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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO THAÍS DE OLIVEIRA VIRÍSSIMO A ANÁLISE DO DISCURSO APLICADA EM ATOS DOS APÓSTOLOS COMO METODOLOGIA DE ENSINO DE GREGO KOINÉ RIO DE JANEIRO 2018

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO

    THAÍS DE OLIVEIRA VIRÍSSIMO

    A ANÁLISE DO DISCURSO APLICADA EM ATOS DOS APÓSTOLOS COMO

    METODOLOGIA DE ENSINO DE GREGO KOINÉ

    RIO DE JANEIRO

    2018

  • Thaís de Oliveira Viríssimo

    A ANÁLISE DO DISCURSO APLICADA EM ATOS DOS APÓSTOLOS COMO

    METODOLOGIA DE ENSINO DE GREGO KOINÉ

    Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa

    de Pós-Graduação em Letras Clássicas, Faculdade

    de Letras, da Universidade Federal do Rio de

    Janeiro, como quesito para a obtenção do título de

    Mestre em Letras Clássicas.

    Orientador: Prof. Dr. Rainer Guggenberger

    Coorientadora: Profa. Dra. Simone de Oliveira

    Gonçalves Bondarczuk

    Rio de Janeiro

    Junho de 2018

  • A ANÁLISE DO DISCURSO APLICADA EM ATOS DOS APÓSTOLOS COMO

    METODOLOGIA DE ENSINO DE GREGO KOINÉ

    Thaís de Oliveira Viríssimo

    Orientador: Prof. Dr. Rainer Guggenberger

    Coorientadora: Profa. Dra. Simone de Oliveira Gonçalves Bondarczuk

    Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras

    Clássicas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos

    requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Clássicas.

    Aprovada por:

    ______________________________________________

    Presidente, Prof. Dr. Rainer Guggenberger

    Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGLC)

    ______________________________________________

    Prof. Dr. Ricardo de Souza Nogueira

    Universidade Federal do Rio de Janeiro (PPGLC)

    ______________________________________________

    Prof. Dra. Luciene de Lima Oliveira

    Universidade do Estado do Rio de Janeiro

    ______________________________________________

    Suplente, Prof. Dra. Glória Braga Onelley

    Universidade Federal Fluminense (PPGLC)

    ______________________________________________

    Suplente, Profa. Dra. Dulcileide Virginio do Nascimento

    Universidade Estadual do Rio de Janeiro

    Rio de Janeiro

    Junho de 2018

  • AGRADECIMENTOS

    Tenho uma certeza serena de que, pela força do meu braço, eu jamais alcançaria o

    cumprimento da primeira etapa stricto sensu de minha formação acadêmica. Portanto, faço

    votos sinceros de agradecimento aos de dentro do campus e aos de dentro de casa.

    No primeiro grupo, inicio com o Prof. Dr. Rainer Guggenberger, orientador, que, tendo

    acreditado em meu projeto de pesquisa, teve a disposição de me apoiar na descoberta de novas

    áreas do saber. Ao seu lado, como coorientadora, está a Prof. Dra. Simone Bondarczuk, que

    incontáveis vezes parou para corrigir minha escrita “americanizada”, à maneira de nosso mestre

    Prof. Dr. Auto Lyra Teixeira. E como não falar dele, que me mostrou o mundo da Análise do

    Discurso, e me engajou na luta pela docência? Pensando em docência, aliás, recordo-me da

    Profa. Dra. Shirley Peçanha, a quem sou grata por ter sido a primeira pessoa a incentivar meu

    ingresso na pós-graduação. E, depois de ter ingressado, como teria sido pesada a jornada, se eu

    não tivesse ao lado: os letrólogos amigos que comigo partilharam da caneta à atenção – Alétheia

    Sophia, Eduarda Martins, Estevão Andrade, Luciana Ferreira, Vinícius Chichurra e Zadig

    Gama; e o apoio dos servidores da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível

    Superior (CAPES), com a concessão da bolsa de estudos.

    Não posso deixar de mencionar a importância de todo o Programa de Pós-Graduação

    em Letras Clássicas, sob a coordenação do Prof. Dr. Ricardo de Souza Nogueira, na defesa da

    erudição clássica no Brasil. Revelo também minha admiração pela Prof. Dra. Luciene de Lima

    Oliveira, em seu pioneirismo nos estudos de Atos dos Apóstolos nesta Universidade. Pontuo

    ainda ter sido principalmente durante a disciplina de dialetologia grega, lecionada pela Profa.

    Dra. Glória Braga Onelley, que vi minhas competências de pesquisa sendo aperfeiçoadas. E,

    nesses dias estafantes de conclusão da pesquisa, digo que me considero presenteada com a

    prontidão da Profa. Dra. Dulcileide Virginio Nascimento em aceitar o convite para tomar parte

    no desfecho deste trabalho. Muito obrigada a cada um, por juntos comporem a banca avaliadora

    desta dissertação.

    Falando agora do segundo grupo, daqueles que são de casa, começo com os que dia a

    dia modelam meu caráter como “o ferro com o ferro se afia” – pai, mãe, irmão e, de igual modo,

    a sis, que voluntariamente escolheu ser mais chegada que uma irmã. Também reconheço que

    muito da força dos dias de estudo em terras distantes veio do acolhimento das várias

    comunidades cristãs e famílias por onde passei. Agradeço aos amigos e às amigas que se

    revelaram verdadeiros filhos da consolação, os quais devem, portanto, considerar-se como

    cooperadores nesta pesquisa. Por fim, credito este trabalho ao Deus Triúno, e o dedico aos 200

    milhões de cristãos perseguidos por causa de sua fé em Jesus, os quais vivem à semelhança das

    personagens centrais do corpus de análise desta dissertação; àqueles que pude conhecer de perto

    e conviver, nesses dois anos de pesquisa, digo:

    “[...] προσμένειν τῇ χάριτι τοῦ θεοῦ.”

    (Atos dos Apóstolos 13.43)

  • RESUMO

    A ANÁLISE DO DISCURSO APLICADA EM ATOS DOS APÓSTOLOS COMO

    METODOLOGIA DE ENSINO DE GREGO KOINÉ

    Thaís de Oliveira Viríssimo

    Orientador: Prof. Dr. Rainer Guggenberger

    Coorientadora: Profa. Dra. Simone de Oliveira Gonçalves Bondarczuk

    Resumo da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras

    Clássicas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos

    requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Clássicas.

    Pesquisa com orientações linguísticas, pedagógicas e filológicas, por meio da qual objetivou-

    se viabilizar o diálogo entre a Análise do Discurso (AD) e o ensino de grego koiné, com fins de

    beneficiar a prática docente e as experiências de aprendizado de uma língua antiga nos cursos

    brasileiros de teologia. Diante da necessidade de se compreender a oferta da disciplina de grego

    no contexto específico, o caráter da pesquisa foi exploratório, orientado sob a luz dos princípios

    gerais das Ciências Sociais (MARCONI; LAKATOS, 2002; MATTAR, 2001). Após resultados

    preliminares, foram confirmadas deficiências no modelo vigente de ensino/aprendizagem do

    grego, de modo que, em vias de se identificar as raízes do problema, a pesquisa foi conduzida

    à etapa da consulta bibliográfica, revisando-se obras referentes ao assunto. Frente aos dados

    obtidos, foi posto em teste o pressuposto da aplicabilidade da AD como ferramenta de ensino,

    primeiramente, por meio da breve exposição de suas abordagens em relação ao Novo

    Testamento (PORTER, 2015; WESTFALL, 2005), e, em seguida, na sistematização de uma

    proposta pedagógica para o nível intermediário de ensino de grego koiné. Para tal, optou-se

    pelo modelo do analista do discurso Birger Olsson (2013), aplicando-o em Atos dos Apóstolos

    (cap. 13, vv.13-43). Foi aqui enfatizada a importância do tratamento do texto grego, com

    destaque a sua diagramação (GUTHRIE; DUVALL, 1998), como parte central do estudo de

    uma língua, cujo uso é principalmente instrumental.

    Palavras-chave: Metodologia de ensino, Grego koiné, Análise do Discurso, Atos dos

    Apóstolos.

    Rio de Janeiro

    Junho de 2018

  • ABSTRACT

    THE DISCOURSE ANALYSIS APPLIED IN ACTS OF THE APOSTLES AS A

    METHODOLOGY OF TEACHING KOINE GREEK

    Thaís de Oliveira Viríssimo

    Orientador: Prof. Dr. Rainer Guggenberger

    Coorientadora: Profa. Dra. Simone de Oliveira Gonçalves Bondarczuk

    Abstract da Dissertação de Mestrado submetida ao Programa de Pós-Graduação em Letras

    Clássicas, Faculdade de Letras, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos

    requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Letras Clássicas.

    This is a study with linguistic, pedagogical and philological orientation, through which

    it was sought to allow a dialogue between Discourse Analysis (AD) and the instruction of Koine

    Greek, with the goal to benefit the teaching practice and the learning experience of an ancient

    language in Brazilian theology courses. Due to the necessity of understanding the availability

    of Greek classes in a specific context, the outlook of the research was exploratory, guided by

    the general principals of the social sciences (MARCONI; LAKATOS, 2002; MATTAR, 2001).

    After the preliminary results, deficiencies were perceived in the existing model of

    teaching/learning of Greek, which, in order to identify the roots of the problem, led the research

    to a bibliographic consultation of works referencing the subject. Considering the obtained data,

    the presupposition of applicability of AD as a tool for teaching was put to the test, primarily

    through the short exposition of its approach in relation to the New Testament (PORTER, 2015;

    WESTFALL, 2005) and the systematization of a pedagogical proposal for the teaching of Koine

    Greek at the intermediate level. For this, the research opted for the model of discourse analyst

    Birger Olsson (2013), applying it to Acts of the Apostles (chap. 13, vv.13-43). Here the

    importance of working directly with Greek texts was emphasized, highlighting its grammatical

    diagramming (GUTHRIE e DUVALL, 1998) as a central part of studies concerning a language,

    with a mainly instrumental use.

    Keywords: Methodology of teaching, Koine Greek, Discourse Analysis, Acts of the Apostles.

    Rio de Janeiro

    Junho de 2018

  • ILUSTRAÇÕES

    TABELAS

    Tabela 1 - Similaridades redacionais entre Lucas e Atos: destinação ................................ 66

    Tabela 2 - Similaridades redacionais entre Lucas e Atos: continuidade e

    complementariedade ............................................................................................................. 66

    Tabela 3 - Similaridades redacionais entre Lucas e Atos: repetição ................................. 67

    FIGURAS

    Fig. 1 - Esquema de causalidade ........................................................................................... 27

    Fig. 2 - Página virtual da pesquisa de coleta de dados ........................................................ 28

    Fig. 3 - Componente “endereço de e-mail válido” preenchido ........................................... 30

    Fig. 4 - Componente de local e ano de formação preenchido ............................................ 30

    Fig. 5 - Gráfico: Número de períodos de grego koiné cursados pelos pesquisados .......... 32

    Fig. 6 - Gráfico: Tipo de livro didático adotado para a disciplina de grego koiné ........... 33

    Fig. 7 - Exemplo da Bíblia com palavras-chave (BPC) ...................................................... 34

    Fig. 8 - Gráfico: Demais recursos didáticos utilizados ........................................................ 34

    Fig. 9 - Gráfico: Recursos paradidáticos utilizados ............................................................ 35

    Fig. 10 - Gráfico: Recursos TIC utilizados ........................................................................... 36

    Fig. 11 - Estrutura dos conteúdos semânticos ...................................................................... 60

    Fig. 12 - Esquema: poliálogo da conversação em Atos 13.13-43 ........................................ 89

    Fig. 13 - Mapa: Primeira viagem missionária de Paulo ...................................................... 94

    Fig. 14 - Mapa: O mapa linguístico de c. de 5 a.C. .............................................................. 98

    Fig. 15 - Árvore genealógica dos patriarcas em Gênesis ................................................... 102

  • SUMÁRIO

    1. INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 11

    2. PESQUISA EXPLORATÓRIA: A DISCIPLINA DE GREGO KOINÉ EM

    INSTITUIÇÕES DE ENSINO TEOLÓGICO NO BRASIL ............................................. 16

    2.1. Pesquisa bibliográfica ........................................................................................................ 16

    2.2. Coleta de dados .................................................................................................................. 25

    2.2.1. Primeira etapa: documentos institucionais ..................................................................... 25

    2.2.2. Segunda etapa: observação não estruturada ................................................................... 26

    2.2.3. Terceira etapa: questionário ............................................................................................ 27

    2.2.4. Quarta etapa: diagnóstico ............................................................................................... 29

    3. UM PLANO DE ENSINO PARA A DISCIPLINA DE GREGO KOINÉ ..................... 39

    3.1. Apresentação ..................................................................................................................... 39

    3.2. Objetivos ............................................................................................................................ 40

    3.3. Infraestrutura e recursos diversos ..................................................................................... 40

    3.4. Conteúdo programático .................................................................................................... 41

    3.5. Estratégias pedagógicas .................................................................................................... 43

    3.6. Avaliação .......................................................................................................................... 45

    3.7. Cronograma ....................................................................................................................... 46

    4. A ANÁLISE DO DISCURSO ........................................................................................... 47

    4.1. Breve histórico da Análise do Discurso e os estudos do Novo Testamento ...................... 47

    4.2. Um modelo de aplicação da Análise do Discurso como atividade de ensino .................. 55

    4.2.1. Definição do corpus ...................................................................................................... 56

    4.2.2. Introduzindo a obra ......................................................................................................... 56

    4.2.3. Análise: etapas tratamento do texto grego ..................................................................... 57

    4.2.4. Redação de verbetes ....................................................................................................... 62

    4.2.5. Conclusão ....................................................................................................................... 63

    5. APLICAÇÃO: O LIVRO DE ATOS DOS APÓSTOLOS ............................................... 64

    5.1. Introdução ......................................................................................................................... 64

    5.2. Análise .............................................................................................................................. 68

    5.2.1. Diagramação gramatical e semântica ............................................................................ 70

    5.2.2. Esboço ........................................................................................................................... 93

    5.3. Notas ................................................................................................................................. 94

  • 5.4. Interpretação ................................................................................................................... 112

    5.5. Tradução ......................................................................................................................... 115

    6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 117

    7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................... 120

    7.1. Material bíblico .............................................................................................................. 120

    7.1.1. Textos gregos ............................................................................................................... 120

    7.1.2. Traduções ..................................................................................................................... 120

    7.1.3. Bíblias com comentários e notas ................................................................................. 120

    7.2. Dicionários e léxicos de grego ........................................................................................ 121

    7.3. Procedimentos de pesquisa ............................................................................................. 121

    7.3.1. Manuais de referenciação ............................................................................................. 121

    7.3.2. Modelos de dissertação ................................................................................................ 121

    7.3.3. Metodologia científica ................................................................................................. 122

    7.4. Demais referências ......................................................................................................... 122

    GLOSSÁRIO ....................................................................................................................... 130

    APÊNDICE ........................................................................................................................... 132

    Apêndice A - Instrumento de coleta de dados ........................................................................ 132

    Apêndice B - Instituições de ensino teológico credenciadas ao MEC ................................... 136

    Apêndice C - Pedido de colaboração para participação em pesquisa..................................... 142

    Apêndice D - Tradução livre: Parâmetros para a diagramação gramatical ............................ 143

    Apêndice E - Tradução livre: Parâmetros para a diagramação semântica .............................. 157

    Apêndice F - Texto grego: Atos dos Apóstolos, 13.13-43 ..................................................... 169

  • 11

    1. INTRODUÇÃO

    Diante da constatação empírica de que há deficiências no processo de ensino-

    aprendizagem de grego nos cursos de teologia no Brasil, o que se objetiva, de modo geral, nesta

    dissertação, é apresentar como a linguística moderna (nos desdobramentos da Análise do

    Discurso) pode dialogar com o ensino de uma língua antiga (o grego koiné), por meio de uma

    metodologia passível de ser aplicada nos mais diversos níveis de aprendizado. Para tal,

    objetivou-se, especificamente: (1) a promoção do estudo da língua grega; (2) a investigação da

    forma como a disciplina de grego koiné tem sido lecionada nas instituições brasileiras de ensino

    teológico que a oferecem; e (3) a apresentação de uma proposta de metodologia de ensino.

    A fim de se compreender o problema, eis uma anedota que representa diálogos

    costumeiros no círculo de convívio da autora da presente dissertação, os quais serviram de

    motivação para esta pesquisa. Numa conversa, a reação mais frequente diante da declaração de

    que alguém é formado em Letras costuma ser a vontade do outro em saber “quais letras”. Tendo

    dito “português e grego”, expressões de surpresa e admiração são geralmente proferidas pelo

    interlocutor receptor da mensagem, caso ele tenha cursado teologia. E tal reação, em geral,

    ocorre especificamente por causa do grego, visto ser esta uma das línguas originais de seu maior

    objeto de estudo – a Bíblia.

    O que se segue, então, é o teólogo ou estudante de teologia iniciando um discurso acerca

    da maneira como a disciplina de grego foi ou é conduzida durante a sua graduação. Em sua fala,

    por vezes, começam a ser desveladas queixas acerca do material didático utilizado, do método

    de ensino, do tempo do curso, de sua dedicação particular como aluno, entre outras tantas

    reclamações. O diálogo passa para um estágio quase que psicanalítico em que uma das partes,

    em aparente solilóquio, expressa sua experiência negativa com a aprendizagem de grego a

    alguém que possivelmente o compreenderá. Enfim, uma última e fatícana declaração é feita

    pelo teólogo, palavras que parafraseadas soam como: “deve haver um jeito melhor de se ensinar

    e de se aprender grego”.

    Quando se fala de língua grega, faz-se necessário diferenciar de quais “gregos” está se

    falando na historieta acima. Referindo-se à autora deste trabalho, a personagem formada em

    Letras cursou grego clássico – cuja base é o dialeto ático, da Atenas sobretudo dos V e IV séc.

    a.C.. O grego clássico é o alicerce das obras que inauguram a documentação escrita de tantas

    outras áreas do conhecimento ocidental, como poesia, historiografia, filosofia, entre outras. Por

  • 12

    outro lado, o grego ensinado na maioria dos cursos de teologia é a ἡ κοινή διαλέκτος (“a língua

    comum”).

    Essa língua comum é proveniente do dialeto ático, o qual foi propagado e miscigenado

    no processo de helenização dos povos conquistados principalmente pelas campanhas militares

    de Alexandre, o Grande (WALLACE, 2009, p. 15). Trata-se do grego do período helenístico e,

    por isso, também chamado de grego helenístico. Acerca de sua influência, “a koiné é uma língua

    de civilização que se constituiu aproximadamente no período em que começou a influência

    Macedônica e que perdurou por todo o império romano até o período bizantino”1 (MEILLET,

    1920, p. 181).

    A koiné veio a ser a base do grego moderno (MEILLET, 1920, p. 179), e, como toda

    língua, possui uma dialetologia própria. Vale pontuar que o maior registro em que se pode

    observar tal variação é nos textos que juntos compõem a Bíblia Grega – a primeira tradução do

    Antigo Testamento (chamada de Septuaginta ou LXX), e a produção original do Novo

    Testamento. Em cada um dos livros bíblicos são revelados os estilos particulares de seus

    autores, de modo a posicioná-los em diferentes níveis literários. As epístolas de João e de

    Hebreus, por exemplo, são, respectivamente, consideradas escrita semítica ou vulgar e koiné

    literária (WALLACE, 2009, p. 30).

    Hoje em dia, em raríssimos ambientes o grego clássico ou a koiné é usado para

    comunicação. Entre eles, encontra-se a Academia Vivarium Novum, localizada na Itália, como

    um lugar onde línguas clássicas – latim, e ocasionalmente o grego –, são empregados em todas

    as atividades cotidianas de comunicação (ACCADEMIA VIVARIUM NOVUM, 2018, n. p.).

    Com respeito ao grego koiné, juntamente com o hebraico bíblico, são oferecidos cursos anuais

    de imersão também com ênfase comunicativa, no Centro de Línguas Bíblicas (Biblical

    Language Center), em Israel (BIBLICAL LANGUAGE CENTER, 2015, n. p.). Ainda assim,

    neste momento da história, o conhecimento de uma língua antiga é sumariamente instrumental,

    servindo na maior parte para fins de análise textual e tradução. Por isso, a importância de se

    promover o estudo da língua grega está na pertinência desta para o manuseio da “materialidade

    linguística do texto” (LOURENÇO, 2017, l. 382).

    Aqui, destaca-se que quem se debruça sobre o texto antigo, seja ele de qual tipo for,

    precisa descobrir o caminho para a análise da língua em suas relações estruturais. Aqui entram

    as dificuldades de um aluno cuja especialização é teológica e não linguística. Qual, pois, é a

    1 “la κοινή est une langue de civilisation qui s’est constituée vers le temps où commence l’influence macédonienne

    et qui a duré pendant tout l’empire romain et jusque dans la période byzantine”.

    FICHA CATALOGRÁFICA (NO VERSO DA FOLHA DE ROSTO)

  • 13

    estrada que um indivíduo nessas condições deve tomar? Por estrada, intenta-se fazer uma

    referência ao processo de formação acadêmica do teólogo, o qual, em geral, precisa estudar

    hebraico e grego para realizar a exegese do texto bíblico.

    Isto posto, no capítulo 2, será feita uma revisão de literatura buscando-se compreender

    possíveis abordagens no ensino de grego. Em seguida, aplicar-se-á a metodologia de pesquisa

    extraída das ciências sociais (BECKER, 1993), sistematizada na pesquisa científica

    (MARCONI; LAKATOS, 2002) e administrada em pesquisas de coleta de dados do marketing

    (MATTAR, 2001), a fim de se explorar como têm sido constituídas as relações de ensino-

    aprendizagem da língua grega no contexto supracitado. A leitura dos dados obtidos servirá para

    a problematização da questão.

    As propostas de resolução frente aos dados serão postas no capítulo 3, no qual se

    demonstrará um modelo de plano de ensino (GIL, 2012; SPUDEIT, 2014), numa situação

    hipotética de ministração da disciplina de grego koiné2. Como complemento está o capítulo 4,

    em que se destaca a aplicabilidade da Análise do Discurso como ferramenta pedagógica,

    apresentando-se, primeiramente, os modelos de análise desenvolvidos para o tratamento do

    corpus neotestamentário (PORTER, 2015; WESTFALL, 2006), e, em sequência, uma

    metodologia de ensino inspirada numa obra de Birger Olsson (2013), analista do discurso da

    escola Continental Europeia.

    A aplicação do método será feita no capítulo 5, em diferentes seções. A primeira

    consistirá: na leitura da obra escolhida, Atos dos Apóstolos (BÍBLIA, 1993), a fim de se ter uma

    visão holística de suas formas e conteúdos. A escolha por este livro se deu após o interesse

    inicial de se investigar a maneira como o autor registrara, na língua original, as falas de uma de

    suas personagens mais relevantes, o Apóstolo Paulo, tendo-se em mente o postulado de que

    “um mesmo indivíduo em situações diferentes usa a linguagem de formas diferentes”, conforme

    Martelotta (2010, p. 19). Ainda na seção de número um, após a leitura integral, será redigida

    uma introdução em que se discuta autoria, datação, contextualização frente ao panorama

    bíblico, gênero literário, entre outras questões pertinentes ao livro escolhido, sob o que já foi

    elaborado em trabalhos de pesquisadores reconhecidos como autoridades no cenário acadêmico

    referente aos estudos de Atos dos Apóstolos (CASALEGNO, 2005; MARGUERAT, 2003).

    2 Embora a metodologia a ser proposta possa ser aplicada em qualquer estágio de aprendizagem, optou-se pela

    apresentação das diretrizes pedagógias num contexto de alunos com nível avançado de grego, a fim de que se

    pudesse trabalhar nesta dissertação com um corpus de análise mais complexo.

  • 14

    A seção seguinte equivalerá à análise textual propriamente dita. Para tal, buscou-se uma

    perícope constituída de um discurso direto do Apóstolo Paulo, a fim de se observar a forma

    como essa personagem adequa sua linguagem ao longo de seu ato de fala (Atos dos Apóstolos,

    cap. 13, vv. 13-43). As etapas de tratamento do texto serão, primeiramente, a leitura da perícope,

    conforme apresentada na edição crítica do Novo Testamento grego (ALAND, 2014), a análise

    morfossintática desta (HORTA, 1991), e a sua tradução (ROBINSON, 2012; BAUER, 1979).

    Na sequência, far-se-á a diagramação gramatical e semântica do texto (GUTHRIE; DUVALL,

    1998), postulando-se comentários de caráter estrutural, literário e conversacional (WALLACE,

    2009; BERGER, 1998; DOOD, 1979; KERBRAT-ORECCHIONI, 2006).

    Na segunda seção serão postos verbetes de termos com os quais o leitor atual

    provavelmente não está familiarizado. Trata-se de palavras e expressões, as quais configuram-

    se basicamente como nomes próprios e de lugares, e conceitos bíblicos que não são

    satisfatoriamente elaborados na perícope. A redação dos verbetes será amparada em diversas

    obras, dentre as quais destaca-se o uso de uma enciclopédia bíblica (TENNEY, 2008). Por fim,

    na terceira e última seção referente à metodologia desenvolvida, todos os procedimentos

    anteriores culminarão na interpretação do texto, pensada sob alguns dos critérios da leitura

    pragmática elaborada para o Novo Testamento (EGGER, 1994), apresentando-se uma tradução

    adequada às necessidades linguísticas do português (LOUW; NIDA, 2013).

    À guisa de conclusão, no capítulo 6 serão apresentadas as considerações finais acerca

    do trabalho, principalmente, em relação à metodologia de Análise do Discurso aplicada como

    ferramenta de ensino, pontuando-se as vantagens e os problemas encontrados no modelo

    empregado. Far-se-á também uma reflexão alusiva ao papel desta dissertação nos cenários

    acadêmico e político contemporâneos, sem, contudo, a pretensão de se aprofundar nas

    polêmicas referentes à educação superior brasileira.

    Todas as referências bibliográficas concernentes ao conteúdo desta dissertação serão

    organizadas de maneira a tornar mais clara sua consulta ao longo do trabalho, no capítulo 7. No

    entanto, as obras que figurarem como indicação de literatura, postas em notas de rodapé, não

    serão apresentadas nesse capítulo, em função de seu conteúdo não ter sido citado no corpo do

    texto. Seguir-se-á, pois, aos elementos pós-textuais, os quais compõem tanto um glossário que

    facilite a compreensão de abreviaturas e siglas, como um apêndice com os materiais elaborados

    para a compreensão das mais diferentes etapas de pesquisa.

    Ainda nesta introdução, outras questões de ordem fática devem ser esclarecidas. As

    regras referentes às normas prescritas pela ABNT e pela UFRJ foram extraídas de manuais

  • 15

    especializados (FACULDADE DE LETRAS, 2002; PAULA et al, 2015; ISKANDAR, 2016)

    e comparadas em trabalhos defendidos e aprovados recentemente (FERREIRA, 2017; GAMA,

    2018), nos quais também foram observados a disposição dos conteúdos e o emprego da língua

    portuguesa. Por falta de regulamentação brasileira no uso de livros de formato eletrônico,

    utilizou-se o termo “localização” (location) para indicar o número da página citada, conforme

    a apresentação do dispositivo. Na referenciação posterior do material, especificou-se entre

    colchetes o seu tipo: [Formato e-book]. Documentos marcados como não paginado (n. p.)

    referem-se aos exclusivos de meio eletrônico, como homepage, ou a livros sem localização

    consultados em softwares.

    Acerca da forma de grafia de termos como Bíblia, Antigo Testamento, Novo

    Testamento, Septuaginta, Vulgata, entre outros livros tidos como sagrados e universalmente

    conhecidos, seguiu-se a orientação de Gonçalves (1947, p. 323), em que afirma ser dispensável

    “por força de usos tradicionais, tanto o sublinhado como as aspas (e, por consequência, também

    o itálico tipográfico)”. Contudo, para a padronização da citação de passagens bíblicas, colocou-

    se o título do livro em itálico, seguido de vírgula e os números do capítulo e do versículo

    separados por ponto (p. ex., Atos dos Apóstolos, 13.43). Quando apenas dois versículos forem

    apresentados, fez-se uso de “e” entre eles (p. ex., 13.43 e 44). Na ocorrência de uma sequência

    maior de versículos, a sinalização foi feita por hífen (p. ex., 13.43-46). Por vezes, nos casos em

    que não há dúvida de qual seja a obra citada, apenas capítulo e versículo foram apresentados

    (p. ex., 13.2). Citações de texto bíblico dentro de uma citação não foram alteradas.

    Segue-se, pois, para a fase de desenvolvimento desta dissertação de mestrado.

  • 16

    2. PESQUISA EXPLORATÓRIA: A DISCIPLINA DE GREGO KOINÉ EM

    INSTITUIÇÕES DE ENSINO TEOLÓGICO NO BRASIL

    O foco nesta pesquisa foram os cursos teológicos brasileiros, especialmente, de vertente

    cristã3, em função de ser esse o ambiente que detém grande parte da oferta da disciplina de

    grego, em sua maioria na variante da koiné bíblica. Dessa forma, realizou-se uma pesquisa

    exploratória, a fim de ampliar o conhecimento, inicialmente vago, que se tinha sobre o

    problema. O que define esse tipo de pesquisa é ela ser “apropriada para os primeiros estágios

    da investigação quando a familiaridade, o conhecimento e a compreensão do fenômeno por

    parte do pesquisador são, geralmente, pouco ou inexistentes” (MATTAR, 2001, p. 18). Dos

    procedimentos que apresenta, foi aplicado o de levantamento, tanto em fontes secundárias

    (pesquisa bibliográfica), como em primárias (pesquisa de coleta de dados).

    Eis um sumário do capítulo. Definições serão apresentadas em 2.1. Pesquisa

    bibliográfica, a fim de esclarecer qual é o escopo desse tipo de metodologia de pesquisa. Aqui,

    serão também parcialmente apresentados textos acerca de práticas e métodos no ensino de grego

    em ambiente universitário. Em vista da escassez de estudos especializados no caso da docência

    de grego koiné nas instituições brasileiras de ensino teológico, fez-se necessário investigar a

    questão, o que conduzirá à metodologia de pesquisa a ser exposta em 2.2. Pesquisa de coleta

    de dados. Os procedimentos atrelados a esse ponto serão divididos em quatro partes: 2.2.1.

    Primeira etapa: documentos institucionais; 2.2.2. Segunda etapa: observação não estruturada;

    2.2.3. Terceira etapa: questionário; e 2.2.4. Quarta etapa: diagnóstico.

    2.1. Pesquisa bibliográfica

    Este procedimento de pesquisa, que faz parte do levantamento em fontes secundárias,

    permeia o trabalho acadêmico e é desenvolvido na tentativa de se “explicar um problema,

    utilizando o conhecimento disponível a partir das teorias publicadas em livros ou obras

    congêneres” (KÖCHE, 2011, p. 122). Dessa forma, lançou-se mão da pesquisa bibliográfica,

    tendo em vista que sua principal vantagem "reside no fato de permitir ao investigador a

    3 Há outros tipos de cursos teológicos em anadamento no Brasil, cujo objeto de estudo não é a Bíblia, como o

    Instituto Latino-Americano de Estudos Islâmicos.

  • 17

    cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que poderia pesquisar

    diretamente” (GIL, 2008, p. 50).

    Numa perspectiva crítica do ensino de grego, tanto do clássico como do koiné, fez-se

    uma revisão parcial de artigos, livros e metodologias. Começando, pois, com O percurso dos

    Estudos Clássicos no Brasil, de Zelia de Almeida Cardoso (2014), percebe-se a forma notória

    como a divulgação e a preservação do ensino, não somente do grego, mas das humanidades,

    esteve atrelada à religião nos primeiros séculos de domínio português sobre o Brasil. Adjunta à

    própria história de formação pátria, figura a história dos Estudos Clássicos, como parte da

    educação formal europeia trazida pela Companhia de Jesus, no ano de 1549 (CARDOSO, 2014,

    p. 18).

    Dos padres e irmãos jesuítas precursores, destaca-se José de Anchieta, ainda noviço.

    Cardoso (2014, p. 20) pontua ter sido Anchieta o criador da latinidade literária brasileira, tendo

    ele composto, além de outras produções, um poema épico em latim (De gestis Mendi de Saa,

    ou seja, “feitos de Mem de Sá”), cujo pano de fundo foram os três primeiros anos do governo

    de Mem de Sá na Terra de Santa Cruz. Trata-se da primeira epopeia feita em solo americano,

    cuja publicação antecedeu, inclusive, Os Lusíadas, de Camões (CARDOSO, 2014, p. 19).

    Seria, contudo, às vésperas do centenário do Brasil que um tipo de manual pedagógico,

    chamado de Ratio studiorum, regularia o ensino nas escolas jesuíticas de Portugal e de suas

    colônias, afirmando como fundamental o estudo de autores clássicos gregos e latinos. Sob as

    mãos dos jesuítas, o Brasil teve pouco mais de dois séculos de uma educação plenamente

    fundamentada em humanidades, em que a presença dos estudos clássicos deu-se em diversas

    áreas do saber: filosofia, retórica, gramática e línguas clássicas (CARDOSO, 2014, p. 21).

    No século XVII, apesar de tantos outros nomes, coube ao Padre Antonio Vieira a

    proeminência como classicista. Sua obra, Os Sermões – “responsáveis pela preservação e

    divulgação da cultura clássica no Estado do Brasil” (CARDOSO, 2014, p. 22) – é rica em

    epígrafes da Vulgata de Jerônimo, a Bíblia latina. Nas prédicas de Vieira houve ainda espaço

    para que fossem mencionados personagens e autores gregos e latinos como Pátroclo, Platão,

    Cícero, Terêncio, entre outros.

    O último ponto do artigo a ser destacado é a maneira como mesmo após a destituição

    do modelo jesuítico de ensino, em 1759, a educação formal permaneceria no ambiente religioso.

    Tal momento foi marcado pelas aulas régias, as quais são definidas como “vagos cursos

    ministrados principalmente em conventos” (CARDOSO, 2014, p. 23). As línguas clássicas,

  • 18

    com maior relevo ao latim, permaneceriam no quadro de disciplinas “ministradas sobretudo por

    padres e egressos de seminários” (CARDOSO, 2014, p. 24).

    Passados duzentos e vinte e nove anos de história, na ocasião do artigo de Guida Nedda

    Barata Parreiras Horta (1988), O ensino de Grego na Universidade Brasileira, a educação

    formal já se havia tornado essencialmente secular. Ainda outra especificidade do momento

    histórico é que, àquela altura, grego e latim já não mais eram parte do currículo escolar, estando

    praticamente restrito ao ambiente acadêmico o pleno exercício da docência dessas línguas.

    Contudo, nem nos cursos de Letras existia a obrigatoriedade de se oferecer a disciplina de

    grego. Quando feito, vinha “considerada como um complemento do Latim” (HORTA, 1988, p.

    5).

    Embora, num primeiro momento, o artigo possa soar como uma análise histórica da

    questão, o que Horta propõe são orientações quanto à didática de ensino do grego. Certamente

    isso se deve ao fato de que, além de exímia pesquisadora, Guida B. P. Horta foi uma “professora

    brilhante, não só pela largueza de seus conhecimentos” (STARLING, 2001, p. 13), mas também

    pela maneira como os transmitia.

    Toda a reflexão docente que viria a ser feita por Horta no artigo parece ter sido motivada

    pela desvalorização da língua grega clássica, tida por muitos como uma “língua morta”. Como

    contraponto, a autora afirma o grego (e o latim) como língua de civilização, apresentando-o

    como o idioma pátrio da Grécia moderna. Embora tenha sido o grego do período helenístico,

    ao qual atribui o nome de “koinè alexandrina”, a fonte do grego moderno, a autora enfatiza ter

    sido “o próprio dialeto ático clássico” a origem do vernáculo moderno, porque foi “tornado

    língua oficial da Grécia antiga, a partir da conquista macedônica (338 a.C.)” (HORTA, 1988,

    p. 6). Por conseguinte, em sua visão, é o ático clássico o “ponto de referência essencial para o

    estudo da dialetologia grega” (HORTA, 1988, p. 5).

    Ao que se refere à prática docente, a autora expõe que professores de letras clássicas

    precisavam lidar com o “despreparo linguístico do aluno”, inclusive em português (HORTA,

    1988, p. 5). Diante disso, as primeiras ações do professor em sala de aula deveriam ser a

    apresentação dos objetivos da língua grega, e o “treinamento progressivo dos estudantes” para

    adquirirem as habilidades da leitura e escrita, passos que levariam “à conclusão de que o estudo

    do Grego não é pior nem melhor do que o de qualquer outro idioma: é apenas diferente”

    (HORTA, 1988, p. 7).

    Com o propósito de lograr bom êxito no processo acima descrito, Horta propõe uma

    metodologia de ensino essencialmente diacrônica e comparativa: (1) contra o desinteresse dos

  • 19

    alunos, a contextualização da disciplina deveria evidenciar “a presença viva e atual” da cultura

    e da língua helênica nas diversas esferas de nosso mundo – das artes à política, bem como na

    base das “línguas modernas ocidentais (e, em especial, no Português)” (HORTA, 1988, p. 6);

    (2) contra a dificuldade de aprendizado da escrita, o alfabeto deveria ser exposto como a base

    de outros – o latino, o gótico e o cirílico – e os exercícios concernentes à ortografia deveriam

    ser a transliteração e a leitura oral de pequenos textos. Com a leitura, o objetivo seria associar

    a escrita ao som, revelando as semelhanças com o português.

    A fim de facilitar a transposição de barreiras no ensino de prosódia e morfologia, a

    autora faz referências a conteúdos da língua latina, que somados ao que anteriormente foi

    exposto, constituem um

    núcleo vocabular básico inicial, ligado às primeiras formas da declinação e da

    conjugação estudadas, e dentro das estruturas frasais fundamentais: partindo da frase

    nominal passa-se às de predicação verbal, com seus diversos tipos de complementos,

    e aos adjuntos que a língua oferece nos diversos casos, preposicionados ou não.

    (HORTA, 1988, p. 7)

    Acerca do ensino da formação vocabular, Horta dedicará uma página inteira de seu

    artigo para a discussão do assunto. O pano de fundo de tamanha importância é a motivação que

    conhecer os étimos gregos em língua portuguesa poderia gerar nos alunos, e a surpresa “ao

    descobrir que estão usando palavras ‘gregas’ dentro de um vocabulário simples e coloquial da

    língua portuguesa” (HORTA, 1988, p. 8).

    Vale ressaltar que, já naquela época, Horta (1988) chamava a atenção ao fato de que “a

    pura e simples memorização de palavras isoladas está fora de cogitação” (p. 8). Para ela, o

    domínio do léxico grego seria alcançado por meio “da prática constante dos textos –

    paralelamente aos exercícios de fixação e de aplicação gramatical – além do hábito de procurar,

    através da composição e da derivação, os vocábulos cognatos” (HORTA, 1988, p. 8). Aqui

    surge, então, a figura do dicionário, uma ferramenta de pesquisa dos alunos.

    Neste momento, o artigo começa a ser conduzido para as considerações finais. Horta

    deixa transparecer a ideia de que os professores seriam os responsáveis pela defesa da língua

    grega, “instrumento dos mais perfeitos para a expressão dos sentimentos e do pensamento

    humanos, no que eles possuem de mais complexo, profundo e sutil”, a fim de “destruir o

    preconceito generalizado contra as línguas clássicas, e, em especial, o Grego, insistindo na sua

    invulgar importância” (HORTA, 1988, p. 9).

    Na Universidade Federal do Rio de Janeiro, onde alcançou o prestigioso grau de

    Professora Catedrática, Guida B. P. Horta teve sua metodologia de ensino sendo amplamente

  • 20

    empregada até o segundo semestre de 2011 – momento que marca sua complementação com a

    introdução de outro método, o Aprendendo Grego (JOINT ASSOCIATION OF CLASSICAL

    TEACHERS, 2010), na formação de novos helenistas. Trata-se de uma gramática cuja ênfase

    de ensino recai sobre a prática da leitura e da tradução desde o primeiro contato do aluno com

    a língua.

    Em termos de organização, o livro consiste, grosso modo, de apresentação do conteúdo

    gramatical, exercícios de fixação, e um aparato para a tradução – textos adaptados dos clássicos

    e um léxico, os quais, na primeira edição da obra, vinham num disco compacto anexado a sua

    estrutura fisica. Contudo, diferentemente do original em inglês, a versão brasileira não dispunha

    do áudio com a leitura dos textos. Supõe-se que a supressão desse expediente na edição

    publicada no Brasil deva-se ao forte sotaque britânico na pronúncia clássica reconstituída. Vale

    destacar que, em se agregando a compreensão oral ao processo de aprendizagem, torna-se mais

    natural a assimilação do léxico, exigido de cor a cada novo texto adaptado, progressivamente

    mais complexo à medida que as lições eram estudadas.

    Aqui, cabe a indagação: por que o ensino de línguas clássicas permanece tão díspar

    frente às inovações tecnológicas? Tal questionamento nos leva ao artigo Latim, biquíni e

    sinfonia discordante: línguas clássicas e metodologia de ensino, de Eduardo Marcant

    Engelsing (2014). O texto é pertinente na problematização do ensino de Letras Clássicas frente

    às teorias linguísticas modernas. Seu objetivo é “discutir a visão tradicional que os profissionais

    de Letras têm do latim e do ensino de línguas clássicas” (ENGELSING, 2014, p. 101), visão

    esta que enseja o já ouvido coro popular que as classifica como “línguas mortas”.

    Para Engelsing, a noção em que está baseado o ensino é a “de que o que faz uma língua

    são as capacidades inatas e individuais do ser humano – e não o uso dessa língua entre os

    indivíduos e em comunidade” (ENGELSING, 2014, p. 101). Dessa maneira, ao se excluir a

    interação social, a aprendizagem se encerra no estudo de aspectos formais, ou seja, linguísticos

    e estruturais. A base da metodologia de ensino é a leitura de textos de determinados séculos,

    com o exame de “dicionários, cuja função é aumentar a consciência do sentido original do

    léxico português (ou inglês, ou alemão, conforme a língua nativa do aprendiz)” (ENGELSING,

    2014, p. 103).

    O autor critica que “para o estudante de línguas clássicas, o sentido da linguagem está

    no papel e independe da interação humana” (ENGELSING, 2014, p. 105). O resultado disso é

  • 21

    o exemplo do operador de uma determinada sala (a Chinesa)4 que recebe e responde perguntas

    na língua A, porém, decodificando-as na língua B. De fora da sala, a imagem que se tem do

    operador é a de alguém proficiente na língua A, mas, de dentro, sabe-se que o que há, na

    verdade, é a capacidade desenvolvida pelo operador de manejar instrumentos na língua B,

    concernentes à A, a fim de obter as respostas necessárias. O autor conclui que “o manuseador

    de códigos e manuais em língua portuguesa – como o classicista ou estudante de latim e grego

    – está sempre dentro da Sala Chinesa: ele sabe tão somente português” (ENGELSING, 2014,

    p. 108).

    Com as redefinições da área de aquisição de línguas, compreendeu-se que “os seres

    humanos comunicam-se utilizando um método irremediavelmente interacional”

    (ENGELSING, 2014, p. 205). Em vista disso, para o autor, torna-se impossível conceber a

    dissociação entre uso e aprendizagem de língua. Frente ao contexto apresentado, pode-se

    questionar como a prática do ensino de grego tem dialogado com esse novo cenário, e buscado

    reinventar-se à luz de novas reflexões. Para isso, serão apresentadas algumas ferramentas de

    ensino disponíveis, a fim de situar o leitor relativamente às práticas em voga.

    No artigo Aprendendo grego antigo no mundo digital do terceiro milênio, Anise

    D’Orange Ferreira (2017, p. 2) apresenta um movimento de ensino “de âmbito internacional

    denominado ‘classicismo digital’, no qual se procura desenvolver uma ciberinfraestrutura

    adequada para disseminar o acesso aos textos clássicos em formato digital”. A autora propõe

    uma metodologia baseada nos pressupostos da Linguística Aplicada, os quais já havia

    contextualizado à docência de línguas clássicas5.

    São várias as especificidades técnicas expostas por Ferreira em seu texto, como os

    termos da ciência da computação e suas definições. O que vale salientar é a forma como, nessa

    prática pedagógica, são forjadas no aluno as competências de um filólogo. De maneira cíclica,

    o aluno aprende e trabalha para o fomento de mais conhecimento, por meio do sistema de

    contribuição de dados em edições digitais – “um componente de uma base universal de dados

    abertos [...], tal como o padrão TEI-XML” (FERREIRA, 2017, p. 3). Os dados aos quais a

    autora se refere são justamente a análise e a tradução de textos clássicos.

    4 Segundo Engelsing (2014, p. 106), o exemplo do operador da sala corresponde à metáfora da Sala Chinesa,

    proposta em 1980 por John Searle. cf.: SEARLE, J. Minds, Brains, and Science. Cambridge: Harvard University

    Press, 1984. 5 Cf.: FERREIRA, Anise A. G. D’ Orange. A lingüística aplicada em contexto digital e o ensino de grego na web:

    primeiras considerações. Revista ANPOLL, n. 15, p. 11-41, julho-dezembro 2003. Disponível em:

    . Acesso em: 11 abr. 2018.

  • 22

    Sendo professora da Universidade Estadual Paulista (UNESP), Ferreira aplicou sua

    metodologia utilizando

    a plataforma Perseids, que contém as ferramentas de edição de alinhamento de

    tradução, Alpheios, com seu respectivo plugin ativado, e anotação de árvores

    sintáticas, treebanking, por alunos de 2º e 4º ano do curso de Letras, em disciplinas

    de Língua Grega e de Leitura e Tradução de Textos. (FERREIRA, 2017, p. 5)

    Acerca da plataforma Perseids, trata-se do sistema de contribuição de dados

    desenvolvido por pesquisadores da Tufts University – a mesma instituição que mantém o

    Perseus Project (“Projeto Perseu”). Nela são feitas “edição de manuscritos [...] e anotação em

    árvore sintática de dependência ou treebanking” (FERREIRA, 2017, p. 5). Esse foi, portanto,

    o ambiente de trabalho em que os alunos puderam “comparar diferentes traduções, observando

    passagens do texto de Tucídides, História da Guerra do Peloponeso, traduzidas por dois

    tradutores considerados autoridades no âmbito acadêmico e no editorial” (FERREIRA, 2017,

    p. 9). A autora menciona, ainda, que outro exercício que contribui na formação de alunos sem

    prática com a análise sintática é a utilização da “árvore para anotar uma sentença em português”

    (FERREIRA, 2017, p. 11). Por árvore, ela se refere ao modelo estrutural de categorização

    sintagmática, proposto por Noam Chomsky6.

    Pode-se dizer que, embora enfatize a língua grega em seus aspectos formais, voltados

    para a tradução, a metodologia de ensino de Ferreira (2017) tem uma parcela interacionista,

    pois, conforme a autora, “essa forma de aprender e ensinar se alinha com abordagens que

    enfatizam o aprender fazendo, ou a aprendizagem sobre projeto, a resolução de problemas, o

    contexto autêntico e a participação em projetos coletivos e colaborativos” (p. 4). Apesar da

    existência de iniciativas como essa, ainda é notável o descompasso entre os avanços

    tecnológicos e o trabalho com línguas clássicas, e não apenas no Brasil.

    O texto Classicists, Digital Humanists and Computational Linguists. Allies, not

    Enemies, de Marco Passarotti, trata brevemente sobre a falta de diálogo entre campos do saber

    que, em virtude do potencial de colaboração mútua, poderiam, e deveriam, caminhar juntos. O

    autor, nesse caso, refere-se à linguística computacional, aos humanistas digitais e aos

    classicistas. Segundo ele, embora haja diversos pontos em comum e possibilidades de

    compartilhamento de saberes, as áreas de humanidades e de tecnologia insistem em permanecer

    em mundos distintos. Por isso, na comunicação que dá nome ao resumo, Passarotti visava

    6 Cf. CHOMSKY, Noam. Syntactic Structures. Berlin: Mouton de Gruyter, 1957.

  • 23

    propor uma discussão a esse respeito, a fim de que se pensasse a união de esforços entre tais

    esferas do conhecimento.

    No tocante aos métodos referentes ao ensino de grego koiné, o curso Vivendo o Grego

    Koiné (Living Koiné Greek), do Centro de Línguas Bíblicas (Biblical Language Center), foi

    criado pelo linguista Randall Buth, a partir de sua experiência de 18 anos trabalhando com

    projetos de tradução da Bíblia na África. Este programa (indisponível em português) foi

    pensado para capacitar tanto aqueles que já haviam estudado as línguas bíblicas, como os que

    teriam seu contato inicial com elas. Os primeiros materiais postos em teste foram os de

    hebraico, em 1996.

    O fundamento linguístico do curso é a listening comprehension theory (“teoria de

    compreensão pela escuta”)7, a qual tem relação com abordagens comunicativas para a aquisição

    de línguas. A ideia proposta na teoria é o estímulo auditivo como forma de aprendizagem.

    Seguindo à descrição da metodologia, especificamente da versão online do curso, tem-se que,

    primeiramente, o aluno escuta e vê (por meio de ilustrações e de palavras escritas) situações em

    grego koiné, sem apoio de tradução para um idioma que lhe seja familiar. Nesse momento é

    importante que o aluno permaneça em silêncio e atento às imagens, a fim de associá-las ao som

    correspondente, internalizando a língua.

    As lições audiovisuais variam em seus formatos. Por vezes, nelas é apresentado um

    exercício interativo em que mais de uma imagem (ou palavra) é exposta junto com o áudio,

    dando alguns segundos para que o aluno aponte para a imagem correspondente até que a

    imagem errada desapareça. Tal atividade está associada ao método por meio do qual se pretende

    viabilizar uma aprendizagem livre de estresse, a total physical response (“resposta física total”),

    desenvolvido pelo professor de psicologia James Asher8.

    Não existe um número fixo de vezes que o aluno deve ouvir uma lição sem reproduzir

    o som recebido. Contudo, quanto maior o número, maior a chance de se pronunciar

    concordemente ao áudio. No que se refere à pronúncia escolhida, o autor do curso adotou o

    sistema chamado de ἡ κοινή προφορά (“a pronúncia comum”, em inglês “koiné pronunciation”)

    (BIBLICAL LANGUAGE CENTER, 2015, n.p.). Trata-se de uma pronúncia reconstituída

    aceita como algo próximo ao grego moderno.

    7 Discussões sobre o assunto são encontradas em: WINITZ, H. The Comprehension Approach to Foreign

    Language Instruction. New York: Newbury House Publishers, 1981; KRASHEN, S. Principles and Practice in

    Second Language Acquisition. Oxford: Pergamon Press, 1981. 8 cf.: ASHER, J. J. Learning Another Language Through Actions. 7a. ed. California: Sky Oaks Productions, 2012.

  • 24

    Ao final de cada unidade, um teste é usado como a avaliação que medirá o nível de

    progresso na aprendizagem. Em função de o processamento de dados do exercício ser realizado

    automaticamente, cada teste pode ser refeito diversas vezes pelo estudante, sem o inconveniente

    da repetição absoluta das perguntas. Ainda, “Recursos Adicionais” (Additional Resources),

    como um léxico do vocabulário visto, podem ser encontrados, muito embora, o aluno deva estar

    ciente de que o que se objetiva com o curso é o desenvolvimento da compreensão intuitiva e da

    leitura fluente em grego koiné.

    Outro método, este em língua portuguesa, é o curso online Isso é Grego, do Centro

    Presbiteriano de Pós-Graduação Andrew Jumper e do Instituto Presbiteriano Mackenzie.

    Voltado a uma aprendizagem autodidata da língua, o programa baseia-se em videoaulas,

    estruturadas a partir do conteúdo das lições das seguintes gramáticas gregas de referência:

    Noções do grego bíblico, de Rega e Bergmann, Fundamentos do grego bíblico, de William

    Mounce, Gramática prática de grego, de Esequias Soares, e Grego do Novo Testamento para

    iniciantes, de J. Gresham Machen. Ademais, há a disponibilização de materiais adicionais para

    download, como esquemas, resumos, apresentações para projeção, entre outros (ANDREW

    JUMPER, 2018, n. p.).

    Em suma, ainda se está demasiadamente longe de uma realidade interacionista dentro

    da sala de aula de grego clássico e koiné. Não obstante, destaca-se que a exposição do problema

    aqui realizada não tem a intenção de menosprezar os anos de ensino tradicional, nem a

    qualidade de seus mestres; antes, objetiva-se contribuir com novas ferramentas para o

    enriquecimento das práticas já consolidadas. Isto posto, retornar-se-á à discussão (capítulos 3 e

    4), com a ênfase posta sobre o ensino tradicional de grego, buscando-se apresentar uma didática

    feita ao compasso dos tempos.

    Com esta revisão de literatura, buscou-se cobrir o percurso dos Estudos Clássicos no

    Brasil e mostrar novas abordagens propostas por correntes linguísticas variadas. Duas coisas

    puderam ser constatadas: os trabalhos desenvolvidos nessa área de ensino do grego no Brasil,

    tanto do clássico, como do koiné, são escassos e carecem de pesquisas; em segundo lugar, tais

    estudos revestem-se de especial importância para áreas bem específicas do conhecimento: o

    desenvolvimento das teorias linguísticas a partir dos exemplos das línguas antigas, os

    aperfeiçoamentos de ferramentas didáticas, e o incremento da interdisciplinaridade das áreas

    afins aos estudos da Antiguidade, apenas para elencar os mais evidentes.

  • 25

    2.2. Pesquisa de coleta de dados

    Frente à escassez de artigos, livros, métodos, entre outros tipos de literatura no campo

    de fontes secundárias, voltados para o ensino de grego koiné no âmbito das instituições

    brasileiras de ensino teológico, redirecionou-se a pesquisa para o levantamento em fontes

    primárias de dados referentes à questão observada. Tais fontes consistem em, segundo Marconi

    e Lakatos (2002, p. 26), “dados históricos, bibliográficos e estatísticos; informações, pesquisas

    e material cartográfico; arquivos oficiais e particulares; registros em geral; documentação

    pessoal (diários, memórias, autobiografias); correspondência pública ou privada etc”.

    2.2.1. Primeira etapa: documentos institucionais

    A princípio, buscou-se coletar dados de documentos institucionais (matriz curricular do

    curso de teologia e/ou ementário da disciplina de grego), a fim de se apresentar, sem juízo de

    valor, a forma como o ensino da língua grega foi estruturado em instituições brasileiras de

    ensino teológico. Tais instituições foram delimitadas após consulta on-line referente aos cursos

    de Teologia credenciados pelo Ministério da Educação (MEC), e compunham o escopo de

    pesquisa quatro instituições, as quais são as mais destacadas no reconhecimento popular dos

    centros de ensino teológico como relevantes na cidade do Rio de Janeiro. Foram elas: Pontifícia

    Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio); Faculdade de São Bento do Rio de Janeiro;

    Faculdade de Teologia do Rio de Janeiro; e Faculdade Evangélica de Teologia, Ciências e

    Biotecnologia da CGADB (FAECAD). Optou-se por uma amostra pequena com a finalidade

    de se analisar com profundidade os dados documentais levantados, cogitando-se a possibilidade

    de extensão da pesquisa para uma observação in loco.

    As informações referentes à PUC-Rio estão disponíveis para busca pública em sua

    página virtual (DEPARTAMENTO DE TEOLOGIA, 2018, n. p.), mas, no caso das outras

    instituições, foi necessário contatá-las via telefone e correspondência eletrônica. Assim, das três

    instituições: (1) uma delas requereu que enviássemos um e-mail formalizando o pedido,

    contudo não o respondeu; (2) outra comunicou que tal serviço era pago e exclusivo aos alunos;

    e (3) com a última, não conseguimos contato. Em função da indisponibilidade de incentivo

    financeiro para a adesão das instituições à pesquisa – prática comum e geralmente necessária

    nesse âmbito –, considerou-se ineficaz dedicar mais tempo a esse método, diante da falta de

  • 26

    garantia de colaboração. Dessa forma, se tornou inviável cumprir o que havia sido inicialmente

    pretendido e, por isso, outra perspectiva de pesquisa foi assumida, como se verá adiante.

    2.2.2. Segunda etapa: observação não estruturada

    Nesta nova etapa da pesquisa de coleta de dados, intentou-se fazer uso do ambiente no

    qual a autora da presente dissertação esteve inserida durante a fase de redação desse capítulo.

    Para tal, adotou-se o método da observação não estruturada ou, simplesmente, informal, o qual

    “envolve nossa natural capacidade de observar continuamente objetos, comportamentos e fatos

    a nosso redor” (MATTAR, 2001, p. 23). Assim, após a identificação de um grupo de trinta

    teólogos, foram desencadeadas conversas casuais entre a pesquisadora e os indivíduos em

    questão. Sem que perguntas diretas fossem feitas, a fim de que o mínimo de influência possível

    fosse exercido pela figura da pesquisadora sobre os pesquisados, optou-se pelo relato livre de

    cada participante em resposta ao pedido: “me conte como foi, para você, estudar grego no curso

    de Teologia”. Em relação a esse tipo de procedimento, Becker (1993, p. 53) afirma que:

    muitos itens de evidência consistem em observações feitas pelos informantes aos

    observadores sobre eles mesmos ou sobre outros, ou ainda sobre algo que lhes tenha

    acontecido; estas declarações vão desde aquelas que são parte da evolução normal de

    uma conversa casual do grupo até aquelas que surgem num longo íntimo tête-à-tête

    entre o observador e o informante.

    O período de observação informal ocorreu de 12 a 16 de Março de 2018, nas

    dependências da UniEVANGÉLICA (Centro Universitário), em Anápolis-GO. Com base nas

    declarações, foram identificadas algumas deficiências na metodologia de ensino aplicada nas

    aulas de grego koiné (efeito pressuposto). Nesse ponto, puderam ser inferidas algumas relações

    de causalidade ao efeito pressuposto, como se verá na ilustração abaixo (Fig. 1):

  • 27

    Fig. 1: Esquema de causalidade.

    Isto posto, ainda outra etapa de pesquisa fez-se necessária, para que houvesse mais

    clareza em relação ao problema e, só então, uma solução pudesse ser formulada.

    2.2.3. Terceira etapa: questionário

    A terceira etapa de pesquisa foi configurada como sendo conclusiva causal. Essa

    configuração de pesquisa é delimitada como sendo daquelas “caracterizadas por possuírem

    objetivos bem definidos, procedimentos formais, serem bem estruturadas e dirigidas para a

    solução de problemas ou avaliação de alternativas de cursos de ação” (MATTAR, 2001, p. 23).

    Com efeito, objetivou-se constatar as deficiências na metodologia de ensino de grego koiné, por

    meio da aplicação de um questionário, a fim de se construir uma metodologia orientada para os

    problemas apresentados.

    O conteúdo do questionário (APÊNDICE A) foi elaborado de acordo com as inferências

    feitas sobre as declarações dos pesquisados durante a fase de observação informal. Tendo sido

    submetido à revisão do orientador e da coorientadora desta dissertação, e pré-testado por dois

    dos entrevistados na fase supracitada, a versão final do questionário foi desenvolvida num

    aplicativo para formulários e hospedada em página virtual (Fig. 2), criada especificamente para

    este fim, ambos produtos gratuitos do Google. Foram aceitas participações de 01 de abril a 14

    de maio de 2018.

    CAUSAS POSSÍVEIS EFEITO PRESSUPOSTO

    (1) Má qualidade dos tipos de

    materiais didáticos adotados

    (2) Pouco tempo dedicado à disciplina Deficiências na

    (3) Escassez no uso de recursos diversos metodologia de ensino

    (4) Ausência de informação quanto à de grego koiné

    aplicabilidade da língua no

    exercício exegético

  • 28

    Fig. 2 - Página virtual da pesquisa de coleta de dados.

    Considerado um mecanismo de pesquisa, o questionário se enquadra na categoria

    genérica de instrumento estruturado não disfarçado de coleta de dados, juntamente com

    “formulário para anotações de observações, rol de tópicos a serem seguidos durante uma

    entrevista de grupo focalizada etc.” (MATTAR, 2001, p. 104). Trata-se de um documento

    padronizado em que “as perguntas são apresentadas exatamente com as mesmas palavras,

    sempre na mesma ordem, e com as mesmas opções de respostas a todos os respondentes”

    (MATTAR, 2001, p. 104).

    No momento da mensuração da amostra para a divulgação do questionário, notou-se a

    ausência de documentos censatários, nos quais fosse possível consultar o número de instituições

    de ensino teológico no Brasil. Em vista disso, fez-se necessário realizar o levantamento de

    quantas e quais são as instituições vinculadas ao MEC, por meio de busca pública na página

    virtual do referido órgão9 (APÊNDICE B). Somente por meio desse levantamento foi possível

    contatar as instituições por endereços eletrônicos também disponíveis à busca pública,

    enviando-lhes um pedido de colaboração por correspondência eletrônica (APÊNDICE C).

    Reconhecendo a possibilidade de que esse grupo não colaborasse, conforme ocorrido na

    primeira etapa de pesquisa de coleta de dados, considerou-se também atingir indivíduos, sem

    distinção de sexo ou confissão religiosa, que tenham obtido ou estejam em processo de obtenção

    da certificação em teologia nos chamados “cursos livres”. Sem poder precisar o número de

    teólogos dentro desse segundo grupo, o parâmetro seguido foi o da amostragem autogerada,

    9 MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO. Instituições de Educação Superior e Cursos Cadastrados: consulta avançada.

    Brasil: Ministério da Educação, 2018. Disponível em: . Acesso em: 08 abr. 2018.

  • 29

    que consiste na solicitação a indivíduos de “que indiquem conhecidos, e assim, sucessivamente,

    vai-se construindo a amostra” (MATTAR, 2001, p. 140).

    Cabe dizer que estão na supracitada categoria as instituições não credenciadas pelo

    MEC, algumas das quais são de grande prestígio no cenário teológico brasileiro, em função de

    seu tempo de existência e da boa qualidade de seu ensino. Contudo, muitas não demonstram

    interesse em se vincular ao órgão governamental, por interpretarem que seus princípios

    confessionais são, de certo modo, feridos em algumas das exigências feitas para a

    regulamentação. Caso os formados nessas condições queiram pleitear vagas em concursos

    públicos, no exercício das funções de teólogo (p. ex., capelania militar), ser-lhes-á necessário

    buscar alguma instituição credenciada para o processo de convalidação do certificado obtido

    em curso livre.

    2.2.4. Quarta etapa: diagnóstico

    A principal dificuldade da pesquisa de coleta de dados por questionário foi a adesão de

    participantes a ela. O número de instituições aqui catalogadas e contatadas por correspondência

    eletrônica foi de 146, dentre as quais: (a) oito se pronunciaram de alguma forma – fosse

    concordando em divulgar o questionário entre seus alunos, ou informando que a mensagem

    deveria ser enviada para outro e-mail, ou dizendo que não poderiam colaborar; (b) nove tiveram

    seus endereços eletrônicos apresentando algum problema e não receberam o pedido de

    colaboração; (c) 129 não responderam à correspondência eletrônica. Quanto ao segundo grupo,

    o de formados/formandos em cursos livres de teologia, não é possível quantificar o alcance de

    divulgação da pesquisa, visto que qualquer pessoa com acesso ao questionário poderia

    compartilhá-lo em suas redes sociais.

    Para a participação na pesquisa, foi exigido do pesquisado apenas um e-mail válido (Fig.

    3), a fim de que fraudes fossem evitadas. Ao todo, foram cinquenta participações voluntárias,

    tendo sido a maioria dos pesquisados pessoas do grupo de formados/formandos em cursos livres

    de teologia.

  • 30

    Fig. 3 - Componente “endereço de e-mail válido” preenchido

    A abrangência espacial da pesquisa pôde ser legitimada por meio do fornecimento não

    obrigatório do nome da instituição de ensino do pesquisado (Fig. 4). Foram contabilizadas oito

    instituições cadastradas no MEC, e vinte e um cursos livres de teologia, de onze estados

    diferentes (SP, RJ, MG, DF, GO, RS, PA, MA, PE, PB e RN).

    Acerca do ano de formação dos pesquisados: (1) três participantes declararam ter

    concluído o curso entre os anos 80; (2) sete entre os anos 90; (3) dez na primeira década dos

    anos 2000; (4) vinte e quatro, de 2010 a 2017; e (5) seis não responderam esse item.

    Fig. 4 - Componente de local e ano de formação preenchido.

    Motivada pelas entrevistas na fase da observação informal, nas quais alguns dos

    pesquisados questionavam se o grego estudado na Universidade era o mesmo em que o Novo

    Testamento havia sido escrito, a pergunta “você conhece as diferenças entre o grego

    arcaico/clássico e koiné?” foi posta como a primeira do questionário. É preocupante que só um

    pouco mais da metade (vinte e nove, equivalente a 58%) tenha respondido afirmativamente.

    Mesmo frente à brevidade desses dados, foi pressuposto que a história da língua grega não faça

    parte da ementa básica das diferentes instituições de ensino teológico.

  • 31

    Em contrapartida, podem ser demonstrados, por meio dos números acerca da

    obrigatoriedade na oferta da disciplina, tanto o grau de importância dado pelas instituições,

    como a tradição da presença da disciplina em suas matrizes curriculares. Para a grande maioria

    dos pesquisados (quarenta e seis, equivalente a 92%), o estudo de grego foi obrigatório durante

    o curso teológico, tendo em vista que um dos objetivos pretendidos nas instituições de ensino

    teológico seria a formação de exegetas do texto bíblico.

    Em relação ao nível de conhecimento da língua nos estágios iniciais do curso, dentre os

    pesquisados, quarenta e um (equivalente a 82%) marcaram seu primeiro contato com o grego

    koiné tendo ocorrido após ingressarem no curso teológico, em oposição a uma pequena parcela

    (nove, equivalente a 18%), que afirmou ter tido algum conhecimento prévio da língua. Buscou-

    se estabelecer com tal questão um contraste entre o ensino de línguas antigas e as línguas

    modernas, como o inglês, em que geralmente os estudantes ingressam num curso já conhecendo

    o idioma. Em relação ao grego koiné, é de se esperar, como os dados apontam, que esse

    conhecimento seja quase inexistente. Assim, diante de uma classe de pessoas iniciantes nos

    estudos de grego, o docente, para fundamentar a sua prática, deverá deixar clara a importância

    da ciência dessa língua visando um corpus particular.

    Relativamente ao número de períodos cursados, a distribuição mostra que dos

    pesquisados dez (20%) cursaram somente um período de grego koiné, dezenove (38%) dois

    períodos, oito (16%) três, e treze (26%) quatro ou mais períodos (Fig. 5). Afirma-se, por meio

    dos dados, que dois períodos parecem ser a proposta mais comum entre as instituições na

    indicação do tempo necessário para aprender a língua neotestamentária. Ademais, analisando

    as instituições em que cada pesquisado estudou, pontua-se que uma característica em comum

    aos que cursaram a partir de três períodos de grego é a de terem estudado em centros de ensino

    teológico com maior ênfase na formação de ministros eclesiásticos. Talvez, isso se dê em

    função do valor prescritivo que as prédicas tenham, de modo que conhecer com precisão os

    textos originais é de destacada importância.

    Contudo, parte do comentário feito por um pesquisado, ao fim do questionário,

    evidenciou a necessidade de revisão da pergunta acerca da quantidade de períodos que os

    respondentes teriam estudado. A palavra “período” como marcador de tempo é subjetiva, e não

    foi especificado que a ela se pretendia atribuir o valor de um semestre acadêmico regular

    (aproximadamente quatro meses). O participante supracitado, compondo o grupo dos que

    marcaram ter cursado quatro ou mais períodos, na verdade, discorreu em seu comentário que a

    disciplina de grego havia sido modular em sua graduação, tendo ele tido, portanto, quatro

  • 32

    módulos de dois meses cada, ao que julgava “pouquíssimo tempo para se estudar uma língua

    tão rica quanto o grego”. De fato, o tempo por ele cursado seria equivalente a dois períodos ou

    um ano letivo, e não a dois anos, conforme a interpretação de período pretendida na formulação

    da questão. Em vista disso, reconhece-se que é possível que ainda outros pesquisados tenham

    interpretado a questão e suas opções de resposta de maneiras diversas.

    De qualquer forma, defende-se aqui que, no processo de aprendizagem de um idioma, é

    necessário tempo para que os estudantes assimilem suas descobertas e desenvolvam-se para

    além de suas dificuldades. Daí, portanto, a relevância que se deve atribuir a esta variável (o

    período de tempo) na formulação do programa de curso. À semelhança do referido participante,

    outros sete apresentaram, no espaço para comentários gerais, algum tipo de queixa quanto à

    carga horária e ao não aprofundamento no ensino da língua, problema este que se julga também

    ter relação com o pouco tempo destinado à disciplina em algumas instituições.

    Fig. 5 - Gráfico: Número de períodos de grego koiné

    cursados pelos pesquisados.

    Acerca do tipo de livro didático, as categorias foram: (1) apostila pessoal (ou seja,

    material produzido pelo docente); (2) gramáticas básicas (doravante GB) de diferentes décadas;

    (3) outra forma de material. Por GBs, referimo-nos aos compêndios de grego, no nível

    elementar, nos quais a língua é abordada principalmente em seus aspectos morfossintáticos.

    Dentre os pesquisados: quatorze (28%) estudaram por meio de apostila pessoal; doze (24%)

    sabem que o livro didático foi uma GB, mas não se lembram de sua data de publicação; nove

    (18%) usaram uma gramática básica dos anos 2000; sete (14%) usaram outro tipo de material,

    o qual desconhecemos, por não ter sido tecnicamente possível abrir nessa opção um espaço para

    comentários; cinco (10%) estudaram por uma gramática básica produzida nos anos 80 ou antes;

    e três (6%) usaram uma gramática básica produzida nos anos 90 (Fig. 6).

  • 33

    Fig. 6 - Gráfico: Tipo de livro didático adotado

    para a disciplina de grego koiné.

    Aqui, faz-se oportuno comentar que três entre os cinco respondentes da opção “GB

    produzida nos anos 80 (ou antes)” concluíram seus estudos nos anos de 2002, 2016 e 2014. Um

    deles criticou negativamente o material utilizado em sala de aula, por este estar “defasado”.

    Além deste, outro respondente mencionou, de maneira pejorativa, a “metodologia tradicional

    de ensino”, da qual também entendemos o livro didático antigo ser parte. Ademais, observamos

    que a preferência pela adoção de apostilas pessoais parece revelar uma liberdade desfrutada

    pelo docente em sua prática de ensino no referido ambiente acadêmico.

    Logo em seguida, procurou-se identificar quais outros recursos didáticos foram

    adotados em sala de aula. Considerou-se como recursos didáticos específicos de uma aula de

    grego koiné ferramentas que, ao lado do livro didático, são essenciais para o aprendizado da

    língua. Foram elas: (1) léxico, ou seja, um dicionário com o vocabulário do grego bíblico; (2)

    a Bíblia com palavras-chave (doravante BPC); e (3) o Novo Testamento Interlinear (doravante

    NTI), uma obra em que aparecem intercalados o texto original com sua tradução literal abaixo.

    Esclarecendo o que seja uma BPC10, trata-se de uma publicação da Bíblia em que, na

    fase da editoração, palavras tidas como relevantes são destacadas de alguma forma (grifo,

    negrito etc.), numeradas para serem apresentadas num léxico remissivo, e sinalizadas dentro de

    algum sistema de códigos gramaticais, como exemplificado a seguir (Fig. 7):

    10 Há apenas uma publicação desse tipo de obra em língua portuguesa: BÍBLIA de estudo palavras-chave hebraico

    e grego. 2a. ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2011.

  • 34

    Fig. 7 - Exemplo da Bíblia com palavras-chave (BPC).

    Fonte: BÍBLIA, 2011.

    Os dados levantados apontam que nove (18%) respondentes afirmaram não ter tido

    contato com recursos didáticos além do livro, enquanto o número dos que tiveram acesso a

    recursos didáticos foi de quarenta e um (82%) respondentes, sendo que destes, onze (27%)

    utilizaram apenas um recurso (nove, algum léxico; um, a BPC; um, algum NTI), dezenove

    (46%) utilizaram dois recursos (três, algum léxico e a BPC; quinze, algum léxico e o NTI; um,

    a BPC e algum NTI), e onze (27%) utilizaram três recursos (algum léxico, a BPC e algum NTI)

    (Fig. 8).

    Fig. 8 - Gráfico: Demais recursos didáticos utilizados.

    No que concerne à utilização de recursos paradidáticos, vinte e oito (equivalente a 56%)

    respondentes afirmaram que seus professores valeram-se desse tipo de material suplementar em

    sala de aula, enquanto vinte e dois (equivalente a 44%) disseram não ter contado com a presença

    de tal suporte. À guisa de esclarecimento, os recursos paradidáticos “são livros e materiais que,

    sem serem propriamente didáticos, são utilizados para este fim. [...] Recebem esse nome porque

    são adotados de forma paralela aos materiais convencionais, sem substituir os didáticos.”

  • 35

    (MENEZES; SANTOS, 2001, n. p.) Há que se admitir que tal definição deveria ter constado

    no questionário, garantindo deste modo que os participantes estariam cientes do que significa

    “recurso paradidático”.

    Foram considerados recursos paradidáticos neste contexto: (1) os escritos patrísticos

    (doravante P), ou seja, os textos dos chamados Pais da Igreja; (2) a Septuaginta (LXX); (3) os

    textos de outros autores do período helenístico (doravante H); (4) textos de crítica textual

    (doravante CT); (5) outros. Dos que tiveram contato com paradidáticos: doze (43%)

    respondentes trabalharam com apenas um recurso (4, CT; 2, LXX; 5, Outros; 1, H); nove (32%),

    com dois recursos (6, LXX e CT; 1, LXX e H; 1, CT e outros; 1, LXX e outros); quatro (14%),

    com três recursos (2, LXX, H e CT; 2, P, LXX e CT); um (4%), com quatro recursos (P, LXX,

    H, e CT); e, por fim, dois (7%) com os cinco recursos (P, LXX, H, CT, e outros).

    Fig. 9 - Gráfico: Recursos paradidáticos utilizados.

    Com o intuito de se inferir alguma relação entre o número de períodos cursados e o uso

    de recursos paradidáticos, postulou-se o pressuposto de que o tempo tenha sido o principal fator

    na ausência dos recursos nas instituições em que respondentes cursaram apenas um período de

    grego – sete entre os dez respondentes (equivalente a 70%) nessa categoria não tiveram contato

    com nenhum outro recurso. Acerca do tipo de recurso mais utilizado, dentre o todo de vinte e

    oito respondentes, forma dezenove as pessoas que selecionaram a opção “textos de crítica

    textual”. Embora estes não possuam relação aparente com o ensino da língua grega – mesmo

    sendo uma das etapas da metodologia exegética –, foram incluídos na questão, a fim de

    comprovar ou refutar a constatação empírica de que o professor de grego torna-se, não raro, o

  • 36

    responsável pelo ensino de crítica textual nos cursos de teologia. Mesmo não sendo possível

    atestá-lo nessa pesquisa, supomos que tal relação se dê em função da ausência de uma cadeira

    específica para esta disciplina na matriz curricular dos cursos.

    Ainda pensando nos recursos utilizados em sala de aula, questionamos a respeito do uso

    das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC). Ou seja: desejávamos saber se (e quais)

    recursos facilitadores de aprendizagem foram utilizados pelos professores. Enquanto vinte e

    oito (56%) pesquisados selecionaram a opção “não”, vinte e dois (44%) responderam

    afirmativamente, dos quais: cinco tiveram o uso de um recurso (3, slides; 2, outros), dez

    contaram com dois recursos (7, slide e software; 2, slide e vídeo; 1, slide e áudio), seis contaram

    com três recursos (3, slide, áudio, vídeo; 2, slide, áudio, software; 1, áudio, software e outros),

    e um dispôs de quatro recursos (slide, áudio, vídeo, software) (Fig. 10).

    Fig. 10 - Gráfico: Recursos TIC utilizados.

    Não seria necessário dizer que a utilização de recursos TIC se insere no âmbito das

    demandas de uma sociedade saturada pela informática. As relações do indivíduo com o meio

    circundante se alteraram, bem como a forma como ele interage com a informação e o

    conhecimento. Novas ênfases sensoriais passaram a fazer parte do cotidiano do homem

    contemporâneo – na maneira como o seu corpo responde ao mundo ao qual pertence. Nesse

    contexto, p. ex., os estímulos visuais têm assumido, progressivamente, um papel de destaque.

    Com efeito, a sala de aula e o seu público não são mais os mesmos de três décadas atrás, de

    modo que manter metodologias de ensino atuais se configura como um dos grandes desafios

    educacionais desse tempo.

  • 37

    Diante desse cenário, acreditávamos que os dados refletiriam uma crescente utilização

    de TIC em cursos mais recentes; contudo, apenas nove (equivalente a 37%) das vinte e quatro

    pessoas que estudaram ou estudam teologia na presente década afirmaram ter tido contato com

    essas ferramentas. Em outras palavras, as informações levantadas apontam para uma falta de

    sintonia entre as novas tecnologias e a prática de ensino de grego koiné. Nesse contexto, é

    relevante questionar as razões para a baixa adesão dos docentes a estes recursos. Seria um

    sintoma da crise na esfera do ensino de Humanidades, nunca antes tão marginalizado? Ou

    simplesmente a falta de preparo ou desinteresse dos docentes no uso dos recursos? Seriam

    necessárias ainda outras pesquisas a fim de se responder especificamente a essas questões; mas

    reafirmamos (conforme 2.1.1.) que o uso bem planejado de recursos TIC pode fomentar o

    trabalho de pesquisa autônoma do estudante.

    De volta à análise dos dados, relativamente ao uso do grego para fins exegéticos: trinta

    e duas (64%) pessoas manifestaram a utilização do grego no estudo das palavras, nove (18%)

    declararam fazer tradução do texto bíblico original, e três (6%) disseram empregá-lo para

    realizar diagramação gramatical e/ou semântica. Houve ainda seis (12%) pessoas que

    afirmaram não fazer uso do grego. Essa questão foi motivada em função de o ensino das línguas

    bíblicas em cursos teológicos, como dito anteriormente, estar claramente ligado à área da

    exegese. Seguindo essa lógica, foi questionado se o pesquisado tinha clareza de como o

    conhecimento da língua grega poderia ajudá-lo na exegese do texto, e quarenta e oito (96%)

    responderam afirmativamente.

    Em sequência, sendo a tradução o primeiro ato no trabalho exegético (WEGNER, 1998,

    p. 28), indagamos sobre a apropriação da língua para esse fim num texto grego. Com isso,

    procurávamos medir a capacidade dos pesquisados de aplicar, na prática, o que se estudou e

    aprendeu no curso de uma língua instrumental. Nesse ponto, dezenove pessoas (equivalente a

    38%) afirmaram se sentir capazes de realizar a tarefa, tendo trinta e uma (62%) declarado que

    não. O maior índice afirmativo se deu entre os pesquisados que disseram ter cursado quatro ou

    mais períodos de grego (oito entre treze respondentes, equivalente a 61%); em segundo lugar

    estão os de três períodos (quatro entre oito respondentes, equivalente a 50%); e as menores

    taxas entre os que marcaram ter estudado d