança cultural); e uma concepção de sujeito: ele não está pronto ao nascer, é capaz de aprender e é capaz de usar os instrumentos do passado para construir o futuro (dependendo do ponto de vista, este futuro há que ser a reprodução do status quo do passado). Posta a questão nestes termos, parece não haver qualquer crítica possível. O senso comum se faria consenso. Acontece que atravessam estes enunciados inúmeros outros não explicitados, desde uma concepção universalista de que todos os sujeitos nascem 'iguais' (como se as condições históricas não fossem relevantes) até um projeto em que o principal é garantir no futuro a sobrevivência do passado. A sociologia da educação é farta na crítica a este projeto de escola. Mas retiremos do senso comum uma ideia: a de que nos fazemos o que somos na vida ou, numa versão um pouco mais forte, a de que nos fazem ser o que somos na vida (não nascemos prontos e acabados). Obviamente isto não significa aceitar que nascemos como 'tábula rasa', pois isso seria negar que ao nascermos existia vida (e portanto história) e não nascemos vazios (nem biologicamente). É a ideia de que há um processo de constituição ao longo da vida que importa valorizar. Se as condições históricas nos fazem ser o que I Texto elaborado a partir de A cousrituiçâo do sujeito leitor, publicado na Revista de Educação da APEOESP, numero 7, 1992.

description

Texto relacionado ao livro Aula como acontecimento

Transcript of textos geraldi I

II

A LINGUAGEM E A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADEl

A existência de processosformais de educação- aqueles queconhecemos como escolares - resulta de processos históricosespecíficosda cultura ocidental em que vivemos. Estesprocessosdesvelamuma preocupaçãocomo futuro (por issoque chamamosdeformação);um projeto de sobrevivênciado passadoneste futuro (aherançacultural); e uma concepçãode sujeito:elenão estápronto aonascer,é capaz de aprender e é capazde usar os instrumentos dopassadopara construir o futuro (dependendodo ponto de vista, este

futuro há quesera reproduçãodo status quo do passado).Postaa questãonestestermos,parecenão haver qualquer crítica

possível.O sensocomumsefaria consenso.Aconteceque atravessamestes enunciados inúmeros outros não explicitados, desde umaconcepçãouniversalista de que todos os sujeitos nascem 'iguais'(comoseascondiçõeshistóricasnãofossemrelevantes)atéum projetoem queo principal é garantir no futuro a sobrevivênciado passado.Asociologiadaeducaçãoé fartana críticaaesteprojetodeescola.

Masretiremosdo sensocomumumaideia:a de quenosfazemosoque somosna vida ou, numa versãoum pouco mais forte, a de quenos fazem ser o que somos na vida (não nascemosprontos eacabados).Obviamenteisto não significa aceitarque nascemoscomo'tábula rasa', pois isso seria negar que ao nascermosexistia vida (eportantohistória) enãonascemosvazios(nembiologicamente).

É a ideia de quehá um processode constituiçãoao longo da vidaque importa valorizar. Seascondiçõeshistóricasnos fazemsero que

I Texto elaborado a partir de A cousrituiçâo do sujeito leitor, publicado na Revista de

Educação da APEOESP, numero 7, 1992.

somos, nesta hipótese seríamos instituídos; se premidos pelascondiçõeshistóricas,mas não por elasdeterminados,nos fazemosoquesomos,nestahipóteseseríamosconstituídos.

Assim, o tema da "constitutividade" remete,de alguma forma, aquestõesquedemandamexplicitação,já quesupõeuma teoriado sujeitoeesta,por seuturno, implicaa definiçãodeum lugar nemsemprerígidoainspirarpráticaspedagógicasepor issomesmopolíticas.

Quando se admite que um sujeito se constitui, o que se admitejunto com isso?Que energeia põe em movimento este processo?Épossíveldeterminarseuspontosalfa eômega? Em quesentidoa práticapedagógica faz parte deste processo?Com que 'instrumentos' ou'mediações'trabalhaesteprocesso?

Obviamente,esteconjunto de questões,a que outras podem sersomadas, põe em foco a totalidade do fenômeno humano, suadestinação e sua autocompreensão. Habituados à higiene daracionalidade, ao inescapávelmétodo de pensar as partes para nosaproximarmos de respostasprovisórias que, articulados um dia -sempreposto em suspensoe remetido às calendasgregas- possamdar do todo uma visão coerentee uniforme, temoscaminhadoe nosfixado naspartes,naspassagens,mantendosempreno horizonte estasuposiçãode queo todo seráum dia compreendido.

Meu objetivo é pôr sob suspeiçãoa esperançaque inspira aconstruçãodestehorizonte,o ponto de chegada.E pretendo fazer issodiscutindo precisamentea noção de constitutividade e as seguintesimplicaçõesqueme parecemacompanhá-Ia:

1. admitir a noção de constitutividade implica em admitir umespaçopara o sujeito;

2. admitir a noção de constitutividade implica em admitir ainconclusibilidade;

3: admitir a noçãode constitutividadeimplica em admitir o caráternão fechado dos 'instrumentos' com que se opera o processodeconstituição·

4. admitir a noção de constitutividade implica em admitir ainsolubilidade.

No movimento pendular da reflexão sobre o sujeito, os pontosextremosa queremetenossaculturasituamo sujeitoora emum de seuslados. tomando-ocomoum deusex-nihilo, fonte de todos os sentidos,

território previamente dado já que racional por natureza (e pordefinição), espaçoonde se processatoda a compreensão.Na outraextremidade,o sujeito é consideradomero ergon, produto do meioambiente,daherançaculturaldeseupassado.Entreametafísicaidealistaeo materialismornecanicista,pontosextremos,movimenta-seo pêndulo.E a forçadestemovimentoé territorializadaem um dosseuspontos.Aabsorçãode elementosoutros,nãoessenciaissegundoo espaçoem quesesituaa reflexão,sãoacidentesincorporadosaoconceitode sujeitoquecadacorrenteprofessa.Exemplifiquemospelasposiçõesmaisradicais.

Do ponto de vista de urna metafisicareligiosa, destinando-seohomema seure-encontroparadisíacocomseuCriador,de quemé feitoimagem e semelhança,os desviosde rota, os pecados,enfim a vidavivida por todosnós,nestetempo de provação,a consciênciaque,emsuainfinita bondade,nosfoi concedidapeloCriador,aponta-noso beme o mal, ensina-nos,do nada,o arrependimentopela prática destee aalegriapelapráticadaquele.Deuse o Diabo,ambosenergeia. Impossívelum sem o outro, como mostra o "evangelista" contemporâneoJoséSaramagoem O Evangelho Segundo JesusCristo.

Do ponto de vista de um materialismoestreito,o sujeito na vidaque vive apenasocupa lugares previamentedefinidos pela estruturada sociedade,cujasformaçõesdiscursivase ideológicasjá estatuÍramdesdesempre,o que sepode dizer, o que sepode pensar.Recortaramo dizível e o indizível. Toda e qualquer pretensãode dizer a suapalavra,de pensara motu proprio nãopassade uma ilusão necessáriaeideológica para que o Criador, agora o sistema, a estrutura sereproduza em sua igualdade de movimentos. Assujeitado nesteslugares, o sujeito conduz-sesegundo um papel previamente dado.Representamosna vida. Infelizmente uma representaçãodefinitiva esem ensaios.Sempre a representaçãofinal de um papel que nãoescolhemos.E aqui a lembrançade leitor remetea Milan Kundera deA Insustentável Leveza do Ser.

Em nenhum dos extremosa noção de constitutividade situa aessênciado que defineo sujeito.Elegeo fluxo do movimentocomoseuterritório semespaço.Lugar de passageme na passagema interaçãodohomem com os outros homensno desafiode construir categoriasdecompreensãodo mundo vivido, nem semprepercebidoe dificilmenteconcebidode forma idêntica pela unicidade irrrepetível que é cada

íl

sujeito. As interaçõessão perpassadaspor histórias contidas e nemsemprecontadas.Por interessescontraditórios,por incoerências.Sãodeum presenteque,em sefazendo,nosescapaporquesuamaterialidadeéinefável, contendo no aqui e agora as memórias do passadoe oshorizontesde possibilidadede um futuro. Ao associarema noçãodeconstitutividadeà de interação, escolhendoestacornoo lugar de suarealização,asconcepçõesbakhtinianasdelinguageme desujeitotrazem,aomesmotempo,parao processodeformaçãodasubjetividadeo outro,alteridadenecessária,e o fluxo do movimento,cujaenergianãoestánosextremos,mas no trabalho que se faz cotidianamente,movido porinteressescontraditórios,por lutas,mastambémpor utopias,por sonhos.Presentelimitado pelassuascondiçõesde sua possibilidade,e porquelimitado mostra que há algo para além das margens(ou não haverialimites).Osinstrumentosdisponíveis,construídospelaherançaculturalereconstruídos,modificados,abandonadosou recriadospelo presente,têmum passado,masseusentidosemedepeloqueno presenteconstróicornofuturo.

Professar tal teoria do sujeito é aceitar que somos sempreinconclusos,de urna incompletude fundante e não casual.Que no

processode nos compreendermosa nós próprios apelamospara umconjuntoabertode categorias,diferentementearticuladasno processode viver. Somosinsolúveis(o queestálongede volúveis)no sentidodequenãoháum ponto rígido,duro, fornecedordetodasasexplicações.

Que papel reservar à educação e à leitura neste processo?Considerando que a educaçãosomente se dá pelo processo demediaçãoentresujeitose quea leitura é uma dasformasde interaçãoentre os homens- um leitor diante de uma página escritasabequepor trásdestahá um autor (sejaeleda ordem quefor) comqueestáseencontrando,entãodevemosincluir todososprocessoseducacionaisea leitura entreasinteraçõesepor issomesmodentro dos processosdeconstituiçãodassubjetividades.

A leitura do mundo e a leitura da palavra são processosconcomitantesna constituição dos sujeitos. Ao 'lermos' o mundo,usamospalavras.Aos lermos aspalavras,reencontramosleituras domundo. Emcadapalavra,ahistória dascompreensõesdo passadoe aconstrução das compreensõesdo presente que se projetam cornofuturo. Na palavra,passado,presentee futuro searticulam.

III

A LINGUAGEM E A QUESTÃO ESCOLARl

Nos períodosde correçõesdas provas nacionais(cornoo ExameNacionaldo EnsinoMédio, por exemplo)e dosvestibulares,circulamhoje, pela internet, supostasrespostasdadaspor estudantes:nossascaixas de correspondênciaseletrônicas ficam abarrotadas pelasmúltiplas mensagensao estilo "pérolas do ENEM". A imprensatambémtem seencarregadode, amiúde,denunciare apontar para oque tem sido àsvezeschamadode crisede expressãodos estudantesbrasileiros.

As críticas, tomadas constantes,deixam de surpreender. Asrespostasjá não sãomais lidas cornosintomas:tomaram-se'piadas'correntes.Lugar comum. Desdehá muito tempo, nas salasde aula,nas salas de professores(onde as há), nos corredores da escola,ouvidos atentospodemdetectarconversasinformais entreprofessoresou entreprofessorese alunos,querevelamurnainsatisfação(emtodasas áreas dos componentescurriculares) com o desempenhodosalunos: não lêem e não escrevem bem; não interpretamadequadamenteum problema;não extraemo relevantede um textode história ou de geografia; não utilizam com precisão conceitoscientíficosetc,etc.

E asculpassãodistribuídas:o quehá coma escola?O quehá comasaulasde português?O queestãoensinandoosprofessores?E maisdo quedepressasurgemrespostasque lembrama rapidez com quesepassaadiante "a caixinha de surpresas" para que outro a abra eexecutea insípida tarefa.Os professoresdos diferentescomponentes

I Reescritoa partir de Educaçãoe Linguagem, publicado em Leitura: Teoria & Prática,ano8,número 14,dezembro/1989.

curriculares remetem-na aos professoresde português e estes deimediato chamam às falas os professoresdos primeiros anos deescolaridadeque reclamamdos alfabetizadores.Estes,não tendoparaquem jogar a bola, remetem para a família, meio ambienteresponsávelpela vida - e a crer em algumas afirmações- pelaaprendizagem na escola, como se a criança não tivesse sidomatriculadana escolaparanelaaprender.

Tanto as críticasveladasou explícitasnas mensagenseletrônicas

quantooscomentáriosjornalísticosou asreclamaçõesdos professoresde outros componentescurriculares, tomadas de forma positiva,desvelamuma consciênciacompartilhada,na escolae fora dela, deque a linguagem é fundamental no desenvolvimentointelectual detodo e qualquer homem, repetindo no senso comum o que apsicologia vigotskiana, por exemplo,defende de forma explícita aotratar da relaçãoentrelinguagemepensamento.

A linguagemé condiçãosine qua non na apreensãoe formaçãodeconceitosque permitem aos sujeitoscompreendero mundo e neleagir; ela é ainda a mais usual forma de encontro, desencontroeconfronto de posiçõesporque é atravésdela que estasposiçõessetomam públicas.Por issoé crucial dar à linguagem o relevo que defato tem: não se trata evidentemente de confinar a questãoeducacionalà linguagem, mas trata-seda necessidadede pensá-Iaàluz da linguagem.

Os primeiros passos de uma tal reflexão iniciam-se por umdeslocamento:não se trata de linguagem vista como repertório,pronto e acabado,de palavras conhecidasou a conhecere de umconjunto de regrasa automatizar;nem da linguagem como traduçãode pensamentosque lhe seriamprévios;menosainda da linguagemcomoum conjuntode figurasdeenfeiteretórico;e muito menosaindada linguagem vista como 'forma correta,ortográfica,de palavrasousentenças.Não se creia,no entanto,que estedeslocamentopretendeapenasesvaziaro ponto departida,substituindocomnada concepçõescorrentes.Trata-sede um deslocamentopara. É eleiçãode um outrolugar.

E o lugar privilegiado é o da interlocução tomadacomo espaçodeprodução de linguagem e de constituição dos sujeitos. Antes dequalquer outro de seus componentes,a linguagem fulcra-se como

)

evento,faz-sena história e tem existênciareal no momento singularda interação verbal. É da natureza do processo constitutivo dalinguageme dos sujeitosdiscursivossuarelaçãocom o singular, coma unicidade do acontecimento.Por isso os discursossão densosdesuaspróprias condiçõesde produção.Sendocadavez únicos, fazem-se no tempo e constituem história. As estruturas linguísticas queinevitavelmentesereiteramtambémsealteram,a cadapasso,em suaconsistênciasignificativa.Temossemprepassadono presente,quesefaz passado garantindo horizontes de possibilidades de futuro:trabalho de constituição da linguagem (e das linguagens) e dossujeitos.

Focalizara linguagem a partir do processointerativo e com esteolhar pensaro processoeducacional- e escolar,de forma específica-exige instaurar a estesobrea singularidadedos sujeitosem contínuaconstituiçãoe sobrea precariedadeda própria temporalidadeque oespecíficodo momento implica. Trata-sede erigir a disponibilidadeestrutural para a mudança em inspiração, ao contrário de tomar aestrutura como objetoa ser apreendidoe fixado. Consequentemente,há que destruir fronteiras entre sistemático/assistemático;local/universal; regra/exceção;correto/incorretoe outras dicotomias quevão alémdo linguísticomasquenelesignificam.A manutençãodestasdicotomiasimplica alijar da escolao próprio processoconstitutivo desujeitose da linguagem,vital, momentâneoepróprio comquede fatocadaindivíduo assumesuacondiçãode sujeito.O sujeitode discursosempretem com ascondiçõesde emergênciade suafala uma relaçãodepertinência.

Isto significaadmitir: .1. a historicidade da linguagem: pelo fato de acontecimentos

passadosterem construído (ou constituído) expressõeslinguísticas,estruturassintáticas,variedadeslinguísticas,gênerosdiscursivosetc.,todos produto do trabalho sociale histórico de falantes,não sepodeinferir que a língua está de antemãopronta, acabada,cabendoaosujeito de hoje simplesmentese 'apropriar' do sistemapara usá-lo

segundosuasnecessidadescomunicacionais(pragmáticasou não): oevento discursivo singular reconstitui a linguagem. É presenteque,sendohistória, faz história e por issomesmoparticipa do trabalhodeconstituição da língua, sempreem movimento, sempre se fazendo,

ínacabadae provisoriamenteacabadaparaofereceros recursospara O

trabalhopresentequecontinuaa constituí-Ia.2. a constituição contínua dos sujeitos: não há um sujeito pronto

de um lado que se apropriaria de uma língua pronta de outro lado.Tambémos sujeitosse constituemà medida que interagem com osoutros,suaconsciênciae seuconhecimentodo mundo resultamcomoprodutos deste processo.Neste sentido, o sujeito é social já que alinguagemque usa (na particularidadede suasinterações)não é sua,mas também dos outros e é para os outros e com os outros queinterageverbalmente.Trata-sesemprede sujeitossecompletandoeseconstruindoem suasfalasenasfalasdosoutros.Osconceitosquevãointemalízando, e neles as formas de compreender o mundo (aconsciência é sígnica na expressão de Bakhtin/Voloshinov), assignificações negociadas a cada passo das interações, tudo vaiconstruindoum interdiscursodequecadadiscursoéparte.

3. o contexto das interlocuções é constitutivo dos discursosproferidos: os acontecimentosdiscursivos não se dão fora de umcontexto social mais amplo; na verdade eles se tomam possíveisenquantoacontecimentossingularesno interior e nos limites de umadeterminadaformaçãosocial.Sehá limites, entãohá o que estáfora(ou não haveria limites). Por isso,as interaçõesverbais não são,emrelação aos limites impostos pela formação social, inocentes: sãoprodutivas ehistóricase comotais,acontecendono interior de limites,constroemlimites novos.Que valha como argumentoa existênciadecensuras,deproibições,devariadasdisciplinasna tomadada palavra.

Estestrês eixos trazem à baila muitas questões,porque implicamretomadas e re-elaborações-. Uma delas é preciso explicitar deimediato:aquestãoda chamadalíngua padrãoou língua culta.

Habituados a observar as diferenças, nosso olhar para asvariedadeslinguísticas tem esquecido,não rarasvezes,que todos osdialetossãoresultadodo trabalhocoletivo.Quemuito da "linguagempopular" contém a linguagem culta. Que esta (resultante,aliás, do

2 Sobre algumas destas questõesse debruçarão os próximos textos, às vezeselaborandouma reflexão mais panorâmica- como na questãoda relaçãoentrepoder e língua - e às vezescentrando-senum ponto muito específico- como amediaçãopedagógicana produçãode textosescolares.

36

latim não culto) contém muito da "linguagem popular". Não háfronteirasdeterminadas,explícitas.Enãopoderiadeixar de serassim:sea língua vai-seconstituindonosinúmerosprocessosde interação,édesuanaturezaservária.

Postaa questãonestestermos,há um deslocamentoda perguntatradicional: "ensinar ou não ensinar a língua padrão?". Importa terpresenteque a criança,aochegarà escola,já resolveuseusproblemasde linguagem (e da variedade linguística a usar) no contexto dasinstânciasprivadas de uso da linguagem.As interaçõesque aí sedãonão têm qualquer objetivo de substituir uma forma de expressãoporoutra!

De uma perspectivahistórica, o confronto de diferentes formaslinguísticas produz novas formas linguísticas: novo que contém o

velho, masque não é o velho. E participar da construçãodo novo, teracessoàs instânciaspúblicas de uso da linguagem - a escolaé umadestasinstâncias- éconstruir-secomocidadãoparticipativo.

Não se trata, portanto, de "aprender a língua padrão" para teracessoà cidadania.Trata-sede construir a linguagem da cidadania,nãopelo esquecimentoda "cultura elaborada",maspela ré-elaboração

de uma cultura (inclusive a linguística) resultante do confrontodialógico ente diferentes posições. Não é pelo silêncio e pelainterdiçãoque o novo seproduz: é pelasenunciações(enovamenteoprocessointerativo reaparececomolugar de produção)e pelo embatedos enunciadosque se poderá contribuir para a construçãode umasociedadede sujeitos, semadjetivos,fim último da educaçãoque temhistoricamenterecusadoa formaçãode unidades de consumo (eàsvezespor acasoprivilegiados produtores).

'"

37