The Time Travelers: Paradoxo Complexo · instantes, a morena de olhos amendoados, observa o homem...

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The Time Travelers:

Paradoxo Complexo

Daniel Lobão

Patrícia Figueiredo

“E se a História como a conheces fosse apenas a consequência de

ações futuras?”

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Sobre os Autores:

Patrícia Figueiredo

Nascida e criada em Cascais, estuda agora

Antropologia no Instituto Superior de Ciências

Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa.

Com 23 anos, sempre soube querer embarcar na

aventura da escrita criativa.

Após formar a ideia para a saga The Time

Travelers, juntamente com o seu melhor amigo, Daniel, meteram mãos

à obra para trazer ao público esta aventura futurística.

Daniel Lobão

Nascido e criado em Sintra. Com 19 anos, estuda

Antropologia no Instituto Superior de Ciências

Sociais e Políticas, da Universidade de Lisboa.

Sempre foi apaixonado pelo mundo da escrita e vê

agora o realizar de um sonho com a saga The Time

Travelers, com a sua melhor amiga.

Contactos:

[email protected]

[email protected]

Nota: Este livro foi redigido segundo o novo Acordo

Ortográfico, porque apesar da nossa relutância em fazê-lo,

o word insiste em corrigir-nos.

Capa por: Patrícia Figueiredo

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Sinopse

No ano de 2098, Cassia e Alastair vivem o seu pior pesadelo. A

sua cidade, Quimera, foi devastada pela guerra e agora uma nova

ameaça paira sobre a mesma, colocando a vida de todos em risco.

A agência Samsara, que rege a cidade, recruta uma equipa de

jovens deixados à mercê dos tempos na cidade. Cassia e Alastair

terão um papel central nesta equipa, que tenta lidar com a nova

ameaça terrorista.

Assombrados pelos erros do passado, terão que acatar com os

problemas do futuro: esse incerto.

Uma história de suspense e reviravoltas, passada num futuro

próximo e dedicada aos amantes de ficção científica.

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Prefácio

A escuridão da sala é interrompida pela luz que sai dos monitores

ligados à sua volta. As imagens que os percorrem não são

apropriadas para o público mais sensível. Resquícios de uma

civilização que luta desesperadamente pela sobrevivência adorna

as telas de computador. Cadáveres vestem as ruas estreitas e as

praças da cidade.

Os edifícios parecem abandonados: as suas janelas

estilhaçadas, as portas arrombadas e o seu ar sombrio e sinistro

dão um espetáculo assombroso. As poucas pessoas que se arrastam

pelas ruas, usam máscaras cirúrgicas, evitando cruzar-se com os

desconhecidos que deambulam debilmente.

As imagens, a preto e branco, mudam de minuto a minuto. O

sistema de vigilância está constantemente a atualizar, para quem

é de direito, atentar no estado da cidade estilhaçada.

Uma criança de pouco mais de três anos chora no meio de uma

praça. Pessoas passam, oblívios ao seu pânico, que continua a

chamar pela mãe. Ninguém para.

Outro ângulo; a mesma imagem. Uma jovem mulher, deitada no

chão ao lado da criança, tenta erguer uma mão para chegar ao bebé.

Sem forças, deixa a efemeridade vencer.

Dois polícias param. Um deles pega na criança, tapando-lhe

os olhos. O outro pega no corpo da mãe, atirando-o friamente para

a pilha de cadáveres no meio da praça, deitando-lhes fogo. Como

se de lixo se tratasse. Uma certa apatia pode ser sentida nos seus

gestos.

Duas silhuetas olham para as câmaras de vigilância, imóveis

e afastam o olhar quando o polícia volta a colocar a criança no

chão e dispara sobre ela, matando-a.

- Os nossos esforços claramente não estão a ser suficientes,

Ari. – A voz de uma mulher faz-se ouvir na escuridão.

- Isso não significa que recorrer a um plano extremista seja

a melhor solução. – A silhueta de um homem afasta-se da devastação

das câmaras, virando as costas à figura esguia que o acompanha. O

seu semblante, carregado pela preocupação de ver a sua cidade

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natal desfigurada, é iluminado pela pouca luz dos monitores. Os

seus olhos castanhos contemplam a mulher à sua frente.

- Admite que não estamos prontos, Kay! – Uma súplica sai dos

lábios de Ari. O seu tom um pouco mais áspero do que pretendia.

- Não importa! – Kay vira-se repentinamente para encarar

Ari. Existe uma urgência na sua voz e os seus olhos castanhos e

frios parecem agitados. O seu semblante denota cansaço, de tantas

noites sem dormir. – Olha para os monitores, Ari! O tempo de

espera chegou ao fim. É tempo de agir!

- Tu és impossível, sabes? – Ari volta a olhar para os

monitores. Ele sabe que Kay tem razão. Já não há mais nada que

eles possam fazer. A contingência chegou ao fim.

As chamas da fogueira, retratada nos ecrãs, chamam a sua

atenção. Polícias atiram corpos para o fogo. Uma nuvem de fumo

escuro invade os céus de Quimera. Pouco depois o fumo vai-se

tornando branco.

Kay suspira sonoramente. Ela sabe perfeitamente o seu lugar,

no entanto começa a duvidar se Ari sabe o seu. Por breves

instantes, a morena de olhos amendoados, observa o homem diante

de si. O vasto cabelo castanho do Comandante começa a notar os

sinais do tempo, com pequenos cabelos grisalhos aqui e ali. Ver a

barba de Ari por aparar é invulgar para Kay, mas não díspar perante

a situação que enfrentam.

Ari não pode deixar de reparar na atenção detalhada que Kay

lhe presta. Normalmente, o que Kay menos faz é prestar-lhe

qualquer tipo de atenção; para grande tristeza de Ari. Agora os

papéis que desempenham são maiores que qualquer história que tenha

existido; quando vivemos num mundo em permanente conflito, este

começa a apresentar-se no nosso imaginário como fragmentado.

Embora ajustemos as nossas ações às circunstâncias que nos são

impostas, há sempre alguma coisa que tem que ficar perdida por

entre os estilhaços e escombros da vida que já foi.

- O que é que não me estás a contar, Kay? – A voz de Ari não

é mais do que um suspiro.

Kay escarnece perante a insinuação e dá um passo ameaçador

em direção a Ari. A sua expressão é impossível de ler; Kay apenas

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olha fixamente para ele. As suas caras a milímetros de distância,

a sua respiração superficial.

- Você apenas sabe o que precisa de saber! – Kay quebra por

fim o silêncio. – Estamos entendidos, Comandante Black?

A formalidade não escapa a Ari, que ganhando coragem

endireita-se, pondo-se em sentido e recusando-se a ser intimidado

por Kay; quase em jeito de desafio à sua autoridade. Rondando os

dois a mesma altura, os seus olhos encontram-se sem serem

necessários esforços. O olhar de Kay é letal. Ari sabe estar a

brincar com fósforos no escuro, mas ainda assim, altivo, provoca-

a.

- Não; não estamos! – O seu tom alto e desafiador. – Enviar

alguém para o desconhecido naquela máquina pode significar a sua

morte. Estás mesmo disposta a viver com mais sangue nas tuas mãos?

Kay engole em seco e rompe a troca de olhares com Ari. Há

muito que Kay perdeu a força de vontade para se preocupar. A

salvação tem o seu preço e Kay finalmente percebera isso. Sente-

se entorpecida, pelo que apenas sobrevive da melhor maneira que

consegue.

- Estou, pois! Estou disposta a viver com esse peso sobre os

meus ombros. Há muito que parei de procurar redenção! As pessoas

de Quimera estão a morrer! E se não resolvermos este problema

rapidamente… - Kay não consegue acabar a frase. Respirando fundo,

continua. – As caras das pessoas que atiramos para as fogueiras,

ou daqueles que atiramos para as valas comuns, assombram-me todos

os dias, Ari. Já ninguém espera muito de nós; se é isso que te

preocupa.

O olhar de Kay mostra determinação. O fogo que Ari vê nos

seus olhos, ele nunca vira antes; sabe que será impossível demovê-

la e ainda assim não deixa de tentar a sua sorte.

Pegando em duas pastas, atira-as para os pés de Kay,

enraivecido.

- Estes miúdos são pessoas! Não são brinquedos para te

entreteres! – Kay olha para as fotografias que caíram das pastas.

Os dois jovens a olharem para ela acusadoramente. Ari avalia-a. –

Espero sinceramente que o teu plano funcione. Porque se assim não

for, esses dois têm já a sua sentença.

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As palavras de Ari ressoam na mente de Kay; no entanto, ela

já se decidiu. Não existem mais soluções. Virando as costas a Ari,

marcha rapidamente em direção à porta, fazendo-a bater atrás de

si. Ari fica sozinho na escuridão da sala. Kay cada vez mais lhe

parece indomável e perdida; num caminho que Ari não pode antever.

Suspirando, volta-se para os monitores. As labaredas

continuam a fazer os corpos contorcerem-se perante elas. O fumo

continua a invadir a cidade. A população continua a desvanecer. O

tempo continua a passar.

Com um gesto quase invisível, Ari muda a imagem dos

monitores. Um espaço atulhado de pessoas aparece a preto e branco

em todos os monitores. Diferentes espaços, diferentes ângulos.

Ari procura por alguém nas imagens; não obstante, é-lhe

custoso olhar para as pessoas, nos corredores degradados,

desesperadas por ajuda e por soluções que não vêm.

Os olhos do homem cintilam quando encontram a câmara do

quarto da paciente que tentava encontrar nas imagens do sistema

de segurança.

Cruzando os braços, avalia a rapariga que entra no quarto;

uma jovem de bata branca, que se senta junto à cabeceira da mulher

enferma.

- Lamento o que te vai acontecer, miúda. – Cerrando os olhos,

tenta conter a emoção. – Lamento mesmo.

Engolindo em seco, senta-se na cadeira, atentando nas imagens

e ouvindo o que se passa no Hospital Público de Quimera.

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Capítulo 1

Apesar de ser o início do que um dia foi designado como Primavera,

no ar o cheiro não é o das flores a desabrochar. A putrefação dos

corpos em valas comuns, à espera que um destino lhes seja dado, o

cheiro de outros a arderem nas fogueiras, misturam-se com o cheiro

dos pinheiros da floresta que ronda a cidade de Quimera.

Apesar da devastação, Quimera é privilegiada na sua condição

atual. A guerra roubou tudo à sua volta. Uma guerra que ninguém

consegue apontar as causas ou objetivos. Desde que Cassia e

Alastair têm memória que a sua cidade vive em estado de

contingência, com as suas fronteiras fechadas ao resto do Mundo.

Há Oitenta Anos que Quimera é usada como um recurso da

Guerra. Grupos de pessoas foram colocados nesta cidade, pois o

Conselho de Segurança das Nações Unidas temia o fim para o que

restava da Humanidade. Agora a sua única chance de sobrevivência

foi violada. A sombra de um vírus mortífero paira sobre a população

de Quimera. Um terço da população original já padeceu, enquanto o

que resta dela aos poucos fica doente e acamada.

O modelo de economia sustentável implementado pela primeira

vez em Quimera, de modo a torná-la autossustentável, falhou após

as Taxas de População Ativa baixarem para mínimos nunca antes

vistos. Com a economia a falhar, a comida começou a ser racionada

e a mobilidade condicionada. Ninguém pode entrar ou sair da

cidade, não importa o quão difícil a sobrevivência nela se torne.

Não que precedentemente alguém se atrevesse a passar a fronteira

para o desconhecido.

Condições básicas de vida foram implementadas pela Agência

Governamental que rege a cidade: comida, abrigo e saúde. A

segurança é cada vez mais apertada.

Existem quatro distritos: Norte; Sul; Oeste e Este. Cassia

e Alastair pertencem ao distrito Oeste. Este distrito, por sua

vez, pertencia à classe operária. O Norte pertencia ao Governo; o

Sul aos agricultores e o Este; bem: ninguém sabe realmente para

que serve o distrito Este. Estas classificações já não estão em

uso, pois toda a vida como a conheciam foi alterada radicalmente,

desde que a cidade foi atacada.

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A informação que há sobre o vírus é escassa. A população

começou a morrer de um dia para o outro. Com medo de contágio, os

corpos começaram a ser queimados e durante o primeiro ano, quem

apresentasse sintomas era colocado em quarentena. O Hospital de

Quimera tornou-se caótico; até que por fim, verificaram que o

vírus não é transmitido pelo ar. Apesar de todos os testes feitos,

a corrente do vírus é desconhecida.

Alguns cientistas de Quimera pensavam que poderia ser um

sobreaviso dos anos vindouros. Que a raça humana está a evoluir

no sentido da autodestruição. Durante anos, desde a Revolução

Industrial, que cientistas vinham a avisar sobre os efeitos

nefastos da evolução tecnológica. Talvez esses efeitos tenham

alcançado agora quem ficou. E, porque ninguém sabe o que aconteceu

fora de Quimera, as especulações são altas.

O Hospital de Quimera é agora palco das maiores atrocidades.

A eutanásia é a solução mais viável que encontraram para acabar

com o sofrimento da população, que aos poucos padece. Os gritos

são audíveis nas ruas que rondam o edifício imponente e com ar

fúnebre. Uma fila interminável de pessoas ronda o Hospital; muitos

estão doentes e procuram atenuar a dor; outros, ostracizados pela

sociedade, procuram um fim misericordioso ou por comida, que há

muito que é escassa.

Quando a cidade ainda estava operacional, os refeitórios

comuns forneciam as famílias com todas as refeições, para que a

única preocupação da população fosse o bem comum. Não havia espaço

para a vida privada; tudo era feito pela comunidade, para a cidade

prosperar. Agora, os recursos acabaram; o Sul deixou de produzir

alimentos, as bombas de tratamento de água deixaram de funcionar;

com falta de manutenção, pouco a pouco, a cidade desaparece,

juntamente com as pessoas que a habitam.

Um projeto futurístico arrasado pelas circunstâncias da

vida. Pessoas que foram colocadas na cidade para a fazer

florescer, acabam agora a sua existência em agonia. Aquelas que

vão conseguindo sobreviver segregam-se dos doentes, com medo de

apanhar o vírus e recolheram-se para o distrito Norte, construindo

muros na fronteira, não deixando ninguém passar.

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São poucos aqueles que ficaram para ajudar os que precisam.

Alguns polícias patrulham as ruas, mas apenas para manter a ordem

e limparem o asfalto de cadáveres; outras pessoas ficaram para

ajudar no Hospital, no entanto poucos podem fazer a diferença no

meio da devastação.

Cassia, uma rapariga nos seus vinte e poucos anos, percorre os

corredores indiferente às pessoas que tentam agarrá-la. O hábito

de andar pelo edifício cheio de pacientes terminais, faz com que

todo o sofrimento que vê diariamente seja colocado em

compartimentos na sua mente. De outra maneira, seria muito difícil

levantar-se todos os dias da cama, para voltar a enfrentar as

dificuldades que lhes foram impostas.

Os gritos e as súplicas dos doentes parecem já melodias bem

ensaiadas. Cassia, com uma bata branca por cima das suas roupas,

gastas do tempo e das memórias, para de frente a um quarto privado:

estes raros. Os pacientes morrem nos corredores e em enfermarias

atravancadas; poucos têm o privilégio de morrer com dignidade em

Quimera.

Colocando a mão na maçaneta, Cassia fecha os seus olhos azuis

escuros por um segundo e respira fundo. Hoje precisava de coragem

para passar aquela porta; normalmente Cassia é a primeira a correr

em direção ao caos, no entanto o papel que adotou para esta guerra,

de pouco lhe estava a servir agora. Colocando uma mecha do seu

longo cabelo castanho atrás da orelha, força um sorriso e abre a

porta.

O ar gélido do quarto faz a jovem estremecer, mas o que

realmente a assombra é a imagem da mãe na cama do hospital, em

sofrimento. O seu pai há algumas semanas que já morrera. O vírus

levou-o em poucas horas; a sua mãe não tivera tanta sorte.

Há uns dias, já cansada, Felícia pedira a Cassia para

terminar a sua vida, enquanto ainda estava na posse das suas

faculdades. Cassia hesitou, mas estava disposta a conceder o

desejo à mulher que tanto a ajudou quando ela mais precisou. Não

há maneira de tornar a situação simples; aconteça o que aconteça,

o adeus é inevitável.

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O seu irmão Alastair opôs-se, na esperança de um milagre que

conseguisse salvar Felícia. Cassia sabia que mesmo que um antídoto

fosse encontrado ou produzido, já era tarde demais para a mãe.

Sorrindo, senta-se junto à cabeceira da cama de hospital.

Felícia dorme finalmente. A manhã provara-se uma autentica

maratona. Olhando para o relógio, no topo da porta, pede um desejo

em vão. Espera que Alastair chegue rápido, pois não tem a certeza

de quanto mais tempo têm.

Para sua surpresa, Felícia começa a tossir e abre os olhos

relutantemente.

- O teu irmão, meu amor? – A sua voz rouca e cansada.

Cassia sorri, perante o som da voz de Felícia.

- Descansa, ma. – Cassia puxa os cobertores para a tapar,

mesmo sabendo que os tremores que a mãe sofre não são causados

pelo frio. – Ele deve estar a chegar.

Felícia agarra a mão da jovem e obriga-a a encará-la.

- Cassia, preciso de te confidenciar algo.

Cassia tenta repudiar a tentativa da mãe falar.

- Tenta descansar, por favor. Sabes que está quase na hora

e que o Alastair não se vai perdoar se alguma coisa acontece antes

de ele chegar. – Uma lágrima ameaça escorrer pelo rosto da morena,

mas Cassia ignora-a.

- Minha querida Cassia. – Com um sorriso amável, Felícia

acaricia a cara da filha. – És tão corajosa e resiliente. Sabes

que vais ter que tomar conta do teu irmão, não sabes? Ele é

demasiado humano para enfrentar o que se segue. Escuta-me com

atenção.

Cassia presta atenção às palavras da mulher que a viu

crescer.

Felícia fala a custo.

– Espero que encontres no teu coração lugar para me perdoar

pelo que eu te vou dizer de seguida.

- Ma, o que foi? O que tens assim de tão importante para me

dizer?

- O teu pai está vivo, filha. – Felícia pausa, sem saber

como continuar. – Quando ele te deixou com a tua mãe, ele teve as

suas razões. Não estou, de modo algum, a dizer que foram boas

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razões. Ainda assim, foi o melhor para as duas ele ter partido:

foi o melhor para ti. Não terias sobrevivido à sua ira. Agora que

já estás crescida, já te podes defender e estás no teu direito de

o procurar.

Cassia fica perplexa perante a informação; a sua mente é

inundada por todas as vezes que viu o seu progenitor. Já pouco

lhe conhece das feições: as memórias são turvas, mas as suas

cicatrizes não a deixam esquecer por completo.

- Porque é que eu haveria de o querer procurar? Ele matou a

minha mãe e quase me matou a mim. Não tenho nada para lhe dizer.

- Ele pode ter a solução para Quimera, Cassia. Lembra-te que

nem tudo é como pensamos ser.

A porta do quarto abre abruptamente, passando a corrente de

ar pelo cabelo de Cassia, fazendo-o estremecer sobre os seus

ombros. Felícia guarda silêncio, por já não estarem sozinhas e

Cassia olha para a porta para perceber de quem se trata.

Um rapaz bem-parecido aguarda, observando-as. A custo,

mostra um sorriso aberto e característico, mas os seus olhos

grandes e castanhos contam a verdade. A tristeza inunda-o, perante

a imagem da mãe naquele estado.

Alastair fecha a porta atrás de si e dá um passo em direção

às caras familiares. O seu uniforme policial está sujo de cinza e

terra. Aproximando-se da cama envolve Cassia num abraço e de

seguida verga-se para beijar a testa da mãe.

- Como te sentes? – O rapaz pergunta, com medo de saber a

resposta.

- Todos os dias te vou responder o mesmo, meu querido filho.

– Felícia olha para Cassia, na esperança de ela entender o seu

lado. – Estou pronta para morrer. Tens que me deixar. Não faz mal

morrer, é a lei da vida.

Alastair olha afligido para a irmã a seu lado.

- Eu não aceito isso. Estás a desistir! Não foi isso que nos

ensinaste, porra!

- Não, eu ensinei-vos a saberem quando devem lutar e quando

devem baixar os braços, pois já não há nada a fazer. Eu estou em

agonia, Alastair. Tens que me deixar ir. – O rosto de Felícia

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denota cansaço. A sua testa repleta de suor. – Isto vai acontecer

hoje; quer tu queiras, quer não.

Alastair leva a mão ao rosto, desesperado. Cassia sabe melhor

do que tentar argumentar contra ele. Ela entende Felícia e

reconhece o seu desejo de morrer pacificamente; não é o seu lugar

julgar as suas decisões, mas tentar compreendê-las.

- Prometam-me que vão tomar conta um do outro, por favor.

Para eu ir descansada… - Felícia olha para o relógio e sabe que a

hora está a chegar. – Não importa o que aconteça, não se esqueçam

de seguir o vosso coração. A nossa cabeça às vezes é demasiado

confusa para escolher o melhor caminho.

Alastair engole em seco e recusa-se a olhar para a mãe.

Cassia olha para o relógio e de seguida para a porta, antecipando

a entrada da equipa de limpeza, como lhe chama o governo.

Cassia afaga as costas do irmão, puxando-o para o canto. As

lágrimas escorrem pela cara do rapaz, que se liberta das mãos de

Cassia e corre para a mãe.

- Não faças isto, mãe. Ainda vais a tempo de desistir desta

loucura.

Um dos enfermeiros arranca Alastair da cabeceira da cama e

leva-o novamente para junto de Cassia. Felícia sorri para os dois

jovens que a veem partir. Cassia sabe que a mãe está pronta e dá

a ordem silenciosa para que os médicos continuem.

Cassia e Alastair caminham em silêncio em direção ao seu

apartamento. Ambos cansados dos desafios do dia, não sentem a

necessidade de trocar mais palavras do que as que já foram ditas.

Cassia pensa que as pessoas por vezes falam demais, tirando o

significado ao que é dito, por ser repetido vezes sem conta.

Alastair, por sua vez, pensa que as pessoas apenas não ouvem, ou

que dão demasiada importância ao que é dito sem significado.

Tanto Alastair, como Cassia concordaram que o que tinham

para falar sobre o passado já está falado. O passado já não existe,

por isso, já não há necessidade de reviver as memórias.

- Esta cidade cada vez mais se parece com um cemitério. –

Alastair fala pela primeira vez desde que saíram do hospital. –

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Não que nós tenhamos direito a fazer um funeral à nossa mãe; o

que não deixa de ser irónico.

A raiva é sentida na voz de Alastair que para por instantes

no corredor.

- Lamento, Al. – Cassia pousa uma mão no ombro do irmão,

tentando reconfortá-lo.

Um silêncio pesado envolve-os. Tanto Cassia como Alastair,

desde que a cidade soltou o alerta, dedicaram as suas vidas a

tentar ajudar quem resta. Por vezes, este fardo torna-se demasiado

pesado, como que olhar para o abismo do cimo de uma corda bamba.

Ainda assim, parece sempre que o que fazem não é o suficiente. E,

neste dia, tudo parece ser em vão.

- O rescaldo da guerra não pode durar para sempre… - Alastair

suspira.

- Não vai durar. – Cassia conclui rapidamente. – Em breve,

todos estaremos mortos.

Alastair olha para Cassia; preocupação enche os seus grandes

olhos castanhos. Noutra altura, Alastair contestaria o pessimismo

da irmã, mas depois do que ambos já passaram para chegar a este

dia, contrariar esta conclusão seria tolo. No entanto, o sonhador

sempre fora ele, deixando o papel de racional para Cassia.

Mesmo antes de chegarem à porta, percebem que esta foi

arrombada. Ambos retiram as suas armas antes de entrarem no

apartamento. Andar desprotegido em Quimera nos dias que correm é

pouco aconselhável, ainda que as armas que têm sejam ilegais.

- Raios mais estes miúdos de rua! – Reclama Alastair de

imediato; importunado, uma vez que já seria a terceira vez esta

semana que o seu apartamento era invadido e hoje não era um bom

dia para lhe pisarem os calos.

Caminham devagar até à porta, de modo a não afugentarem quem

quer que seja que se atreveu a entrar, à sorte, no lugar que

aprenderam a chamar casa. Cassia toma a frente, já que tem pouca

paciência para fazer fretes ou esperar por ordens de outrem: nem

mesmo do seu irmão e Alastair já está demasiado habituado à sua

obstinação e turbulência para dizer seja o que for.

Cassia sabe que Alastair está mesmo atrás dela, ainda assim

parece-lhe ouvir mais do que os passos do irmão. Numa decisão

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repentina, Cassia vira-se e aponta a arma a Alastair, apanhando-

o de surpresa.

- Baixa-te! – Cassia grita e sem pensar duas vezes prime o

gatilho, quando vê Alastair a atirar-se para o chão.

- Mas que… - Alastair perde as forças para falar. A sua

respiração acelerada e os ouvidos a zumbir, devido ao som dos

disparos. A sua mente está turva, sem entender o que acabou de se

passar.

Ao olhar para trás de si, Alastair vê o corpo, ainda quente,

de um homem de fato preto caído a seus pés. Sentando-se, traga em

seco. Cassia aproxima-se de Alastair e estende-lhe uma mão, como

que a oferecer a sua ajuda.

- Obrigado, Cass. – Alastair aceita a ajuda da irmã, mas não

tira os olhos do tiro certeiro no meio da testa do homem que o

tentava agarrar.

- Sempre que precisares, irmão!

Piscando o olho a Alastair, Cassia volta a empunhar a sua

arma e entra no apartamento, abrindo a porta abruptamente.

Alastair sacode a cabeça e volta a pegar na sua arma também,

seguindo-a de imediato. A perícia ao apartamento não demora muito,

já que é um espaço pequeno e se encontra vazio.

Desconfiado, Alastair volta para o corredor e procura nos

bolsos do casaco e calças do intruso por credenciais. Em Quimera

é obrigatório circular com identificação visível. Se alguém é

parado nas ruas por um agente policial e não tem documentos, é

detido de imediato e levado para uma cela. Aí permanece até

conseguir fornecer o seu número de identificação governamental,

providenciado pelo governo e que acompanha a pessoa desde o seu

primeiro fôlego até ao último; assim como um chip no pescoço que

informa o distrito de pertença do indivíduo.

- Ele não tem identificação. – Alastair informa Cassia ao

ouvi-la a andar impacientemente atrás de si.

- E chip? – Pergunta Cassia.

Alastair retira o leitor do seu cinto de utensílios e passa-

o no pescoço do desconhecido. Um bip audível é seguido por uma

luz vermelha no leitor. Alastair formula um não abanando a cabeça.

- Então ele não é de Quimera. – Conclui Cassia.

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- Ou apenas não querem que saibamos quem ele é. – Alastair

levanta-se e encara Cassia. – Algo não bate certo. Se ele não é

de Quimera, como é que ele passou a fronteira?

- Lá porque ninguém se aventura fora deste manicómio, não

significa que não haja mais loucos a tentar entrar.

- Não. – Alastair não se convence. – Há mais nesta história…

Antes de conseguirem resolver o mistério, sacos pretos são-

lhes enfiados na cabeça, fazendo tudo desaparecer diante dos seus

olhos.

Cassia e Alastair tentam vigorosamente lutar contra os seus

atacantes, mas a sua pujança é interrompida por seringas espetadas

nos seus pescoços. O líquido frio a entrar nas suas veias faz os

seus olhos ficarem pesados e, poucos segundos depois, os seus

corpos deixam-se ir para o conforto da escuridão.

A custo Cassia abre os olhos; a visão ainda turva dos químicos

injetados no seu corpo, as suas pálpebras ainda pesadas e uma

enxaqueca de proporções homéricas. A única coisa visível através

da sarapilheira preta são sombras fugazes. Cassia tenta mexer-se,

mas logo descobre que está incapacitada pelas algemas que lhe

prendem as mãos, na inconfortável cadeira de metal em que se

senta. O frio do alumínio a arranhar os seus pálidos pulsos,

contrastando com o quente de uma mão encostada à sua, fá-la

perceber que não está sozinha.

Um sussurro familiar chama por Cassia.

- Cass! Estás bem? – Alastair está algemado juntamente com

Cassia. O que de certo modo a conforta.

- Sim. E tu?

- Já tive dias melhores… Bondage não é propriamente a minha

cena… - Alastair brinca, fazendo Cassia soltar uma gargalhada

baixa, mas não forçada como costuma.

- Onde raio é que estamos? – Cassia pergunta retoricamente,

enquanto balança na cadeira, tentando libertar-se. A sua voz

denotando raiva. – Consegues soltar-te?

- Não sem partir um polegar…

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Um ruído alto é seguido de passos em direção aos jovens

acorrentados, o que faz a conversa cessar imediatamente. Duas

pessoas falam entre si.

- Vejo que os apanharam. – A voz de uma mulher. Áspera, algo

roca e profunda. Ela fala com determinação.

- Sim, Senhora. – A voz de um homem. Claramente que presta

vassalagem à mulher, pela forma respeitosa com que lhe responde.

– Não vieram facilmente. A rapariga matou um dos nossos melhores

homens.

- Não esperava que viessem facilmente. – Cassia vê a silhueta

esguia da mulher a aproximar-se dela.

- Tem aqui bons combatentes, Comandante.

- Assim o espero. Precisamos deles com vigor. – A silhueta

afasta-se. – Vá chamar o Comandante Black; temos bastante trabalho

pela frente.

A sala de interrogações é um espaço pequeno e confinado. O branco

das paredes reflete a luz artificial das lâmpadas, que zumbem no

silêncio do espaço gélido. A grande porta de aço abre-se, fazendo

as paredes tremer; porta essa que é a única entrada e saída da

sala de interrogações. Nem janelas existem para deixarem entrar

um pouco de luz natural. As duas cadeiras de alumínio no meio do

espaço são a sua única decoração e cumprem escrupulosamente o seu

propósito: albergar os jovens a quem se destinavam.

Ari entra na sala e fecha a grande porta atrás de si, fazendo

o caminho até Kay de imediato. Notando nas duas pessoas presas no

meio da sala, olha para a mulher à sua frente, com um ar curioso.

- Cheguei. O que vem a ser isto? – O tom de desaprovação não

passa despercebido a Kay, o que ela escolhe ignorar.

Kay não se preocupa em dar uma resposta a Ari, pois sabe que

não tem que o fazer. Caminhando na direção de Cassia e de Alastair,

retira-lhes os sacos de sarapilheira da cabeça.

- Bem-vindos, Cassia Miller e Alastair Vincent. – A morena

olha para eles e sorri. Um sorriso forçado.

Os olhos de Cassia demoram um pouco a adaptar-se à luz, mas

assim que consegue ver mais do que sombras turvas, atenta de

imediato em Kay. Claramente uma mulher nos seus quarenta anos.

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Bonita, conclui Cassia; mas os seus olhos rasgados e redondos,

albergam tristeza. O seu rosto alongado, muito sério; mesmo quando

sorriu para eles, não perdeu a sua superioridade. O seu corpo

esguio, move-se com determinação. Os seus olhos escuros,

contrastam com a sua pálida tez e o seu cabelo liso comprido cai-

lhe nos ombros, confundindo-se com o preto da sua farda.

Cassia move a sua atenção para Ari, que se colocou no canto

da sala, como se de algum modo se tentasse afastar da situação

procedente.

- Querem explicar-nos quem são? – Cassia não se consegue

controlar mais. – Que raio querem connosco? E onde é que nos

encontramos exatamente?

- O que é que estamos aqui a fazer, pá? – Alastair não é tão

delicado na forma como fala; está vermelho de raiva, fazendo as

algemas bater violentamente na cadeira de metal, criando um ruído

que ecoa na sala praticamente vazia. Os seus pulsos a arderem da

força com que sacode os braços.

Ari dirige-se a Kay, agarrando-lhe o braço tonificado, e

puxando-a para o canto, gentilmente.

- Tens a certeza que queres fazer isto?

- Não consigo perceber a tua relutância… - Kay sacode Ari

abruptamente e volta para junto dos seus convidados. – Perdoem a

minha falta de educação; deveria ter começado por me apresentar.

– O seu tom é calmo e distante. – O meu nome é Comandante Kay Li,

da Agência Governamental Samsara. – Kay aponta para trás de si,

sem tirar os olhos de Cassia e Alastair. – Apresento-vos também o

Comandante Ari Black.

Ari acena do canto; encostado à parede, de braços cruzados,

esperando o desfecho da cena que se desenrola.

- Ainda assim é-me difícil perceber o que fazemos nós aqui…

- Cassia perde as estribeiras com facilidade e a falta de respostas

para as suas perguntas não ajuda a controlar o seu temperamento.

Se há algo que Cassia não gosta é de se sentir confusa.

- Têm razão. Passo a explicar…

Ari solta uma pequena, mas audível, gargalhada, que faz Kay

mandar-lhe um olhar ameaçador. Endireitando o seu impecável

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uniforme, Kay volta a encarar os jovens à sua frente, não se

deixando afetar por infortúnios.

- Ambos estão aqui, pois foram escolhidos para fazer parte

de uma importante missão.

- O que a Kay está a tentar dizer é que nós precisamos da

vossa ajuda. – Ari, sabendo que o forte de Kay não é lidar com

outras pessoas, tenta ajudá-la. Embora Kay nunca admita que

precisa de ajuda.

Aproximando-se de Cassia e de Alastair, continua.

– Agora; se me prometerem que ao tirar-vos as algemas não me

vão magoar ou à Kay, sou obrigado a pedir, - Kay revira os olhos

e ergue uma sobrancelha ao comentário de Ari, mas não diz nada. –

Eu solto-vos, para que possamos falar pacificamente, está bem?

Ari espera pela resposta, retirando a chave do bolso do

casaco e abanando-as no ar, como que a tonteá-los.

Cassia e Alastair olham um para o outro, sabendo que as

algemas não são o único impedimento à sua fuga. Cassia acena

afirmativamente, pelo que Ari lhe sorri, movendo-se para os

libertar de imediato. Alastair olha para Ari com um misto de ira

e de desconfiança.

Assim que se veem livres do frio metal das algemas, levantam-

se devagar, sentindo os músculos das pernas dormentes. Massajando

os pulsos, vermelhos, das horas que passaram algemados, mantêm-se

em pé a olhar para Kay e Ari.

- Muito bem! – Ari junta as mãos no ar com tal força, que o

som do estalo paira no ar, rompendo o silêncio. – Como a Rainha

do Gelo começou por explicar, nós fazemos parte da Agência

Governamental responsável por Quimera. Samsara é uma Agência

discreta e que opera longe do olhar do público, devido à natureza

sensível do seu trabalho. – Cassia e Alastair entreolham-se. –

Como é do conhecimento público, Quimera tem passado por momentos

assombrosos nos últimos três a cinco anos. Primeiro foi a

contingência a que a população foi restringida, devido ao estado

de alerta a que fomos sujeitos e depois o vírus, que devastou mais

de metade da população.

Ari para e o seu semblante escurece.

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– O que vos vou dizer de seguida é estritamente confidencial,

pelo que preciso que me digam se posso confiar em vocês.

Cassia suspira, desconfiada do que ouve e olha para Alastair.

Este nem nota a impaciência da irmã, tentando avaliar as pessoas

à sua frente e escrutinando cada palavra. Alastair tenta sempre

dar o benefício da dúvida às pessoas e recusa-se a ver maldade em

quem quer que seja, mas isso não o impede de sentir animosidade

por quem o acabou de raptar.

Ari apercebe-se da relutância dos dois jovens.

- Vocês não confiam em nós. – Ari sorri, encantadoramente e

aponta para a porta. – Não o tomo como sendo pessoal. Devo também

informar-vos que não os estamos a tomar cativos. São livres de

virar costas e sair. Sei que provavelmente vos assustámos com os

nossos métodos pouco ortodoxos, mas saibam que eles são

necessários para manter a anonimidade da Agência.

» Nós ainda não vos dissemos nada que não possa sair destas

quatro paredes, por isso ainda há tempo de se negarem a ter

qualquer tipo de papel nesta missão. – Um momento breve de silêncio

segue-se. – Como vai ser?

Cassia olha para Alastair e de volta para Ari e Kay. A vida

por vezes leva-nos por caminhos inesperados; nessa manhã

descobrira que o seu pai se encontra vivo. Talvez esta seja a

oportunidade de o encontrar e ajustar contas. Afinal, de que serve

estar num mundo a padecer, se não pode usufruir das regalias.

- Está bem… - Cassia responde prontamente. – Eu aceito.

Alastair olha para Cassia, surpreso pela brevidade da

resposta. Ele sabe que Cassia é precipitada; e sabe ainda melhor,

o quão difícil é demovê-la das decisões que toma. Suspirando,

acena em concordância com a resposta da irmã. De todo o modo, não

há mais nada que tenham a perder. Nem mesmo as suas vidas, neste

momento, têm algum valor.

- Ótimo! – Ari avança para a porta. – Sigam-me.

Cassia segue Ari de imediato, mas Alastair mostra alguma

hesitação. Kay aproxima-se dele.

- Não se preocupe, Senhor Vincent. Não lhes iremos fazer

mal.

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Alastair olha para Kay friamente, mas logo avança de encontro

a Ari e Cassia. Kay apaga as luzes e segue-os, mantendo-se

ligeiramente afastada. A porta de aço fecha-se atrás deles,

deixando a pequena sala escura e vazia.

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Capítulo 2

Outra sala; outro corredor; outra pesada porta de aço. Kay insere

uma palavra-chave no painel ao lado da porta, fazendo-a abrir.

Sem grandes cerimónias, entra num novo espaço; Ari, por sua vez,

encoraja Cassia e Alastair a seguirem Kay. O que eles fazem, sem

grande alarido.

Ari segue Cassia e Alastair para o interior do laboratório

científico da Agência Samsara e estes ficam junto à porta,

observando os cumprimentos, e deixam Ari continuar.

A sala é alta e ampla. Cheia de painéis nas paredes compridas

e de monitores. As luzes artificiais que a iluminam são poucas,

pelo que o laboratório se torna algo sombrio e carregado. O ar é

frio, quase como se estivem debaixo de terra. A infraestrutura

das salas e corredores, simulam o aspeto de um bunker de guerra.

Um jovem rapaz está sentado de frente a um conjunto de

monitores interligados. Cada monitor mostra uma imagem diferente

e conjuntos de letras brancas na tela preta. Este parecem absorto

ao que se passa à sua volta, emergido no seu trabalho.

Kay balbucia uma boa noite; a primeira vez que Cassia a via

sorrir genuinamente, desde que a conhecera. Ari sorri para o rapaz

e faz o caminho de encontro à secretária onde ele se encontra.

Ari chama a atenção do rapaz que até então não se havia apercebido

que tem companhia e abraça-o.

- Boa noite! – Pronuncia-se o rapaz, que se levanta da

secretária de imediato para cumprimentar Kay. Uma cena quase

familiar, apesar de nenhuma parecença física poder ser encontrada

entre os três indivíduos que a representam.

- Hayden! Como anda o meu génio preferido?

- Bem, Comandante Black. – Hayden responde prontamente. –

Tirando as minhas alergias sazonais.

Apercebendo-se da presença de Cassia e Alastair, Hayden logo

marcha em direção a eles, sorrindo especialmente para Cassia. Ele

tem um sorriso gentil e olhos escuros bondosos. O seu cabelo

castanho escuro está atado num rabo-de-cavalo e a sua tez

acastanhada realça os seus dentes brancos.

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- E quem é temos aqui? – Hayden pergunta fixando o olhar em

Cassia, fazendo-a sentir-se algo desconfortável com a atenção

indesejada.

- Olá… - Sussurra Cassia, clareado a garganta.

- Chamo-me Hayden. – Bem-vindos ao meu laboratório. Prazer

em conhecer-vos. – Hayden estende uma mão a Cassia em jeito de

cumprimento. Cassia cumprimenta-o de volta, ainda que

relutantemente. Apercebendo-se de que se esquecera de Alastair,

Hayden, volta a estender a mão, atrapalhado. – Prazer em conhecer-

te a ti também!

- Algo me diz que não tens muitas visitas… - Alastair, rindo-

se, cumprimenta Hayden de volta.

Sorrindo, Hayden volta para junto da sua secretária, juntando

os papéis espalhados no mogno preto. Alastair aproveita para fazer

troça da irmã.

- Parece-me que tens um fã… - Cruzando os braços sobre o

peito, Alastair sorri, vivaço, para Cassia que lhe revira os olhos

e escarnece, perante a sua insinuação.

- Será humano? – Cassia nem chega a reprimir Alastair pelo

comentário infortúnio; apenas olha para o jovem que não tira os

olhos deles e continua alegremente a sorrir-lhes. – É demasiado

alegre.

Kay decide tirar as apresentações formais do caminho, para

que possam regressar ao que os trouxe ali.

- Apresento-te Cassia Miller e Alastair Vincent. – Hayden

mostra-se surpreso ao ouvir tais nomes - O Hayden Pratt, que

acabaram de conhecer, é o nosso Físico Experimental e Engenheiro

Informático.

A tez pálida de Kay tolda-se, devido à pobre iluminação da

sala. Ari dá um passo em direção a Kay, de modo a se posicionar a

seu lado. O ambiente fica mais sério repentinamente e Cassia

apercebe-se de que chegou finalmente a hora de acabarem a conversa

que começaram há pouco.

Alastair olha muito sério para Kay e para Ari e decide entrar no

jogo.

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- Muito bem! De volta aos negócios será. – O tom que Alastair

usa é monótono e trivial. – Você disse que precisam da nossa

ajuda. – Alastair fala para Ari, já que Kay lhe pareceu pouco

acessível. – Lamento dizer que falho em ver como. O que é que dois

jovens adultos, de uma cidade devastada pela guerra, podem fazer

por uma Agência Governamental, supostamente especializada?

» Eu sou um agente policial, que o que faz todo o dia é

transitar cadáveres entre as valas comuns e as fogueiras,

destinadas à eliminação de vestígios biológicos, e levar doentes

para um hospital atulhado; a Cassia pronúncia a hora de morte dos

pacientes do Hospital. Percebe a minha falha em perceber como é

que poderemos ser de alguma utilidade para vocês, comandantes? –

A última palavra foi mais atirada do que pronunciada. Alastair

cruza os seus braços e o seu semblante torna-se sério.

Cassia olha para o irmão e suspira. A verborreia que acabou

de atirar para o ar, apesar de com sentido, parecia-lhe inútil

face ao ar de pouca admiração de Kay a avaliá-los. Parece a Cassia

que os seus currículos são de pouco interesse para os comandantes.

Até porque eles os devem saber já de trás para a frente. Há pouca

ou nenhuma coisa que seja secreta em Quimera. A vida privada nunca

fora muito apreciada, mas o sistema de vigilância da cidade sempre

fora muito aprazido.

- Bem, Alastair… - Ari respira fundo e apoia a cara na sua

mão cruzada sobre o seu braço, em modo pensativo. – Apreciamos

certamente o breve resumo curricular, mas na verdade há pouco

sobre vocês que nós não sabemos. – Cassia garceja, sapiente. – A

verdade é que estamos deveras impressionados com a maneira como

vocês se manejaram após o ataque a Quimera. Alastair: tu entraste

para a academia. E Cassia: tu completas-te em pouco tempo o treino

médico necessário para tomar rédea das trincheiras, ajudando a

salvar milhares de pessoas. Ambos ajudaram a salvar muitas vidas.

Lamento pela vossa mãe, esta manhã.

Cassia estremece, desconfortável com as palavras de Ari, que

a olha atentamente. Quer-lhe parecer que não tem já muito neste

mundo, à exceção dos seus arrependimentos e fantasmas que a

assombram.

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O maxilar de Alastair contrai-se e o sangue, a ferver, sobe-

lhe à cara que fica rosada. O seu corpo fica tenso e as suas mãos

contraem-se em punhos, automaticamente.

- Vocês possuem um conjunto particular de talentos que são

de valor para nós. – Desta vez quem se pronuncia é Kay.

- O que raio querem de nós? – Cassia começa a perder a sua

paciência para jogos de adivinhas. – Deixem-se de rodeios!

Kay decide ser direta, finalmente.

- Alguém está a tentar eliminar Quimera como a conhecemos.

E nós precisamos de os parar. É isso que se passa e é por isso

que precisamos da vossa ajuda.

O desespero é audível na voz de Kay. Há algum tempo que este

se apoderou dela e por alguma razão, Cassia e Alastair foram

escolhidos para ajudar a salvar as vidas que restam.

Kay sabe perfeitamente que as suas palavras soam como se

saíssem dos lábios de uma louca. Que o que dissera não faz nenhum

sentido para quem está do lado de fora. Mas a realidade nem sempre

faz sentido.

Deslizando até à secretária, Kay pega numa pasta e entrega-

a a Cassia.

- Está aqui tudo o que sabemos até agora. – Cassia abre a

pasta e começa a ler; Alastair inclina-se atrás da irmã, de forma

a tentar ver o que ela vê. – Eu percebo que seja difícil para

vocês acreditarem em nós e que isto vos possa parecer um total

absurdo. No entanto, alguém anda a tentar interferir

deliberadamente nas nossas vidas. E nós apreciávamos imenso a

vossa ajuda para salvar Quimera.

Alastair olha, cético para Kay e para Ari e faz a pergunta

que ninguém se atreve a fazer.

- Como é que alguém elimina uma cidade?

Cassia tira os olhos do ficheiro e entreolha Alastair,

desviando a atenção de seguida para os comandantes, curiosa

perante a resposta.

Kay olha para Hayden, como que a dar uma ordem silenciosa.

De imediato, Hayden levanta-se e dirige-se para os confins

do laboratório de encontro a um painel na parede. A porta ao lado

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do painel parece a de um elevador comum, como os que se encontrava

antigamente em todos os prédios públicos de Quimera.

Cassia abandona a leitura meticulosa do ficheiro: tinham

finalmente a sua atenção individua. Alastair, por sua vez, dá um

passo em frente, intrigado com a intervenção do cientista.

Hayden escreve um grande código no painel táctil e de seguida

no aparelho portátil que leva na mão. Uma luz branca e azulada

estala no ar e um barulho de geradores começa a ressonar. As

portas do elevador abrem-se mostrando um interior completamente

vulgar.

- Alguém elimina uma cidade viajando no tempo e mudando a

História como a conhecemos.

Hayden sorri, naturalmente, perante as suas palavras. Cassia

e Alastair olham para ele confusos, esperando por uma resposta

mais concreta e plausível.

Kay e Ari olham seriamente para os jovens perplexos, que

permanecem boquiabertos a olhar para a máquina à sua frente.

Incrédulos perante o que lhes foi dito; esperam que o silêncio

seja quebrado, enquanto interiorizam este novo conceito de

realidade que lhes foi introduzido.

- O que é suposto ser isto? – Cassia não aguenta o silêncio

ensurdecedor à sua volta.

- Vamos lá esclarecer isto! – Alastair vira-se para encarar

os comandantes e o cientista que os fitam impacientemente. – Mas,

afinal, qual é que é a vossa ideia?

- Salvar a cidade é a nossa ideia, Senhor Vincent. – Kay

fala pausadamente. – Mas para fazer isso, primeiro precisamos de

parar os ataques de que vimos a ser vítimas.

- Então, a vossa teoria mais plausível é que alguém anda por

aí a viajar no tempo e a mudar a História da Humanidade? – Cassia

decide entrar na discussão, virando-se para os restantes membros

na sala.

- Infelizmente, não é apenas uma teoria, Cassia. – Ari

dirige-se ao computador e abre um ficheiro, agora visível na tela

gigante, que ocupa a parede inteira, por detrás da estação de

trabalho de Hayden. Fotografias e ficheiros com um selo

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confidencial emanam o ecrã. – Há pouco tempo intercetamos um erro

num ficheiro eletrónico de Samsara. Pensámos de início que se

tratava apenas de uma falha dos nossos serviços; porém, mais erros

começaram a aparecer.

- Que tipo de erros? – Cassia pergunta ao mesmo tempo que

tenta assimilar o que está escrito nos ficheiros que passam pelo

ecrã.

- Erros que não deveriam de existir. Datas que transitam sem

destino. Informação que vai e vem. Como que esteja intermitente:

num limbo temporal. – Ari suspira e olha para Kay. – E depois,

ameaças começaram a aparecer. Enviaram-nos esta fotografia

assinada pela Mão Negra. Um grupo terrorista Sérvio que operava

na Europa durante a Primeira Guerra Mundial. – Uma fotografia

gráfica de uma rua enche o ecrã. Um carro antigo está no seu

centro. Pessoas em pânico, olhando para os dois indivíduos dentro

do veículo, que estavam a ser alvejados por um homem num fato

preto e de chapéu, que lhe esconde as feições. – Escusado será

dizer que no ano de 2098 é pouco provável que os indivíduos deste

grupo ainda estejam operacionais.

- E como é que saltaram para a conclusão de que é possível

viajar no tempo? – Alastair fita Ari. – E mudar seja o que for na

História? Perdoem a minha ignorância.

- Estes criminosos que procuramos ainda não foram sucedidos

na sua missão. Oficialmente a História em si não sofreu alterações

significativas. Ainda assim, não os podemos deixar continuar a

tentar. Por isso, é da máxima urgência que os encontremos e os

apresentemos perante a justiça.

Kay olha para Ari, sabendo que ele não está a contar a parte

mais importante.

- O que o Ari está a negligenciar dizer-vos, é que existe a

forte possibilidade de estas pessoas serem as mesmas pessoas

responsáveis pela libertação do vírus na nossa cidade. – Kay cruza

os braços e olha para o chão. – De modo que é imperativo que sejam

apanhadas e trazidas diante de nós, para que possamos finalmente

entender melhor esta arma bioquímica.

Cassia não sabe o que pensar. Toda a teoria por detrás do

vírus sempre fora naturalista. Uma consequência da influência

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ecológica do Homem na Natureza. Todos sabiam que a Guerra tinha

ido longe demais; que as tenções entre os países despoletaram uma

Terceira Guerra Mundial de consequências nunca antes imaginadas.

No entanto, se o que Ari e Kay estivessem a dizer fosse verdade,

isso significaria que o vírus foi deliberado. Não uma consequência

do Aquecimento Global ou dos avanços tecnológicos do Homem.

Significaria que a sua família fora assassinada a sangue frio,

tal como metade da população. Uma cidade decimada pela ganância e

por interesses políticos ou por conflitos de crenças ideológicas.

Para Cassia, nada disso justificava tirar vidas.

A raiva começava a tomar conta da rapariga, que dá um passo

para trás, como que se quisesse afastar da ideia proposta.

- Não é possível… - Cassia sussurra.

- Lamento discordar, Cassia. – Ari evita o olhar da jovem,

claramente em negação.

- Isso significa que Quimera foi vítima de Homicídio em

Massa. De um ataque terrorista e que o vírus não foi apenas uma

inconveniência, mas uma arma muito mais perigosa do que qualquer

armamento nuclear antes possuído pelos Estados.

- Sim. – Kay acaba por concordar. – É difícil de aceitar; eu

entendo, Menina Miller. Quimera tornou-se numa inconveniência para

alguém.

» Ainda assim, tempo é um luxo para quem não o tem. Sei que

isto é muita informação para digerir e de cariz muito sensível.

Mas nós temos aqui uma janela de oportunidade limitada para agir

e precisamos de nos concentrar naquilo que podemos controlar.

Cassia vira as costas e anda impaciente pelo laboratório.

Alastair olha para a irmã, sabendo que esta não iria conseguir

digerir bem o que acabaram de descobrir.

- Qual é o plano exatamente? – Pergunta Alastair, sem tirar

os olhos de Cassia.

- Encontrá-los através das pistas que nos vão deixando. –

Ari responde. – Começarmos por ir a 1914 e perceber o que é que

esta fotografia que nos mandaram significa.

- Como é que isso funcionaria? - Alastair olha para Hayden,

desconfiando de que ele seria a melhor pessoa para responder.

Cassia para e olha também para Hayden igualmente curiosa.

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Hayden avança para Cassia e Alastair, que olham fixamente para

ele.

- A explicação é bastante simples. – Hayden cruza os braços

e sorri para Alastair que olha para a máquina ao fundo do

laboratório. – Para quem está familiarizado com Física Quântica,

claro.

- Desculpa, puto. Devo ter faltado a essa aula… - Alastair

sorri sarcasticamente para Hayden, que não se apercebe do tom de

esgar que Alastair usou e continua a sorrir alegremente.

Hayden dirige-se de imediato para a frente do computador,

onde as suas habilidades podem ser melhor postas a uso. Cassia

olha para os cálculos nos ecrãs a tentar decifrar o seu

significado. Alastair, abismado, perante a quantidade

incompreensível de números e letras olha para Hayden, à espera de

uma simplificação do que estava a ver.

- Uma das teorias mais antigas acerca das Viagens no Tempo

baseia-se em Buracos Verme e Anti gravidade. – Hayden começa a

descodificar o significado das equações e esquemas que vai fazendo

aparecer, ao tamborilar os dedos no teclado à sua frente. – Todas

estas teorias pareciam fazer as viagens no tempo possíveis, mas

não viáveis, devido a alguns problemas técnicos. Até que foi

descoberta uma quinta força no Universo.

- Uma explicação simples servirá, Hayden. – Kay relembra-o,

olhando para os ecrãs. – Eles não precisam das equações.

Hayden olha para Kay e suspira, tentando controlar as suas

palavras, uma vez que estava habituado a falar maioritariamente

com as paredes do laboratório.

- Certo… - Hayden pausa antes de continuar. – Então: a região

dentro de um buraco negro está para além do fim do tempo… O que

fez com que fossem classificados como singularidades na Teoria do

Espaço-Tempo de Einstein. O fato de termos começado a entender

como a força por detrás de matéria negra funciona, proporcionou

as condições para viajar através do tempo e não apenas do espaço,

usando estes buracos negros para nossa vantagem. – Hayden sorri,

esperando uma reação.

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- Se tu o dizes… - Alastair tenta entender o que Hayden está

a dizer e olha para Cassia que parece estar concentrada na

informação dos ecrãs. Alastair não se admira de Cassia não parecer

confusa; afinal ela sempre foi uma mente curiosa e sempre atuou

contra as políticas de Quimera no que toca à restrição do

conhecimento. Muitas vezes desafiando as autoridades locais e

metendo-se em sérios sarilhos.

- O que eu estou a tentar dizer é que um buraco negro é um

género de um rasgo na cortina do espaço-tempo. Tudo o que se

aproxima desse rasgo é sugado para dentro dele e não consegue

voltar a sair. No entanto, no fundo desse rasgo encontramos um

buraco de verme, que forma um tubo; e se pensarmos em dois buracos

negros próximos um do outro, temos dois buracos de verme, que

formariam um tubo com uma entrada e uma saída. – Hayden levanta-

se, olhando para a imagem no ecrã de um esquema de um buraco negro

e de um buraco de verme. – A partícula que carrega a matéria negra

deu-me a possibilidade de conseguir controlar alguns dos efeitos

nefastos dos buracos negros, já que todos os sistemas comunicam

entre si e interagem. Basicamente, consegui construir um atalho

entre dois pontos separados no espaço-tempo.

Hayden olha para Cassia, sorrindo, e continua a sua

explicação.

– Através das novas componentes e do entendimento das forças

que operam o Universo, foi-me possível replicar certos sistemas

na Terra que só encontraríamos no Espaço. E através de uma réplica

de anti gravidade impedi o sistema de implodir e voilá: Viagens

no Tempo!

- Hayden… - Cassia finalmente decide participar na conversa.

– Eu também adoro Física e devo dar-te os parabéns pelas equações.

É tudo bastante impressionante: como combinaste várias teorias e

componentes para conseguires o que muitos tentaram e falharam.

Parece-me que tens aqui uma boa base teórica para as viagens

através do tempo. No entanto, o fato de teres resolvido as equações

não explica como é que vamos efetivamente viajar no tempo. Tudo o

que me apresentas é a possibilidade de o fazer…

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- E voltar! – Alastair olha para Cassia, como que ela esteja

a ser ridícula. – Tenho quase a certeza que o que ele disse para

aí, não explica como ir, mas também não explica como voltar!

- Desculpa! – Hayden leva a mão atrás da cabeça e ri para

Alastair. – Entusiasmo-me com a parte da ciência. – Rapidamente

Hayden se vira para Cassia. - Então tu gostas de ciência maluca,

hum? – O jovem cientista ri encantadoramente para Cassia,

aproximando-se dela, o que a faz rir.

Alastair olha para Cassia satisfeito por a ver a sorrir. Há

muito que isto não acontecia. Claramente, Cassia estava no seu

mundo, entre pessoas com gostos semelhantes. Talvez esta fosse a

solução para eles; talvez aqui encontrassem um novo propósito, já

que não tinham mais ninguém à sua espera na cidade.

O ambiente no laboratório estava mais leve e Ari sorri para

Kay. Até agora tudo corria pelo melhor.

Hayden volta-se novamente para o ecrã, acenando a mão à sua

frente, fazendo a página mudar e mostrando agora o esquema da

máquina ao fundo do laboratório.

– O que acontece é que, hipoteticamente, vocês entram para

dentro da máquina e através de um programa informático idealizado

e composto por mim, é possível introduzir diferenças temporais

entre a entrada e a saída dos túneis dos buracos de verme

artificiais, de modo a que viajem para pontos específicos no

tempo. - Hayden olha para Cassia, piscando-lhe o olho. – Muito

fixe, não é?

- Acho que temos definições muito diferentes do que é fixe,

Hayden. – Cassia sorri, benevolamente, para o insistente rapaz à

sua frente.

- Muito bem. Eu aceito o lado cientifico. Acho eu… - Alastair

debate-se com a decisão que lhe pedem para tomar e com a crença

da possibilidade do que lhe estão a tentar vender. Apesar de saber

que precisam de um milagre, sabe também que nenhuma boa ação fica

sem punição. – Honestamente, não percebi nada do que disseste. A

minha única dúvida é: já o fizeram? Já viajaram no tempo?

Hayden desobstrui a sua garganta e olha para Ari que por sua

vez olha para Kay, sem saberem exatamente o que responder.

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- Conduzimos algumas experiências com espécimes, claro. –

Ari quebra o silêncio. – Tenho quase certeza que os ratos que

enviámos estão perfeitamente seguros na época medieval. Não sendo

assim tão fáceis de controlar, sabemos que é possível ir. Só não

temos tanta certeza na parte do voltar…

- Também é possível que sejamos os culpados pelos coelhos

que atacaram Napoleão Bonaparte… - Hayden lamenta. – De todas as

formas, a Máquina funciona. Disso temos certeza absoluta.

- Isso não é muito reconfortante. – Cassia suspira. – De

todo o modo, em teoria, como é que voltaríamos?

Alastair agarra o braço de Cassia, chamando a sua atenção.

- Não estás seriamente a considerar isto, pois não?

- Deixa-os explicar, Al. – Cassia sacode gentilmente a mão

do irmão.

- Eu construí uma bracelete que tem a habilidade de conservar

a energia da vossa viajem para lá e gerar condições semelhantes

para os fazer voltar. – Hayden explica.

Cassia acena em concordância e olha para Alastair que hesita.

- Esta é a única maneira de apanharmos quem está por detrás

desta confusão. – Ari volta à conversa, quando pensa que as

explicações cientificas não são suficientes para apaziguarem as

preocupações de Alastair e Cassia. – Só ao jogar o mesmo jogo que

eles, podemos alterar as regras e vencer.

Cassia atenta nas palavras de Ari e pede licença, procurando

o braço de Alastair, de modo a chamá-lo para uma conversa privada.

Alastair suspira e segue Cassia para longe dos ouvidos curiosos

que emanam pelo laboratório.

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Capítulo 3

Alastair olha para Cassia com uma expressão vazia. Relutante em

acreditar em toda aquela conversa e a sentir o peso do dia.

Cassia parece estar noutro planeta; os seus olhos atentam no

vazio e Alastair apercebe-se, talvez pela primeira vez de que os

olhos azuis de Cassia, outrora brilhantes, agora parecem sempre

os mais tristes no meio da multidão.

Alastair sabe que Cassia não sente os acontecimentos da mesma

maneira que ele. Talvez ela não os sentisse de todo; ou talvez os

sentisse demasiado, por isso, construiu muros à sua volta e não

deixa ninguém entrar. Ainda assim, não seria a razão para entrar

numa missão suicida. Acaba de perder a sua mãe, não está preparado

para perder o que lhe resta de família.

- Cassia… - Alastair suspira. – Não sei se é boa ideia. Eles

nem têm a certeza se a porra da máquina funciona. Seriamos apenas

cobaias nesta missão de doidos.

- Eles já utilizaram cobaias, lembras-te? – Os dois ficam em

silêncio por momentos a olhar um para o outro, até que Cassia

decide falar outra vez. – Al, tenho que te contar uma coisa.

Alastair olha para a irmã desconfiado, perante o ar desta.

- O que se passa, Cass?

- Antes de entrares no quarto da mãe, esta manhã, ela contou-

me uma coisa. – Cassia suspira antes de continuar. – O meu pai

está vivo e, segundo a mãe, ele pode ter a solução para Quimera.

- Como assim? – A voz de Alastair eleva-se, porém este

arrepende-se imediatamente do ato, vendo as cabeças das outras

pessoas na sala a virarem-se para eles.

- Calma! Por favor. – Pausa. Alastair evita o olhar de

Cassia. – Esta pode ser a minha melhor hipótese de o encontrar. A

mãe não me iria dizer isto de ânimo leve.

Alastair olha para o chão e suspira audivelmente. Não precisa

de olhar para trás para sentir os olhos de Kay e Ari cravados nas

suas costas. A espera por um milagre acabou. O milagre não vem.

- Para além disso, não te esqueças da situação que

enfrentamos. Nós estamos num buraco, Alastair. Um buraco que cada

vez se parece mais com uma sepultura. Foste tu que me fizeste

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acreditar que eu tenho algo de bom dentro de mim. Ajuda-me a

prová-lo. Ajuda-me a encontrar o meu pai.

- Não sei porque te odeias tanto, Cassia… - A voz de Alastair

denota tristeza. – Não precisas de provar nada a ninguém. Não

precisas de saltar para outro tempo no espaço para provar que não

és igual ao teu pai, ou mesmo de o procurar.

- Talvez precise. E se ele realmente sabe o que se passa com

Quimera? – Cassia suspira e volta-se para Ari e Kay. – Têm mais

uma oportunidade de nos convencer. Ou vamos os dois ou não vai

nenhum.

Cassia olha para Alastair e sorri delicadamente,

assegurando-o de que não está a pensar irracionalmente, mas a

tomar uma decisão deliberada com base em todas as informações.

Alastair segue Cassia, algo contrariado.

Ari e Kay entreolham-se, cúmplices. Ambos sabem que o futuro

começa a parecer mais risonho; pelo menos para eles.

- Nós temos um plano. – Ari começa. – Mas vai requerer alguma

delicadeza.

- Delicadeza é o meu nome do meio! – O tom de Alastair é

severo. – Qual é o raio do plano? Ir a 1914 e fazer o quê?

- Seguir a linha do tempo que os nossos atacantes estão a

seguir é a melhor maneira de os apanharmos. Precisamos de garantir

que a História fica intacta, claro. De todo o modo, sabemos que

eles estarão em Sarajevo e quando eles lá estarão. – Ari parece

certo do que diz. – É uma questão de fazer a viajem até lá.

- Estão a esquecer-se que não é propriamente a mesma coisa

que chegar ali fora e apanhar o comboio. – Cassia parece ter

algumas dúvidas quanto às certezas dos comandantes. – O que é que

o início da Primeira Guerra Mundial tem a ver com Quimera

exatamente? Se como dizem, o objetivo deste grupo terrorista é

erradicar a nossa cidade, estão em contradição com o mesmo.

- Não exatamente. – Kay olha para Cassia, de braços cruzados

e com um ar superior, como quem sabe mais do que o que está a

dizer. – Quimera tem uma longa história, Cassia. As lições que

vos dão na escola, nem sempre contam tudo.

- Que quer isso dizer? – Cassia desafia Kay.

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- Quer dizer que ao aceitarem esta missão se estão a submeter

a uma hierarquia. – Kay sorri presumidamente. – E que acatam

ordens sem as questionar.

- Nós não somos soldados.

- Claramente. – Kay dá um paço em frente, como que impondo

a sua autoridade. – Nós temos soldados. Precisamos de pessoas

especializadas noutras áreas para além da guerra. Mas não de

revolucionários e insurgentes. Pergunto-me se fizemos a escolha

certa ao colocarmos a nossa confiança em vocês.

- Só o tempo o dirá. – Cassia cruza o olhar de Kay e o

silêncio desconfortável envia um arrepio pela espinha de Alastair,

que pensa em interferir nesta medição de forças silenciosa. Cassia

ri, no entanto; o que faz Alastair questionar se a irmã terá

batido com a cabeça quando a trouxeram para a Agência. – Parece

que estamos entendidas. Isto é maior que todos nós. Maior que você

até. A comandante não faz a mínima ideia do que se passa realmente,

pois não?

- Eu sigo as instruções que me dão. – Kay parece

desconfortável. Perdeu esta mão: o seu bluff não funcionou.

Ari olha para Cassia e sorri. A perspicácia da jovem

impressiona-o, já que não é fácil ler o comportamento de Kay ou

apanhá-la desprevenida.

- E nós devemos jurar fidelidade a algo que não conhecemos,

com a promessa de que talvez possamos devolver alguma dignidade à

população? Penso que aqui a palavra chave é talvez. – Cassia dá a

última tacada.

Ari decide interferir.

- Olhem… - Ari olha para Cassia, suplicante. – Nós só temos

fragmentos da história para vos contar é verdade. Mas é por isso

que precisamos da vossa ajuda. Nós estamos demasiado subterrados

em juramentos e burocracia. Vocês são neutros. Podem ajudar-nos a

construir este puzzle e ao mesmo tempo salvar milhares de pessoas.

Não podemos prometer que tenham alguma resolução quanto ao vosso

passado. Não podemos prometer que este plano resulte. Mas podemos

tentar: todos juntos é mais fácil, não?

Cassia olha para Alastair a seu lado. Ele já perdera

demasiado: seria justo Cassia pedir-lhe que entre nesta missão,

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para a ajudar a redimir-se? O que pedem deles é que acreditem.

Afinal de contas, em Quimera todos eram criados segundo a mesma

ideologia. Todos eram preparados para servir a cidade e servir os

outros.

Em Quimera todos são livres, mas todos estão numa gaiola.

Cassia sempre lutara contra a opressão do sistema. Mas era uma

luta injusta, já que ninguém se apercebia da opressão a que estavam

sujeitos. O conhecimento é poder e pessoas sem conhecimento são

mais fáceis de controlar. Constantemente vigiados, ninguém se

atrevia a desviar-se do curso a que eram sujeitos. O número que

usavam ao pescoço era o número que traçava o seu destino:

identifica não só a que distrito da cidade pertencem, mas a sua

filiação e, portanto, a sua secção. Filho de agricultor,

agricultor será. Nunca houve espaço para a mobilidade social em

Quimera. O sistema estava assim desenhado.

A devastação veio alterar os papéis de cada um. Estes

alteraram-se por necessidade. Cassia é agora uma espécie de médica

feita à pressão, porque os médicos de profissão sucumbiram ao

vírus e a falta de mão de obra para tratar dos doentes falou mais

alto. O mesmo se passou com Alastair e a sua carreira policial.

Se tudo continuasse sem perturbações, hoje, Cassia e Alastair

estariam a trabalhar em alguma oficina da cidade. A reparar as

infraestruturas modernizadas da cidade: o antigo comboio, movido

a luz solar, que agora já não funciona ou os elevadores

gravitacionais dos grandes prédios das elites.

Algures durante o início do século XXI alguém se apercebeu

de que a tendência seria a destruição do Homem às mãos do Homem e

para reverter essa tendência seriam necessários esforços coletivos

para responder às necessidades de uma população crescente sem

comprometer a vida como a conheciam. Quimera, uma cidade

totalmente autossustentável, seria a utopia idealizada por

qualquer cientista dessa época. Mas a que preço?

Salvar a cidade que a vira crescer estava agora nas suas

mãos. Mas Cassia pesa todos os fatores na sua consciência: seria

Quimera digna de ser salva? Uma cidade que se singrava mais

importante que as pessoas que nela habitavam. Afinal de contas,

para que serve uma cidade se não para servir as necessidades das

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pessoas? Apesar de em Quimera ser precisamente o oposto. As vidas

das pessoas nunca significaram nada. Quimera parecia mais uma

prisão do que uma cidade.

No entanto, Cassia nunca se iria perdoar se sacrificasse as

pessoas de Quimera, para provar que a ideologia tinha ido longe

demais. A decisão parecia-lhe um pouco como atirar dados no

escuro. O que é que estariam mesmo a salvar?

Cassia fecha os olhos num momento de indecisão. Há dias em

que a culpa que sente se torna demasiado para suportar. Terias

tanta vergonha se conseguisses ver o nada em que me tornei. Este

pensamento faz-lhe pesar o peito e uma lágrima silenciosa escorre

pelo seu rosto. Já quebrei todas as promessas que te fiz, de todo

o modo. Este último pensamento afasta a mágoa que Cassia sente e

olhando para Alastair, como que a pedir desculpa, quebra o

silêncio que se instalou.

- Todos juntos… - Cassia escarnece. – A mim parece-me que os

sacrifícios são apenas nossos.

Ari abre a boca para ripostar, mas Cassia não lhe dá a

oportunidade de o fazer.

- Podem contar comigo. – Olha para Alastair, pesarosa. – Já

não há mais nada a perder, não é verdade?

Alastair sente-se magoado com a atitude de Cassia e vê a

irmã a afastar-se para o canto do laboratório em silêncio.

Maioritariamente, por não saber o que dizer.

Cassia sempre fora a mais promissora dos dois. Quando Cassia

chegou a sua casa era apenas uma criança assustada. Envergonhada,

mas sempre muito inteligente e talentosa; no entanto, quebrada

pela vida.

A vida é o pior que pode acontecer a uma pessoa, a mãe sempre

lhe dissera quando falavam de Cassia. Ele prometeu-lhe que sempre

iria cuidar da irmã. Mas é difícil cuidar de alguém que não quer

a nossa ajuda. Cassia sempre fora muito independente e teimosa.

Fendas de um passado doloroso, provavelmente. A mãe de Alastair

nunca lhe contara toda a história do que se passara com a irmã e

ele nunca teve coragem de perguntar a Cassia, não querendo

perturbar a sua paz.

Uma voz distante chama-o.

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- Alastair? – Ari olha para o rapaz, esperando uma resposta.

– Podemos contar também contigo?

Alastair suspira e olha novamente para Cassia, sentada no

canto do laboratório. Ari volta a chamar, mas Alastair está noutro

sítio completamente diferente.

O pequeno Alastair brinca com um carrinho no meio da sala de estar

do modesto e soalheiro apartamento dos Vincent. O carrinho tem um

ar um tanto rústico e certamente estranho para quem olha para as

ruas de Quimera e não vê nenhum aparelho parecido a deambular. O

brinquedo está gasto pelo tempo e não pertence na divisão de

linhas retas, com paredes e móveis monocromáticos. Uma caixa está

aberta aos pés da mesa de café no centro da divisão. Uma fotografia

antiga espreita pela boca da caixa de papelão: um menino, não mais

velho que Alastair à frente de uma grande embarcação com o mesmo

brinquedo na mão.

A porta da entrada abre de repente, assustando o pequeno

rapazinho, que tenta esconder o brinquedo e a caixa o mais depressa

possível.

Uma mulher de meia idade, com um ar cansado entra pela casa

adentro a puxar uma menina pela mão. A menina tem ar de choro e

veste um casaco preto. Os seus olhos azuis escuros fitam Alastair

e rapidamente ela se esconde atrás da mulher que a trouxe.

- Alastair, querido! – A mulher chama-o com um sorriso

rasgado e os braços abertos.

Alastair corre para os braços da mãe, abraçando-a fortemente.

- Al, esta é a Cassia. – Cassia espreita por detrás da saia

da mãe de Alastair. A mulher põe o filho no chão e este fita

Cassia curioso. – Ela vai ficar connosco por uns tempos, sim?

A mãe de Alastair tira o casaco e dirige-se para a sala,

deixando as duas crianças para se conhecerem.

- Olá! – Sorri o pequeno Alastair para a menina de olhos

azuis à sua frente.

- Olá… - Funga Cassia, fitando o chão.

- Queres ver uma coisa?

Alastair pega na mão de Cassia e puxa-a para a sala.

Certificando-se de que a mãe não lhes está a prestar atenção,

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Alastair tira a caixa de onde a escondeu e dá o carro a Cassia,

que o examina atentamente.

Alastair olha para a irmã sentada no canto do laboratório e vira

as costas a Ari, ignorando os seus pedidos de atenção. Puxando

uma cadeira, senta-se junto de Cassia, sem dizer uma palavra.

- Eu sei que não sou uma pessoa fácil… - Cassia fala baixo,

quase num sussurro.

- Nós somos família, Cass. Mesmo nos tempos mais difíceis.

– Alastair procura a mão de Cassia, agarrando-a carinhosamente. –

Eu sei que não parecemos muito… No entanto, contra todas as

probabilidades, estamos aqui e só nos temos um ao outro.

Alastair sorri, charmoso, para Cassia e ela ri. Ambos ficam

de mão dada em silêncio, sem olhar um para o outro: fitam o chão

apenas.

Alastair retira a sua mão da de Cassia e olha para ela

seriamente. É imperativo que tenham esta conversa; por muito que

custe a Alastair ter que pôr em causa as escolhas de Cassia.

- Tu disseste-me uma vez que quando se faz uma escolha não

se pode voltar atrás. – Alastair tenta que Cassia olhe para si,

sem sucesso. – Tens a certeza da escolha que fizeste?

- Tenho, Al. Tenho que o encontrar. Eu preciso de, pelo

menos, uma explicação. – Cassia levanta-se. – Talvez morra a

tentar, mas não posso voltar atrás. Pensas mesmo que não pesei

todas as consequências?

Alastair suspira e levanta-se, com as mãos nos bolsos, a

avaliar o estado de espírito de Cassia.

- Não podes mover montanhas sozinha, Cassia. Por muito que

tentes…

- Não. Não posso… - Cassia olha para Alastair. – Sei que não

queres ouvir isto, mas parece-me que estamos todos do mesmo lado.

A população de Quimera pode ter ainda a possibilidade de uma vida

melhor… Se calhar, é aqui que pertencemos e não lá fora onde não

há nada que possamos fazer. Porque não aproveitar a oportunidade

de estar na frente de batalha?

Alastair escarnece.

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- Já reparaste que nós só falamos de guerra? Mas nem sabemos

contra quem é que estamos a lutar. Vai-se a ver e estamos a lutar

as nossas próprias sombras.

Cassia não sabe o que responder. Mas nem precisa, pois

Alastair vira as costas e dirige-se a Ari e Kay.

- Não vou deixar a minha irmã ir sozinha. – Alastair sorri

para Cassia. – Comandantes, estamos ao vosso serviço, me parece.

Kay sorri e estende a mão a Alastair em jeito de cumprimento.

- Bem-vindos à Agência Samsara. A vossa cidade agradece-vos.

Alastair retribui o cumprimento a custo. O seu maxilar

contrai-se e ele respira fundo, ainda sem certeza de terem feito

a escolha certa. Só espera que não tenham puxado a presilha de

uma granada que irá explodir mais adiante.

Cassia aproxima-se de Alastair e sorrindo passa-lhe a mão

nas costas.

- Que tal eu mostrar-vos os vossos quartos e amanhã falamos

dos pormenores? – Ari sorri e aponta para a saída do laboratório.

Cassia acena afirmativamente e Alastair concorda. Ambos se

deixam levar por Ari; cansados e sem saberem bem de que horas se

trata.

Kay vê os jovens saírem. Hayden junta-se a ela.

- Eles ainda não sabem da pior parte… - Hayden lembra Kay.

- Às vezes o melhor é omitir algumas verdades, Hayden.

Hayden sabe melhor do que tentar argumentar contra Kay. Ambos

guardam silêncio e deixam que as circunstâncias se desenrolem como

devem.

Cassia segue atrás de Ari e Alastair, que se embrenham numa

conversa acerca da infraestrutura da Agência. Mas Cassia não segue

a conversa; apenas os seus passos. Os corredores de Samsara estão

desertos. De quando em vez, lá se cruzam com um ou outro agente

vestido de preto e a carregar uma AK-47, que passa por eles de

cara trancada e a trotar pelo corredor fora.

Cassia está a tentar procurar o passado no vazio e para o

fazer puxa o seu irmão para um ciclo do qual não sabe se vão sair.

Um suspiro sai-lhe involuntariamente. Da distância a escolha

pareceu-lhe simples, no entanto lembra-se de que está a pôr à

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prova a sua relação familiar. Talvez esteja a colocar mais um

prego no seu caixão, mas agora a única coisa a fazer é preparar-

se para a guerra que comprou.

Ari e Alastair freiam gentilmente à porta de um dos

camarotes. Cassia examina o corredor. As portas são todas iguais:

de metal frio e todas albergam o correspondente número. As paredes

erguidas são cinzentas e o corredor torna-se um pouco sombrio,

com as luzes artificiais a sucumbirem de tempos a tempos.

- Estes vão ser os vossos quartos. – Ari sorri para Cassia.

– Um ao lado do outro, claro.

- Parece que vamos ser vizinhos! – Alastair graceja.

- Parece que sim. – Cassia devolve-lhe um sorriso.

Cassia abre a porta do seu novo quarto e para antes de

entrar. O quarto alberga uma pequena cama no meio e uma mesa de

cabeceira. Uma cadeira de metal e pouco mais. Erguendo uma

sobrancelha, entra para o pequeno espaço. Se há algo em que o

governo de Quimera sempre se destacara fora em tornar todos os

espaços completamente impessoais: Samsara não foge à regra.

- Parece que quem trabalha em Samsara, vive em Samsara. –

Cassia fala para o quarto vazio.

Alguém para atrás de Cassia, mas ela não se move.

- Espero que os aposentos sejam do vosso agrado. – A voz de

Kay, meia roca e funda, é inconfundível.

- Não se preocupe. – Cassia não olha para Kay. – São ótimos.

Kay aproxima-se de Cassia e entrega-lhe um caderno e um

estojo de pano. Cassia, admirada, olha para Kay antes de receber

o que esta lhe dá.

- Pensei que isto te seria útil. – Kay evita o olhar de

Cassia.

- Obrigada… - Cassia pega no material de desenho e olha para

ele intensamente, não entendendo o seu significado. – Devo recear

o presente de boas vindas?

- Como assim?

- Tudo nesta vida tem um preço.

Kay ri ao perceber o que Cassia está a insinuar.

- O sacrifício que estão a fazer, quase ninguém o faria. –

Kay vira-se para a porta, mas antes de sair, volta-se novamente

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para Cassia. – E para que conste, eu não penso que meia dúzia de

folhas brancas e um pouco de grafite sejam o suficiente para pagá-

lo.

Kay deixa Cassia sozinha, mas por pouco tempo. Alastair e

Ari aparecem pouco depois.

- Aquela era a Kay? – Alastair pergunta com um misto de

intriga e suspeita. – O que é que ela queria?

Cassia atira com o material de desenho para cima da cama e

vira-se rapidamente para Alastair, sorrindo.

- Nada. Só passou por aqui para nos desejar uma boa noite.

– Cassia assegura Alastair. – Nada mais.

- Muito bem. – Alastair abraça Cassia. – Vou dormir. Alguma

coisa, chama.

Cassia acena afirmativamente e sorri. Alastair passa por Ari

e despede-se com um abafo nas costas deste. Ari sorri e murmura

um ‘boa noite’ e tanto ele como Cassia esperam Alastair sair para

começarem uma conversa.

- Que tal irmos a um lugar mais lotado para falarmos? – Ari

pergunta a Cassia.

- Porque não? Afinal não me parece que vá dormir muito…

Ari acena com a cabeça e sorrindo, cavalheiramente, indica

a porta a Cassia para que esta saia primeiro. Concedendo-lhe o

gesto, Cassia sai e de mãos nos bolsos e segue Ari.

Ari entra na grande sala de refeições comuns seguido de Cassia e

dirige-se ao balcão que serve de bar. Não há muito que beber em

Quimera, no entanto sempre se encontram algumas reservas que

vieram do exterior. Isto quando Quimera ainda fazia trocas

comerciais.

A área comum está praticamente vazia. É tarde e muito

provavelmente mais de metade da Agência está nos seus camarotes a

dormir. Só as almas noturnas vagueiam ainda pelos corredores ou

aqueles que estão de serviço durante a madrugada.

Ari dirige-se atrás do balcão e serve dois copos de alumínio

com o líquido dourado de uma garrafa com as letras já sumidas.

Empurra uma na direção de Cassia, que se senta ao balcão fitando

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o copo pensativamente. Ari senta-se na cadeira alta ao lado de

Cassia. O silêncio rodeia-os temporariamente.

- Eu sei que estamos a pedir demasiado de vocês. – Ari

finalmente decide quebrar o silêncio, sem tirar os olhos da

garrafa que pousou à sua frente. – Não posso prometer resultados

positivos. Sei que é-te difícil confiar em alguém depois do que

passaste na tua vida…

Cassia observa Ari atentamente. Algo no homem de meia idade

lhe parece familiar.

– Como é que você pode saber o que eu passei? - A pergunta

é retórica. - Não há nada que me faça ter-vos em melhor

consideração e confiar em vocês. Espero que esteja ciente disso.

– Cassia traga a bebida. - Eu não tenho motivos para viver, mas

também ainda não tenho razão para morrer. Estou no limbo. Foi por

isso que aceitei este trabalho. Não preciso de condecorações.

Ari fica perplexo perante o discurso da jovem e observa

Cassia a tragar o resto da bebida. Olhando-a seriamente, serve-

lhe outra bebida.

- Eu entendo. – Ari deixa sair uma gargalhada tristonha. –

Mais do que possas imaginar, Cassia.

Ari traga a sua bebida e continua.

- Eu perdi a minha filhota também. - A voz de Ari falha por

um bocado. A memória difícil de reproduzir. – Ela apanhou o vírus

e esteve doente durante semanas antes de… - Ari não consegue

acabar a frase; os gritos de súplica a ecoarem na sua mente, fazem

com que deixe fugir uma lágrima.

Cassia fita o homem à sua frente. Ela nunca fora muito boa

a lidar com emoções, por isso esta situação deixa-a algo

desconfortável.

- Lamento muito o que aconteceu à sua filha. – Cassia traga

novamente a bebida e bate com o copo no balcão, levantando-se

rapidamente.

Ari agarra o braço da morena.

- Não precisas de ir. Não precisamos de trocar histórias de

guerra se não o quiseres fazer…

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Cassia olha para Ari, considerando as suas palavras. Antes

de poder responder, uma bonita rapariga de longos cabelos loiros

passa por eles, captando a atenção de Ari.

- Doutora Grant! – Ele sorri vivamente. – Que faz a pé a

estas horas?

A rapariga, que usa uma bata de laboratório e um vestido

azul, que lhe acentua todas as curvas, para ao som do seu nome e

ao ver Ari sorri cordialmente.

- Comandante! Poderia dizer-lhe o mesmo… - Os seus olhos

verdes focam Cassia. – Oh, boa noite.

- Boa noite. – Cassia sorri e estende a mão para cumprimentar

a jovem médica.

- Cassia, - Ari levanta-se para fazer as apresentações. –

Apresento-te a Doutora Laura Grant; é a médica de serviço da

Agência. Algum problema, é com ela que deves falar…

- Prazer em conhecê-la, Doutora Grant.

- Por favor, trata-me por Laura. Não sou fã de complacências.

- Laura será, nesse caso. – Cassia ri perante o desembaraço

com que Laura se apresenta.

- Posso oferecer-lhe uma bebida, Doutora? – Ari pega na

garrafa que mostra a Laura, em jeito de desafio.

Laura hesita, olhando para a porta da área comum e pensando

em todo o trabalho que ainda tem pela frente.

- Eu não devia… Ainda tenho uma longa noite…

- Ora, mais uma razão para nos fazer um pouco de companhia.

Ari não aceita um não como resposta e dirige-se para trás do

balcão para retirar outro copo. Cassia volta a sentar-se, pelo

que Ari sorri.

Laura olha para Cassia e decide ficar, sentando-se ao lado

da morena de olhos azuis, que lhe sorri. Ari serve mais três

bebidas e deixa-se ficar atrás do balcão, observando Cassia e

Laura a falarem animadamente.

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Capítulo 4

O sol já rompe nas montanhas quando a porta do quarto de Cassia é

aberta abruptamente, fazendo-a saltar da cama. A sua cabeça

lateja; provavelmente da garrafa de whiskey consumida de

madrugada. Esfregando os olhos, obriga-se a tentar decifrar de

quem é a sombra que a avalia. As luzes são ligadas repentinamente

e apanham Cassia desprevenida, que grunhindo, tapa a cabeça com a

almofada.

- Toca a levantar, bela adormecida… - A voz de Alastair é

inconfundível.

Alastair dirige-se à pequena porta do armário embutido na

parede e retira de lá o uniforme preto da Agência Samsara que

pertence a Cassia. Ele já tem o seu vestido.

- Por favor, Alastair… Cala-te. – Cassia balbucia as palavras

contra a almofada, tentando fazer com que a sua cabeça pare de

latejar e lembrar-se de como chegou ao seu quarto.

Alastair cruza os braços sobre o peito e olha para a irmã.

- Algo me diz que quando te deixei não foi para vires dormir…

Cassia atira a almofada a Alastair, que se defende, e

levanta-se que nem um relâmpago. Tirando a t-shirt, dirige-se à

pequena casa-de-banho que faz parte do seu quarto e entra para o

duche.

A água fria escorre pelas suas costas fazendo-a estremecer.

As gotas geladas a embaterem violentamente contra a sua pele de

marfim lancinam. Alastair faz-se ouvir do quarto.

- Fico à tua espera no corredor, Cass.

Cassia desliga a água e respira fundo. Quando chega ao quarto

olha para o uniforme estendido em cima da cama e fita-o durante

algum tempo, imóvel. Fragmentos da noite passada encontram-na.

- Merda… - Cassia suspira, perante a recoleção da noite.

Laura desvia o olhar do intenso azul dos olhos de Cassia e sorve

o restante da sua bebida, sem saber se está a tomar coragem para

se ir embora ou para fazer o que está a pensar desde que ficou a

sós com a rapariga à sua frente.

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- Eu devia ir… - O tom de Cassia é baixo. Ela deveria

realmente ir antes de perder o seu bom senso e das trocas de olhar

se continuarem a arrastar.

- Claro… - A respiração de Laura é superficial, sendo difícil

já manter a sua compostura. – Eu acompanho-te ao quarto.

As duas fazem o caminho pelos corredores em silêncio; não

por falta de assunto para falarem, mas por não quererem dar

demasiada importância ao que estão a sentir neste momento.

Finalmente param à porta do quarto de Cassia e olham

intensamente uma para a outra. A fraca luz do corredor apaga-se e

Cassia puxa Laura para si. Laura responde com um beijo impetuoso;

empurrando-a gentilmente contra a porta.

Cassia encontra o fecho do vestido de Laura e fá-lo correr

para baixo lentamente. Encontrando a maçaneta da porta, Laura

dirige Cassia para dentro do quarto, fechando a porta atrás de

si.

Alastair encosta-se à parede a fitar a porta do quarto de Cassia

com uma garrafa de água na mão.

A porta abre-se repentinamente e Cassia sai do quarto, ainda

a atar o cabelo.

- Então, vamos? – Ela pergunta, fechando a porta atrás de si

e tentando passar despercebida.

Alastair passa a garrafa a Cassia, em silêncio.

- Obrigada. – Cassia aceita a garrafa, apercebendo-se de que

a sua missão não fora bem-sucedida.

- Espero que a noite tenha sido divertida. – Alastair evita

olhar para Cassia. – Porque o recreio acabou, Cassia. Tu é que

escolheste participar neste circo. Lembra-te disso…

Alastair deixa Cassia no corredor e de mãos nos bolsos

dirige-se ao laboratório. Cassia suspira, irritada e segue

Alastair.

- Que se passa, Al? – Cassia tenta decifrar o irmão.

- Só penso que te devas concentrar no que temos a fazer,

mais nada. – Alastair parece aborrecido, mas Cassia não percebe o

porquê. – Não me leves a mal, Cassia. Eu quero que sejas feliz,

mas acho que não é bem isso que se está a passar.

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Alastair para e vira-se para Cassia.

- Porque é que tu queres tanto que acreditemos que não te

importas? Porque é que desde que a Tara morreu tu passas as noites

a beber, a jogar e com uma galderia qualquer, em vez de tentares

lidar com o fato de que ela morreu?

A cólera começa a subir ao rosto de Cassia.

- Alastair, não entres por esse caminho. – Cassia reprime a

sua raiva e respira fundo, mas por muito que ela tentasse, respirar

vinha a custo. – Peço-te.

- Como não queres que eu entre por esse caminho? Quantas

noites tenho esperado por ti acordado? Quantas vezes tenho corrido

as ruas de Quimera à espera de te encontrar morta em alguma valeta?

Tu estás a perder toda a noção, Cassia! – A voz de Alastair começa

a subir. – Tu quiseste isto! Tu quiseste dar a tua vida pela

cidade! Tens que começar a acatar com a responsabilidade! A mãe

acabou de morrer e tu nem fazes um mínimo esforço para mudar o

teu comportamento imprudente.

Cassia dá um passo em frente e fixa o olhar de Alastair.

- Acho que estás a ir longe demais! Eu nunca pedi nada disso!

Eu sou bem capaz de tomar conta de mim, Alastair! Sempre fui. Eu

não preciso que me salves! Eu consigo salvar-me a mim própria!

Cassia vira as costas ao irmão e dirige-se à porta do

laboratório. Alastair segue-a.

- Estás a fazer um esplendido trabalho, realmente. – Alastair

chega junto de Cassia, que está de braços cruzados à frente da

porta do laboratório. – Tu estás a tornar-te numa…

Antes que Alastair consiga terminar a frase, a mão de Cassia

vai de encontro à sua cara.

Ao ouvirem a altercação no corredor Kay corre para abrir a

porta.

- O que vem a ser isto? – Kay pergunta ao ver Cassia e

Alastair a olharem fixamente um para o outro. O ambiente que os

envolve é pesado.

- Nada. – Cassia finalmente responde. – Absolutamente nada.

Virando as costas a Alastair, Cassia entra para o

laboratório, deixando o irmão com Kay.

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Alastair olha para a porta do laboratório, como se estivesse

enfeitiçado. Não consegue perceber o que se acabou de passar.

Talvez tenha ido longe demais. Ninguém sabe a dimensão do

sofrimento de outra pessoa, por isso quem é ele para julgar Cassia?

Principalmente depois da perda que tiveram.

Alastair suspira e leva as mãos à cabeça. Kay aproximasse

sorrateiramente, não querendo sobressaltar Alastair.

- Eu não sei o que se passou, Alastair. – Kay fala baixo e

pausadamente. – Mas, o que quer que seja, não podem deixar que

afete o vosso desempenho hoje.

Alastair olha para Kay incrédulo.

- Qual é o teu problema? – Alastair deixa as amabilidades de

parte. – Como se isso fosse uma das minhas prioridades neste

momento!

- Penso não serem necessários esses modos, Alastair. – Kay

não se sente ofendida, pois entende que estes são tempos

conturbados. Suspirando, tenta articular a conversa de outro modo.

– Às vezes tudo o que precisamos é uma nova perspetiva. O que quer

que seja o motivo de discussão entre os dois, pode ser resolvido,

se se tentarem encontrar a meio do caminho.

- Eu sinto que ela está a tentar tanto compensar pelo seu

passado, que está a acabar por se tornar numa pessoa que não é. –

Alastair desabafa com Kay, mesmo não confiando nas suas melhores

intenções. – Começo a pensar que ela talvez goste de ser assim.

- Todos temos a nossa baleia branca para perseguir, Alastair.

Só quando para para pensar, Alastair se apercebe de que Kay

poderá ter razão. Por muito que ele não confie nela, não pode

deixar de valorizar as suas palavras.

O laboratório está calmo. Todos guardam silêncio, esperando que

Alastair entre. Cassia anda de um lado para o outro, nervosamente,

mantendo a distância do restante grupo de pessoas. Ultimamente

anda cansada de tudo à sua volta. Não encontra nada de errado

especificamente, mas também não encontra nada certo.

Cassia olha para a sua mão. Ela mal consegue acreditar que

bateu em Alastair. Suspirando, fecha os olhos e para. Talvez

Alastair tenha razão: ela não faz a mínima ideia do que anda a

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fazer com a sua vida. Para além disso, quer-lhe parecer que está

a falhar a última promessa que fez à mãe.

As suas mãos fecham-se em punhos automaticamente perante

este último pensamento. Os dias nunca pareceram tão longos. Cassia

perdeu demasiado, demasiado nova. Algo que nunca esquecerá é a

imagem da sua mãe biológica a ser levada num saco preto para

dentro da ambulância, com as luzes azuis a cintilar, na noite

escura. E a história parecia ter-se repetido, apenas com contornos

diferentes.

A sua família fora considerada uma anomalia. O seu pai

deixara a sua mãe e pouco tempo depois, Cassia encontrou-a na casa

de banho dentro da banheira com o secador de cabelo. Ela tinha

seis anos.

Foi um escândalo, claro. As pessoas de Quimera não cometem

tais atrocidades. Quimera tinha uma sociedade pacífica: as pessoas

obedeciam cegamente ao regime e às regras silenciosas que lhes

foram impostas. A base de uma sociedade tão imaculada fora

arruinada, apenas, pela promessa de uma guerra, anos mais tarde.

Felícia Vincent, vizinha da Casa Miller, soube dos

acontecimentos no prédio da frente. Rapidamente se disponibilizou

para ir ao resgate de Cassia e pela primeira vez em Quimera houve

uma adoção. Cassia não poderia estar mais grata e não poderia ter

pedido um melhor irmão do que Alastair. Sempre fora tratada como

uma filha e não como alguém que foi parar a casa dos Vincent por

um acaso da vida.

Não poderiam imaginar que acabaria desta forma. Agora,

órfãos, só se tinham um ao outro; e de alguma forma estavam a

arruinar tudo. Cassia estava a arruinar tudo.

A rapariga toma a decisão de ir resolver tudo com Alastair.

Eles não podem ficar assim. No entanto, antes de Cassia conseguir

reagir, Alastair entra disparado pela porta do laboratório. Traz

a cara trancada e determinação no olhar. Nunca as discussões entre

os dois foram tão longe.

Contra o seu discernimento, Cassia vai de encontro a

Alastair, na esperança de poder falar com ele sem grande alarido.

- Podemos falar? – Cassia sussurra para Alastair ao se

aproximar deste.

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Alastair olha para Cassia com uma expressão impassível.

- Penso que vou precisar de algum tempo… - Alastair cruza os

braços e volta-se para Kay e Ari.

Cassia morde o lábio e solta um suspiro, dando um passo

atrás, para de algum modo se distanciar das circunstâncias entre

ela e o irmão.

Pela primeira vez desde que entrou no laboratório, Cassia

toma nota da nova adição à grande sala. Uma mesa redonda, em

frente da parede repleta de ecrãs, faz agora parte integrante da

paisagem do laboratório.

- Agora que estamos todos aqui, podemos começar. – Kay aponta

para as cadeiras vazias. – Por favor, sentem-se.

Kay espera que todos se sentem nos devidos lugares para

começar a reunião.

Ari faz sinal a Hayden, que faz aparecer os documentos e

fotografias no ecrã com um simples gesto no ar. O rapaz na

fotografia a preto e branco olha para eles acusatoriamente.

Claramente um jovem, no entanto algo no seu olhar envia um arrepio

pela espinha de Cassia, que o fita com curiosidade. Ela conhece

esta cara.

- Vamos começar o briefing acerca da vossa primeira missão.

– Kay aponta para o ecrã. – O rapaz que podem ver nesta fotografia

trabalha para…

- A Mão Negra. – Cassia interrompe, inclinando-se sobre a

mesa. – O rapaz é Gavrilo Princip: o terrorista sérvio que

assassinou Franz Ferdinand em 1914. Um acontecimento que deu

início à Primeira Grande Guerra.

Ari e Kay olham para Cassia, intrigados com a intervenção.

- Como é que sabes isso? – Ari olha para Cassia, curioso.

- Por um livro de História. – Cassia olha de volta para Ari,

como que a pergunta seja absurda. – Existem livros na biblioteca

de Quimera. Para a maioria das pessoas podem ser decorativos; eu

sempre os vi como ferramentas.

Cassia cruza os braços e refastela-se na cadeira, não

estranhando de todo a pergunta.

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Desde tenra idade que as crianças em Quimera aprendem os conceitos

básicos de moralidade. Depois começam o ensino primário, onde são

ensinadas a ler, a escrever e a ter um raciocínio matemático.

Aprendem História e Ciências, mas nada muito homérico pois, quando

as crianças chegam aos catorze anos, têm uma escolha para fazer:

segundo as suas aptidões devem escolher uma habilidade que

beneficie a Sociedade, dentro do sector a que pertencem. Quem

reside no sector tecnológico, terá opções como engenharia

informática, mecânica e física, entre outras. Quem reside no

sector agrícola, poderá escolher técnicas de agricultura ou

biogenética, já que a maioria dos alimentos consumidos em Quimera

eram manipulados e produzidos em laboratórios.

Não há, portanto, lugar para o conceito de sonho de que

Cassia lê na literatura clássica. Por outro lado, seria esta

complacência com o sistema que fazia com que este funcionasse. As

pessoas não são incentivadas a serem curiosas ou a quererem

aprender para além do que lhes compete; o incentivo é apenas

dirigido ao trabalho e à produção para a comunidade. Os

ensinamentos são, portanto, os básicos, porque os básicos chegam

para se viver confortavelmente na sua posição social em Quimera.

Não há lugar para a ambição pessoal, ou mesmo para a ganância,

quando a única coisa que importa é o bem-estar social e do todo.

Só existe uma única biblioteca em Quimera: o lugar de eleição

de Cassia. Cada secção da biblioteca tinha um guarda à porta e só

a ela acedia quem tinha a documentação indicada, de acordo com a

sua especialização. De todo o modo, a biblioteca estava sempre

vazia. O conhecimento era passado de geração em geração, pelo que

os livros nunca foram considerados essenciais.

Cassia sempre teve uma mente curiosa e nunca sentiu que se

encaixasse no quadro geral da população, exatamente por esta

razão. Ela não gosta do status quo e não pensa ser justo serem

condenados logo à nascença a fazerem parte de uma realidade a que

podem ou não pertencer. Muitas vezes foi levada a casa pela polícia

por entrar nas secções alheias sem autorização ou por levar livros

que não devia ler. Cedo começou a perceber que se o conhecimento

era tão bem guardado, seria porque exerceria algum tipo de poder

na sociedade. Ninguém guarda o que não tem valor.

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Começou a desenhar o mundo que conhecia dos livros que lia

e com isso a sua paixão pelo desenho foi aumentando, pelo que nas

suas horas livres fugia para o parque da cidade para tentar vender

o fruto do seu trabalho no papel branco. No entanto, a arte, tal

como o conhecimento, era visto como algo sem valor. Ninguém

partilhava dos mesmos interesses de Cassia. Nem a sua família,

que apesar de a apoiarem nas suas escolhas, muitas vezes também

duvidavam delas. O seu sentimento era maioritariamente de solidão

insurgente, no meio da multidão complacente.

Cassia aventurava-se cuidadosamente por caminhos nunca antes

desbravados pela sociedade de Quimera e isso assustava os seus

pais e Alastair. Todos os dias se sentava no parque a desenhar.

Todos os dias esperava que alguém a abordasse para discutir a sua

arte. Nunca ninguém o fazia. Nem um olhar vinha em direção a

Cassia; as pessoas passavam absortas no seu pequeno mundo. Até

que um dia alguém parou e pegou num desenho: Tara.

Tara fez Cassia acreditar que não estava sozinha na sua

loucura. Essa rapariga morreu alguns anos mais tarde, nos seus

braços, na primeira vaga de casualidades do vírus.

Kay olha para Cassia com admiração. Não é fácil crescer em Quimera

quando se tem uma mente curiosa e tendo acesso ao registo de

incidentes da jovem sentada à sua frente, é fácil perceber que

não foi nada fácil para Cassia construir uma vida de acordo com o

que lhe fora exigido.

- Como eu dizia… - Continua Kay. – A Mão Negra foi uma grande

organização terrorista; uma das quais prevaleceu durante muitos

anos. É possível estabelecer uma ligação entre os nossos

antagonistas e Princip através da informação que temos…

- Irão por isso viajar para 28 de junho de 1914… - Ari

levanta-se da sua cadeira e viaja para junto de Kay.

- Mas esse foi o dia em que o Arquiduque morreu… - Cassia

olha para Ari de braços cruzados e para a pose altiva de Kay.

- Exato. – Kay olha para a fotografia de Princip. – Por essa

mesma razão, pensamos que os nossos suspeitos escolheram esta data

para se encontrarem com o cabecilha da Mão Negra. Não sabemos com

que fim, mas é para isso que vocês estão aqui.

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- Como é que vocês têm a certeza disso? – Alastair fala pela

primeira vez desde que se sentou à mesa.

- Não temos. – Ari olha para Alastair e depois para Cassia.

– Por essa razão, esta missão apenas se destina a fazer

reconhecimento do local; caso contrário, poderão alterar algo na

linha do tempo e isso é a última coisa que pode acontecer.

Cassia levanta-se prontamente.

- Estar atentos; não mexer em nada e não fazer asneira! –

Cassia dirige-se para a porta da máquina do tempo. – Entendido!

- E não morram! – Ari olha para os dois jovens prestes a

embarcar na viagem das suas vidas e sorri. Kay conseguira um

grande empreendimento com esta missão e agora chegara o momento

da verdade. – Lembrem-se: nós ainda não atribuímos uma cara às

pessoas que procuramos, portanto estejam atentos.

Alastair acena com a cabeça e levanta-se lentamente,

dirigindo-se para o lado de Cassia. Respirando fundo, de corpo

hirto e com as mãos cruzadas à sua frente, como que a colocar uma

barreira entre ele e a irmã. O silêncio grita entre eles,

incomodando descomedidamente Cassia, que fica tensa.

Kay caminha até um painel na parede e digita um longo código,

fazendo abrir uma porta oculta, que mostra um arsenal de armas.

Armas de fogo e facas completamente ordenadas. Granadas e

explosivos em perfeita harmonia. Cassia sorri ao ver a luz a ser

refletida nas armas semiautomáticas e logo se dirige para o

armamento. Alastair segue-a.

- Escolham as vossas armas sensatamente. – Kay gesticula em

direção ao armamento. A sua voz é séria, mas não deixa de fazer

transparecer alguma espirituosidade.

Alastair dirige-se ao armamento e retira uma semiautomática,

escondendo-a à cintura, debaixo do seu casaco. Olhando para Cassia

repara na quantidade de armas que ela retira e esconde no seu

uniforme. Cassia, ao se aperceber de que Alastair está a olhar

para ela, para e olha seriamente para ele.

- O que foi? – Cassia coloca uma faca no seu bolso. – Nunca

se sabe…

Cassia profere abruptamente ao se afastar.

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Alastair começa a seguir Cassia, um tanto contrariado com a

situação. Sabe que precisa urgentemente de resolver as coisas com

a irmã, no entanto, Cassia não é a única com mau feitio na família.

Olhando novamente para o armamento, pensa duas vezes antes

de continuar o trajeto e volta atrás para colocar uma faca no

bolso.

- Mais vale prevenir. – Alastair relembra-se.

Hayden espera, entusiasmado, junto da máquina do tempo com

duas braceletes na mão. Chegara finalmente o momento da verdade.

Apesar das fracas probabilidades de sucesso, guardam a esperança

de que todos saiam desta agitação vivos.

Sem pré-aviso, ao ver Cassia aproximar-se, Hayden coloca a

bracelete metálica no seu pulso; causando uma dor aguda no seu

pescoço, fazendo-a soltar um grito abafado, quase perdendo a força

nos joelhos.

- Desculpa. – Hayden olha para Cassia, desculpando-se. – É

mais fácil quando não estamos à espera.

Cassia esfrega o pescoço e sente-se um pouco nauseada. Ainda

assim sorri para Hayden, esperando que Alastair reivindique a sua

vez.

- Não percam as braceletes. – Hayden olha para a reação

sofrida de Alastair aquando da bracelete ao conectar-se com o seu

sistema nervoso através do seu chip de identificação. – De outra

forma, não há como regressarem.

Hayden pega na mão de Alastair e aponta para o painel da

bracelete.

- Quando estiverem prontos para voltar é só colocarem a vossa

impressão digital. – Hayden suspira nervosamente.

Cassia olha para o chão e apercebe-se pela primeira vez desde

que entrou no laboratório o quão perto estão de deitar tudo a

perder ou a ganhar.

Uma questão surge-lhe repentinamente, pelo que procura a

cara de Kay no grupo.

- E se os encontrarmos? – Cassia olha para Kay severamente.

– O que é que é suposto fazermos?

Kay replica o olhar e respira fundo antes de responder,

olhando para Ari.

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- Se realmente os encontrarem; têm autorização para atirar

a matar.

Ari afirma a resposta de Kay e Cassia segue-lhes a mesma.

Alastair levanta uma sobrancelha e clareia a garganta antes de

falar:

- Eu nunca concordei em ser atirador furtivo. – Calmamente,

Alastair ajeita a sua farda e fita a grande porta da máquina. –

Não faço promessas de assassínio.

Cassia revira os olhos à diplomática resposta do irmão e

coloca-se a seu lado, olhando para a máquina. De todo o modo,

Cassia sabe que Alastair não é um assassino. Se conseguisse

evitar, Cassia não poria o irmão numa situação de confronto.

Por outro lado, Cassia não sentia nenhuma afinidade por esta

vida. Não teria problemas em premir o gatilho. Apesar de Alastair

ver a vida a preto e branco, certo e errado; Cassia vê-la em

muitas sombras de cinzento, onde não há bem, nem mal, apenas

perspetivas. Deixaria a posição de carrasco para ela, não fazendo

com que Alastair venha a decidir entre a vida e a morte.

Apesar de estar zangado com Cassia, Alastair entrelaça a sua

mão na dela.

Hayden toma a sua posição, dirigindo-se para o painel da

máquina. O código é inserido nos lugares devidos e a porta

imponente abre-se, fazendo todos suster a respiração por um

segundo.

Ari dá uma pancada seca nas costas de Alastair, como que a

desejar-lhe sorte.

- Boa viagem… - O suspiro de Ari é audível.

Cassia e Alastair olham para as pessoas que deixam para trás,

à medida que fazem o caminho para o interior da máquina que os

irá salvar ou matar. O aparelho de descontaminação faz um enorme

barulho aquando da passagem dos dois para o interior do mecanismo.

A luz estala no ar do laboratório, onde tudo costuma estar soturno,

e finalmente Cassia e Alastair estão em posição de arranque.

Alastair beija a testa da irmã. Depois de tudo o que passaram

ele sabe que a relação com Cassia não está danificada, apenas

ressentida.

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Um barulho ensurdecedor envolve-os e ambos largam da mão que

seguram, tentando tapar os ouvidos. A porta fecha-se rapidamente

e deixam de conseguir ver. Respirando fundo, cerram os olhos, sem

ter a certeza se os voltarão a abrir.

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Capítulo 5

Alastair abre os olhos, relutante, soltando o ar que não sabia

estar a segurar nos seus pulmões. Tudo o que vê são vultos brancos

e os seus ouvidos estão a zumbir. Quando finalmente cai em si, o

espanto assalta o seu olhar.

- Conseguimos! – O desabafo que sai dos seus lábios carnudos

tem tanto de maravilha, perante o que vê, como de pavor.

Ele não reconhece o sítio que o rodeia. As pessoas passam

por ele, umas indiferentes, outras desconfiadas e outras ainda a

avaliá-lo de alto abaixo.

Observando o seu novo ambiente, Alastair apercebe-se

rapidamente que se destaca no meio da multidão; sendo que a última

coisa que quer é chamar atenção para si. O seu uniforme preto e

botas de combate contrastam com os fatos dos cavalheiros e

aprumados vestidos das senhoras.

O peito pesa-lhe. A sua cabeça anda à roda. A sensação de

estar a rodopiar no centro de um tornado, tentando agarra-se à

vida, não o deixa. Repentinamente apercebe-se de que ainda não

ouviu Cassia. O pânico assombra-o. Não conseguiria imaginar um

mundo sem a sua irmã nele.

- Então e agora? – Uma voz familiar vem detrás dele. Um

suspiro de alívio sai-lhe involuntariamente.

Alastair vira-se de imediato para encarar a irmã.

Cassia observa tudo à sua volta e não se apercebe da

apreensão infundada em que se encontra o irmão, até sentir os seus

braços a apertá-la.

- Al… - Cassia luta por respirar, tentando libertar-se do

forte abraço de Alastair. – Estás a sufocar-me.

- Oh! – Alastair rompe o abraço, permanecendo apenas com as

mãos nos ombros de Cassia. – Pensei que te tinha perdido.

- Eu não sou um relógio. – Cassia responde sarcasticamente.

– É um tanto difícil perderes-me.

O semblante de Alastair fecha-se perante a áspera resposta

de Cassia. Parecer-lhe-á que a irmã ainda está ressentida com a

sua explosão. Se bem que a este ponto já nenhum deles se lembra

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quem disse o quê e a razão da discussão. Se bem que há muito pouco

de que Cassia se esqueça.

- A mim parece-me que precisamos de mudar de roupa. –

Alastair tenta desviar-se do olhar das pessoas e começa a andar

descontraidamente pelas ruas, com Cassia no seu alcance. – As

pessoas estão a olhar para nós afincadamente.

Alastair sorri para as senhoras que vão passando, acenando

de quando em vez com a cabeça na sua direção. Cassia escarnece

perante a ação. Há coisas que não mudam, por muito que o tempo

passe, ou que se viaje por ele.

- Achas mesmo? – Cassia coloca as mãos nos bolsos e evita o

olhar das pessoas que a fitam. – Impossível seria não olhar.

Cassia perscruta o espaço e tenta desenhar um novo plano de

ação. Claramente não tiveram em conta alguns pormenores.

Alastair avista um beco isolado da multidão e, sem hesitação,

puxa Cassia por um braço, de forma a se esconderem dos olhares

acusadores.

- Precisamos de um plano. – Alastair declara. – Tens alguma

coisa?

- Parece-me que deveríamos ter pensado melhor nisso: antes

de saltarmos dois séculos atrás no tempo, para perseguir

fantasmas!

- Claramente não pensámos nisto até ao fim. – Alastair agarra

a sua cintura e olha para o vazio pensativo. Apesar de ter sido

por vontade de Cassia estarem nesta situação, não valia agora a

pena apontar dedos.

- Estávamos demasiado focados em sobreviver à viagem… -

Declara Cassia, sem a intenção, no entanto, de fazer as suas

palavras significar algo mais do que o que representam.

Cassia suspira audivelmente. Já se encontram no beco à meia hora,

a tentar deliberar o que fazer a seguir. De bruços, encostada à

parede, leva as mãos à cabeça. Olhando para Alastair encostado à

parede de tijolo, cerra os olhos pensativa. Quando desvia o olhar

do irmão, depara-se com a imagem de uma pequena montra de roupa

do outro lado do beco. Os manequins na janela de ombreiras verdes

vestem roupa de mulher e moda masculina.

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Sorrindo bate com as palmas das mãos nos joelhos, como que

a celebrar a sua ideia e levanta-se rapidamente, chamando de

imediato a atenção de Alastair. Este coloca-se estrategicamente a

seu lado, tentando perceber o que animou o humor de Cassia.

Finalmente, ao avistar a pequena boutique, Alastair apercebe-se

do plano de Cassia. Ludibriando, Alastair cruza os braços perante

o ridículo da ideia.

- Nós não temos dinheiro, parva! – Alastair olha para Cassia,

perturbado.

- Eu sei, idiota! – Cassia irrita-se. – Mas, mesmo que

sejamos presos, podemos sempre voltar para a nossa linha temporal!

- Qual foi a parte sobre não chamarmos as atenções para nós

que te custa compreender?

- Tens um plano melhor, génio? – Cassia olha para Alastair,

esperando uma resposta: o seu ar intransigente.

Alastair solta um suspiro audível, encolerizando. Tomando-

se como vencido, começa o caminho em direção à loja. Cassia segue-

o, rindo-se. Param em frente da pequena porta de madeira pintada

de verde e Cassia impede Alastair de entrar.

- Não podemos entrar sem mais nem menos na loja… - Cassia

agarra o braço de Alastair, fazendo-o parar abruptamente.

- A ideia foi tua, Cassia! – Alastair expira audivelmente,

aborrecido com a situação.

Cassia começa agora a enervá-lo. Se bem que poderia não ser

Cassia quem o enerva, mas a sua calma perante toda a situação em

que se encontram. Nada parecia chegar a Cassia: nem o fato de

poderem ter que matar alguém. Alastair começa agora a sentir o

peso da arma na sua cintura; especialmente tão cedo depois da

morte da sua mãe.

Sacrificar alguém é diferente; é errado. Em Quimera a moral

era imperativa para o funcionamento da sociedade. Pequenos ou

grandes crimes eram punidos com vigor e muitas vezes com pena

capital. Com o sistema de vigiar e punir, só os loucos ou suicidas

se atreviam a infringir a mais pequena lei. Ao se crescer em tal

ambiente, o compasso moral aponta sempre para a norma social,

mesmo que esta não seja admitida por todos.

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Com ou sem punição, ninguém tem o direito de agir como juiz

da Humanidade.

Cassia olha através da janela da loja.

- Não vejo ninguém lá dentro. Achas que conseguimos entrar

sem ninguém notar? – Ela pergunta; a sua respiração a tornar-se

num misto húmido, contra o frio vidro da janela.

- Há sempre uma forma de entrar. – Alastair parece seguro

das suas palavras e olha por cima do seu ombro, para o beco ao

lado da loja.

Sem hesitação, Alastair sorri e embrenha-se pelo beco escuro,

apesar da luz do dia ser abundante.

Cassia concentra o seu foco na pequena vista ao fundo do corredor

estreito que dá para a porta traseira da loja de roupa. A Sérvia

parecia ter sido um lugar maravilhoso. Cassia sempre quisera

viajar, mas havia mais impedimentos ao seu sonho do que apenas as

paredes que se erguiam ao largo de Quimera. Quando alguém nos dá

uma vida, ela nunca é realmente nossa; e o que os Vincent fizeram

por ela, foi exatamente isso.

Os seus pais adotivos deram-lhe uma nova oportunidade, quando

o seu destino, ao abrigo do Estado da sua Cidade após o abandono

dos seus pais, teria sido a morte. A causa desta brutalidade,

prende-se no fato de uma pessoa, em idade não ativa, estar sujeita

a ajudas externas para a sobrevivência. E o Estado de Quimera não

aceita mais responsabilidades do que aquelas que se prestou a

servir desde a fundação da cidade. O que não tem valor para nós,

é descartado. Os Vincent arriscaram muito para ela não ser

descartada e Cassia sentia o peso da dívida nos seus ombros.

Cassia desvia o olhar do sol a nascer sobre o rio e volta a

concentrar a sua atenção no irmão, ajoelhado diante da porta de

madeira branca. Alastair retira um pequeno estojo do bolso e

sorri, presunçoso, para ela.

- Não és a única que veio preparada… - Gaba-se, tirando duas

pequenas ferramentas para abrir a fechadura.

Com toda a precisão e determinação de quem já fez este gesto

mais do que uma vez, Alastair destranca a porta num abrir e fechar

de olhos.

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– Tu podes ser inteligente, Cass, mas eu não sou apenas uma

cara bonita…

Piscando o olho a Cassia, Alastair troce a maçaneta da porta,

abrindo-a lentamente.

- Sim, que alívio saber que consegues forçar ilegalmente a

entrada em qualquer parte. – Cassia pisca o olho a Alastair, num

meio-termo entre sarcasmo e brincadeira.

- Hei! – Alastair finge ofensa. – Todos temos os nossos

talentos.

Cassia passa por Alastair que nem uma flecha e, de repente,

este sente-se ansioso. Seguindo a irmã de imediato, fica alerta

para a mais pequena interferência. Caminham em silêncio,

procurando uma qualquer pista de humanidade na loja; algo que

possa implicar que não estão sozinhos.

O ambiente está soturno; os manequins a olhar em várias

direções, fazem Alastair sentir arrepios. Os expositores de roupa

estão atulhados; algumas caixas de papelão destacam-se na parede

do fundo, com roupa a transbordar. Cassia olha com espanto para

cada canto da pequena superfície, já que em Quimera nunca vira

nada que se assemelhe.

Cassia é acordada pelo sussurro vindo de trás de si.

- Penso que estamos sozinhos…

- Se calhar está fechada. – Cassia sussurra de volta. – Ainda

é cedo.

- Se calhar está fechada por causa da visita do gajo lá da

outra banda…

Cassia para e vira-se para Alastair, com a intenção de

criticar construtivamente a sua linguagem e fundamentar o seu

comentário com alguns fatos acerca do Arquiduque. Alastair sorri

para Cassia, sabendo já o que se seguiria. Cassia gosta de ordem

nas palavras e significados próprios. Nada é dito, por ela, sem

intenção; Alastair sabe que Cassia espera o mesmo das outras

pessoas e, por isso, a sua desilusão permanente com o comum mortal

que não entende o que se passa na sua cabeça.

Sem demora, a expressão de Alastair muda drasticamente. A

sua tez torna-se pálida e os seus grandes olhos esbugalham-se;

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entre uma respiração custosa e falhas de voz, tenta chamar a

atenção de Cassia.

- Não te mexas, Cassia.

Os músculos de Cassia ficam tensos ao sentir o cano da

espingarda a pressionar contra a sua espinha. Devagar coloca os

braços no ar. Cassia podia não ter grandes esperanças para esta

vida, mas esperava que morrer nesta pequena loja de roupa na

Sérvia não estivesse nas cartas para hoje.

O homem de idade já avançada atrás dela grita algo

incompreensível em sérvio. Alastair olha para Cassia confuso e

assustado ao mesmo tempo. Queria parecer que, ultimamente, eles

se encontram ao fundo do cano de uma arma frequentemente.

- Por acaso, um dos teus talentos não é falar sérvio, pois

não? – A voz de Cassia é calma e pouco sonante. Alastair sacode a

cabeça desapontado com Cassia, por mesmo numa situação de vida ou

morte fazer piadas.

O homem, de boina, começa a ficar zangado por ver a sua loja

ser invadida por esta gente esquisita. Os novos gritos

incompreensíveis do homem só deixam Alastair mais apreensivo.

- Nós não estamos aqui para fazer algum mal, meu! – Alastair

tenta começar um diálogo. O senhor, claramente, não estava a

compreender uma palavra, pelo modo como o olha. – A porta estava

aberta e nós apenas…

Alastair não consegue acabar a frase, vendo os seus instintos

a manifestarem-se perante o estridente barulho do tiro a sair da

velha espingarda. O homem envia um olhar hostil a Alastair que

engole em seco ao ver o cimento do teto a cair em flocos em cima

de Cassia, que cobre a cabeça com os braços.

Alastair toma uma decisão nesse momento, acariciando o bolso

das suas calças; a sua respiração incontrolável. Ele olha para

Cassia, esperando que ela entenda o seu comando.

- Desvia-te! – Alastair grita, atirando a navalha com

determinação, em direção à perna do senhor grisalho que os ameaça.

Cassia sustém a respiração ao ver a faca a vir em sua direção

e desvia-se o mais rápido que consegue. As suas calças pretas

abrem um rasgão, à medida que a faca passa veloz por si. O sangue

começa a escorrer, mas Cassia não sente dor. Ela olha pela primeira

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vez para o homem que ameaçava a sua vida, mas mais importante esta

missão. O lojista agarra a sua perna, esperneando perante a dor

causada pela navalha enterrada nela.

Sem hesitação, Cassia vai em direção ao senhor no chão e

olha para ele com curiosidade, que grita e pronúncia frases

incompreensíveis e que Cassia só pode imaginar não serem

agradáveis.

- Penso não haver necessidade para esse tipo de linguagem,

senhor. – Impetuosamente, Cassia pontapeia o homem no queixo,

fazendo-o desmaiar imediatamente.

Olhando para a sua perna, Cassia apercebe-se pela primeira

vez de que está a sangrar.

- Bolas! – Ela deixa sair perante a inconveniência. – As

calças eram novas.

Avaliando o corte, não se apercebe da aproximação de Alastair

que olha para a irmã com um sentimento de culpa.

- Estás a sangrar… - Alastair concentra o olhar nas calças

ensanguentadas de Cassia.

- Isto não é nada. – Cassia tenta assegurar o irmão, tapando

a ferida com a mão, para que Alastair desvie o olhar. – Mal é um

arranhão…

- Está a deitar bastante sangue para ser apenas um arranhão,

Cassia.

- Uns quantos pontos e fico como nova. – Cassia assegura

Alastair mais uma vez. – Podias ter apontado um pouco melhor,

sabes?

Alastair sabe que Cassia o está a provocar deliberadamente,

para o distrair e o fazer sentir-se menos culpado. Alastair decide

entrar no jogo:

- Ora, podias-te ter desviado um bocado mais depressa. –

Alastair solta uma gargalhada.

- Peço desculpa se a espingarda nas minhas costas me estava

a distrair…

O semblante de Cassia volta a tornar-se sério. A brincadeira

acabou, pois eles têm que começar a orientar-se em direção ao

propósito da sua visita à pequena loja. Um grunhido fá-los lembrar

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que o dono da loja ainda está estendido no chão, à espera de um

destino.

Cassia olha para Alastair, não querendo tomar nenhuma decisão

precipitada e antagonizar o irmão mais do que o que tem feito

ultimamente. Alastair olha para Cassia e percebe que a bola está

no seu campo. Suspirando audivelmente, agarra no homem, içando-o

sobre as suas costas.

- ‘Bora lá, velhadas! – Alastair caminha com o homem às

costas em direção a uma cadeira no fundo da loja, junto às caixas

de papelão. – Vamos prender-te, sim?

Cassia deixa Alastair tratar do prisioneiro e dirige-se ao

balcão de atendimento, procurando linha e uma agulha para tratar

da sua ferida. Não demora muito a encontrar o que precisa e olhando

para a garrafa de vodka em cima do balcão, decide que alguma

coragem líquida será necessária.

Atrás do balcão, lentamente, Cassia escorrega até ao chão.

Olhando para os mantimentos que conseguiu arranjar pega primeiro

na garrafa de vodka despejando o conteúdo por cima da ferida. O

líquido translúcido faz Cassia estremecer quando entra em contato

com a ferida exposta. Cerrando os olhos, respira lentamente, para

se tentar recompor. Engole em seco e decide que não tem tempo a

perder. Pega na agulha e na linha e num instante está pronta para

começar a trabalhar. Algo a impede, no entanto.

Contando até três leva a garrafa à boca e traga o líquido

áspero.

- Vá lá, Cassia. Tudo é efémero… - Tenta convencer-se. Mais

uma bebida.

Pegando num pano velho, morde-o com força. Num momento

decisivo, rasga as calças e com as mãos firmes, meticulosamente,

enfia a agulha na sua pele pálida, agora coberta de sangue.

Contendo o grito na sua garganta cerra os olhos perante a dor e

deixa a sua respiração acalmar.

Alastair aproxima-se do balcão e engole em seco ao ver o que

Cassia está a fazer.

- Precisas de alguma coisa? – A voz de Alastair é baixa e

sai a custo.

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- Não. Obrigada… - A voz de Cassia sai atabalhoada, por entre

o trapo que morde. Outra bebida.

Cassia sustém a respiração à medida que a agulha rasga a sua

pele novamente. A sua testa coberta de suor e as suas mãos a

tremelicar.

Alastair passa uma ligadura improvisada a Cassia e ajuda-a

a levantar-se. Sorrindo para Alastair, Cassia coloca a ligadura e

endireita-se.

- Obrigada, mano.

- O importante é estares bem. Consegues andar?

- Sim. Isto não é nada. – Cassia sorri.

Sem mais palavras, começam os dois a vaguear pela loja,

procurando o que vestir. Depressa Cassia prende o olhar num fato

preto e sorri.

- Olha lá, Coco Chanel! – Cassia chama a atenção de Alastair

com o fato na mão. Mal Alastair olha para ela, Cassia atira-lhe o

fato. – Vai prová-lo!

Apanhado desprevenido, Alastair deixa cair o fato no chão e

olha para Cassia indignado. Pegando nas vestes, avalia-as.

- Hei, isto parece de gosto refinado. – Alastair olha para

o fato com aprovação.

- Pode ser que te pareças com um cavalheiro. – Cassia ri.

Enquanto espera por Alastair, Cassia continua a vaguear por

entre os cabides extensíveis, procurando o que vestir.

- Gostava de saber o que é que tinham contra um bom par de

calças para mulheres nesta altura… - Cassia suspira, frustrada

perante todas as saias e vestidos.

Alastair finalmente sai dos provadores, lutando contra o nó

da gravata vermelha. Cassia sorri perante a imagem do irmão, muito

elegante nas calças de fato e colete com a camisa branca. Alastair

para em frente do espelho e Cassia aproxima-se, para o ajudar com

a gravata.

Os olhos de Alastair param no manequim feminino à sua frente.

- E que tal este vestido para ti? É preto… - Alastair aponta

para o manequim e volta a olhar para o espelho, compondo o seu

cabelo.

Cassia desvia o olhar para o vestido com escárnio.

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- Eu não vou usar um vestido…

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Capítulo 6

O sol já vai alto na manhã de junho, quando Alastair e Cassia

descem a rua, finalmente enquadrados na paisagem cultural.

Alastair acrescentou um bonito chapéu preto ao seu elegante fato

e traz o braço entrelaçado com a irmã.

Cassia, contrariada, usa o vestido preto que tanto

desgrenhou. Enrolando um lenço no pescoço, ajeita também o chapéu

e tenta colocar a bolsa com a sua arma debaixo do braço.

- Onde é que puseste a arma suplente? – Alastair pergunta

curioso, ao olhar para o vestido apertado que a irmã traz vestido.

- Não queiras saber… - Cassia mexe-se incomodada. – Juro que

não sei como as mulheres sobreviveram a todos estes requisitos. É

exaustivo…

Alastair encolhe os ombros e sorri, descontraído.

- Pessoalmente, acho que estás bonita.

- Se fosse a ti media as palavras, Al. – Cassia parece

irritada. – Eu enfio-te um salto alto no pé!

- Calma! – Alastair para e tenta não se rir perante o embaraço

de Cassia. – Um cavalheiro já não pode elogiar uma donzela sem

ser ameaçado… Os tempos realmente mudaram!

Rindo-se do olhar hostil enviado por Cassia, Alastair olha

para a sua bracelete, consultando as horas.

– Passa um pouco das nove… Precisamos de encontrar o que

quer que seja que procuramos.

- Não precisamos todos? – Cassia suspira, fitando o chão. O

seu semblante carregado.

Alastair, com as mãos nos bolsos, sorri para duas raparigas

que passam por eles e abana a cabeça, fazendo-as ficar um tanto

envergonhadas e rir nervosamente.

- Hei! Casanova! – Cassia bate no braço de Alastair com a

carteira. – Concentra-te. O ataque começa às dez. Achas que eles

vão estar perto da devastação?

- Não sei… Mas, de todo o modo só sabemos o que está escrito

nos livros de história. – Alastair vira-se para o vidro da montra

e penteia-se. – O melhor será começarmos por aí.

- Sim. Possivelmente… - Cassia fica pensativa por um segundo.

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- Eu sou realmente elegante e bonito, não sou? – Alastair

sorri para o seu reflexo, fazendo Cassia revirar os olhos e soltar

um suspiro. Alastair sempre fora vaidoso. Não irritantemente

vaidoso; mais de uma maneira amorosa. De todo o modo, tinham

assuntos mais pertinentes a atender.

- ‘Bora lá, jeitoso… - Cassia puxa Alastair pela gravata. –

Temos criminosos para apanhar…

“Os livros de História nem sempre dizem tudo.” Cassia olha à sua

volta, no meio da multidão que se prepara para receber a comitiva

do Arquiduque, ao longo do Rio Miljacka. O seu pensamento está

turvo; precisam de um plano rapidamente, pois do que está prestes

a acontecer não poderão fugir. Talvez a solução seja encontrarem

os terroristas originais; aqueles acerca dos quais têm informação.

- Talvez precisemos de encontrar o Princip. – As palavras de

Cassia saem sem emoção, como costumam.

Alastair olha para a irmã e a sua expressão cerra-se.

- Não pareces muito certa do que dizes, Cassia… - Alastair

olha para a multidão. – Achas mesmo?

- Não. – A determinação no discurso voltara.

Cassia envolve-se na multidão e procura caras familiares.

Alastair tenta acompanhar, no entanto não tem a certeza do que

procura. Cassia leu o ficheiro; Cassia sabe as posições, os nomes

e os detalhes de cor. Alastair prefere esperar por um sinal da

irmã para agir.

- Não podem estar muito longe, certo? – Alastair pergunta

descontraidamente, consultando novamente as horas. – Consegues

encontrar alguém que não pertença aqui?

- Queres dizer para além de nós? – Cassia ri, mas logo o

humor se esvai ao reparar num homem que se movimenta nervosamente,

carregando um saco que parece guardar com a vida. – Vejo um

terrorista com uma bomba.

Cassia faz sinal a Alastair, que logo vê o homem de boina

agarrado ao saco. Alastair olha em volta, reparando em todas as

vidas que os rodeiam e que serão afetadas pelos acontecimentos

que se sucedem. Um rasgo de tristeza transparece nas suas feições.

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Desviando o olhar para o chão, não pode deixar de reparar noutro

homem com um saco idêntico uns metros à frente.

- Ele não está sozinho…

- Como já sabíamos. – Cassia suspira ao olhar para o irmão.

Talvez ela tivesse puxado Alastair para algo que ele não estava

preparado para enfrentar. Cassia estava preparada para sacrificar

a sua vida, mas esquecera-se de que onde começa a liberdade de

outra pessoa, termina a sua.

Tentando desviar o seu pensamento, Cassia volta a mirar a

multidão. Desta vez tentando decifrar cada micro expressão e cada

gesto. Por mais que tentasse, não conseguia identificar nada de

errado com a imagem à sua frente. Possivelmente, Kay e Ari estavam

errados na informação que lhes deram. Talvez estivessem no tempo

errado. Talvez fosse só a paranoia coletiva que os fizera

acreditar que havia alguém a querer a destruição de Quimera. “Se

calhar, este plano está destinado a falhar.” Cassia decide e vira-

se para Alastair que contempla um pequeno rapazinho a brincar com

um carrinho de madeira. Alastair sorri; a sombra do chapéu a

esconder a tristeza no seu olhar, enquanto se lembra da sua

infância.

- Esta gente não deveria sair lesada…

- Eles já morreram há muito tempo, Al… - Cassia coloca a mão

no braço de Alastair, em jeito de conforto.

Alastair sabe que Cassia tem razão; na sua linha temporal

esta gente, que ele vê agora a sorrir e a contemplar o sol, já

desapareceu há mais de cento e cinquenta anos. Ainda assim, é-lhe

custoso aceitar poderem viajar no tempo, mas não poderem evitar

injustiças.

- A mim parecem-me bastante vivos, Cass… - O tom de Alastair

não é agressivo ou áspero; denota apenas uma mistura de desânimo

e desespero. Do canto do olho, Alastair pode perceber que Cassia

está a lutar tanto como ele por ignorar os acontecimentos que se

seguem. Porém, Alastair sabe que Cassia conseguirá resolver melhor

a luta interna que ambos estão a ter do que ele. Alastair não

conhece ninguém que fuja tão bem dos seus sentimentos como a irmã.

Muitas vezes, chega mesmo a perguntar-se se alguma vez Cassia se

lhe dará a conhecer.

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- Talvez devamos sair daqui antes das bombas… - Cassia ajeita

o seu lenço e começa, a passo lento, a tomar o caminho de volta

para a Ponte Cumurja.

Uma mulher bem-parecida e com as feições escondidas vem de

encontro a Cassia, fazendo-a perder o equilíbrio por uns milésimos

de segundo. A silhueta de vestido preto passa por ela que nem uma

flecha e nem faz um esforço por se desculpar pelo encontrão. A

ira que Cassia sente, pela falta de respeito demonstrada, está

prestes a ser verbalizada, quando ela se apercebe da razão da

pressa da mulher, que cedo desaparece na multidão.

Uma breve interação com o primeiro terrorista deixa Cassia

intrigada; esta apercebe-se da transação entre os dois e chama a

atenção de Alastair para a arma de fogo que o terrorista tem agora

na cintura. A arma não pertence a este tempo: é uma Glock 19 e

Gaston Glock só abriu a sua companhia em 1963.

- Eles estão aqui. – Cassia não consegue desviar o olhar do

terrorista a alguns metros de si.

- Como podes ter a certeza?

- Temos que os parar… - Cassia dá um passo determinado, mas

logo é agarrada por Alastair.

- O quê? Cassia, eu sei que tu pensas que te estás a explicar,

mas não estás!

- Aquele tipo tem uma Glock 19! Se ele usa essa arma nesta

linha temporal, quem sabe o que irá acontecer!

Alastair olha para o terrorista confuso.

- Nós temos que os impedir! – Cassia continua. – Temos que

lhes tirar aquela arma.

Cassia sacode a mão de Alastair do seu ombro e dirige-se ao

terrorista. Alastair segue a irmã, prontamente. Ambos se instalam

ao lado do terrorista de cara trancada e olham um para o outro,

para se assegurarem mutuamente de que estão na mesma página. A

comitiva real é avistada já ao fundo da rua; o carro anda a um

ritmo lento, para que o Arquiduque e a sua mulher Sofia, possam

interagir com a multidão que os espera.

A aproximação do carro põe o terrorista num frenesim, tal

como o seu colega a uns metros de distância. Cassia olha para

Alastair e faz sinal para o outro terrorista. Alastair,

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rapidamente, corta caminho para se colocar a seu lado. Ele não

sabe ainda o que irá fazer, mas agora, também já é um pouco tarde

para tentar descobrir. Só lhe resta a lei do desenrasque.

O terrorista que ladeia Cassia prepara-se para atirar a

bomba, no entanto antes de a conseguir pôr operacional, Cassia

apodera-se da arma de fogo que lhe fora passada. Num rápido e

gracioso gesto, Cassia acerta-lhe com a pistola no queixo com toda

a força que consegue. O saco com a bomba cai, produzindo um baque

quase inaudível, no meio da multidão que aguarda ansiosa o carro

com Franz Ferdinand. O terrorista tenta recuperar a sua arma,

agarrando Cassia. Os dois lutam vigorosamente; os seus corpos tão

próximos, que ninguém se apercebe do que está a acontecer.

Alastair chega a tempo de impedir o seu alvo de alcançar o

objetivo de atirar a sua bomba. O carro do Arquiduque passa por

eles na exata altura em que Alastair agarra o terrorista pela

garganta, levando-o ao chão, juntamente com a bomba por ativar. O

homem luta por respirar, tentando tirar a mão de Alastair do seu

pescoço. Pegando numa pedra, Alastair golpeia a cabeça do homem,

fazendo-o desmaiar.

- Isto é para não andares a brincar com bombas. – Alastair

ri-se para o homem desmaiado no chão. – É para aprenderes…

Levantando-se, Alastair nota a luta que se desenvolveu entre

Cassia e o careca de boina que tenta, sem sucesso, golpear a

rapariga. Alastair corre para ajudar a irmã e mal se vira, uma

explosão ouve-se, fazendo os seus ouvidos zumbirem.

Do outro lado da estrada, um outro terrorista atirara uma

granada para o meio da rua. Uma cratera abriu-se no meio da

estrada, mas felizmente o carro com o Arquiduque conseguira

escapar.

- Vai atrás dele! – Alastair ouve a voz de Cassia e olha

para o terrorista que atirou a granada a correr em direção ao rio.

Sem demoras, Alastair corre na sua direção o mais rápido que

as suas pernas lhe permitem. O terrorista para ao lado do rio e

tira um comprimido de cianeto do bolso, dando a Alastair tempo de

o alcançar. Sem mais demoras, Alastair dá um salto em direção ao

homem, empurrando-o para o rio, quase caindo ele próprio para a

água corrente. Um agente da polícia apita e corre para eles.

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Alastair sabe que esta é a sua deixa e volta e embrenhar-se na

multidão.

Cassia, por sua vez, baixa-se evitando o murro do terrorista

que já denota sinais de cansaço: afinal de contas, cansa menos o

impacto, do que não se acertar no alvo e Cassia conseguia ser

fugidia. Com um pontapé no calcanhar do homem, Cassia fá-lo cair,

mas não sem a agarrar por um braço e fazê-la ir ao chão com ele.

Cassia agarra a Glock e tenta dar-lhe um tiro, porém ele agarra a

arma e ambos lutam pela sua posse. Um tiro é disparado e, no

entanto, no meio da confusão, ninguém o ouve.

Cassia arranca a pistola das mãos do terrorista e acerta-lhe

com a mesma na cara, finalmente fazendo-o desmaiar. Voltando a

erguer-se, Cassia suspira e coloca uma mão nas costelas, por baixo

do casaco preto. O vermelho carmim brilha, em contraste com a sua

mão pálida. Os seus olhos azuis escuros toldam-se por um segundo

e Cassia tenta respirar fundo. A sua mão começa a tremer e a sua

visão fica turva. Nada dói ainda; provavelmente, devido à

adrenalina. Num movimento rápido e decidido, Cassia arranca o

lenço que trás ao pescoço e limpa as mãos nele.

Tapando a ferida com o casaco, descarta o lenço, mal a sua

vista deteta Alastair a correr na sua direção.

Cassia agarra Alastair, desviando-o do seu curso, sorrindo.

- Temos que sair daqui. Vamos!

Cassia lidera o caminho, com Alastair no seu alcance. Dois

polícias, em tumulto, passam por eles a correr. Acelerando o

passo, Cassia sente o vento a correr pelo seu cabelo castanho com

cada passo que dá. Depressa deixam a multidão confusa e correm

para outros perigos. Ambos sabem como termina esta história e

ainda vão na metade.

O lenço ensanguentado, deixado para trás pela morena que

corre agora na direção oposta, esvoaça para o rio. As sobras

insignificantes de uma vida vivida a correr, desaparece agora com

a água corrente.

Princip corre pelos passeios, tentando esconder-se nas sombras da

hora do meio-dia. O seu olhar decidido; os seus olhos tão escuros,

que mal se consegue perceber vida neles. Com uma arma escondida

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no seu casaco preto, olha por cima do ombro, nervosamente, como

se alguém o perseguisse.

- Princip! – Chama uma voz feminina que o faz congelar.

O som de saltos altos no asfalto ecoa nos seus ouvidos e são

seguidos por mais um par de sapatos. Princip deixa a mão que

esconde debaixo do casaco escorregar, pondo à vista a

semiautomática FN Pattern de 1910, que carrega consigo.

Atrás de si, o som de uma arma a ser carregada é

inconfundível; no entanto, Princip não se mexe. O fato preto que

traz fá-lo parecer apenas uma sombra e o chapéu a condizer,

esconde-lhe as feições ainda jovens.

O som de passos para. O silêncio faz-se ouvir; um silêncio

inabsoluto. Os gritos da multidão ainda se ouvem ao longe e pessoas

passam por ele, aterradas sem realmente lhe prestarem atenção.

- Larga a arma! – Alastair grita, apontando a sua arma ao

jovem.

Com as mãos no ar, tonteando Alastair e Cassia com a sua

arma erguida, Princip vira-se para poder associar uma cara às

vozes que o atrasam na sua missão. A sua pronúncia sérvia é cerrada

e as palavras saem-lhe a custo.

- Não vale a pena seguirem-me! – Uma gargalhada estridente

inunda o ar. – A Mão Negra vai viver para sempre!

- Eu não gosto quando me dizem o que fazer! – Cassia dirige-

se a Princip, arma na mão, disposta a acabar já com os jogos.

- Eles têm que morrer… Para que todos os outros possam

começar a viver.

Alastair olha para Princip e apercebe-se de que este rapaz

é apenas um adolescente ainda. Mais novo do que ele e do que

Cassia.

- Ninguém precisa de morrer, miúdo! – Alastair recusa-se a

ver mais alguém morrer, se o poder evitar. – Há sempre outra

maneira!

- Terão que me matar para me pararem! – Princip graceja

perante as suas próprias palavras e olha para Alastair,

presunçoso. – Mas tu não és capaz de o fazer, pois não?

- CALA-TE! – Alastair grita, irado.

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- Rapazinho! Não tentes a tua sorte, porque ele pode não

conseguir, mas eu gosto de um desafio! – Cassia tranca o olhar de

Princip. – Portanto, cuidado com o que desejas…

Cassia dá outro passo ameaçador em direção a Princip, que

recua imediatamente, engolindo em seco. A ferida de Cassia começa

agora a querer a sua atenção e obriga-a a respirar fundo antes de

continuar; os seus olhos começam a ficar pesados e a sua cabeça

zonza, da perda de sangue.

No espaço de segundos que Cassia leva a tentar recuperar,

Princip começa a correr desenfreadamente e dispara contra eles.

Sem hesitação, Cassia esquece a bala alojada nas suas costelas e

corre atrás do jovem anarquista, sem notar que uma das balas de

Princip acertou na bracelete de Alastair, fazendo-o ficar para

trás.

Cassia concentra todas as forças que lhe restam. Alcançando

Princip, derruba-o e os dois caem. O asfalto quente a queimar a

sua pele. Com uma cotovelada, Princip acerta na cara de Cassia e

foge para o outro lado da rua, deixando a sua pistola para trás.

A fraqueza começa a fazer-se sentir no corpo de Cassia, em cuja

cotovelada teve mais efeito do que o normal. Tonta, Cassia

levanta-se e atravessa a estrada até Princip, que procura a sua

arma, aflito.

A multidão começa a juntar-se novamente nos passeios. A

comitiva de Ferdinand está de volta à estrada: o Arquiduque acabou

o seu discurso e vira agora para a rua Franz Joseph.

Cassia atenta em Princip que, com a atrapalhação, não nota

a rapariga a aproximar-se. Sem dificuldades, Cassia subjuga

Princip por um momento. Porém, Princip não tem dificuldades em

recuperar a vantagem sobre a rapariga que já respira a custo.

Princip estrangula Cassia com o braço, mas esta já não tem pujança

para resistir.

Alastair paralisa do outro lado da rua perante a imagem de

Princip a ameaçar a vida da sua irmã. A razão abandona o corpo de

Alastair e ao ver a pistola de Princip no chão, apanha-a de

imediato e aponta-a ao jovem do outro lado da rua. Dois tiros saem

do barril da arma, sem que Alastair se aperceba que o carro de

Ferdinand está mesmo à sua frente. Ao ver o carro a passar com

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Ferdinand e a sua mulher a sangrarem, Alastair larga a pistola de

imediato e apercebe-se dos gritos das pessoas à sua volta.

Escondendo as suas feições com o chapéu, Alastair atravessa

a rua a correr, em direção a Cassia. Princip, ao ver os

acontecimentos, larga a rapariga e tenta fugir, voltando a apanhar

a sua arma. Os polícias avistam Princip e prendem-no sem hesitar,

ao ver as parecenças com Alastair, devido ao fato preto e chapéu.

Alastair ajuda Cassia a levantar-se e arrasta-a até um beco

deslocado da confusão que se instalou na rua de Sarajevo.

Finalmente Alastair volta a respirar, embora o choque esteja ainda

instalado em si. Agarrando os seus joelhos, fecha os olhos, como

num grito silencioso por ajuda. A sua respiração é difícil de

controlar já e as lágrimas querem sair, mas não conseguem. O

pânico apodera-se dele. Alastair olha para as suas mãos

acusadoramente. Ele acabou de matar duas pessoas. Uma lágrima

escorre pela sua cara, mas chorar não o ajuda a abrandar. Ele está

a descurar alguma coisa.

O seu olhar pousa em Cassia, encostada à parede, e a sua

garganta fecha-se. Ele tenta respirar, mas não consegue ao ver a

mancha vermelha a ensopar o vestido preto de Cassia.

- Estás ferida… - As palavras saem-lhe a custo e os seus

músculos parecem paralisados.

Alastair obriga-se a mexer e ajoelha-se junta a Cassia. As

mãos de Cassia estão ensanguentadas, da pressão que ela tenta

exercer no seu ferimento. Cassia não consegue falar e sente-se

tentada a render-se à fadiga que o seu corpo apresenta. A sua boca

está seca e ela consegue sentir o sabor a metal quando tosse e

gotas de sangue são projetadas para os seus lábios.

Cassia olha para Alastair, como que a desculpar-se. Os seus

olhos estão a ficar pesados. Não importa o que o passado diga, no

fim tudo valeu a pena. Ela ainda luta e não sabe o porquê. Talvez

ela não queira que o seu irmão testemunhe a sua derrota.

- Al… - Cassia chama a custo. – Por favor, volta sem mim.

Ambos sabemos como termina esta história…

- Não! – O pânico na voz de Alastair. – Só me tens que dizer

o que fazer… Diz-me!

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Mesmo sendo meio-dia, no meio do verão, Cassia sente frio e

ela sabe o que isso significa. Alastair deita-a, devagar, no

pavimento.

- Diz-me o que fazer, Cassia. – As lágrimas escorrem

vorazmente pela cara de Alastair. – Suplico-te!

- Só precisas de aplicar pressão no ferimento… - Cassia não

consegue respirar; o seu batimento cardíaco a acelerar. – Não há

muito que possas fazer aqui, Al… Mas, não te preocupes. A bala

não acertou em nada importante…

Cassia sorri para Alastair, tentando reconfortá-lo. Ela sabe

que está a mentir, mas às vezes não podemos evitar uma mentira

para descansar outra alma.

- Eu não te vou deixar morrer…

- Al, ouve-me. Por favor, vai! Podes voltar para me vir

buscar com ajuda…

Cassia sabe que não tem tempo para que tal seja uma

possibilidade; a única coisa que ela quer é tirar Alastair deste

sítio. Ela não quer que Alastair a veja a morrer.

- Eu não te vou deixar sozinha! – Alastair grita, pegando na

mão ensanguentada da irmã. – Eu não tenho bracelete, Cass… O

Princip… A bracelete… Não…

- Está tudo bem, mano… Está tudo bem… Leva a minha…

- Não.

- Al… Espero encontrar-te outra vez. – Cassia leva a mão à

cara de Alastair, carinhosamente. – Sabes do que acabei de me

aperceber?

Cassia tenta rir, mas é-lhe custoso.

- Que passámos todos estes anos a lutar e esquecemo-nos de

quão rara e maravilhosa é a vida. Promete-me que não vais esquecer

outra vez.

Alastair não consegue responder. As lágrimas escorrem

compulsivamente e fecham-lhe a garganta. Cassia sorri e deixa a

exaustão tomar conta de si; já não consegue lutar mais contra o

inevitável. Cassia sempre quisera deixar algo de importante para

trás, quando partisse deste mundo, mas só agora se apercebeu que

em ordem para isso acontecer ela tem que partir. Talvez o Universo

faça mais sentido agora para ela. Talvez ela volte para o lugar

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onde pertence; para junto da família que perdeu. Para junto de

Tara.

Alastair para o choro abruptamente. Ele precisa de agir.

- Eu prometo, Cassia.

Alastair sabe que Cassia já não o pode ouvir, mas ainda há

esperança para ela. Ela ainda pode viver.

Alastair olha para a bracelete no pulso de Cassia e toma uma

decisão.

- Tu és uma guerreira, Cassia. Não vais deixar que uma bala

te faça vergar. Não é assim que a tua história termina…

Alastair fecha os olhos e agarra no corpo inconsciente de

Cassia com toda a sua força. Contando até três, pressiona a

bracelete, colocando o dedo inconsciente da irmã para acionar os

comandos, e espera que o melhor aconteça.

Todas as discussões perdem o sentido; todas as ações de

Cassia já não importam. Sem a irmã, Alastair perde um pouco de

quem ele é. E Alastair recusa-se ficar em silêncio, a ver a sua

irmã perder quem é por inteiro. Perder a família que lhe resta.

- Vamos para casa. – Alastair sussurra ao ouvido de Cassia.

– Esta vida não acabou, Cass. Eu não quero ficar sozinho.

Vozes familiares começam a ouvir-se ao longe. Alastair não

tem a certeza do que aconteceu ou se ainda estão em Sarajevo. Só

quando sente a mão de Kay no seu ombro, ele volta à realidade.

- O que raio é que vos aconteceu? – A voz rouca de Kay é

inconfundível e, talvez pela primeira vez, Alastair sente-se feliz

por ouvi-la.

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Capítulo 7

O laboratório está estranhamente calmo e, como sempre, pobremente

iluminado. Apesar da calmaria, uma tensão estranha pode-se

perceber no ar. Hayden olha para o computador como se este

estivesse prestes a atacá-lo.

- Será que eles estão bem? – Hayden pergunta, sem realmente

esperar uma resposta. Toda a gente está demasiado absorta nos seus

pensamentos para colmatar com algum tipo de garantia.

Kay anda de um lado para o outro, às voltas no laboratório,

nervosamente. Ela consegue sentir Ari a olhar para ela; no

entanto, Kay recusa-se a olhar de volta. Ari parece trazer uma

calma com ele que começa a enervá-la; por isso, esta restringe-se

de iniciar qualquer tipo de conversa com ele.

Kay para, finalmente, olhando para a máquina e suspira.

- Eles só foram há um minuto, Kay. – Ari aproxima-se da

comandante e cruza os braços, percebendo a sua preocupação. – O

que é que poderia ter já acontecido?

- Na verdade, - Hayden decide intervir. – O tempo é relativo,

lembram-se? Um segundo na Terra não é absoluto. Tecnicamente, eles

andam a viajar entre Universos, por isso não experienciam o tempo

exatamente como nós.

- Isso não ajuda. – Kay suspira.

Esta nova informação não a deixa mais paciente. Mil e um

cenários passam pela sua mente e se alguma coisa acontece, é a

sua cabeça que fica a prémio junto da direção da Agência Samsara.

Num instante de ira, Kay pontapeia uma cadeira que se encontra a

seu lado, sobressaltando os restantes membros que se encontram na

sala. Meses de pesquisa e de preparação convergem-se neste único

momento.

Kay olha para a sua aliança e fecha os olhos com pesar. As

memórias abandonam-na lentamente; especialmente as mais recentes.

Quando as falhas de memória começaram, Kay dizia para si mesma

que nós nos lembramos do que queremos e o resto esquecemos por

conveniência. A sua vida nunca fora fácil; por isso, talvez

quisesse esquecer por conta da sua própria sanidade. E, depois,

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há outras coisas que ela gostava de esquecer de todo e não

consegue. Kay escarnece e mexe na sua aliança, olhando para Ari.

O seu pensamento é interrompido pelos geradores da máquina

do tempo, cujo barulho é ensurdecedor.

- Hei! – A interjeição de Kay é quase inaudível. – O que é

que se passa?

Hayden levanta-se da secretária, atrapalhado.

- Não sei! – Hayden corre para o painel de funções da máquina.

- Eles devem estar de volta! – Hayden permanece de pé, a fitar a

máquina, à espera de algum tipo de sinal de vida.

- Não acredito que funcionou… - Ari olha para Hayden

estupefacto.

As portas da máquina abrem e logo os sorrisos de vitória, da

comitiva de espera, se esvaem. A imagem enquadrada pela porta da

máquina não é a que esperavam.

Alastair está ajoelhado com Cassia, a sangrar, nos seus

braços. O seu choro compulsivo, suplicando por ajuda, sobrepõe-se

aos geradores.

Kay e Ari correm em seu auxílio sem hesitação.

- O que raio é que vos aconteceu? – Kay olha, em choque,

para Alastair.

- Ela precisa de ajuda… Perdeu muito sangue… - Alastair tenta

erguer Cassia nos seus braços, mas as forças falham-lhe.

Ari intervém de imediato ao perceber que o jovem não está já

em condições de ajudar ninguém. Tomando Cassia nos braços, corre

para a mesa do laboratório, estendendo o corpo inconsciente da

rapariga sobre o tampo e aplicando pressão no ferimento.

- Chama a Doutora Grant! – A ordem é dada por Kay e de

imediato Hayden corre para o telefone.

Kay olha para Cassia de onde está. “Talvez seja verdade que

a salvação tenha um preço.” Apercebendo-se de que Alastair

continua de joelhos no interior da máquina, apressa-se a passar

pelo aparelho de descontaminação para o tentar acordar do transe.

Porém, Alastair recusa-se a mexer.

- Alastair! – Kay prende a cara do jovem com as suas mãos,

ajoelhando-se à sua frente. – O que é que aconteceu?

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Sem proferir palavra, Alastair solta-se da preia de Kay e

levanta-se lentamente; o seu corpo a tremer. Passo a passo, faz o

caminho de encontro a Cassia.

Kay suspira e permanecendo de joelhos, olha por cima do ombro

para Alastair a dirigir-se, torpedo e em choque, para a irmã. Kay

teme o pior; os seus olhos agora a incindirem sobre a poça de

sangue que se formara no chão.

Tudo, a Alastair, se parece mexer em câmara lenta. Levando a sua

mão a acariciar o cabelo de Cassia, repara pela primeira vez que

está a tremer.

- Desculpa, Cassia… - A voz de Alastair vem em soluços. –

Foram só palavras vazias. Eu não acredito naquilo que te disse…

Eu bem sei que tiveste as tuas razões. Por favor, volta!

Todos param, sem saber como agir, perante as súplicas de

Alastair. O tempo parece estender-se. Hayden fita a porta do

laboratório à espera de ajuda médica.

- Onde raio estão os médicos? – Alastair grita, enraivecido.

- A doutora está a vir… - Hayden tenta assegurá-lo.

Repentinamente as portas do laboratório abrem abruptamente

e Laura entra que nem uma flecha a empurrar uma maca hospitalar.

- Cheguei! O que aconteceu? – Laura pergunta de imediato,

sem querer desperdiçar mais tempo.

- Ela levou um tiro… - Alastair suspira.

Laura fica estática ao ver quem é a paciente.

- Cassia… - O ar sai dos seus pulmões e, por milésimos de

segundo, Laura fica sem reação.

- Doutora… - Ari tenta levar Laura a agir.

- Claro. – Laura acorda da hipnose e, de imediato, tira o

estetoscópio do pescoço, avaliando o estado físico de Cassia. –

Ela perdeu demasiado sangue, mas ainda tem pulsação. Preciso de

um torniquete!

Ari passa os utensílios a Laura, auxiliando-a. Hayden tenta

desviar Alastair, mas este recusa-se, por momentos, a obedecer.

- A Cassia precisa de ir imediatamente para a cirurgia! –

Laura olha para Ari, pedindo ajuda.

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O protesto de Laura é logo ouvido. A urgência está em levar

Cassia para o bloco operatório. Ari ajuda Laura a colocar Cassia

na maca e todos abrem caminho para elas passarem.

A preocupação no olhar de Alastair é visível, à medida que

a maca desaparece pela porta do laboratório. Kay e Ari entreolham-

se sem saber o que fazer.

Alastair senta-se a olhar para o sangue que ficou na mesa,

sem conseguir articular palavra. Hayden, sem saber o que dizer,

dispersa para a sua secretária.

Ari caminha lentamente até Alastair, afagando as suas costas,

numa tentativa de se desculpabilizar. Alastair levanta-se

repentinamente, sacudindo a mão de Ari de si; vendo o gesto como

frívolo. Caminhando em direção à porta, é imediatamente impedido

de sair por Kay, que o fita com punhais nos olhos.

- Senhor Vincent!

Alastair para e cerra os pulsos, sem olhar para trás.

- Onde é que pensa que vai? – Kay continua. Ari e Hayden

olham para ela e para Alastair, esperando ver a cena a desenrolar-

se. – Penso que nos deve uma explicação.

O tom de Kay é altivo e inquisidor; Alastair engole em seco,

cerrando os olhos e respirando fundo. O que menos necessitam agora

é uma explosão de ira da sua parte.

- Vocês não estavam lá… - O tom de Alastair é roco e baixo.

– Não sabem a primeira coisa acerca do que tivemos que fazer…

- Por isso é que é da máxima urgência que um relatório oral

tome lugar, de modo a procedermos com a avaliação da vossa

prestação.

O maxilar de Alastair contrai-se e os seus olhos perdem o

brilho; o sangue começa a subir-lhe à cara. Celeremente, Alastair

dirige-se a Kay; ela tinha passado agora das marcas.

- Como é que é possível que seja essa a sua primeira

preocupação? – Alastair grita, dirigindo-se violentamente à

Comandante. Ari intromete-se imediatamente, impedindo Alastair de

tocar em Kay. – A minha irmã está entre a vida e a morte! E a

culpa é sua! Ainda assim, tudo o que a preocupa é a merda do

relatório!

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- Vamos lá, Alastair! – Ari permanece calmo, tentando acalmar

os ânimos. – Discutir não nos leva a lado algum… E certamente não

vai ajudar a Cassia.

Kay permanece impenetrável a olhar para o rapaz irado, nos

braços de Ari.

- Apenas precisamos de entender o que aconteceu, Alastair.

– Ari continua; prendendo os ombros do rapaz e forçando-o a olhar

para si. – É imperativo que nos contes tudo, de modo a sabermos

como melhor ajudar a tua irmã.

Alastair tenta acalmar-se. Ele sabe que a única pessoa,

agora, capaz de ajudar Cassia é a médica que a levou dali. De todo

o modo, Alastair percebe a urgência de ter que relatar os

acontecimentos. Eles podem ter alterado algo na linha temporal e,

se assim fosse, estariam em grandes sarilhos.

- Eu matei o Arquiduque e a sua mulher. – Alastair desvia o

olhar para o chão e a sua voz tem pesar.

Ari, gradualmente, larga os ombros de Alastair e deixa cair

os braços ao longo do corpo, confuso. Kay cerra os olhos e agarra

a cana do nariz, respirando fundo. Tudo o que poderia dar de

errado com esta missão, deu.

- Hayden; quero uma análise detalhada, por favor. – A voz de

Kay não denota qualquer emoção. Não há tempo para guardar

ressentimentos; precisam de controlar os danos imediatamente.

- É para já. – Hayden começa, vorazmente, a martelar no

teclado de computador à sua frente.

Kay vira-se para Alastair, indolente e cordial.

- Eu entendo que a última coisa na sua mente seja a missão.

– Alastair abre a boca para falar, mas Kay não lhe dá a chance de

o fazer. – Peço também desculpa pela minha insensibilidade perante

a situação; no entanto, espero que compreenda que estamos a lidar

com um assunto extremamente sério. A Cassia está em ótimas mãos e

vai estar a ser operada durante as próximas horas. Dito isto,

ficaríamos muito agradecidos se pudesse fazer-nos o obséquio de

nos informar dos acontecimentos na Sérvia.

Alastair pondera atentamente nas palavras de Kay.

- Está bem… - Responde finalmente, colocando as mãos nos

bolsos das calças ensanguentadas.

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Kay indica-lhe a mesa e Alastair atende ao pedido, sentando-

se novamente. Ari e Kay seguem-lhe os passos, sentando-se os dois

de frente para Alastair. Hayden para abruptamente de teclar e

vira-se também para o jovem, que evita o seu olhar.

- Nós chegámos à Sérvia e a primeira coisa que reparámos foi

a discrepância perante nós e os outros. Tivemos que encontrar uma

solução rápida para mudarmos de roupa e podermos passar

despercebidos. – Alastair repara que Kay está a tirar notas. –

Depois de encontrarmos uma pequena loja de roupa entrámos e

tivemos um pequeno confronto com quem, posso apenas assumir, seja

o dono da mesma.

» Finalmente vestidos, dirigimo-nos para a rua onde o

Arquiduque iria passar e onde os ataques aconteceram. Foi quando

a Cassia reparou numa tipa que passou uma arma aos terroristas. A

partir daí está tudo muito confuso na minha cabeça. Houve vários

confrontos físicos, até que apanhámos o Princip e uma coisa levou

à outra. Posso apenas presumir que a Cassia tenha sido alvejada

num dos confrontos…

- Muito bem… - O tom de Kay é frio e analítico. – Disse ter

sido o responsável pela morte do Arquiduque?

Alastair mexe-se, desconfortável com a pergunta e cruza os

braços sobre o peito.

- Sim. A vida da Cassia estava a ser ameaçada pelo Princip

e a minha primeira reação foi pegar na arma a meus pés e tentar

alvejá-lo. No entanto, o carro apareceu do nada à minha frente e

eu acabei por acertar em Ferdinand e na sua mulher. – Alastair

suspira. – Foi um acidente.

- Não duvido. – Kay pousa a caneta e entrelaça as mãos sobre

a mesa, fitando Alastair. – Mais alguma coisa que devamos saber?

Alastair desvia o seu olhar do de Kay e fica pensativo. Há

momentos em que o melhor é escolhermos as nossas respostas

sabiamente. Este seria um desses momentos. Engolindo em seco,

Alastair volta a olhar para os dois comandantes.

- Não. Não há nada…

- Muito bem. – Desta vez é Ari quem fala. – Muito obrigada,

Alastair. Estás dispensado… Melhor será ires mudar de roupa,

rapaz.

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Alastair concorda silenciosamente e sai de imediato,

deixando o laboratório para trás e dirigindo-se para o seu quarto.

Kay suspira e olha para Hayden.

- Então?

- Nada. Está tudo exatamente na mesma. Não houve mazelas ou

alterações na linha temporal.

Kay levanta-se eloquentemente da mesa, sem pronunciar uma

palavra. Ari observa a Comandante, desconfiado da sua calma.

- O que se passa, Kay?

Pegando nas suas notas, Kay sai lentamente do laboratório;

os seus pensamentos distantes.

Ari olha para Hayden sem entender o que aconteceu com Kay.

- Continua a procurar, Hayden. Pode ser que surja alguma

coisa. – Sorrindo Ari levanta-se. – Entretanto, temos que fazer

um esforço por apoiar o Alastair. O rapaz já passou por muito.

Hayden concorda de imediato e Ari deixa-o a trabalhar. Não

confiando totalmente nas ações de Kay, decide ir à sua procura;

Ari conhece Kay e sabe que há algo por contar.

O cheiro a antibacteriano paira no ar da enfermaria de Samsara.

Hayden levanta a cabeça e sustém a respiração de cada vez que as

imponentes portas da entrada se abrem. As notícias tardam em vir

e a restante equipa também. A demora deixa espaço para a paranoia

se instalar.

As portas da enfermaria voltam a abrir e desta vez passa por

elas uma cara familiar. Alastair aproxima-se a passos largos; já

não traz o fato ensanguentado vestido, mas uns simples jeans

pretos e uma t-shirt. O seu cabelo ainda molhado brilha sob as

luzes artificiais que banham a enfermaria.

Hayden levanta-se de imediato para o receber.

Alastair olha em volta, para a enfermaria. Este lugar dá-lhe

arrepios. As camas de hospital em fila pela larga sala; as cadeiras

encostadas às paredes para comodidade de quem espera por notícias

inconstantes. Os tubos e máquinas ligados em cada estação, com

destino a variadas funções.

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A porta para o corredor cirúrgico está paralela à zona

destinada à espera dos familiares e amigos. As portas automáticas

encabeçando o cajado com a serpente, símbolo da medicina.

As cortinas esverdeadas que rondam todas as camas lembram

Alastair de todas as vezes que teve que levar um paciente ao

hospital atulhado de Quimera. Lembram Alastair de quando teve que

carregar a sua mãe, em braços, até uma dessas camas. Parece que a

história tem um ato para andar em círculos.

- Onde estão os Comandantes? – Alastair pergunta ao se

aproximar de Hayden.

- Bem… - Começa Hayden. – A Kay não é muito boa a lidar com

este tipo de situações. Quanto ao Ari não o voltei a ver depois

de ele ter saído do laboratório.

Alastair acena com a cabeça e sorri para o jovem que olha

para ele. A sua desconfiança perante os Comandantes começa cada

vez mais a aumentar; no entanto, a sua preocupação com o estado

de saúde da irmã é maior que qualquer ressentimento e desconfiança

que possa ter.

Alastair senta-se numa das cadeiras e logo Hayden se senta

a seu lado. Ficam em silêncio, pois não há muito que dizer. A

verdade é que são estranhos e apesar da preocupação por Cassia

ser o que os une neste memento, não têm pontos em comum ou

interesses.

O mundo de Alastair parece ter encolhido. Tudo à sua volta

parece gigante e cada decisão que toma parece trazer-lhe mais

preocupações e problemas. Suspirando, apoia a cabeça nas suas

mãos, tentando reter as lágrimas. Momentos para sempre congelados

no tempo voltam à sua mente. Pessoas que não voltarão jamais e

espaços que deixaram por preencher. Perguntas que não poderão ter

resposta assombram Alastair: para quê tudo isto, se deixamos

apenas de existir? “Isto nem sequer faz sentido.” Alastair afasta

o pensamento, tenta focar-se no que pode controlar.

As portas automáticas têm um som inconfundível e arrancam

Alastair e Hayden do transe, fazendo-os quase saltar das cadeiras.

Laura anda a passo rápido até eles. As vestes médicas que traz,

antes azuis, estão cobertas de sangue. Alastair sustém a

respiração. A expressão da médica é indecifrável.

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- Ela perdeu muito sangue… - Laura olha para o chão ao falar.

- O que é que isso significa? – Alastair está impaciente; a

sua mente a ir para os lugares mais obscuros. Incomodado, olha

para o chão.

- Calma. – Laura sorri, docemente, para os dois pares de

olhos que a fitam atentamente. – A Cassia vai ficar bem.

Alastair nunca sentiu tanto alívio na sua vida. Um peso foi

retirado de cima de si: o seu mundo começa a voltar, lentamente,

ao tamanho original.

- Ela tem que recuperar, claro. – Laura continua. – O

projétil não danificou nada vital. Eu tive que reparar o seu

fígado, mas de certo modo ela teve muita sorte. Trouxeste-a de

volta a tempo, Alastair. Salvaste-a.

Laura leva a sua mão ao braço de Alastair, tentando

reconfortá-lo de alguma maneira.

- Poderão vê-la dentro de alguns momentos. Tenham em conta

que a Cassia ainda está sob efeito da anestesia, portanto vai

estar a dormir durante algum tempo.

Alastair não consegue conter a sua alegria e mal deixa Laura

acabar de falar, envolvendo-a num grande abraço. Em retrospetiva,

quando antes de partirem, Alastair viu Laura a sair do quarto de

Cassia, ele não sabia que ela era a médica de Samsara. Agora

arrepende-se de a ter chamado de galdéria.

- Obrigado, Doutora! – Alastair sorri alegremente e

finalmente larga Laura. – Muito obrigado.

- Só fiz o que me compete. – Laura retrai-se e colocando as

mãos nos bolsos da bata cirúrgica, sorri timidamente. – Um

enfermeiro irá trazer a Cassia para a enfermaria dentro de

momentos.

Laura despede-se e faz o caminho de regresso ao corredor

cirúrgico, deixando os dois a celebrar a vitória.

Kay olha para os monitores que vigiam Quimera com uma expressão

vazia. Os seus pequenos olhos castanhos a evitarem a devastação.

A sala está pobremente iluminada, como sempre, apenas a luz

proveniente das telas de computador iluminam a sua tez pálida. O

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seu longo cabelo liso e preto, cobre os seus ombros. Suspirando,

pega nas pastas à sua frente, que a fitam há demasiado tempo.

Numa explosão de raiva e frustração, atira a cabeça para

trás e com as pastas novamente para cima da secretária, levando

as mãos à cabeça. Estará na altura de admitir a derrota? Ou será

que deverá optar por novos métodos?

Kay levanta-se, atirando a cadeira para longe. Demasiadas

decisões para serem tomadas. Demasiadas pessoas à espera de uma

solução para os seus problemas. O conselho de responsáveis

políticos à espera de respostas concretas e resultados positivos.

Kay não sabe o que desenhar desta missão.

A porta da sala abre-se, deixando a luz dos corredores

entrar, apanhando Kay de sobressalto.

- Bolas, assustaste-me… - Kay fita a figura que se encontra

à porta com desinteresse.

- Não era a minha intenção. – Ari olha para Kay, desculpando-

se. Fechando a porta atrás de si, aproxima-se da Comandante. – O

Hayden telefonou agora. A Cassia vai ficar bem. A cirurgia correu

lindamente e ela está fora de perigo. Pensei que gostarias de

saber.

Kay deixa sair um suspiro que não sabia estar a segurar. A

sensação de alívio invade o seu corpo e a emoção torna-se demasiado

real, deixando Kay desconfortável.

Ari aproxima-se mais e prolonga o olhar que cruza com Kay,

sabendo que esta baixara a guarda por um breve momento.

O desconforto de Kay é notável; ela nunca se sentira bem em

demonstrações de afeto, pelo que Ari quebra o feitiço e dá um

passo atrás. Provavelmente, Ari deveria ter evitado este momento;

porém, a nostalgia levou-o a querer estar novamente próximo da

Comandante.

Ari agarra o braço de Kay e fita-a intensamente, esperando uma

resposta.

- O que se passa? – Ari suplica.

Com um gesto cuidadoso, Ari afasta o cabelo da cara de Kay;

as nódoas negras são visíveis na sua tez pálida. As lágrimas

correm silenciosamente pela cara da morena.

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- Não quero falar sobre isto, Ari. – Kay olha para o homem

à sua frente e força um sorriso. – Por favor.

Ari olha para o chão e novamente para Kay. Tentar respeitar

o seu desejo de silêncio torna-se difícil, sendo que as marcas na

sua cara continuam a lembrá-lo de porque não deve fazê-lo.

Cerrando os pulsos, levanta-se e vira as costas a Kay, pronto para

sair da sala.

Uma mão na sua impede-o.

- Não vás. Não quero ficar sozinha…

Kay levanta-se e aproxima-se de Ari, deitando o queixo no

ombro musculado do Comandante. Ari vira-se repentinamente e beija

Kay, que retribui o gesto.

Kay tenta chamar a atenção de Ari, que parece estar absorto à

realidade.

- Ari? – Kay olha para ele impaciente. – Precisas de alguma

coisa?

- Não. – Para quê tentar vencer, quando sabe que já perdeu?

– Isso pergunto eu.

Ari olha para as pastas em cima da secretária. Um sentimento

de déjà-vu assalta-o e fá-lo rir.

- Não percebo onde está a graça.

- Eu sei o que estás a pensar e, dados os últimos

acontecimentos, achas mesmo que vai ser aprovado pelo comité?

- O comité é a última coisa no meu pensamento, Ari. Eles não

conseguem fazer isto sozinhos. Querias provas, aqui as tens!

- E lá andamos nós às voltas para chegar novamente à mesma

discussão! – Ari leva as mãos ao ar, frustrado. – Não podes brincar

com a vida das pessoas, Kay! Não é justo para ninguém.

- Oh, por favor! Não queiras comprar uma guerra comigo, Ari.

Eu não vou apenas ganhar; vou destruir-te. – Kay dá um passo

ameaçador em frente e fica a poucos centímetros de Ari. – Isto é

maior que nós os dois. Desiste desta disputa ridícula e pensa no

que temos para enfrentar. Achas mesmo que a Cassia e o Alastair

conseguem sozinhos? Achas?

Ari sabe que Kay tem razão. Isto é um empreendimento

demasiado grande para tão poucas almas.

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- Tens que pensar que o teu plano pode não ser a melhor

estratégia, Kay!

- Estou disposta a ouvir outras sugestões.

Kay olha para Ari e guarda silêncio.

- Tudo tem um preço. Estás mesmo disposta a pagar este?

- Tudo o que oiço são palavras sem significado. – Kay cruza

os braços. – Os recursos acabaram-se. Não sobra nada. Já olhaste

à tua volta? Não há medicamentos; a produção parou; as

comunicações com o exterior acabaram. Estamos sozinhos. E agora,

no topo do bolo, alguém está a tentar apagar a nossa existência

por completo! Durante três anos temos andado a tentar sobreviver

nos recobros de uma guerra que nem era nossa para começar! Eu sou

a responsável por este programa e vou fazer dele o que me aprazer!

Estamos entendidos, Comandante?

Ari sorri, presunçosamente.

- Sim, senhora! – Num gesto de continência forçada, Ari olha

para Kay, desagradado com o tratamento. – Nunca pensaria

questionar a sua autoridade ou as suas razões, Comandante Li.

Kay arrepende-se de imediato do tom demasiado severo que

usou com Ari.

- Tu vês-me como uma vilã, Ari. Mas essa é apenas a tua

perspetiva. – Kay afasta-se de Ari. – Um dia vais perceber.

Ari não esperava esta franqueza da parte de Kay.

- Eu não…

Kay interrompe-o.

- As pessoas merecem que lhes demos a melhor oportunidade de

sobrevivência que consigamos. – Kay tenta pedir desculpa, à sua

própria maneira. – Quem quer que esta equipa seja, tem que ser

parada: se alguém vem para te matar, levanta-te cedo e mata-o

primeiro.

- Matarmo-nos uns aos outros é algo em que o ser humano tem

sido brilhantemente consistente. Mas, se conseguíssemos parar de

nos matar uns aos outros por uns míseros cinco minutos, consegues

imaginar as possibilidades que teríamos? Um milagre poderá não

nos salvar…

Kay suspira e vira as costas a Ari.

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- Eu já me decidi. Isto vai ser feito. A ordem foi dada e

não há volta a dar.

Ari contrai o maxilar e respira fundo.

- Não sabes para onde queres ir e mesmo assim mal podes

esperar por lá chegar… - Ari lamenta. – Muito bem. Vamos buscá-

los então.

Ari sorri para Kay, o que a deixa desconfiada perante a

súbita mudança de atitude. Ainda assim, ela sabia que precisavam

de mostrar uma frente unida quando passassem as ordens para a

restante equipa.

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Capítulo 8

Hayden entra no laboratório seguido de Alastair. Kay e Ari

conversam casualmente, mas param assim que dão pela presença de

Alastair.

Sem grandes cerimónias, Alastair puxa uma cadeira e senta-

se à mesa de reuniões. A mesa já está limpa e o laboratório

imaculado; ninguém adivinharia que há poucas horas atrás tinha

ocorrido ali um banho de sangue. Alastair fita a mesa com desdém,

como que se de algum modo pudesse dirigir a sua raiva ao objeto à

sua frente.

Olhando para Kay, Alastair questiona-se acerca de que assunto

poderão ter para tratar. A sua paciência está prestes a expirar,

principalmente porque tudo o que quer é estar ao lado de Cassia

para o caso de a irmã acordar.

Kay lê rapidamente a sala, pousando o olhar em Alastair, por

último. Puxando uma cadeira, senta-se de frente para o jovem.

- Temos uma nova tarefa. – O tom que Kay é clínico; a sua

expressão sem emoção, como sempre.

- Está ganzada? Ou apenas a gozar com a minha cara? – Alastair

pergunta, desagradavelmente.

A pergunta vem como uma surpresa, apanhando todos

desprevenidos. Kay agarra o olhar de Alastair, desconcertada

perante a resistência que Alastair está a oferecer.

- Perdão, Senhor Vincent? – Kay finge não ter percebido a

pergunta, dando a hipótese de Alastair a reformular.

- Eu perguntei se a comandante está sob o efeito de

psicotrópicos. – Alastair sorri, desafiante, para Kay, cujo fumo

se pode ver a sair pelos ouvidos.

Kay ri-se e descontraidamente levanta-se, pousando ambas as

mãos na mesa e fitando Alastair intensamente.

- Contrariamente ao que possa pensar, Senhor Vincent, a sua

atitude não me comove. E eu penso que vai a tempo de aprender que

muitas das leis de Quimera ainda são válidas hoje. A

insubordinação nunca foi bem acatada, pois não?

Alastair engole em seco, arrependendo-se logo do comentário

que fez. O olhar de Kay a engoli-lo vivo.

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Antes de ver a tensão na sala escalar, Ari decide intervir.

- Alastair, penso não haver necessidade para esse tipo de

atitude. – O tom de Ari é calmo e compassivo. – Nem eu, nem a

Comandante Li alvejámos a Cassia. Eu percebo que estás chateado

com o que aconteceu, mas neste momento precisamos de atender aos

assuntos com uma mente aberta. Felizmente a Cassia vai ficar bem

e eu gostaria de ter tudo acertado para quando ela acordar.

- Peço desculpa. – Alastair olha para Kay, sentindo-se

arrependido pela maneira como reagiu. – Qual é a tarefa?

Kay clareia a garganta e volta a sentar-se, dando sinal a

Hayden para dar os comandos ao computador. Numa questão de

segundos, três fotografias aparecem no ecrã: dois rapazes e uma

rapariga.

- As fotografias que está a ver são de Makayla e Able Summers

e Ziyon Carter. – Kay apresenta. – Precisamos de os encontrar.

- Só isso? – Alastair mostra admiração pela simplicidade da

tarefa. – Com que finalidade?

Ari olha para Kay, comprometido.

- Novos recrutas. Para vos ajudar nas viagens… - Kay explica

sucintamente. – Tornou-se evidente que tu e a Cassia precisam de

um suporte. Esta missão é demasiado arriscada e complexa para

vocês estarem sozinhos.

Alastair observa os comandantes sem proferir palavra.

- Partimos ainda hoje para a cidade. – Ari levanta-se da

mesa, como se a discussão estivesse finalizada.

Alastair zomba a situação.

- Porque é que o melhor para vocês é sempre o pior para as

outras pessoas? – Alastair levanta-se e olha para Ari e Kay. – E

antes que tentem dar a volta à situação com palavras mansas,

saibam que não encontro fé nos vossos sentimentos forçados.

Alastair está cansado de disputas e desavenças. O seu tom é

inexpressivo e o seu ar sereno. Kay cruza os braços e Ari fita

Alastair com uma expressão em branco.

- Pensei que vocês eram os bons da fita… - Alastair vira as

costas aos comandantes e dirige-se para a porta.

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Ari olha para Kay, a tentar legitimar o seu bom senso, por

ter previsto a reação de Alastair. Kay, porém, não se dá por

vencida e antes de Alastair sair volta a falar:

- Eu comecei a perceber que há muito pouca diferença entre

o bem e o mal, Alastair. Tudo depende da perspetiva.

Alastair para, mas não olha para trás e para surpresa de

todos, começa a rir-se.

- Sabe qual é o problema aqui? É que as pessoas pensam sempre

que sabem o que é melhor para os outros! E nem sempre é esse o

caso.

Alastair sai abruptamente do laboratório, deixando todos a

olhar para o vazio.

Kay suspira e vira as costas às duas pessoas que olham para

ela à procura de uma reação.

- Já pensaste que se dissesses o que realmente queres dizer,

em vez de um discurso bem ensaiado, poderias ter outro tipo de

reação da parte das pessoas?

A voz de Ari é ignorada pela Comandante. Lições de moral é

algo que dispensa neste momento. Em silêncio e ligeira, deixa o

laboratório num ápice, sem destino em mente.

Cassia acorda, a custo, encontrando a enfermaria silenciosa. Não

reconhece o lugar onde se encontra e a sua mente está turva, com

apenas alguns fragmentos de realidade a flutuar; de resto, nem

consegue perceber se o que se lembra é apenas um produto da sua

imaginação ou se aconteceu realmente.

Cassia não vê ninguém e tenta levantar-se, mas com

dificuldade; a sua respiração começa a acelerar e o monitor que

atenta no seu ritmo cardíaco começa a apitar sonoramente. Depois

de um enorme esforço, finalmente se senta na orla da cama e

deitando a cabeça para trás tenta respirar fundo. Uma lágrima

involuntária e sem significado escorre-lhe pela cara. A dor no

seu abdómen é intensa e, olhando para a sua intravenosa, lembra

que a medicação é escassa em Quimera. Isto, de algum modo, fá-la

sorrir, pois para o bem ou para o mal, isso significava que estavam

de volta.

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Cassia estremece à medida que os seus pés tocam o chão. As

suas pernas estão fracas e mal conseguem carregar o seu peso;

ainda assim, arranca as agulhas do seu braço e, devagar, caminha

até ao espelho na parede oposta. A tremer, desata a bata hospitalar

branca que lhe vestiram, deixando-a escorregar pelo seu corpo

dorido até ao chão. A enfermaria está pobremente iluminada; deve

ser tarde e tudo o que se vê é a silhueta de Cassia, de frente

para o espelho.

Cassia atenta no curativo sobre a incisão de onde a bala

fora retirada. Levando a mão ao ferimento, lembra a sensação da

vida a sair do seu corpo. Mais uma cicatriz para se juntar à sua

antiga coleção. As suas costas estão cravejadas com velhas

lembranças dolorosas do seu passado e do seu pai.

As recordações desvanecem, quando Cassia se apercebe que não

está sozinha. Sorrindo para Laura através do espelho, tenta

apanhar a bata para se vestir, quando se apercebe de que está nua.

O seu longo cabelo castanho tapa os seus seios, mas não muito

mais. A sua boa forma física é evidente e, no entanto, o mais

simples gesto é-lhe negado pela dor que os seus ferimentos lhe

provocam.

- Devias estar a descansar. – Laura ajuda Cassia e cobre-lhe

os ombros com as vestes hospitalares. O seu tom é neutro e clínico.

– Ainda rebentas os pontos…

Cassia não discute com Laura, pois sabe que ela tem razão.

Os seus impulsos deviam ser melhor controlados. Para além disso,

Cassia sabe que não há muito a dizer, quando as pessoas esperam

ações em vez de palavras.

Laura ajuda Cassia a regressar à cama e avalia o seu estado,

começando por a auscultar em silêncio.

- Respira fundo…

Cassia não sabe o que dizer, por isso vai obedecendo às

ordens que lhe são atiradas e estremecendo à medida que o metal

frio toca na sua pele.

Laura prende o seu olhar e Cassia sustém a respiração. Não

está habituada a perder o controlo e, de algum modo, perdeu-o com

Laura. Agora, o ambiente está tenso.

- Laura…

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- Lembras-te do meu nome! – Laura brinca, aliviando um pouco

o ambiente. – É bom sinal; a memória recente está intacta.

Cassia ri-se nervosamente e fita o lençol branco da cama

desfeita. O silêncio constrangedor volta a circundá-las.

- Sei que provavelmente deveríamos falar sobre o que

aconteceu antes de… - Cassia tenta começar a conversa que sabe

que tem que acontecer, mas Laura interrompe-a.

- Cassia… - A rapariga sustém a respiração ao sentir a mão

de Laura na sua perna e tenta manter a compostura. – Eu consigo

ver a tua cabeça a andar em círculos. Não te preocupes, eu não

vou morrer só porque tivemos uma noite bem passada e tu não

telefonaste no dia seguinte.

Laura ri-se e pisca o olho a Cassia, que olha para ela

confusa, à espera da contrapartida. Laura retira a mão da perna

de Cassia e pega no dossier que se encontra na mesinha de

cabeceira, escrevinhando qualquer coisa.

Cassia tenta decifrar a médica, sem saber se há de sentir-

se ofendida ou aliviada com as palavras de Laura.

- Muito bem… - Cassia ri. – Obrigada por me salvares a vida,

de todo o modo.

- Ora, acabei de te conhecer. Não podia deixar-te morrer sem

pelo menos te dar outra oportunidade. – Laura inclina-se e beija

Cassia, suavemente, apanhando-a desprevenida.

As portas de enfermaria abrem abruptamente e Laura interrompe

o beijo, pousando o dossier novamente e colocando as mãos nos

bolsos da bata.

Alastair faz o caminho até à cama de Cassia a resmungar algo

incompreensível e a olhar para o chão, numa intensa discussão

consigo mesmo. A sua expressão muda, logo que pousa o olhar em

Cassia sentada na orla da cama, a sorrir.

- Estás acordada! – Alastair não consegue conter o sorriso.

Laura encontra a oportunidade para se retirar, com a chegada

de Alastair.

- Alastair! – Laura sorri. – Vê se tens mais sorte do que eu

a tentar convencer a tua irmã a repousar. De resto, ela está a

responder bem e o seu estado físico está a melhorar. Deixo-vos,

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pois tenho a certeza que têm muito que conversar. Ah, e cuidado

com os pontos.

Sem mais demoras, Laura vai embora, piscando o olho a Cassia

deixando-a a olhar para o caminho que toma. Cassia escarnece e

morde o lábio, tentando perceber o que acabou de acontecer, sem

notar a forma como Alastair a fita.

- Já a fazer amizades com a senhora doutora? – O tom de

provocação amistosa não escapa a Cassia.

Cassia olha para Alastair e ri.

- Já era sem tempo, se queres que te diga. – Alastair

continua. – Desculpa eu ter-te repreendido quando a vi a sair do

teu quarto naquela manhã. Eu deixei que os padrões do

comportamento passado, toldassem o meu julgamento.

- Não é nada do que pensas. Mas agora entendo o que motivou

o teu comportamento naquele dia.

Alastair senta-se ao lado de Cassia e dá-lhe a mão.

- Eu não posso impedir-te de viveres a tua vida, Cass. E,

para ser sincero, acho que já é sem tempo começares a procurar

outro destino, mana. A Tara não vai voltar. Talvez, agora

encontres o amor da tua vida.

Alastair ri-se perante as suas palavras e Cassia deita a

cabeça no ombro do irmão.

- Eu sei, mas isso não significa que a imagem dela não me

continue a assombrar todos os dias. – Cassia respira fundo e

afasta o doloroso pensamento. – De todo o modo, eu acho que o amor

da nossa vida é sempre aquele que não podemos ter.

Alastair olha para Cassia, atentando nas suas palavras e não

querendo acreditar que o destino fosse assim tão fatídico.

- Enfim. Parece que não morri. – Cassia brinca.

- Nah, tu és demasiado teimosa para morrer.

- O que aconteceu, entretanto? Tens que me pôr ao corrente

da situação.

Alastair levanta-se e senta-se na cadeira, de modo a poder

estar de frente para a irmã.

- Não te preocupes. Não parece que a nossa intervenção tenha

afetado alguma coisa na linha temporal. Apesar de eu ter morto o

Arquiduque e não o Princip.

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Cassia fica pensativa durante uns segundos e a sua expressão

muda de repente, como que tenha chegado a uma conclusão.

- Tu e o Princip têm aproximadamente a mesma altura e estavam

a usar fatos idênticos, Alastair.

- E o que é que isso tem?

- Não percebes? – Cassia inclina-se ligeiramente para a

frente, mas retrai-se com dor. Ignorando a pontada no seu abdómen,

continua. – O Princip pode ter apenas assumido o ataque; ele não

iria retirar o foco à sua organização terrorista e muito menos

admitir o falhanço.

- Isso não é uma má teoria de todo, Cassia. – Alastair parece

abismado. – Fomos confundidos. No meio da confusão é perfeitamente

normal…

- Então e de seguida? Temos outra possível localização? Vamos

voltar à Sérvia?

- Acalma lá os cavalos, Cassia. Tu precisas de recuperar. –

Alastair repreende a irmã de imediato, perante a sua

impulsividade. – De todo o modo, temos assuntos mais urgentes, ao

que parece.

- Aconteceu alguma coisa?

Cassia estava curiosa agora e a julgar pela expressão de

Alastair, ele estava pouco ou nada satisfeito com esses novos

planos.

- Os comandantes pensaram ser imperativo trazer novos membros

para esta equipa.

- E tu pensas que isso é uma má ideia.

Alastair olha para Cassia surpreso perante a suposição, ainda

que correta. Cassia conhece-o demasiado bem, por isso nem chega a

formar uma questão, apenas afirma o que sabe ir na alma do irmão.

Cassia arqueia uma sobrancelha e atenta em Alastair,

esperando a história completa.

- Olha o que te aconteceu, Cassia! – O tom de Alastair é

apreensivo e faz Cassia suspirar. – Precisamos mesmo de meter mais

gente em risco?

- Al… - Cassia pega na mão do irmão. – O que aconteceu comigo

não é a regra. Nós temos vindo a sobreviver num mundo de loucos;

num mundo estragado. Não que ele não estivesse estragado antes da

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guerra, mas ainda assim a batalha a que fomos sujeitos só acentuou

o que havia de errado. As pessoas há muito que deixaram de ver o

mundo a preto e branco e certo e errado. Os polos opostos já não

existem. Eu percebo que te seja difícil confiar nesta gente e nas

suas intenções. Eu também não confio neles… Posto isto, não achas

que seria mais fácil enfrentá-los com outras pessoas como nós?

Forasteiros como nós?

» Não podemos controlar tudo. Mas, dentro do que podemos

controlar, não achas que podemos simplificar? Olha, nós vamos

passar muito mais tempo mortos, do que passamos vivos. Mais vale

tentarmos facilitar o tempo que realmente aqui estamos.

Alastair fita Cassia e reflete nas suas palavras. Desviando-

se do intenso olhar da irmã, olha para o teto metálico,

característico de todas as instalações de Samsara.

Levantando-se, beija a testa de Cassia e sorri.

- Ainda bem que o teu tempo não expirou, mana. Não sei o que

faria sem ti.

- Provavelmente asneira. – Cassia ri-se, tonteando o irmão.

– Fico contente de finalmente admitires que sou imprescindível.

Alastair ri.

- Isto não significa que eu confie na Kay. – Alastair avisa.

– Ela esconde alguma coisa.

- Não escondemos todos? – A pergunta de Cassia é retórica.

Alastair beija a irmã na cara e volta-se para sair.

- Onde vais? – Cassia pergunta.

- Vou procurar os nossos novos colegas! – Alastair mostra a

língua a Cassia. – Tu estás em repouso absoluto!

- Porque é que toda a gente me continua a relembrar disso?

Cassia manda os braços ao ar, desanimada e olha, chateada

para o teto, onde tubos, fios e ventilações metálicas desenham um

labirinto.

A floresta que rodeia Quimera é densa e os caminhos de terra

estreitos. O jeep preto com janelas fumadas desbrava caminho entre

as silvas e galhos de árvore, velozmente. Não existem muitos

carros em Quimera, apenas os veículos governamentais circulam,

por isso nunca houve necessidade de construir muitas estradas.

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Alastair olha pela janela, do banco de trás, admirando a

paisagem verde. Ari, que conduz, de tempos a tempos olha através

do retrovisor para o rapaz.

A viagem é feita em silêncio absoluto. O bunker onde se

encontram as instalações de Samsara ficou para trás.

Kay, no lugar do pendura, revê as pastas referentes a cada

novo membro da equipa. Ela sabe que um bom líder deve ser sensato

e, por vezes, ela tem dificuldade em perceber o que é passível de

ser exigido dos outros; tendo em conta que muito é também exigido

dela. O conselho que rege Samsara é tudo menos sensato, o que lhe

dificulta o trabalho. No entanto, se queremos a bonança, temos

que aguentar a tempestade. Kay só já não tem a certeza dos fins

que quer atingir.

A luz do sol vai trespassando através de falhas nos ramos

muito juntos das árvores, que formam um túnel natural sobre a

estrada enlameada. A luz mistura-se com a sombra, na floresta,

que contrasta com a devastação da cidade que rodeia, onde a luz

já não entra há muito tempo.

Kay olha pela janela, agora; para as mesmas cores e formas

que Alastair e Ari olham. Mas ela sabe que as vê de forma

diferente. O seu longo cabelo preto está preso num rabo-de-cavalo

e os seus olhos, normalmente tão atentos, parecem perdidos.

Fechando as pastas no seu colo, consegue ouvir Alastair e Ari a

falarem ao longe, não tendo a certeza de há quanto tempo a conversa

tomou lugar.

- Fico enternecido de teres mudado de ideias, Alastair. –

Ari sorri para o rapaz através do espelho, que continua a olhar

através da janela, não fazendo muito caso do que lhe é dito. – A

tua ajuda é indispensável.

- Devia agradecer à Cassia. Foi ela quem me convenceu de que

isto é uma boa ideia. – A voz de Alastair não denota emoção.

- Nesse caso, lembrar-me-ei de lhe agradecer quando

regressarmos. De todo o modo, estou contente por teres vindo.

Alastair finalmente desvia o olhar da paisagem e fita os

dois Comandantes nos bancos da frente do carro.

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- Sabem que mais? – O tom de Alastair é um tanto malicioso.

– Parece-me que vocês sabem muito: até demasiado, sobre nós. No

entanto, nós não sabemos absolutamente nada acerca de vocês.

Kay fica alerta, assim que ouve as palavras de Alastair. As

intenções do rapaz não parecem ser apenas casuais e, certamente,

que ele não pretende apenas os seus dados biográficos. Kay guarda

silêncio, olhando pela janela, secretamente desejando que cheguem

aos portões de Quimera antes da pergunta chegar a ela.

- Tens razão. É justo trocarmos histórias de guerra. – Ari

responde prontamente. – Deixa ver. Eu sou originalmente de

Quimera; distrito Oeste. Fui casado e tive uma filha. Agora já

não sou pai ou casado. A minha filha foi levada pelo vírus e o

meu casamento acabou pouco depois disso. Tenho trabalhado para o

governo desde que fiz o meu teste de aptidões e fui recrutado.

Kay olha para Ari e vê a tristeza no seu olhar. A perda da

filha afetou-o severamente.

- Lamento. – Alastair demonstra empatia pela situação e as

suas palavras denotam sinceridade. – Pela sua menina e pelo seu

casamento.

Ari sorri, mas não fala mais, concentrando-se na condução.

Alastair vira-se para Kay, a única pessoa da qual ele quer

realmente saber mais.

- Então e você, Comandante Li? É das redondezas?

- Talvez. – Kay evita respostas concretas e definitivas.

Pela reação de Alastair, ele esperava uma resposta mais

articulada.

- Só isso?

- Sim. – Kay está irritada, agora. – Uma vez que não estou

sob interrogatório ou juramento, é só isso que tenho a dizer.

Finalmente os portões de Quimera podem ser avistados no

horizonte, dando oportunidade a Kay para desviar o assunto.

Abrindo o porta-luvas, Kay retira uma arma e um distintivo e

passa-os a Alastair.

- Estamos a chegar. – Kay evita o olhar do rapaz. – Isto é

teu a partir de agora: a tua arma de serviço e o teu distintivo.

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Alastair olha para a arma com desdém; Kay assume ser por se

lembrar da última vez que pegou numa. Ainda assim ele aceita a

oferta.

- Pensei que estávamos aqui para pedir com jeitinho…

- E estamos. – Kay parece certa do que diz, carregando a sua

arma. – Ainda assim, se bem te lembras, quando enviámos agentes

ao vosso apartamento, a Cassia matou um dos meus homens. Podes

ser simpático quanto quiseres, eu prefiro ser zelosa e não correr

riscos desnecessários.

Alastair arqueia uma sobrancelha, mas não insiste com mais

nada, recostando-se no banco. Kay olha pelo para-brisas; os

portões da cidade estão abertos e imponentes. Os prédios têm as

janelas partidas e parecem abandonados. Antes de chegar aos

portões, uma vala comum pode ser avistada: onde cadáveres estão

empilhados, aguardando a sua vez para entrar no fogareiro. Dois

agentes da polícia atiram outro corpo para a vala.

Apesar de se ter averiguado que o vírus não é transmitido

por via aérea, mas sim que é uma corrente bacterial, foi decidido

continuar-se a queimar os vestígios biológicos; não haveria espaço

para enterrar tanta gente. De todo o modo, não haveria uso para

um cemitério, já que não haveria ninguém para visitar as campas

ou lembrar os que partiram.

Os vagabundos vagueiam pelas ruas e os agentes policiais

patrulham a cidade. Ainda se tenta manter a ordem na cidade,

apesar desta parecer abandonada.

- Quimera parece cada vez mais uma cidade fantasma… -

Alastair murmura no banco de trás o que os três estão a pensar.

Kay olha para Alastair e suspira. É verdade: Quimera já viu

melhores dias.

A biblioteca de Quimera raramente era utilizada quando a cidade

estava ativa; agora, muito menos. Parcialmente abandonada, o

grande edifício que se destinava a guardar a sabedoria do Mundo

do qual se escondiam, hoje, é a casa de vagabundos e dos enfermos.

Kay, alarmante, passa velozmente entre as filas de estantes

repletas de pó e de livros que ficaram por ler, com a sua arma

empunhada. As teias de aranha, que revestem algumas partes do

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caminho, parecem não a incomodar; já Alastair, seguindo logo atrás

de Kay, vai desviando as redes orgânicas que lhe assaltam à pele

e o fazem ficar inquieto. Ari fica ligeiramente para trás,

brandindo a sua arma ao desconhecido, tentado não encontrar

vivalma.

Mesmo com o sol a brilhar lá fora, a biblioteca não vê a luz

do dia. As janelas, algumas estilhaçadas, têm tábuas de madeira a

bloquear a entrada de luminosidade, dando um ar assombrado ao

espaço público. Barulhos estranhos perseguem os três agentes que,

a custo, se tentam concentrar no chão, para não pisarem nenhuma

cama improvisada ou tropeçarem em algum corpo inconsciente.

O seu passo é rápido, à medida que tentam fugir das sombras

e dos ruídos que os perseguem. Pisam em vidro com cada passo que

dão e o cheiro pútrido, dos cobertores velhos que se estendem ao

longo da parede de mármore brando, segue no seu encalço.

Nada disto parece atormentar Kay, que segue empenhada na sua

missão, à frente. Alastair olha para a imensidão da biblioteca

abandonada e não consegue imaginá-la de outra maneira, o que o

assusta. Esta deve ser a primeira vez que Alastair assenta os pés

dentro deste edifício da cidade. Muitas vezes esperou por Cassia

do lado de fora, mas nunca se obrigou a entrar.

Olhando atentamente para as filas de livros poeirentos,

repara nas, agora arrebentadas, fechaduras que os guardavam. Cada

seção teria o seu código de aceso, agora os painéis estão partidos.

As redomas que cercavam as estantes estão estilhaçadas no chão;

no entanto, os livros continuam intactos. Alastair tenta não

pensar na dicotomia representada pelas estantes de livros e

concentra-se no objetivo desta visita de estudo.

- Como é que podemos ter a certeza de que ele está aqui? –

Alastair sussurra, para não acordar nenhum mal maior que possa

estar escondido nas sombras da biblioteca.

Kay não olha para trás, apenas sussurra de volta.

- Samsara sabe tudo: é o nosso trabalho.

- Porque é que isso não me surpreende… - Alastair revira os

olhos e fala num tom repreensivo.

- Ele passa muito tempo aqui. – Kay ignora o comentário de

Alastair. – De acordo com o que podemos apreender, os seus

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interesses são sobretudo Antropologia e Comportamento Humano. Pelo

que será essa a seção da biblioteca onde há mais probabilidade de

o encontrarmos.

Ari olha para Kay, surpreso.

- Nós temos uma seção de Antropologia na Biblioteca? – Ari

lembra Kay, indiretamente, que a biblioteca se destinava apenas a

guardar conhecimento prático, não conhecimento para intelectuais.

Estes últimos não eram permitidos existir.

- O que raio é Antropologia? – Alastair parece confuso.

- Se souberes bem onde procurar, tudo se torna conhecimento

Antropológico. – Kay sorri intencionalmente, como quem sabe mais

do que o que partilha e continua a marchar em direção desconhecida.

Ari suspira, descontente com o seu novo papel. Era muito

mais fácil quando enviavam agentes para fazer o trabalho sujo.

Ainda assim, segue Kay e Alastair, não querendo ficar sozinho no

antro em que se tornara a Biblioteca.

Repentinamente, o seu percurso é interrompido por um barulho

ensurdecedor atrás de si. Um a um, assustados, viram-se para trás,

encarando a imensidão escura do corredor. O silêncio começa a

circundá-los e a sua pulsação acelera o ritmo.

Bang! Outro barulho ensurdecedor; novamente atrás de si.

Alastair engole em seco e vira-se ferozmente, empunhando a arma à

sua frente. Vazio é o que encontra.

Alastair olha ao redor, ficando parcialmente sem ar,

procurando desesperadamente a fonte do barulho, que parecia estar

deliberadamente a tonteá-los. Mais silêncio.

- Mas que raio? – Frustrado, Alastair aponta a pistola a

cada sombra que o envolve.

- A Biblioteca é a casa de muitos refugiados e vagabundos.

Se calhar acordámos alguém. – Ari olha ao seu redor,

pacificamente.

A calma de Ari começa a irritar Alastair.

- Vamos continuar, meninas? – O tom sarcástico de Kay não

escapa a Ari e a Alastair. – Temos muito que fazer ainda…

Apesar do tom de chacota de Kay, Ari e Alastair entreolham-

se, incertos de deverem continuar em frente ou deixar o rapaz que

procuram em paz. Alastair pergunta-se o que viu este rapaz neste

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sítio, para se encontrar aqui. Muitas vezes procuramos sossego

nos lugares mais estranhos. Talvez ele apenas queira um espaço

para poder descansar da vida. Ainda assim, esta biblioteca

começava a dar arrepios a Alastair.

Quando Ari se vira para seguir Kay, não consegue encontrá-

la e entra em pânico perante o corredor escuro e vazio; os mais

pequenos barulhos a ampliarem-se, de repente, na sua mente.

- Kay? – Ari começa a chamar em alta voz; sem se preocupar

mais com quem poderá ouvi-lo.

- Onde é que ela foi? – A ansiedade começa também a afetar

Alastair. – Ainda agora estava aqui…

Ari move-se rapidamente pelo corredor, sem olhar para trás.

Parando em cada enforcamento, chama pela Comandante, entre as

filas de livros. Alastair segue atrás dele, tentando acompanhar o

passo desesperado do homem.

Outro barulho estranho deixa Alastair ficar para trás,

paralisado, mais uma vez brandando a sua arma para o vazio.

Suspirando em frustração, Alastair vira-se novamente para tentar

acompanhar Ari. O pânico sobressalta-o quando não consegue

encontrá-lo.

- Ari? – Alastair sussurra para o vazio. – Fantástico. Se

isto é algum tipo de praxe, juro que me passo da marmita!

Numa decisão rápida, Alastair decide continuar pelo corredor

acima, mas quando se volta para começar o caminho, repara que já

não se encontra sozinho. As paredes da biblioteca estremecem com

o barulho que se segue e um grito viaja pelo ar trémulo do edifício

em ruínas, até às ruas solarengas de Quimera.

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Capítulo 9

A respiração de Alastair é ofegante. Olhando para o rapaz de

descendência Africana à sua frente não sabe como reagir. A sua

expressão acusatória, no entanto, não pode controlar. O rapaz está

tão assustado quanto ele e deixara cair a pilha de livros que

trazia nas mãos.

Silenciosamente, avaliam-se mutuamente. Alastair recusa-se

a baixar a arma até perceber se é seguro. O jovem rapaz,

desesperado e assustado, olha ao seu redor como que a procurar

algo.

Alastair fica nervoso quando vê que o olhar do rapaz parou

sobre um objeto e, antes de poder fazer ou dizer alguma coisa, vê

as pontas afiadas da garrafa de vinho partida apontada à sua

garganta. Alastair sabe que, muito provavelmente, as coisas podiam

ser resolvidas com uma simples troca de palavras. A razão de o

mundo ter colapsado prende-se, talvez, no fato de as pessoas não

falarem o suficiente e partirem logo para a violência.

Alastair odeia o peso da arma e o frio metal, preso entre as

suas palmas suadas. Mais ainda, Alastair odeia quando as pessoas

o forçam a premir o gatilho. Não hesitará em defender-se, mas

também não forçará um fim violento: Alastair sempre fora um

pacifista. No entanto, alguém devia avisar este rapaz que para

uma luta de pistolas, não se traz uma garrafa partida.

Alastair suspira, esperando que Kay e Ari dessem sinais de

vida. As gotas de suor começam a acumular-se na sua testa e a sua

boca começa a ficar seca. Flashbacks dos acontecimentos na Sérvia

assombram-no; a imagem de Ferdinand, ensanguentado e a chamar pela

sua mulher, tropeçam na realidade, fazendo-o duvidar da sua

sanidade. Devagar, Alastair fecha os olhos e guarda a arma no

coldre, como que estando a render-se.

- Perdoa-me… - O seu tom é baixo e quase impercetível.

Alastair não pede perdão ao rapaz, assustado, à sua frente. Pede

perdão à memória da sua família, pelo rumo que a sua vida tomou.

O rapaz parece ficar benevolente com a expressão desolada de

Alastair e sorri-lhe, calorosamente, baixando a garrafa. De algum

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modo, sem trocar palavras, conseguiram perceber que nenhum deles

constitui uma ameaça.

Alastair retorna o sorriso, mas logo se apercebe da

metamorfose de sombras no chão, vendo as duas sombras

transformarem-se em quatro no mármore branco. Alarmado,

repentinamente, volta-se para trás, apontando a sua arma para os

novos intrusos. O jovem assustadiço volta a brandir a garrafa, em

desespero.

Ari e Kay logo levantam os braços, anunciando que vêm em

paz. A arma regressa ao coldre, assim que Alastair se apercebe de

quem se trata.

- O que é que se passa aqui? – Ari olha para o rapaz a agitar

um pedaço de lixo à sua frente e franze a testa, olhando para Kay

e depois para Alastair. – Ziyon Carter?

Ari chama, esperando acalmar a pobre alma. Kay não tem tanta

calma e aponta a pistola a Ziyon.

- Baixa a garrafa! – Kay grita em sobreaviso. – Estamos aqui

para ajudar.

Alastair revira os olhos perante as palavras de Kay.

Certamente segurar alguém pelo cano de uma arma, não os convencerá

de que não há perigo a temer.

Ziyon parece não estar com um humor cooperante e desata a

correr, mas cedo tropeça nos livros que deixara cair. Kay suspira,

ao aproximar-se do rapaz de joelhos, a tentar levantar-se. Num

ápice, Kay espeta uma seringa no pescoço de Ziyon, fazendo-o

desmaiar.

- Não era tão mais fácil se eles cooperassem?

Kay olha para Alastair e Ari, absorta à incredulidade nas

suas caras.

- Alguém vai ajudar-me a carregá-lo? – A pose de Kay é

elegante. O uniforme preto masculino, de alguma forma dá-lhe ainda

um ar pousado e feminino; o que Kay consegue fazer acentuar, com

o seu jeito gracioso.

- Para que foi isso, Kay? – Ari pergunta, aproximando-se da

Comandante; o seu tom irritado.

- Não sejas tão condescendente. O tempo urge, meu caro.

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- Podíamos ter apenas falado com ele… - Desta vez é Alastair

quem se pronúncia; sem denotar um tom depreciativo, apenas

cansado.

- Vocês têm as vossas maneiras. – Kay debruça-se sobre o

corpo inconsciente de Ziyon, sorrindo presunçosamente para

Alastair. – Acontece que a minha maneira é mais rápida e eficaz.

Alastair suspira, frustrado e segue para ajudar Kay e Ari

com Ziyon, que parecem estar com dificuldades em levantar o rapaz

alto e musculado. Alastair percebe que não vale a pena mostrar a

sua desaprovação perante os métodos pouco ortodoxos da Comandante

Li. Apesar de algumas vezes ela estar certa: desta forma foi mais

rápido.

O laboratório de Samsara está calmo como sempre. Hayden trabalha

em silêncio.

Um sentimento de derrota assalta-o. Quanto mais tenta

arranjar uma solução para Quimera, mais se apercebe de que as

soluções se esgotaram. Kay tinha grandes esperanças para ele e

Hayden sentia que estava a desapontar a pessoa que lhe deu a mão

quando mais ele precisou.

A porta do laboratório abre para grande espanto do cientista.

Só com o código de acesso se pode entrar no laboratório e as

únicas pessoas com acesso estavam fora de Samsara.

Hayden levanta-se abruptamente, não esperando visitas. Os

seus olhos pretos e vibrantes pousam em Cassia a tentar recuperar

o fôlego junto à entrada.

Cassia pousa a mão no seu ferimento, que com cada passo que

dá, faz ressonar uma dor aguda pelo seu corpo todo. Traz um novo

uniforme vestido, pelo que Hayden deduz que esta não foi a sua

primeira paragem. Andando a custo, Cassia tenta chegar perto da

cara familiar que olha para ela perplexo.

Hayden, num movimento determinado, levanta-se, correndo para

ajudar Cassia.

- O que fazes aqui, Cassia? – Hayden pergunta ao se aproximar

da rapariga, ainda pálida, agarrando-a gentilmente pela cintura e

apoiando-a em si. – Devias estar a repousar.

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- Estava entediada, Hayden. – Cassia tenta justificar-se,

deixando o rapaz ajudá-la. Algo que Cassia nunca faz; pedir ajuda

ou, mesmo, aceitá-la. – Sim. Eu fugi da enfermaria, mas em minha

defesa eu estava farta de estar na cama.

- Ora, que boa defesa, Cassia. – Hayden revira os olhos

perante a teimosia da rapariga nos seus braços, claramente com

dores. – Passaste ao lado de uma grande carreira de advogada.

Cassia não pode deixar passar despercebido o tom sarcástico

de Hayden e suspira profundamente, pois sabe que ele tem razão.

Hayden ajuda Cassia a sentar-se numa cadeira e sorri-lhe,

amavelmente:

- Estou a tentar perceber, através das últimas pesquisas e

do relatório do Alastair, o que poderá ter acontecido na vossa

missão. Se calhar, podias ajudar-me…

Cassia olha para os ecrãs e a primeira imagem que a assalta

é a fotografia de Princip. As mãos dele, ainda marcadas no seu

pescoço, que Cassia acaricia, com a lembrança. O seu olhar é, no

entanto, analítico, perante as imagens que agora não fazem parte

apenas do seu imaginário, mas das suas lembranças mais íntimas.

Ao lado da fotografia de Princip, repousa uma caricatura de

Ferdinand e a sua mulher Sofia, a serem alvejados por um fato

preto de chapéu sem cara.

Sofia nunca deveria ter estado naquele carro, naquele dia.

O Arquiduque e a sua mulher não tinham autorização para viajar

juntos, em visitas oficias; porém, era a única altura em que

podiam estar juntos. Ferdinand escolheu passar um dia com a mulher

que amava e acabaram os dois por morrer.

O amor já matou mais que qualquer guerra e Cassia não pode

deixar de ver a ironia nesta constatação. Cassia sabe melhor que

desprezar as conveniências sociais, só porque a sua vida não

correu da melhor maneira; mas isso não significa que seja

hipócrita e acredite que o amor seja a solução para todos os

males, quando tudo aponta para que seja a causa dos mesmos.

O problema quando estamos apaixonados, é que perdemos todo

o sentido de razão; deixamos de conseguir pensar com clareza, pois

a nossa mente está programada para ver apenas o que queremos ver.

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Com a eventualidade de ignorarmos o real. Ferdinand concordaria

agora com Cassia.

- Como é que te estás a sentir? – Hayden pergunta, sorridente

a Cassia, puxando uma cadeira para se sentar a seu lado.

“Desfeita e recuso-me a pedir ajuda.” Cassia pensa,

automaticamente, perante a pergunta do jovem que a fita à espera

de uma resposta.

- Sinto-me bem, Hayden. – Cassia sorri. Nem sempre há uma

correspondência entre as nossas palavras e o que sentimos; a

pequena mentira que Cassia conta, é justificada aos seus olhos,

pelo simples fato de cada pessoa saber a dimensão daquilo que a

assombra e a escolha de partilhar essa dimensão com outra alma,

não deve ser tomada de ânimo leve. Cassia tem consciência das

implicações de trazer alguém para a nossa própria sombra, quando

não temos a certeza se vamos sair dela.

- Ainda bem. – Com as mãos entrelaçadas atrás das costas e

a cabeça inclinada para o lado esquerdo, Hayden olha para Cassia

muito atentamente. – Estou feliz por estares bem, Cassia. E, como

te esquivaste do recobro, no teu estado convalescente, mais vele

ficares aqui e ajudares-me com o meu dilema.

- Claro. – Cassia sorri, desta vez genuinamente. Aquilo que

precisa neste momento são distrações para a sua cabeça e para o

seu coração. – Que dilema?

- O que me está a incomodar, é o fato da vossa intervenção

não ter mudado nada, sabes? – Hayden levanta-se e dirige-se para

o computador, mostrando filas de documentos e informações

completas acerca daquele fatídico dia na Sérvia. – Como é que o

vosso papel num evento histórico passou completamente

despercebido?

- Se calhar não passou… - Cassia levanta-se a custo.

- Como assim? – Hayden está mais preocupado com as ações de

Cassia, neste momento, do que com as suas palavras.

- Talvez o passado seja, de fato, permanente. Não podemos

salvar almas, se o seu destino é a morte; não podemos restituir a

vida, pois não é esse o nosso propósito. Não importa as medidas

que tomemos, se a linha da vida de alguém foi interrompida, essa

pessoa deixará de existir. – Cassia para e olha para o chão,

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pensativa. – Não importa o quão superiores pensamos ser a outras

espécies; não somos os mestres do Universo, somos os seus

súbditos. Podes ter construído uma máquina que nos permite voltar

ao lugar onde já estivemos um dia, ainda assim, isso não significa

que possamos mudar a linha temporal. Tudo aconteceu como era

suposto acontecer…

Hayden olha para Cassia, cético perante um discurso tão

fatalista. O silêncio é rei na grande sala escura. Quiçá Cassia

se tenha esquecido da inocência e abertura para a vida que Hayden

apresenta com a sua imagem jovial. Possivelmente, não é a melhor

pessoa para entender o significado das suas palavras.

A expressão de Hayden muda lentamente e este agita-se num

frenesim.

- Santo Einstein! – Hayden exclama, animado.

- O que foi?

- Faz tudo sentido, agora! – Hayden bate na sua testa, em

jeito de reprimenda. – Estúpido! Como é que não me apercebi disto

antes?

- Importas-te de explicar ou esperas que consiga ler os teus

pensamentos? – Cassia senta-se novamente, tentando ignorar as

pontadas de dor que a assaltam.

- Não consegues perceber o que se passa? – Hayden atropela

as palavras, tornando o seu discurso quase impercetível.

- Se calhar se pareceres menos esquizofrénico… - Cassia não

faz de propósito, mas o seu sarcasmo às vezes leva o melhor dela.

Hayden não ouve o comentário de Cassia e continua a falar

com o mesmo ritmo, olhando para as suas equações, numa tentativa

de dar algum sentido à sua confusão.

- Não mudou nada porque não precisou de o fazer! Tudo

aconteceu como era suposto acontecer! O tempo é relativo! Tu e o

Alastair estiveram sempre destinados a viajar no tempo, lutar

contra o Princip e matar o Ferdinand. Todos os paradoxos sobre

viagens no tempo e ninguém se lembrou dos paradoxos do futuro! Se

o fizeste no passado estás condenado a repetir as tuas ações no

futuro! Ou vice-versa.

Hayden parece confuso com as palavras, sentindo-se um tanto

disléxico.

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- Não é uma linha, mas um ciclo vicioso! – Cassia tenta

traduzir o pensamento confuso de Hayden e protesta veemente - Eu

não gosto dessa teoria, Hayden. Porque isso significaria que nós

fomos os responsáveis pelo início da Primeira Guerra Mundial.

- Não exatamente. – Hayden tenta descansar Cassia. – As

tensões estavam altas. Vocês apenas despoletaram o motivo…

- Isso faz-me sentir muito melhor. – A cara de Cassia está

trancada e o seu ânimo não corresponde às suas palavras. Hayden

percebe logo que a sua tentativa saiu falhada.

A discussão é cortada a meio: os ecrãs ficam pretos,

repentinamente e voltam a iluminar-se, de seguida. Fotografia após

fotografia é atirada para o ecrã, para desaparecer de seguida.

Diversos locais de ataques históricos vão e vêm.

Hayden entra em pânico e corre para a sua secretária, onde

Cassia está sentada a assistir ao espetáculo, tentando decifrar

todas as fotografias que aparecem. O rapaz tecla freneticamente,

tentando arranjar uma explicação para o sucedido.

- O que está a acontecer? – Cassia pergunta, levantando-se

o quão rápido os seus ferimentos lhe permitem.

- Não sei. Talvez um vírus do sistema… É um trabalho em

progresso…

Uma imagem congela no ecrã e Cassia sustém a respiração,

quando os seus olhos pousam nela. Alastair e Cassia aparecem na

fotografia, na Sérvia. Mas não é isso que a faz paralisar, mas

sim a rapariga ao fundo da rua que os fita atentamente.

- Não me parece que seja um vírus, H. – A voz de Cassia a

falhar. – Acho que acabaram de piratear a Agência.

Hayden não contesta a proposta de Cassia, pois sabe que esta

tem razão. Alguém acabou de aceder aos canais informáticos de

Samsara. E de uma coisa Hayden tinha a certeza; quem foi, não o

fez com boas intenções.

Alastair e Ari entram no único bar existente em Quimera, situado

no distrito Norte, tal como a biblioteca. O distrito Norte era

aquele povoado pela nata da sociedade: os detentores do poder.

Agora, o poder não vale de muito na cidade.

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O bar está abandonado. As prateleiras atrás do balcão estão

cobertas de pó e teias de aranha, mas ainda contém garrafas cheias,

outras meias vazias. O vidro partido no chão cintila com o raiar

do sol a entrar pelas janelas; há cadeiras partidas e uma mesa de

bilhar coberta de teias de aranha, com um jogo ainda por acabar.

O chão preto está repleto de pegadas, a rasgar o sujo e

Alastair atenta na porta meio aberta atrás do balcão. Ari para,

olhando em seu redor, atentando no lugar onde se encontra.

Alastair para ao seu lado e procura Kay, atrás de si.

- Onde está a Comandante? – Alastair tem um ar carrancudo.

– A aterrorizar a cidade?

Ari ri, perante o comentário.

- Vá lá, Alastair. Ela não é assim tão má como tu a pintas.

A Kay teve que fazer uma chamada; já se junta a nós.

- Vocês têm a certeza que eles estão aqui? – Alastair olha

para o balcão. – A mim parece-me estar vazio.

Ari aproxima-se do balcão e repara no copo, com uma bebida

servida.

- A bebida ainda está fria. Alguém esteve aqui não há muito

tempo. – Com cuidado, espreita pela porta atrás do balcão. – Não

vejo ninguém…

Alastair senta-se numa das cadeiras do balcão e suspira.

- Provavelmente ouviram-nos e deram o baza.

Ari ergue uma sobrancelha e fita Alastair com um sorriso

comprometedor. Olhando para ele detrás do balcão, não lhe parece

muito díspar da perspetiva que teve sobre Cassia, na primeira

noite dos irmãos na Agência.

- Bem… Se calhar vão voltar. – Avaliando as prateleiras,

escolhe rapidamente uma garrafa e serve dois copos, passando um a

Alastair. – Que tal uma bebida enquanto esperamos?

Sorrindo, Ari traga a sua bebida rapidamente. Alastair olha

para Ari, desconfiado com a casualidade da situação. Ainda assim,

aceita a bebida e traga-a rapidamente, fazendo uma careta perante

o sabor amargo. Nunca gostara de bebidas alcoólicas, mas ao ritmo

dos problemas que o assaltam, estava disposto a abrir uma exceção.

- Saúde! – Alastair brinda, batendo com o copo no balcão e

tossindo.

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Levantando-se, começa a andar em redor do bar. Ari serve-se

de outra bebida e observa o rapaz a deambular.

- Este bar já viu melhores dias, não? – Ari pergunta,

tentando começar uma conversa casual.

Alastair não se apressa a responder, parando na mesa de

bilhar e olhando para o jogo no imenso verde, repleto de pó.

Sacudindo o pó de uma das bolas, começa a atirá-la ao ar,

pensativo.

- Tudo nesta cidade já viu melhores dias. – Alastair responde

finalmente. – Especialmente no distrito Norte. Não posso deixar

de sentir a ironia, no entanto. O Norte tão aclamado pelos

aristocratas, agora devastado e a servir de barreira para o resto

da cidade.

Violentamente, Alastair atira a bola contra as outras,

fazendo viajar um eco pelo silêncio do bar.

Ari parece divertido com a situação e olha para o seu copo

com um ar sombrio, como que a testar Alastair.

- Suponho que há uma razão para o nome da cidade ser Quimera…

- Ari não olha para Alastair. O seu ar carregado de lembranças. –

Sabes o seu significado?

- A Cassia explicou-me uma vez… - Alastair suspira e volta

a aproximar-se de Ari. – Uma Quimera é um monstro mítico, certo?

Um híbrido: parte cabra, parte leão e parte cobra. Cada um

representa os Poderes Divinos: criação, destruição e conservação.

Ari sorri, sapiente. Cassia esquecera-se da questão mais

importante. Como é que uma sociedade sem crença representa os

poderes divinos?

- Isso poderia ser verdade para o mundo fora de Quimera. Mas

não é essa a razão do nome da cidade. Nós não temos religião,

Alastair. – Ari pausa e, altivo, olha para o jovem rapaz, atento

a cada palavra. – Uma Quimera também pode significar uma esperança

ou sonho. Uma utopia, se quiseres.

» Quando os nossos pais fundadores criaram a cidade, fizeram-

no através de um campo de refugiados. Há oitenta anos atrás, o

mundo não era muito melhor do que é agora. Se calhar nunca o foi.

A hegemonia do mundo estava nas mãos de quem não devia. As grandes

potências lutavam pelo poder e esqueceram-se das pessoas. O lugar

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onde a cidade está, foi uma espécie de refúgio para aqueles que

se viram perseguidas politicamente e socialmente por não

concordarem com os termos dos seus países; por terem um estilo de

vida diferente ou visões distintas do que devia ser o mundo. Essas

pessoas chegaram ao campo de refugiados, para escapar à morte no

seu lugar de origem. O mundo sempre foi um lugar confuso e nessa

altura, mais confuso se tornou.

» Construíram uma cidade para todos: onde a igualdade e o

respeito seriam a supremacia. Um lugar onde todos seriam aceites

incondicionalmente. Um novo tipo de sociedade emergiu, dentro das

fronteiras da cidade, que eventualmente foram fechadas.

Conseguiram encontrar a solução para uma sociedade totalmente

autossustentável. Algumas trocas comerciais eram feitas a

princípio, mas nada muito significativo. O objetivo sempre fora

proteger a humanidade de si própria e da destruição que criaram.

Alastair olha para Ari com admiração e um pouco de confusão.

- Como é que sabe isto tudo?

Ari sorri e traga outra bebida.

- O meu avô foi um dos fundadores de Quimera.

O breve silêncio que se instalou entre Ari e Alastair,

perante a nova informação, é logo quebrado por sons de tiros a

vir do exterior.

- Que raio é isto? – Alastair não espera por uma possível

resposta, correndo, de arma em punho para o exterior.

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Capítulo 10

O Jeep está estacionado de frente ao velho bar. Paredes de tijolo

encarnado e uma grande placa a indicar o nome do estabelecimento,

agora já sumido, destacam o prédio de todos os outros na cidade.

As portas do carro estão abertas, a formar um escudo de

proteção entre Kay e Ziyon e o lado da estrada de onde vêm as

balas. Kay não se deixa intimidar e retribui o gesto prontamente.

Ziyon, no entanto, esconde-se mais com cada tiro disparado.

Alastair e Ari, abrigando-se o melhor possível da chuva de

balas na rua, correm até Kay.

- Que graciosidade de vossas majestades se juntarem a mim!

– Kay reclama, sarcasticamente, ao notar a companhia dos outros

Agentes.

- O que é que aconteceu? – Ari retira a sua arma do coldre.

– Pensei que estavas a fazer uma chamada.

A ira na cara de Kay não passa despercebida a Ari.

- E estava! – Kay grita, para se fazer ouvir sobre o som dos

tiros. – A Makayla e o Able saíram do bar e começaram aos tiros!

Alastair olha para a arma na sua mão e decide que, neste

momento, não estava arrependido de a ter aceite.

- Esperem lá! – Alastair interrompe. – Foram eles que

começaram o tiroteio? Pensei que ela era a especialista em

História…

- E é! O irmão, no entanto, é num ladrãozito e vigarista.

Mas não o tomava como violento…

Ari mal acaba a frase e levanta-se, repentinamente,

disparando contra o outro lado da rua, onde ninguém é visto. Kay

agarra rapidamente o braço de Ari, puxando-o e obrigando-o a

voltar a ajoelhar-se.

- Cuidado. – A voz de Kay é baixa, perante a proximidade

entre ela e Ari. – Não os podemos magoar.

Ari hesita em quebrar a troca de olhares com a Comandante,

sentindo o toque da mulher no seu braço.

Alastair, sem se aperceber do clima entre os Comandantes,

tenta chegar ao altifalante do carro.

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- Cubram-me! – Alastair grita, fazendo os Comandantes voltar

à realidade.

- O que é que estás a fazer? – Ari pergunta, preocupado, com

o gesto arriscado.

- Vou falar com eles. – Alastair pega no altifalante. – Daqui

fala a Agência Samsara! Por favor, baixem as armas!

Dois tiros estilhaçam o para-brisas do carro, fazendo o vidro

cair sobre Alastair, que perante a repentinidade dos

acontecimentos, se tenta proteger o melhor que consegue.

Kay, enfurecida, entra para o carro e arranca o altifalante

das mãos de Alastair.

- Oiçam-me bem, seus fedelhos! Ou param de disparar contra

nós e deixam-nos falar com vocês como pessoas civilizadas que

somos; ou, eu juro, que vos bato com tanta força que vão desejar

que antes uma bala vos tivesse atravessado!

Todos esperam, cautelosamente, por sinais de paz. Devagar,

um a um, começam a levantar-se e a atentar no outro lado da rua.

Alastair retira o altifalante a Kay, olhando-a com desaprovação.

- Ok. Boa. Agora, por favor, saiam de onde estão com as mãos

no ar, atirem as armas para longe e vamos conversar. – Alastair

desliga o altifalante e olha para Kay. – A Comandante precisa de

trabalhar nesse temperamento, sabia? Com todo o devido respeito.

Kay revira os olhos, perante o comentário, virando as costas

a Alastair.

Makayla e Able saem finalmente das sombras, atirando as armas

e colocando os braços no ar, como instruído. Lentamente, começam

a andar em direção ao esquadrão que espera por eles do outro lado

da rua, junto ao bar. Ziyon sai finalmente detrás do jeep e junta-

se ao grupo.

Alastair repara de imediato nos olhos verdes da rapariga,

com calças pretas rotas e uma camisa, claramente demasiado grande

para ela. O seu cabelo loiro, repleto de caracóis cai-lhe sobre

os ombros e o sinal sobre os seus lábios carnudos, dá-lhe carácter.

O seu irmão tem o cabelo tão loiro como ela e os olhos tão

verdes, também. Mas o seu cabelo é liso e muito penteado. Ele traz

um fato castanho, com uma camisa branca e um laço vermelho. Um

estilo um tanto formal para o estado de contingência da cidade.

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Able sorri para Alastair e pisca-lhe o olho, fazendo este ficar

um pouco atrapalhado com o gesto.

Ari pega em Able imediatamente, atirando-o contra o capô do

carro e revistando-o. Kay faz o mesmo com Makayla.

Assim que têm confirmação um do outro de que tudo está bem,

libertam-nos.

- Seria muito pedir uma explicação para toda esta

consternação? – Makayla pergunta, ajeitando o seu cabelo e as suas

roupas.

- Foram vocês que dispararam a primeira bala. – Kay cruza os

braços e olha seriamente para a loira à sua frente.

- Perdão? – Makayla parece indignada. – Nós temos todo o

direito de nos defendermos! Vocês aparecem aqui, repentinamente

e…

- Não, loirinha! – Kay interrompe Makayla. – Por acaso, nós

temos o direito de fazer o que nos apetecer, porque nós somos a

autoridade máxima de cumprimento da lei nesta cidade!

Kay e Makayla continuam a discutir, incansavelmente. Os

rapazes olham para a cena que se desenrola, divertidos.

- Boa! – Alastair suspira. – Existem duas delas!

- Isto vai ser interessante… - Ari ri-se.

Able coloca as mãos nos bolsos, casualmente, e sorri para os

três homens à sua frente.

- Desculpem lá toda a cena de tiroteio. Não costumamos ter

muitas visitas… - Olha para Kay e Makayla a discutir

freneticamente. – Isto parece que vai demorar um bocado. Que me

dizem a uma bebida, camaradas? Está a ficar um pouco fresco cá

fora, não?

Alastair e Ari entreolham-se e encolhem os ombros em

concordância, seguindo Able. Ziyon segue o grupo, sem

contestações.

Kay nota que os rapazes entraram para o bar e suspira.

- Isto não acaba por aqui! – Kay avisa Makayla, apontado

para a porta do bar de seguida. – Vamos para dentro!

Makayla revira os olhos a Kay e segue para o bar, seguida da

comandante.

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Able coloca-se, confortavelmente, atrás do balcão a preparar as

bebidas. Alastair e Ari pegam numa mesa caída no canto do bar e

colocam-na no meio do espaço mutilado pelo tempo e pelas

circunstâncias.

Todos se juntam em redor da mesa, olhando uns para os outros,

desconfortavelmente. Pode ser palpada alguma tensão entre Makayla

e os Agentes de Samsara, porém o seu irmão assobia

descontraidamente, enquanto faz malabarismo com as garrafas e

serve as bebidas.

Ziyon senta-se, calado, à mesa. As palavras não sendo o seu

forte, observa as pessoas; observa o ambiente; observa o que é

dito nas entrelinhas.

Able finalmente se junta à mesa, trazendo as bebidas numa

bandeja e passando-as entre o grupo.

- Saúde, amigos! – Saúda Able, tragando a bebida de imediato,

divertido. – Então, parece-me que precisamos de ter uma conversa.

Able olha ao redor da mesa e ri.

- Ninguém está a guardar ressentimentos, pois não?

- Cala-te, Able! – Makayla levanta-se e bate com as mãos no

tampo da mesa. – Gostava de saber porque é que Samsara anda atrás

de nós!

Kay segue o gesto violento de Makayla, marcando a sua

posição.

- Por acaso, Samsara encontrou-vos!

- E a minha dúvida é porquê! – Makayla desafia Kay com o

olhar. – Acho que é perfeitamente…

- Minha menina, - Kay interrompe. – Eu acho que…

- Calem-se! – Alastair grita, enfurecido, fazendo todas as

cabeças rodarem na sua direção. Vendo a reação que provocou,

Alastair apressa-se a reformular a sua explosão. –

Respeitosamente, calem-se.

Um olhar de desaprovação atravessa a mesa em direção a

Alastair. Kay está prestes a abrir a boca, quando Ari decide

intervir.

- Acredito que começámos com o pé errado. – Ari clareia a

sua garganta. – Com todos os tiroteios e armas apontadas uns aos

outros…

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- Sem falar da entrada forçada…

Makayla admira as suas unhas, desinteressada pelas desculpas

do Agente. Able, por outro lado, parece divertido com a situação.

Ari decide ser diplomático, de forma a tentarem chegar a um

entendimento. Ziyon é o único que se abstém de participar.

- Tens razão, Makayla. – Ari cede. – Pedimos desculpa pelo

ato teatral. Ziyon, gostaria também de pedir desculpa, antes de

tudo, pelos acontecimentos na biblioteca.

Ziyon força um sorriso e acena com a cabeça.

- Não há problema… - Ziyon olha para Able e sorri,

timidamente. Able sorri de volta, fazendo Ziyon corar um pouco.

- Provavelmente deveria começar por nos apresentar

formalmente. Eu sou o Comandante Ari Black, da Agência Samsara. –

Ari aponta, descontraidamente, para Kay e Alastair. Ambos com cara

trancada e braços cruzados sobre o peito. – Estes são a Comandante

Kay Li e o Agente Alastair Vincent. Uma vez que esta missão é

gerida pela Comandante Li, passo-lhe a palavra.

Alastair ri-se, disfarçadamente, perante a formalidade das

apresentações.

- Obrigada, Comandante Black. – Kay levanta-se e adota uma

pose muito formal. – Eu também gostaria de pedir desculpa, em nome

da Agência, pelas ações que foram tomadas na vossa procura. Ainda

assim, foi a maneira mais rápida de vos encontrar.

- Existem sempre telefones. – Makayla sorri, sarcasticamente

para Kay.

Kay decide ignorar as investidas para a tirarem do sério e

continua.

- Eu entendo que sintam que os tenhamos tratado como

criminosos. Não foi essa a nossa intenção, de todo. – Pausando,

olha seriamente para Able, Makayla e Ziyon. – Nós estamos aqui

para vos dar um novo propósito. A Agência Samsara gostaria de vos

recrutar para a maior e mais importante missão das vossas vidas.

Unanimemente, todos se inclinam em direção à Comandante,

interessados no discurso da conivente mulher.

Cassia está em silêncio, ainda a olhar para a fotografia no ecrã.

Hayden olha para a jovem rapariga à procura de respostas.

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Como é que esperam que se conforme com a situação a que foram

expostos, se cada passo que dão, só a confunde ainda mais? Apesar

da confusão, Cassia sabe ter que permanecer consciente nesta luta.

Não pode perder qualquer foco, pois é isso que espera o inimigo

e, agora, esta luta acabara de se tornar pessoal.

Cassia sente uma mão a pousar no seu ombro, o quente da pele

de outra pessoa fá-la sobressaltar-se.

- Talvez se me explicares o que se passa… - Hayden olha para

Cassia afetuosamente, tentado perceber o que vai na sua mente.

- Peço desculpa. – Cassia sussurra. – Eu não queria parecer

críptica…

- Como é que passaste logo à conclusão de que tínhamos sido

pirateados? – Hayden queria saber o porquê do súbdito câmbio no

ânimo de Cassia.

Cassia abre a boca para se explicar, mas é interrompida pelo

estremecer das paredes, com as portas do laboratório a abrirem-

se.

Laura rompe pelo espaço adentro, deixando Hayden e Cassia a

olhar, perplexos, para a sua fúria.

- Laura… - Cassia atira para o ar, a sua voz a esmorecer.

- Não vale a pena vires com falinhas mansas, Cassia. – Laura

mete de imediato um travão a Cassia e olha, sorrindo, para Hayden,

que olha para ela nervoso. – Olá, Hayden!

Hayden acena, desajeitado, para Laura e de imediato finge

uma qualquer ocupação pertinente e pretextos que não podem

esperar, deixando as duas sozinhas para se entenderem.

- Eu posso explicar! – Tenta Cassia desviar o assunto a seu

favor, mas pela cara de Laura, sem muita sorte.

- Bela tentativa, menina Miller. – Laura pausa e respira

fundo, colocando as mãos nos bolsos da bata e humedecendo os

lábios, antes de voltar a olhar para Cassia. – Devias estar a

descansar; não a trabalhar.

- Aconteceram algumas coisas que não podem esperar, Laura.

– Cassia cerra os olhos e suspira. – Pronto, está bem. Não foi

exatamente essa a ordem de eventos. Eu estava extremamente

entediada e fugi do recobro; mas agora temos realmente um problema

sério para resolver.

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Laura olha para o chão, tentado afastar-se da contemplação

de Cassia. Cassia aproxima-se de Laura, lentamente; cada passo

cada vez mais custoso. Num movimento espaçado, Cassia brandamente

afaga o braço de Laura, mas esta retrai-se.

- Tens dores? – Laura pergunta bruscamente e Cassia engole

sôfrega, não antecipando a reação da médica.

- Um pouco. – Cassia responde, confusa, perante o

comportamento metódico. – Nada que não seja sofrível.

Laura aponta para a mesa e o seu tom é impaciente.

- Encosta-te. Deixa-me examinar-te.

Cassia encosta-se à mesa e olha para lá de Laura, sem saber

como deve reagir. Laura segue-a e sem muita conversa fiada,

levanta a t-shirt de Cassia, expondo o penso que cobre a incisão

cirúrgica. Cassia clareia a garganta e suspira nervosamente,

evitando o olhar de Laura.

As mãos frias da médica fazem Cassia sobressaltar-se perante

o toque familiar. Cassia fecha os olhos e cerra os lábios, atirando

a cabeça para trás, em frustração. Cassia não sabe quem Laura é

para ela; esse sentimento vazio e por identificar fá-la ficar

incomodada. Vê-se agora a ter que desviar o olhar da loira à sua

frente, por não conseguir controlar os olhares demorados e a

contemplação das linhas do corpo de Laura.

A compostura é-lhe difícil de manter, algo que não é natural

a Cassia, e isso assusta-a. Sabia que teria que cortar

radicalmente com qualquer tipo de sentimento recíproco por parte

da médica. No entanto, não sabia o que fazer perante a estranheza

de Laura, o que a perturba de maneiras incompreensíveis.

- A incisão parece estar a curar devidamente. – Laura fala

pausadamente, sem olhar para Cassia e retira uma seringa do seu

bolso. – Sem sinais de infeção, o que é o desejado. Vou-te dar

algo para as dores. Isso não significa que eu aprove este

comportamento, Cassia. Precisas de descansar, para o teu corpo

poder recuperar devidamente.

Cassia acena com a cabeça, sem se atrever a responder à voz

autoritária de Laura. Gentilmente, a médica acaricia o braço de

Cassia, à medida que a seringa entranha a sua pele. Cassia engole

em seco e respira fundo.

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- Parece-me que não há necessidade de estares ligada às

máquinas, pelo que podes passar já esta noite no teu quarto. –

Laura afasta-se de imediato da jovem. - Afinal de contas, isto

não são tempos idílicos, nem isto é um hospital. Eu vou ver de ti

mais logo e espero encontrar-te a descansar, sim?

- Claro… - A voz de Cassia é quase impercetível.

Laura não dá oportunidade a Cassia de dizer mais nada e,

acenando para Hayden, que finge não assistir à cena entre as duas,

sai do laboratório tão depressa como entrou.

Cassia revira os olhos e suspira frustrada, dando um grito

abafado, e quase inaudível.

- Bem, esta cena foi incómoda de se ver… - Hayden cruza os

braços e olha para Cassia, empático perante a situação.

Cassia retrai o pensamento do que acabou de acontecer; ou

antes, do que não aconteceu e vai de encontro ao cientista que

espera por si.

As portas do laboratório voltam a interrompê-los.

- Alguém que ponha um cadeado naquela porta! – Cassia

reclama, antes de ver quem entrou no laboratório.

Alastair arrasta-se pelo laboratório adentro, seguido de

três novas caras. Ari e Kay seguem atrás. Alastair sorri ao ver

Cassia, mas a irmã fica tensa perante a cara familiar, não o

esperando tão cedo.

- Cass! Estás de pé! – Alastair não contém a sua alegria ao

ver a irmã a recuperar tão rapidamente.

- Al… - A expressão de Cassia, no entanto, é de preocupação;

olhando para Alastair primeiro e para a fotografia no ecrã, de

seguida.

Alastair certamente esperava outra receção e sem perceber o

que se passa, segue o olhar de Cassia para o monitor. Ao pousar o

olhar na fotografia projetada, a sua respiração para por segundos

e a emoção assalta-o.

Alastair olha confuso para Cassia.

- Porque é que a Leah está naquela fotografia, Cassia?

Alastair olha para Cassia, à espera de uma explicação, assim

como todos os restantes membros que se encontram no laboratório.

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Alastair parece distante e emocional; o que era o que Cassia

temia.

Os novos recrutas mantêm-se perto da porta, esperando serem

apresentados; enquanto Kay e Ari se aproximam de Cassia e de

Hayden, tentando perceber a situação.

- O que é que aconteceu? – Kay apressa-se a tentar

descodificar a exaltação de toda a gente.

- Ainda estamos a tentar perceber exatamente o que se passa,

Kay.

- Como é que te sentes? – Ari, sempre o herói, apressa-se a

perguntar a Cassia.

- Eu estou bem. – Cassia não se demora com cortesias. – Temos

assuntos mais importantes com que nos preocupar.

Os três olham para o ecrã e suspiram em simultâneo;

entretanto, Makayla, sorrateiramente aproxima-se também e começa

a examinar a fotografia.

- Posso ver que sim… - Kay vira-se para os três novos

recrutas. – São encorajados a sentarem-se connosco à mesa, por

favor. – Volta-se novamente para Cassia. – Presumo que tenham uma

pequena ideia do que aconteceu.

Cassia acena afirmativamente e coloca-se ao lado de Hayden.

Alastair finalmente se senta junto dos demais, à mesa de frente

para os grandes ecrãs que cobrem a parede do laboratório.

Antes que Cassia se possa começar a explicar, Makayla assume

o rumo da conversa.

- Detesto ser eu a dizer-vos, mas a vossa informação é

errónea. A fotografia no ecrã não é de 1914, como assumiram, mas

de 1903. – Descontraidamente, Makayla afasta a cadeira e pousa os

pés na mesa.

Curiosa, Cassia olha para a rapariga loira, de caracóis

rebeldes a olhar para si presunçosamente e sorri-lhe.

- Por acaso, alguém acabou de piratear a nossa infraestrutura

e ainda não tivemos muito tempo para processar as fotografias que

despejaram no nosso sistema. – Cassia fita Makayla, que a desafia

com o olhar. – Eu chamo-me Cassia, já agora. E vocês são?

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- Oh, claro. Eu chamo-me Makayla Summers. – Makayla

endireita-se e sorri, apontando para Able a seu lado. – Este é o

meu irmão Able. E, sinceramente, não apanhei o teu nome.

Makayla olha para Ziyon esperando uma apresentação.

- Eu sou o Ziyon. Ziyon Carter. Prazer em conhecer-vos. –

Ziyon volta a retrair-se e a observar os seus novos colegas.

- Prazer em conhecer-vos, também. – Cassia sorri, congruente

com as circunstâncias. – Queira apresentar-vos o nosso cientista,

Hayden. – Este acena alegremente para os novos membros. – A

verdade, é que não sabemos ainda o que fazer desta nova informação.

A única pergunta na minha mente, neste momento, é o que faz a Leah

em 1903, nesta fotografia. E, connosco, em 1914 na outra.

- Se me permitem fazer uma observação. – Ziyon olha

seriamente para a fotografia e todos atentam nas suas palavras. –

Pelo que nos foi dito, vocês pensam que esta equipa que perseguem,

tenta de alguma forma alterar o passado e erradicar a nossa cidade.

O problema é que mesmo viajando no tempo, ninguém nos garante que

seja possível mudar a nossa mente coletiva para uma nova versão

da História. O conhecimento é algo trapaceiro. Conhecer é

acreditar em algo que alguém disse, mesmo sendo baseado em dados,

em vez de conjeturas. Não será possível mudar a História sem fazer

com que todas as personagens históricas, deixem de fazer a

história; se me faço entender.

Todos ponderam as palavras de Ziyon e Makayla é a primeira

a falar.

- Ele tem razão. – Makayla sorri para Ziyon e volta a olhar

para Cassia. – Para além disso, eu penso que estas fotografias

sejam apenas uma provocação. Eles sabem que não os conseguiram

travar e estão a tentar dizer-vos que não o conseguirão fazer.

Olhem os sítios por onde eles já andaram ou tentaram exercer

influência. – Makayla aponta para as fotografias.

- Como assim? – Ari olha vexado para Makayla.

- Vocês viajaram para 1914, certo? Porquê 1914?

- Porque foi a pista mais coerente que tivemos.

Makayla ri-se perante as palavras incertas de Ari.

- Porque eles vos disseram para ir para lá, portanto. –

Makayla recosta-se na sua cadeira. – O início da Primeira Guerra

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nunca teve nada a ver com a Áustria. Esta foi apenas usada como

uma desculpa. Em 1903, a Mão Negra invadiu o Palácio de Inverno e

assassinou o Rei Alexandre I e a Rainha. Mas, toda a gente se

parece esquecer disso e foca-se nos acontecimentos de Sarajevo. O

verdadeiro evento que acumulou ainda mais tensões para a guerra

foi o assassinato de Alexandre I. Os acontecimentos de Sarajevo

foram uma desculpa para a começar oficialmente.

- Isso é muito informativo. – Hayden olha para o grupo à sua

frente e de volta para o ecrã. – Porém, isso não explica isto ser

uma provocação.

- Por acaso, até explica. – Cassia suspira e pousa as mãos

na mesa, apoiando-se, ligeiramente. – Se o objetivo for fazer-nos

andar às voltas à sua procura, enquanto fazem o que realmente

pretendem. Nós não sabemos nada sobre a edificação de Quimera.

Não faz sentido algum irmos brandir armas para um cenário da

Primeira Guerra Mundial.

Able, aproveitando a distração de toda a gente, levanta-se

e começa a andar, descontraído, pelo laboratório.

- Isso é tudo muito bonito, pessoal. – Alastair não consegue

compreender do que falam. – Nada disso explica o que a minha noiva

está a fazer numa fotografia de 1903 e em 1914!

Makayla vai para responder a Alastair, mas atenta no seu

irmão a rodopiar pelo laboratório, sem supervisão.

- Able! Para de roubar porcarias!

Able vira-se prontamente para a irmã e finge uma expressão

de angústia perante a acusação.

- Fico ofendido com a suposição! – Able volta à mesa. – Eu

fui um ladrão e vigarista, nos bons velhos tempos! Enfâse no

pretérito perfeito, mana! Estou reformado. Dito isto, - Able vira-

se para Alastair. – Chamas-te Alastair, não é mesmo? Devo dizer-

te que o meio de uma guerra é o momento ideal para se forjar uma

morte, meu amigo.

Alastair olha incrédulo para Able.

- A Leah não o faria…

- Chegaram a encontrar o corpo?

Alastair olha para Able, mas não responde.

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- Pois. – Able suspira e recosta-se, vaidoso, na sua cadeira.

– É por este tipo de situações que precisamos de um corpo para

declarar alguém morto. A tua noiva é uma pessoa desaparecida,

caro. Até agora, pois parece que a encontraram. Mais ou menos…

Alastair olha para Cassia, mas esta mal reage. Talvez, por

falta de saber como o fazer. Há coisas na vida para as quais não

estamos preparados, pois como é que alguém se prepara para o

impossível?

Sem grande alarido, Ari e Kay afastam-se da mesa e deixam os

jovens agentes para se conhecerem melhor e discutir ideias. O

ambiente está estranho, mas pacífico. Esperavam tudo, menos uma

ressuscitação.

Kay observa Ari atentamente; na sua ótica o Comandante está

a demonstrar algum nervosismo e, por muito que tente, Kay não lhe

consegue atribuir uma causa válida.

- O que pensas? – Ari pergunta, sem realmente prestar atenção

a Kay; antes, olha para a mesa e para os seus novos aliados.

- Penso que irão fazer uma boa equipa. – Kay afirma, com um

sorriso orgulhoso, desviando finalmente a sua atenção do homem a

seu lado.

- Eu estava mais a falar sobre todas as premissas e sobre a

noiva do Alastair.

Kay olha para Ari com desconfiança e fica ligeiramente

agitada perante a urgência de Ari em querer respostas para as

perguntas que todos têm.

- Não temos, claramente, informação suficiente. – Kay

suspira. – Não sabemos quem eles são; nem as suas intenções.

Ouviste a Makayla. E se tudo isto fizer parte do plano?

- Então e… - Ari hesita. – O que propões?

- Primeiro: - Kay aponta para a fotografia de Leah no ecrã.

– Precisamos de remediar aquilo!

Ari cruza os braços e olha para a fotografia da rapariga.

Kay vira-lhe as costas e sai do laboratório, sem mais uma palavra.

Na sua mente, as ordens estavam dadas: encontraram a próxima pista

para completar o puzzle. Agora, cabe aos seus novos recrutas fazê-

la sair da toca.

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Capítulo 11

TRÊS SEMANAS DEPOIS

A escuridão a sala é interrompida pela luz que sai dos monitores

ligados à sua volta. Imagens da Agência Samsara vão e vêm dos

ecrãs; uma sombra observa atentamente os movimentos das pessoas

que vão aparecendo.

Cassia aparece na filmagem, encostada à porta do seu quarto;

a sombra inclina-se na direção da imagem. A luz do monitor ilumina

a sua tez de marfim, o seu cabelo castanho e os seus olhos azuis

escuros. O homem, já de meia idade, usa um fato muito formal e a

sua expressão é severa ao olhar para a rapariga nas imagens.

- Não sei, senhor. – Uma voz jovem levanta-se no meio da

escuridão. Leah, sentada numa secretária, a olhar para as imagens

de Alastair, num outro monitor, vira-se para fitar Rohan.

- É uma pergunta simples, Leah. – Rohan cruza os braços e

vira-se para a rapariga, instigando-a. – Achas que o teu noivo

vai tomar ação para te encontrar?

- Provavelmente. – Leah suspira. – Eu penso que ele nunca

deixou de tentar…

- E se ele for sucedido, sabes o que tem de ser feito, certo?

Não quero que este pequeno jogo interfira com os nossos planos de

maior magnitude. Nós temos um empreendimento para preservar. –

Rohan pousa uma mão no ombro de Leah, encorajadoramente. – Se ele

começar a interferir…

- Não se preocupe. – Leah interrompe. – Eu sei o meu lugar

e a minha missão.

Rohan sorri, arrogante e conivente; os seus olhos azuis a

ficarem pretos da tempestade na sua mente. Leah engole em seco,

pois sabe o que Rohan insinua e conhece bem demais os seus jogos

mentais. Se Alastair começar a interferir, o seu destino é a

morte; com Leah a segurar a arma.

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- Tudo vem com um preço. – Rohan ajusta a gravata, sem

realmente precisar de o fazer. – Pergunto-me se estarás disposta

a pagá-lo.

Um flash de pavor atravessa a expressão da rapariga de traços

hispânicos.

- Senhor… - A sua respiração é rápida. – Espero que não

esteja a questionar a minha lealdade a Mithras.

Rohan solta uma gargalhada audível e divertida.

- Nada disso, rapariga. Apenas questiono se tens a coragem

para premir o gatilho sobre os teus amiguinhos.

Nervosamente, Leah cerra as mãos em punhos e vira-se para os

monitores, para onde não consiga ver o olhar de Rohan a transpassá-

la que nem facas.

- Pensei que sabia. – Leah respira fundo e coloca de novo a

sua cara de jogo. – O amor é uma fraqueza.

Leah sobressalta-se ao sentir a mão de Rohan no seu ombro

novamente.

- Espero que leves essa lição contigo. – Rohan vira-se para

sair da sala, que tanto se assemelha à de Samsara. – Tenho a

sensação que vais precisar dela mais cedo ou mais tarde.

Leah volta a engolir em seco e fecha os olhos, desolada e

mexe no seu anel de noivado. Ao voltar a abri-los vê a imagem de

Alastair e Cassia a falarem num corredor deserto de Samsara. Num

golpe rápido pega na caneca de café que está na secretária e

atira-a, violentamente ao monitor, que se estilhaça, levando na

escuridão a imagem que a assombra.

Alastair puxa uma rapariga pela mão pelas ruas de Quimera. Estava

quase na hora do recolher obrigatório dos habitantes da cidade. A

rapariga de longos cabelos pretos e olhos castanho e amáveis,

sorri para Alastair.

Chegados à porta da casa de Leah, Alastair beija-a ternamente

e pede-lhe que não entre. Retirando uma caixa do bolso, apresenta-

lhe um modesto anel de noivado. Leah parece incrédula.

- Sei que não te posso dar muito, Leah Cruz. Ainda assim,

dás-me o prazer de passar o resto dos meus dias a teu lado?

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- Levanta-te, seu tolo. – Leah obriga Alastair a levantar-

se. As sirenes soam, o que significa que têm que entrar nas suas

respetivas casas, para a inspeção diária. – Tens que ir. Vais

chegar atrasado a casa.

- Não importa. Só vou quando disseres que sim.

Alastair sorri para a rapariga.

Cassia entra no laboratório silenciosamente. Há semanas que tentam

encontrar a mais pequena pista para encontrar Leah, mas sem sorte.

Os piratas informáticos não deixaram nenhum rasto eletrónico e

Cassia estava a ficar sem ideias.

Cassia repara em Makayla e Ziyon a falarem, muito cúmplices,

num canto do laboratório e sorri. O constrangimento social leva-

nos sempre a aproximarmo-nos de alguém, pois quer queiramos quer

não, somos humanos. Há sempre alguém com quem nos conseguimos

identificar, mesmo que seja a pessoa que menos esperamos.

Hayden dá de imediato pela presença de Cassia e corre para

ela.

- Olá, Cassia! – Hayden fala atabalhoadamente. – É com prazer

que te digo que o meu programa de reconhecimento facial resultou!

Dá cá mais cinco!

Cassia ri e faz a vontade ao rapaz sorridente, à espera do

cumprimento.

- E o que encontraste?

- Não sei se vais gostar do que encontrei para dizer a

verdade.

O semblante de Hayden muda e a preocupação é visível nos

seus olhos negros a fitar Cassia. Esta última engole em seco e

segue-o até ao computador, onde este dá um comando e um vídeo de

vigilância começa a ser reproduzido.

- O bom de Quimera é que todos estão constantemente a ser

vigiados.

- Bom é discutível. – Cassia desvia o olhar para o vídeo.

Nas ruas chuvosas de Quimera uma silhueta esguia de capuz

preto vagueia. Uma carrinha branca para tão rápido como apareceu

na imagem e a silhueta dirige-se a ela, mas antes de entrar olha

para trás e a imagem para.

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- Leah… - Cassia suspira. – Quando é que isto foi gravado?

- No dia em que deram Leah como morta. – Hayden tem uma

expressão tristonha.

- E o chip dela? Não deveria estar ativo? –

Inconscientemente, Cassia leva a mão ao pescoço, onde se encontra

o seu chip de identificação.

Hayden olha para a rapariga à sua frente e depois para o

chão. Incapaz de dar más noticias a Cassia, toma coragem para

falar.

- Eu procurei o número de identificação dela, Cassia. Mas

foi desativado…

Cassia franze o sobrolho.

- Como é que isso é possível? Retirar o chip é letal. Está

ligado ao nosso sistema nervoso…

- Ele não foi retirado, Cassia. – Hayden olha para a porta,

incerto de dever ou não divulgar a informação. Antes de dizer mais

uma palavra, o rapaz pega na mão de Cassia e leva-a para um canto

escuro do laboratório, onde nenhuma câmara ou escuta os possam

ver ou ouvir. – O chip foi apagado.

- Como? – Cassia parece confusa.

- Por alguém com acesso privilegiado. – Hayden olha por cima

do ombro, medroso. – Só alguém com um elevado cargo dentro do

governo de Quimera tem o poder de desativar os chips, Cassia. Como

fazem, por exemplo, para os Agentes de Samsara.

Cassia deixa cair os ombros e olha através de Hayden,

incrédula.

- O que é que me estás a querer dizer? – Cassia não quer

entrar em especulações.

- O desaparecimento da Leah pode ter sido um trabalho

interno.

- Mas, afinal, para quem está ela a trabalhar?

Cassia vê Hayden a afastar-se e coloca as mãos na cintura,

olhando para o chão, pensativa. Cada vez mais, pensa que o que

pensa saber pode ser um mero ato imaginativo e sem significado.

Tudo se confunde e tudo se funde em coisas sem explicação e

implausíveis. Cassia fecha os olhos, recusando-se a contemplar o

significado da nova informação, pois quanto mais olha menos vê.

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Makayla chama Cassia para a mesa e todos se juntam rapidamente a

ela e a Ziyon. Parece que todo este tempo têm andado às voltas

atrás da própria cauda; Cassia fica esperançosa de que Makayla

tenha alguma novidade que os vá ajudar.

- Eu e o Ziyon temos estado a falar. – Makayla começa e olha

fixamente para Cassia enquanto fala, ignorando o seu irmão a andar

de um lado para o outro a brincar com uma bola de ping-pong. – Há

uma coisa que não faz sentido.

- Só uma? – Able ri e atira a bola à parede, voltando a

apanhá-la.

- Porque é que os comandantes querem que nos concentremos

tanto no início do século XX? Quimera é uma cidade que foi

construída no apogeu do início da Terceira Guerra Mundial. Se o

que estes piratas, ou como lhes querem chamar, querem destruir

Quimera, porque não apenas impedi-la de ser construída? – Makayla

olha para Cassia e esta franze a testa e aperta a cana do nariz,

tentando encontrar a lógica no meio do absurdo. – Porquê todo este

teatro?

Cassia senta-se à mesa e cobre a cara com as mãos, frustrada.

- Desde quando é que as pessoas precisam de uma razão para

fazer seja o que for? – Able senta-se e cruza as pernas. – Tudo é

uma questão de poder. O poder produz! Todas as relações e decisões

que tomamos são baseadas no poder.

- Durante a Primeira Guerra todos os governos deram como

desculpa para a mesma a segurança nacional, mas na verdade o que

queriam era expandir o seu território. – Makayla senta-se e olha

para Ziyon.

- A guerra tornou-se numa indústria e numa grande parte da

economia de todos os países; um verdadeiro complexo. – Ziyon

termina o pensamento de Makayla.

Makayla recosta-se e faz a pergunta na mente de todos, mas

que ninguém se atreve a verbalizar.

- E se o objetivo destes vilões não é acabar com Quimera,

mas sim reinventar o seu papel no mundo? – Makayla cruza o olhar

de Cassia. – Basta mudar quem detém o poder; o resto lhe segue.

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Cassia mantém o silêncio e os seus pensamentos guardados;

algo lhe diz que a situação é um tanto mais complexa e a vida é

apenas um grande mistério nos dias que correm.

O telemóvel de satélite rompe o silêncio da sala dos monitores de

Samsara e uma sombra pega nele, mas não atende. Um grunhido é

audível por entre a escuridão e a porta abre abruptamente,

iluminando Ari, sentado à secretária.

- Pedimos desculpa, Comandante. – Cassia sorri e olha para

Ari esperando por um sinal para entrar. – Estamos a interromper?

- Claro que não, Cassia. – Ari sorri e levanta-se da sua

cadeira, descartando o telefone. – Estava apenas a adiantar

trabalho. Precisam de alguma coisa?

Alastair olha para Cassia antes de responder. Não sabe o que

se passou ao certo e, de certo modo, está curioso.

- Penso que precisamos de falar com o Ari e a Kay. – Alastair

responde sucintamente.

Ari mostra admiração.

- Claro. Mas aconteceu alguma coisa? A equipa não se está a

entender? – Ari ri, tentando fazer uma piada.

Cassia olha para Alastair e suspira. A sua desconfiança

perante tudo e todos, aumenta a cada segundo.

- Onde está a Kay? – Cassia atira, sem se lembrar das boas

maneiras.

- Numa reunião. – Ari olha a jovem com alguma reserva.

Alastair fica desconfiado de imediato; nunca confiara em Kay

e tudo estava a soar demasiado estranho para ele. Mesmo em Cassia

ele consegue ver alguma hesitação que não estava lá antes.

- Fazemos assim. – Ari continua. – Porque não vão almoçar e

à tarde encontramo-nos no laboratório. Que tal?

Cassia acede ao pedido e vira as costas, saindo prontamente

da sala e, sem grandes cerimónias, Alastair segue-a.

O telefone volta a tocar; desta vez, Ari atende.

O refeitório comum de Samsara não é muito diferente daquele que

se encontrava em Quimera. A sala ampla está cheia de Agentes;

caras desconhecidas que se confundem. As mesas compridas estão

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repletas de comida, pronta a ser partilhada: toda proveniente do

pouco cultivo que ainda se consegue fazer em Quimera e de

laboratórios especializados em genética alimentar.

Cassia e Alastair entram no refeitório e procuram por caras

familiares. Do fundo da sala, Makayla chama a atenção dos dois,

ao vê-los parados na porta. Sem muitas cerimónias, Cassia e

Alastair alcançam a mesa e sentam-se nos lugares que foram

reservados para os dois.

Able é o primeiro a quebrar o silêncio.

- Então, os patrões, que disseram? – Pergunta, levando uma

garfada de puré de batata à boca.

- Nada. – Responde Alastair, enchendo o prato de comida. –

Reunimos depois do almoço. A Kay está desaparecida em ação.

Alastair revira os olhos e todos olham para ele.

- O que é que queres dizer com isso? – Ziyon olha para

Alastair, confuso.

- O Al pensa que a Kay é a raiz de todos os males… - Cassia

ri, não dando hipóteses a Alastair de responder.

Makayla tira os olhos do livro que está a ler e fita Cassia

com um sorriso malandro.

- Ela é pouco agradável, sim. Ainda assim, também eu o sou.

– Makayla ri. – Mas até agora, não tenho queixas a fazer.

Alastair olha para Makayla, sem emoção e agita o garfo no

ar.

- Vá lá! Não acham estranho todos os telefonemas secretos e

reuniões?

Hayden parece comprometido, perante o tom da conversa.

- A Kay não é má pessoa.

Todos param de comer e olham para Hayden, que continua a

cortar os vegetais que tem no prato.

- Ela pode ter uma personalidade difícil. – Hayden continua

a sua defesa. – Mas isso é porque ela quer resolver tudo isto e

salvar o máximo de pessoas que conseguir. Não é nada pessoal.

A mesa fica silenciosa de repente; ninguém se atreve a

ripostar. As mesas à volta do refeitório parecem competir para

ver quem faz mais barulho, mas o grupo de jovens come, agora, sem

conversas.

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Cassia brinca com os vegetais que tirou para o seu prato,

sem grande apetite, e parece absorta em pensamentos. Uma mão a

pousar no seu ombro volta a chamá-la para a realidade. Quando olha

para ver quem é, depara-se com uma Laura sorridente.

Suspirando levemente, Cassia força um sorriso e levanta-se

prontamente. Laura acena ao resto da mesa e puxa Cassia para uma

conversa privada.

Na mesa, todos fingem comer, mas o seu interesse é claramente

as duas raparigas a conversar ligeiramente afastadas da mesa.

- Olá, tu. – Laura sorri e acaricia o braço de Cassia. – Só

quero saber como te tens sentido. Não posso demorar; tenho um

paciente à espera noutra Agência.

Esta conversa tem um tom diferente para Cassia; desde a sua

discussão com a médica, que as suas conversas têm sido mais

distantes e metódicas. Todavia, Cassia não pode deixar escapar a

nova informação que Laura lhe deu: existem mais Agências.

- Espera. – Cassia tenta retirar mais informação desta

conversa. – Outra Agência?

Laura desvia o olhar de Cassia.

- Não é o meu lugar para discutir contigo esses assuntos,

Cassia.

- Claro. – Cassia compreende a posição de Laura e não

insiste, decidindo responder às suas questões, apenas. - Eu estou

bem, Doutora. Não tenho queixas.

- Estares a alimentar-te já é um bom sinal.

Cassia olha para o seu prato com culpa.

- Por acaso não estou. – Cassia decide ser franca. – Mas a

falta de apetite tem mais a ver com o psicológico, do que

propriamente com o físico.

Laura sorri docemente. Cassia pergunta-se o porquê da súbita

mudança de atitude, mas sabe melhor do que fazer a pergunta a

Laura; principalmente, por medo do que poderá ser a resposta.

Na verdade, Cassia está a ficar farta de andar às voltas em

círculos com a médica, mas também não tem certeza do que quer de

Laura. Talvez primeiro seja sábio afugentar os seus demónios e só

depois correr atrás do que quer que seja que pretende. Cassia

cruza os braços, tentando criar alguma distância entre as duas.

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- Se precisares de falar sabes onde me encontrar, Cassia.

Um agente para à porta do refeitório e chama a atenção de

Laura, que prontamente se despede de Cassia e segue o seu caminho.

Cassia retorna ao seu lugar na mesa e todos tentam aparentar

estarem concentrados a comer; mas Makayla sorri implicitamente

para Cassia.

- O que foi? – Cassia olha para todos, tentando perceber o

porquê dos sorrisos patetas nas caras dos seus novos amigos.

- Tu e a doutora andam a brincar aos médicos, hum? – Makayla

olha para Cassia, cúmplice. – Pessoalmente, eu aprovo! Ela é

interessante, de uma perspetiva estética…

Repentinamente o foco deixa de ser Cassia; todos olham em

admiração para Makayla perante o comentário tão sincero e

inesperado.

- Que foi? – Makayla dá um golo na sua bebida. – Eu também

nunca fui a um museu; mas isso não significa que não consiga

apreciar arte!

Todos se riem e continuam a almoçar divertidos. Cassia fica

ligeiramente atrapalhada e corada.

- Oh, vá lá! Calem-se…

Kay espera, sozinha no laboratório, sentada na mesa redonda a

olhar para o vazio. Uma pilha de pastas está pousada à sua frente

e um expositor de roupa está coberto com um pano branco no meio

do laboratório.

Kay está emergida nos seus pensamentos, os dedos a tamborilar

no tampo da mesa, quando Ari entra sorrateiro no laboratório. O

tamborilar para abruptamente, quando Kay sente a presença do

Comandante atrás si.

- Chegaste, finalmente. – Ari sorri, como se nada se

passasse. – Acho que os miúdos têm alguma coisa para falar contigo.

- Sim, claro. – Kay não presta atenção ao que Ari diz. –

Onde estão eles? Tenho um comunicado.

Ari olha com suspeita para Kay.

- Estás bem? – Os olhos de Ari semicerrados a fitar a

Comandante. – Pareces distraída. A reunião não correu bem?

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- Estou bem. – Kay evita responder à pergunta. – Apenas

preciso da equipa aqui. Tenho ordens superiores para serem

executadas o mais prontamente possível.

Kay parece dessatisfeita com as suas palavras.

- E tu não concordas com tais ordens. – Ari apanha Kay

desprevenida. Claramente a mulher não queria deixar transparecer

a sua insatisfação para com o sistema.

- Digo-te apenas que os novos acontecimentos não deixam a

desejar. – Kay ajeita o seu impecável uniforme. – Afinal não temos

assim tanta liberdade como pensávamos ter para esta missão.

Ari prefere não comentar. De todo o modo, os dois são logo

interrompidos pela equipa, a gargalhar e a brincar, a entrar pelo

laboratório dentro. Kay e Ari ficam tensos e olham para os jovens

a vir na sua direção.

Cassia para, apercebendo-se do ambiente na sala; os restantes

jovens não se apercebem de nada e continuam a falar e a rir.

- Está tudo bem? – Cassia cruza o olhar inquieto de Kay, mas

o que lhe chama a atenção é a pilha de pastas sobre a mesa.

Kay volta a ajeitar o seu uniforme, apesar de não precisar

de o fazer; tenta apenas calcular bem as suas palavras.

- Sim. Está. – Kay força um sorriso. – Por favor sentem-se.

Temos trabalho a fazer.

- Porquê tanta seriedade? – Able pergunta levianamente,

sentando-se no seu lugar e atirando com o seu chapéu para a mesa.

Todos tomam o seu devido lugar à mesa e esperam pela

explicação de Kay. O silêncio impera enquanto Kay distribui as

pastas por todos; Ari cruza os braços e observa a Comandante,

curioso acerca do que a pasta contém.

- Peço a vossa compreensão, antes de tudo. – Kay começa

pavimentando o caminho do laboratório de um lado para o outro. –

Eu sei que trabalharam incansavelmente durante estas três semanas.

O vosso esforço é reconhecido. No entanto, temo que foi em vão.

- O quê? – Makayla levanta-se rapidamente, surpresa.

Kay respira fundo antes de continuar.

- Peço-vos que abram as vossas pastas.

Um a um, abrem a pasta que Kay colocou à sua frente.

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Cassia, de cara trancada, fecha abruptamente a pasta e olha

para Kay e Ari.

- O que é que isto significa? – Cassia parece confusa.

Kay engole em seco e olha para Ari, que lê atentamente o

ficheiro.

- O que é suposto fazermos com esta informação? – Cassia

insiste. – O navio Normandie?

Kay para finalmente e encara toda a equipa, respirando fundo

e mantendo a sua pose altiva.

- Tenho ordens superiores! – Kay mantém um ar sério e

indecifrável. – A equipa vai para Nova Iorque, em 1942. Esperemos

que para parar um homicídio em massa…

Um a um, todos posam o ficheiro em cima da mesa e olham para

Kay, surpresos com os últimos desenvolvimentos.

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Capítulo 12

O ambiente no laboratório está de cortar à faca. Todos esperam

por uma explicação da Comandante. Por fim, Cassia faz a pergunta

na mente de toda a gente.

- Há alguma coisa que estão a negligenciar dizer-nos? –

Cassia finca os pés no chão e fita os Comandantes acusadoramente.

– Vocês sabem quem são estas pessoas? Porque de algum modo,

continuam a mandar-nos para o sítio certo, à hora certa…

Alastair olha para Cassia e apercebe-se de que ela poderá

estar certa.

- Quem são estas pessoas, afinal? – O tom de Alastair é

ríspido e alto. – Mais importante, o que fizeram com a Leah?

Ari parece comprometido e olha para Kay, estudando-a. O

semblante da Comandante parece impenetrável, mesmo perante as

acusações de que é alvo. Ari pousa calmamente o ficheiro e inclina-

se sobre a mesa, em direção à pálida mulher.

- Os miúdos têm razão, Kay. – Ari contrai o maxilar. – De

onde veio esta informação? Se sabem tudo isto, para quê todo este

espetáculo?

Kay olha para Ari enfurecida; os seus olhos a projetar

punhais.

- Chega! – Kay deixa cair o seu ar coleto e sereno, alteando

a voz. – Não importa de onde vem a informação! Isso é para eu

saber. Não vocês. Estão aqui para seguir ordens! Não para as

contestar! A única coisa que precisam de saber é que Charles

Collins pode ter sido um espião dos nossos inimigos, no incêndio

que tomou lugar no cais de Nova Iorque, em 1942. Parece que estes

novos jogadores que temos em campo, querem aquecer as coisas. É

tudo o que eu sei.

- Acalmem lá os cavalinhos! – Makayla, de mãos nos bolsos,

respira fundo e revira os olhos perante o tumulto repentino no

laboratório. – Não estou a entender o que se passa! Porquê o salto

repentino no tempo? Passámos da Primeira Guerra para a Segunda

assim do nada? Alguém consegue perceber o que esta gente pretende?

- Quimera foi construída como um recurso de guerra. – Ziyon

olha para o vazio e apoia o queixo na mão. – Eles estão a intervir

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nas maiores Guerras que o mundo viu… Certamente não é em vão.

Ambas as Guerras definiram o clima do mundo e fizeram emergir

novas potências e novas ameaças. Imaginem o que um ataque em solo

americano, em nome do Führer iria fazer ao mundo. Iria certamente

abalar o poder hegemónico dos Estados Unidos.

- Queres dizer que o que eles pretendem é contrabalançar o

poder? Com que motivo? E como é que a nossa cidade se encaixa

nisso tudo? – Cassia vira-se para Ziyon e Makayla, tentando

perceber o que eles pensam.

- Simples. – Makayla senta-se e coloca os pés em cima da

mesa, casualmente. – O Able tem razão: tudo é acerca de poder! O

poder produz tudo à nossa volta. Mas ele é difuso também. Ataca o

maior detentor de poder no mundo e o tom muda. Quimera é uma

produção americana. Nem todas as nações concordaram com a

construção da nossa Arca de Noé.

Able ri-se e olha para Cassia, divertido.

- Desde quando é que as pessoas precisam de uma desculpa

para fazer seja o que for, princesa?

- Detesto rebentar a vossa bolha intelectual, mas quem é

este gajo, Charles? – Alastair aponta para o ficheiro, aborrecido.

- Charles T. Collins deu um depoimento acerca dos

acontecimentos no navio, na altura em que o incêndio começou.

Todavia, o depoimento não fez o mínimo de sentido e tinha falhas

por todos os lados. Por isso, nunca se percebeu muito bem o que

aconteceu naquele dia. – Makayla cruza os braços e recosta-se na

cadeira a estudar Alastair. A verdade é que ela e o rapaz começaram

com o pé errado. Parece que o intelecto de um, não cruza com o do

outro. Ainda assim, Makayla não deixa de lhe achar uma certa

piada.

- Neste momento não existem certezas de nada. – Kay volta a

pronunciar-se. – Apenas que precisamos de impedir a cena de tomar

novas proporções.

Kay dirige-se ao expositor no meio da sala e, num gesto

rápido e preciso, retira o lençol, expondo uma variada escolha de

roupas de época.

- E desta vez estamos preparados.

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Kay sorri e Ari cruza os braços, admirando a tenacidade da

Comandante.

Alastair senta-se num canto do laboratório, enquanto os restantes

membros da equipa se preparam para a missão. Pensativo, enterra a

cara nas mãos. Sem perceber como chegaram aqui; sem perceber como

chegaram a este ponto. Como é que se encontra conforto, no meio

da devastação?

Makayla apercebe-se da falta do rapaz e observa-o por

instantes. Silenciosamente, senta-se ao lado de Alastair. Por

momentos, deixa-se ficar em silêncio, escolhendo as suas palavras.

- A culpa não é tua, Alastair. – Makayla sorri ternamente

para o rapaz a seu lado, que se apercebe da sua presença.

- Ela era apenas uma rapariga comum e amável. – As lágrimas

contra que luta, fazem-lhe um nó na garganta. – Não entendo…

- Às vezes são as pessoas de quem menos esperamos, que mais

nos surpreendem. Pela positiva ou negativa.

Makayla entrelaça as mãos e olha para os seus colegas a

escolherem a roupa e a falarem entre si.

- Não sabes o que aconteceu. – Makayla olha novamente para

o rapaz. – Se calhar a Leah não teve escolha…

- Houve alguém que disse que temos sempre uma escolha. Mesmo

entre duas más opções. – Alastair está irredutível.

Makayla ri, suavemente. Um momento de silêncio envolve-os e,

num momento de inconsciência, Makayla agarra a mão de Alastair,

forçando-o a olhar para ela.

– Se calhar, não queres saber a sua outra opção.

Batendo gentilmente na perna de Alastair, reconfortando-o,

Makayla levanta-se e volta para o grupo. Alastair olha para a

loira, que se afasta e suspira.

Able, de mãos nos bolsos e voz átona aproxima-se de Alastair.

- É complicado, pá!

- O que queres dizer com isso? – Alastair levanta-se e olha

atentamente para Able.

- Olha, companheiro, eu entendo, está bem? – Able olha na

direção de Makayla. – As pessoas que amamos conseguem ser um peso,

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por vezes. E a vida é uma coisa parva. A tua namoradinha claramente

fez uma escolha. Talvez te devas preparar para fazeres a tua.

Able começa a afastar-se de Alastair, mas antes de o deixar

sozinho, volta a encará-lo.

- Ainda a amas? – A pergunta apanha Alastair desprevenido e

este olha na direção de Makayla, sem se aperceber.

Able espera por uma resposta, mas ao se aperceber de que

Alastair hesita, ri.

- Pois é, amigo. Deve ser exaustivo andarmos sempre às voltas

sobre nós mesmos. – Able aproxima-se de Alastair e olha para a

irmã e de volta para o rapaz. – Queres um conselho? Deixa o passado

onde ele está. Pode ser que te surpreendas.

Alastair olha para Able e deixa-o partir sem lhe responder.

A culpa começa a apoderar-se dele, pois não sente a falta de Leah.

Há bastante tempo que não pensava nela e nem se lembra de como se

sentia ao lado da rapariga. Fechando os olhos, pergunta-se se foi

tudo por comodidade, esperando não ter que voltar a enfrentá-la.

A equipa, vestida a rigor, para em frente da imponente máquina.

Os nervos são palpáveis entre os seus membros mais recentes. Kay

e Ari, lado a lado, cruzam os braços e esperam que todos se

acalmem.

Hayden dirige-se para o seu lugar e espera que a ordem seja

dada.

- Penso que estamos prontos. – Kay olha para Cassia, pedindo

confirmação. – Cassia sentes-te capaz de avançar com esta missão?

- Claro. – Cassia suspira. – Estou pronta e já tive alta

médica.

- Muito bem! – Ari bate em seco com as mãos, no ar. – Desejo-

vos a todos muita sorte. Sabem o que têm a fazer.

- Foram bastante expressivos no briefing, Comandantes. –

Makayla sorri sarcasticamente.

- Não tentem ser heróis. – Kay olha para Cassia. – Deixem

que tudo se passe como na linha temporal original. O vosso papel

é encontrar o Collins e impedir extrapolações; sem chamar as

atenções.

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Alastair estremece com estas palavras e agarra a mão de

Cassia com força.

- Por favor, certifiquem-se uma última vez que as vossas

braceletes estão a funcionar! – Hayden grita do fundo do

laboratório.

Todos obedecem e não demora muito até que as portas da

máquina abram e a luz estale no ar. O barulho ensurdecedor entra

pelos ouvidos de todos, fazendo-os encolher-se por segundos.

Ziyon olha fascinado para a máquina e sorri. Esperaram toda

uma vida por uma segunda oportunidade para terem paz e, por

momentos, Ziyon acredita que estão perto de a agarrarem.

- Estamos prestes a viajar no tempo… - Ziyon não acredita

nas suas próprias palavras. Mas, por vezes, é mais fácil acreditar

na loucura, do que na realidade. Isto certamente parece-lhe uma

grande loucura.

Alastair e Cassia já encaram esta situação como rotineira,

pelo que as suas mentes estão noutro lugar.

Um a um, passam a porta e o aparelho de descontaminação.

Lentamente as portas fecham-se, fazendo-os emergir na escuridão.

Não demora muito para as sombras serem engolidas pela luz do sol

brilhante, que passa entre os arranha céus da cidade nova-

iorquina.

O beco, na quadragésima segunda rua, da cidade de Nova Iorque

oferece o prefeito local de aterragem para os jovens viajantes.

Alastair e Cassia, já habituados à sensação encantadora de

viajar entre o tempo e o espaço, começam de imediato a tomar nota

do seu novo ambiente.

Ziyon olha à sua volta, maravilhado.

- Vocês acreditam que acabámos de fazer isto? – Ziyon olha

para Able, tentando perceber se apenas ele se sente entusiasmado

com a sua vida neste momento único.

- Isto é o meu sonho tornado realidade! – Makayla salta de

entusiasmo. – Estamos a experienciar a História em primeira mão!

Able agarra os joelhos e respira fundo.

- Mais alguém se sente um pouco tonto e nauseado? – Able

reprime o vómito. – Sou só eu?

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Makayla atende de imediato aos cuidados do irmão e Ziyon

ajuda-a.

Cassia atenta na rua à frente do beco e suspira, entediada.

- Claro que tínhamos que vir parar à rua mais movimentada da

cidade.

Alastair olha para Cassia, cruzando os braços.

- Algum plano brilhante, Cass?

- Eu acredito veemente em ter um bom plano A, para não termos

que recorrer ao plano B.

- E quais são eles, exatamente? – Alastair arqueia uma

sobrancelha.

- Estou a trabalhar neles, Al. A sério que estou…

Alastair e Cassia viram-se para os colegas e suspiram em uni

som ao se depararem com a cena que decorre no beco. Able está

debruçado atrás de um contentor, maldisposto, enquanto Makayla e

Ziyon o tentam confortar. Olhando um para o outro, atiram a cabeça

para trás, em desespero.

Os cinco jovens adultos atravessam a rua em busca do Cais 88.

Vestidos a rigor para a época, passam despercebidos, ainda que

pareçam um pouco abismados com os arranha céus e com a energia

das ruas de Nova Iorque.

Cassia, por sua vez, parece absorta em pensamentos. Sempre

fora o seu sonho sair de Quimera e ver o mundo. Nunca pensou que

o fosse ver nas circunstâncias presentes. Cassia olha para

Alastair a seu lado, que observa tudo atentamente, com um sorriso

triste, mas esperançoso. Custa-lhe pensar no que acontecerá se

encontrarem Leah. Custa-lhe pensar na reação de Alastair,

principalmente, pois ainda não percebeu o que se passa na sua

cabeça.

- Alguma ideia brilhante? – A voz do irmão chama-a de volta

à realidade.

Cassia para e olha para trás, reparando que Able embatera

contra alguém e pedia desculpa, agora, atabalhoadamente. Sem

grande sucesso, já que o homem nem voltou a olhar na sua direção;

apenas seguiu o seu caminho.

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- Não. – Cassia suspira, desapontada pela falta de um rumo.

– Parece que temos que improvisar.

- Com sorte, é o que fazemos melhor. – Alastair ri.

Able aproxima-se de Makayla e Ziyon, com um sorriso

comprometedor.

- Alguém quer comer alguma coisa? – Able pergunta,

descontraído, olhando ao seu redor.

- Estás a esquecer-te da parte em que por estas bandas se

usa dinheiro, maninho. – Makayla cruza os braços e ri-se. – Coisa

que nos alude.

Uma carteira é agitada no ar, em tom de troça.

- Onde arranjaste isso? – Ziyon pergunta escandalizado. Able,

por sua vez, começa a examinar cuidadosamente o pequeno pedaço de

couro preto.

- Eu sou um ladrão! É o que eu faço… Deixo as pessoas mais

leves. - Able lança um sorriso charmoso e jocoso, na direção de

Ziyon. – Vamos ver quem é que temos aqui.

Cassia e Alastair aproximam-se, curiosos.

- Antropologicamente falando, roubar pode ser visto como um

rito de passagem em muitas culturas… - Ziyon tenta justificar as

ações de Able.

- Exato! Obrigado! – Able dá uma pancada leve no ombro de

Ziyon e logo se apressa a abrir a carteira. – Vladimir Yur…

- Vladimir Yurkevich? – Makayla arranca a carteira das mãos

de Able, assim que ouve o nome conhecido.

Cassia revira os olhos e ri sarcasticamente.

- Só podem estar a brincar comigo.

Alastair olha confuso para as duas raparigas.

- Quem é esse, agora?

- O arquiteto do navio que está prestes a afundar. – Ziyon

coloca as mãos nos bolsos do casaco e arqueia as sobrancelhas,

encolhendo os ombros para Alastair.

Alastair fica surpreso e leva as mãos à cintura.

- O fogo começou às duas e meia da tarde, estou certa? –

Cassia olha para Makayla para confirmação; logo ficando com uma

expressão pensativa e absorta do mundo. – Ganha aquele que estando

preparado, espera, para que possa apanhar o inimigo desprevenido.

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Ziyon semicerra os olhos e vira-se para Makayla, a seu lado.

- Porque é que ela está a citar Sun Tzu?

- Vá-se lá saber… Ele, realmente, escreveu um grande manual

de estratégia militar. – Makayla cruza os braços e olha para Ziyon

com preocupação. – Por outro lado, a China perdeu muitas guerras

depois dele escrever a “Arte da Guerra”.

Todos esperam pelo próximo passo de Cassia, mas esta apenas

olha em volta.

- Se eu quisesse cometer um homicídio em massa, qual seria

a minha primeira preocupação? – Cassia pergunta retoricamente.

Alastair cruza os braços e fica também pensativo.

- Esperar que a multidão se junte; preferivelmente num lugar

seguro; no entanto perto o suficiente para a poder vigiar e agir

depressa. – Alastair fala sem olhar para ninguém em específico;

como se estivesse a proferir um monólogo. – E, claro, perto de

uma saída estratégica, para poder fugir sem grandes esforços.

Cassia olha para Alastair e, repentinamente, a sua expressão

muda e ela começa a correr.

- Eu sei onde eles estão! – Cassia grita, na distância,

fazendo com que todos, atrapalhados pela brusquidão dos

acontecimentos, comecem a correr para a apanhar.

Able fica para trás, contrariado.

- Então, mas isso significa que não vamos comer?

Suspirando, começa a correr também.

Um armazém escuro e antigo parece abandonado. A equipa entra

cuidadosamente e tentando não dar nas vistas. Cassia e Alastair

são os primeiros a passar pela porta enferrujada e, de imediato,

sem ser preciso comunicação verbal, retiram as suas armas dos

coldres.

Prosseguem-lhes Makayla e Able, que lhes seguem o exemplo e

retiram as suas armas. Ziyon fica para trás e recusa-se a andar

armado, embora o ambiente do armazém convide quem entre a fazê-

lo.

Não há muito que ver, para além da escuridão, pelo que Cassia

se apressa a retirar uma pequena lanterna do seu bolso. A escuridão

deixa-a desconfortável; é onde os monstros se escondem. Mas o que

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a assusta mais é pensar que quando a luz engolir as sombras, esses

monstros possam ser apenas o seu reflexo num espelho.

Makayla tenta alcançar Cassia e sussurra ao falar.

- O que é que te faz pensar que eles estão aqui, ao certo?

Cassia olha para Makayla, mas recusa-se a parar.

- Lembrei-me de uma foto do ficheiro…

Alastair apanha a conversa e, notando a confusão na expressão

de Makayla, tenta completar a resposta da irmã.

- Ela tem uma cena de memória… - Alastair encolhe os ombros

e continua.

Makayla para e olha para os dois irmãos a afastarem-se, com

as mãos na anca e a sobrancelha arqueada.

- E, no entanto, nada do que disseram respondeu à minha

pergunta.

Revirando os olhos, Makayla continua no alcance da restante

equipa, agora com Ziyon no seu flanco direito. Repentinamente um

estrondo rebenta no ar. A porta do armazém fecha-se e a pouca luz

que por lá entrava, é invadida pela escuridão do interior frio do

armazém velho e enferrujado. Todos são forçados a parar. Um a um,

viram-se, tentando perceber o que forçou a pesada porta de ferro

a fechar.

- Provavelmente foi o vento, certo? – Ziyon treme que nem

varas verdes.

Able aparece por detrás de Ziyon e sussurra-lhe ao ouvido,

assustando-o.

- Não havia vento, lindo! – Able gargalha, divertido.

Cassia aponta a lanterna para a entrada, mas tudo o que se

vê são velhos panfletos a cobrir o chão; sem vestígios de uma

sexta alma nas proximidades.

- Nada de entrar em pânico, por favor. – Alastair tenta

instaurar a calma entre o grupo de jovens. – Não passa de um velho

barracão! Vamos ouvir barulhos esquisitos, certamente.

Ziyon não se convence e engole em seco.

- Claro. Porque nada de mau alguma vez aconteceu em armazéns.

– Ziyon olha para Alastair. – Especialmente na época dourada da

máfia.

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Todos decidem ignorar os medos de Ziyon e continuar a

revistar o armazém, com Cassia a tentar iluminar o caminho com a

pequena lanterna.

Conseguem dar apenas mais cinco passos, antes da lanterna

avariar, deixando-os completamente cegos e vulneráveis.

- Merda… - Cassia abana a lanterna freneticamente.

- Parece que chegou a altura de retirar a minha arma… - Ziyon

respira rapidamente, nervoso, e retira a arma que traz à cintura.

Alastair tira a lanterna das mãos impacientes de Cassia e

tenta concertá-la; apesar de não conseguir ver nada.

- Carregaste a bateria?

Antes de Cassia ter a oportunidade de mandar vir com o irmão,

o som das suas palavras é abafado pelo tiro a sair do cilindro de

uma arma.

O armazém ecoa o tiro e saúda o silêncio de seguida. Quatro

respirações aceleradas fazem-se perscrutar na atmosfera temerosa.

A lanterna volta a funcionar e Alastair aponta-a para a fonte do

tiro.

Num acesso de incompreensão coletiva, todos olham

acusadoramente para Ziyon, que ainda aponta a arma para o vazio e

parece extremamente abalado pelo sucedido.

Cassia aproxima-se calmamente de Ziyon, sem o querer

sobressaltar e retira-lhe a arma das mãos com cuidado.

- Respira, Ziyon. – Cassia nota que o rapaz está a suster o

ar, perturbado.

Alastair tenta encontrar o alvo de Ziyon e, ao dar uns

passos, debruça-se e apanha algo do chão, apontando-lhe a

lanterna.

Uma gargalhada involuntária sai da garganta de Alastair.

- Parece que podemos ir para casa! O Ziyon apanhou o

cabecilha dos piratas informáticos que querem acabar com Quimera!

– Alastair levanta-se e iça um rato no ar pela cauda, apontando a

lanterna para efeito dramático. – Parece que o Rato Mickey se

começou a dedicar ao crime!

Todos se riem e Alastair atira o rato morto para longe,

voltando para junto do grupo.

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Ziyon endireita as suas roupas, nervosamente, e engole em

seco.

- Peço desculpa. – Ziyon olha para Cassia. – Eu nunca tinha

pegado numa arma antes…

- Pinta-me chocada… - Cassia afaga as costas de Ziyon,

tentando reconfortá-lo, apesar do seu tom sarcástico.

Alastair revira os olhos e dirige-se a Ziyon.

- Tu vais fazer uns treinos comigo, quando voltarmos…

Ziyon fica para trás, sentindo-se um pouco embaraçado perante

o sucedido; enquanto os outros continuam à procura do que os

trouxe ali.

- Detesto ser desmancha prazeres… - Makayla empunha a arma

e dirige-se a Cassia. – Mas, se alguém está aqui dentro, acabámos

de matar o elemento surpresa, princesa!

- Não me chames princesa, caracóis dourados! – Cassia revira

os olhos e sorri para Makayla, que sorri de volta perante a

provocação amistosa. – E ambas sabemos que tu adoras ser desmancha

prazeres!

Cassia pisca o olho a Makayla e acelera o passo, deixando-a

para trás. Uma busca desesperada toma lugar; todos na posição

certa, no momento certo, tentando protegerem-se mutuamente.

Makayla tem razão, se não estiverem sozinhos, o inimigo já não se

encontra desprevenido.

Depressa chegam ao fim do armazém, onde uma grande janela, coberta

com tábuas de madeira, deixa entrar rasgos de luz. Cassia olha à

sua volta, desapontada. O armazém parece vazio.

- Parece que estavas errada, Cassia. – Makayla olha em redor.

– Não há nada aqui.

Cassia não se deixa convencer.

- Não percebo. Este é o lugar perfeito para eles se

esconderem. – Cassia aponta para a janela, com uma vista

privilegiada para o navio atracado no cais. – Tem janelas

discretas, uma saída do outro lado, acesso reservado…

Able aproxima-se e olha para a janela.

- Se calhar estão noutro armazém. Quer dizer, detesto indicar

o óbvio, mas estamos num cais, querida! Armazéns não faltam.

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Able faz a sua declaração, mas rapidamente perde interesse

na discussão e deixa a restante equipa a olhar pela janela,

começando a vaguear pelo armazém sozinho. A luz da janela faz

refletir algo do outro lado do armazém, o que apanha a atenção de

Able, sempre curioso acerca de objetos que brilhem.

Ziyon, junto da restante equipa, coloca as mãos nos bolsos

e desiste de tentar olhar pelas pequenas gretas, entre as tábuas

pútridas do tempo.

- Eu cá não vejo nada, pessoal. – Virando-se para procurar

Able, engole em seco e muda drasticamente de expressão, ao se

deparar com a cena que decorre à sua frente. – Colegas…

O guincho desesperado de Ziyon chama a atenção da restante

equipa, que se vira para perceber o que despoletou esta reação.

Assim que os seus olhos se ajustam à escuridão do armazém,

sustêm de imediato a respiração e sacam novamente das suas armas,

apontando-as a Able.

Able coloca as mãos no ar, em jeito de súplica silenciosa.

Dando uns passos forçados em frente, uma jovem rapariga é

iluminada por um faixe de luz proveniente da janela. O sorriso

provocante é tão evidente, como a arma que aponta às costas de

Able.

Alastair franze a testa e dá um passo em frente, incrédulo.

- Olá, amor. – A jovem rapariga gargalha ao reparar na

aflição nos olhos de Alastair. – Sentiste a minha falta?

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Capítulo 13

As ruas de Quimera estão enevoadas, da chuva a embater no asfalto

quente. Cinzas caem dos céus, das fogueiras que são forçadas a

cessar fogo pela tempestade repentina. Os prédios cinzentos ficam

com um ar sombrio, da penumbra que paira sobre eles.

Alastair vagueia as ruas, com a chuva a cair-lhe pelas costas

e a enxercar-lhe o cabelo. O rapaz, com um ar desesperado, tenta

parar as pessoas por quem passa, mostrando uma fotografia que se

começa a desintegrar devido à humidade e ao tempo. As pessoas mal

olham para Alastair, apenas continuando o seu caminho: a população

da cidade está enferma, fraca e deixaram de ter compaixão pelo

sofrimento alheio. Durante os anos de ouro da cidade foram

marionetas nas mãos do poder; agora, morrendo, apenas procuram um

lugar para descansar em paz, antes da morte vir para os levar para

onde pertencem.

Atabalhoadamente, Alastair vai-se tentando desviar dos

corpos que vão caindo como dominós; procurando desesperadamente

por um sinal de Leah. Lágrimas confundem-se com a chuva no seu

rosto, os seus joelhos começam a falhar e Alastair deixa-se cair

no pavimento, encostado a um prédio, desolado.

Com um gemido, chama pela namorada; a sua voz ecoa nas ruas.

A dor é evidente no rapaz e, no entanto, ninguém para. De máscaras

cirúrgicas, continuam a fugir da chuva, como se de mais um dia

normal se tratasse.

Num armazém do Cais 88, em Nova Iorque, no ano de 1942, as tensões

vão altas. Armas apontam para todos os lados e corações batem

depressa. Able, todavia, ainda que com uma arma apontada às

costas, permanece estranhamente calmo.

Leah força Able a dar um passo em frente; este obedece

prontamente e sorri, presunçoso. A expressão de Alastair é severa

a olhar para a ex-namorada, que pensava estar morta. O seu maxilar

contrai e a posse que detém sobre a arma, que aponta a Leah,

aumenta com cada passo que este dá. Cassia olha atentamente para

Alastair, engolindo em seco, tentando antecipar qualquer reação

do rapaz a seu lado.

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- Larga a arma, Leah! – A voz de Alastair é ríspida e

autoritária. – Vamos falar!

Leah dá uma gargalhada estridente.

- Não há nada para falar, Alastair! – Com uma cara séria,

agarra em Able pelo pescoço e aponta a arma na direção de Alastair.

– Vou precisar que baixem as vossas armas, no entanto. Para que

ninguém se magoe, claro…

O sorriso presunçoso de Leah envia um arrepio pela espinha

de Alastair. Custa-lhe acreditar que é ela quem está à sua frente

neste momento, a segurar uma arma apontada a ele.

- Larga o meu irmão! – Makayla está vermelha de raiva e

coloca o dedo no gatilho, pronta a disparar, caso as suas ordens

não sejam acatadas. – Olha à tua volta! Três pistolas para uma!

Achas mesmo que consegues vencer-nos?

Leah olha para o chão com falso pesar, que logo se transforma

num sorriso ameaçador.

- Tens assim tanta certeza disso, loirinha?

Das sombras, sons de armas apanham todos de surpresa e cinco

agentes, vestidos de preto, aparecem apontando armas AK-47 ao

grupo de jovens, deixando-os encurralados. Makayla engole em seco

e olha, irada, para Leah.

- Não estamos tão faladoras agora, pois não? – Leah olha

para Makayla, em tom de provocação.

Cassia dá um passo em frente e põe os braços no ar, colocando

a sua arma de volta no coldre. Alastair olha para a irmã alarmado

pelo seu gesto, na sua opinião, idiota. Não que Alastair não

esperasse este tipo de ações da parte de Cassia, sempre

imprevisivelmente previsível.

- Leah, o que é que pensas fazer ao certo? – Cassia tenta

chamar a jovem à sua razão. – Não podes matar toda aquela gente

ali fora…

- Cassia! – Leah sorri calorosamente para Cassia. – Tenho a

dizer-te que senti imenso a tua falta! Tu sempre foste a mais

inteligente. E, todavia, estás a ficar um pouco aquém daquilo que

esperava de ti.

Leah imita um amuo e olha para Cassia, provocante.

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- Porque é que estás a fazer isto, Leah? – Cassia continua

a tentar argumentar. – Tu não és assim.

- Lamento dizer-te que nós nunca conhecemos verdadeiramente

as pessoas a nosso lado. Podemos viver com um assassino e nem

desconfiar, não concordas? – Leah prende o olhar de Cassia. – Tu,

mais que toda a gente, deverias saber bem essa lição. Tenho a

certeza de que a Tara concorda comigo.

Cassia sustém a respiração perante a insinuação e sente o

olhar de Alastair a arder nas suas costas. Leah sorri, sabendo

que tocou num nervo.

- Vais mesmo tentar matar o teu Ex, minha? – Able olha,

curioso, para Leah. – Não estou a julgar. Longe de mim! Apenas a

admirar a ousadia.

- Claro que não! – Leah finge-se insultada. – Para que é que

achas que eu trouxe estes gajos de atrelado?

Os agentes dão mais um passo ameaçador em direção aos jovens

em desvantagem.

- Leah! O que é que te aconteceu? – Alastair suplica por uma

explicação. – Tu não eras assim… O que é que eles te fizeram?

Leah avalia Alastair com um ar severo: a zombaria chegou ao

fim.

- Já pensaste que, se calhar, nunca soubeste quem eu era? –

Leah entrega Able a um agente e dá um passo em direção a Alastair

e Cassia. – Eu não mudei quem sou; apenas a paisagem e nós somos

aquilo que somos.

- Será que somos assim tão insignificantes para ti? Eu fui

assim tão prescindível? - Alastair grita, enraivecido e Cassia

segura-o. – Eu mereço uma explicação! Estou capaz de te matar!

Cassia usa toda a sua força para impedir que Alastair faça

algo de que se venha a arrepender.

- Parece que vais ter que viver com a desilusão! – Leah

sorri. – Agora, vocês, os súbditos empecilhos que apareceram para

atrapalhar os nossos brilhantes planos para mudar o mundo… O que

fazer com vocês? Parece-me que a resposta é simples! Matem-nos!

Leah vira-se, após a ordem dada e começa a andar calmamente

pelo armazém.

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- Porque é que estás a fazer isto? – Alastair grita,

irritado, quase derrubando Cassia.

Leah vira-se e a sua expressão denota evidência.

- Sempre me incentivaste a perseguir os meus talentos. Ao

que parece eu sou boa a matar. – Leah olha Cassia nos olhos. –

Ah! É verdade! O teu pai envia cumprimentos, Cassia.

Cassia larga o irmão e a sua respiração torna-se ofegante.

Felícia tinha razão: ele está vivo.

Leah volta-se a virar e, tão repentinamente como apareceu,

desaparece nas sombras. Os agentes começam a aproximar-se

lentamente dos jovens, encurralando-os contra a parede.

Uma parede humana forma-se entre os quatros jovens e a saída do

armazém. As armas automáticas que lhes são apontadas começam a

parecer demasiado reais, quando comparadas com as semiautomáticas

que têm na mão.

Able, esquecido do lado de fora da barreira, tenta remediar

a situação em que se encontram. Olhando para o chão encontra um

tubo de metal e, numa decisão rápida, apanha-o, acertando na

cabeça de um dos agentes. O agente cai para o chão, atordoado e

os outros viram-se para tentar perceber o que aconteceu.

A oportunidade apresenta-se para voltarem a estar em

vantagem. Tiros são disparados em todas as direções e Alastair

consegue desarmar dois agentes, encetando uma luta física. O

agente derrubado por Able volta a si e, desarmado pelo jovem,

persegue-o pelo armazém, enquanto Able tenta perceber como

desbloquear a arma que lhe roubou.

Makayla consegue alvejar um dos agentes e, prontamente, vai

ajudar Alastair a combater os dois operativos que parecem estar a

levar a melhor do rapaz. Ziyon, por sua vez, tenta evitar a

turbulência e passar despercebido num canto.

Cassia está a ter problemas em conseguir desarmar o agente

que a tenta abater. É a primeira vez desde que esteve entre a vida

e a morte, depois de ter sido alvejada em Sarajevo, que vê combate.

A arma que traz consigo parece mais pesada do que antes. O som

dos tiros a vir na sua direção mais assustadores. A destemida

rapariga está a ter alguma dificuldade em concentrar-se na cena à

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sua frente, mas sabe que a mínima distração pode custar-lhe a

vida.

Num golpe rápido o agente desarma Cassia, que se desequilibra

e cai para o chão. O agente olha para ela do cimo; Cassia sustém

a respiração por um segundo, olhando para o cano da arma apontada

à sua cabeça. Não lhe restam muitas opções. O agente leva o dedo

ao gatilho e, decidindo que não tem nada a perder, Cassia rebola,

desviando-se do trajeto da bala e dá um pontapé na canela do

homem, que se deixa cair de joelhos.

Retirando uma faca do seu tornozelo, Cassia, levanta-se de

um salto e degola o homem, num único movimento sem hesitação.

Antes de o homem ter tempo de cair no chão, Cassia agarra na arma

que ele traz ao ombro e vira-a na direção do operativo que

conseguiu apanhar Able. Premindo o gatilho, abate o agente e

liberta Able, que lhe agradece de imediato com um gesto, do longe.

Makayla tenta subjugar o seu oponente, com o triplo do seu

tamanho; mas sem grande sucesso. Alastair repara no domínio do

agente sobre a rapariga e distrai-se momentaneamente, acabando

com o punho do seu opositor no seu maxilar. Alastair cai e agarra

o queixo, devido à forte dor, sentindo-se um pouco zonzo devido à

pancada. O operativo ri-se ao parar junto de Alastair, agarrando-

o pelo colarinho, erguendo-o no ar sem grandes esforços. Engolindo

em seco, Alastair perde alguma da esperança de conseguir soltar-

se e fecha os olhos, esperando outra pancada violenta.

Entretanto, Makayla, tenta libertar-se das garras do

operativo que a domina. De costas para o chão, tenta respirar,

debatendo-se com as mãos do homem à volta do seu pescoço, que a

sufoca.

Dois tiros certeiros, fazem com que Alastair caia para o

chão, e com que Makayla volte a respirar. O operativo que a tentava

sufocar cai para cima dela, soterrando-a e Alastair tenta

levantar-se de imediato, desarmando o agente que o segurava no

ar.

Olhando em volta para tentar perceber o que acontecera,

apercebe-se que Ziyon conseguira pegar na pistola que Cassia tinha

deixado cair e disparara sobre os agentes que os atormentavam.

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Cassia vê Makayla a debater-se com o corpo pesado sobre si

e corre para a ajudar, retirando o agente morto de cima da

rapariga.

- Estás bem? – Cassia pergunta, ajudando Makayla a levantar-

se.

Apesar das tentativas, Makayla não consegue responder,

faltando-lhe o ar. Em vez, sinaliza que está bem e agarra os

joelhos, voltando a sentar-se. Ziyon e Able correm na sua direção,

tentado ajudá-la.

Cassia deixa Ziyon e Able a atender a Makayla e dirige-se a

Alastair, que se há deitado no chão a olhar para o tejadilho

ferrugento do armazém. Senta-se ao lado do irmão em silêncio,

dando-lhe espaço para processar as suas emoções.

- Raio de viagem até Nova Iorque… - Alastair finalmente

quebra o silêncio, permanecendo deitado a olhar para o teto.

Cassia não responde. Olha para o maxilar de Alastair e fá-

lo levantar-se para o examinar. Alastair senta-se ao lado da irmã

e deixa-a fazer o que tem a fazer. Pressionando o hematoma que se

começa a notar na tez morena de Alastair, fá-lo encolher-se com

dores.

- Não está partido; apenas uma luxação, me perece. Mas é

melhor veres isso quando voltarmos. – Cassia coloca uma mão no

ombro de Alastair. – Estás bem?

- Já tive contusões piores, Cass… - Alastair sorri, tentando

convencer Cassia do seu estado de espírito.

- Não era disso que eu estava a falar.

- Ela fez a sua escolha. – A expressão de Alastair muda,

tornando-se penosa. O rapaz levanta-se, recusando-se a olhar para

Cassia, pois por dentro está a morrer, sem conseguir acreditar no

que aconteceu.

- Não os podemos salvar a todos. – Cassia levanta-se e coloca

as mãos nos bolsos das calças. – Alastair, as coisas têm a

importância que lhes damos. Talvez esteja na altura de começarmos

a dar importância a outras coisas.

Cassia afasta-se de Alastair e dirige-se ao restante grupo.

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O Navio Normandie afunda-se, com toda a gente a admirar a tragédia.

A polícia tenta controlar a multidão e criar um perímetro de

segurança à volta do navio.

A equipa sai do armazém para o espetáculo que decorre no

cais da cidade e para, por instantes, para tentar dar algum sentido

ao caos.

- Pelo menos não fomos nós que afundámos o navio… - Alastair

olha para Makayla a seu lado.

- Não. – Makayla leva a mão ao seu pescoço, esfregando-o. –

Apanhámos antes um enxerto de porrada. Amanhã vou estar toda

dorida.

Cassia ri e tenta consolar Makayla, com uma pancada ao de

leve no ombro da rapariga.

- De que planos é que acham que a Leah estava a falar? -

Ziyon cruza os braços e volta costas ao navio, para olhar para os

colegas.

Alastair olha para Cassia e de volta para Ziyon.

- Não sei, miúdo. – Alastair olha para o chão, tristonho. –

Ela, claramente, não está no seu perfeito juízo.

- Seja o que for, sinto que não fomos enviados para parar um

homicídio em massa; mas para cairmos numa cilada bem planeada. –

Cassia olha para todos, um a um, sombriamente. – Ouviram a Leah.

Nós começámos a atrapalhar os seus planos: quem quer que eles

sejam, querem fazer de tudo para nos tirar do seu caminho; e

acabaram de falhar a primeira tentativa.

- Penso que não preciso de vos relembrar quem nos enviou

diretamente para a boca do lobo. – Alastair olha para Cassia, com

suspeita.

- Mas não faz sentido. Porque é que a Kay nos recrutaria só

para nos mandar matar de seguida. Não me parece uma boa gestão de

recursos… - Makayla não se convence e olha para Cassia. – O que é

que ela quis dizer com o teu pai manda cumprimentos? Vocês não

são irmãos?

- Eu fui adotada, Makayla. Ando à procura do meu pai, mas

parece que ele me encontrou primeiro. – Cassia cruza os braços. –

E, quanto à Kay: não estou a defendê-la. Apenas penso que se passa

algo mais do que uma simples conspiração contra a nossa existência

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em particular. E nós vamos ter que descobrir o quê, o mais rápido

possível.

Able abana a carteira que roubou à frente dos colegas.

- Acham que podemos ir comer alguma coisa agora? Estou

esfomeado.

Todos olham para Able e reviram os olhos.

- Acho que podemos discutir o assunto enquanto comemos. –

Cassia acaba por concordar com Able.

- Boa! – Able exclama de entusiasmo. – Milkshakes!

Todos começam a andar na direção de onde vieram.

- O que raio são milkshakes? – Makayla dá o braço a Cassia

e pergunta indignada.

- Não faço ideia. – Cassia ri. – Mas acho que vamos descobrir.

A equipa passa pela multidão e vê um homem, particularmente

agitado, a discutir com um polícia.

- Mas eu já lhe disse! – O homem tem um severo sotaque

francês e agita os braços no ar em contestação. – Mon Dieu! Eu

perdi minha carteira! Deixa-me passar, sua pessoa ignorante! Eu

posso salvar o navio!

Ao ouvir parte da conversa, a equipa não consegue conter o

riso.

- Pelo menos, agora sabemos porque é que a polícia não deixou

o Vladimir entrar para o navio! – Ziyon ri.

- Não me culpem a mim! – Able põe as mãos no ar, defensivo.

– Eu sou um artista e tenho que praticar a minha arte!

Alastair dá um sopapo na cabeça de Able, em tom de

brincadeira e continua a andar.

Leah entra no escritório, depois de bater à porta, mas sem esperar

por uma ordem para entrar. Rohan olha para a rapariga curioso e

de forma avaliativa.

- Pela tua cara, presumo que tenha corrido como planeado. –

Rohan sorri; atirando com a caneta que tinha na mão para a

secretária, levanta-se e vai em direção a Leah, felicitando-a com

um aperto de mão.

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- Perdemos alguns agentes, mas penso que valeu o preço. –

Leah senta-se na cadeira junto da secretária e coloca os pés na

mesma. – A dúvida ficou entre eles e a Cassia levou o recado.

- Isso é bom! – Rohan demostra satisfação. – Eu disse-te que

termos um espião entre eles ia dar frutos. Vamos deixá-los chegar

bem onde nós os queremos.

- Então e depois?

- Calma. Se formos pacientes eles fazem o trabalho árduo por

nós. Deixa primeiro instaurar-se a desconfiança no grupo. – Rohan

respira fundo, sorri e olha para Leah. – Menina, se queres matar

alguém, deixa-o cavar a própria sepultura, primeiro.

Uma gargalhada enche a sala e Leah força um sorriso para

Rohan.

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Capítulo 14

A porta do único bar de Quimera é refletida nos espelhos atrás do

seu pequeno balcão. O espaço é amplo e está cheio. O único lugar

em que gente de todos os sectores se junta, sem haver restrições

à sua socialização. Neste espaço ninguém é mais importante ou

dispensável. O que a cidade de Quimera sempre quisera implementar,

sem grande sucesso, ganha vida neste espaço: igualdade.

Able está sentado ao balcão com uma bebida na mão. Quando

olha para o espelho à sua frente, escarne, tragando a sua bebida

sofregamente. O bar está atolado e Able espera impacientemente

que Makayla chegue até ele.

Makayla finalmente consegue encontrar Able e, chegando ao

balcão, debruçasse sobre o mesmo e olha demoradamente para o

irmão.

- Pagas uma bebida? – Desviando o olhar, procura pelo

empregado de balcão.

Able traga o que resta da sua bebida rapidamente e olha para

Makayla.

- O que é que tu queres, Makayla? E eu não me refiro ao tipo

de bebida.

Makayla suspira profundamente e desiste da sua busca, olhando

para o balcão primeiro, calculando as suas palavras, e para Able

de seguida.

- Volta para casa, mano. Por favor…

Able ri estridentemente.

- Terás mais hipóteses de viajar no tempo…

O bar é barulhento e pessoas continuam a dar encontrões a

Makayla, pelo que ela olha em redor à procura de um canto

sossegado.

- Há algum sítio onde possamos falar?

Able não responde. Batendo com o copo no balcão, levanta-se

e segue caminho por detrás do bar, através de uma porta de serviço.

Makayla segue-o, prontamente, sem protestar.

Passando a porta de serviço, após atravessarem um pequeno

corredor, entram noutra porta para um espaço pequeno, que parece

servir de armazém para o bar. Makayla observa atentamente o

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espaço. Uma almofada e um cobertor fazem uma cama improvisada num

canto; o chão está repleto de garrafas de whiskey vazias e maços

de cigarros. A preocupação é sonante no rosto de Makayla, quando

volta a olhar para o irmão já embriagado.

Able acende um cigarro e pega numa garrafa, bebendo, enquanto

espera que Makayla diga alguma coisa.

- É este o teu plano? Beberes até à cirrose e tentares

vigarizar um bilhete no próximo comboio para fora de Quimera? –

Makayla está indignada, olhando à sua volta para as condições em

que Able está a viver.

- Bem quanto à primeira questão é um firme sim. – Able volta

a levar a garrafa à boca e a beber. – Saúde! Quanto à segunda…

Able sussurra, como se o que está prestes a dizer, de um

segredo se tratasse.

- Não há caminho para fora da Cidade de Quimera! – Dando

mais um trago do cigarro. – Estamos presos num mundo onde todos

os finais felizes foram roubados, maninha… Onde o amanhã é uma

incerteza.

Able ri-se, mas Makayla não está a achar tanta piada como

ele ao rumo da conversa ou ao estado em que o encontrou. Makayla

olha para as paredes, chegando a uma conclusão rapidamente.

- Não tens aqui nenhum espelho. – Makayla dá um passo em

frente. – Parece que sempre sabes reconhecer uma causa perdida

quando vês uma.

- O papá ia ficar orgulhoso, não achas? – Piscando o olho a

Makayla puxa uma cadeira e senta-se. – Como vai o velho desgraçado?

Certamente não muito bem, para enviar a sua filhinha perfeita para

fazer o trabalho sujo por ele.

- Eu não estou aqui por ele. – Makayla aproxima-se de Able

e pega-lhe na mão. – Estou aqui por ti. A mãe tem saudades tuas…

- Eles que se lixem! – Able retrai-se e levanta-se

abruptamente, pontapeando a cadeira para trás.

- Vá lá, Able! Volta comigo… Isto não é forma de viveres!

Olha à tua volta!

- Quem é que o diz? Tu tens a tua maneira de viver e eu tenho

a minha! Não existe maneira certa de viver! Não nesta maldição de

cidade! – Able tenta recompor-se, não querendo discutir com

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Makayla. – Dizem que nos puseram aqui para nos salvar. Passaram

setenta e cinco anos: pessoas morreram, pessoas nasceram e nós

continuamos à espera da salvação.

- Se calhar eles estavam errados e a guerra não tenha chegado

a vir…

- Se estavam errados, o que fazemos nós com as fronteiras

ainda fechadas? – Able pousa a garrafa e olha para a irmã. – Eu

penso que esta é apenas a calmaria antes da tempestade.

O laboratório de Samsara está estranhamente calmo. Able está

sentado numa cadeira, a olhar para o vazio, apático.

Cassia entra no laboratório e dá de caras com Able a

contemplar o nada; vendo Ziyon a ler, na mesa redonda, e

verificando que mais ninguém se encontra no laboratório, decide

ir ter com ele.

- O que se passa com o Able, Z.?

Ziyon sorri ao ver Cassia e, perante a pergunta, logo olha

para Able, no canto, com um ar ternurento.

– Acho que ele e a Makayla estiveram a discutir.

Ziyon volta a tentar concentrar-se no seu livro, quando

Cassia se senta a seu lado, a estudá-lo. Ziyon sente-se incomodado

com a atenção indesejada e muda de posição na cadeira.

- Há mais alguma coisa em que te possa ajudar? – Ziyon pousa

o livro e olha para Cassia.

- Porque não dizes ao Able que gostas dele?

Ziyon fica embaraçado com a pergunta e desvia o olhar da

rapariga que o interroga. Antes de Ziyon ter a oportunidade de

negar, Cassia continua:

- Não te preocupes. O teu segredo está a salvo comigo. –

Cassia sorri, achando certa piada à situação. Não lhe cabe o papel

de cupido, nem ela tem perfil para tal ou o está a tentar

interpretar. Apenas é curiosa e está entediada. – Se calhar não

me expressei da melhor maneira. As palavras às vezes não são o

meu forte. O que eu quis dizer é: porque não tentas fazer alguma

coisa em relação aos teus sentimentos? Eu vejo a maneira como

olhas para ele, Ziyon. Sabes que ele também olha para ti, não

sabes?

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Cassia sorri ternamente para Ziyon e levanta-se, afagando-

lhe as costas. Ziyon sorri de volta para Cassia e vê-a ir-se

embora. Voltando ao seu livro, tenta concentrar-se na leitura,

mas não consegue parar de olhar para Able.

Makayla vai a entrar para o seu quarto, mas sente alguém atrás de

si e vira-se. Alastair sorri-lhe ternamente.

- Está tudo bem? – Ele pergunta, reparando no semblante da

rapariga.

Makayla desvia o seu olhar do de Alastair, não querendo

chorar à frente do rapaz.

- Sim… - Uma lágrima escorre pelo seu rosto pálido.

Alastair, sem pensar, puxa Makayla e abraça-a, tentando

reconfortar a rapariga.

- O que quer que seja, vai passar. – Alastair sorri para

Makayla que se tenta afastar dele, limpando as lágrimas.

- Isso pergunto-te eu. Com toda esta coisa da noiva que

regressou dos mortos…

Alastair ri e Makayla sente-se desconfortável com a sua

insensibilidade perante a situação do rapaz, que apenas a tenta

ajudar.

- Desculpa. Não era minha intenção…

Alastair sorri e limpa uma lágrima do rosto de Makayla,

olhando para ela demoradamente.

Vozes ao fundo do corredor interrompem-nos. Alastair pega em

Makayla e empurra-a para dentro do quarto, deixando a porta

entreaberta.

Kay fala com Laura sobre algo incompreensível. Alastair tenta

escutar atentamente, mas a presença das duas é fugaz. Desconfiado,

olha para Makayla.

No laboratório de Samsara o ânimo continua calmo. Apenas Cassia e

Able se encontram no espaço, que já lhes é tão familiar. Cassia

finge ler um livro, observando Able com atenção. O rapaz não

parece que esteja nos seus dias, e o ar meio apático, do jovem

que costuma ser tão enérgico e sarcástico o tempo todo, começa a

preocupar Cassia. Para o bem ou para o mal, agora, são uma equipa

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e têm que se proteger mutuamente, já que forças que não conseguem

controlar operam contra eles.

A sua corrente de pensamento é interrompida pela porta do

laboratório a abrir. Hayden entra, quase a arrastar-se, e murmura

um bom dia que mal se ouve. Este comportamento atípico da parte

do técnico de laboratório alerta de imediato Cassia, que pousa o

livro e espera que ele se sente.

- Está tudo bem, Hayden? – A admiração de Cassia é audível.

Hayden espreguiçasse.

- Sim. Está. Tive uma noite comprida.

Able ri, dando sinais de vida. Voltando ao seu velho eu e

junta-se a Cassia. Virando-se para Hayden, olha-o atentamente, de

braços cruzados.

– Então que se passa, chavalo? Sem ofensa, mas estás com um

ar miserável. Carcaças à beira da estrada têm melhor aspeto.

- Como é que alguém se pode sentir ofendido com isso? –

Hayden revira os olhos e recosta-se na cadeira, arrependendo-se

de imediato da reposta dada - Oh. Peço desculpa. A falta de sono

deixou-me, algo, rabugento. Não era minha intenção responder de

forma tão ríspida. Estive a trabalhar toda a noite numa pesquisa

para os Comandantes… E, agora, nem sei onde eles estão.

A suspeita volta a atormentar Cassia que, desde que chegara

de Nova Iorque, se sente inquieta. Kay e Ari têm sido evasivos

com todas as questões que lhes colocaram desde a última missão;

Kay principalmente, já que Ari não parece saber do que se passa

na Agência a maioria das vezes, ficando tão surpreso quanto eles,

perante algumas notícias trazidas pela Comandante Li.

- Que tipo de pesquisa? – Cassia tenta perceber o que o

cientista sabe, que eles não saibam.

Hayden olha para Cassia com mais seriedade do que costuma,

respirando fundo e cruzando os braços.

- Do tipo confidencial. – Diz por fim, a medo.

Able olha para Cassia e tenta a sua sorte.

- Então, porque é que eles não nos pediram para te ajudar,

sem tem algo a ver com a nossa missão? – Able coloca as mãos nos

bolsos e espera, atento a todos os gestos do jovem à sua frente.

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- Não sei. – Hayden parece indignado com a pergunta. – Eu

fiz exatamente a mesma pergunta aos Comandantes…

- Então, isso significa que a pesquisa tem de fato que ver

com a nossa missão? – Cassia interrompe Hayden, apanhando-o numa

encruzilhada.

Hayden olha para Cassia, zangado com o descuido. Hayden

parece desconcertado e afligido com o que escapou da sua boca.

- Vocês intrujaram-me! – Hayden levanta-se, furioso e aponta

o dedo a Able e Cassia. – Deviam ter vergonha!

Num ato de raiva, Hayden sai do laboratório que nem um

trovão.

Cassia e Able olham, pasmados, para a porta.

- Algo de muito estranho se está a passar. – Com as mãos à

cintura e olhos semicerrados, Cassia continua a olhar para o

caminho que Hayden seguiu.

Able apressa-se a concordar com a avaliação feita por Cassia.

Algo de estranho está realmente a passar-se e ele sabia exatamente

o que tinham que fazer a seguir.

Alastair entra no laboratório que nem uma flecha. Fica abismado

quando se depara com o laboratório praticamente vazio e Cassia e

Able a atacarem, furiosamente, os teclados dos computadores de

Hayden.

Apesar de estranhar a imagem, Alastair tem outra coisa na

sua mente.

- Algo de estranho se está a passar, pessoal. – Alastair

olha para Cassia, com um ar pensativo.

- A quem o dizes. – Cassia, distraída, continua a teclar,

quando se apercebe de algo e para abruptamente, olhando para o

irmão. – Espera lá. Porque é que tu dizes isso?

Também Alastair se apercebe de algo, que a princípio nem

reparara por completo.

- E vocês que fazem no computador do Hayden?

Able, a sentir-se derrotado pela tecnologia, bate no teclado,

furioso.

- Estamos a tentar passar sobre as novas medidas de segurança

que o Hayden criou para o sistema informático da Agência, desde o

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ataque eletrónico. – Able roda na cadeira e vira-se para Alastair.

– Deixa-me que te diga que eu já pirateei o sistema informático

do Banco Central de Quimera e não tive metade dos problemas que

estou a ter com este!

Alastair franze a testa ao olhar para Able e este último

apercebe-se de imediato de que acabou de admitir um crime e, em

Quimera, qualquer crime é julgado com pena capital.

- E eu provavelmente não deveria ter admito tal coisa a um

polícia. – Able bate na sua cabeça.

Alastair ri-se da reação do rapaz.

- Não te preocupes. Acho que é seguro dizer que eu estou

reformado, puto. – Alastair olha para a irmã. – O que eu queria

perguntar é: porque é que o estão a fazer?

Cassia volta a devorar as teclas com os dedos, tentando

responder às dúvidas de Alastair à medida que trabalha.

- Queremos dar uma espreitadela ao que ele andou a fazer a

noite passada… Só por curiosidade.

Alastair suspira audivelmente, frustrado.

- Será que eu acordei a falar uma língua estrangeira e não

me apercebi? – Alastair olha para o laboratório vazio. – E, já

agora, onde é que está toda a gente?

- Não sei quanto ao resto da equipa, mas a Makayla tinha ido

à cidade.

- Ela já voltou. – Alastair cruza os braços. – Apanhei-a no

corredor.

Cassia para de escrever e olha para Able, sentindo que de

algum modo, existe mais na história que ele evita contar.

Able sente o olhar de Cassia a corroer-lhe a alma de forma

inquisidora.

- Oh, estão a perguntar-se o porquê de ela ter ido a Quimera.

– Able olha, descontraído para os dois. – O nosso pai faleceu.

Ela recebeu a chamada esta manhã.

Cassia tenta reconfortar Able, embora ele não pareça precisar

de ser reconfortado.

- Lamentamos imenso, Abe. – Cassia sorri em simpatia.

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- Não lamentem. Ele era um estupor e nunca foi um bom pai.

– Able olha para Cassia, indicando-lhe o teclado. - Vamos

continuar a trabalhar, que tal?

Cassia atende ao pedido de Able e continua a tentar piratear

o computador de Hayden. Alastair, sentindo-se inútil nesta

situação, suspira e olha ao seu redor, reparando que alguns livros

e ficheiros estão abertos, num canto do laboratório.

Makayla entra no laboratório taciturna e vai em direção à mesa

sem proclamar palavra. Chegando a ela, senta-se na primeira

cadeira que encontra e deita a cabeça sobre o tampo da mesa.

Alastair, num canto com os livros e ficheiros abertos ao seu

redor, apercebe-se da entrada da rapariga e clareia a garganta

para chamar a atenção de Able e Cassia para a presença de Makayla.

Able, ao encontrar a irmã em tal estado, desliza a sua

cadeira até ela.

- Então, mana? Como correu na cidade?

- É oficial, Able. Somos órfãos. – As palavras saem abafadas,

pois Makayla não se move um milímetro, continuando com a testa

colada à mesa.

- Lamento imenso, Makayla. A sério que lamento. Ele podia

ser um cretino, severo e teimoso; mas era nosso pai.

- Sim. Apenas não era um bom pai. – Tomando coragem, Makayla

endireita-se na cadeira e sorri para o irmão. – A mãe foi a única

que realmente se importou connosco. A guerra levou-a e deixou-nos

à mercê da vida. O pai foi apenas alguém que nunca deveria ter

tido o dom da procriação. Eu estou bem. Não te preocupes. Pelo

menos temo-nos um ao outro.

Makayla dá a mão a Able e, pela primeira vez desde que

entrou, repara que estão praticamente sozinhos no imponente

laboratório.

- Olha, mas onde anda toda a gente? Decidiram fazer greve e

não avisaram?

Cassia levanta-se do computador para esticar os músculos.

- Esse parece ser o mistério do dia…

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Ao olhar para Cassia, Makayla repara nas telas de computador,

repletas de linguagem informática. Curiosa, levanta-se,

aproximando-se do computador.

- O que é que vocês estão a fazer? Ou, pelo menos, tentar…

Alastair levanta-se e fica de pé ao lado de Makayla, cruzando

os braços e olhando para os ecrãs.

- Eles estão a tentar invadir a privacidade dos nossos

colegas.

Makayla arqueia a sobrancelha e sorri, com presunção, para

Able e Cassia.

- Será que a palavra-passe vos ajudaria? – Cassia olha para

Makayla de olhos semicerrados, forçando-a a continuar. – O Hayden

balbucia-a quando escreve e eu presto atenção. Tenta Solvitur

Ambulando. É latim para…

Cassia apressa-se a terminar a frase de Makayla.

- É resolvido andando. – Cassia sorri para Makayla, piscando-

lhe o olho.

Não demora muito até o ambiente de trabalho abrir.

- Conseguimos! – Cassia grita de entusiasmo. – Vamos ver o

que ele nos anda a esconder…

Todos se juntam atrás de Cassia, olhando para os monitores,

enquanto Alastair guarda a porta.

No ecrã aparecem várias pastas com documentos intitulados

com o nome da cidade, o que chama a atenção do grupo de jovens

que vasculha por informação.

Cassia tenta desesperadamente perceber onde se foram, afinal

meter e com que tipo de pessoas; já que cada palavra que lhes é

dita, parece adicionar mais dúvidas acerca da honestidade da

Agência que diz tentar protegê-los.

Able, de olhos semicerrados, tenta descodificar os

documentos que Cassia vai abrindo.

- São plantas da cidade. – Able quebra o silêncio súbdito

que se instalou. – Para que precisam disto agora?

Cassia olha para Able, pensativa. Algo não está a bater

certo. Lembrando-se de algo, volta a bater nas teclas e um novo

documento aparece no ecrã. Uma lista de nomes, com o símbolo

confidencial a vermelho berrante, no topo da primeira página.

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- Parece um manifesto de um campo de refugiados… - Cassia

cerra os olhos e aperta a cana do nariz, cansada e frustrada.

Alastair, ouvindo a conversa, deixa a sua vigia e junta-se

ao grupo de jovens.

- Quimera foi construída a partir de um campo de refugiados,

há cerca de oitenta anos atrás…

Todos olham para Alastair, curiosos e um pouco espantados

com o conhecimento da trivialidade acerca da cidade onde

cresceram. Especialmente, desde que esta era informação

confidencial e que ninguém estava autorizado a aceder ficheiros

acerca de Quimera ou a fazer perguntas sobre a mesma.

- O Ari contou-me a história por alto. O avô dele foi um dos

fundadores da cidade. – Perscrutando rapidamente o documento,

aponta para um nome familiar. – Olhem aqui. Ernest Black: deve

ser ele.

Makayla respira fundo e olha para Alastair seriamente.

- Porque razão estariam eles a pesquisar isto? Não faz

sentido os Comandantes pedirem algo que supostamente já sabem. –

Ninguém responde à questão pendente no ar. Ninguém sabe como o

fazer. No silêncio, Makayla apercebe-se pela primeira vez que está

a faltar um membro da equipa. – Onde está o Ziyon?

- Ele estava aqui esta manhã… - Cassia olha à sua volta,

apercebendo-se da falta do rapaz.

Able levanta-se abruptamente e olha para todos, de braços

abertos, em estupefação.

- Para onde é que raios está toda a gente a desaparecer? Há

alguma reunião e esqueceram-se de nos enviar o memorando?

Não escapa a ninguém que a pergunta é retórica, pois é só

mais uma das muitas perguntas para as quais ninguém tem realmente

resposta. Cassia levanta-se, inquieta, e anda pelo laboratório,

pensativa.

- Porque é que isto é importante, assim de repente? – Cassia

para e volta a olhar para os documentos, nos ecrãs, tentando

acalmar o nó que tem no estômago. – Quimera foi construída em

2017.

Makayla para ao lado de Cassia.

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- Não há nada escrito sobre a história a partir daí. Apenas

páginas em branco… - Makayla pausa por momentos. – A luta por

diferentes ideologias deu cabo do mundo. Eleições foram forjadas,

pessoas no poder que não deveriam estar… Há rumores de que a

guerra foi tão devastadora que ninguém ficou para contar o que se

passou. E quem escapou, acabou em Quimera. Mas, parece que não

passam de rumores. Não podemos saber o que realmente aconteceu.

Cassia ergue as sobrancelhas e olha para Makayla.

- Será que não podemos?

Todos olham para Cassia, como se ela estivesse a dizer o

maior disparate do mundo. Ainda assim, o olhar da rapariga brilha

com determinação, e o sorriso maldoso na sua cara, não passa

despercebido a ninguém.

O corredor em direção aos quartos encontra-se estranhamente

deserto. As luzes artificiais parecem mais intermitentes do que

costumam e Hayden apressa-se para chegar ao seu quarto, sentindo-

se desconfortável com o silêncio arrepiante à sua volta.

Os corredores de Samsara nunca foram muito amigáveis. O aço

das paredes e as condutas de ar que passam pelo teto alto, impõem

respeito, pelo desconforto que causam. Apesar de agentes armados

andarem sempre a patrulhar e de câmaras vigiarem todos os seus

movimentos, algo no ambiente não fazia Hayden sentir-se seguro.

Finalmente chega à porta do seu quadro e tira a chave do

bolso, mas antes de chegar à fechadura, uma mão tapa a sua boca e

outra prende-lhe o pescoço, dificultando a sua respiração. O seu

corpo fraco tenta lutar contra os braços desconhecidos que o

prendem. Ciente da sua posição de desvantagem, tenta gritar, mas

não consegue; fita cola tapa-lhe a boca, agora, um saco é-lhe

enfiado na cabeça e as mãos seguras atrás das costas, dificultando

a sua fuga.

Hayden é arrastado pelo corredor fora e este volta a ficar

vazio. A porta do quarto permanece fechada e tudo calmo e

silencioso, como se nada tivesse acontecido.

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Capítulo 15

É permitida a entrada a Ziyon, no laboratório, por Alastair, que

guarda a porta com cautela. Ziyon olha para o rapaz com admiração,

pois este comportamento parece-lhe anormal, mesmo para o grupo de

colegas que tem vindo a conhecer. Examinando a sala, atenta nas

expressões severas de Makayla e Able, guardando algo. Quando olha

com mais atenção, consegue finalmente perceber o porquê da guarda

que montaram.

Cassia olha para Alastair, confirmando se está a salvo para

tomar o próximo passo. Ziyon cruza os braços, divergente,

esperando pelas ações de Cassia. Se há algo que Ziyon tem vindo a

aprender é que Cassia é imprudente, mas que, de algum modo, as

suas ações conflituosas acabam sempre por dar frutos.

Por esta razão, Ziyon decide que, antes de se opor ao que

quer que seja que está a acontecer, dará uma oportunidade a Cassia

de resolver o conflito em que, mais uma vez, se voltaram a meter.

Makayla e Able agarram com firmeza as armas que lhes foram

confiadas. Cassia aproxima-se da cadeira posicionada no meio do

laboratório taciturno e baixa-se, colocando um joelho no chão, de

forma a ficar nivelada com a pessoa que nela se senta: encapuçada,

amordaçada e amarrada.

Suspirando, no lugar da sua expressão, encontra-se um vazio.

Os seus olhos azuis tornam-se pretos como a noite escura. O seu

maxilar contrai-se e o seu olhar, determinado, prende-se no jovem

à sua frente. Num gesto rápido, arranca-lhe o saco de sarapilheira

da cabeça e espera.

Hayden treme que nem varas verdes; a sua respiração ofegante,

denota medo e frustração, quando se apercebe de quem são os autores

do seu rapto.

- Olá, Hayden. – A voz de Cassia é átona, o seu olhar evita

o dele. – Bem-vindo de volta.

Hayden tenta libertar-se das cordas que o prendem, mas sem

sucesso. Cassia arranca a fita-cola da boca de Hayden fazendo-o

gritar.

- O que é que se passa, pessoal? Bela partida! – Hayden tenta

rir-se, mas sem sucesso. Engolindo em seco, tenta prender o olhar

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de Cassia. – Cassia, desamarra-me agora, e logo poderemos rir-nos

todos acerca disto. Não para já, mas num futuro próximo. Vou

precisar de um momento para achar piada ao fato de me terem

raptado!

Able junta-se a Cassia e descansa o queixo na pistola, para

um maior efeito dramático.

- Ninguém se está a rir, Hayden. Isto não é nenhuma partida;

lamento.

Alastair parte o painel de acesso ao laboratório, impedido

que alguém consiga abrir a porta do exterior, barricando-os dentro

da sala. Sacudindo o pó das mãos, junta-se ao restante grupo.

Ziyon apenas observa, à distância.

- Porque é que andaste a vasculhar os ficheiros da cidade,

a noite passada? – A voz de Alastair é autoritária, fazendo Hayden

engolir em seco.

- Como é que raio vocês sabem o que andei a pesquisar? –

Hayden olha para Alastair e Cassia, com um misto de desilusão e

contestação.

- Nós temos as nossas maneiras… - Makayla sorri, provocante

e ameaçadora.

Um momento de silêncio segue-se. Cassia espera que o jovem

se perceba que está em desvantagem e confesse, sem serem

necessárias medidas extremas.

O que Cassia não está a contar é com a impaciência de que

Makayla é dotada. Suspirando, Makayla prepara-se para fazê-lo

falar, mas Cassia consegue impedi-la, agarrando-lhe um braço.

Alastair, alerta, coloca-se de imediato, protetor, entre

Makayla e Hayden. Apesar do seu desespero por respostas, não está

preparado para começar uma guerra com as pessoas que, a bem ou a

mal, se tornaram seus amigos.

Cassia, por outro lado, está preparada para utilizar meios

extremos para chegar aos fins a que se propuseram. Há mais em

causa do que a sobrevivência deles; uma civilização inteira está

em perigo e, apesar de não o terem pedido, cabe-lhes agora tentarem

salvá-la. Todavia, concorda com Alastair, na medida em que a

violência poderá ser o último recurso; até porque teve uma melhor

ideia.

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Sorrindo, sedutoramente, Cassia ajoelha-se junto de Hayden

e pousa as mãos nas pernas do rapaz.

- Hayden, ouve-me. – A mão de Cassia passeia na perna de

Hayden e este ergue uma sobrancelha, escarnecendo. – Nós

precisamos de saber o que se está a passar. Para o bem de todos…

Hayden olha demoradamente para Cassia. Todos sabem

perfeitamente da sua paixoneta pela rapariga de longos cabelos

escuros e olhos azuis; mas, principalmente, todos sabem do efeito

que Cassia pode causar numa pessoa. O seu ar misterioso, confunde-

se com o seu charme e a intensidade do seu olhar.

- Peço desculpa, Cassia. Não te posso dizer nada. – Parece

que desta vez Hayden não ficou encantado.

Cassia sorri; um sorriso torto e característico. Levantando-

se lentamente, faz com que todos olhem para ela em antecipação. A

tensão no laboratório está explosiva. Humedecendo os lábios, olha

para Makayla e acena, discretamente com a cabeça, tirando Alastair

do seu caminho.

- Vamos fazer isto de outra maneira, então. Tens vinte dedos

e nós temos muitas perguntas.

Cassia segura em Alastair e Makayla esmurra Hayden, com a

coronha da arma.

Alastair olha para a irmã em desaprovação, mas Cassia parece

determinada, voltando para Hayden e agarrando-lhe no queixo,

obrigando-o a olhar para ela.

- Quem é que te pediu, especificamente, estes ficheiros?

Hayden olha para Cassia com mágoa e mantém o silêncio.

- Vá lá, Cassia! Nós somos todos amigos! – Hayden grita,

assustado, soluçando entre lágrimas.

- Não se trata de amizades, aqui, Hayden. Trata-se de

negócios. Não gosto que me mintam e me tomem por idiota. –

Obrigando Hayden a olhar para ela. – Ou me respondes, ou eu

prometo, que o próximo golpe não vai ser dado pela Makayla; vai

ser dado por mim…

Hayden cospe na cara de Cassia, irado. Cassia respira fundo

e fecha os olhos, afastando-se do rapaz, limpando a cara com a

manga da camisola. Num gesto rápido, vira-se para trás e dá uma

bofetada forte ao rapaz, fazendo o seu lábio rebentar.

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Alastair agarra no braço de Cassia.

- O que é que estás a fazer? Isto está a ir longe demais,

Cassia. Ele não é o inimigo.

- Como é que podes ter tantas certezas? – Cassia sacode a

mão de Alastair do seu braço.

- O Alastair tem razão, Cassia. – A voz de Hayden é

suplicante. – Sou apenas um moço de recados, se muito!

Able junta-se a Cassia, apoiando-a.

- Infelizmente para ti, estamos dispostos a usar moços de

recados para enviarmos uma mensagem.

Ziyon coloca-se junto a Alastair.

- Eu não acho que estarmos a torturar o nosso amigo seja a

solução mais viável para descobrirmos o que seja. – Ziyon

prenuncia-se pela primeira vez desde que entrou no laboratório. –

Vamos parar com isto e fingir que nada aconteceu. Ainda podemos

voltar atrás.

Cassia olha para Makayla e Able, que cruzam os braços

determinados com o caminho que escolheram.

- Sabes qual é o problema, Ziyon? – Able olha para o rapaz.

– Nós já não temos nada a perder e, até agora, tudo o que nos têm

dado, é cerca de um milhão de razões para desconfiarmos das

melhores intenções de Samsara.

Able olha para Hayden à espera de uma confissão, mas tudo o

que encontra é silêncio. Esperando por indicações de Cassia,

carrega a sua arma, apontando-a à cabeça de Hayden.

- Não! – Ziyon grita. – Parem, por favor!

A cena de terror é interrompida por uma pancada violenta na

porta do laboratório. Alguém estava a tentar forçar a entrada. O

tempo que tinham, desaparecera já. Uma decisão teria que ser

tomada, ou todos iriam ser presos por traição nos próximos

minutos.

Cassia, irritada, pega em Hayden pelos colarinhos.

- A menos que queiras acabar a tua vida com uma bala nos

miolos, diz-nos o que sabes, miúdo! Estou farta de jogos.

Outro estrondo na porta, Cassia olha para a porta e de volta

ao rapaz, atirando-o com força. Hayden arfa e nega ao pedido de

Cassia.

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- Muito bem. Makayla… Sabes o que fazer.

Cassia afasta-se, dando espaço a Makayla, que prontamente

aponta a pistola à cabeça o rapaz. Outra pancada na porta.

- Esperem! – Hayden suplica.

Cassia ergue a sobrancelha e olha para Makayla, satisfeita.

- A Comandante Li pediu-me os documentos. – Hayden olha para

a equipa. – Algo que ver com os fundadores de Quimera. Não há

grande informação acerca dos mesmos. As únicas pessoas que sabiam

de algo, estão mortas. É tudo o que sei; por favor, deixem-me ir…

Uma lágrima silenciosa escorre pela face de Hayden, à medida

que fica cabisbaixo. Cassia olha para o rapaz, respirando fundo,

tentando convencer-se de que o que fizeram foi o melhor para

todos.

Outro baque audível na porta chama a atenção de todos para

a situação em que se encontram. Cassia faz sinal aos seus colegas

para se afastarem de Hayden: uma nova decisão terá que ser tomada.

Kay e Ari aproximam-se da porta do laboratório em silêncio: tudo

o que tinham para discutir, já foi discutido noutra vida. Mais

vale restringirem-se à quietude.

Kay chega primeiro à porta e tenta introduzir o seu código

no painel, mas sem sucesso.

- Mas que raio? – Irritada tenta empurrar a porta.

Ari olha para Kay, intrigado.

- Havia alguma obra de manutenção marcada para esta hora? –

Ari tenta introduzir o seu código, mas o painel continua a dar

erro. – Sabes alguma coisa do Hayden?

- Não o vejo desde a noite passada… Não sei nada.

Ari fica desconfiado e bate à porta com força, esperando que

alguém responda.

- Será que está alguém lá dentro? – Ari tenta perscrutar a

porta.

Kay cruza os braços, esperando que Ari oiça algo; no entanto,

não tem que esperar muito, até que também ela consiga perceber

que o laboratório está ocupado. Um grito faz-se ressoar no

corredor, sobressaltando os comandantes.

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- Ari, eu não gosto do que estou a ouvir. Temos que arrombar

a porta.

Ari corre para ir buscar ajuda, deixando Kay a bater à porta

do laboratório, tentando que lhe abram a porta voluntariamente.

Golpes violentos são dados na porta de aço pesada do laboratório.

Hayden permanece na cadeira atado. No queixo do rapaz marcas de

sangue seco são visíveis.

Cassia olha para o jovem destroçado e fecha os olhos por

segundos, respirando fundo. Ouvindo as vozes de Makayla e Ziyon,

desperta de novo para a realidade.

- O que sugerem de seguida? Tomar Samsara de assalto e

torturar os Comandantes? – Ziyon cruza os braços e olha para os

colegas em jeito de desaprovação. – Não sabemos porque é que a

Kay pediu os ficheiros. A causa pode ter sido totalmente

inofensiva e olhem na alhada em que nos metemos. Não sei que

disparate foi este.

O tom condescendente de Ziyon começa a enervar Makayla, que

sem autocontrolo algum, fala com um tom mais ríspido do que aquele

que pretendia.

- Não te armes em bom da fita, Ziyon! Estás tão metido nisto,

como nós. Tanto quanto sabemos, têm-nos pregado confiança,

enquanto nos mentem na nossa cara! Nós não conhecemos estas

pessoas de lado algum… Trabalhamos com elas há meia dúzia de

semanas.

- Também não nos conhecemos uns aos outros, Makayla. Não é

razão para começarmos à chapada, só porque não confiamos no que

nos dizem. – Ziyon olha para Cassia. – Não podemos julgar que

conhecemos a história toda pelo que nos diz a primeira frase do

livro. Há sempre mais para saber; há sempre o outro lado para

ouvir.

Cassia considera as palavras dos colegas e cruza os braços,

contemplando o chão. Alastair coloca uma mão no ombro da irmã.

- Por mais que me custe admitir, não sabemos as intenções da

Kay. Eu sei que tenho vindo a desconfiar dela desde o início, mas

agora já não tenho certezas de nada. – Alastair olha para Hayden.

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– Fomos longe demais. Olha para ele… Se calhar, é melhor

perguntarmos aos Comandantes o que se passa e pronto.

Outra pancada é dada na porta do laboratório, que faz as

paredes estremecerem. Cassia suspira: estão a ficar sem tempo;

eventualmente, alguém vai conseguir abrir a porta.

- Ou podemos ir a 2017 e descobrir por nós mesmos o que se

passa. – Able olha para as suas unhas, descontraído. – Só vejo

uma saída para fora deste laboratório, amigos, e não é por onde

entrámos.

Todos olham para Able, considerando a proposta. Outro

estrondo na porta, fá-los ficar inquietos.

Able olha para a porta e engole em seco.

- Como é que vai ser, pessoal? Ir ou ficar? A qualquer minuto

aquela porta vai ser arrombada.

Cassia cerra os punhos e olha determinada para a máquina ao

fundo do laboratório.

- Que mais temos a fazer? Estou farta de ser a última a saber

o que planeiam fazer com o nosso futuro.

Cassia afasta-se do grupo e caminha em direção ao computador.

Alastair suspira e olha para a porta, desconfiando que o tempo

iria ser apertado.

Alastair segura uma arma apontada à porta: as pancadas cada vez

mais fortes e com um intervalo mais curto. Não deve demorar muito

até que consigam forçar a entrada.

Enquanto Cassia e Able tentam aceder aos controlos da

máquina, Makayla dirige-se ao painel de acesso ao armamento.

- Qual é o código de acesso? – Makayla pergunta a Hayden.

Hayden olha para Makayla, desconcertado, e guarda silêncio;

o seu corpo dorido e o seu queixo a latejar.

- Não sei. Só a Kay tem o código do armamento.

Makayla suspira e olha em seu redor. Pegando num extintor

parte o painel de acesso ao armamento, fazendo com que este abra

automaticamente. Sorrindo perante o seu feito, começa a retirar

carregadores extra para as armas que levam consigo. Hayden desvia

o olhar, transtornado com os amigos.

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Uma pancada forte na porta avisa-os de que estão a ficar sem

tempo. Alastair começa a ficar nervoso; não estava nos seus planos

disparar sobre os Comandantes.

- Despachem-se, pessoal! Precisamos de ir!

Ao ouvir o desespero na voz do irmão e as pancadas cada vez

mais fortes, Cassia, bate com o punho no teclado do computador à

sua frente.

- Acabou-se! Não temos tempo para isto! – Que nem uma flecha,

faz o caminho entre si e Hayden num ápice, apanhando-o pelo

pescoço, quase o derrubando. – Como é que pomos a máquina a

trabalhar?

Hayden olha pasmado para Cassia e sabe que ela não está a

brincar. Cassia força a sua mão a apertar mais o pescoço de Hayden,

este já com dificuldades em respirar.

Makayla olha para a porta, apreensível.

- Nós não temos tempo para ameaças, Cassia. - Suspirando

olha para Hayden e aponta-lhe uma arma ao joelho. Alguém vai ser

obrigado a falar a bem ou a mal.

Makayla prepara-se para premir o gatilho; Hayden fecha os

olhos, assustado.

- Esperem! – Hayden grita, ofegante. – Eu ajudo-vos. Eu

ajudo. Mas alguém vai ter que ficar para trás se não quiserem

desatar-me.

A equipa entreolha-se. Ziyon dá um passo em frente.

- Eu fico. – Ziyon sorri docemente para Able. – De todo o

modo, só iria atrapalhar-vos.

Cassia acena afirmativamente e larga Hayden. Makayla vai até

Ziyon e passa-lhe a pistola para as mãos. Alastair olha para os

dois jovens, com ciúmes perante a cumplicidade, e Cassia espera

junto ao irmão, observando-o.

- Tenta não disparar sobre alguém. – Makayla brinca.

Alastair desvia o olhar da cena e olha para a porta, falando

para Cassia.

- Vá lá! Não temos tempo para isto… - Aponta discretamente

para Makayla e Ziyon.

Cassia ergue a sobrancelha e cruza os braços.

- Será que deteto ciúmes?

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- Não… - Alastair tenta disfarçar.

- Sabes que o Ziyon é gay, certo? – Cassia ri, vendo a

atrapalhação do irmão.

Alastair olha para Cassia, embaraçado, e vira-lhe as costas,

indo ter com Able. Este junto do computador tomando as ordens de

Hayden. Cassia vê o irmão afastar-se, desconfiada e ri-se perante

a reação inesperada. Verdade que Alastair e Makayla não têm feito

outra coisa se não discutir desde que se conheceram, mas não

pensou que fosse mais do que animosidade entre os dois.

A porta impetuosa da máquina abre finalmente; as braceletes

são calibradas e distribuídas. Ziyon toma o seu lugar junto do

painel de controlo, tomando as instruções do cientista, que coage

apontando-lhe uma arma. Sem mais demoras entram para dentro da

máquina e as portas fecham-se, deixando-os na escuridão.

Todos fecham os olhos. Uma lágrima silenciosa e discreta

escorre pelo rosto de Cassia. Parece que tudo em que toco se

transforma em desastre. Esperemos que esta seja a decisão correta.

O pensamento de Cassia corre a mil à hora.

Quando volta a si, o laboratório já vai longe; abrindo os

olhos, depara-se com uma planície deserta e árida à sua volta.

Algumas árvores enquadram a imagem e ao fundo vê-se grandes tendas

e pessoas a andar de um lado para o outro. O horizonte traz novas

esperanças e é para lá que os jovens caminham.

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Capítulo 16

A porta do laboratório finalmente dá de si e Ari e Kay conseguem

entrar. Meio aturdidos correm para o interior da sala; a imagem

que encontram toma-os de assalto. Ziyon segura uma arma à cabeça

de Hayden, amarrado à cadeira de que é prisioneiro.

Ao cruzar o olhar dos comandantes, Ziyon rende-se de

imediato, atirando a pistola para os pés de Ari. A máquina está a

trabalhar; eles chegaram tarde.

Ari olha com desaprovação para Ziyon, de braços no ar, a

evitar o seu olhar. Kay corre para Hayden começando a desamarrá-

lo.

- O que aconteceu? – Kay pergunta, avaliando as feridas de

Hayden, que começa a chorar, perante o toque de Kay.

- Desculpa… - Hayden suplica.

- Está tudo bem, querido. – Kay sorri ternamente para o

rapaz, devastado, que a abraça assim que se vê livre das cordas

que o seguravam. – A culpa não é tua.

Kay devolve o abraço a Hayden, mas o seu olhar recai sobre

Ziyon, que engole em seco ao cruzar a ira de Kay.

Ari aproxima-se de Ziyon, inquisidor.

- Porque é que a máquina está a trabalhar, rapaz? Onde está

o resto da equipa?

Hayden levanta-se a custo, após ser libertado, com a ajuda

de Kay.

- Eles estão em 2017, senhor. – Hayden esfrega os seus

pulsos, marcados das cordas.

Kay olha para Ari preocupada e cerra os olhos, num acesso de

raiva.

- Para-os! – Ari aponta para a máquina, desesperado.

- Não posso! – Hayden olha para os comandantes, suplicante.

– Parar agora a máquina, faria com que eles ficassem presos para

sempre no infinito. Eles morreriam…

Ari dirige-se a Ziyon, zangado.

- Que raio estavam vocês a pensar?

- Estamos cansados que nos mintam…

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Dois agentes entram pelo laboratório e Kay levanta-se

determinada.

- Ziyon Carter, estás preso, sob a acusação de traição. –

Kay aproxima-se do rapaz, altiva. – Espero que valha a pena.

Os agentes aproximam-se de Ziyon e prendem-no. Ziyon, sabendo

que não há nada a fazer, não contesta a decisão da Comandante,

que lhe vira agora as costas.

Ari suspira e sai discretamente do laboratório, vendo o

desenvolvimento dos acontecimentos. Os agentes arrastam Ziyon para

fora do laboratório e Kay dá um pontapé na cadeira a seu lado,

irritada.

Não há, desta vez, como fazer com que o mau pareça melhor;

Kay fecha os olhos, com as mãos à cintura, e confessa a si mesma

que está perdida, sem saber o que vem a seguir.

A equipa dirige-se, um tanto a medo, para o campo de refugiados

que veem ao fundo do horizonte. Pessoas estão reunidas ao lado

das tendas, a preparar refeições e nos seus afazeres diários. Ao

lado de uma árvore, crianças têm aulas; uma jovem professora

ensina matemática, com um sorriso imenso.

Um pouco à frente, no que parece ser o centro do campo,

homens e mulheres trabalham na construção de casas, movendo

materiais de construção de um lado para o outro.

Uma visão um pouco dicotómica; uma revolução parece estar a

tomar lugar entre estas pessoas que não têm mais lugar para ir.

Expulsas das suas casas, tomam agora novo chão como sendo deles.

Uma nova era avizinha-se; a guerra está a chegar. Cassia olha à

sua volta, vendo as caras desconhecidas, sem nenhuma ideia do que

os espera.

Ao abrirem caminho para o desconhecido, caras viram-se para

os observar: forasteiros em território ingrato, é-lhes impossível

passar despercebidos. Maravilhada, Makayla olha ao seu redor.

- Foi assim que Quimera foi construída… - O desabafo de

Makayla é ouvido por Alastair, que sorri, perante a cara de

deslumbramento da rapariga a seu lado.

- Pessoas desesperadas por uma nova oportunidade a

entreajudarem-se. – Alastair olha para Makayla. – Parece familiar.

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Able intromete-se entre Alastair e Makayla para os chamar à

realidade.

- O que fazemos agora? – Able coloca as mãos na cintura e

para, fazendo todos os outros parar também, formando um círculo.

– Aqui todos se conhecem certamente. Não vamos passar

despercebidos…

Cassia repara numa rapariga, ao redor da sua idade, a olhar

para eles. Able continua a falar, mas Cassia sorri para a rapariga

e vai ter com ela, deixando-os a discutir.

- Olá. – Cassia sorri para a rapariga, esguia, de grandes

olhos azuis esverdeados e cabelo escuro, apanhado num rabo de

cavalo, mal-arranjado. – O meu nome é Cassia; como é que estás?

A rapariga, muito vivaça e bem-humorada, estende a mão para

cumprimentar Cassia.

- Chamo-me Samantha Williams. Prazer em conhecer-te, Cassia.

– Demorando o aperto de mão. – Mas podes chamar-me Sam.

- Williams? – O nome é-lhe familiar. Sorrindo, charmosa,

Cassia acena em direção aos seus colegas. – Eu e os meus amigos

parecemos estar com dificuldades em encontrar uma pessoa. Não sei

se nos poderás ajudar.

Samantha olha na direção do restante grupo; o sorriso esvai-

se e desconfiança vem no seu lugar.

- São de alguma organização não governamental? Para ajudar

com os refugiados?

Cassia hesita na resposta, a pergunta apanhando-a

desprevenida. Não tinha pensado num disfarce.

- Claro que somos… - Cassia não parece muito certa do que

diz, mas passa despercebido. – Estamos à procura de Ernest Black?

Samantha sorri para Cassia e olha para os restantes jovens.

Alastair receia que a nova amizade da irmã não se mostre favorável,

pela hesitação na resposta de Samantha ao pedido que lhe fez.

- Claro; o Doutor… - Samantha indica o caminho a Cassia,

para a seguir. – Venham comigo.

Samantha começa a fazer caminho para uma tenda perto do

centro do campo. Cassia vai no seu alcance, seguida de Alastair,

Makayla e Able.

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Kay anda de um lado para o outro no laboratório. De repente, tudo

parece ter rebentado nas suas mãos. Parte da sua equipa está

desaparecida e o único que sobra está preso. A Comandante para e

olha para Hayden, sentado com um saco de gelo no queixo,

contemplativo. Levando a mão à testa, acaba por tapar os olhos,

para tentar evitar ver mais desgraças.

- Não percebo porque é que isto aconteceu. – Hayden olha

para a Comandante, esperando que esta dê algum sentido ao que está

a acontecer. – Foi tudo tão repentino. Porque é que eles se

comportaram desta maneira?

Kay parece transtornada; gostava de ter uma resposta melhor

para Hayden, mas ela já não tem certezas de nada. Sentando-se ao

lado dele, segura-lhe na mão, confortando-o.

- Eu gostava de dizer que não compreendo e que não vejo razão

para este comportamento. Mas isso seria mentir-te. – Kay suspira

e evita o olhar do jovem, que a ouve com toda a atenção. – Nós

trouxemo-los para aqui e esperámos que eles seguissem as nossas

ordens cegamente. Nenhum deles pediu isto. Não podíamos esperar

que eles vissem em Samsara uma vocação e que não questionassem o

nosso modo de agir. Talvez o nosso erro seja nos esquecermos de

que eles são apenas humanos.

Hayden levanta-se abruptamente, escarnecendo.

- Isso não lhes dá desculpa para se comportarem como

selvagens; como bárbaros!

Kay olha para Hayden e entende o porquê da sua atitude, por

isso mantém o tom calmo quando volta a falar.

- Quando vives da maneira que eles viveram, em Quimera, a

confiança não é algo natural. – Kay tenta desculpar as ações da

equipa, mas está-lhe a ser difícil arranjar argumentos que os

favoreçam. – Todavia, eu acredito que eles tenham a sua razão;

ainda que um tanto extraviada.

- O que é que a faz pensar isso? – Hayden parece surpreendido

com a reação de Kay perante esta traição por parte da equipa. Um

pouco mais indulgente do que esperava.

- Cada passo que demos até agora fugiu do nosso controlo;

cada missão antecipada e interrompida. Esta equipa misteriosa;

sermos pirateados. Tudo parece muito estranho. – Kay levanta-se e

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retifica que estão sozinhos, falando baixo, receando que as

paredes tenham ouvidos. – Eu acho que temos uma fuga de informação;

um traidor entre nós. Por isso é que te pedi esta pesquisa.

Esperava encontrar provas de que alguém tem interesses superiores

em ver-nos falhar. Só depois de saber a verdade, planeava falar

com a equipa. Não podia arriscar mais fugas de informação.

- Se tivéssemos falado logo com eles, teríamos evitado todo

este tumulto! – Hayden atira com o pacote de gelo para o chão,

irritado.

Kay evita o olhar de Hayden, sabendo que ele poderia ter a

sua razão. Ainda assim, Kay receava que a fuga fosse proveniente

de um deles, por isso preferiu não arriscar.

- Esperemos que a viagem da equipa se prove frutuosa. – Kay

levanta-se e começa a andar novamente de um lado para o outro,

impaciente. – Algo me diz que estamos prestes a ter maiores

problemas, porque se o traidor está entre nós, de certeza que quem

está por detrás disto já sabe do pequeno desvio da equipa.

- Então e o Ziyon? O que vai acontecer com ele?

- O Ziyon está melhor em reclusão, neste momento. – Kay olha

para Hayden. – Enquanto esperamos, melhor será prepararmo-nos para

o pior. Não devemos ter muito tempo.

Hayden engole em seco, trocando olhares confusos e assustados

com a Comandante. O seu mundo deu uma volta sobre si e não consegue

voltar ao que era antes.

Um rapaz jovem está sentado a uma mesa, no meio de uma tenda

vasta. Ele tem um caderno aberto à sua frente e ao seu redor o

ambiente faz lembrar o de um escritório improvisado, no meio de

um lugar devastado. O seu cabelo castanho e os seus olhos escuros

e profundos fazem lembrar Ari.

A sua concentração é interrompida por um militar, que anuncia

a sua presença ao entrar na tenda.

- Doutor. – O militar espera que o rapaz, certamente mais

novo que ele, reconheça a sua comparência. – Estão aqui algumas

pessoas para o ver. A Samantha está com elas.

O rapaz olha para o militar surpreso e, de seguida, para o

relógio de pulso.

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- Não estou à espera de ninguém. – Levantando-se, coloca as

mãos nos bolsos e atenta na entrada da tenda. – Manda-os entrar.

Assim que o militar vira as costas, o rapaz retira uma arma

de um coldre, colado debaixo da mesa, e esconde-a atrás das costas.

Não demora muito até que Samantha entre na tenda, seguida de

Cassia, Alastair, Makayla e Able.

Com o mesmo charme de Ari, o rapaz sorri para os seus

convidados inesperados.

- Olá. Não esperava companhia.

Cassia para abruptamente, perante a semelhança entre Ernest

e Ari; não havia dúvida de que tinham encontrado o avô do

Comandante.

- Doutor, encontrei-os no campo, às voltas, à sua procura.

- Obrigada, Samantha, querida. – Ernest pisca o olho à

rapariga. – Eu tomo conta da situação.

Samantha acena com a cabeça e vira as costas para sair,

acariciando o braço de Cassia, ao passar por ela.

Uma vez sozinhos, Ernest avalia os jovens à sua frente com

desconfiança.

- Que posso fazer por vocês, gente?

Ernest crava os olhos em Cassia, curioso. Espera por uma

resposta; mas todos parecem estar incapacitados de falar.

O rapaz parece prestar especial atenção a Cassia, como se a

estivesse a reconhecer ou apenas curioso acerca da rapariga.

Finalmente, Able decide quebrar o silêncio, tomando as rédeas

da conversa. Sorrindo, olha para os seus amigos e para Ernest de

seguida.

- O meu nome é Able; juntamente com os meus colgas: Cassia,

Alastair e Makayla, estamos a começar um projeto de elevada

relevância para o mundo académico, no qual gostaríamos que nos

ajudasse. – Able parece ter agarrado a atenção de Ernest. – Estamos

a estudar campos de refugiados. Nós somos antropólogos e

gostaríamos de ter a oportunidade de fazer algum trabalho de campo

aqui.

Nervoso, Able sorri, esperando que o seu discurso tenha sido

credível. Ernest olha para eles com uma expressão indecifrável;

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Cassia receia que o seu disfarce não tenha sido aceitável e

acaricia a arma presa à sua cintura.

Para sua surpresa, Ernest começa a rir-se e senta-se, com ar

recetível a olhar para eles, convidando-os a sentarem-se com ele.

Discretamente, volta a colocar a arma no coldre debaixo da mesa.

Os quatro jovens, importunadores da sua paz, cooperam e sentam-

se.

- Porque não disseram logo? – Ernest ri-se. – Posso oferecer-

vos um chá ou café?

Alastair olha para Cassia a seu lado e clareia a garganta.

- Estamos bem, obrigado. – Sorrindo, limpa o suor das mãos

nas calças, nervoso. – Como disse o meu colega, nós gostaríamos

de conhecer melhor o campo…

Ernest interrompe Alastair.

- Porquê este campo em particular? – Ernest parece

desconfiado. – Penso haver campos muito mais ricos em termos de

dados do que este…

Cassia ri e mede forças com Ernest, deixando os outros

apreensivos.

- Eu penso que isso seja para nós decidirmos. – Cassia ergue

uma sobrancelha e decide deitar as cartas do jogo. – De todo o

modo, se quer que seja sincera, o nosso interesse provém mais do

fato de querer tornar este campo numa comunidade. Está a tentar

construir uma cidade, não é verdade?

Ernest inclina-se para a frente, intrigado, fazendo Alastair

engolir em seco. Makayla lamenta a audácia de Cassia, por

momentos.

- Estamos apenas a supor. – Makayla apressa-se a retificar.

– Vimos lá fora as obras…

- Mas que grande suposição! Arrojada, atrevo-me a dizer. Sem

dúvida de que estou na presença de Antropólogos. Sempre a ver para

além do que está à vista.

Ernest dá uma gargalhada e Able junta-se a ele, rindo sem

grande vontade de o fazer. Cassia não parece estar a achar piada

à situação e interrompe o momento.

- A Samantha chamou-lhe Doutor. – Cassia cruza as pernas. –

Que tipo de Doutor é você? Dos que cura, ou apenas dos arrogantes?

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Ernest fica muito sério a olhar para Cassia, por momentos.

A tensão sobe na tenda vasta, cheia de papéis e dossiers

espalhados. Passados segundos, que pareceram horas para Alastair,

Makayla e Able, Ernest começa a rir perante a pergunta de Cassia.

- Ora que bela piada! Tenho que me lembrar dessa. A Samantha

vai adorar. – Ernest continua a rir, levantando-se e servindo um

copo de chá, numa mesa ao canto da tenda repleta de termos e

garrafas de água. – Eu sou um psicólogo social, se querem mesmo

saber. Parece que somos irmãos académicos.

- Do tipo arrogante, então. – Cassia sorri, sarcasticamente.

– Percebi.

- A menina não acredita em psicologia? Como é que isso

funciona para um antropólogo?

Cassia revira os olhos perante o tratamento formal de Ernest,

já que este não lhe parece muito mais velho que ela.

- Não penso que as minhas crenças profissionais e as minhas

crenças pessoais tenham que ser mutuamente exclusivas.

Ernest volta a sentar-se, considerando as palavras de Cassia.

- Admiro-a. Esse é um exercício muito difícil para um

académico. – Fazendo um brinde a Cassia com a sua chávena de chá.

– Tenho que ser sincero e dizer que não esperávamos ninguém a

bisbilhotar por aí. Terei que falar com os meus parceiros, mas

desde que façam a vossa pesquisa com respeito, não vejo nenhum

impedimento à mesma.

Makayla levanta-se, animada.

- Isso é muita bondade da sua parte. Muito obrigada, senhor

Black. Importa-se que eu e o meu colega Able dêmos uma volta pelo

campo, fazendo algum reconhecimento do lugar? Sabe, para nos

ambientarmos.

Makayla sorri, agarrando no braço de Able, para que este se

levante. Ernest sorri, demasiado simpático.

- Por favor, claro. Estejam à vontade. Hoje são meus

convidados!

Makayla e Able dirigem-se para a saída da tenda, deixando

Cassia e Alastair para trás.

- Enquanto eles vão reconhecer, importa-se de conversar um

pouco connosco?

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Ernest parece aborrecido com a pergunta de Alastair,

certamente preferia despachá-los e deixá-los andar pelo campo,

sem grandes perguntas. Ainda assim, não faz a desfeita. Sorri,

apoquentado e endireita-se na cadeira.

- Claro. Porque não?

Alastair e Cassia permanecem sentados, deixando que Able e

Makayla saiam para o campo. Ernest parece incomodado com a

perspetiva de responder a perguntas desconfortáveis, mas ainda

assim não deixa de contemplar Cassia.

Makayla e Able andam pelo campo, tentando encontrar algo de

suspeito ou que lhes dê mais informação do que a que têm neste

momento.

Andando lado a lado, permanecem em silêncio. No entanto, o

silêncio incomoda Makayla, fazendo-a sentir que quando fala com o

irmão são apenas palavras vazias, sem significado. Makayla

preferia que as coisas fossem diferentes, que a sua relação com

Able não fosse tão distante. Mas parece que a vida os colocou nas

posições que hoje ocupam; posições bipolares. Mesmo com as

tentativas de Makayla para conquistar a confiança de Able, este

parece não querer que a irmã se aproxime.

- Belo salvamento, mano! – Makayla tenta iniciar uma conversa

casual. – Não teria pensado num disfarce assim tão depressa.

Able coloca as mãos nos bolsos e não faz questão de olhar

para a irmã.

- É o que eu faço.

- Enganar as pessoas… - Makayla arrepende-se das suas

palavras assim que elas saem da sua boca, mas é tarde demais para

voltar atrás. Há coisas que não voltam; as palavras ditas são uma

delas.

- Eu ia dizer improvisar. – Able escarnece e revira os olhos

perante a mente quadrada da irmã.

- Semântica. – Makayla continua em silêncio, olhando para o

pavimento à medida que anda; sentindo-se pouco confortável com o

rumo da conversa e um tanto culpada pelas duras palavras que

lançou ao irmão. – Eu não o disse num sentido pejorativo…

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- Eu sei… - Able continua a andar, mas é parado por Makayla

que o segura por um braço, obrigando-o a olhar para si.

- Não importa o que penses ou os disparates que eu diga,

Able. Eu irei sempre proteger-te.

Able acena e sorri ternamente para a irmã, que suspira e

deixa o braço de Able, sorrindo de volta; um sentimento familiar

assalta-a, levando-a para outros tempos.

Makayla persegue Able pela rua, tentando alcançá-lo; algo que lhe

parece impossível por momentos, já que o passo de Able é rápido e

agressivo. Able, claramente, está perturbado; a sua expressão

carrancuda faz sobressair o seu lábio ferido e queixo magoado.

- Able, espera! – Makayla grita, na esperança que a sua voz

o faça parar.

Correndo com todo o seu fôlego, os músculos das suas pernas

a arderem, finalmente consegue alcançar Able, puxando-lhe o braço

e obrigando-o a olhar para ela.

- Por favor, olha para mim! – Makayla suplica. – Porque é

que não me contaste a razão do pai te ter expulso de casa?

- Não importa. – Able atira as palavras com brusquidão.

- Importa sim! Não está correto! – Makayla limpa uma lágrima

silenciosa que escorre pelo rosto de Able, acariciando a sua face.

– Não me importa quem amas. Serás sempre o meu irmãozinho. És

perfeito para mim. Seres gay não é um defeito; não importa o que

o pai diz.

- Devias voltar para casa, Makayla. – Able retira a mão da

irmã da sua cara. – Não tens nada a ver com isto.

Makayla abraça Able, contra a sua vontade.

- Não. Nós havemos de nos arranjar. Eu irei sempre proteger-

te.

Able acaba por se render aos braços da irmã, deixando o peso

sair dos seus ombros.

Able bofeteia o braço da irmã, tentando chamar a sua atenção para

o que se passa ao fundo do campo. Pessoas vestidas com uma bata

branca entram, carregadas com pastas, num edifício meio

construído.

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Makayla observa, desconfiada, e começa a andar na direção do

prédio que lhe parece estranho.

- Sítio pouco usual para se organizar um simpósio, não te

parece? – Comenta, sem olhar para Able, que se vê obrigado a

tentar acompanhar o passo apressado de Makayla. – Que me dizes de

irmos ver de que se trata?

Fazem o caminho até ao prédio; Makayla leva um novo

entusiasmo consigo, na esperança de que ali encontrem finalmente

as respostas para o que lhes tentam omitir.

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Capítulo 17

Cassia levanta-se, descontraída, observando o seu redor e encosta-

se numa mesa, cruzando os braços. Todos os seus movimentos são

observados atentamente por Ernest; que por sua vez é observado

por Alastair, que não aprecia a maneira como ele olha para a sua

irmã. A expressão de Cassia, no entanto, é vazia.

- O que é que me querem, afinal? – Ernest pergunta, sem olhar

para Alastair, que cerra o punho debaixo da mesa, irritado.

Cassia sorri e toma o controlo da conversa.

- O que faz um psicólogo social num campo de refugiados? –

A sua voz átona.

- O mesmo que vocês, suponho. Vi uma oportunidade para fazer

trabalho de campo.

Alastair recosta-se, deixando Cassia perguntar o que tem a

perguntar.

- Pensei que fosse o chefe. – Cassia inclina a cabeça,

observando Ernest.

Ernest clareia a garganta e remexesse na cadeira, desviando

o olhar da rapariga.

- E sou. Mas isso não me impede de fazer pesquisa.

- Então e quais são os planos para o campo? Certamente

grandes, pelo alvoroço que está lá fora.

Ernest levanta-se e caminha em direção a Cassia. Alastair

fica alerta, de imediato, e incomodado com a súbdita ação do

rapaz.

- Oh, os meus planos são grandes. Muito grandes. – Ernest

sorri, presunçoso, parando a poucos centímetros de Cassia. Cassia

endireita-se e entra no jogo, olhando primeiro para Alastair, para

que este se acalme. – Eu e o meu parceiro, como tantos outros

antes, temos planos brilhantes. Construir uma sociedade do nada.

Como uma tábua rasa.

Ernest avança com a mão para a perna de Cassia, mas a voz

ríspida de Alastair interrompe-o.

- Como é que isso funciona ao certo? – O maxilar de Alastair

a contrair e a sua pose protetora em relação a Cassia, fazem com

que Ernest se afaste gradualmente.

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Ernest coloca-se em posição de olhar para os dois jovens na

tenda consigo.

- Olhem para este mundo e ao que chegámos. Países à beira de

guerras sem sentido; ódio que emana por todos os cantos deste

planeta, que morre aos poucos, pela nossa própria mão. Nós

visionamos uma sociedade melhor. Uma sociedade do futuro;

autossustentável e igualitária. Uma comunidade de entreajuda, onde

os interesses sejam comuns. Onde os ricos não roubam aos pobres.

– Ernest retira um dossier pesado de uma gaveta na sua secretária

e pousa-o em cima da mesa. – O mundo, governado por leis da

natureza, já chegou onde havia de chegar. Mithras tem uma visão

diferente e uma solução para o nosso mundo. Vejam por vocês mesmos.

Ernest senta-se e aponta para o ficheiro em cima da mesa,

encorajando Alastair e Cassia a lerem-no.

Makayla e Able conseguem entrar no edifício sem grande alarido.

Andando de corredor em corredor, meio perdidos entre as paredes

cimentadas e sem vida; chegam finalmente ao que parece ser uma

entrada para algo mais que um simples escritório. Uma grande placa

à entrada deixa ler em letras berrantes vermelhas “Agência Mithras

– Ciência para a Comunidade”.

Uma grande janela deixa ver o interior da Agência, mostrando

um laboratório de videovigilância. Monitores circundam a grande

sala e pessoas vestidas com casacos brancos de laboratórios

observam-nos, tomando notas nos seus blocos.

Makayla olha à sua volta, desconfortável com o pressentimento

que tem.

- Abe, este edifício é na zona Este da cidade.

- Como assim?

- Este: onde ninguém pode entrar. Ou melhor, onde ninguém se

atreve a ir.

Able olha pela janela, intrigado.

- Então, que lugar é este?

Makayla cruza os braços.

- Demasiado importante para estar à vista de todos, com

certeza.

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Makayla conseguiu plantar a dúvida em Able. Certamente que

o que estavam a ver não teria boas intenções, se precisou de ser

escondido.

Cassia abre o ficheiro e lê atentamente. Alastair posiciona-se

atrás da irmã, de forma a conseguir ler também. Ernest observa-os

atentamente, com as mãos entrelaçadas sob o queixo, numa posição

de avaliação.

- Mithras é um Deus Persa. O criador da luz, da verdade, da

boa vontade e da justiça. – Ernest levanta-se e começa a vaguear

pela tenda. – Um mediador entre dois mundos opostos. O céu e o

inferno; a luz e a escuridão; ou o homem e a entidade divina. Os

seus seguidores veneravam a pureza e a verdade. Pareceu-me uma

boa metáfora para o que pretendemos atingir. Também os nossos

seguidores venerarão a verdade, a justiça e a pureza.

Ernest para e olha para Cassia, que olha de volta, deixando

Alastair continuar a ler. Cassia ri-se e cruza os braços,

divertida.

- Porquê vigiar o comportamento das pessoas?

- Que outra forma há de as controlar? Como é que reforçamos

a lei e a justiça?

- Vigiar é uma forma de poder. Pensei que valorizavam uma

sociedade igualitária. O poder produz, mas também inibe. - Cassia

dá um passo em direção a Ernest, curiosa. – E, se as pessoas não

sabem porque estão a ser vigiadas, como é que controlam o seu

comportamento ao certo?

Um brilho reluz nos olhos de Ernest perante as palavras de

Cassia.

- És uma rapariga inteligente. Nós precisamos de bons

antropólogos na nossa equipa.

- Não estamos à procura de trabalho. – Alastair olha para

Ernest, intimidante, relembrando-o da sua presença.

Ernest escarnece, ignorando a atitude de Alastair.

- Cassia, nós estamos sempre a ser vigiados. Este campo é

apenas um, de uma série de experiências que pretendemos levar a

cabo.

Cassia parece incrédula.

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- Vocês estão a realizar uma experiência social com estas

pessoas.

Cassia não fez uma pergunta, afirmou e Ernest entendeu o

porquê. Estava implícito nas suas palavras para quem quisesse

entender.

- Quimera é apenas o início, Cassia. Mithras vai construir

um futuro brilhante de aqui em diante. – Cassia olha para Alastair,

pensando no que poderá ter corrido mal para os planos de Ernest

mudarem no futuro de onde vêm. – Convido-vos a ficar connosco por

uns dias e perceberem por vocês mesmos o tipo de trabalho que

estamos a fazer. Poderá fazer-vos mudar de ideias.

Cassia e Alastair saem da tenda de Ernest pouco convencidos do

que ouviram, mas voltar para casa não é ainda uma opção. Ao longe,

veem Makayla e Able a correr, ofegantes, na sua direção.

Ao alcançarem Cassia e Alastair, Able agarra os seus joelhos,

tentando recuperar o fôlego, falando a custo.

- Há algo de estranho a passar-se naquele edifício. – Able

tenta respirar fundo, o suor a escorrer-lhe pela testa. – Eu

realmente preciso de começar a fazer mais exercício.

Makayla olha para o irmão em desaprovação. A rapariga de

longos cabelos encaracolados loiros, parece que veio a andar

calmamente todo o caminho e não a correr.

- Há ali um laboratório qualquer. Vocês repararam em que

distrito de Quimera estamos?

Alastair interrompe-a.

- Nós sabemos.

Cassia, vendo o ponto de interrogação na cara de Makayla

passa a explicar.

- O Ernest foi bastante franco connosco e contou-nos tudo.

– Cassia olha à sua volta, para as pessoas que andam na sua vida

sem perceberem o que realmente se passa à sua volta. – Todas estas

pessoas irão fazer parte de algo que está fora do seu controlo.

- Como assim? – Makayla cruza os braços.

- Quimera faz parte de uma experiência social. Tudo o que

nos disseram é mentira. Não fomos colocados lá para sobreviver a

guerra alguma. Ou pelo menos não foi essa a primeira intenção dos

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seus fundadores. Sempre estivemos a ser vigiados; não apenas para

fazer reforçar a lei.

Able endireita-se rapidamente.

- Com que propósito?

- A criação de uma utopia. – Alastair revira os olhos perante

o absurdo das palavras de Ernest, que ainda ecoam na sua mente. –

Claramente este gajo não está bem a ver no que Quimera se vai

tornar. Sempre fomos mais oprimidos do que uma sociedade

igualitária.

Cassia ouve as palavras de Alastair e apercebe-se de algo.

- Esperem lá! Tens razão. A experiência falhou. – Cassia

agarra no braço do irmão. – A Leah faz parte da Agência Mithras.

Alguém está a tentar apagar o erro que cometeu. Todas estas

pessoas; ninguém iria aprovar este projeto. Não é ético. Alguém

está a tentar reverter a construção do Projeto de Quimera.

- Tens razão, Cassia. – Makayla vai de encontro ao pensamento

da amiga. – Se eles colocaram aqui pessoas, com o intuito de

servirem de cobaias numa experiência, vai certamente levantar

algumas questões éticas.

- Então, eles estão a tentar apagar a nossa existência por

completo?

Alastair cruza os braços e aperta a cana do nariz, cansado

das complicações.

- Isso parece uma tarefa extremamente complexa e difícil de

executar. – Able cruza os braços e olha para o vazio,

contemplativo.

Hayden está a tentar concertar o painel da porta do laboratório,

quando Kay entra disparada com caixas na mão, que pousa na mesa.

Hayden olha para as caixas curioso com o seu conteúdo.

- Quando é que vamos poder trancar essa porta?

Hayden olha para o painel em curto-circuito, atrapalhado e

ri-se.

- Em breve? – Hayden aproxima-se da mesa, tentando desviar

o assunto. – Que traz aí, Comandante?

- Arquivo morto. Consegui encontrar alguns ficheiros

antigos.

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- Não temos isso tudo em ficheiros eletrónicos?

Kay começa por destapar uma das caixas poeirentas.

- Sabes como é isto de arquivar ficheiros. Alguma coisa acaba

sempre perdida ou alguém se esquece de digitalizar algo. –

Procurando na caixa, retirando todos os ficheiros para cima da

mesa. – Estes ficheiros têm pelo menos oitenta anos. E eu não

tenho autorização para os requisitar, por isso temos que ser

discretos.

Hayden vai em direção à porta, encostando-a. Volta de seguida

para junto de Kay, ajudando-a a remexer nas caixas.

Hayden agarra numa folha solta, que caiu para o chão.

- O que é Mithras?

Kay fica alerta perante a pergunta de Hayden e o seu

semblante escurece.

- Como é que sabes esse nome?

- Está aqui. – Hayden passa a folha a Kay, que a arranca da

mão do rapaz, como se este tivesse mencionado um fantasma. – Tem

algum significado?

- Mithras é o governo de Quimera. Samsara é apenas um ramo

de Mithras. Nós trabalhamos para eles.

- Então, historicamente falando, se Mithras fosse a Casa

Branca, nós seriamos a CIA? – Hayden tenta colocar alguma lógica

nas palavras de Kay, que claramente ficou perturbada.

- Mais ou menos; quero dizer, Mithras não é propriamente uma

entidade governamental, mas uma instituição científica que

governa, segundo o seu molde, a cidade de Quimera.

- Qual o seu propósito, então? – Hayden cada vez está mais

confuso.

- Ninguém sabe realmente. – Kay encolhe os ombros. – Samsara

está encarregue da segurança de Quimera e de fazer cumprir a lei.

Eu não tenho acesso à Agência Mithras, por isso…

Kay não acaba a frase, lembrando-se de algo importante. A

sua tez muda de cor e vê-se forçada a sentar-se. O rapaz olha para

a Comandante, preocupado.

- Como pude ser tão estúpida? – Kay discute consigo mesma,

deixando de dar conta da presença de Hayden. – Todas as ordens;

todas as reuniões. Ele sabia de tudo… Hayden! Consegues aceder ao

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perfil do Ari? – Kay volta a remexer nas caixas à procura de mais

informação.

Hayden dirige-se ao computador, confuso.

- Claro…

Hayden senta-se ao computador, mas é parado por Kay de

imediato.

- Isto não é bom. – Kay levanta-se com um ficheiro na mão.

– Para que dia em 2017 viajou a equipa, Hayden?

O cientista bate com os dedos no teclado do computador de

imediato, apreensivo perante a reação de Kay.

- Trinta de Maio, porquê?

Kay leva as mãos à cabeça.

- Porque houve um massacre no campo de refugiados no dia

trinta de maio de 2017. No mesmo campo onde está a nossa equipa e

nós não temos meios para avisá-los.

Kay esfrega os olhos com a mão, sem conseguir processar toda

a informação nova. Levantando-se rapidamente, decide que precisam

de uma nova estratégia.

Cassia vagueia pelo campo, a falar com pessoas, enquanto Alastair

e Able jogam futebol com as crianças. Makayla observa de longe,

sentada na relva a apanhar o sol dessa tarde tranquila.

Do longe, Cassia sorri para Makayla, despedindo-se de

imediato da senhora com quem fala. Andando em direção a Makayla é

parada por uma menina de seis anos, que lhe entrega uma flor.

Ternamente, Cassia dá um beijo na testa da rapariguinha, vendo-a

voltar para os braços da sua mãe.

Olhando para o céu límpido, inspira o ar da floresta que os

rodeia e chega finalmente ao lado de Makayla, sentando-se.

Observando Alastair e Able a jogar futebol, riem-se das macacadas

que estes fazem com as crianças.

Numa decisão momentânea, Cassia levanta-se e puxa Makayla,

obrigando-a a levantar-se também. Empurrando a loira até ao campo

de futebol, juntam-se ao jogo.

Os quatro amigos divertem-se e riem, sem suspeitarem do que

os espera.

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Kay está sentada, descansando a cabeça sobre os braços, enquanto

Hayden tenta aceder ao perfil de Ari.

Neste momento é a única coisa que conseguem fazer; esperam

ter tempo para conseguir arranjar forma de avisar a equipa do

perigo que correm, mas há que estabelecer prioridades. Precisam

de saber em quem podem confiar, para depois os poderem salvar.

Hayden chama por Kay, fazendo-a grunhir e levantar-se

lentamente da sua posição de desespero. Suspirando, Kay vai ao

encontro do rapaz sentado ao computador.

No grande ecrã aparece a fotografia de Ari: mais novo e com

um ar mais sereno e descansado do que estavam agora acostumados a

vê-lo. Ao lado, um grande selo onde se pode ler Confidencial a

letras berrantes vermelhas no relatório, editado para

impossibilitar a sua leitura. Kay cruza os braços e respira fundo.

Hayden olha para a Comandante, lamentando.

- Não tenho autorização para aceder ao relatório original.

- Consegues pirateá-lo? – Kay está desconfiada e nada parece

poder demovê-la de descobrir a verdade; nem mesmo a lei.

Hayden fica atrapalhado, pensando que Kay lhe poderá estar

a fazer um teste, ainda que a ocasião não seja a mais indicada.

- Poderia fazê-lo; hipoteticamente falando, pois estaria a

quebrar imensas leis.

Kay não vai arriscar ter um espião na sua equipa; já

enfrentam inimigos suficientes, sem lhes abrirem a porta e

deixarem-nos entram.

- Fá-lo! – A ordem de Kay é clara e Hayden engole em seco,

ficando sem reação por momentos.

Quando Kay volta a olhar para o rapaz, erguendo a

sobrancelha, Hayden percebe que a Comandante não está com

paciência para grandes esperas e põe-se a trabalhar.

Não demora muito até que Hayden consiga aceder ao ficheiro

original.

- Já está.

Kay sorri, perante o quão breve Hayden conseguiu entrar na

base de dados da Agência; não admira que sejam pirateados tão

facilmente. Kay começa a ler de imediato o ficheiro e o que vê

não lhe agrada.

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- O Ari trabalha para Mithras. – Alguma desilusão passa pela

expressão da Comandante. Pensar que acreditou nele, começa a dar-

lhe voltas ao estômago. – Ele é o espião.

Hayden não acredita no que ouve.

- Como assim? Que prova isso?

- Mithras não é propriamente uma Agência que tem em vista os

melhores interesses da população. – O semblante de Kay é triste.

– Há muito que eles desistiram de Quimera. O melhor é pegarmos no

Ziyon e sairmos daqui. Não sei do paradeiro do Ari e dado os

últimos acontecimentos…

Hayden levanta-se, contrariado.

- Não. Então e a equipa? A máquina não é propriamente

portátil…

Os ombros de Kay descaem e um suspiro profundo sai do fundo

da sua alma.

- É melhor esperarmos que eles voltem. – Hayden não consegue

disfarçar o ar de desaprovação.

Kay sorri, para espanto do jovem, e começa a andar em direção

à saída do laboratório.

- Eu tenho uma ideia melhor.

Hayden olha para o vazio, sem compreender o comportamento da

Comandante, que saiu disparada porta fora.

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Capítulo 18

Os quatro amigos seguem Ernest Black, numa visita guiada pelo

laboratório de Mithras, ainda a ser construído. A única sala

operacional é o laboratório de videovigilância, onde já uma equipa

de cientistas começa a tratar de pesquisa e dados.

Ernest para junto ao vidro duplo, não querendo interromper

os seus trabalhadores. Cassia ri-se ao parar junto dele, fazendo-

o olhar, curioso, para ela.

- Qual é a piada, Cassia? Não gostas do que vês?

Alastair clareia a garganta, controlando a sua ira, perante

a familiaridade com que Ernest está a tratar a irmã.

- Até os seus trabalhadores estão a ser vigiados. - Cassia

aponta para o vidro.

Ernest observa os monitores através do vidro.

- Temos câmaras em todo o campo. – Começa a explicar. – Todos

os atos de violência serão antecipados pelo nosso sistema. E a

nossa Agência de Segurança fará tudo para os impedir.

- E depois? – Alastair olha para o reflexo de Ernest no

vidro. – As pessoas não vão parar de cometer crimes. Há sempre

maneiras de fugir ao sistema.

- Não desta maneira. O que nós estamos a fazer é mais

sofisticado do que parece, Alastair. Nós estamos a tentar

modificar o comportamento das pessoas. Isso demora tempo. – Ernest

pausa e vira-se para os jovens, recostando-se no vidro, de braços

cruzados. – A evolução não tem nenhum propósito; nenhum destino

específico. Cada modificação genética que sofremos é conseguida

através do tempo; as modificações de comportamento funcionam da

mesma forma. Mithras pretende reabilitar a raça humana; dar-lhe

um novo fôlego.

Makayla escarnece.

- Estranhamente isto está a parecer-me um discurso como

tantos outros. Mais cedo ou mais tarde, são as ideias que se

tornam perigosas; não os interesses vigentes. – Makayla sorri,

incapaz de aceitar o discurso de Ernest de ânimo leve. – Mao

Zedong também pensou que conseguia construir uma nova sociedade e

quase destruiu a China no processo.

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Ernest acena com a cabeça.

- Nós não somos ditadores, menina Makayla. Todos neste campo

estão aqui de livre vontade; procuram um futuro mais risonho. Um

lugar onde sejam aceites. Todos são livres de ir embora a qualquer

momento.

- Claro. Apenas não sabem que fazem parte de uma experiência

científica. – O tom de Makayla é reprovador. – Onde está a ética

nisso?

- Os indivíduos saberem do seu papel neste tipo de

experiência iria alterar os resultados. – Ernest tenta que as suas

desculpas façam as suas ações soar melhor, mas os jovens não

compram o que ele tenta vender. – Evolução e revolução são duas

coisas distintas. Nós pretendemos uma mudança comportamental

gradual: a evolução é espontânea e inexorável. Apenas estamos a

providenciar as circunstâncias para ela tomar lugar.

- Como se isso justificasse invadirem a privacidade das

pessoas. – Cassia revira os olhos.

- A mudança é inevitável, Cassia. Especialmente em

instituições humanas. – Ernest coloca uma mão no ombro de Cassia,

esta ficando incomodada com a invasão do seu espaço pessoal. – Se

temos um melhor caminho, porque não ajudamos a raça humana a

segui-lo?

Able, vendo a cara de Alastair a ficar vermelha, coloca-se

entre Ernest e Cassia, forçando-o a retirar a sua mão do ombro da

rapariga.

- Porque não é um caminho natural. – Able sorri e agita os

braços, ao falar. – Se me lembro corretamente das minhas aulas de

biologia, a evolução tem o seu próprio momento, acontece

espontaneamente. Vocês estão apenas a forçar esse momento.

Ernest recusa-se a ver outro ponto de vista para além do

dele.

- Estamos? Existem comunidades que operam fora da sociedade

convencional. Como é que o que estamos aqui a criar é diferente?

Só porque é baseada na ciência, em oposição a religião ou

ideologia?

Cassia desvia Able do seu caminho e dá um passo em direção

a Ernest.

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- Pode dar-me todos os argumentos que quiser. A minha única

pergunta é: quanto tempo?

Inquisidores, todos olham para Cassia, sem perceberem a sua

pergunta ou com que intenção a colocou. Antes de alguém dizer

alguma coisa, Cassia continua:

- Quanto tempo antes de esperarem mudanças no comportamento

humano? Esperam que as pessoas parem de se matar umas às outras?

Que parem de usar violência contra outros seres vivos? Esperam

que se acabem as guerras, a destruição, os genocídios? – Todas as

perguntas de Cassia são retóricas. Ernest observa-a atentamente.

– Desde o início da nossa existência que devastamos tudo à nossa

volta por conveniência. De um ponto de vista evolucionista, somos

a raça mais jovem à face da Terra, que temos vindo lentamente a

destruir. Vida emanava este mundo muito antes de nós aparecermos.

Com isto, pergunto: quanto tempo acha que Mithras vai levar a

calibrar o desenvolvimento biológico básico da raça humana? Porque

nós somos aquilo que somos; contrariar os nossos instintos parece-

me extremamente difícil e inútil.

Cassia finaliza o seu discurso, permanecendo indiferente a

Ernest, apenas esperando uma reação. Ernest tem facas no seu olhar

quando volta a olhar para Cassia

- Não posso dizer que não me desiludes, Cassia. – A voz de

Ernest é mais ríspida agora. – Estava esperançoso que entendessem

o nosso projeto e quiçá, vos juntásseis a ele. Nós não queremos

mal destas pessoas; apenas um futuro melhor para as próximas

gerações. O mundo lá fora está a ficar um pouco confuso. A tensão

entre os países é palpável: o conselho de segurança das Nações

Unidas está de mãos atadas. O nosso pequeno projeto científico

poderá muito bem ser a última esperança para a Humanidade.

Ernest bate ao de leve no vidro e suspira, olhando para

Cassia. Dois militares saem e tapam todas as possíveis saídas.

Cassia, Makayla, Alastair e Able estão encurralados.

Ernest sorri, presunçoso, para Alastair que se contém para

não lhe bater.

- E eu a pensar que podíamos ser todos amigos. – Ernest dá

uma gargalhada e vira as costas aos quatro jovens. – Prendam-nos!

Não podemos correr o risco de eles darem com a língua nos dentes.

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Afinal, o nosso projeto não é propriamente sancionado pelo

Governo.

Ernest sai, a rir-se, deixando os jovens com os militares.

Alastair tenta enfrentar os homens que os encurralam, mas antes

que possam fazer alguma coisa, outros dois militares saem para o

corredor. Decidindo que não conseguem lutar contra o inevitável,

rendem-se, sendo arrastados corredor fora, algemados.

Ziyon está sentado de frente a um cadeirão vazio e uma lágrima

escorre-lhe pela cara. Estava habituado a trabalhar os campos e

as plantações do distrito Sul de Quimera; não gosta da sensação

de inutilidade que está a sentir. A culpa invade-o.

Uma rapariga, ligeiramente mais velha que ele, entra na

divisão e olha-o com desaprovação.

- Espero que estejas contente. Levaram-na.

Ziyon levanta-se e tenta consolar a irmã.

- Eu fiz o que tinha que ser feito. Achas mesmo que o governo

não ia descobrir que ela estava doente?

A rapariga bofeteia Ziyon, que não se atreve a voltar a

enfrentar o seu olhar.

- Como foste capaz de denunciar a tua própria mãe?

Virando as costas a Ziyon, deixa-o sozinho, na divisão que

é banhada pelo sol da tarde de verão.

Dois agentes guardam a cela de Ziyon, que se encontra cabisbaixo,

sentado na cama a contemplar o chão. Passos ouvem-se no corredor

escuro e os dois guardas ficam alerta de imediato, sendo uma hora

em que ninguém deveria estar ativo na Agência.

A silhueta de Kay é inconfundível, o seu cabelo liso e

comprido a cair-lhe sobre os ombros. Assim que se apercebem de

quem se trata, os dois agentes, atrapalhados, endireitam-se,

saudando-a.

- Comandante! – Um dos agentes manifesta o seu apreço de

imediato.

- À vontade, agentes. – Os agentes voltam às posições

originais e esperam que Kay volte a falar. – Como é que está o

nosso prisioneiro?

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- Bem, Comandante!

Kay olha para Ziyon, que se levanta de imediato, expectante.

- Podem libertá-lo, sob o meu comando. – Kay não desvia o

olhar de Ziyon, dando a ordem num tom seco.

Os agentes entreolham-se, sem se mexerem do mesmo sítio.

- Mas, Comandante; o prisioneiro é acusado de traição. Sabe

que não o podemos libertar sem uma ordem selada do…

- Eu estou a dar a ordem agora! – Kay levanta a voz, com uma

postura severa, arregalando os olhos aos agentes.

- Perdão, Comandante. Não era minha intenção questionar a

sua autoridade. – O agente volta a saludá-la, colocando-se no seu

lugar.

- Bem me queria parecer que não. – Kay acena com a cabeça

para Ziyon. – Agora, abram a cela.

De imediato, corroborando com a ordem, o agente abre a porta

da cela, deixando Ziyon sair. O segundo agente retira as algemas

ao rapaz, que olha para Kay, intrigado com a sua súbita liberdade.

- Obrigado. – Ziyon sorri. – Peço desculpas pelo que

aconteceu.

- Neste momento, temos assuntos mais importantes. – Kay vira

costas e começa a andar, encorajando Ziyon a segui-la. – Vamos

lá! Temos trabalho a fazer!

Cassia, Makayla, Alastair e Able são escoltados para uma cela,

por corredores escuros, numa prisão subterrânea. Os militares

empurram-nos para uma cela velha, por uma porta de ferro pesada e

ferrugenta. A cela está repleta de teias de aranha e tem palha no

chão. Não existem janelas, pelo que há pouca iluminação. Um a um,

são-lhes retiradas as algemas e colocadas outras, presas ao chão.

Able é o último a ser encarcerado, levando a situação

levianamente.

- Que aposentos chiques temos nós aqui… - Able ri-se e

levanta os braços para o militar, carrancudo, lhe tirar as

algemas.

O homem, de porte pesado, sorri de volta para Able; um

sorriso forçado que logo se esvai. Colocando-lhe as novas algemas,

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certifica-se de que Able está bem preso, puxando as correntes com

força em demasia, fazendo o rapaz cair de joelhos no chão.

Able grunhe, com a dor.

- Não há necessidade para isto… - Able tenta levantar-se,

mas cedo desiste da ideia. – Sabe que mais? Para pessoas que estão

a tentar erradicar a violência do mundo, parecem bastante adeptos

dela.

Dando uma volta à cela, certificando-se de que estão todos

bem presos e confiscando as armas dos jovens, o militar sai

fechando a porta da cela. O trinco a fechar, juntamente com a

liberdade dos quatro prisioneiros, ressoa nas paredes de tijolo.

A sala escurece. Makayla e Alastair sentam-se, encostados à

parede. De cara cerrada, Alastair bate com a cabeça, ao de leve,

na parede e suspira, chateado. Certamente que fugir não é uma

solução ao seu alcance.

Kay entra no laboratório, seguida de Ziyon e logo se depara com

Ari, à conversa com Hayden. Assim que dá conta do rapaz a olhar

para a entrada, Ari vira-se, ficando admirado com a presença de

Ziyon.

- Ari. – Kay não sabe o que dizer. Depois das últimas

descobertas, receia falar com o homem à sua frente. Uma medição

de forças silenciosas toma lugar, com Kay a puxar para um lado e

Ari a puxar para o outro. – Por onde andaste?

A pergunta de Kay é feita com casualidade. Ari nem se digna

a responder, os seus olhos acusadores a recaírem sobre Ziyon.

- Não esperava ver o Ziyon fora da sua cela.

Um momento de silêncio constrangedor toma lugar. Ari e Kay

olham-se fixamente, até que Kay inclina a cabeça e sorri,

confiante de si mesma. Kay cruza os braços e não tira o sorriso

presumido da cara.

- Não vi necessidade de ele estar confinado a uma cela; tal

como não vejo necessidade de me estar a justificar perante ti.

- Não o mandaste prender?

- Não vais responder à minha pergunta? Passa-se algo que não

me estejas a contar?

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Outro momento de tensão se faz sentir; o silêncio incomoda

quem os rodeia. Ari parece estar a suspeitar da atitude de Kay e

lentamente coloca a mão sobre o coldre da sua arma. Kay observa a

reação de Ari e suspira. Era a última prova de que ela necessitava

para ver confirmadas as suas suspeitas. Rindo perante o gesto

desesperado de Ari, inclina o corpo sobre a perna direita e espera

atentamente que Ari tome a sua decisão.

Escarnecendo, Ari revira os olhos e cruza os braços,

arrependendo-se de imediato da sua precipitação.

- Tens razão, Kay. Peço desculpa. – Irrealista, Ari, espera

que Kay não tenha reparado no seu gesto e tenta contornar a

situação. – Tive assuntos pessoais para tratar.

Ari sorri, charmoso para a Comandante.

- Certo.

O telemóvel de Ari toca e ao ver o identificador de chamadas,

suspira.

- Tenho que ir andando. Desculpa. – Ari sorri e olha para

Ziyon. – Ele tem que voltar para a cela em breve. Sabes as regras,

Kay.

- Claro. As regras.

Ari desaparece pela saída do laboratório e Kay fica pensativa

a olhar para o vazio. Conclui que este encontro não correu da

melhor forma. Não pretendia revelar a sua mão tão cedo; só lhe

resta esperar que Ari não tenha desconfiado de nada. Quanto mais

tarde ele descobrir que Kay já sabe da sua verdadeira identidade

melhor. Afinal, há que manter os inimigos por perto.

Makayla e Alastair estão sentados lado a lado, encostados à

parede. Paralelos a eles, estão Cassia e Able. Todos contemplam o

vazio, à exceção de Cassia, que descansa a cabeça nos joelhos.

Able boceja e tosse de seguida.

- Quanto tempo é que o Ser Humano aguenta sem água? – Able

pergunta, incomodado com a garganta seca.

Lentamente, Cassia levanta a cabeça e responde, meia

pensativa.

- Entre uma semana a dez dias, mais ou menos. Uma vez que a

água é o elemento básico de qualquer matéria orgânica e o meio

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pelo qual ocorrem a maioria das reações bioquímicas do corpo, é

impossível viver sem ela, como é óbvio. – Cassia pausa por

momentos. – Eventualmente, vais sentir a boca seca, também a pele

e a membrana mucosa. Vais ficar irritável, possivelmente ficar

febril, com baixa pressão sanguínea e um ritmo cardíaco acelerado.

Podes experienciar delírios e ficar inconsciente. Devo continuar?

Able olha boquiaberto para Cassia e semicerra os olhos,

começando a sentir-se nauseado.

- Esquece a minha pergunta.

Cassia olha para o canto da cela e tenta decifrar o que vê.

- Aquilo é um rato?

Makayla grita de imediato e quase salta para o colo de

Alastair.

- Onde? Onde? Socorro! – Levantando-se muito depressa,

examina o chão atentamente. – Odeio essas criaturas…

Alastair olha para a irmã, franzindo a testa, desconfiado da

sua súbdita calma.

- Estás extremamente tranquila para alguém que acabou de ser

encarcerada num universo alternativo ao seu, Cassia.

Ruminante, Cassia olha para o teto.

- Ninguém planeia um homicídio em voz alta. – Cassia ri,

voltando depois a um breve silêncio. – O que acham que devemos

pensar de todas as referências mitológicas?

Makayla respira fundo, enquanto continua a examinar o chão,

recusando-se a voltar a sentar-se.

- Nem sequer fazem sentido. Para além de sermos uma

comunidade sem religião ou crenças no sobrenatural: Mithras é um

Deus persa e Quimera um monstro mitológico da Grécia Antiga, que

simboliza a criação de uma utopia.

- E Samsara é o ciclo de reencarnações na religião Hindu… -

Cassia parece distante ao falar.

- Então, mas que significa tudo isso? – Able olha para as

duas raparigas, intrigado.

- Se calhar não significa nada. – Alastair revira os olhos.

– Vocês ouviram o discurso do Ernest. Claramente, passaram ao lado

da sua vocação para o drama.

Makayla olha para Alastair muito séria.

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- Tudo tem um significado. Só tens que estar disposto a ver

para além das cortinas de fumo.

Alastair olha para Makayla e sorri. Normalmente, teria

começado uma discussão com ela, acerca da patetice filosófica que

às vezes diz. No entanto, não era a melhor altura para stressarem

um com o outro, por isso deixa passar esta vez.

Kay e Ziyon permanecem em frente à máquina, já de portas abertas.

- Tens a certeza de que vais bem sozinho? – Kay olha para o

rapaz preocupada.

- Claro. – Ziyon acha a preocupação de Kay ternurenta. –

Vocês são precisos aqui. A situação também não está fácil por

estes lados.

- Percebeste o que tens que fazer?

Ziyon sorri, reconfortante.

- Sim. Encontrar a equipa e voltar para aqui o mais rápido

possível.

- É isso mesmo. Quero-vos aqui, aos cinco, o mais breve

possível. – Kay afaga o ombro de Ziyon. – Boa sorte. Mas, só para

o caso de a sorte não chegar.

Kay passa uma pistola a Ziyon, que este aceita a custo,

suspirando. Ziyon entra para a máquina e ao sinal de Kay as portas

fecham, transportando o rapaz para o resgate dos seus

companheiros.

Leah espera que Rohan pouse o telefone, sentando-se numa cadeira

à secretária. Eles não estão sozinhos. Nas sombras, sentada num

cadeirão virado para a janela, permanece uma silhueta feminina,

que atenta na conversa dos dois.

Rohan pousa finalmente o telefone e olha para as suas duas

convidadas, com um ar satisfeito.

- O Ari finalmente deu notícias. – Rohan esfrega as mãos e

senta-se na secretária. – Parece que Samsara está num tumulto.

Leah escarnece.

- Devíamos tê-los morto quando tivemos a oportunidade. –

Leah atira com uma caneta para a secretária, descontente.

Rohan olha para a rapariga em jeito de repreensão.

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- Nós ainda precisamos deles. Quando já não precisarmos podes

cortar-lhes as cabeças e usá-las como troféu ao pescoço, para ver

se eu me importo.

- Não é essa a questão. – Leah levanta-se e troteia de um

lado para o outro. – Eles estão cada vez mais perto da verdade. E

se eles conseguem impedir-nos?

- Não. – Rohan levanta-se obrigando Leah a parar à sua

frente. – A questão é que a equipa está em 2017, no local de

construção de Quimera. Agora, eu gostaria muito que eles não

descobrissem nada acerca de Mithras e os nossos planos. Vocês

duas, palhaças, não acham que seria bom?

Leah vê-se forçada a concordar.

- O que quer que nós façamos?

- Deem um salto até 2017. Tragam-me a Cassia Miller, viva,

e matem os outros. – Rohan sorri, maliciosamente. – E, se alguém

vos tentar impedir, matem-nos também.

Rohan vira as costas e sai da sala. A figura feminina

levanta-se e junta-se a Leah a olhar para a porta, franzindo uma

sobrancelha. A sua pele mulata, reluz sobre a luz do escritório.

O seu cabelo ondulado cai-lhe sobre o casaco de cabedal preto.

Quando fala a sua voz é doce, mas letal.

- Ouviste o Capitão Williams, Leah. Vai ser um dia em cheio.

A rapariga avança para a porta, passando por Leah, que a

olha com desdém, suspirando.

Kay anda de um lado para o outro, com o pensamento distante, sem

se aperceber de que está a ser observada por Hayden.

Hayden avança para Kay a medo, agarrando-lhe no braço, para

tentar chamar a sua atenção.

- Comandante? O que é que vai ser feito de nós quando a

equipa chegar?

A pergunta apanha Kay desprevenida. Ainda não pensou no

futuro que se avizinha. Kay força-se a sorrir, para não assustar

Hayden.

- Penso que o melhor que temos a fazer é sair de Samsara

assim que eles cheguem, Hayden. Não sabemos com quem o Ari está a

trabalhar.

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- Fugir parece-me um plano. – Hayden sorri afetuosamente

para Kay. – Mas é um pouco disperso, não? E o que é que fazemos

com a máquina? Não a podemos levar.

Kay ouve as dúvidas e preocupações que assaltam o jovem, sem

saber como o apaziguar.

- Não consegues construir um outro protótipo da máquina

noutro lado?

Hayden olha para Kay, cheio de dúvidas.

- Posso tentar…

- Eu aceito. – O desespero pode ouvir-se na voz da mulher.

– O cabecilha de Mithras é um tipo sem escrúpulos alguns. Temos

que ter o maior dos cuidados e sair daqui enquanto podemos. Se

queremos que isto acabe, a nossa única solução é matá-lo e para

isso precisamos de permanecer nós vivos.

Hayden receia as palavras de Kay.

- Como é que sabe isso?

Kay olha para o chão, contemplativa.

- Porque o Rohan Williams é meu marido.

Hayden fica boquiaberto, meio em choque, a olhar para Kay,

que se senta na mesa, sem saber que mais dizer.

Kay entra pela porta da sua mansão e dirige-se de imediato ao

escritório, colocando a sua arma no cofre. O dia foi longo e o

cansaço começa a afetar o seu discernimento.

Kay inclina-se sobre a secretária e fecha os olhos,

coletando-se por momentos e nem repara na presença de Rohan atrás

de si, a observá-la.

Ao ouvir outra respiração na sala, vira-se repentinamente,

assustada.

- És tu, Rohan. – Kay expira, nervosa e leva a mão ao peito.

– Não estava à espera que estivesses em casa.

Rohan aproxima-se da sua mulher e, carinhosamente, coloca um

fio de cabelo atrás da sua orelha, acariciando-lhe o queixo no

processo. Kay beija-o e força um sorriso.

- Como correu o teu dia em Samsara? – Rohan pergunta,

curioso, agarrando a cintura de Kay.

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Kay desvia o olhar do marido e tenta afastar-se, mas Rohan

puxa-a para si, com força. Tomando coragem, Kay olha fixamente

para ele e sorri.

- Foi estranho. Tenho um novo parceiro. – Kay coloca os

braços ao redor do pescoço de Rohan. – Ari Black. Por acaso não

sabes de nada acerca disso?

Rohan ri-se e tenta beijar Kay, mas esta retrai-se. Rohan

suspira e morde o lábio, perante a provocação, desviando o olhar

da mulher.

Kay puxa o cabelo de Rohan, obrigando-o a olhar para si.

- Eu não gosto de jogos, Rohan.

- Eu gosto… - Rohan murmura no ouvido de Kay. – Porque não

jogamos um, agora mesmo?

Pegando em Kay ao colo, encosta-a, violentamente à

secretária, começando a despi-la.

- O que é que tens em mente? – A respiração de Kay é ofegante,

numa mistura de satisfação e medo.

Rohan puxa o cabelo de Kay, expondo-lhe o pescoço,

sussurrando contra a sua pele de marfim.

- Eu não gosto de ameaças, meu amor. – Rohan tira o seu cinto

e puxa Kay por um braço, fazendo-a cair no chão.

Kay olha para Rohan, divertida, tentando esconder os seus

receios. Ameaçador, Rohan segura no cinto e dirige-se para a

mulher. O coração de Kay bate violentamente no seu peito, ainda

assim, a sua voz é calma.

- Não sei que tipo de acordo tinhas com a tua ex-mulher,

Rohan. Mas eu não sou ela. – Calmamente levanta-se e vai em direção

a Rohan acariciando-lhe a cara, provocante. – Não há nada que me

possas fazer, pelo qual eu já não tenha passado.

O sorriso presumido de Kay, irrita Rohan profundamente, mas

este gargalha, não querendo mostrar parte fraca.

- Eu não sei se és corajosa, ou extremamente estúpida para

questionares a minha autoridade, Kay. – O telefone toca,

interrompendo-os. – De todas as formas, isto não fica por aqui.

Rohan sai do escritório, deixando Kay sozinha. O sentimento

de repulsa invade Kay, que se abraça, tentando confortar-se. Uma

lágrima escorre pelo seu rosto, impossibilitando-a de se mover.

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Capítulo 19

O campo que dará lugar à cidade de Quimera está cheio de vida:

crianças brincam na relva, enquanto adultos ajudam carrinhas de

ONG’s a serem descarregadas. Voluntários distribuem comida e roupa

pelo campo. O vento está a soprar ligeiramente, trazendo o cheiro

das flores e árvores que os rodeia; a vida está a acontecer no

local que se transformará em breve.

No horizonte, tiros interrompem a alegria do campo. As

pessoas entram em pânico, tentando tirar as crianças da linha de

fogo. Leah lidera um exército pelo campo adentro, atirando sobre

todos os que cruzam o seu caminho.

Ernest sai da sua tenda, tentando perceber o porquê de tanto

reboliço, quando se depara com o banho de sangue a acontecer sob

a sua vigilância. O chão que pisa, está agora vermelho. Poças de

sangue tapam a relva verde e resplandecente. A sua gente está a

ser morta uma a uma.

Leah alcança Ernest, sem que este se aperceba e agarra-o

pelo pescoço, levando-o ao chão num movimento contínuo. Leah olha

para Ernest e mostra-lhe uma fotografia, estrangulando-o

ligeiramente.

- Onde estão eles? – A voz de Leah é firme e não tem sinais

de compaixão ou arrependimento, apenas urgência.

Ernest luta por respirar.

- Não sei do preto. – Tossindo, tenta que a rapariga retire

a mão do seu pescoço. – Os outros estão na nossa prisão.

Leah sorri e aperta um pouco mais a garganta de Ernest, vendo

a vida a sair lentamente dos seus olhos. Rindo, satisfeita, larga

Ernest, fazendo-o lutar por ar.

Leah levanta-se e ajeita o seu casaco de cabedal preto,

comprido, olhando-se ao espelho.

- Muito bem. – Charmosa, ajuda Ernest a levantar-se. –

Mostra-me o caminho.

Os quatro amigos estão sentados em silêncio, quando ouvem tiros a

serem disparados à porta da sua cela. Assustados, levantam-se,

alertas e engolem em seco, fixando a porta. A respiração dos

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quatro está sincronizada e ofegante. Presos, sem poderem fazer

nada para se defenderem, sentem-se como presas fáceis, prestes a

serem abatidas.

A porta da cela abre e todos olham, expectantes para perceber

quem entra por ela. Um momento de silêncio passa, até que todos

deixam sair o ar que mantinham preso nos pulmões, respirando em

alivio.

- Ziyon! – Makayla sorri para o rapaz, nunca tão serena por

o ver.

Ziyon sorri para os seus companheiros, agitando as chaves

das algemas no ar, provocando-os. Apressando-se por os libertar,

aproxima-se de Able, que o beija, sem conter a felicidade por o

ver.

- Olá, também para ti! – Ziyon ri-se, ao quebrar o beijo e

lhe retirar as correntes que o prendem.

Able pega em metade do molho de chaves que Ziyon traz consigo

e ajuda-o a tirar as correntes de toda a gente.

- Como é que nos encontraste? – Cassia pergunta, espantada.

Ziyon retira as correntes a Cassia e sorri, presumidamente.

- Ora, eu sou um Antropólogo! – Ziyon diz calmamente, como

se fosse óbvio o significado das suas palavras.

Alastair olha para Cassia, confuso.

- O que raio quer ele dizer com isso?

Ziyon revira os olhos, divertido.

- Quero dizer que falo com pessoas e elas contam-me coisas.

– Ziyon pausa e olha seriamente para todos, enquanto Able acaba

de libertar Makayla e Alastair. – O inferno chegou à terra lá

fora. Mithras atacou.

Alastair agarra o braço de Ziyon, apanhado-o desprevenido.

- Como é que tu sabes da existência de Mithras.

- O inferno também chegou a Samsara. Kay enviou-me para vos

levar de volta. – Ziyon olha para a porta, ouvindo tiros a chegarem

cada vez mais perto deles. – Rápido; eu conto-vos pelo caminho.

Temos que sair daqui!

Ziyon corre para a porta, certificando-se de que é seguro

saírem. Os quatro não veem outra hipótese a não ser segui-lo às

cegas.

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Chegados à entrada do edifício que os manteve cativos, ficam

chocados com a devastação que encontram. Ao caminharem, andam

sobre o sangue daqueles que conheceram e veem os seus corpos

abatidos, sobre a terra agora vermelha. Ziyon tenta

desesperadamente fazê-los andar, mas os quatro parecem

paralisados, como se de repente o mundo andasse em câmara lenta.

Um vazio assalta-os; os olhos de Alastair começam a ficar

vermelhos, das lágrimas que contém. Ao fundo, Leah sai da tenda

de Ernest e os seus olhos fixam-se nos cinco jovens junto ao

prédio meio construído. O exército, comandado por Leah, começa a

correr na sua direção e Ziyon, em pânico, suplica para que os

amigos comecem a correr.

Sem meios para lutar, decidem aceder ao pedido de Ziyon.

Tiros vêm na sua direção e Alastair é o primeiro alvo, sendo

atingido no ombro. Cassia para e levanta o irmão do chão, ajudando-

o a correr.

Um a um, conseguem contornar rapidamente o prédio e chegar

a um descampado. Cassia certifica-se de que todos passaram por

ela e que ninguém ficou para trás, na confusão. No entanto, ao

olhar, vê-se obrigada a parar abruptamente, quando os seus olhos

se fixam na mulher que lidera agora o exército que vem na sua

direção.

Cassia desvia o olhar, respirando ofegantemente, entrando em

pânico e quando volta a olhar, não volta a ver a mulher. Makayla

volta atrás e pega no braço de Cassia, obrigando-a a correr com

ela.

Quando sentem que é seguro, param.

- Todos têm as suas braceletes?

Todos se apressam por acenar afirmativamente, menos Cassia

que olha para o chão, pensativa. Parece distante e emocionada,

pelo que Alastair tenta chamar a atenção da irmã.

- Cassia! Que se passa?

Cassia olha para Alastair, que segura o ombro ferido, e tem

dificuldade em formar frases que tenham sentido. Respirando fundo,

angariando forças, olha para o irmão.

- Eu acho que acabei de ver a Tara.

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Todos olham para Cassia como se esta tivesse dito um

disparate.

- Deves estar a imaginar coisas, certamente. – Alastair não

dá importância ao que Cassia diz. – Se calhar era só alguém

parecido com ela.

Ziyon agarra no pulso de Cassia, ligando-lhe a bracelete.

- O Alastair tem razão. Temos que ir!

Cassia respira fundo e concorda com Alastair, determinada a

deixar passar a angústia que sente. O sentimento que a traspassa,

faz a dor que enterrou voltar à superfície.

Alastair agarra a mão de Cassia, olhando-a preocupado, e

todos ao mesmo tempo, carregam nas braceletes, sendo levados por

um vácuo.

Leah chega ao descampado atrasada, encontrando-o vazio.

Irritada, dispara numa mulher ferida no chão, sem piedade. O

exército reúne-se à sua volta e Leah, determinada, abre caminho

entre os homens e mulheres que o rodeiam, calculando o próximo

passo.

Kay entra na sala de monitores, esperando encontrá-la vazia, mas

é surpreendida por Ari, que a olha com preocupação. Levantando-se

de imediato, atenta no queixo ferido de Kay.

- O que te aconteceu?

Kay força um sorriso e tenta desvalorizar a situação.

- Nada, Ari. – Kay senta-se à secretária, tentando esconder

o sentimento de incapacidade que a assalta; tentando enterrar as

emoções.

Ari tranca a porta e ajoelha-se perante Kay, acariciando a

cara da mulher, que o olha com curiosidade.

- Devias deixá-lo… - Ari suspira, olhando Kay nos olhos.

- Não posso. – Kay sorri e passa os seus dedos pelo cabelo

de Ari.

- Porquê? – Ari tenta compreender Kay, mas não consegue.

Parece que com cada palavra dela, vem mais uma mentira. Às vezes

custa-lhe saber em que acreditar.

Kay suspira e escolhe não responder. Ari escolhe perceber

que Kay não quer discutir mais detalhes.

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Puxando-a gentilmente, olham-se fixamente. Kay enrola os

braços ao redor do pescoço de Ari e puxa-o para si, beijando-o

docemente.

Ari guia Kay até à cadeira e esta senta-se sobre ele,

começando a desapertar-lhe a camisa. A intensidade dos seus gestos

aumenta e beijam-se com urgência, pois sabem que apesar dos seus

mundos não colidirem, a necessidade que têm um do outro é maior

do que qualquer impedimento ao que sentem.

Kay entra na sala de monotorização de Samsara, procurando por um

lugar para descansar a cabeça. Ari está sentado numa cadeira a

olhar para o vazio, mas assim que vê Kay, olha para a mulher e

sorri. Kay senta-se junto a Ari e não olha para ele. Ari volta a

olhar para a parede.

- Tu sabes. – A voz de Ari não denota qualquer emoção.

- Sim.

Sem se mexerem, deixam o silêncio tomar lugar e por momentos

deixam as paredes que construíram à sua volta ruir.

- O que é que vais fazer? – Uma lágrima forma-se no canto do

olho de Ari; uma emoção que luta por esconder.

- Ainda não sei… - A voz de Kay sai como um suspiro, baixa

e murmurante.

A lágrima contra a qual Ari luta vence a batalha e escorre

pela sua cara.

- Eu fiz um juramento… - Ari tenta justificar as suas ações,

mas sabe que não há justificação possível para quebrar a confiança

que Kay tinha nele.

- Eu também o fiz.

Kay respira fundo e as suas paredes voltam a subir. Num

movimento repentino, tomando Ari de assalto, agarra a garganta do

homem a seu lado, virando a cadeira. Pregando Ari ao chão, força-

o a olhar nos seus olhos.

- Chegaste ao fim da estrada, Ari. – Kay aperta a garra que

tem à volta da garganta de Ari, as unhas cravadas na sua pele

morena. – Ou estás connosco ou estás contra nós. Não há lugares

intermédios.

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Ari não luta por se libertar, deixando Kay permanecer em

controlo.

- Então parece que vais ter que me matar.

Kay escarnece.

- Estás realmente disposto a morrer por uma causa como

Mithras?

- Já não tenho nada que me prenda a este mundo.

Kay alivia a força com que agarra Ari, fazendo-o arfar.

- Tinhas-me a mim…

Os olhos de Kay parecem pretos como a noite e observam o

homem sobre o seu domínio. A decisão que toma de seguida vem-lhe

facilmente. Todas as palavras que nunca disseram magoam tanto como

as ações que tomaram. Todas as noites e todos os olhares trocados

começam a ficar ténues agora. Tudo foi deitado a perder; já só há

uma coisa a fazer e Kay sabe que apenas os loucos se deixam levar

pelo que sentem. O amor é fraqueza e apesar de ter conhecido Ari

quando estava no escuro, não pode deixar que a luz que ele lhe

prometeu tolde o seu discernimento.

Hayden espera no laboratório por algo acontecer. Kay já deixou o

espaço há algum tempo, com a desculpa de que tinha assuntos a

tratar. O rapaz olha para o relógio e fica preocupado com a sua

demora.

Uma luz estala no ar, assustando-o. Os cincos jovens por

quem espera, saem da máquina, agitados e à procura de caras

familiares.

- Finalmente. – Hayden respira de alívio por ver que a equipa

voltou sã e salva. – Voltaram… Pareceu que tiveram fora uma

eternidade.

- Isso é porque estavas nervoso, Hayden. – Ziyon tenta

reconfortar o rapaz, mas cedo se apercebe de que falta uma pessoa

no laboratório. – Onde está a Kay?

Hayden olha para a equipa carrancudo, tentando mostrar-se

magoado pelas altercações no seu último encontro.

- Não sei. – A sua voz é ríspida.

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Alastair olha para o rapaz sentindo-se culpado pela forma

como o deixaram. Não o pode descriminar por estar a tratá-los com

duas pedras na mão.

Alastair aproxima-se de Hayden e tenta afagar—lhe o braço,

mas este afasta-se de imediato.

- Hayden, pedimos imensas desculpas. – Alastair olha para o

chão. – Sabemos que não chega, mas sentimos muito. De verdade.

Hayden reconsidera a sua atitude, vendo o embaraço na cara

de todos. Quando volta a olhar para Alastair, deixa cair a máscara,

não conseguindo permanecer zangado.

- Puto, o que é que te aconteceu? – Hayden apercebe-se da

ferida no ombro de Alastair. – Foste baleado!

Alastair olha para o seu ombro, lembrando-se da sua ferida.

- Pois foi…

Hayden caminha, com urgência, para o telefone.

- Deixa que eu chamo a Doutora Grant.

- Não! – Cassia interrompe Hayden e todos olham, espantados,

para ela.

- O Ziyon contou-nos o que aconteceu. – Cassia tenta

explicar-se. – Se o Ari é o espião, ele pode ter os telefones sob

vigilância. Fiquem aqui, que eu vou buscar a Laura.

Ziyon olha à sua volta e apressa-se a ir para junto de

Cassia.

- Não devias andar sozinha! – Ziyon sorri. – Eu vou contigo.

Cassia acena e, rapidamente, faz o seu caminho, com Ziyon no

seu alcance. Não esperava a companhia, pois decidiu que há algo

que tem a fazer. Anda assim, decide que a conversa que quer ter

com a médica pode esperar até tudo estar resolvido.

Enquanto esperam, Makayla tenta cuidar do ombro de Alastair

o melhor que consegue, até a ajuda chegar.

Cassia passa, apressada, pelo corredor deserto de Samsara.

A poucos metros da enfermaria, apercebe-se de que Ziyon parou

atrás de si. Desconfiada, vira-se e é surpreendida por uma arma a

ser-lhe apontada.

Ziyon treme com a pistola na mão e a sua expressão é

conflituosa.

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- Mas que raio, Ziyon? Que vem a ser isto?

Ziyon recusa-se a olhar Cassia nos olhos.

- Desculpa… - Ziyon sussurra.

Cassia vê a culpa no olhar do rapaz, que não baixa a arma.

Cassia tenta desarmar Ziyon, mas as suas ações são interrompidas

por uma agulha a ser espetada no seu pescoço. O líquido flamejante

a entrar na sua corrente sanguínea, faz os seus olhos ficarem

pesados e os seus músculos dormentes. Ziyon guarda a sua arma e

chega a Cassia, mesmo a tempo de a impedir de cair no chão.

Segurando o corpo inconsciente da rapariga, olha para a

câmara apontada a si, irado. O agente que apunhalou Cassia espera

que Ziyon tome uma decisão.

Pousando Cassia gentilmente no chão, Ziyon levanta-se

calmamente e vai-se embora.

O agente pega em Cassia e leva-a na direção oposta à de

Ziyon.

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Capítulo 20

Kay finalmente volta ao laboratório e fica satisfeita por

encontrar a equipa já de volta, mas preocupada pelos preparos em

que os encontra. Alastair está sentado na mesa, sem camisola, com

Makayla a desinfetar a ferida que ele tem no ombro.

- O que é que te aconteceu? – Kay para junto a Alastair,

preocupada.

- Eu estou bem. – Alastair salta da mesa e volta a vestir a

camisola, interrompendo os cuidados de Makayla. – É só um

arranhão.

Kay olha em volta, preocupada por não ver a equipa toda no

laboratório.

- A Cassia e o Ziyon?

- Foram buscar a médica. – Makayla arruma o kit de primeiros

socorros. – O Hayden já nos contou tudo. Desculpe se desconfiámos

de si.

Makayla olha para Kay e sorri, como quem pede perdão.

- Eu também teria desconfiado de mim. – Kay afaga o braço de

Makayla. – Está tudo bem.

Alastair olha para a porta, preocupado.

- Porque é que eles estão a demorar tanto? A enfermaria é

aqui ao lado.

Kay olha para o relógio e suspira.

- Preparem-se para irmos embora! Temos que arranjar um

esconderijo. Levem o que puderem, queimem o resto! – Kay vira as

costas. – Eu vou à procura deles.

Able segue Kay.

- Eu vou consigo! É melhor não andarmos sozinhos.

Kay aceita a companhia de Able e os dois saem, apressados.

Laura está no corredor, quando Kay e Able a chamam.

- Doutora Grant! – Kay chama, ao chegar perto da médica.

Laura sorri ao ver Kay e Able.

- Comandante, como a posso ajudar?

Able mantém o silêncio, deixando Kay e Laura falar.

- Por acaso viu a Cassia e o Ziyon?

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Laura demonstra preocupação ao ouvir o nome de Cassia e se

aperceber de que não sabem do seu paradeiro.

- Não. Não os vejo há uns dias. Está tudo bem?

Kay apercebe-se de que não deveria ter alertado Laura, sem

saber primeiro o que aconteceu realmente.

- Eu preciso de si no laboratório, por favor. O Alastair foi

baleado num ombro.

- Claro!

Apressadamente, Laura dirige-se para o laboratório, deixando

Kay e Able no corredor.

Kay olha para Able, preocupada.

- Vou partir do princípio de que eles estão desaparecidos.

Able concorda.

- Vamos procurar no edifício, Comandante. É o melhor que

temos a fazer. Não podemos confiar em ninguém.

Kay concorda de imediato com Able e, juntos, começam a

procurar Samsara de uma ponta a outra.

Num quarto escuro, um agente arrasta Cassia, inconsciente, até

uma estrutura de ferro. O quarto está praticamente vazio, à

exceção de uma velha mesa de madeira. O chão tem marcas de sangue

seco e correntes espalhadas.

Colocando Cassia estendida no chão, prende-lhe as mãos com

correntes velhas e ferrugentas, passando-as pela estrutura de

ferro. Sem grande esforço, ergue Cassia no ar, fazendo-a grunhir.

Com uma faca, que tira do seu cinto, o agente rasga a camisola

preta de Cassia, expondo o seu abdómen definido e o seu sutiã. O

agente faz tudo com gestos calmos e controlados, como se de um

ritual se tratasse.

Na parede há uma torneira, onde o homem enche um balde de

água, enquanto olha para o relógio. Cassia, suspensa no ar, está

meia inconsciente, abrindo os olhos a custo e sentindo a cabeça a

latejar.

O agente coloca o balde de água em cima da velha mesa de

madeira e, de seguida, uma mala, abrindo-a de imediato. Ligando

cabos a uma velha bateria, olha para a rapariga, presa por

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correntes e suspira. O agente coloca luvas de borracha e para em

frente a Cassia.

- Má sorte, miúda.

Num movimento rápido, atira com o balde de água a Cassia,

fazendo-a acordar.

Cassia levanta a cabeça ligeiramente, o seu cabelo a escorrer

água; o seu torso molhado. Rapidamente tenta perceber onde se

encontra, mas não tem forças para lutar contra as correntes que

fazem os seus braços latejar. Olhando para o homem, decide

rapidamente que este não lhe é familiar. Os seus olhos recaem

sobre a bateria em cima da mesa, com cabos ligados; Cassia engole

em seco de imediato e a sua respiração acelera.

O agente sorri para Cassia e pega nos cabos, que junta, para

fazer faíscas no ar, caminhando na direção da rapariga.

Alastair está sentado na cadeira, contemplativo. O seu ombro está

tratado e já não há sinais de Laura no laboratório. Makayla olha

na direção de Alastair, preocupada e toma a decisão de ir ter com

ele; no entanto, essa decisão é interrompida pelo regresso de Kay

e Able, que trazem consigo expressões de desilusão.

- Eles desapareceram. – Kay anuncia com a sua entrada.

Makayla, a meio caminho para Alastair, olha surpresa para

Kay e Able.

- Como assim desapareceram? São pessoas, não balões. –

Makayla não se conforma.

Kay para de frente à rapariga e manda os braços ao ar.

- Ao contrário do que pensa o senso-comum, as pessoas podem

apenas desaparecer. – Com as mãos na anca, Kay já não sabe que

mais fazer. – Especialmente em Quimera.

Alastair levanta-se e dirige-se a Kay, apreensivo.

- Onde raio estão eles?

Kay tenta acalmar o rapaz.

- Não sei. O Ari tinha muita gente a trabalhar com ele. É

possível que agentes de Mithras os tenham apanhado.

Kay disse o que Alastair receava desde o início. Levando as

mãos à cabeça, Alastair começa a andar de um lado para o outro,

ofegante.

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- Temos que os encontrar! – Makayla olha para o irmão, que

encolhe os ombros, desanimado.

- Primeiro temos que sair daqui. Antes que mais alguém

desapareça. – Kay pausa e cruza os braços. – Podemos procurá-los

assim que chegarmos a um esconderijo.

Alastair para e olha escandalizado para Kay.

- A minha irmã está desaparecida! Eu não vou sair daqui até

a encontrar!

- Não vamos poder ajudar a Cassia e o Ziyon se estivermos

dentro de caixões! – Kay fala autoritariamente.

Alastair sabe que a Comandante tem razão, mas recusa-se a

aceitar que Cassia poderá estar em perigo.

Able coloca-se entre Alastair e Kay.

- Para onde iriamos?

- Eu tenho um sítio. Preparem as vossas coisas; há uma coisa

que preciso de fazer primeiro. Venho-vos buscar dentro de uma

hora.

Kay espera que todos concordem antes de sair do laboratório.

Kay entra numa carrinha, estacionada na porta das traseiras da

Agência. Casualmente, procura uma música na rádio e liga o carro.

Com um ar determinado arranca pela floresta que rodeia Samsara.

Assobiando com a música que passa, abre o vidro e deixa o vento

entrar.

Na parte de trás da carrinha, o corpo de Ari está atado e

coberto com um lençol branco.

Continuando a conduzir, passa pelas árvores e deixa que o

cheiro a pinheiros emane pelo carro dentro.

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Epílogo

Cassia está cansada e deixa os seus olhos fecharem-se, apesar dos

seus músculos doridos e das queimaduras no seu torso que ardem, à

medida que as gotas de água escorrem pela sua pele. Cassia tenta

evitar todas as coisas concretas que a magoam; de outra forma não

conseguirá aguentar a tortura a que está a ser sujeita.

Tentando ficar alerta, respira fundo, controlando os enjoos

que vão e vêm; provavelmente dos choques elétricos a que o seu

corpo foi submetido pelo que lhe pareceram horas. A sua boca está

seca e os seus braços doridos, de acatarem com o seu peso suspenso.

O agente observa-a, encostado à mesa. Estava na hora da

pausa: o coração de Cassia não aguenta tantos choques seguidos.

Quando Cassia vê o homem a pegar nos cabos outra vez, sabe que o

seu descanso acabou.

- És forte, rapariga. – O agente ri-se. – A maioria dos

homens já teria desmaiado.

Cassia ignora o comentário, esperando que o homem acabasse

o trabalho.

- O que é que você quer de mim? – A voz de Cassia está rouca

e fraca.

O agente ri-se.

- Eu não quero nada, miúda. Estou só a seguir ordens. – O

homem volta a pousar os cabos, para alívio de Cassia. – Parece

que te meteste com as pessoas erradas.

Cassia atira a cabeça para trás, deixando uma lágrima

escorrer pela sua cara; cansada, deixa a sua mente divagar. Tenta

perceber como chegou àquela sala. Era um verdadeiro milagre estar

ali; estar viva e, no entanto, as condições em que se encontra

não são as melhores.

O seu pensamento é interrompido pela porta a abrir. Passado

um momento, decide olhar para a entrada, para perceber se alguém

tinha entrado ou se o agente tinha saído.

Quando vê quem está à sua frente, fica boquiaberta. Um

momento passa até que Cassia solta uma gargalhada sarcástica. Às

vezes pergunta-se se é apenas a sua má sorte, ou se o mundo está

a operar de maneiras inexplicáveis.

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- Tara… - Cassia finalmente sussurra.

- Olá, meu amor. – A rapariga, mulata, alta e de figura

esguia olha para Cassia com um sorriso aberto e bem-disposto. Os

seus intensos olhos castanhos avelã a cintilar.

Tara caminha até Cassia e acaricia a sua face, beijando-a

ternamente. Os lábios familiares de Tara, fazem Cassia voltar

atrás no tempo, esquecendo o pior. Cassia quebra o beijo,

afastando a cara.

- Senti a tua falta. – A voz doce de Tara magoa Cassia e as

suas palavras são como facas.

A fúria é visível nos olhos azuis da morena, ao olhar para

a ex-namorada, que regressa do reino dos mortos: algo que se está

a tornar irritantemente consistente com as pessoas na sua vida.

Tara sorri para Cassia e cruza os braços avaliando-a.

Cassia guardou todas as memórias de Tara, pois não esperou

que a fosse voltar a ver. Agora, ao voltar a olhar para a rapariga,

percebe que já não sabe quem ela é para si e o seu beijo é deixado

como uma ferida nos seus lábios. Tara ficará sempre como o grande

amor da sua vida e Cassia sabe que o grande amor das nossas vidas

é sempre aquele que não podemos ter.

FIM