Thamiza Laureany da Rosa dos Reis - Início - CT -...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ENFERMAGEM Thamiza Laureany da Rosa dos Reis AUTONOMIA FEMININA NO PROCESSO DE PARTO E NASCIMENTO: UM ESTUDO FENOMENOLÓGICO NA PERSPECTIVA DE PROFISSIONAIS Santa Maria, RS 2017

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA

    CENTRO DE CINCIAS DA SADE

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM ENFERMAGEM

    Thamiza Laureany da Rosa dos Reis

    AUTONOMIA FEMININA NO PROCESSO DE PARTO E

    NASCIMENTO: UM ESTUDO FENOMENOLGICO NA

    PERSPECTIVA DE PROFISSIONAIS

    Santa Maria, RS

    2017

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    Thamiza Laureany da Rosa dos Reis

    AUTONOMIA FEMININA NO PROCESSO DE PARTO E NASCIMENTO: UM

    ESTUDO FENOMENOLGICO NA PERSPECTIVA DE PROFISSIONAIS

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado

    do Programa de Ps-graduao em

    Enfermagem. rea de Concentrao: Cuidado,

    educao e trabalho em enfermagem e sade,

    da Universidade Federal de Santa Maria

    (UFSM, RS), como requisito parcial para

    obteno do grau de Mestre em

    Enfermagem.

    Orientadora: Profa. Dra. Stela Maris de Mello Padoin

    Santa Maria, RS

    2017

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    Thamiza Laureany da Rosa dos Reis

    AUTONOMIA FEMININA NO PROCESSO DE PARTO E NASCIMENTO: UM

    ESTUDO FENOMENOLGICO NA PERSPECTIVA DE PROFISSIONAIS

    Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado

    do Programa de Ps-graduao em

    Enfermagem. rea de Concentrao: Cuidado,

    educao e trabalho em enfermagem e sade,

    da Universidade Federal de Santa Maria

    (UFSM, RS), como requisito parcial para

    obteno do grau de Mestre em

    Enfermagem.

    Aprovado em 20 de fevereiro de 2017:

    ___________________________________

    Stela Maris de Mello Padoin, Dra. (UFSM)

    (Presidente/Orientadora)

    ___________________________________

    Valdecyr Herdy Alves, Dr. (UFF)

    ___________________________________

    Ivis Emilia de Oliveira Souza, Dra. (UFRJ)

    ___________________________________

    Marlene Gomes Terra, Dra. (UFSM)

    (Suplente)

    Santa Maria, RS

    2017

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    AGRADECIMENTOS

    Inicialmente, agradeo a Deus por todas as oportunidades que me foram concedidas e

    pela fora que me proporcionou ter chegado at o final desta etapa.

    minha amada famlia, em especial minha me, Suzete, meu pai, Jorge, e minha

    irm, Suzeany, pela fonte de carinho e apoio inesgotveis durante toda minha vida. Obrigada

    pelo incentivo na busca de conhecimento e por no terem medido esforos para mais esta

    conquista!

    Ao meu noivo, Romulo, pelo amor e companheirismo nesses anos, e por compreender

    que a distncia era necessria para que o nosso sonho se tornasse realidade. Obrigada por

    me motivar nos momentos difceis e estar ao meu lado nas conquistas.

    A todos os meus amigos e s ex-colegas de residncia por dividirem comigo os

    momentos de dificuldade durante esse processo de formao. Em especial minha colega e

    amiga Jacqueline Quadros por nossa convivncia quase diria nestes ltimos quatro anos,

    compartilhando angustias e alegrias. Valeu a parceria!

    minha orientadora, professora Stela Maris de Mello Padoin. Obrigada pela

    oportunidade de convvio e aprendizado pessoal e profissional, pelo carinho, por toda

    sabedoria compartilhada e a capacidade de tornar mais leve os momentos de dificuldades

    nesta trajetria.

    Agradeo aos membros da banca de defesa, professora Ivis Emilia de Oliveira Souza,

    professor Valdecyr Herdy Alves e professora Marlene Gomes Terra por fazerem parte deste

    momento contribuindo para o enriquecimento deste trabalho.

    professora Cristiane Cardoso de Paula pela acolhida sempre carinhosa e por estar

    aberta aos meus questionamentos desde os primeiros passos na pesquisa.

    A todos os meus colegas do Grupo de Pesquisa Cuidado Sade das Pessoas,

    Famlias e Sociedade (PEFAS). Obrigada por compartilharem comigo conhecimento, tardes

    com chimarro e risadas e, principalmente, amizade.

    Universidade Federal de Santa Maria por proporcionar a construo do

    conhecimento e aprimoramento de minha formao profissional e, principalmente, aos

    colegas de mestrado e professores do Programa de Ps-graduao em Enfermagem pela

    convivncia agradvel e pelas oportunidades de discusso terica e troca de experincias.

    Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior e a Fundao de

    Amparo Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul pela concesso da bolsa de mestrado.

    Agradeo imensamente aos profissionais de sade do Centro Obttrico do HUSM

    que disponibilizaram uma parcela do seu tempo para contribuir nesta pesquisa.

    E, finalmente, a todas as pessoas que, de alguma forma, se fizeram presente nessa

    trajetria, meu profundo agradecimento.

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    Fazer isso, devolver o parto s mulheres, no

    uma ambio pequena. Pois, no cmputo

    final, a histria da obstetrcia

    fundamentalmente a histria da excluso

    gradativa das mes no seu papel central no

    processo de nascimento.

    (Michel Odent)

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    RESUMO

    AUTONOMIA FEMININA NO PROCESSO DE PARTO E NASCIMENTO: UM

    ESTUDO FENOMENOLGICO NA PERSPECTIVA DE PROFISSIONAIS

    AUTORA: Enf. Mda. Thamiza L. da Rosa dos Reis

    ORIENTADORA: Profa. Dra. Stela Maris de Mello Padoin

    O parto como um evento fisiolgico da vida sexual e reprodutiva da mulher, deve ser

    acompanhado e assistido de maneira que a mesma o vivencie de forma ativa, exercendo o

    papel de protagonista do processo. Neste contexto, percebe-se a necessidade de

    aprofundamento das investigaes acerca da autonomia da mulher no cenrio do parto,

    sobretudo na perspectiva dos atores sociais envolvidos. Assim, a partir das reflexes sobre o

    tema, compe-se a questo fenomenolgica: Como se d, para os profissionais de sade que

    participam da ateno obsttrica, o exerccio da autonomia das mulheres no processo de parto

    e nascimento? Tomam-se como objetivos: descrever as aes promotoras do exerccio da

    autonomia realizada pelos profissionais de sade envolvidos na assistncia s mulheres em

    processo de parto e nascimento; apreender os motivos para das aes realizadas pelos

    profissionais de sade envolvidos na assistncia s mulheres em processo de parto e

    nascimento; apreender os motivos porque das aes realizadas pelos profissionais de sade

    envolvidos na assistncia s mulheres em processo de parto e nascimento; apreender o tpico

    da ao dos profissionais que assistem mulheres em processo de parturio. Trata-se de uma

    investigao qualitativa, fundamentada na fenomenologia social de Alfred Schtz. O cenrio

    do estudo foi o Centro Obsttrico do Hospital Universitrio de Santa Maria e os participantes

    foram 17 profissionais de sade atuantes na assistncia ao parto e nascimento. A produo dos

    dados ocorreu no perodo de maro a maio de 2016, por meio da entrevista fenomenolgica,

    encerrada quando houve a suficincia de significados. Foi desenvolvida a interpretao

    compreensiva e a anlise fenomenolgica do tpico da ao dos profissionais que assistem

    mulheres em processo de parto e nascimento. Desvelaram-se as categorias concretas do vivido

    dos motivos para e dos motivos porque. Em relao aos motivos para emergiram as

    categorias: o melhor para todos envolvidos no processo de parto e nascimento e

    reconhecimento e expectativa por mudanas na assistncia obsttrica e aos motivos porque:

    histria de vida e condio de ser humano e experincia profissional e acesso a evidncias

    cientficas. Na perspectiva social, desvelou-se que as aes realizadas pelos profissionais na

    assistncia ao processo parturitivo so orientadas a partir de diversas situaes do mundo da

    vida, sendo influenciadas pelo grupo social no qual esto inseridos, por suas prprias

    vivncias e acervo de conhecimentos advindos da formao profissional. Ancorados em sua

    posio moral e ideolgica, por vezes, os profissionais apresentaram uma concepo

    desfigurada do princpio da autonomia feminina frente ao processo de parturio. Com tais

    subsdios pretende-se fomentar o fortalecimento de um olhar atentivo e uma postura

    compreensiva vivncia autnoma da parturio a partir da possibilidade de os profissionais

    de sade repensarem suas prticas e paradigmas.

    Palavras-chaves: Sade da Mulher. Parto. Autonomia Pessoal. Enfermagem. Enfermagem

    Obsttrica.

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    ABSTRACT

    WOMEN`S AUTONOMY IN LABOR AND DELIVERY PROCESS: A

    PHENOMENOLOGICAL STUDY FROM PROFESSIONAL'S PERSPECTIVE

    AUTHOR: THAMIZA L. DA ROSA DOS REIS

    ADVISER: STELA MARIS DE MELLO PADOIN

    Childbirth as a physiological event of women`s sexual and reproductive life must be

    accompanied and assisted in a way that the woman experiences it actively, acting as

    protagonist during process. The need to deepen researches on women`s autonomy in

    physiological delivery scenario; it is perceived that need especially from the involved social

    actors perspective. Thus, reflecting about the theme, the guiding research question is: How

    do professionals who participate in obstetric care provide to women the exercise of their

    autonomy during labor and delivery? The objectives are: To describe the actions taken for

    professionals that promote women`s exercise of autonomy; To apprehend the reasons why

    for the actions carried out by health professionals involved in assisting women during labor

    and delivery; To apprehend the characteristics of actions of professionals who assist women

    during labor. Qualitative investigation based on the social phenomenology of Alfred Schtz.

    The study setting was the University Hospital of Santa Maria`s Obstetric Center and the

    participants were 17 health professionals working in the care for obstetric labor and delivery.

    Data collection occurred from March to May of 2016 using the phenomenological interview;

    the collection was closed when there was sufficiency of meanings. The characteristics of

    actions developed for professionals who assisted women during labor and delivery were

    analyzed through comprehensive interpretation and phenomenological analysis. Were

    disclosed the concrete categories of lived experiences for the reasons for and why.

    Regarding the reasons for emerged the categories: "the best for everyone involved in labor

    and delivery" and "recognition and expectation of changes in obstetric care". For the reasons

    why emerged: "history of life and the condition of being human" and "professional

    experience and access to scientific evidence". From the social perspective it was revealed that

    the actions carried out by professionals assisting during labor are oriented from different

    situations in lifeworld being influenced by the social group in which they are inserted; by

    their own experiences and the knowledge derived from the professional qualification.

    Anchored in their moral and ideological position, professionals sometimes presented a

    disfigured conception of women`s autonomy in relation to the process of parturition. Based on

    these results, it is intended to foment the strengthening of an attentive look and a

    comprehensive attitude towards the autonomous experience of parturition based on the

    possibility of professionals to rethink their practices and paradigms.

    Keywords: Women's Health. Parturition. Personal Autonomy. Nursing. Obstetric Nursing.

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    LISTA DE ILUSTRAES

    Figura 1 - Fluxograma da seleo independente dos pares dos estudos corpus da

    pesquisa de reviso integrativa da literatura. LILACS/PubMed/SCOPUS,

    1996 2015. .....................................................................................................33

    Figura 2 - Grfico da distribuio quadrienal da frequncia de publicao da produo

    cientfica acerca das prticas de assistncia sade que interferem no exerccio

    da autonomia das mulheres brasileiras no processo de parto e nascimento.

    LILACS/PubMed/SCOPUS, 1996-2015............................................................35

    Figura 3 - Evidncias das prticas de assistncia sade que interferem no exerccio da

    autonomia das mulheres brasileiras no processo de parto e nascimento.

    LILACS/PubMed/SCOPUS, 1996-2015.............................................................36

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    LISTA DE APNDICES

    Apndice A - Roteiro da entrevista fenomenolgica............................................................103

    Apndice B - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido...............................................104

    Apndice C - Termo de Confidencialidade..........................................................................106

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    LISTA DE ANEXOS

    Anexo 1 Parecer de aprovao pelo Comit de tica em Pesquisa da Universidade Federal

    de Santa Maria...............................................................................................107

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    SUMRIO

    1 CONSIDERAES INICIAIS .......................................................................................... 13 1.1 APRESENTAO DA TEMTICA E RELEVNCIA DO ESTUDO ........................... 13 1.2 OBJETO, QUESTO NORTEADORA E OBJETIVO DO ESTUDO ............................. 17 2 CONTEXTUALIZAO DA TEMTICA ATENO OBSTTRICA ..................... 18 2.1 ASSISTNCIA AO PARTO E NASCIMENTO: CONTEXTO HISTRICO E

    POLTICO ................................................................................................................................ 18 2.2 DIMENSO EPIDEMIOLGICA E SOCIAL DA MORTALIDADE MATERNA ....... 23 2.3 HUMANIZAO DA ASSISTNCIA OBSTTRICA E A AUTONOMIA FEMININA

    .................................................................................................................................................. 25 2.4 PRODUES CIENTFICAS SOBRE AS PRTICAS DE ASSISTNCIA SADE

    NO PROCESSO DE PARTO E NASCIMENTO, 1996 - 2015 ............................................... 27

    2.4.1 Artigo: Autonomia feminina no processo de parto e nascimento: reviso

    integrativa da literatura ......................................................................................................... 28

    3 REFERENCIAL TERICO-METODOLGICO: FENOMENOLOGIA SOCIAL DE

    ALFRED SCHUTZ ................................................................................................................ 46 4 PERCURSO METODOLGICO ..................................................................................... 49

    4.1 TIPO DE ESTUDO ............................................................................................................ 49 4.2 CENRIO DO ESTUDO ................................................................................................... 49 4.3 PARTICIPANTES DO ESTUDO ...................................................................................... 50

    4.4 APROXIMAO E AMBIENTAO AO CENRIO DO ESTUDO ........................... 51 4.5 ENTREVISTA FENOMENOLGICA ............................................................................. 52

    4.6 ANLISE DOS DADOS ................................................................................................... 55 4.7 ASPECTOS TICOS DA PESQUISA .............................................................................. 56

    5 ANLISE FENOMENOLGICA ..................................................................................... 58 5.1 SITUAO BIOGRFICA DOS PROFISSIONAIS PARTICIPANTES DO ESTUDO 58

    5.2 AES DESENVOLVIDAS PELOS PROFISSIONAIS AO ASSISTIREM MULHERES

    EM PROCESSO DE PARTO E NASCIMENTO. ................................................................... 62 5.3 CATEGORIAS CONCRETAS DO VIVIDO .................................................................... 63

    5.3.1 Categorias concretas do vivido dos motivos para ....................................................... 63 5.3.1.1 O melhor para todos envolvidos no processo de parto e nascimento .......................... 63

    5.3.1.2 Reconhecimento e expectativa por mudanas na assistncia obsttrica ..................... 67 5.3.2 Categorias concretas do vivido dos motivos porque .................................................. 70 5.3.2.1 Histria de vida e condio de ser humano. ................................................................ 70

    5.3.2.2 Experincia profissional e acesso a evidncias cientficas. ......................................... 73 5.4 TPICO DA AO DE PROFISSIONAIS QUE ASSISTEM MULHERES EM

    PROCESSO DE PARTO E NASCIMENTO ........................................................................... 77

    6 INTERPRETAO COMPREENSIVA .......................................................................... 79

    6.1 INTERPRETAO COMPREENSIVA DOS MOTIVOS PARA ................................... 80 6.2 INTERPRETAO COMPREENSIVA DOS MOTIVOS PORQUE .............................. 85 7 CONSIDERAES FINAIS .............................................................................................. 92 REFERNCIAS ..................................................................................................................... 96 APNDICE A - ROTEIRO DA ENTREVISTA FENOMENOLGICA ....................... 103

    APNDICE B - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO .......... 104 APNDICE C - TERMO DE CONFIDENCIALIDADE ................................................. 106

    ANEXO A - PARECER DO COMIT DE TICA EM PESQUISA DA

    UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA ......................................................... 107

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    1 CONSIDERAES INICIAIS

    1.1 APRESENTAO DA TEMTICA E RELEVNCIA DO ESTUDO

    Para muitas mulheres, o nascimento de um filho um dos aspectos mais significativos

    e intensos da existncia humana, estando geralmente associado a um momento de renovao

    da vida, que envolve o parceiro, a famlia e a comunidade. Marcado por expectativas, medos,

    anseios e inseguranas, o parto deve ser acompanhado e assistido de maneira que as mulheres

    o vivenciem de forma ativa, exercendo seu papel de protagonistas e tendo respeitados seus

    direitos humanos, sexuais e reprodutivos (SOUZA; PILEGGI-CASTRO, 2014, DOUDOU;

    RODRIGUES; ORI, 2017).

    No entanto, a ateno obsttrica tem passado por paradigmas ao longo da histria,

    principalmente no que se refere conduta dos profissionais que a realizam, concepo da

    sociedade em torno do parto e s suas formas de resoluo. Este processo permeado pela

    institucionalizao e medicalizao, que impem rotinas e padronizaes ao ato de parir,

    desconsiderando a singularidade de cada mulher. Inegavelmente alcanaram-se avanos

    sade materna e fetal, porm, como consequncia, as mulheres foram expropriadas da

    autonomia sobre o prprio corpo (DOUDOU; RODRIGUES; ORI, 2017, SANFELICE;

    SHIMO, 2016).

    Preservar a autonomia das mulheres na cena do parto implica em uma assistncia

    centrada nas necessidades femininas e baseada em evidncias cientficas, no acesso s

    informaes de qualidade e participao ativa no processo de parturio. Para isso, h a

    necessidade de uma prvia tomada de conscincia por parte das mulheres acerca das prticas

    assistenciais que sero utilizadas e do encorajamento por parte da equipe de sade para que as

    mesmas atuem como sujeitos do processo. Utilizadas em conjunto, estes fatores promovem o

    protagonismo das mulheres, que passam a reconhecer o parto alm de um processo natural e

    fisiolgico, como um parto consciente e participado (SILVA; NASCIMENTO; COELHO,

    2015).

    Apesar disso, o modelo obsttrico tem sido caracterizado pela prtica abusiva da

    cesariana, bem como pela falta de privacidade e de respeito autonomia sobre o processo de

    parturio. Tanto no sistema pblico de sade como no privado, aponta-se a relao entre este

    modelo hegemnico e o aumento da morbimortalidade materna e perinatal. Tais indicadores

    tem sido uma preocupao constante sade pblica mundial nas ltimas dcadas. Evidncia

    deste fato a presena explcita destes temas na Declarao do Milnio que, firmada no ano

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    2000 por 189 naes na Conferncia do Milnio das Naes Unidas, tenta dar uma resposta

    aos problemas mundiais como: a extrema pobreza, a doena e outros males da sociedade. Para

    tanto, estabeleceu oito Objetivos de Desenvolvimento do Milnio, dentre eles: melhorar a

    sade das gestantes, reduzindo a mortalidade materna (UNITED NATIONS, 2015, BRASIL,

    2014a).

    Sensvel a este contexto, o Ministrio da Sade vem tentando se alinhar s propostas e

    recomendaes internacionais por meio de Polticas de Ateno Integral Sade, que

    assumem compromissos com a garantia dos direitos de cidadania, sexuais e reprodutivos da

    mulher e da criana. Na trajetria evolutiva destas polticas pblicas destaca-se o Programa de

    Humanizao no Pr-Natal e Nascimento (PHPN), institudo no ano de 2000, que tem como

    principal estratgia assegurar a melhoria do acesso, da cobertura e da qualidade do

    acompanhamento pr-natal e da assistncia ao parto e puerprio s gestantes e ao recm-

    nascido. Esse programa indica a humanizao da ateno obsttrica e neonatal como elemento

    primordial para o adequado acompanhamento de todo processo parturitivo e de nascimento,

    alm de preconizar a mudana tica na atitude dos profissionais de sade e na organizao

    institucional (BRASIL, 2000).

    Ainda se tratando de programas ministeriais, destaca-se a Rede Cegonha, que refora a

    proposta do PHPN constituindo uma linha de cuidados que visa garantir o direito ao

    planejamento reprodutivo e ateno humanizada no ciclo gravdico-puerperal, o direito ao

    nascimento seguro e ao crescimento e desenvolvimento saudveis a criana, assim como

    aes de estmulo a mudanas de comportamento dos profissionais de sade por meio de

    educao permanente e tambm a programao, monitoramento e avaliao da condio de

    sade segundo estratos de risco (BRASIL, 2011a). Outra ao relevante, deste programa a

    busca pela ruptura da concepo de que as mulheres devem sujeitar seus corpos a saberes

    biomdicos, respeitando sempre o princpio da autonomia feminina, com foco, portanto, na

    abordagem humanizada, interdisciplinar e direcionada famlia (RATTNER, 2014;

    VASCONCELOS; MARTINS; MACHADO, 2014).

    Contudo, no cotidiano assistencial, percebe-se a persistncia do modelo obttrico

    tradicional, em que as mulheres so expostas a prticas cujo uso no considera as evidncias

    cientficas e que, muitas vezes, so desnecessrias e prejudiciais sade materna e infantil,

    alm de desapropri-las do controle sobre o prprio corpo (FUJITA; SHIMO, 2014). De tal

    modo, percebe-se a necessidade de aprofundamento das investigaes acerca do exerccio da

    autonomia da mulher na cena do parto, sobretudo na perspectiva dos profissionais de sade

    que as assistem, com o intuito de desvelar conceitos fundamentais no direcionamento da

  • 15

    valorao da assistncia obsttrica e tendo como eixo norteador as relaes sociais

    estabelecidas no mundo da cotidiana.

    Destaca-se que o tema seja atual e da maior importncia num pas em que as

    desigualdades na assistncia sade so to marcadas. As questes polticas que envolvem a

    ateno ao parto e nascimento no Brasil esto processo de transio, assim, considera-se

    imprescindvel ampliar a discusso para alm dos aspectos clnicos, focando no

    reconhecimento dos direitos humanos e no estabelecimento de uma atitude feminina

    emancipatria no cenrio da parturio1. Alm disso, ressalta-se que durante a incurso pela

    literatura da rea, encontrou-se um nmero reduzido de estudos com os atores sociais da

    assistncia multiprofissional, permanecendo obscuros os significados e intencionalidades das

    aes sociais realizadas na ateno ao parto, eixo central deste estudo. Aponta-se, ainda, que a

    temtica delineada configura-se como Prioridade de Pesquisa em Sade, a qual aponta para

    questes inerentes vulnerabilidade das mulheres e a morbimortalidade associada utilizao

    de tecnologias no parto (BRASIL, 2015).

    O interesse pela temtica da assistncia ao processo de parto e nascimento e suas

    implicaes e repercusses sade materno-infantil vem sendo construdo desde a graduao

    em Enfermagem na Universidade Federal de Santa Maria/RS (UFSM). Entretanto, tais

    inquietaes intensificaram-se a partir da vivncia enquanto enfermeira da primeira turma do

    Programa de Residncia em Enfermagem Obsttrica do Centro Universitrio Franciscano de

    Santa Maria/RS (UNIFRA). Neste, pude presenciar diariamente os entraves implementao

    desta modalidade de especializao e os desafios da insero profissional e social da

    enfermeira obstetra na realidade do Sul do Brasil.

    No convvio com as prprias mulheres, compreendi que apesar de muitas vezes elas

    desconhecerem seus direitos humanos, sexuais e reprodutivos, ao adentrar na instituio

    hospitalar, anseiam por apoio e desejam ser encorajadas neste momento to especial que o

    nascimento do seu filho. A observao das relaes assimtricas de poder estabelecidas entre

    os atores sociais que participam da ateno obsttrica gerou questionamentos sobre como se

    d, por parte dos profissionais, o reconhecimento da autonomia feminina e quais aes

    realizam para promov-la? Isto contribuiu significativamente para instigar inquietaes acerca

    dessa temtica, bem como da ao profissional frente ao fenmeno singular do parto.

    1 REIS, T. L. R.; PADOIN, S. M. M.; TOEBE, T. F. P.; PAULA, C. C.; QUADROS, J.S. Autonomia feminina

    no processo de parto e nascimento: reviso integrativa da literatura. Rev Gacha Enferm. Porto Alegre; 38(1):

    646-77, 2017.

    Este artigo produto da disciplina EFM850: Prtica baseada em evidncia e sua aplicabilidade na enfermagem,

    foi aceito para publicao na Revista Gacha de Enfermagem.

  • 16

    Neste sentido, a fenomenologia caracterizou-se como alternativa de investigao, uma

    vez que permitiu um olhar efetivo sobre as aes realizadas na assistncia ao parto,

    reconhecendo a essncia das relaes e dos indivduos envolvidos nesse processo. Enfatiza-se

    que o campo de pensamento de Alfred Schtz marcado pela busca da compreenso da vida

    social e do conjunto de aes sociais no qual as relaes mtuas so estabelecidas de maneira

    conscienciosa. Este socilogo estudioso da intencionalidade da ao analisou fatores

    fundamentais determinantes do comportamento do indivduo no mundo da vida, de modo que

    sua ao neste mundo da vida vista como um processo fundamentado em funes de

    motivao, razes e objetivos, guiados por antecipaes na forma de planejamento e

    projees (SCHUTZ, 2012).

    Tambm interferiam no direcionamento deste estudo o estmulo reflexo crtica e o

    aprofundamento terico exigido ao longo do curso de mestrado, assim como a participao

    em atividades assistenciais, de ensino e extenso que me aproximaram sade materno-

    infantil. Buscar um conhecimento acerca da ateno obsttrica implicou na percepo de uma

    faceta da realidade social dos profissionais diferente dos pressupostos decorrentes de minha

    bagagem de conhecimento e situao biogrfica2 despertando-me para a necessidade de

    ampliar a compreenso do tema e de produzir conhecimento especialmente rea

    multiprofissional. Aliado a isso, as inquietaes acerca da temtica vinham sendo discutidas

    no Grupo de Pesquisa Cuidado Sade das Pessoas, Famlias e Sociedade (PEFAS), na linha

    de pesquisa Polticas e prticas de cuidado na sade da mulher: vivncias em aleitamento

    materno e violncia, do Programa de Ps-Graduao em Enfermagem, da Universidade

    Federal de Santa Maria (PPGEnf/UFSM).

    Aponta-se que a necessidade de apreender as aes sociais, desvelando o vivido pelos

    profissionais e indo ao encontro do fenmeno como percebido em sua conscincia2, assim

    como o desafio de desvelar os significados do vivido da equipe multiprofissional, articulada

    em diferentes bagagens de conhecimentos e situaes biogrficas, revelam a importncia

    deste estudo. Acredita-se que a busca por aprofundamentos tericos e conceituais sobre a

    temtica contribuir para uma reflexo ampliada no que tange as relaes entre profissionais e

    as usurias atendidas e a aspectos fundamentais ao resgate do protagonismo das mulheres e

    prticas do contexto vigente da assistncia obsttrica. Assim, tem-se a pretenso de, nesta

    pesquisa, propor como suporte terico metodolgico a Fenomenologia Social de Alfred

    Schtz como um novo olhar para o problema em tela.

    2 Estes terrmos referem-se a elementos conceituais da fenomenologia social de Alfred Schtz e sero explanados

    ao longo deste trabalho.

  • 17

    1.2 OBJETO, QUESTO NORTEADORA E OBJETIVO DO ESTUDO

    Frente ao exposto, formula-se como objeto de estudo: a ao promotora do exerccio

    da autonomia realizada pelo profissional de sade no processo de parturio. A partir das

    reflexes sobre o tema compe-se a questo orientadora deste estudo: Como os profissionais

    de sade que participam da ateno obsttrica agem para promover o exerccio da autonomia

    das mulheres no processo de parto e nascimento?

    Para tanto, objetiva-se:

    1) descrever as aes promotoras do exerccio da autonomia realizada pelos

    profissionais de sade envolvidos na assistncia s mulheres em processo de parto e

    nascimento;

    2) apreender o motivos para das aes realizadas pelos profissionais de sade

    envolvidos na assistncia s mulheres em processo de parto e nascimento.

    3) apreender o motivos porque das aes realizadas pelos profissionais de sade

    envolvidos na assistncia s mulheres em processo de parto e nascimento.

    4) apreender o tpico da ao dos profissionais que assistem mulheres em processo de

    parturio.

  • 18

    2 CONTEXTUALIZAO DA TEMTICA ATENO OBSTTRICA

    Este captulo versa acerca de elementos tericos necessrios construo da

    problemtica de investigao, os quais dizem respeito bagagem de conhecimento da autora

    (SCHTZ, 2012). Assim, neste tpico realiza-se uma pr-reflexo sobre a temtica, sendo

    elaborados os seguintes eixos: Contexto histrico e poltico da assistncia obsttrica;

    Dimenso epidemiolgica e social da mortalidade materna; Humanizao da assistncia e

    resgate da autonomia feminina e Prticas de assistncia sade materna.

    2.1 ASSISTNCIA AO PARTO E NASCIMENTO: CONTEXTO HISTRICO E

    POLTICO

    Durante o ltimo sculo, a assistncia obsttrica sofreu graduais e significativas

    mudanas. Historicamente, o processo de parturio era descrito pela igreja catlica como um

    designo divino, pena pelo pecado original, sendo ilegalizado qualquer auxlio que aliviasse os

    riscos e dores do parto. Nesse contexto, a assistncia mdica passa a reivindicar seu papel de

    salvadora das mulheres, oferecendo solidariedade humanitria e cientfica diante do

    sofrimento, resolvendo o problema da dor na parturio. Ou seja, a obstetrcia cirrgica,

    prtica essencialmente masculina na poca, se sobrepe ao ofcio feminino de partejar

    (DINIZ, 2005, CAUS et al., 2012).

    Na metade do sculo XX, o processo de hospitalizao do parto estava instalado,

    expandindo-se como padro da assistncia nas reas urbanas (CAUS et al., 2012). Durante

    vrias dcadas, utilizou-se em parturientes de classe mdia e alta do continente Europeu e

    Norte Americano, em especial nos Estados Unidos, o parto sob sedao total. O processo

    envolvia o uso de morfina e do amnsico escopolamina, assim a mulher sentia a dor, mas no

    tinha qualquer lembrana consciente do que havia acontecido. Geralmente o parto era

    induzido com ocitcitos, o colo dilatado com instrumentos e o feto retirado com frceps

    (DINIZ 2005).

    Este modelo foi abandonado aps vrias dcadas, quando a alta morbimortalidade

    materna e perinatal passou a ser considerada inaceitvel. Entretanto, as mulheres passaram a

    viver seus partos conscientes, mas imobilizadas, com as pernas abertas e levantadas, tendo o

    funcionamento de seu tero acelerado ou reduzido, assistidas por pessoas desconhecidas e

    separadas de seus parentes, sendo submetida a uma cascata de procedimentos (DINIZ,

    2005, p. 629). No Brasil, incluram-se ainda procedimentos rotineiros como a abertura

  • 19

    cirrgica da musculatura e tecido ertil da vulva e vagina (episiotomia), e em muitos servios

    como os hospitais-escola, a extrao do beb com frceps nas primparas. Modelo esse,

    aplicado ainda hoje maioria das pacientes do Sistema nico de Sade (SUS) (LEAL et. al,

    2014).

    Todavia, esse tipo de assistncia passou a gerar diversas crticas, e o movimento

    internacional em busca de um novo modelo de assistncia ao parto passou a ganhar fora. A

    partir da dcada de 1980, passou-se a criticar fortemente o modelo obsttrico vigente.

    Questionava-se, principalmente, a qualidade da assistncia prestada durante o ciclo gravdico-

    puerperal, a institucionalizao do parto e o uso rotineiro de intervenes desnecessrias

    (SILVA; NASCIMENTO; COELHO, 2015). Enfatiza-se que o feminismo, em suas diferentes

    verses, teve um papel central neste movimento, desde a busca pela Reforma no Parto, na

    dcada de 1950, at a criao dos centros de sade feministas e os Coletivos de Sade das

    Mulheres nas dcadas de 1960 e 1970. Destacam-se alguns movimentos como: o Movimento

    pelo parto sem dor na Europa, os ativistas do Mtodo Dick- Read e o Parto sem medo,

    posteriormente os do mtodo Lamaze e Leboyer (parto sem violncia). Outra vertente a do

    parto natural do movimento hippie, cuja maior expresso a experincia da comunidade

    conhecida como The Farm nos EUA (RATTNER, 2009).

    J em 1979, ano internacional da criana, a crtica ao modelo de assistncia obsttrica

    denominada tecnocrtica acelerou-se com a criao do Comit Europeu, o qual tinha por

    objetivo estudar intervenes capazes de reduzir a morbimortalidade perinatal e materna.

    Assim, a partir da dcada de 1980, inicia-se uma colaborao internacional apoiado pela

    Organizao Mundial da Sade (OMS), onde vrios grupos se organizaram para sistematizar

    estudos de eficcia e segurana na assistncia ao parto e nascimento. Foi desenvolvida a

    metodologia de reviso sistemtica, dando os primeiros passos do que viria a ser o movimento

    pela medicina baseada em evidncias (DINIZ, 2005, CAUS et al., 2012).

    No contexto nacional, as questes ligadas sade das mulheres ganharam espao na

    agenda de polticas pblicas. Em 1970 foi criada a Coordenao de Proteo Materno-Infantil,

    que, posteriormente daria origem ao Programa Nacional de Sade Materno-Infantil, cujo

    propsito era a ampliao e qualificao das aes dirigidas mulher durante a gestao, o

    parto e o puerprio, e criana menor de 5 anos (BRASIL, 2011b). Considera-se ainda como

    um marco poltico deste perodo, e um avano para o reconhecimento dos direitos

    reprodutivos, o lanamento em 1983, pelo Ministrio da Sade (MS), do Programa de

    Assistncia Integral da Sade Mulher (PAISM), o qual pretendia oferecer s mulheres um

    conjunto de aes com amplo acesso e esperava obter forte impacto na mortalidade e

  • 20

    morbidade materna do pas (BRASIL, 1984).

    No incio da dcada de 1990, a informao circulante na sociedade decorrente da

    atuao de ativistas pela humanizao deixava claro que o modelo de ateno ao parto e

    nascimento era inadequado, com excesso de intervenes e desrespeitando os direitos

    humanos, sexuais e reprodutivos da mulher (RATTNER, 2014). Nesse cenrio de grandes

    transformaes no campo da sade e da sade da mulher, as enfermeiras obstetras brasileiras

    se organizaram politicamente e criaram a Associao Brasileira de Obstetrizes e Enfermeiras

    Obstetras (ABENFO-Nacional), no ano de 1992. As duas primeiras seccionais a serem criadas

    foram a de So Paulo em 1993 e a do Rio de Janeiro em 1994. Nos dias atuais, a ABENFO-

    Nacional possui seccionais nos 26 estados brasileiros e vem participando ativamente junto aos

    rgos federais no sentido de fortalecer a formao e a prtica da enfermeira obstetra e da

    obstetriz, com o objetivo de transformar o modelo medicalizado no campo obsttrico

    (MOUTA; PROGIANTI, 2017).

    Outra estratgia delineada nesta poca foi constituio dos Comits Estaduais de

    Morte Materna. Estes comits so de natureza interinstitucional e multiprofissional e se

    propem a analisar todos os bitos maternos e apontar medidas de interveno para sua

    preveno (REIS; PEPE; CAETANO, 2011). No entanto, somente em 1994 foi criada a

    Comisso Nacional de Morte Materna, composta por representantes de organizaes

    governamentais, sociedade cientfica, movimentos de mulheres e tcnicos da rea, tendo

    como atribuio elaborar o diagnstico da mortalidade materna no pas e propor diretrizes

    para sua diminuio (BRASIL, 2007a). Em 1996, reforando o movimento em busca da

    dignificao da assistncia ao parto, ocorreu a publicao das Recomendaes da

    Organizao Mundial de Sade, a qual consiste em uma sntese de uma reviso sistemtica

    com mais de 40.000 estudos sobre prticas perinatais. No Brasil esta publicao ocorreu

    somente no ano de 2000 pelo Ministrio da Sade, sob o ttulo Assistncia ao Parto Normal -

    Um Guia Prtico (OMS, 2000).

    Em 1994 surge no Rio de Janeiro uma primeira maternidade pblica autodefinida

    como humanizada, que recebeu o nome de Leila Diniz (RATTNER, 2009). Todavia, a

    denominao Humanizao somente foi adotada oficialmente a partir de 2000, quando foi

    lanado o Programa de Humanizao do Pr-Natal e Nascimento (PHPN). Seu objetivo era

    ampliar o acesso e a cobertura dos servios de ateno ao pr-natal, parto e puerprio e

    melhorar sua qualidade (BRASIL, 2000a).

    Paralelamente, foram criados os Centros de Parto Normal no SUS (BRASIL, 1999) e

    possibilitou-se a remunerao da enfermeira obstetra no atendimento ao parto eutcico, ou

  • 21

    seja, quele parto normal efetuado sem interveno instrumental com ou sem episiotomia

    (BRASIL, 1998) e, a partir de 2002, foram financiados cursos de especializao em

    enfermagem obsttrica. No mesmo perodo o valor da remunerao do parto vaginal

    aumentou em 160%, instituiu-se pagamento de analgesia de parto e foi institudo o Pacto

    Nacional pela Reduo das Taxas de Cesrea (BRASIL, 2000b). Tambm foram publicadas e

    distribudas normas tcnicas sobre: pr-natal normal e de alto risco, parto normal, urgncias e

    emergncias obsttricas, a traduo das recomendaes da OMS, a Cartilha dos Direitos da

    Gestante e o Livro da Parteira (RATTNER, 2014).

    Como uma iniciativa para o enfrentamento da mortalidade materna, em 2004 foi

    lanado o Pacto Nacional pela Reduo da Mortalidade Materna e Neonatal, uma parceria

    entre os diferentes nveis de governo e representaes da sociedade civil (REIS; PEPE;

    CAETANO, 2011). Entre seus princpios norteadores esto: a mobilizao politica para

    investimentos na melhoria e humanizao da ateno obsttrica e neonatal, o respeito aos

    direitos humanos de mulheres e crianas e a considerao das questes de gnero, dos

    aspectos tnicos e raciais e das desigualdades sociais e regionais (BRASIL, 2004).

    O movimento global pela humanizao do parto refletiu em iniciativas como a

    Conferncia Internacional pela Humanizao do Parto, realizada em 2000 em Fortaleza e sua

    segunda edio em 2005, no Rio de Janeiro (RATTNER, 2014). Em 2008, ocorreu ainda a I

    Conferncia Nacional e I Conferncia Internacional sobre os Objetivos do Desenvolvimento

    do Milnio no mbito da Sade, sendo um deles, Melhorar a sade materna, com duas

    metas a serem atingidas: a reduo da mortalidade materna em 75% do nvel observado em

    1990 e a universalizao do acesso sade sexual e reprodutiva (BRASIL, 2014).

    Cabe, ainda, mencionar a publicao de outras legislaes, que buscaram garantir a

    humanizao e qualificao do cuidado obsttrico e neonatal. Ressalta-se: a Lei 11.108, de 07

    de abril de 2005, que garante as parturientes o direito de ter um acompanhante durante sua

    internao (BRASIL, 2005a), o lanamento da Politica Nacional de Ateno Obsttrica e

    Neonatal (BRASIL, 2005b), a Lei 11.634, de 27 de dezembro de 2007, que estabelece a

    vinculao do pr-natal ao local de parto, afirmando como direito da gestante conhecer a

    maternidade onde receber assistncia, no mbito do SUS (BRASIL, 2007b). E a Resoluo

    da Diretoria Colegiada (RDC) n 36, de 03 de junho de 2008, que dispe sobre regulamento

    tcnico para funcionamento dos servios de ateno obsttrica e neonatal, incluindo a

    ambincia, o acolhimento e aes de humanizao para a manuteno dos servios dessa rea.

    Outra importante iniciativa do MS foi a Rede Cegonha, instituda pela Portaria nmero

    1.459, de 24 de junho de 2011, a qual compreende princpios e diretrizes que norteiam o

  • 22

    atendimento s mulheres, homens, adolescentes, jovens e crianas garantindo-lhes

    atendimento integral e humanizado desde o planejamento familiar, respeitando os direitos de

    cada um (BRASIL, 2011). Como estratgia associada e com a finalidade de capacitar

    enfermeiros obstetras, o Governo Federal, por meio dos Ministrios da Sade e Educao,

    lanou em 2012 o Programa de Residncia em Enfermagem Obsttrica.

    Ressalta-se ainda a Portaria n 904, de 29 de maio de 2013, a qual estabelece diretrizes

    para implantao e habilitao do Centro de Parto Normal, no mbito do SUS, para o

    atendimento mulher e ao recm-nascido no momento do parto e do nascimento. Em

    consonncia com o componente Parto e Nascimento da Rede Cegonha, essa dispe sobre os

    respectivos incentivos financeiros de investimento e custeio. Tambm a Resoluo Normativa

    n 368, lanada em julho de 2015 pela Agencia Nacional de Sade Suplementar (ANS), que

    determina que as operadoras de planos de sade, sempre que solicitadas, devero divulgar os

    percentuais de cirurgias cesreas e de partos normais por estabelecimento de sade e por

    mdico e tambm sero obrigadas a fornecer o Carto da Gestante e a Carta de Informao

    Gestante, assim como o preenchimento do partograma (BRASIL, 2015).

    Entre as estratgias brasileiras atuais, est a aprovao, no ano de 2017, das Diretrizes

    Nacionais de Assistncia ao Parto Normal. Essas so produto do esforo conjunto entre

    diversas reas do MS e outras instituies, sociedades e associaes de profissionais e das

    mulheres, no intuito de qualificar o modo de nascer no Brasil. Fundamentadas em evidncias

    cientficas, as diretrizes objetivam promover mudanas na prtica clnica, uniformizar e

    padronizar as prticas mais comuns utilizadas na assistncia ao parto normal, bem como

    reduzir intervenes desnecessrias e seus agravos. Dentre os consensos apresentados,

    destaca-se a normatizao dos critrios ticos para a realizao de cesarianas eletivas,

    estabelecendo que sejam realizadas a partir da 39 semana de gestao, de modo a minimizar

    os riscos para o feto (BRASIL, 2017).

    Ainda assim, na assistncia obsttrica atual, alguns procedimentos reconhecidamente

    danosos e ineficazes, como o uso excessivo da episiotomia e de ocitcitos, continuam sendo

    utilizados como rotina nos servios do Sistema nico de Sade (LEAL et al., 2014). Essa

    forma de assistncia, pautada no sofrimento fsico e emocional desnecessrio, ocasionou o

    atual paradoxo mundial: o uso tecnologias cada vez mais avanadas no processo de parto e

    nascimento justamente o que impede muitos pases de reduzir a morbimortalidade materna e

    perinatal (DINIZ, 2005).

  • 23

    2.2 DIMENSO EPIDEMIOLGICA E SOCIAL DA MORTALIDADE MATERNA

    A mortalidade materna, por ser um desfecho evitvel em aproximadamente 92% dos

    casos, uma das mais graves violaes dos direitos humanos das mulheres (BRASIL, 2009).

    Alm de ser um importante indicador da assistncia sade da mulher, das condies

    socioeconmicas do pas e polticas pblicas que promovem as aes de sade coletiva e da

    qualidade de vida de sua populao (CARRENO; BONILHA; COSTA, 2012).

    Conforme descrito no Manual dos Comits de Mortalidade Materna (2007a, p. 12),

    Morte materna a morte de uma mulher durante a gestao ou at 42 dias aps o

    trmino da gestao, independentemente da durao ou da localizao da gravidez.

    causada por qualquer fator relacionado ou agravado pela gravidez ou por medidas

    tomadas em relao a ela. No considerada morte materna a que provocada por

    fatores acidentais ou incidentais.

    Em mbito mundial existe uma grande disparidade entre as Razes de Mortalidade

    Materna (RMM) em pases desenvolvidos e queles em desenvolvimento. Em vista dos bitos

    serem evitveis, a OMS preconiza como meta a RMM de at 20 bitos em 100 mil nascidos

    vivos (WHO, 2010). Ressalta-se que a RMM no Brasil permanece acima do preconizado,

    atingindo desigualmente as regies brasileiras, com maior prevalncia nas regies Nordeste,

    Centro-Oeste e Norte, entre mulheres das classes sociais com menor ingresso e acesso aos

    bens sociais (BRASIL, 2009).

    As elevadas taxas de mortes maternas denota a baixa qualidade da ateno obsttrica e

    ao planejamento reprodutivo prestado s mulheres brasileiras (BRASIL, 2014). O estudo de

    Carreno, Bonilha e Costa (2012) evidencia que o perodo de ocorrncia da maioria dos bitos

    durante o parto e no ps-parto imediato, apontando que estes momentos crticos devem ser

    adequadamente assistidos pela equipe de sade. Apontando dessa forma que as complicaes

    maternas que levam ao bito so quase sempre devidas inadequada e/ou tardia assistncia de

    sade.

    O modelo tecnocrtico hegemnico acaba por desapropriar a mulher das decises

    sobre o seu prprio corpo, fortalecendo a cultura da submisso feminina diante do profissional

    de sade, e por vezes, causando sofrimentos fsicos e emocionais desnecessrios. O uso

    excessivo de tecnologia no parto levou ao atual paradoxo da sade enfrentado por muitos

    pases, impedindo a reduo das taxas de morbimortalidade materna e perinatal. Tem-se

    apontado atravs de evidncias cientficas, a relao entre aumento da morbimortalidade

    materna e perinatal e o modelo intervencionista hegemnico presente, tanto no sistema

  • 24

    pblico como no privado de sade. Tal fato exemplificado pela expressiva taxa de partos

    cesarianos no mundo, ultrapassando significativamente os 15% recomendado pela

    Organizao Mundial da Sade (ALMEIDA; MEDEIROS; SOUZA, 2012).

    O Brasil mundialmente reconhecido como um dos pases com as mais altas taxas de

    cesariana. Entre 2000 e 2011, esses ndices foram correspondentes a 41% e 54%,

    respectivamente, mesmo com o Pacto para a Reduo das Taxas de Cesarianas para 25%,

    firmado entre as administraes estaduais e o MS, no ano de 2000. A realizao

    indiscriminada de cesarianas envolve riscos desnecessrios tanto para a mulher quanto para a

    criana. Mulheres submetidas a cesreas correm 3,5 vezes mais risco de morte (BRASIL,

    2014a).

    De acordo com o Relatrio dos Objetivos de Desenvolvimento do Milnio (2013),

    divulgado pela ONU, de 1990 a 2011, a taxa de mortalidade materna brasileira caiu em 55%,

    passando de 141 para 64 bitos por 100 mil nascidos vivos. Esta reduo se deve, em grande

    medida, queda da mortalidade materna por causas obsttricas diretas resultantes de

    complicaes surgidas durante o ciclo gravdico puerperal; decorrentes de intervenes,

    omisses, tratamento incorreto ou de eventos associados a qualquer um desses fatores

    (BRASIL, 2014a).

    Nesta perspectiva, percebe-se que a evitabilidade das mortes maternas vivel em

    nosso pas, porm demanda esforos governamentais de incentivo as aes e estratgias

    voltadas reduo da morte materna. Destaca-se, tambm, a necessidade do uso de

    tecnologias por meio da disseminao de informaes s gestantes durante o pr-natal. Desta

    forma, deve-se incentivar o parto normal sem intervenes desnecessrias, promover a

    reduo da dor do parto, reservar as cesarianas para os casos de risco sade materna e fetal.

    (CARRENO; BONILHA; COSTA, 2012).

    Para tanto, so imprescindveis aes amplas e articuladas que visem uma mudana do

    atual modelo assistencial na ateno obsttrica. Para preveno das mortes maternas so

    necessrias medidas para qualificao dos profissionais que prestam assistncia s gestantes,

    parturientes e purperas garantia de um parto seguro, alm da organizao de um sistema de

    referncia para atendimento eficiente s emergncias obsttricas e a reduo das

    desigualdades na assistncia, facilitando o acesso aos servios de sade (CARRENO;

    BONILHA; COSTA, 2012, SOARES et al, 2012,).

  • 25

    2.3 HUMANIZAO DA ASSISTNCIA OBSTTRICA E A AUTONOMIA FEMININA

    Ao longo da histria, a assistncia ao parto e nascimento vem sendo transformada de

    maneira progressiva. Desde a poca em que os partos eram assistidos por parteiras em

    ambiente domiciliar at os dias atuais, em que os partos so predominantemente hospitalares,

    cirrgicos e realizados pelos mdicos, muitas prticas se modificaram (MALHEIROS et al,

    2012). Inegavelmente alcanaram-se avanos, contudo, como consequncia dessa

    terceirizao do parto, tm-se o excesso de intervenes que acaba por destituir a mulher da

    autonomia sobre o prprio corpo (SANFELICE; SHIMO, 2016).

    No campo da biotica Beauchamp e Childress (1994) admitem que a autonomia tenha

    diferentes significados, to diversos como autodeterminao, direito de liberdade,

    privacidade, escolha individual, livre vontade, comportamento gerado pelo prprio indivduo

    e ser propriamente uma pessoa. Histrica e filosoficamente, o conceito de autonomia adquire

    especificidades no contexto de cada teoria da biotica, entretanto, todas concordam que duas

    condies so essenciais autonomia: a liberdade e a ao.

    No campo da sade a autonomia um conceito central para a promoo da sade.

    Autonomia (auto = prprio, nomos = norma, regra, lei) conduz o pensamento ideia de

    liberdade, de livre deciso dos indivduos sobre suas prprias aes e s possibilidades e

    capacidades para construrem sua trajetria na vida (FLEURY-TEIXEIRA, P. et al, 2008).

    Na cena do parto e nascimento, o livre exerccio da autonomia permite que as

    mulheres tomem decises referentes aos seus corpos, a assistncia que lhes prestada e as

    intervenes que afetam as suas vidas e as de seus filhos (GUEDES; FONSECA, 2011).

    Nessa perspectiva, a humanizao do parto um movimento das ltimas dcadas que vem

    buscando garantir este princpio assistncia s mulheres, alm de afirmar a dignidade

    humana na cena do parto e nascimento (CARVALHO, et al, 2012).

    A viso humanista procura articular diversas reas de conhecimento necessrias no

    cuidado integral mulher, assim como o compartilhamento de saberes e o reconhecimento

    dos direitos. De tal modo, a assistncia ao parto necessita resgatar a subjetividade, assegurar

    direitos inalienveis e construir relaes humanas democrticas, superando as assimetrias de

    poder que ainda permeiam nossa sociedade, em particular na assistncia sade da mulher

    (PEREIRA; BENTO, 2011).

    Diante do entendimento do impacto das relaes de gnero na sade das mulheres, as

    polticas de sade tambm tm sido ampliadas sob a perspectiva do cuidado integral. Nas

  • 26

    ltimas dcadas, o Ministrio da Sade props programas e polticas que assumem

    compromissos com a garantia dos direitos de cidadania, sexuais e reprodutivos das mulheres e

    crianas. Destaca-se, o Programa de Humanizao no Pr-Natal e Nascimento (PHPN),

    institudo no ano de 2000, que tem como principal estratgia, assegurar a melhoria do acesso,

    da cobertura e da qualidade do acompanhamento pr-natal, da assistncia ao parto e puerprio

    s gestantes e ao recm-nascido (BRASIL, 2002).

    O PHPN fundamenta-se nos preceitos de que a humanizao da Assistncia Obsttrica

    e Neonatal condio primeira para o adequado acompanhamento do parto e do puerprio

    (CARVALHO, et al, 2012). Preconiza a assistncia obsttrica baseada em evidencias

    cientificas, com interveno sobre a fisiologia somente quando essa se prove mais segura e/ou

    efetiva que a no interveno. Este programa apresenta duas caractersticas marcantes: o olhar

    para a integralidade da assistncia obsttrica e a afirmao dos direitos da mulher,

    incorporada como diretrizes institucionais (BRASIL, 2002).

    Para tanto, os profissionais de sade so de suma importncia. Porm, a formao dos

    mdicos obstetras tem se mostrado insuficiente diante da necessidade de tornar estes

    profissionais habilitados a prestar uma assistncia integral de qualidade, alm de humanizada,

    ao contrrio do que se pretende, visto que se inclinam mais para a utilizao de prticas

    intervencionistas. J a formao dos enfermeiros obstetras visa uma assistncia de carter

    mais humanizada e voltada para o respeito fisiologia do parto. No entanto, estes

    profissionais ainda encontram-se pouco atuantes na prtica assistencial, tanto pela resistncia

    do modelo biomdico sua insero, quanto pelo pequeno quantitativo de profissionais frente

    a grande demanda (MALHEIROS et al, 2012).

    Nesta perspectiva, evidencia-se que a prestao de uma ateno obsttrica e neonatal

    humanizada no depende apenas de medidas governamentais que assegurem legalmente os

    direitos das gestantes, mas perpassa tambm o comprometimento dos profissionais

    responsveis pelo cuidado das mulheres neste momento to singular de sua vida. Para garantir

    o sucesso da humanizao do parto, faz-se necessria a qualificao, a conscientizao e o

    engajamento dos profissionais de sade, reconhecendo a mulher como um ser nico,

    respeitando seus direitos e desejos, possibilitando assim o exerccio de sua autonomia no

    cenrio do parto e nascimento (BRASIL, 2014b).

  • 27

    2.4 PRODUES CIENTFICAS SOBRE AS PRTICAS DE ASSISTNCIA SADE

    NO PROCESSO DE PARTO E NASCIMENTO, 1996 - 2015

    Nesta seo ser apresentado o artigo cientfico intitulado Autonomia feminina no

    processo de parto e nascimento: reviso integrativa da literatura (REIS et al., 2017), que tem

    por objetivo: identificar as evidncias disponveis na produo cientfica acerca das prticas

    de assistncia sade que interferem no exerccio da autonomia das mulheres brasileiras no

    processo de parto e nascimento. Este produto da disciplina EFM850: Prtica baseada em

    evidncia e sua aplicabilidade na enfermagem e foi publicado na Revista Gacha de

    Enfermagem (Disponvel em:

    ). Destaca-

    se ainda, que os elementos textuais do mesmo foram redigidos na sua totalidade e em

    conformidade s normas especficas do peridico, o que vai ao encontro do proposto pelo

    Manual de Dissertaes e Teses (2015) da UFSM.

  • 28

    2.4.1 Artigo: Autonomia feminina no processo de parto e nascimento: reviso

    integrativa da literatura

    AUTONOMIA FEMININA NO PROCESSO DE PARTO E NASCIMENTO:

    REVISO INTEGRATIVA DA LITERATURA

    RESUMO

    Objetivo: Identificar as evidncias disponveis na produo cientfica acerca das prticas de

    assistncia sade que interferem no exerccio da autonomia das mulheres brasileiras no

    processo de parto e nascimento. Mtodo: A busca dos artigos foi desenvolvida nas bases de

    dados LILACS, SCOPUS e PubMed, no perodo entre 1996 e 2015, tendo como eixo

    orientador a questo norteadora e os critrios de excluso, sendo selecionados 22 artigos

    como corpus de anlise. Resultados: Foram evidenciadas como prticas que favorecem o

    exerccio da autonomia feminina: prticas assistenciais extra-hospitalares; prticas

    assistenciais de o apoio e conforto; e prticas assistenciais educativas. Em contra partida

    revelaram-se como prticas limitantes ao exerccio da autonomia: prticas assistenciais

    autoritrias; prticas assistenciais padronizadas ou rotineiras; prticas assistenciais que

    intensificam a sensao dolorosa do parto; e prtica assistencial impessoal e fria. Concluso:

    Revelou-se uma situao de alerta relativa ao grande descompasso existente entre o cotidiano

    assistencial e as recomendaes ministeriais.

    Palavras chave: Sade da Mulher. Obstetrcia. Parto. Autonomia Pessoal. Preferncia do

    Paciente. Tomada de Decises.

    ABSTRACT

    Objective: To identify the available evidence in the scientific literature about health care

    practices that interferes with the exercise of autonomy of Brazilian women in the labor and

    delivery process. Method: The search for articles was developed in the databases LILACS,

    Scopus and PubMed, in the period between 1996 and 2015, with the guiding principle the

  • 29

    guiding question and exclusion criteria, and selected 22 articles as an analytical corpus.

    Results: We highlighted as practices that favor the exercise of women's autonomy: outpatient

    care practices; care practices to support and comfort; educational and care practices. By

    contrast they have proved as limiting the practical exercise of autonomy: authoritarian care

    practices; standardized care practices or routine; care practices that enhance the painful

    childbirth feeling; and impersonal and cold care practice. Conclusion: It was revealed an

    alert condition on the large mismatch between their everyday life and ministerial

    recommendations.

    Keywords: Women's Health. Obstetrics. Parturition. Personal Autonomy. Patient Preference.

    Decision Making.

    TITLE: EMPOWER WOMEN IN THE PROCESS OF LABOR AND BIRTH:

    INTEGRATIVE LITERATURE REVIEW

    RESUMEN

    Objetivo: Identificar la evidencia disponible en la literatura cientfica acerca de las prcticas

    de atencin de salud que interfieren con el ejercicio de la autonoma de las mujeres

    brasileas en el proceso de parto y el parto. Mtodo: La bsqueda de artculos se desarroll

    en las bases de datos LILACS, SCOPUS y en PubMed, en el perodo comprendido entre 1996

    y 2015, con el principio rector de los rectores criterios de interrogacin y exclusin, y

    seleccion 22 artculos como un corpus de anlisis. Resultados: Hemos puesto de relieve

    como las prcticas que favorecen el ejercicio de la autonoma de la mujer: las prcticas de

    atencin ambulatorial; cuidado prcticas de apoyo y consuelo; prcticas educativas y

    atencin. Por el contrario se han demostrado como una limitacin del ejercicio prctico de la

    autonoma: las prcticas de atencin autoritarias; prcticas de cuidados estandarizados o de

    rutina; cuidado prcticas que mejoran la sensacin dolorosa del parto; y la prctica de la

  • 30

    atencin impersonal y fro. Conclusin: Se puso de manifiesto una situacin de alerta en el

    gran desajuste entre su vida cotidiana y recomendaciones ministeriales.

    Palabras clave: Salud de la Mujer. Obstetricia. Parto. Autonoma Personal. Prioridad del

    Paciente. Toma de Decisiones.

    TTULO: AUTONOMA DE LA MUJER EN EL PROCESO DE TRABAJO Y

    NACIMIENTO: REVISIN INTEGRADORA

    INTRODUO

    A experincia do nascimento de um filho est associada renovao da vida,

    representando, para muitos, um dos momentos mais intensos e significativos da existncia

    humana(1)

    . Devido s suas especificidades, relacionadas a aspectos sociais, culturais,

    econmicos e biolgicos, o parto deve ter a assistncia centrada nas necessidades das

    mulheres, considerando seus direitos e a sua participao ativa no processo de parturio(2,3)

    .

    No entanto, paulatinamente esses direitos e, portanto, precondies para a sade e para

    a cidadania, tm sido violados. Caracterizado pela crescente dependncia de intervenes

    tcnicas e tecnolgicas e pela ampla utilizao da cirurgia cesariana como forma de nascer, o

    modelo de assistncia obsttrica vigente marcado pela desapropriao do controle do corpo

    das mulheres, inviabilizando assim o exerccio de sua autonomia(4,5)

    .

    A fim de resgatar a autonomia feminina na cena do parto, a partir da dcada de 1980, o

    movimento feminista juntamente com outros setores da sociedade, passou a criticar

    fortemente esse modelo obsttrico tecnocrtico. Questionava-se principalmente a qualidade da

    assistncia prestada durante o ciclo gravdico-puerperal, a institucionalizao do parto e o uso

    rotineiro de intervenes desnecessrias. Este movimento culminou em conferncias,

    documentos e na busca de evidncias cientficas que articulassem as diversas reas de

    conhecimento(3)

    .

  • 31

    Diante do entendimento do impacto das relaes de gnero na sade das mulheres, as

    polticas de sade tambm tm sido ampliadas sob a perspectiva do cuidado integral. Nas

    ltimas dcadas, o Ministrio da Sade props programas e polticas que assumem

    compromissos com a garantia dos direitos de cidadania, sexuais e reprodutivos das mulheres e

    crianas. Destaca-se o Programa de Humanizao no Pr-Natal e Nascimento(6)

    , institudo no

    ano de 2000, que tem como principal estratgia assegurar a melhoria do acesso, da cobertura e

    da qualidade do acompanhamento pr-natal e da assistncia ao parto e puerprio s gestantes

    e ao recm-nascido.

    Considera-se incontestvel ampliar a viso acerca do parto para alm dos aspectos

    biolgicos da mulher e da criana, focando no reconhecimento dos seus direitos. A partir da

    necessidade de discusso de aspectos relacionados ao protagonismo das mulheres no processo

    do parto e as dificuldades para o cuidado de si e do filho de forma autnoma(2)

    , realizou-se a

    presente reviso integrativa da literatura. Teve-se como objetivo, identificar as evidncias

    disponveis nas produes cientficas acerca das prticas de assistncia sade que interferem

    no exerccio da autonomia das mulheres brasileiras no processo de parto e nascimento.

    MTODO

    Trata-se de um estudo de reviso integrativa da literatura segundo os seis passos

    metodolgicos propostos(7)

    . O primeiro passo consistiu na seleo do tema e da questo

    norteadora: Quais as prticas de assistncia sade que interferem no exerccio da autonomia

    das mulheres brasileiras no processo de parto e nascimento?

    No segundo passo, foram definidos os critrios de incluso: artigos de pesquisa

    desenvolvidos no Brasil, que respondam temtica, publicados em portugus, ingls ou

    espanhol, no perodo entre 1996 e 2015, disponveis integralmente online. Selecionaram-se

    apenas estudos desenvolvidos no Brasil devido ao modelo de assistncia obsttrica prestado.

    Quanto ao recorte temporal, utilizou-se o perodo entre 1996 a 2015, quando houve um

  • 32

    movimento intenso de incentivo humanizao e qualificao da assistncia obsttrica a

    partir da publicao pela Organizao Mundial de Sade (OMS) das Recomendaes da

    OMS - Boas Prticas de Ateno ao Parto e Nascimento(8)

    . Devido busca de evidncias

    especficas das prticas de assistncia sade no processo de parto, independente do tipo/via

    de nascimento, foram excludos os estudos com enfoque na deciso pela via de parto e na

    presena do acompanhante.

    A busca dos artigos foi desenvolvida nas bases de dados: Literatura Latino-Americana

    e do Caribe em Cincias da Sade (LILACS), U.S. National Library of Medicine and the

    National Institutes of Health (PubMed) e SciVerse Scopus (SCOPUS). Em virtude das

    caractersticas especficas das bases de dados selecionadas, as estratgias utilizadas para busca

    dos artigos foram adaptadas para cada uma, tendo como eixo norteador a questo de reviso e

    os critrios de incluso adotados pelos pesquisadores.

    Na base de dados LILACS, foram usados os descritores controlados obtidos junto aos

    Descritores em Cincias da Sade (DeCS): tocologia" or "parto" or "parto humanizado" or

    "parto normal" or "parto obstetrico" or "trabalho de parto" or "saude reprodutiva" or

    "cesarea". Estes descritores foram combinados por meio do operador booleano AND com

    palavras definidas a partir do conceito de autonomia, quais sejam: "decisao" or "autonomia"

    or "direito" or "preferencia" or "escolha" or "participacao". Utilizou-se esta estratgia de

    busca com o propsito de ampliar a possibilidade de localizao de evidncias que

    respondessem a questo de pesquisa.

    Com o mesmo propsito, nas duas bases de dados SCOPUS e PubMed, foram usadas

    as palavras-chave: "midwifery" or "parturition" or "humanizing delivery or reproductive

    health AND autonomy or patient reference or decision, todas selecionando o item

    All Fields. O levantamento dos estudos ocorreu no ms de janeiro de 2016. Para aqueles

    artigos que no foram encontrados disponveis integralmente na base de dados, esgotaram-se

  • 33

    totalmente as estratgias de busca atravs de contato com os prprios autores e com as

    instituies de origem do estudo. Estudos duplicados foram analisados somente uma vez.

    A partir disso foram selecionados, por dois revisores de modo independente, 22 artigos

    como corpus de anlise. Quando houve divergncia, estes foram avaliadas por um terceiro

    revisor (Figura 1). Salienta-se que, para minimizar possveis erros de interpretao, a busca, a

    avaliao e a anlise dos artigos tambm foram realizadas por dois revisores de forma

    independente.

    Figura 1 - Fluxograma da seleo independente dos pares dos estudos corpus da

    pesquisa de reviso integrativa da literatura. LILACS/PubMed/SCOPUS, 1996-2015.

    Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

    Revisor 1

    222 estudos excludos pelo resumo

    No so pesquisa/artigo (n=106)

    Duplicados (n=17)

    No so da temtica (n=91)

    Indisponveis online (n=8)

    295 estudos identificados nas bases de

    dados

    LILACS: 216 estudos

    PubMed: 27 estudos

    SCOPUS: 52 estudos

    73 artigos elegveis para leitura do texto

    na ntegra

    20 artigos selecionados por ambos os

    revisores

    Revisor 2

    210 estudos excludos pelo resumo

    No so pesquisa/artigo (n=106)

    Duplicados (n=17)

    No so da temtica (n=79)

    Indisponveis online (n=8)

    295 estudos identificados nas bases de

    dados

    LILACS: 216 estudos

    PubMed: 27 estudos

    SCOPUS: 52 estudos

    85 artigos elegveis para leitura do texto

    na ntegra

    9 artigos discordantes

    22 artigos includos na reviso

    Corpus da pesquisa

    7 artigos excludos pelo 3 revisor

  • 34

    No terceiro passo, as informaes dos artigos selecionados foram extradas e

    transcritas com auxlio de um instrumento validado(9)

    , possibilitando detalhamento e

    organizao dos dados encontrados que, posteriormente, foram descritos em quadros

    elaborados no Microsoft Word 2007. Foram respeitados os aspectos ticos, por meio da

    citao fidedigna das ideias, conceitos e as definies empregadas pelos autores das

    produes utilizadas como resultados no presente estudo.

    O quarto passo consistiu na anlise, para tanto, cada estudo foi classificado segundo

    informaes para responder a pergunta de investigao e em relao ao nvel de evidncia. O

    mtodo utilizado para classificao da fora da evidncia prope trs nveis, a saber: 1-

    Interveno ou diagnstico; 2- Prognstico ou etiologia; 3- Significado. Em vista do corpus

    desta pesquisa, utilizamos a classificao de evidncia de estudos com questo clnica

    direcionada para o significado, com a seguinte hierarquia: I- Metassntese de estudos

    qualitativos; II- Estudos qualitativos individuais; III- Sntese de estudos descritivos; IV-

    Estudos descritivos individuais; V- Opinio de especialistas(10)

    .

    Na sequncia os resultados foram apresentados e discutidos de forma descritiva.

    Primeiramente, descreveu-se dos dados de identificao das publicaes (autores, ano, Estado

    de origem e instituio sede do estudo). Posteriormente, foram avaliadas as caractersticas

    metodolgicas dos estudos, classificando-os de acordo com o delineamento de pesquisa e

    avaliao crtica dos nveis de evidncias(10)

    .

    No quinto passo, as evidncias foram agrupadas por similaridade e as prticas de

    assistncia sade que interferem no exerccio da autonomia das mulheres brasileiras no

    processo de parto e nascimento foram descritas. E, por ltimo, no sexto passo a partir da

    discusso e interpretao dos resultados, elaboraram-se consideraes s prticas assistenciais

    obsttricas, bem como sugestes de pesquisas.

    RESULTADOS

  • 35

    Quanto distribuio quadrienal de frequncia de publicao, houve destaque de

    publicaes entre os anos de 2012 e 2015 (Figura 2). Em relao ao Estado de origem,

    observou-se uma maior concentrao nos Estados da regio Sudeste (8 artigos) e da regio

    Sul (7 artigos) do Brasil. Observou-se ainda que 13 estudos foram desenvolvidos em

    instituies hospitalares e 9 em instituies extra-hospitalares (unidades bsicas de sade e

    casas de parto). Destes, 15 foram realizados em instituies nicas, 7 foram realizados de

    forma multi-institucional.

    Figura 2 - Grfico da distribuio quadrienal da frequncia de publicao da

    produo cientfica acerca das prticas de assistncia sade que interferem no

    exerccio da autonomia das mulheres brasileiras no processo de parto e nascimento.

    LILACS/PubMed/SCOPUS, 1996-2015.

    0

    2

    4

    6

    8

    10

    12

    1996 - 1999 2000 - 2003 2004 - 2007 2008 - 2011 2012 - 2015

    Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

    Dentre as publicaes analisadas, 18 artigos tm entre seus autores somente

    enfermeiros, 1 foi redigido por fisioterapeutas e enfermeiros e 2 so de autoria exclusiva de

    mdicos. Evidenciou-se ainda que a totalidade dos estudos caracterizou-se

    metodologicamente como pesquisa qualitativa. Em relao fora das evidncias, os 22

    artigos pertencem categoria de significado e possuem nvel de evidncia 2.

    Em relao ao objetivo desta reviso, os artigos evidenciaram como resultados um

    conjunto de prticas de assistncia sade no processo de parto e nascimento, apresentadas,

    segundo as interferncias positivas e negativas no exerccio da autonomia das mulheres.

    Foram evidenciadas como prticas que favorecem o exerccio da autonomia das

    mulheres brasileiras no processo de parto e nascimento: as prticas assistenciais extra-

    hospitalares; as prticas assistenciais de o apoio e conforto; e as prticas assistenciais

  • 36

    educativas. Como prticas que limitam o exerccio da autonomia das mulheres brasileiras no

    processo de parto e nascimento revelaram-se: as prticas assistenciais autoritrias; as prticas

    assistenciais padronizadas ou rotineiras; as prticas assistenciais que intensificam a sensao

    dolorosa do parto; e a prtica assistencial impessoal e fria (Figura 3).

    Figura 3 - Evidncias das prticas de assistncia sade que interferem no

    exerccio da autonomia das mulheres brasileiras no processo de parto e nascimento.

    LILACS/PubMed/SCOPUS, 1996-2015.

    Fonte: Dados da pesquisa, 2016.

    DISCUSSO

    Observou-se o reduzido quantitativo de produes cientficas voltadas sade das

    mulheres na perspectiva do exerccio da autonomia no processo de parto e nascimento. As

    Favorecem Limitam

    Prticas assistenciais extra-hospitalares:

    - Casas de parto e parto domiciliar(11,15,17, 18)

    .

    - Assistncia prestada por profissionais no

    mdicos e enfermeiras obstetras(11, 14, 16, 17-19)

    .

    Prticas assistenciais de o apoio e conforto:

    - Apoio psicolgico e emocional e do uso de

    tcnicas de relaxamento(14, 16, 19-23)

    .

    Prticas assistenciais educativas:

    - Acompanhamento pr-natal(14, 20, 23, 24)

    .

    - Atividades em grupo(14, 17, 25, 26)

    .

    - Informao/Esclarecimento(14, 16, 19, 21, 22, 27)

    .

    Prticas assistenciais autoritrias:

    - Relao assimtrica entre profissional e

    paciente/mulher(20, 26, 27, 29, 30)

    .

    - Condutas e procedimentos no informados ou

    no consentidos(21, 22, 24, 26, 27)

    .

    Prticas assistenciais padronizadas ou

    rotineiras:

    - Prescries generalizadas e sem base em

    evidncias cientficas(21-22, 24, 28-30)

    .

    - Negligncia aos aspectos emocionais e

    autonomia feminina(21-22, 24, 28-30)

    .

    Prticas assistenciais que intensificam a

    sensao dolorosa do parto:

    - Intervenes obsttricas desnecessrias(13, 20, 21,

    23, 28).

    - Banalizao da dor do parto por parte dos

    profissionais(21, 23, 26, 29, 32)

    .

    Prtica assistencial impessoal e fria

    - Represso e abandono(12, 19, 21, 24, 28, 29, 32)

    .

    Prticas de assistncia sade que interferem no exerccio da

    autonomia das mulheres brasileiras no processo de parto e

    nascimento.

  • 37

    pesquisas selecionadas, em sua maioria, priorizaram o uso das boas prticas de assistncia ao

    parto recomendadas(8)

    , havendo um dficit de produes que discutiam o assunto sob a tica

    desse princpio que uma precondio para a sade e cidadania das mulheres.

    A prtica assistencial extra-hospitalar foi evidenciada como benfica ao protagonismo

    feminino na cena do parto(11, 14-19)

    . Bastante associada busca por uma assistncia

    diferenciada daquela prestada no cenrio tradicional hospitalar, esta prtica reflete a busca de

    estratgias para fugir da falta de autonomia e do medo que as mulheres sentem de no estarem

    no controle durante a vivncia do processo parturitivo.

    Neste contexto, as casas de parto e o parto domiciliar ganham fora. Baseadas em

    evidncias cientficas e aliceradas em um profundo respeito frente s decises femininas,

    esta prtica extra-hospitalar possibilita a assistncia centrada na mulher, principalmente do

    ponto de vista da autonomia(11, 15)

    . Outro aspecto positivo do cenrio extra-hospitalar a

    possibilidade de prticas no tradicionais, como as posies verticalizadas durante o processo

    de nascimento, as quais esto relacionadas participao mais ativa da parturiente e

    assistncia por profissionais no mdicos que acreditam no potencial do corpo feminino para

    parir(17, 18)

    .

    Entre esses profissionais, destaca-se a enfermeira obstetra, a qual demonstra ser

    favorvel vivncia do parto normal e fisiolgico, respeitando a autonomia e o exerccio da

    tomada compartilhada de decises(14, 16, 17)

    . Sua assistncia caracteriza-se pelo dilogo e pela

    valorizao das vivncias das mulheres, contribuindo para a potencializao do

    empoderamento feminino na conduo do parto(11, 19)

    .

    As prticas de o apoio e o conforto realizadas pelos profissionais tambm se revelam

    como prticas promotoras da autonomia da mulher no processo de parto e nascimento, (14, 16,

    19-23), uma vez que a assistncia no apenas tcnica ou procedimentos assistenciais.

    Apresentam-se como importantes facilitadores dessa prtica os profissionais de enfermagem,

  • 38

    principalmente por meio do respeito aos sentimentos das mulheres e valorizao de suas

    queixas, do apoio psicolgico e emocional e do uso de tcnicas de relaxamento recomendadas

    pela OMS(8)

    que tragam alvio e conforto s parturientes(19, 22, 23)

    .

    Evidenciam-se ainda como prticas assistenciais que favorecem o exerccio da

    autonomia feminina quelas relacionadas s aes educativas, corroboradas por grande parte

    dos estudos(14, 16, 17, 19-27)

    . Estas possibilitam o desenvolvimento das potencialidades humanas,

    permitindo que as mulheres se percebam como sujeitos centrais de sua gravidez e parto,

    tornando-se ativas nas decises relacionadas sua assistncia. A informao adquirida pelas

    mulheres no utilizada apenas para sustentar as suas escolhas, mas tambm para que elas

    vivenciem o nascimento de seus filhos conforme imaginam independente do local.

    Dentre as aes educativas, destacam-se como principais estratgias a assistncia pr-

    natal e as atividades em grupo. A assistncia pr-natal possibilita o acesso a informaes

    indispensveis preservao da autonomia feminina e ao fortalecimento das decises ligadas

    ao parto(14, 20, 23, 24)

    . J as atividades em grupo contribuem para a segurana e autonomia do

    casal, gerando mudanas de atitudes e comportamento. O processo educativo desenvolvido

    em grupo gera um impacto positivo no apenas nas mulheres, mas na sociedade como um

    todo, podendo representar um instrumento de mudana no cenrio obsttrico atual(14, 17, 25, 26)

    .

    A informao caracteriza-se como fator essencial e constitui a base para que a

    parturiente tenha autonomia para escolher ou recusar todo procedimento que diz respeito ao

    seu corpo, assim como o apoio dos profissionais e a assistncia extra-hospitalar. No entanto,

    se no estiver claro para as mulheres quais so seus direitos e como elas podem reivindic-los,

    esta possibilidade torna-se ainda mais distante. O desconhecimento sobre o prprio corpo e os

    processos reprodutivos d sustentao aos mecanismos de controle e opresso assumidos

    pelas mulheres no contexto hospitalar(14, 16, 19, 21, 22, 27)

    .

  • 39

    Oposto ao descrito anteriormente, o modelo de assistncia obsttrica tcnico-

    assistencial esteve diretamente atrelado s prticas que restringem a autonomia das mulheres

    brasileiras no processo de parto e nascimento, sendo descrito na totalidade dos estudos(11-32)

    .

    Evidencia-se como princpio bsico desse modelo: as prticas autoritrias de assistncia

    sade(17, 20-22, 24, 26-30)

    , ou seja, a posio de autoridade assumida pelo profissional sobre a

    pessoa cuidada, neste caso, a mulher desapropriada do controle do prprio corpo.

    Neste modelo de assistncia predomina a ideia da existncia de uma relao

    assimtrica entre profissional e paciente(20, 26, 27, 29, 30)

    , o que se torna visvel no momento do

    parto, pois, mesmo quando a mulher participa, para colaborar com o trabalho do profissional

    e no para garantir o exerccio de sua autonomia. No lhe permitido expor seus sentimentos

    ou opinar sobre seu parto, silencia-se. Seu corpo no lhe pertence; mesmo que falem, as

    mulheres parecem no serem escutadas.

    Somam-se a esse modelo de ateno obsttrica as prticas assistenciais no informadas

    ou no consentidas(21, 22,24, 26, 27)

    . Comumente alguns procedimentos so impostos ou

    realizados sem que as mulheres ao menos sejam informadas. A imposio de prticas

    assistenciais considerada uma violao do direito da mulher sua integridade corporal e de

    estar livre de maus tratos. Nos casos em que so informadas, no lhes oferecida a

    oportunidade de participar da deciso sobre o seu corpo, o que limita e impede o exerccio de

    sua autonomia. Essa ausncia de comunicao por parte dos profissionais demonstra, de certo

    modo, o descaso quanto ao direito informao dessas mulheres.

    Igualmente, as prticas assistenciais padronizadas ou rotineiras revelaram-se

    limitadoras do exerccio da autonomia das mulheres brasileiras no processo de parto e

    nascimento(21, 22, 24, 26, 28-30)

    . Sobrepe-se a ideia de que a mulher que est passando pelo parto

    incapaz de decidir os cuidados que necessita, subordinando-as aceitao do discurso do

  • 40

    profissional. Prescries generalizadas e sem base em evidncias caracterizam uma

    assistncia massificada e autoritria, onde as mulheres so tomadas como corpos iguais.

    Em meio s estas prticas no individualizadas e sem base cientfica, destacam-se a

    preparao para o parto, envolvendo banhos de asperso, retirada de plos, enema, jejum

    prolongado, infuso de ocitocina e a episiotomia no momento do parto, procedimento nos

    quais os profissionais so unnimes em afirmar que a deciso no compete s mulheres(21, 22,

    24, 28-30). Da mesma forma, na assistncia ao parto cesreo se incluem prticas como: amarrar

    as mos das mulheres durante a cirurgia, o uso de medicamentos sedativos e a postergao do

    primeiro contato com o recm-nascido, o que refora a negligncia com os aspectos

    emocionais e a autonomia feminina(31)

    .

    Reconhece-se que a indicao e realizao de determinadas prticas de

    responsabilidade do profissional presente no momento do parto, uma vez que este possui

    qualificao para avaliar a necessidade de intervenes e evitar complicaes. Porm, a

    padronizao ou imposio autoritria e a no solicitao do consentimento informado s

    mulheres subjugam-nas, dificultando sua emancipao como agente ativo do processo de

    parturio(22, 24, 26)

    .

    Evidenciou-se ainda que as prticas assistenciais que intensificam a sensao dolorosa

    do parto interferem negativamente no exerccio da autonomia das mulheres brasileiras(13, 20, 21,

    23, 26, 29, 28, 32). Muitas vezes so intervenes obsttricas no recomendadas

    (8) como: o

    isolamento e abandono no centro obsttrico, o uso abusivo de ocitocina artificial, a manobra

    de Kristeller e a episiotomia(21, 23, 28)

    . Este quadro agrava-se na medida em que no so

    utilizados mtodos para o alivio da dor e analgesia de parto(13, 20)

    .

    O sofrimento causado pela dor determinante para impotncia feminina, ao aliviar ou

    minimizar a experincia da dor, permite-se que a mulher assuma o controle sobre o processo

    de parturio, tornando-se mais ativa e participativa. Porm, apesar do uso de tcnicas para

  • 41

    alivio da dor durante o trabalho de parto ser amplamente recomendado, sua utilizao varia

    conforme a filosofia da instituio(23)

    . Quando o profissional banaliza ou no considera as

    queixas fsicas da parturiente, acreditando que a dor legtima da vivncia do parto, no h

    escuta e nem negociao possvel, mas sim, limitao, imposio e violncia(21, 26, 29, 32)

    .

    A prtica assistencial impessoal, fria e distanciada das recomendaes ministeriais

    tambm se revelou uma barreira ao exerccio da autonomia das mulheres brasileiras no

    nascimento de seus filhos(12, 19, 21, 24, 28, 29, 32)

    . reflexo da solido, do medo e da tristeza diante

    do abandono no centro obsttrico.

    Muitos profissionais transferem totalmente para as

    mulheres a responsabilidade do enfrentamento do processo do trabalho de parto, distanciando-

    se e priorizando as prescries mdicas durante a assistncia(19, 21, 24)

    .

    Durante o trabalho de parto, a maioria das mulheres almeja a presena permanente e

    qualificada dos profissionais, em especial quando esto vivenciando contraes dolorosas(21,

    24). Todavia, quando os limites do comportamento esperado pela equipe so ultrapassados

    pelas mulheres, gerada uma forte tenso entre os profissionais. Passa a ser adotada ento,

    uma postura que denota desrespeito com a cultura feminina e, atravs de atitudes de

    represso, obriga-se a mulher a agir conforme as regras de comportamento impostas (12, 28, 29,

    32).

    Compreende-se que algumas condutas obsttricas perpetuadas por longos perodos so

    difceis de serem mudadas, sendo necessrio um processo de discusso, com intuito de

    fomentar a mudana no cenrio obsttrico atual(24)

    . preciso repensar a atuao dos

    profissionais de sade e o modelo de ateno que valoriza a tcnica em prol do

    relacionamento humano, visando oferecer a todos os envolvidos no processo de gestao e

    nascimento a individualizao e melhoria do atendimento e o resgate da autonomia

    feminina(19, 23, 24)

    .

    CONCLUSES

  • 42

    Esta reviso integrativa da literatura apresentou a produo cientfica sobre as prticas

    de assistncia sade que interferem na participao ativa e tomada de decises das mulheres

    brasileiras no processo de parto e nascimento. Evidenciou-se como prticas que interferem

    positivamente no exerccio de sua autonomia: as prticas assistenciais extra-hospitalares; as

    prticas assistenciais de o apoio e conforto; e as prticas assistenciais educativas. Como

    prticas assistenciais que interferem negativamente: as prticas assistenciais autoritrias; as

    prticas assistenciais padronizadas ou rotineiras; as prticas assistenciais que intensificam a

    sensao dolorosa do parto; e a prtica assistencial impessoal e fria.

    Considera-se como possvel limitao desta reviso a analise apenas de estudos

    realizados no Brasil, no sendo possvel avaliar o panorama geral da assistncia obsttrica, no

    entanto este fato justifica-se pelos modelos dspares de assistncia obsttrica prestada em

    mbito mundial.

    Destacou-se a potencialidade das prticas educativas como estratgias para promoo

    do protagonismo das mulheres no cenrio obsttrico e na efetivao de seus direitos.

    Entretanto, revelou-se uma situao de alerta relativa ao grande descompasso existente entre o

    cotidiano assistencial e as recomendaes ministeriais, uma vez que a maioria dos estudos

    evidenciou prticas que limitam a autonomia das mulheres brasileiras no processo de parto e

    nascimento. Claramente h um retrocesso no reconhecimento e concretizao dos direitos

    femininos na sua plenitude, impossibilitando o exerccio de sua autonomia diante do prprio

    corpo e parto.

    Os resultados encontrados valorizam a necessidade de maior interveno da

    enfermagem em prol da autonomia das mulheres, propiciando um resgate do seu

    protagonismo no processo de parto e nascimento. Ressalta-se ainda a importncia da

    enfermagem obsttrica neste cenrio, pois alm de fundamentar sua assistncia nos preceitos

    da desmedicalizao e valorizao do parto fisiolgico, encontra-se em ascendncia

  • 43

    profissional e possui forte representatividade no campo da enfermagem em geral. Assim,

    tornam-se relevantes estudos pautados na valorizao das singularidades e subjetividades

    femininas, na democratizao das relaes entre profissionais e pacientes e na percepo dos

    envolvidos na cena do parto sobre aspectos conceituais e ticos relacionados autonomia das

    mulheres.

    Referncias

    1 Souza JP, Pileggi-Castro C. Sobre o parto e o nascer: a importncia da preveno

    quaternria. Cad Saude Publica. 2014;30(Supl):S11-S13.

    2 Carneiro MS, Teixeira E, Silva SED, Carvalho LR, Silva BAC, Silva LFL. Dimenses da

    sade materna na perspectiva das representaes sociais. Rev Min Enferm [Internet]. 2013

    [citado 26 set 2016]; 17(2): 446-453. Disponvel em:

    http://www.reme.org.br/artigo/detalhes/662.

    3 Silva ALS, Nascime