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WU WEIA ARTE DE VIVER DO TAO

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A arte de viver bem

THEO FISCHER

WU WEI

A ARTE DE VIVER DO TAO

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Título original: WuWei Die Lebenskunst Des TaoAutor: Theo Fischer

©1992 by Theo Fischer©1999 Editora Árvore da Terra pela presente edição e tradução

em português. Todos os direitos reservados.

Editora e coordenadora: Candida de Arruda BotelhoFotografias: Ana Moraes - 8813712

Tradução: Ulrike PfeifferCapa: Nicolau Figueiredo

Revisão: LRMalta

Publicado pelaEditora Árvore da Terra Ltda

Rua Veneza, 730 - Jardim PaulistaCEP 01429-010 São Paulo SP Brasil

Tel.: 552111.8877457 - Fax: 552111.8840546email: [email protected]

São Paulo, junho de 1999

Impresso no BrasilISBN 3499191741

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A arte de viver bem

Quem na vida já passou por uma profunda criseexistencial talvez se lembre: a mudança para me-lhor iniciou-se exatamente na fase em que se pa-rou de lutar. Parar com esta luta sem sentido, vi-ver o momento, seguir o fluxo da vida – isto signifi-ca wu wei. Traduzindo textualmente significa “nãofazer nada”, “não agir”. Isto não significa de ma-neira alguma que devemos ser indolentes, indeci-sos ou indiferentes, porém wu wei significa, queem nossas decisões não devemos ir contra a nos-sa autoridade interior, o Tao. Wu wei é uma artede fazer a coisa certa no momento certo.

Este livro traz uma introdução à aplicação prá-tica da filosofia de vida do Tao.

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Existe um aprendizado que nos faz entendero que somos. A partir desta compreensão

surge uma maneira totalmentenova de entender: wu wei.

Isto significa fazer através da não interferência,deixando acontecer.

É a capacidade de deixar o fluxoda vida em poder daquele

que é a própria dimensão de nós mesmose que Lao-Tsé outrora chamou de Tao.

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Índice

Prefácio 11I. A arte de não fazer 13II. Liberte-se de seus compromissos 24III. O fenômeno atenção 29IV. Os pensamentos e o pensador 37V. A maneira de viver do Tao 44VI. Tao em vez de pensamento positivo 51VII. O diálogo interior e o I-CHING 57VIII. Nossa sociedade e o “eu” renegado 63IX. Amor e parceria 70X. A arte de desligar-se 76XI. O que é o Tao? 81XII. A espiritualidade no Tao 88XIII. Exercícios para todos os dias 95XIV. Resumo 114

Posfácio 121Bibliografia 125

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Prefácio

Prezada leitora, prezado leitor,

Não espere encontrar neste livro uma retrospectivahistórica da origem do taoísmo. Diz-se que se originou naChina e ainda hoje é encontrado com grande parte de suasubstância no zen-budismo japonês. Entretanto, não maisem sua forma original e descomplicada. Caso você se in-teresse pela história de Tao você pode encontrá-la nasobras de diversos autores (indicadas no anexo). A tradu-ção dos textos de Lao-tsé e Dschuang Dsi oferece umagrande quantidade de conhecimentos sobre o significadoe conteúdo espiritual do Tao. Nos próximos capítulosquero passar para vocês a essência de Tao, ou seja, aprática de viver. Bem ou mal terei de ferir um tabu aoqual todos os mestres de Tao se ativeram relatar sobre autilidade ligada a uma vida no espírito do Tao. Esta re-serva pode ser o principal motivo para que esta sabedoriaoriental milenar ainda não tenha ingressado em nossocotidiano. Por outro lado, ocultar a grande utilidade des-ta forma de vida como que tem como motivo o problemade que deve-se seguir esta filosofia sem um motivo - sema expectativa de uma recompensa, ela deve funcionar.Esta é a única, ou seja, uma das poucas condições queestão relacionadas com o sucesso. Não é necessário ne-nhuma crença, não se exige nenhuma religião. Tao é amais pura sabedoria de vida. Se eu tentasse resumida-mente definir Tao, eu o formularia da seguinte maneira:

“Tao é uma dimensão sua e minha. Ela não é acessívelao pensamento, mas pode ser vivida e realizada por nós.”

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I.A arte de não fazer

Nossa atual existência está ligada a uma série decondições. Parece que somos livres, mas no fundo senti-mos que esta liberdade é um sofisma e que estamos li-gados em todos os pontos e cantos: às regras de jogo dasociedade, ao preconceito de nossa raça, nação ou graude instrução ao qual pertencemos. Talvez nos liguemosa um parceiro, ou estejamos profissionalmente ou reli-giosamente ligados a alguma forma. Há milênios o coti-diano está repleto de dificuldades, preocupações, neces-sidades, doenças e miséria. Mesmo lá, onde o mundoparece estar em ordem, existem problemas. Apesar doraio de sol temporário em nossa vida, em regra, os pro-blemas dominam. E se alguém se aproximasse de vocêcom a ousada afirmação de que você pode afastar todasas dificuldades e momentos difíceis da vida apenas apren-dendo a viver exclusivamente o presente e enxergar osseus problemas atentamente? Espontaneamente vocêdiria que isto é bobagem, considerando esta pessoa forada realidade. Considerando-a fora da realidade você emparte teria razão. Isto é considerá-la fora da sua realida-de, pois aquilo que você considera realidade não temrelação nenhuma com a realidade objetiva. Nossa vida

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se passa conforme um modelo de pensamento criadopor nós, no qual se manifestam as nossas realizaçõesou experiências aprendidas. Cada fenômeno ao nossoredor é comparado e analisado conforme o ponto de vis-ta deste modelo de pensamento. Só quando você com-preender que esta sua forma de avaliar o mundo e a suaexistência é totalmente parcial e falsa: - você será capazde absorver a grande sabedoria da vida no fluxo de Tao.O que isto significa na prática será explicadodetalhadamente em seguida. Em regra, soluções geniaisseduzem pela sua simplicidade. A solução proposta paratodos os nossos problemas de vida parece ser muito sim-ples, de maneira que parece não haver nem energia, nemefeito por trás disto, mas esta impressão engana. O queé bonito no Tao é que você não precisa acreditar em nada,não há exercícios obscuros prescritos, não há regrasmorais severas para alcançar o sucesso, mas vive-se oTao e você pode sentir o efeito mais forte da maneiramais simples – tentando.

Permita-me voltar rapidamente ao chinês: WU WEI.Estas duas sílabas contêm todo o segredo da arte deviver do Tao. Traduzindo textualmente significa “não fazernada”, “não agir”. Aqui de maneira alguma se diz quedevemos ser indolentes, indecisos ou indiferentes. É di-fícil definir em poucas palavras a sutileza do wu wei. Nosentido mais profundo, wu wei quer dizer que em nos-sas decisões não devemos fazer nada contra nossa auto-ridade interior, o Tao. Procuremos enfrentar os desafiosda nossa vida com os escassos recursos de nosso inte-lecto, da nossa experiência. Desta forma nós interferi-mos em forças inacessíveis ao nosso pensamento, aque-las que não só resolvem nossos problemas da melhorforma, mas que também estão em condições de resolvê-los de outra maneira. Se conseguíssemos aprender apraticar o wu wei pararíamos imediatamente de meditarsobre os nossos problemas, de analisá-los e procurarsoluções. É totalmente suficiente enxergarmos o proble-ma sem refletir sobre ele, sem analisá-lo. O resto pode-

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mos deixar tranqüilamente por conta do Tao. Na medidaem que nossa interferência se torne necessária, perce-beremos o impulso de ação através de uma forte intui-ção. Sendo que a palavra intuição, como normalmente ainterpretamos, só faz uma descrição insuficiente do fato,pois trata-se muito mais de um diálogo interior que setorna hábito a aquele que aprendeu a viver no espíritode Tao. O exemplo que darei aqui também só terá senti-do quando a vida for vivida em sua totalidade. Para do-minar esta vida não se exige nenhuma capacidade quenão exista em nós. Aliás, a maioria das pessoasdesaprendeu a lidar com uma ou outra destas capacida-des. Nenhuma das atitudes que eu lhe mostrar no de-correr deste livro exige força; estas capacidades desen-volvem-se com uma facilidade indescritível se forem apli-cadas corretamente. Essa facilidade é a expressão deuma energia extraordinária que existe latente dentro decada um de nós. Se você seguir corretamente os conse-lhos dados e constatar que requer esforço, então é umsinal seguro de que você está fazendo algo errado. Emseguida nos ocuparemos com pensamentos, com cons-ciência, com presente, passado e futuro, sendo que des-de já quero mencionar que o Tao só pode ser vivido erealizado no presente, ou seja, no instante. Talvez estaseja a única tarefa difícil para você, isto é, não ficar va-gando com a sua mente nem no passado nem no futuro,porém sempre e constantemente permanecer no aqui eagora.

Não é difícil apenas por causa do nosso costume deestar com o pensamento em todos os lugares, menos nomomento imediato, mas muito difícil porque nosso coti-diano não nos parece suficientemente satisfatório paradesejarmos enxergá-lo e vivê-lo intensamente. Tambémnão conseguimos controlar os momentos que queremosmanter e viver intensivamente, pois nos trazem alegriaou prazer. Quero, através de uma anedota, mostrar avocê como fazemos para viver o presente: um ônibuscom turistas está passando por uma linda paisagem cam-

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pestre. Todos estão com as máquinas fotográficas dian-te dos olhos e fotografam para registrar aquela imagem.Apenas um único turista está sentado tranqüilo olhan-do pela janela. Eles perguntam: “Por que você não estáfotografando? ” Ele responde: “Eu vou apreciar a paisa-gem agora mesmo”. Veja como a maioria dos seres hu-manos vive igual a estes turistas. Entre nós e a realida-de, e vivê-la mesmo, estão os nossos pensamentos, as-sim como as fotografias nesta anedota. Nós estamos coma mente se movimentando constantemente, nosso pen-samento se ocupa com acontecimentos passados ou fu-turos, uma alegria antecipada orienta nossa visão ou omedo de certos acontecimentos, ou espreitamos comesperança. Mas não aproveitamos aquele momento queestamos vivendo. Estamos mentalmente muito ocupa-dos com todo tipo de bobagem para que possamos nosocupar ainda com a realidade. Afinal de contas essa re-alidade não se perde, nosso cérebro registrou estas ce-nas para sempre em nossa memória como as máquinasfotográficas. E se realmente olharmos por acaso para omomento, para o presente, também não conseguiremosvê-lo diretamente, de maneira que registramos uma cena,e ela imediatamente segue para a nossa consciência.

Antes de termos consciência de um acontecimento,ele passa, como de costume, por um processo de racio-cínio. No pensamento nossa mente testa antes, se nacena registrada se nota alguma coisa semelhante a ex-periências anteriores, depois ela busca no arquivo damemória o nome encontrado para este fenômeno e colo-ca esta etiqueta na cena – somente depois que tudo istode feito é que nossa compreensão permite que nossaconsciência tome conhecimento deste acontecimento.Você pode notar que mesmo vivido espontaneamente,este acontecimento ocorre em segunda instância. A men-te humana nunca permite às impressões dos sentidosseguirem diretamente à consciência (sendo que não queroatingir uma definição especial quando digo “mente”, com

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“mente” quero simplesmente expressar nossa pessoa,nosso ego, nosso “eu”).

E isto não precisa ser assim. Este não é o nossodestino irrevogável, ter de nos desviarmos, desviar-sedurante toda a vida do momento presente, da realidade.A rigor, é um vício que temos, pois ninguém nos ensinoucomo fazê-lo corretamente. Wu wei exige a presença deespírito no momento presente, as forças que modificamas coisas para o bem podem ser ineficazes sem a nossaação. Enquanto não olharmos diretamente de frente astristezas de nosso cotidiano, não se modificará nada atra-vés do Tao. Porém, se conseguirmos contemplar nossaexistência de forma tão sensata e realista como ela real-mente é, sem esquivar-nos de nenhum reconhecimento– por mais desagradável que seja , então não será neces-sário permanecer por muito tempo neste estado cinzen-to. Como que, por um comando à distância , em seguidasua vida será dominada por energias com as quais,vocênem ousaria sonhar.

Sobre a maneira de conseguí-lo – refiro-me aqui àtécnica – você terá muitos detalhes nos próximos capí-tulos, quando tratarmos da estrutura do pensamento eda personalidade do pensador. Aqui eu gostaria de lhedar, inicialmente, uma idéia mais geral sobre o assunto.Mas neste ponto já podemos registrar um princípio: ospensamentos resultam sempre da comparação com ele-mentos da memória, da lembrança; eles pertencem, porconseguinte, em princípio do passado, independentemen-te daquilo de que tratam. As idéias e as perspectivas defuturo também se baseiam em experiências do passado.Porém o Tao, esta nossa dimensão independente de to-dos os tempos, só existe no presente, neste pequeníssimoespaço de tempo entre o passado e o futuro. O efeitoconjunto destas forças ocorre aqui e agora, nunca antesou depois. Isto significa que o pensamento sempre nostira do presente e nos conduz ao passado, mesmo sendopor frações de segundos, quando interpretamos um acon-tecimento imediato em vez de vivê-lo diretamente. Isto

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não quer dizer que o pensamento deve ser eliminado.Ele tem seu espaço onde é útil e necessário. Mas averbalidade ininterrupta de nosso espírito é um sérioobstáculo para a vida no presente absoluto. Não faz sen-tido tentarmos dominar esta corrente reprimindo todosos pensamentos. Tal procedimento é extremamente can-sativo e, além disso, totalmente inútil. Nós somente mu-daríamos a previsão. O processo de desligar o pensa-mento é justamente igual a um processo de pensamen-to. Quem tenta viver o aqui e o agora desta maneira estáenganando a si mesmo e gastando energia inutilmente.Mesmo assim não desanime. Esta coisa, na verdade, ébem fácil – pressupondo a disposição da pessoa. Aquitambém não são necessários desempenhos recordes, poisviver no presente sem perder-se em pensamentos não énenhuma disciplina olímpica. Inclusive no Tao, os em-penhos para alcançar algo não são considerados. É bomnão ter um objetivo, ser ambicioso, nenhum motivo. Oesforço humano, para de alguma maneira, sempre sermelhor do que os outros ou que nós mesmos, no estadopresente é ridículo. Acreditamos que toda pessoa na ver-dade é bem mais do que poderia se tornar um dia. Oestado completo da vida em wu wei é visto no zen-bu-dismo como uma inspiração, uma realização de Buda. Apercepção direta e atenta dos acontecimentos imediatosé chamada de “consciência” sem domicílio ou o espíritosem domicílio. Com esta consciência ou espírito a forçacriadora já foi incluída na vida do praticante. Assim queobsevarmos alguns segundos atentamente o nosso am-biente e os acontecimentos ao nosso redor entramos emcontato com esta energia estranha. E é essa que modifi-ca nosso cotidiano, nossa vida inteira, se confiarmosplenamente nela. É como na brincadeira que fazíamosde vez em quando na infância e na juventude: abrem-seos braços, fecham-se os olhos e deixamo-nos cair nosbraços de um amigo que está atrás nós. Esta brincadei-ra nem é tão fácil, é uma sensação desagradável deixar-se cair no incerto, mesmo sabendo que há alguém atrás

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de nós que nos segurará. A experiência do espírito semdomicílio tem a mesma importância que a capacidadede observar naturalmente, não partindo de nenhum cen-tro interior - simplesmente observar, por exemplo, umpassarinho na janela ou o gato do vizinho. Assim queesta observação estiver livre de pensamentos ela seráidêntica ao efeito do Tao. Isto tudo soa estranho e semlógica. Bem, lógico não é. Mas será que só está corretoaquilo que é lógico? A realidade objetiva de nossa exis-tência é mais paradoxal do que lógica. A lógica é umamuleta que a razão humana arrumou para não se de-sesperar com as coisas reais. A lógica é compreensível etudo que conseguimos através dela nos dá segurança,não é?

Permanecer realmente com o espírito no presente,observar atentemente os acontecimentos, registrá-lossem análise, seria o primeiro passo para a realização doTao na nossa vida. Deixar os acontecimentos seguiremo seu fluxo sem resistir, apenas observá-los, isto é agirna não-ação, isto é wu wei. Quando você aprender apassar seus dias assim, sua vida será como nos melho-res tempos de sua infância: sem preocupações, sem con-flitos, esquecendo ontem, não sabendo nada de ama-nhã, permanecer apenas no hoje repleto de felicidade eserenidade. Isto é arte de viver, isto é viver no espíritoTao. Qual é a distância desta idéia do quadro de suaatual existência sofrida? Ao contrário de todas as outraspregações e afirmações, alcançar a mudança em sua vida,alcançar este estado tão positivo, não é de maneira al-guma uma questão de tempo. É apenas uma questão decomo você irá proceder para se libertar de imagens comas quais tem afinidade.

O segundo (e único) passo adicional é a necessidadede se libertar interiormente de todos os compromissos,de todo tipo de autoridade, indiferentemente de elas sur-girem do exterior ou de sua própria imagem, de padrõesde pensamentos enraizados, compromissos religiosos,etc. Este segundo passo pode facilitar muito a vida no

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presente. A necessidade de libertação de compromissosnão significa que você tenha de abrir mão dos prazeresda vida, de propriedades, ou de seu parceiro. Na verda-de, não há um único processo em nossa vida que sejaproblemático. Nem a espiritualidade, nem a meditação,nem o bem-estar, nem o desejo das comodidades da exis-tência. O problema é o “apego”, como dizem os chineses.Não são os prazeres da vida que nos afastam do Tao,porém apenas o compromisso interior com eles. Por ou-tro lado, seria totalmente inútil a autotortura neste ins-tante se você dissesse: “Bem, a partir de agora queroestar livre de qualquer apego”, e se você tentasse sugerirpara si esta liberdade até conseguir um tipo de sensa-ção de liberdade. Infelizmente, não é tão fácil. Talvez pos-samos iludir pessoas com tais medidas, mas não pode-mos enganar o Tao. Tal processo seria muito estafante enão daria certo, pois novamente uma imagem de pensa-mento foi apenas substituída por outro modelo tão com-prometedor quanto o primeiro. Você teria apenas exorci-zado o diabo. Existem caminhos mais fáceis para co-nhecer a verdade sobre os seus compromissos eengajamentos. Se você observar persistentemente e semuma postura interior as suas reações diante dos aconte-cimentos da vida - isto é, no momento em que ocorrem,você logo perceberá o tipo e a dimensão de seu compro-misso. Esta observação já é meditação que não está li-gada a nenhuma forma externa e a nenhum ritmo detempo. Essa meditação sempre ocorre quando os acon-tecimentos a tornam necessária. Assim esta forma demeditação permanece sempre viva, nunca cai na rotinaou adormece a mente. Tão logo o reconhecimento de seusdiversos compromissos estiver profundamente vivo emvocê, muito além da compreensão intelectual do seu es-tado, você constatará que esses compromissos perderãopor si mesmo o poder sobre você. Como num passe demágica os cordões com seus vínculos estarão rompidos.Naturalmente, tudo isso depende da vontade interior dese libertar de seus diversos apêndices e não procurar

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secretamente prender-se a um ou outro como anterior-mente.

Nesta ruptura de todas ligações e compromissosexiste um outro problema: a questão da segurança pes-soal. Enquanto você estiver ligado a qualquer tipo deinstituição, ideologia ou organização você obtém a segu-rança por meio dela. Você se sente integrado na socieda-de e a sua adaptação à sua ordem e regras de jogo lheproporciona uma sensação de proteção. Você encontraapoio em seu parceiro, na sua profissão, nos seus cos-tumes cotidianos e habituais. Tudo isto proporciona umaaparente segurança, de que as pessoas necessitam, po-rém é a única coisa que adoça um pouco a miséria daenorme falta de liberdade interior da humanidade. Sen-do esta liberdade absolutamente ilusória, ela é relativa;na verdade, ela existe apenas como imaginação intelec-tual ou emocional, é um calmante com efeito contínuo.Porém este efeito contínuo não perdura até a morte. Emalgum momento, mais cedo ou mais tarde, todos sãoobrigados a encarar a verdade de frente. Pois uma cons-trução mental de segurança não existe, e quando a vidanos apresenta desafios sérios e a estrutura de seguran-ça ao nosso redor se desfaz, então ficamos nus comouma concha cujo invólucro desapareceu. A pessoa à qualisto acontece – e acontece diariamente no mundo todo –deve reconhecer que fez uma construção sobre areia.Sente que perdeu todos os apoios e pontos de orienta-ção. Mas geralmente é neste momento que ela vive umaexperiência que a maioria de nós nem consegue inter-pretar. Se você na vida já passou por uma crise profun-da que chegou até aos fundamentos de sua existência,então você lembrará que a mudança para melhor ocor-reu justamente naquela fase em que se entregou porestar muito exausto para continuar a lutar. Naquela épo-ca você simplesmente experimentou a mão do Tao, poisela surge com força em nossa vida naquele momento emque tiramos a mão do leme, quando desistimos. Assimesta enorme força estranha pode tornar-se eficaz, e pre-

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cisamente com uma inteligência que opera muito alémdo pensamento. Nossos problemas existenciais solucio-nam-se de uma forma que depende de uma sabedoriatão profunda que a nossa razão não a possui. Aqui vocêpode perceber como é insensato prender-se a estas se-guranças aparentes que o cotidiano nos oferece.

Quem se dedicar à arte de viver do Tao, prescrever asi mesmo a ação intuitiva e entregar-se à segurança daprópria autoridade interna, futuramente enxergará a vidae o seu cotidiano com outros olhos. Este comportamen-to espiritual é a verdadeira segurança, mas, curiosamen-te, o pensamento em segurança perde a sua grande im-portância uma vez que aprendemos a deixar nossa vidapor conta do fluxo do Tao. Pois o fluxo da vida é idênticoao Tao, assim como nós também somos idênticos a ele.A partir do momento em que você perceber isto não serámais necessário lutar e esgotar-se; ocupar-se dia e noi-te com as suas preocupações e necessidades, e percebe-rá que sua vida consiste na mistura de poucas alegrias emuitos problemas. Você pode riscar qualquer tipo deobjetivo de seu pensamento pois se você seguir atenta-mente aqui e agora o decurso da vida, este o levará atodo local desejado, a todo objetivo, antes mesmo quevocê possa imaginá-lo. Sim, é indispensável que vocêdesista de seus motivos, seu próprio esforço, seus dese-jos de ser algo que ainda não é. Você precisa aprender anão fazer mais nada, a observar e ser atento. Esta é averdadeira forma da ação inteligente. “Ele” agirá por vocêmelhor do que a sua razão conseguirá. Uma pessoa querealmente entender esta verdade viverá além de seu meioespiritual. Isso significa, antes de mais nada não estarligado a nenhuma direção. Assim você poderá, a partir ea retornar ao seu centro. Centro que não deve ser com-preendido como um lugar: muito pelo contrário, por maisestranho que soe, tal centro tem dimensões universaiscósmicas e não está ligado a um local na altura de seuplexo (entrelaçamento de nervos vegetativos), do seucoração, ou da sua barriga. Uma pessoa que vive além

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do seu centro, pode estar repleta de muita espiritualidadee sempre entregar-se-á alegre e serenamente a todo tipode prazer físico. Depois de ter acabado ele volta ao seucentro sem que nenhum sinal deste acontecimento man-tenha o seu espírito preso. Esta é a expressão da verda-deira liberdade. Todas as tentativas de orientar as pes-soas unilateralmente, por exemplo, indicando-lhes umavida religiosa severa, e colocando-lhes todo prazer devida como pecado e proibindo-os, tornam qualquer pes-soa incapaz de viver além do centro. Ela está parcial-mente atrofiada. E aqueles que lhe indicaram esta ma-neira de vida como necessária não são nem um poucomelhores. Neste caso, loucos são orientados por loucos.

Deixe-me resumir o que foi colocado até agora: o Taonão é um caminho, mas é o passo para si próprio e paraa própria autoridade interna. Wu wei significa não que-rer agir por si, mas deixar a ação e a decisão para estaautoridade mencionada. Além da disposição de tirar amão do leme de nossa vida existe a necessidade de vol-tarmos a nossa razão cada vez mais para o presente. Namesma proporção em que nós – ao invés de constante-mente circularmos nossos pensamentos pelo passado epelo futuro – observarmos o nosso cotidiano, lhe dar-mos total atenção, nossa vida e nossa visão de vidamudarão. Neste caso não se exige nenhuma perfeiçãoolímpica. Aqui vale viver o aqui e o agora, no momento ecom segurança. A liberdade de opinião e de qualquerligação completa o quadro de uma nova forma de vida.Tal liberdade pode ser alcançada por qualquer pessoadesde que se mantenha dentro dos conselhos dados.

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II.Liberte-se de seus compromissos

Há milênios a estrutura da sociedade é sempredirigida por um pequeno grupo de poderosos, indepen-dente do tipo de governo que tal sociedade aceitou. Eeste grupo governante dita ao povo o que é bom para ele,ou seja, o povo deve aceitar o que beneficia os podero-sos. Em nossa época podemos considerar a globalizaçãofinanceira como o poder. Este grupo rege o quadro quemarca a nossa sociedade. Atualmente podemos votarpara escolher nosso governo, mas a rigor a escolha nãoé muito grande, pois temos apenas a escolha entre mui-to poucas ideologias que, em princípio, são muito seme-lhantes e que, juntas, no fundo, de alguma maneira es-tão no fluxo do grupo governante. Além disso, por fim,quem governa é um partido que é bem visto no máximopela metade dos eleitores. Isto significa que pelo menosa outra metade dos cidadãos de uma democracia ficoupara trás apesar da liberdade dominante na formaçãode seu governo. E lá onde realmente se estabelece o po-der duradouro, nas grandes indústrias, nos bancos eseguradoras com suas multiparticipações, que impõemtodo o sistema financeiro apesar de todas as leisanticartéis – estes não são eleitos por ninguém. Eles sim-plesmente existem, eles decidem, independente da

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legislatura, do destino e da prosperidade da nação. Par-tindo de lá é formada a opinião pública; devemos procu-rar lá a origem e o motivo da natureza do quadro dasociedade. Cada indivíduo, você ou eu mesmo, orienta-se nesta ordem desde a infância. Nós estamos de tal for-ma presos a decisões, ordens e leis que não temos maisconsciência de como nos conduzem por toda parte. Nuncavivemos uma vida sem regras. No início os pais cuida-vam para que o filho se tornasse um membro adaptadoà sociedade sob o ponto de vista deles, depois vinha aescola, a formação profissional ou o estudo na faculda-de. Aqui o jovem também foi forçado a uma formaçãovoltada à adaptação ao atual princípio dominante. Apósiniciar-se na vida profissional, seja autônoma ouempregatícia, o então adulto constatava com toda clare-za como a sua prosperidade dependia da hierarquia dasociedade. Ao invés de evadir-se desesperadamente destalimitação e da constante pressão, a humanidade encon-trou um outro caminho de fuga: reprimir os conteúdos eas experiências conscientemente insuportáveis para oinconsciente. Eu não estou exagerando quando afirmo –e sei que a maioria dos sociólogos e psicólogos são damesma opinião – que a nossa consciência acessível ànossa lembrança é filtrada de tal forma de maneira quenela não fique registrada nenhuma experiência que nãoesteja em conformidade com as regras de jogo válidas dasociedade. Tão amplamente age o mecanismo de repres-são, o órgão de controle de nosso mecanismo deautoconservação! Por isto hoje, nas condições de nossoespírito, somos incapazes de perceber a verdade comoela realmente é. O que consideramos a verdade são ape-nas frações da realidade. Imagens do nosso pensamen-to, ainda por cima distorcidos pela ótica do nosso pre-conceito. Todos os nossos sentidos são controlados diaa dia; suas percepções são filtradas e peneiradas, nadade novo, desconhecido, pode chegar à consciência. Estemecanismo cuida muito bem para que nenhum novoconhecimento, por meio de alguma observação, penetre

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em nós. Tudo é cuidadosamente desviado para o incons-ciente onde a sua existência inconveniente fica junta-mente com outras experiências traumáticas da épocada pré-infância. Nunca somos capazes de ver mais e alémdaquilo que aprendemos. Só isto podemos aceitar emnossa parcialidade, e é assim que nos orientamos e or-ganizamos com base nisso, a nossa vida. Assim nossoespírito e as nossas lembranças estão em boas condi-ções. E a isto o nosso pensamento se remete constante-mente. Desta maneira absorvemos uma imagem muitocensurada da realidade.

Um outro caminho de fuga da realidade é a afiliaçãoa organizações e a comunidades religiosas incluindo osdiversos grupos com filosofia de vida própria (e dos em-presários espertos que vivem na onda da Nova Era). Já aconsciência de estar integrado na sociedade e de pos-suir um Id na mesma, nos proporciona uma sensaçãode segurança. As verdades impopulares estão todas bemguardadas no inconsciente. Para isto a afiliação a umacomunidade, seja ela ativa ou passiva, oferece uma boagarantia complementar para manter-se a posiçãoalcançada. Fecha-se os olhos para o horror ao nossoredor, para o quadro mundial escasso, para a loucuraque acontece no próprio país, a Alemanha (no qual, porexemplo, não se proíbem alimentos contaminados, po-rém de tempo em tempo se aumenta o limite máximo deaplicação de produtos tóxicos!). A proteção, aparente,que estas organizações e instituições oferecem, é pagapor nós através do reconhecimento de sua autoridade epossivelmente por organizarmos nossas vidas aparen-tes conforme suas normas, e interiormente por suas te-ses. Da falta de liberdade elementar que cada pessoavive, em conseqüência à sua adaptação à sociedade,nasce uma outra, pois nós, seres humanos, simplesmen-te não conseguimos entender que existem coisas quenão têm preço. Já que nos deixamos condicionar acredi-tamos ter adquirido mais segurança na sociedade. Nósfazemos aquilo e acreditamos naquilo que os outros tam-

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bém acreditam e fazem, e achamos isto correto. E se umdia o destino atuar e entrarmos em verdadeiros apurosvamos constatar que em lugar nenhum existe a verda-deira segurança, mesmo estando desesperadamente embusca dela. Para tornar-se livre, para uma vida no mo-mento presente, é necessário romper com todas os com-promissos deste tipo. Não podemos aceitar nenhuma au-toridade, ninguém que nos diga como devemos ser ounos tornar. Para conseguirmos nos libertar de autorida-des externas, é necessário nossa disposição. Apenas esta.Não é necessário uma briga intelectual com uma idéianova, com a decisão de livrar-se, à força, de coisas quenos prendem atualmente. Para muitas coisas, nem énecessário um passo espetacular para um rompimentoexterno – isto, geralmente, não é necessário. Importanteé a nossa posição interior em relação à autoridade. Te-mos de entender que a vida pode ser diferente daquiloque pensávamos até agora. O passo para a liberdadeinterior, inicia-se com o reconhecimento de nossos com-promissos, e é necessário observá-los até poder identifi-car seus perigos. Este processo já é suficiente. Com anossa atenção, que não deve ser perturbada por pensa-mentos, estes compromissos perdem a sua influênciasobre nós. Nós nos tornamos livres e desprendidos. Emhipótese nenhuma você deve analisar seus compromis-sos baseado nas suas análises intelectuais. Se fizer isto,não faz mal, mas também não terá vantagens. O quepode acontecer é você confundir esta análise com a ob-servação e se admirar porque estes compromissos quedesfizemos tão conscienciosamente ainda existem e li-mitam. Aliás, eu quero dizer que você alcançará maisfacilmente a nova maneira de viver, de realmente estarpresente aqui e agora, se esquecer qualquer tipo de co-nhecimento. Tudo aquilo que você aprendeu até o mo-mento atual não serve para a prática de vida do Tao. Oconhecimento pode ajudá-lo na profissão ou quando vocêquer pregar um prego na parede. Mas para o seu desen-volvimento espiritual ele só estará atrapalhando. Você

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deve realmente olhar para a sua vida com olhos inocen-tes, com os olhos ingênuos de uma criança. Então per-ceberá que as coisas mudam, que os seus dias trans-correrão de maneira diferente. Você estará incorporadoa um processo que por si fará com grande inteligênciaaquilo que é o correto para você. Você de maneira algu-ma perde a sua própria vontade, mas a sua ação serámais sábia pois você tomará as decisões corretas diantedos desafios do cotidiano e em situações excepcionais.

Então fique sabendo: é necessário descobrir todas assombras de seus compromissos, observá-las, dar aten-ção a elas, até que você tenha compreendido profunda-mente a extensão de seu aprisionamento. Só prestar aten-ção, já traz mudanças. Como em todo processo, é condi-ção que você faça as suas observações exclusivamente nopresente. Não é importante como você era ontem ou quaiscompromissos o incomodavam antes, o importante eessessial é o seu estado atual. Este estado você devepercebê-lo. E esta percepção no presente já é o passo paraa mudança, para a qual, você não precisa mais se esfor-çar. Sua verdadeira vontade, sua disposição, seu desejoveemente de se tornar livre já são suficientes.

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III.O fenômeno atenção

Na poesia e na pintura da China antiga o Tao tem umpapel importante. Os poetas mencionam, que se transfe-rem a um estado de ausência total de pensamentos quan-do criam as suas obras. Chang Chung-yuan escreve: “Domundo da inconsciência ascendem para a consciência asestruturas de sua poesia”. Neste estado de ausência dointelecto eles viviam plenamente o ser do Tao. E quando,hoje, após tanto tempo, lermos as suas poesias é impos-sível uma pessoa sensível esquivar-se deste encanto,mesmo tratando-se de uma tradução onde a diversidadeda linguagem de símbolos chineses foi forçosamente li-mitada pela inevitável interpretação do tradutor.

A ausência de pensamentos está relacionada tam-bém com o importante instrumento descrito nos capítu-los anteriores, que está à nossa disposição para domi-narmos a vida: a atenção. Estou utilizando aqui umaexpressão da linguagem do cotidiano, pois ela é a quemais se aproxima deste fenômeno, entretanto semabrangê-lo completamente. Esta atenção não é algo quepodemos simplesmente conseguir, como por exemplo, aconcentração. A concentração é relativamente cansati-va, pois exige forças espirituais, temos de juntar nossocérebro e nossos sentidos para conseguirmos nos fixar

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no objeto da concentração. A concentração volta-se paraum determinado ponto e parte do cérebro. É um proces-so do pensamento e por isto material, já que todo tipo depensamento é matéria, como em seguida ainda vou lhesesclarecer. A atenção não tem nada a ver com o pensa-mento. Muito pelo contrário. Os pensamentos semprefalsificam a concentração, eles sem querer a transfor-mam em alguma outra coisa que é muito semelhante àconcentração. Eu já disse anteriormente que a atençãoexpressa mais do que esta palavra de nossa linguagem.Na verdade, não existe nenhum conceito em nossa lín-gua para este instrumento poderoso de nosso espírito,para este ponto tão próximo a dimensões estranhas, quefaça jus ao seu efeito. Por isso, bem ou mal teremos deutilizar a expressão “atenção”. Como eu já disse, não seconsegue simplesmente a “atenção”. Isto é certo. A aten-ção surge por si própria quando determinadas condi-ções são preenchidas. Uma das condições eu a descrevino segundo capítulo: é a libertação de qualquer compro-misso interior ou exterior, a libertação de autoridade.Nós a alcançamos através da observação detalhada denossos diversos compromissos, e a partir daí a liberda-de surge por si. Observar é a segunda condição para quea atenção entre em nossa vida. Nosso espírito, em nossocérebro em seu atual estado preguiçosos, indolente, in-sensíveis. Nossos pensamentos se movimentam cons-tantemente em círculo, ruminando sempre acontecimen-tos sem importância ou aparentemente importantes. Ospensamentos não param nenhum segundo, e não co-nhecemos outro estado que não aquele mecanismo depensamento totalmente desnecessário e corriqueiro.

Observar não é um processo intelectual. Na verda-de, é uma coisa muito simples: nós notamos algo, talvezuma borboleta ou uma nuvem com um formato interes-sante, e olhamos para ela. Nada mais. Isto seria obser-var. Parece muito fácil. Mas vou lhe dizer o que realmen-te fazemos. Não é verdade que simplesmente olhamospara ela: infelizmente apenas acreditamos nisto. Quan-

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do repentinamente surge uma linda borboleta diante denossos olhos, isto ocorre durante o processo habitualdos nossos pensamentos corriqueiros. O estímulo donosso sentido chega ao nosso cérebro. Neste meio tem-po (exagerando um pouco) a borboleta se afastou umtanto de nós e desapareceu de nossa visão para trás deuma árvore. Somente com esta demora a nossa mentereage. O cérebro assume a projeção da retina de nossosolhos, procura em nossa lembrança se existem imagenssemelhantes a esta, compara-as, procura na seção devocabulário o conceito, também compara este conceitocom a imagem e reconhece: Ah! Uma borboleta! Somen-te agora o seu consciente recebe a informação de quevocê viu uma borboleta bonita. Aqui não se pode falar devida espontânea, direta. Como já disse, caricaturei umpouco a coisa para esclarecer melhor, mas continua exis-tindo o fato de que mesmo este processo comparativo depensamentos ocorrendo em fração de segundos, tão rá-pido que nem registramos, pensamos que o nosso mo-mento com a borboleta que “observamos” é imediato.Perdemos a capacidade de olhar para alguma coisa aonosso redor sem colocar nossos pensamentos a funcio-nar. Este problema deve ser solucionado para que hajaperspectivas da entrada de atenção em nossa vida.

Quando no primeiro capítulo descrevi como os pro-blemas são solucionados, isto é, apenas através destaobservação, isto deve ter-lhe parecido muito simples. Euacredito que aos poucos fica claro que a coisa não é tãosimples assim. A ação é e continua sendo relativamentefácil. O que complica a história é nosso terrível costumede pensar. Não sabemos ser diferentes, temos de exami-nar e analisar tudo. Este comportamento está tão arrai-gado em nós que nem percebemos mais este mecanis-mo. Operamos grotescamente com esta forma de exami-nar as coisas afastando-nos da realidade da mesmamaneira que os turistas no ônibus que fotografam emvez de olhar. O que observamos em nossa forma habitu-al não é a realidade, porém a lembrança que temos dela.

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Vivemos os acontecimentos ao nosso redor sempre nopassado pois nos tornamos incapazes de olhar e obser-var no presente.

Nós temos de reaprender a simplesmente contem-plar coisas sem compará-las com as nossas lembrançasou identificá-las com etiquetas. Tente uma vez, olhe aoseu redor, observe a mosca na vidraça ou a cortina, ecomo o vento brinca com ela. Contemple sem acompa-nhar este processo com os seus pensamentos. É difícil,não é? Não é fácil livrar-se de vícios que penetraram emnossa vida desde o início, pelos quais ninguém nos cha-mou atenção, pois todos estão presos aos mesmos cos-tumes e não os consideram erros. Mas é possível. Damesma forma que se habituou a observar as coisas damaneira atual, você pode adaptar-se a esta nova manei-ra de – agora realmente – contemplar e observar espon-taneamente. Aprenda e acostume-se a observar tudo comolhos cândidos, seja no cotidiano cinzento ou em pas-seios, não analise os acontecimentos, não comente, nãopense “montanha” quando vir uma montanha, apenasolhe para ela, nada mais. E principalmente: não se con-traia, não fique pensando: “eu tenho de observar, nãoposso pensar”. Caso você começasse desta maneira, te-ria se afastado de outra forma das coisas observadascomo se desde o início tivesse continuado no seu antigométodo.

Observar é um processo que ocorre de forma bemdescontraída, não exige esforço e nem outro trabalhomental. Se você não conseguir logo apenas observar, nãose trave. É preferível que você continue ainda um tempoem sua antiga forma de vida – afinal, você a praticoudurante muito tempo e alguns dias a mais não farãodiferença. Pois se conseguir de repente de maneiradescontraída e não forçada, sem desejo de mudança oumelhora, sem ambição, tornar-se outra pessoa, alcan-çar este objetivo, você o conseguirá de mãos beijadas.No início eu já havia dito que observar é o segundo pas-so neste processo de vida no Tao. Você deve anterior-

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mente ter procurado, paralelamente, esta libertação dequalquer tipo de compromisso. Quando esta liberdade éeficaz, a sua mente já reage mais facilmente a tudo. As-sim que você se libertar de todas estas cargas, deixarpor conta do Tao desembaraçar as coisas, e apenas vi-ver o aqui e o agora, só haverá pouco material para o seupensamento se ocupar. A tranqüilidade tomará conta desua alma e de sua mente. O passado não estará preso avocê e o futuro perde aquilo que assusta e é incerto. Poislogo você perceberá por experiência própria (para umapessoa do Tao não há nada que acreditar – ela apenasvive) que todos os seus assuntos estão bem resolvidos.

Como observadores nós atingimos o nível de efeitodo Tao. E principalmente mediante a observação dospróprios processos interiores, também essa observaçãosem uma tomada de posição ou uma avaliação, conse-guimos ter uma visão de nosso verdadeiro estado. As-sim percebemos o que realmente está, ou não, aconte-cendo conosco. Caso contrário, sempre temos uma ima-gem de nós mesmos, temos uma opinião formada denossas fraquezas e forças, acreditamos saber e conhe-cer o suficiente sobre o nosso caráter e nossos limites,quando na verdade nada sabemos sobre nós mesmos. Oque sabemos de nós mesmos percebemos através dascomparações. Para todas as características que exigi-mos de nós mesmo medimos em outras pessoas: só sa-bemos como somos em comparação a outros. Nós noscomparamos com aquilo que aprendemos e ao que nosfoi dito sobre como uma pessoa correta deve ser, comoter sucesso, o que se deve fazer para a sua formação, oucomo outras pessoas imaginam como devemos ser e agir.Por isto nossas ações também são relativas. Elas se ori-entam em parâmetros bem limitados. É muito impor-tante que você, logo de início entenda esta relatividade.Pois só então poderá com suas observações encontrar eperceber confirmações de como sua vida atualmente estácondicionada. Acredite, o Homem não tem nem a vaganoção do que ele realmente é. Em todo o passado, o ponto

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importante da avaliação da qualidade humana, foi de-positado no nível de sua inteligência. Já na escola o in-telecto foi cultivado, o Homem foi induzido a concen-trar-se totalmente na aquisição de conhecimento e de-sempenhar algo no campo do pensamento. Ignora-se quepossa existir alguma coisa além disto. Hoje, talvez, coma nossa civilização não consigamos mais voltar ao esta-do da população original totalmente ligada à natureza.Não há mais espaço suficiente em nosso planeta paraessa massa de pessoas. Mas o retorno espiritual a umaforma de existência natural ligada ao fluxo da vida opõe-se à nossa parcialidade e ignorância. Nós mesmos acha-mos que não é mais possível, ou estamos a ponto deachar que processos mentais que vão além de nosso in-telecto são bobagem total, adequados para sonhadoresou freiras. Porém esta espiritualidade no Tao não temnada de religioso. A vida é ligada à terra, acontece aqui eentre processos materiais.

A suave arte de observar é o princípio básico para aatenção. Observar é o processo material por meio denossos sentidos. Tato, audição, sabor e olfato fazem partedo mesmo campo que a visão, nosso sentido mais utili-zado. Observar é um processo que inclui todo o campodos sentidos, não deve haver o mal-entendido de se con-siderar apenas o campo visual. Quando você tiver apren-dido a observar a sua dependência, seus compromissos,seu preconceito sem motivo e sem uma análise intelec-tual, surgirá a atenção. Essa atenção é o objeto mentalda observação. Você não consegue criar atenção destetipo por si próprio. Ela chegará por si a você, quando ocampo estiver preparado. E, por favor, não se questione,agora, sobre como você perceberá que a atenção surgiu.Você o perceberá com certeza! Você pode confiar paraque funcione ficando atento. Com os sentidos desinte-ressados e insensíveis você não consegue nem observar,nem ser atencioso. Quando o seu espírito estiver tran-qüilo e você conseguir aproveitar os seus dias direta-mente e sem interpretações, libertado das constantes

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preocupações e necessidades, você libertará uma enor-me energia que, então, você desperdiçava. Esta energiaconcentra-se por si no processo de observação e é real-mente a própria atenção. É muito difícil descrever istocom palavras adequadas, pois o processo em si já con-siste de conceitos.

Os poetas e pintores do Tao, em seu tempo criaramobras fantásticas. Nenhum livro, nenhum texto pode falartão claramente do efeito do Tao no Homem como as obrasdestes artistas geniais. Procure o acesso à arte chinesae à poesia desta época. Contemple uma vez as aquarelasrepresentando um bambuzal coberto de neve, ou leiauma poesia de Li Po ou de Wang Wei e deixe-se sensibi-lizar pela magia, pela espontaneidade de sua mensagem.

Criatividade e inspiração prosperam no solo nutriti-vo do wu wei, da ação sem agir. Aqui, agir é observar,agir é atenção. Com a percepção de um processo nós oinfluenciamos, o modificamos. Esse processo ocorre anosso favor, não necessitamos de nenhum ato de forçapara direcionar as coisas para a direção certa. Comecehoje a não dar atenção ao seu conhecimento, esqueçatudo que lhe ensinaram em relação a como o Homemdeve enfrentar os acontecimentos de sua vida. Tudo quelhe foi ensinado até hoje é relativo, é fraco e inadequado.A verdadeira força está na profundeza de seu espírito. Apartir daí essa força entra em ação, necessita de seuconselho intelectual, não de sua análise, pois ela sem-pre tem uma visão de tudo, enquanto que para você sóresta a visão de um aspecto muito limitado de sua exis-tência, ligado ao espaço e ao tempo. O Tao, a sua e aminha dimensão sem espaço, opera no Além de tempo,espaço e pensamento. Seria bom você aprender a confi-ar o seu destino sem reservas a esta força. E – por fim:Não se deixe iludir pela aparente simplicidade do méto-do. Atrás dos conceitos desgastados de “observação, aten-ção, percepção” esconde-se, sob nosso ponto de vista,todo o processo criador.

(Não fique irritado, se nos últimos capítulos eu o

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aconselhei a alcançar a liberdade interior através daobservação de seus compromissos e dar-lhes atenção,mais tarde explico que a atenção só surge através dalibertação de toda autoridade comprometedora. As duascoisas estão corretas. Este processo tem algo de parado-xal em si, como a imagem de duas mãos que estão sedesenhando reciprocamente, de maneira que uma devea sua existência à outra. Você realmente precisa apenasobservar; pelo jeito, a atenção surge antes mesmo quevocê esteja libertado de seus compromissos. Como estaforça opera no Além de espaço e de tempo, aqui a lei dacausa e do efeito não é anulada, mas para isto não de-pende da continuidade do tempo. Já na fase inicial etímida a pessoa que confia a sua vida ao Tao percebeque a atenção age a partir do futuro na sua existência elhe possibilita compreensão e, assim, libertação atravésdo processo de observação de seus compromissos.

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IV.Os pensamentos e o pensador

Ao ler este texto até aqui, você deve ter percebidoque o Tao não tem muito a ver com o pensar. De fato, ossábios chineses não nos transmitiram durante dois emeio milênios nada que se pudesse alcançar com os pen-samentos. Em todos textos, fala-se muito de vazio quandose trata de dimensões espirituais. Vazio aqui não signifi-ca de maneira alguma nada, a não ser que suponhamosque nada é algo, algo com conteúdo ou algo de grandesignificado. No sentido filosófico oriental o vazio é o es-tado original do Cosmos, um vazio que potencialmentecontém toda a criação em si. A mente humana no estadodo silêncio, ou seja sem pensamentos, é comparada aeste vazio. Dschuang Dsi escreve: “Quando se permane-ce no silêncio absoluto, então surge a luz divina. Aqueleque irradia esta luz divina enxerga o seu verdadeiro eu.Quem preserva o seu verdadeiro eu, este realiza o abso-luto”. A realização do absoluto significa viver no nada,no vazio, no Tao.

Para esclarecer isto, temos de empregar algumas ob-servações muito críticas sobre a nossa maneira de pen-sar em geral. São totalmente inúteis as tentativas decontrolar o pensamento, reprimi-lo. Após algum tempo

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de tortura todos desistem destas tentativas; simples, poisassim não dá. As leis da mecânica, que, curiosamente,também têm uma certa validade no campo espiritual, di-zem que pressão e força geram contrapressão, reação. Namedida em que tentamos alcançar algo com esforço, a re-sistência aumenta, e essa coisa se afasta de nós. Somentequando conseguirmos nos soltar, as portas do aconteci-mento se abrirão. E aquilo que não conseguimos atingirutilizando todos os meios, agora nos cai nas mãos. Nobudismo Zen enfrentamos o problema do Koan, que é umatarefa de pensar insolúvel para a compreensão, e que con-tém um paradoxo. O aluno-Zen deve dedicar-se com todasas forças mentais disponíveis à realização desta tarefa. Emalgum momento ele alcança com o pensamento o limitemáximo de esforço, e então isto ocorre – ele pára de pen-sar, vivencia o Satori, que é um estado de iluminação (ouele enlouquece antes, o que já deve ter acontecido).

Os pensamentos e o eu, ou o ego, dependem um dooutro. Ambos são processos de natureza material. Elespartem do cérebro, que é uma matéria. Além de nossoscinco sentidos dispomos de um grande número de ou-tros instrumentos para conseguirmos viver. Entre essesestá a lembrança, ou seja nossa memória. Precisamosdela quando estamos andando e queremos voltar paracasa. Não seria possível que não lembrássemos mais denosso endereço ou número de telefone. A lembrança é orepositório de todas as experiências vividas por nós. Asoma desta experiências somos nós, isto é o eu. Tudoque sabemos sobre nós guardamo-lo de alguma formaem nossa memória, seja de processos cotidianos ou oque absorvemos de diferentes estados de processos deaprendizado. De qualquer forma, existe a imagem queformamos de nós mesmos e com a qual nos compara-mos aos outros, exclusivamente pelo armazenamento deacontecimentos do passado, mesmo que sejam bem re-centes. Mesmo que o último acontecimento que influiuem nossa imagem, seja a de um minuto atrás, ele já éantigo. Por conseqüência só sabemos de coisas sobre

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nós através de própria vivência destes fatos ou aquiloque aprendemos de segunda ou terceira mão. Dizemossimplesmente: nosso eu é um produto que é mantidopor pensamentos; pensamentos que extraem sua pró-pria substância da memória. E essa memória, por suavez, é formada no passar do tempo por acontecimentosque foram mentalmente analisados, comparados e adap-tados antes que pudessem entrar no depósito das lem-branças via consciência. O ego consiste em todo o co-nhecimento sobre nós mesmos, em uma série de acon-tecimentos que ocorreram em um círculo fechado deacontecimentos – pensamentos – análises – memória – eexperiências. Um verdadeiro círculo infernal. Considereos preconceitos que forçosamente influenciam nossopensamento, pois aprendemos desta forma e não deoutra, e interpretamos nossas experiências desta for-ma. Então fica claro que captamos de todo tipo de reali-dade apenas aquela caricatura formada por nós mes-mos. O pior de tudo é que além disso nós nos orienta-mos pelas opiniões de pessoas cujo processo deconscientização é tão confuso como o nosso, que têmtão pouca capacidade como nós de reconhecer a verda-de quando ela está diante de nós. Mas nós estamos emcompanhia desta visão de vida, com a opinião sobre nósmesmo. Se for errada, pelo menos não estamos sós.

Nós, humanos, seguimos em frente baseados em umailusão que temos para a nossa vida, sendo que é apenas anossa vida imaginada, censurada pelo preconceito de nos-sas experiências e do conhecimento por nós adquirido.

Agora é necessário você entender que esta vida namemória é uma vida no passado. O presente mesmo é, arigor, como uma ficção do pensamento, formado, artifi-cial, um conceito. O passado é claro e inequívoco; paraisto é necessário apenas observar o ponteiro de segun-dos do nosso relógio. Com cada pequeno passo no reló-gio ele deixa o passado para trás. E o futuro está dooutro lado do ponteiro, onde ele ainda não esteve, maspara o qual ele segue constantemente. E onde fica o pre-

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sente? Veja: na verdade, nem existe o presente. Existeapenas este minúsculo momento, nem mais compridonem mais largo do que o ponteiro de segundos do reló-gio. Se repararmos bem, isto é tudo que resta de nossacriação do presente, segundo, se não ficarmos atentos,em que se esconde a realidade da vida, a realidade denossa existência. Na verdade, o presente não se trans-põe – apenas o relógio e a nossa idéia de tempo impostanos proporciona esta ilusão – o presente existe sempre,independentemente do lugar em que estamos. Se nosmovimentarmos o presente se movimenta também, seficarmos parados ele fica parado também. Em qualquerlugar que ficarmos existe o presente. Mas nós não nota-mos o presente devido ao seu caráter sutil. Nós fazemosas contas em decadas, anos, meses, e na melhor dashipóteses em dias. As horas tem algum significado paranós quando se trata de pegar um trem ou um ônibus, oupara ir a alguma festa. O eterno agora, o presente estáligado intimamente conosco, quero dizer que é uma par-te de nós. Mas nós o ignoramos. Por causa deste péssi-mo costume estamos constantemente ocupados com osnossos pensamentos no passado e desta maneira per-demos totalmente o presente, o campo de ação do Tao.Nós nem percebemos o verdadeiro acontecimento atual.Se nosso cérebro não anotasse automaticamente todosos acontecimentos de maneira que fiquem na memória ànossa disposição para podermos nos orientar neles, elesnos escapariam como em um homem que volta da em-briaguez ao seu estado de lucidez e não sabe como che-gou ao lugar onde está. Ficaríamos totalmente desorien-tados e não teríamos noção do que aconteceu no pre-sente, pois fomos desatentos e estávamos em qualquerlugar menos naquele onde nossa vida está ocorrendo.

Os pensamentos são sempre passado por causa desua condição – e eles são matéria, pois são um produtofinal de nossos cérebros que também é matéria. O nossoeu, o nosso ego é uma criação formada pelo pensamentoe existe somente em pensamentos. Por este motivo tam-

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bém é uma criação de cérebro, e por isto é matéria. E épassado ! O eu nunca pode existir no momento presen-te, já que o presente nunca pode ser alcançado por pen-samento e ego, pelo eu. Nós temos que nos manter nistose quisermos dar um passo para nos aproximarmos maisde nós mesmo. É importante manter este reconhecimentobem dentro de nós: nosso eu, esta criação sintética dacoleta de experiências, lembranças e pensamentos é umacriatura do passado, jamais será possível existir no pre-sente. Agora, naturalmente, você perguntará: “Entãoquem existe no presente? Não há lembrança do presen-te ? Então é possível viver no presente ou isto é umacriação teórica para nos confundir ?”

Qualquer um pode viver no presente, no aqui e ago-ra. Mas para isto é necessário atenção, percepção. Sem-pre que você puder observar a sua vida sem realizar empensamentos o que está vivendo naquele momento, sereparar, você automaticamente está no presente, vivendoo momento, e nenhuma força do mundo pode tirá-lo dis-to – você mesmo, quando iniciar novamente a fuga nalembrança e na ilusão. A atenção surge através da obser-vação, por si própria. Você não precisa lutar por essa aten-ção. Isto é até um processo automático pressupondo quevocê passe a observar em vez de tecer constantementepensamentos inúteis. Agora você deve estar pensandocheio de dúvidas, como é possível quebrar esta barreira,pois ao que parece não há alternativa para chegar ao pre-sente se não abrir mão de qualquer tipo de pensamento.Por outro lado a coisa não é tão grave como parece noinício. Existe um truque de como você pode pensar emesmo assim viver no presente: você observa os seus pen-samentos! Este procedimento tem dois efeitos. Se vocêobservar os seus pensamentos (voluntariamente, sem setravar), isto é, antes que eles surjam, você os aguarda.Então perceberá que os seus processos de pensamentoestão se tornando cada vez mais disciplinados, e que de-pois de um tempo de observação param completamente.E o segundo efeito é estupendo: como pela observação,

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você vai ao encontro de seus pensamentos e os capta aosurgirem, você os atualiza; desta maneira você os trans-forma em presente. Assim conseqüentemente, você ob-servou e pensou sem entregar-se ao pensamento e aopassado, sem desviar-se para a história. Quando a suavida é determinada pela atenção e não pelo pensamento,você pode cumprir despreocupadamente as suas obriga-ções profissionais, onde a memória e o pensar são esti-mulados, e você não se distancia nem um passo do pre-sente graças ao efeito da atenção.

Vamos supor que você entendeu que o eu, o ego, ospensamentos, a memória são elementos do passado. Vocêdecide acabar com a antiga conduta errada e viver futu-ramente tão próximo ao presente quanto possível. Comoserá o próximo passo? É bem fácil, já mencionei-o ante-riormente. A partir de agora observe em seus pensamen-tos o processo todo. Sem nenhuma opinião, sem avalia-ção, sem qualificação. Apenas observe. Você perceberácomo haverá rapidamente uma tranqüilidade em você, ocaos de seus pensamentos corriqueiros se esclarece, einicia-se um silêncio. Você não precisa manter esse si-lêncio através de algum meio. Quando a sua mente esti-ver tranqüila, o silêncio será um elemento importantede sua personalidade. Você agirá e viverá a partir desteestado de paz e de tranqüilidade. Você pode considerar aobservação de seus pensamentos como meditação. Maspara isto você não precisa nenhuma postura física, istonão adianta nada se a sua mente for preguiçosa e aco-modada demais para observar. Este esforço, no início,precisa partir de você, sair do estado letárgico de seuscostumes insensíveis, encontrar ânimo para a sua novavida. Como você notou depende sempre da observação:é tão simples e, ao mesmo tempo tão complicado.

O que resta se você coloca o pensamento em seulugar e deixa o seu no passado? Você estará vivendo nasua origem, no Tao, e está totalmente concentrado emsua energia e suas forças. E a partir deste momento asua vida tem absolutamente uma outra qualidade. O seu

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destino muda drasticamente. Não existem mais preocu-pações, nem doenças, nem medos e inseguranças. Jáno início quando você ainda não souber lidar totalmentecom o instrumento da atenção, quando, freqüentementeainda, voltar aos antigos costumes, mas interiormentetiver a disposição de viver no Tao, você perceberá queestas forças já têm um efeito em você. Enquanto perma-necer neste estado atual, você está separado pelo tempodo Tao e de seu efeito. Você estará vivendo no tempo,mesmo escolhido pela sua forma de pensamento, e oTao só existe fora do tempo. O presente não está no tem-po, o presente, o agora, o momento faz parte da eterni-dade, o presente não acaba nunca. O tempo passa, ashoras somem, e nada pode recuperá-las. Nós não quere-mos filosofar – este é um livro prático que deve ajudá-laser aquilo que você realmente é, e quer libertá-lo doserros do preconceito.

Resumindo, o pensamento cria o eu, o ego, e este,por outro lado, é responsável pela formação dos pensa-mentos. Ambos se movimentam na forma de tempo dopassado. Mesmo o futuro é uma forma de passado, poisele é um produto do pensamento e se forma baseado emexperiências do passado. Para limitar o pensamento ecolocá-lo no seu lugar é suficiente observar os seus pró-prios pensamentos. Assim eles diminuirãogradativamente e muitas vezes até sumirão – sem se vi-olentar. Reprimir não adianta nada. Quando eu resolvocontrolar meus pensamentos, isto já é um processo depensamento, e eu me movimento em círculo. Observaros pensamentos é meditar. Esta meditação não exige ne-nhuma forma externa ou postura física. Observando ospensamentos, a mente atinge a tranqüilidade, torna-semais clara, mais capaz de desempenho, e principalmen-te mais receptível para a silenciosa voz da inspiraçãoque, por outro lado, vem do tempo e do pensamento.Assim o Homem pode viver totalmente no presente. Éapenas uma questão de ser conseqüente, superar a suainércia e começar a observar.

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V.A maneira de viver do Tao

Como vive uma pessoa do Tao? Vamos antes dizeras palavras de Dschuang Dsi:

Elas são sinceras e justas, sem saberque esta ação constitui integridade.Elas se amam umas às outras sem saberque isto é bondade. Elas são sincerase não sabem que isso é lealdade.Elas cumprem as suas promessassem saber que assim elas vivem em crença e confiança.Elas se ajudam sem pensar em dar ou receber presentes.Assim a sua ação não deixa rastros.

Na dialética do taoísmo, fala-se de pessoas que têma qualidade da “madeira bruta”. O mundo da madeirabruta é um mundo cheio de naturalidade, sem inten-ções, sem motivos e esforços. As pessoas vivem, estãoabertas para os movimentos da existência e recebemtodos os acontecimentos de braços abertos. A pessoatoma suas decisões espontaneamente. Ela nunca anali-sa a situação, ela compreende o seu conteúdo intuitiva-mente, e a partir desta intuição nasce a ação. Desta

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maneira é impossível a compreensão calculista, opor-seao fluxo do Tao. Quem permanece no Tao sabe que nãoprecisa mais responder com luta, poder ou esforços aosdesafios da vida, suas necessidades e problemas. Ela tam-bém não precisa quebrar a cabeça para saber como re-solver as coisas. Se fizesse isto ela iria ao encontro des-tes problemas com meios insuficientes e abriria assimas portas e porteiras para a continuação do sofrimento eda miséria em sua vida.

A pessoa do Tao vive totalmente no presente. Elapossui a plenitude de suas lembranças, mas ela não uti-liza essas lembranças. Não fica pensando nos proble-mas. Ela pensa quando precisa de conhecimentos pararealizar seus afazeres. Fora isto ela deixa os pensamen-tos virem e irem, da maneira que surgem, sem ocupar-se com eles, ou querer segurá-los. Esta pessoa não per-mite que você se estabeleça neles e neles permaneça comoantigamente. Ela é como o vento de outono quando mo-vimenta as folhas avermelhadas. Ele as toca, mas nãoas leva para longe. Elas caem da árvore e se tornam ter-ra novamente. Assim é a conduta da pessoa do Tao comos pensamentos. É claro que ela não pode desistir distototalmente, isto pareceria uma amnésia e tornaria a pes-soa incapaz de viver. Mas ela envia os pensamentos aolugar que eles pertencem. No lugar do constante pensa-mento desenfreado entra a atenção. Ela está totalmenteatenta e não lhe escapa nenhum detalhe do cotidiano.Ela revê o seu cotidiano com outros olhos. Ali onde ou-trora a sua compreensão regulamentada e condicionadacensurou os sentidos ela vive agora diretamente a reali-dade sem nenhuma influência distorcida, corretora. Asua visão de mundo muda e torna-se a cada dia maisrenovada e menos velha.

A pessoa do Tao não sabe o que é impaciência. Emtodo lugar em que se encontra, ela chegou, e está noobjetivo, isto é, consigo mesma. Não está esperando nada.O que acontece, acontece, e ela aceita. Assim como acerejeira floresce na primavera e traz os frutos no verão

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e nem por isto espera da primavera até o verão, até quefinalmente as cerejas estejam maduras, mas simples-mente está lá, existe, assim vive a pessoa do Tao de umdia para o outro. Ela não quer nada mais do que já é.Não há nada que seria melhor ela ser, ela não tem ambi-ção por honra e glória. Para ela a sua própria vida com-pleta já é suficiente. Para ela é indiferente como a suavida é avaliada por outras pessoas, afinal, ela vive parasi e não para as pessoas ao seu redor.

A pessoa do Tao não tentou eliminar seus próprioserros como cobiça, inveja, ciúme, ambição, medo, ou sejaqual for o nome. Ela os aceitou como se fizessem partedela e os identificou como algo familiar, humano. Ela osobservou atentamente, ficou atenta a como reagia nopresente a provocações. E assim, adquiriu conhecimen-to sobre si, uma visão na profundeza do seu ser. Sobesta suave atenção houve coisas que se transformaramdo seu interior para fora. Naturalmente ela não está li-vre de desejos, mas não depende deles. Ela é capaz dealegrar-se com posses materiais, mas ela possui e não éa propriedade que a possui. Ela não se controla cons-tantemente se possui a postura espiritual correta, maspode dar-se ao luxo de deixar correr, viver bemdescontraída, sem nenhuma tensão. Ela não aceita ins-truções de ninguém, não padece de sofrimentos e não seentrega a nenhuma instituição que queira atuar comodeve ser a sua vida interior, o seu caráter, ou como devese comportar com outras pessoas. Ela vive conforme aautoridade interior do Tao, mas mesmo esta não é cons-ciente. Ela não reflete sobre moral e justiça, sabe queage corretamente quando se trata de impulsos espontâ-neos que sempre ocorrem no momento certo.

Esta pessoa não tem preocupações. O passado comhipotecas de erros cometidos e insuficiências já pas-sou, este não existe mais, e nunca a pessoa do Taofica revirando suas lembranças e procurando velhari-as. Ela se responsabiliza pelas coisas graves que rea-lizou anteriormente, identifica-se com elas sem medo,

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e reconhece os erros cometidos. Mas é só isto. Ela nãofica se torturando constantemente e se machucandocom auto-repreensões e vingança inútil. Ela reconhe-ce os problemas logo no início e dedica-lhes, sem va-cilar, total atenção e os contempla detalhadamente.Depois ela se dedica aos acontecimentos do dia e es-quece os problemas novamente. A ilimitada inteligên-cia atuante através dela encontra a solução para elamuito mais rápido e melhor do que poderia o seu pró-prio intelecto limitado. Desta forma as coisas entramem movimento por si próprias. Ela entra em ação quan-do o impulso lhe diz isto, e sem vacilar, sem dúvidas,se suas ações são corretas.

A pessoa do Tao não conhece depressão, neurose oudoenças psicossomáticas. Cada vez mais o seu inconsci-ente se abre para ela. Neste campo não ocorrem maisrepressões. Pois tudo o que ela vivencia ela o assimiladiretamente através dos sentidos para o consciente, semque a compreensão tivesse a possibilidade de exercer asua censura. Por isto ela é equilibrada, a sua disposiçãoestá repleta de harmonia e tranqüilidade. Como ela apren-deu a não se comprometer com nada, absolutamente nada,como ela se soltou, reside nela uma serenidade total. Nun-ca fica nervosa ou reage irritada por causa de fatos des-conhecidos ou inesperados. Ela é capaz de aproveitar asmais belas facetas da vida naquele momento em que elasse oferecem, ela não tenta segurar a alegria ou o momen-to. Ela não se entrega a este momento e perde aquilo quecontinua a acontecer neste tempo.

Esta pessoa é aplicada, mas não é fanática pelo tra-balho. Ela também não utiliza o trabalho como fuga, enão se lança a outras atividades exageradas para com-pensar uma falha. Ela trabalha pelo prazer do trabalho,não para acabá-lo o mais rápido possível. Ela não sedeixa pressionar. E assim mesmo ela tem maior capaci-dade de desempenho do que muitos que trabalham sobmaior emprego de energia. Exatamente por cumprir oseu trabalho diário tão livre e descompromissada, pelo

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prazer do trabalho e não pelo resultado, ela tem um óti-mo resultado.

A pessoa do Tao é produtiva. Sua criatividade não élimitada a alguma habilidade – ela atravessa sua vidainteira, e é visível em todas as coisas que ela toca. Elanão tem consciência desta criatividade, que algum diaentrou em sua vida e desde então ela atua através destapessoa e também determina a qualidade dos dias e dasobras. Esta pessoa está aberta para contato com pesso-as e mostra-se desembaraçada, aberta e livre. Ela diz asua opinião, mas também deixa valer a opinião dos ou-tros (é claro que sem se orientar nelas). Ela não é teimo-sa, mas defende bem o seu ponto de vista sem ser agres-siva ou querer dominar os outros. Ela não lida com po-lítica. Mas observa os acontecimentos do mundo commuita atenção. Ela se considera responsável pelos acon-tecimentos e não tenta reprimir esta responsabilidade.Ela tira a visão de guerras e massacres, da falta de liber-dade e tirania. Ela aceita estas coisas como objetos desua vida, e procura mudá-las dedicando atenção a elas.

Ela não pensa só nos prazeres da vida, mas temmuita alegria em viver. Quando aproveita algo, ela viveintensamente o prazer. Quando aproveitou algo, e o pra-zer passou, ela não fica presa à diversão nem no pensa-mento e nem no desejo. Ela continua em frente até queum outro motivo a leve ao prazer. Ela mesma não fica àprocura destes acontecimentos, ela não determina o seudecurso de vida. Para ela não existe motivo para escon-der-se atrás de costumes que lhe proporcionem prazer,e desviem a sua atenção da miséria da vida. Ela estrutu-ra a sua vida sem medo, e não necessita deste tipo dedistração. Se mesmo assim ela a aceite agradecida, seráentão porque esta aceitação faz parte das coisas maisbelas e agradáveis do cotidiano, assim como trabalhar,comer. Descansar e dormir.

A pessoa do Tao tem uma relação descomplicadacom os seus sentimentos. Ela os aceita e os deixa fluirlivremente sem fazer nenhuma tentativa de reprimir sen-

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timentos ou até envergonhar-se deles. Para ela alegria éalegria, e sofrimento e tristeza é tristeza. Os sentimen-tos existem para ela não como conceitos verbais, ela nãofica à espreita do que está sentindo e depois constata:“Ah, estou amando.”

Para ela os sentimentos também não são apenasopostos de outros sentimentos, como por exemplo o ódioé o contrário de amor, a alegria o contrário de tristeza.Para ela alegria é aquilo que realmente é, e tristeza amesma coisa. Nada é o oposto de outra coisa. E a pessoado Tao vive os sentimentos de sua vida no meio, ela re-cebe aquilo que proporciona alegria e o aceita, da mes-ma forma que suporta a tristeza quando esta surge. Elavive estes sentimentos diretamente, não interpretando,como a maioria das pessoas. (Quem aprende a sentir ossentimentos puramente perceberá que tem em si umadimensão totalmente nova da percepção da realidade).

Ela não procura ter influência na sociedade e nãotende a desempenhar um papel importante nela. Se ti-ver sucesso – e isto ocorre sempre – ela será louvada, eesta honra não lhe sobe à cabeça. Ela está com o cora-ção cheio de humildade, pois reconheceu que o seu des-tino é determinado pelo Tao e aceito voluntariamentepor ela, porém dirigido por uma mão infinitamente sá-bia. Caso devesse assumir funções públicas ou ser che-fe em uma grande empresa, ela nunca se esquece que éuma entre muitas pessoas, e que seus semelhantes -assim como ela - necessitam de dedicação, amor, e tra-tamento humano. Ela age baseando-se nestas normas.O lucro não tem importância para ela. Ela não está atrásde lucros, e nem de fortuna, pois sabe que este objetivotiraria a sua liberdade. Mesmo sem esforço as coisasboas da vida fluem para ela corretamente, pois ela nãotenta alcançá-las à força.

Em um relacionamento de amor, uma parceria, ouum casamento ela mantém a sua independência e liber-dade interior. O que não significa que essa liberdade devaser entendida como infidelidade – a pessoa do Tao é cons-

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tante, significa que ela respeita a integridade e as neces-sidade do parceiro da mesma forma que as suas. Ela écapaz de amar, sem querer possuir. Ela não enxerga oparceiro como propriedade privada, mas permite ser co-brada da mesma forma. Preserva a sua independência emesmo assim é capaz de viver um grande amor. Na ver-dade, o amor só pode evoluir nestas condições.

A pessoa do Tao vive uma vida sem problemas. Elase realiza no presente. Não se orienta por instituições,organizações ou religiões. Deixa que todos sejam comosão, mas ela mesma se mantém fora de toda confusão.Ela não se engaja, também aqui fica livre edescompromissada. Ela não tenta impor a sua opiniãopara outros, não tenta converter os outros a sua filoso-fia de vida. Automaticamente ela é um exemplo, e esseexemplo é visto pelos outros. Nós percebemos a sua tran-qüilidade, a paz que irradia, sua vitalidade – e sucessoinvejável que ocorre com facilidade em sua vida. Quem ainterrogar sobre seu sucesso terá uma informação semreservas. A pessoa do Tao não esconde aos interessadoso método que colaborou para a sua transformação. Masela não quer ser um guru, ou um ditador, pois sabe quecada um tem de achar o caminho por si mesmo. O outroque lhe mostrar o caminho, na melhor das hipótesespode ser um mapa, ou uma rosa-dos-ventos. O cami-nho, o mapa, a estrada, isto é o próprio indivíduo.

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VI.Tao em vez de pensamento positivo

Se antes de ler este livro você já se ocupou com asidéias de pensamento positivo, procurará um paraleloentre a arte de viver o Tao, como eu a descrevi aqui, e asinstruções que diversos autores forneceram para domi-nar os problemas da vida. A mim mesmo já foi indicadoo livro de Norman Vincent Peale, que trata deste tematotalmente do ponto de vista do cristianismo do NovoTestamento. Ou seja – naturalmente em sua qualidadede teólogo – Peale se refere em geral a ditados bíblicos.Mais tarde, me ocuparei com diferentes variantes desteaprendizado. E de fato há algo em comum entre o pen-samento positivo e o caminho do Tao, mas existem tam-bém grandes diferenças.

O que há em comum nos dois é que eles se referema um poder que age em nossa vida. Enquanto Peale serefere a um Deus onipotente, em um local inatingível, osoutros autores sugerem, o que é correto, o próprio inte-rior das pessoas e o indicam como o ponto de partida deenergias estranhas, transpessoais. Para todos os apren-dizados do pensamento positivo, há um reconhecimen-to comum, que o pensar por si não causa nenhum efei-to. Seus depoimentos são muito mais a expressão deum método novo que nega tudo que é negativo para en-

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xergar a realidade do cotidiano. Para solucionar proble-mas cotidianos propõe-se não olhar para o problema,mas sim, para a solução. E de tal maneira, imaginamoso problema em sua forma já solucionada, e se possívelpraticamente e visível. Além disso, recomenda-se que seformule a solução futura na forma presente, isto é, nasua imaginação enxergar o estado desejado como já al-cançado. Então, se desejar dinheiro você não deve pen-sar e imaginar “Eu terei dinheiro”, porém “Eu tenho di-nheiro” ou “Eu sou rico”. Com estas fórmulas de pensa-mento você se dirige a um endereço que por sua vezreside em sua consciência. Peale simplesmente o deno-mina Deus, os outros o chamam de inconsciente, sub-consciente, ou o seu eu mais elevado. A princípio, sãosinônimos do grande Tao (que por sua vez é sinônimodaquilo que é inexprimível, como descrevem os sábioschineses). Nomes são sons e fumaça, formações de nos-so pensamento limitado, e nunca se adequam ao con-teúdo que eles indicam.

Para os pais do pensamento positivo, estava claroque a compreensão não tem acesso a esta dimensão.Você pode pensar eternamente e murmurar: “Eu estousaudável”, mas enquanto esta idéia não sair de algumamaneira do círculo material da consciência e pensamen-to, não haverá mudança em seu estado. É necessárioencontrar algo complementar ao processo de pensamen-to, que consiga fazer os pedidos e desejos do pensadorpassarem por aquela área onde está a autoridade. Comosolução, foi oferecida a auto-sugestão, ou em forma deexercício intensivo de concentração, sendo que a pessoase concentra na solução do problema, até que o comple-xo caia por si próprio, para áreas mais profundas daconsciência; ou através do pensamento praticado numestado de relaxamento profundo, atingido por si próprio;ou através de uma uma meditação semelhante ou idên-tica a uma oração, com a qual se pode conseguir uma féinabalável. Na verdade, a rejeição a todo tipo de dúvidaé muito importante para o sucesso do jogo com os pen-samentos de desejos e a influência do próprio destino

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através de um método. De fato, não é apenas NormanVincent Peale que promove esta fé no sucesso: ele é apre-sentado por todos os intérpretes da escola do pensa-mento positivo, como necessário para o seu funciona-mento. E assim chegamos à falha grave do método (maseu não posso afirmar que não funcione se alguém seesforçar).

Então vamos seguir a seqüência. O ponto em co-mum básico entre o Tao e o pensamento positivo está naorigem do poder, do qual, esperamos mudanças em nos-sa situação de vida – e que elas realmente ocorram. Estaforça é uma dimensão que existe dentro de todas as pes-soas. Cada pessoa tem tal força desde o início e não pre-cisa esforçar-se para consegui-la de alguma outra for-ma. Outro ponto em comum é o reconhecimento de quenão se alcança esta dimensão mediante mero pensamen-to, ou por um processo intelectual. E a partir daí, oscaminhos se separam. Estes, no final, com efeito, se unemnovamente, mas no percurso intermediário não há se-melhança. No pensamento positivo, supõe-se que estepoder estranho seja um tipo de automatismo, que deve-mos determinar a solução desejada já no modelo de pen-samento e de desejo. Ou deixamos detalhes em aberto,não nos concentramos no problema propriamente dito,mas no estado final. Os autores do pensamento positivosempre chamam a atenção de que aqui não se pode co-meter erros, pois senão facilmente pode ocorrer o con-trário do desejado. Trata-se de identificar-se com a so-lução e não com o problema. Disfarçadamente aqui, ainteligência reconhecida é tirada da autoridade interiorda pessoas, ou lhe é atribuída com função estereotipa-da. De fato, estas forças parecem reagir de forma rígidae impassível nas pessoas quando se tenta tocá-las ape-nas com o pensamento, reprimindo a verdadeira neces-sidade, imaginando dar continuidade a mudanças járealizadas na vida e à constante fuga da realidade.

Esta é a falha grave da filosofia. O pensamento po-sitivo impõe formalmente ao praticante que se desvie da

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realidade. As pessoas já na juventude se desviaram deseus sentimentos. O que atualmente sentimos e inter-pretamos como sentimentos, na verdade é apenas o pen-samento sobre os sentimentos, mas não são os própriossentimentos. Nós nunca aprendemos direito a observarnossas emoções interiores, nos colocarmos ilimitadamen-te para elas, e vivê-las. Entre o sentimento e nós, existiasempre o pensamento. Em vez de contemplar nossos sen-timentos e identificar-se com eles, dizer “sim” para eles,as pessoas reprimem aquilo que é desagradável para elas.A pessoa não percebe que com esta conduta vive o outrolado dos conteúdos positivos dos sentimentos, pois for-mou conceitos intelectuais para amor, felicidade, pra-zer, ou os considera amor.

Com pensamento positivo, a pessoa ignora a misé-ria e sua existência, e atribui-lhe em sua criatividade,em sua imaginação em seus sonhos diários, desvairada-mente ou com um objetivo, um outro conteúdo, diferen-te daquele existente. Uma vez que esta pessoa já nãocompreende a realidade, pois ela só torna acessível àconsciência aqueles processos compatíveis com as dire-trizes gerais da civilização na qual vive, ela se distanciatotalmente de si e de seus problemas. Com este pensa-mento ela valoriza e reforça o seu ego. Pois o eu huma-no, o ego, é um produto do pensamento. No momentoem que a pessoa do Tao procura se desprender, enviaros pensamentos ao lugar certo, esta ligação a processosmateriais é formalmente reforçada. Viver apenas destaforma, reprimindo os meus problemas, ignorando-os outransformando-os, sugerindo soluções para estes pro-blemas ou condições de vida, é uma obra malfeita. Euestarei assim me distanciando da totalidade da percep-ção da vida. Distancio-me na fuga da realidade, não darealidade relativa como eu a vejo basicamente, mas darealidade absoluta. Esta, nunca posso percebê-la semdesvirtuações, se eu me movimentar constantemente emuma névoa de ilusões. O Tao nos ensina a soltarmo-nosde todos os compromissos e a rejeitar toda autoridade

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estranha. Uma pessoa do Tao não se submete a nenhu-ma ideologia, a nenhuma regulamentação. Quem se pres-crever o pensamento positivo, continuará na esfera deseus compromissos e dependências. Este tipo de pensa-mento não liberta ninguém. Pode ocorrer que mediantea fé adequada, alguns problemas se solucionem, mas omedo e a falta de carinho continuarão a determinar avida desta pessoa, independente daquilo que, passa emseu pensamento. E como ela adicionalmente ainda cor-rige a realidade subjetiva, ignora aspectos parciais denatureza negativa, sempre surgirão dúvidas se a sua açãoé correta. Crença e dúvida, são ambas criações do pen-samento. São matéria e só têm efeito direto em nossaexistência. Normas de crenças (ou constante dúvida oupessimismo) só tem um efeito no cotidiano quando dopensamento do fiel resultar uma sugestão que tenha umefeito mais profundo que o próprio pensamento. Só oprocesso tirado de nossa consciência muda ou determi-na nosso destino. E a pessoa de pensamento positivoestá à procura de independência e segurança, introdu-zindo a fé no poder de seu próprio eu à sua autoridadeinterior ou a Deus. Mas, com isto ela não se torna livre.Ele apenas acrescentou uma nova dimensão à sua de-pendência e condições de sua existência, ou seja, a de-pendência desta fé. Não se exige nenhuma fé das pesso-as do Tao. Ela é. Nada mais. Ela pode crer ou duvidar,enquanto ela for o que é, nem um nem o outro podefazer efeito nela. Ela se movimenta pela vida livre de de-pendências e autoridades. Através desta liberdade elaenxerga coisas como elas realmente são, ela não se en-gana, nem tem ilusões. Ela confia no poder através daexperiência e não por fé. Quando a sua vida está som-bria, repleta de dificuldades e preocupações, ela perce-be isto e não o ignora. Esta pessoa diz “sim” para a vidada maneira que ela se apresenta. Ela aceita os ladossombrios da mesma maneira que os iluminados. Ela seidentifica com o seu medo ao invés de reprimi-lo ou pas-sar por cima dele através de mecanismos de fuga. E as-

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sim, ela adquire poder sobre o medo. Esse medo someda vida, justamente por não ter medo do medo.

Veja, caro leitor, este é o segredo. Através da aceita-ção de todas as coisas que a vida oferece, a pessoa doTao nunca entra em conflito com a realidade. Ela obser-va os processos sem querer mexer neles ou modificá-loscom os pensamentos. A mudança – e é importante saberisto – influi por si mesma em toda a enorme inteligênciado Tao. Não temos de gostar de tudo que ocorre em nos-sa vida, o que enxergamos objetiva e honestamente. Po-demos deixá-lo também completamente sem comentári-os. Nossa inteligência, existente em nossa compreensão,reconhece as coisas desagradáveis, os problemas, osconflitos, antes mesmo que eles cheguem à consciência.Por isto não tem sentido ter idéias, com nossa capacida-de limitada, de como deve ser a vida, e depois nos pren-dermos a elas. As forças do Tao querem fluir livrementee sem obstáculos. Com qualquer medida de iniciativaprópria só estaríamos contrariando o efeito. Além disso,nossa própria ação espontânea só seria acelerada poresta criatividade excepcional, de maneira que nossa vidajá toma um rumo bem diferente do que o atual em con-seqüência desta energia propulsora.

De maneira geral: procure lembrar o que foi impor-tante para você na vida até hoje. Se os seus sonhos serealizaram, ou se você sempre foi capaz de tomar as de-cisões certas. Se você for sincero, constatará que dese-jos não realizados raramente causaram danos; muito pelocontrário: às vezes foi até bom que um desejo não serealizasse. Bem mais decisivo na vida de cada pessoasão as conseqüências das decisões que ela toma. Nestescasos, os erros podem ter uma conseqüência devastado-ra para o resto da vida, e a ação correta pode ser umaenorme bênção.

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VII.O diálogo interior e o I Ching

O espírito do Tao é por natureza positivo. Quem vi-ver da melhor maneira que conseguir no presente e vol-tar os seus sentidos àquilo que estiver lhe acontecendo,ficará livre das cargas do passado. O passado represen-tará para esta pessoa uma formação de lembranças queela utiliza só para fins de se orientar. A pessoa do Taonão tem preocupações, pois ela dá atenção aos proble-mas assim que eles surgem, ao invés de reprimi-los edar-lhes a possibilidade de fazer constante pressão so-bre ela. Quando você dominar esta maravilhosa arte deenxergar todas as coisas, poderá sentir como a vida podeser bela e simples. Desafios, que podem ser até grandes,não apresentam mais uma ameaça para a tranqüilidadeinterior, mas são encarados como realmente são, ou seja,desafios para as possibilidades interiores. E estas possi-bilidades nunca são mais fracas ou menores do que apressão externa que sofremos.

Existe um meio de entrar em contato com esta di-mensão de outra maneira que através do pensamento,apesar de vivermos separados dela desde a nossa infân-cia, para questioná-la, e pedir conselho. Quem sabe davida do meio do Tao também sabe que há milênios o

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livro das transformações, chamado I Ching, está ligadointimamente com o Tao. Existe um número incontávelde livros sobre o I Ching e quero evitar repetir aqui oconteúdo desses livros. Se você decidir aproveitar as pos-sibilidades realmente existentes no I Ching, não poderádeixar de comprar um bom livro sobre este assunto, poispara o trabalho com o I Ching é indispensável uma boatradução como obra de consulta. Conforme a avaliaçãodo tradutor você terá, em suas mãos, um livro, que éconsiderado um oráculo, por algumas pessoas uma brin-cadeira, por discípulos sérios do Tao um instrumentoseguro com o qual você pode participar da infindávelsabedoria desta força estranha. E, por experiência pró-pria, posso assegurar-lhe que esta última possibilidadeé totalmente viável. Com o tempo você desenvolverá umrelacionamento de confiança com o I Ching e como ométodo de conseguir um conhecimento sobre aprofundeza do seu interior e dar-lhe sempre mais espa-ço em seus planejamentos. Existem pessoas que rela-tam que para cada dia do ano elas perguntam ao I Chinge fazem anotações. Depois comparam respectivamenteao acontecimento atual até que ponto os acontecimentosprevistos pelo I Ching estavam certos; ou seja, se as açõesrecomendadas eram corretas. Elas testemunham a im-pressionante exatidão das recomendações deste livro.

Embora os textos de Lao-tsé e Dschuang Dsi tenhamsurgido apenas nos últimos dois ou dois e meio milêni-os, a história do Tao é significativamente mais antiga,perdendo-se na distância do tempo. Os dois autores aci-ma citados não mencionaram o I Ching em seus escri-tos; a relação com o Tao surgiu somente mais tarde,mas mesmo assim a filosofia do I Ching está com suaparticularidade ligada à filosofia do Tao de formainseparável. Os primeiros indícios da utilização do orá-culo são bem antigos. Elas remontam a até 3000 anosantes de nossa cronologia. Hoje as perguntas são feitasatravés de três moedas que jogamos seis vezes e a partirdo número de relação de cara e coroa resulta em um

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traço contínuo (-) ou interrompido (—). O traço contínuosimboliza o masculino, chamado de Yang, e o interrom-pido simboliza o feminino, chamado de Yin. Destes seistraços sobrepostos resulta um hexagrama. O máximode hexagramas possíveis são 64 e o livro da transforma-ção contém exatamente tantos ditados ou mensagensquanto são citados nele. Antigamente, no início, utiliza-vam-se ossos para isto: esses ossos eram jogados e ne-les estavam traçadas tanto as perguntas como as res-postas. Ainda hoje, ao arar a terra, os camponeses en-contram tais ossos arqueológicos em grande quanti-dade. Não quero continuar a tratar da aplicação doshexagramas, isto você encontra bem melhor em qual-quer livro sobre o I Ching, e se você quiser pode pro-curar lá.

Para mim é importante expor como o diálogo interi-or pode funcionar-lhe com a sua estranha autoridade ecomo você pode alcançar este auxílio para decisões quelhe garantirão ações seguras em todas as situações davida. Este diálogo interior também é possível sem aintermediação do I Ching, mas isto exige muita experi-ência, pois neste caso sempre haverá o perigo de se auto-enganar em conseqüência de pensamentos que interfe-riram. Tais pensamentos são praticamente excluídos nautilização conseqüente dos livros da transformação.Mesmo assim, mais tarde eu ainda tratarei da aplicaçãodo assim chamado diálogo interior, do diálogo com o seuTao, mas antes quero familiarizá-lo com as possibilida-des do I Ching em sua aplicação prática.

Quem considera o I Ching como uma brincadeira sóenxergou as coisas superficialmente, e só sabe sobre simesmo coisas que se encontram na parte mais externade sua personalidade. Poderíamos até considerar os tex-tos do livro da transformação ambíguos ou místicos seos encararmos superficialmente. Aqui o problema tam-bém é a tradução. O chinês é uma linguagem de símbo-los e deixa um espaço maior para a interpretação pró-pria do tradutor. Isto você pode perceber melhor em po-

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esias que foram traduzidas do chinês. Muitas vezes nemse consegue reconhecer uma mesma poesia, traduzidaspor diferentes tradutores. Apesar destas suas deficiên-cias o I Ching preenche a sua finalidade. Quem tentarviver no espírito do Tao perceberá logo que a intensida-de e força da sua intuição aumentaram. E, sem esta in-tuição, o I Ching será para você um livro fechado a setechaves, ou você continuará incapaz de descobrir o sen-tido - em forma de mensagem - para você.

A maneira de interrogar o oráculo é relativamentefácil. Suponhamos que temos um problema (e quem nãotem?). Agora, em seus pensamentos, ocupe-se intensi-vamente com este problema. Depois pare de pensar so-bre eles, mas procure enxergar mesmo assim o proble-ma, desta vez de forma bem neutra, sem dar-lhe algumsignificado, sem lhe procurar uma solução. Eu sei queno início isto é difícil, você terá a impressão de que aban-donando o pensamento estará perdendo a referência comeste problema. Mas isto só parece ser assim. Na verdadeé exatamente no momento em que você parou de pensarno problema, e ele só está vagando em sua mente, vocêchegou o mais perto possível dele. A partir deste proble-ma surge a pergunta que você quer fazer ao I Ching (queatua representando o seu Tao). Anote essa pergunta,claramente e sem duplo sentido, não de forma “devo” ou“não devo”, sem sim ou não. Não é necessário anotar apergunta, mas existe esta possibilidade uma vez que vocêjá está trabalhando com lápis e papel por causa doshexagramas que tem de anotar.

Depois de ter criado uma forte relação com a suapergunta, ou seu problema, jogue três moedas quais-quer por seis vezes. Então você pode desenhar o seuhexagrama: são aqueles seis traços contínuos ou in-terrompidos sobrepostos. Nesse momento você precisado seu I Ching. Em cada um destes livros há uma tabe-la com 64 hexagramas possíveis e um número corres-pondente que lhe dá uma explicação sobre o texto daresposta de sua pergunta. Você terá uma das 64 res-

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postas. (Na prática o número é bem maior por causadas transformações, mas isto é melhor você ler em umaobra especializada.) Você escolhe a resposta adequadae pode aprofundar-se neste texto. Eu mesmo, em re-gra, só observo as poucas linhas do assim chamadoparecer, que geralmente estão bem no início. Mas istofica por conta da sensibilidade e avaliação de cada um.É bem possível que a sua resposta consista numa úni-ca referência que se esconde dentro de mil e quinhen-tas folhas impressas. Mas agora a sua intuição entraem jogo. Normalmente você logo sabe qual é exatamen-te a resposta para você. Com a minha experiência estesistema de perguntar funciona absolutamente certo. Nasrespostas você deveria principalmente levar em contaque em conseqüência da maneira como você viu o seuproblema, da forma que você o enfrentou, provavelmentea solução já foi desapercebidamente encaminhada. Poiscada problema já contém em si a sua solução por para-doxal que esta possa parecer. É diferente de quandovocê faz perguntas referentes ao futuro. Você pode par-tir do princípio de que esta dimensão - que é parte inte-grante sua - não está ligada ao tempo. Sua forma deação ocorre sempre no presente que abrange a totali-dade daquilo que você chama de futuro. Aqui há sem-pre interpretações absurdas, quando alguém diz quenão se pode ter informações do futuro pois as coisasainda não aconteceram e ninguém pode saber comoaconteceriam, ou supor que só se poderia saber hoje,um acontecimento futuro se o nosso comportamentofosse predeterminado, e que não possuímos vontadeprópria. Ambas são interpretações completamente ab-surdas. Se este poder está bem além do tempo, signifi-ca que o que você fizer voluntariamente no futuro éprevisível. Está escrito que o sábio do Tao enxerga orastro do pássaro no ar antes mesmo que ele tenhavoado por lá. É isto que eu quero dizer quando falo queo seu espírito, aquele que não é acessível ao seu inte-lecto, tem uma visão de suas ações futuras antes mes-

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mo que elas tenham ocorrido. É exatamente aí que estáo grande valor e o significado do I Ching.

Quando fizer muito tempo que você já estiver viven-do no espírito do Tao, isto é, ficando muito tempo nopresente, a sua intuição terá um efeito muito mais fortedo que agora. As suas ações serão mais espontâneas,você aprende a confiar na sua intuição ao invés de en-frentar os desafios do cotidiano com análises intelectu-ais. Cresce em você também a característica de pergun-tas que você se faz interiormente encontrarem a respos-ta espontaneamente na sua mente, partindo da mesmaforça que no I Ching. Isto eu chamo de diálogo interior.Se no início as respostas surgem hesitando, logo virá otempo em que a pergunta e a resposta formam umaunidade fechada. A sua capacidade de supor tambémterá uma nova dimensão. Em muitos assuntos você de-senvolverá um sentimento, um instinto para o futurodecorrer da coisa, sem maiores perguntas ou pensamen-tos. Este instinto aparece por si só, você não precisafazer nada mais do que, confiante, orientar-se por ele.Esta é a essência da arte de viver no Tao, onde em vez dopensamento, da análise intelectual, são as nossas ca-racterísticas localizadas em nosso interior que têm umvalor bem maior. Depende apenas de você mesmo, emque medida deixará estes dons naturais trabalharem emvocê. Enquanto colocar em todas as ocasiões a sua ra-zão com todos os preconceitos, querendo saber tudomelhor, e com suas informações erradas sobre a reali-dade, você não conseguirá libertar-se da miséria da suaexistência.

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VIII.Nossa sociedade e o “eu” renegado

Você imaginava que os primeiros hippies da costacaliforniana no Pacífico eram taoístas? Estas pessoaslevavam a sério a rejeição do condicionamento por parteda sociedade – mas quando a contra-cultura se espa-lhou, a idéia do wu wei se diluiu. Isto degenerou e pas-sou a significar “não fazer nada”. Desta forma cada vezmais vadios uniram-se ao círculo dos hippies, dos pre-guiçosos e das pessoas que se desligavam da sociedadepor causa dos próprios delitos. Este tipo de pessoas re-duziam a sabedoria do Tao a um álibi para uma vidaboêmia. Certamente surge a pergunta sobre nossa posi-ção nos mecanismos da sociedade, na vida profissional,quando interiormente nos libertamos da autoridade es-tranha e enxergamos livremente e sem distorções a ver-dadeira realidade de nossa vida. Por isto quero ocupar-me neste capítulo com outsiders, com a idéia de umavida alternativa. Vamos averiguar se “alternativa” não éapenas um outro nome, um sinônimo para um métodomais secundário de estar comprometido. Toda idéia,nobre e liberal pôr mais que pareça, requer uma classi-ficação em suas regras ou não-regras. Não-regras signi-fica seguir a renegação, ou seja, a exigência de não fazer

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isto ou aquilo (por exemplo, de fazer a barba ou vestir-se bem). Quem reconhecer como foi posto sob tutela portodos os lados, como a sua existência é condicionada,como se tornou corrupto – pois aceitou por interessecoisas que repugna – este certamente tem o desejo dedar as costas a esta limitação e regulamentações. Estapessoa se rebela e procura caminhos para sair deste es-tado. Naturalmente aqui a situação política mundial éatrapalhada, a separação das pessoas por raças e na-ções, o ódio, a falta de paz, as ideologias sem sentido, ofanatismo, e o horror global têm um papel muito impor-tante. E ainda mais o contraste com toda esta miséria: obem-estar dos países economicamente ricos que se in-trometem nos acontecimentos mundiais com frases va-zias sem realmente contribuir para a melhora. Diantede todas estas carências algumas pessoas procuram umburaco para poder se esconder até que toda esta confu-são feia, que se chama vida, tenha passado.

Pessoas isoladas, ou grupos inteiros, procuraram eacharam tais “buracos”. Eles se isolaram externamenteda sociedade, mudaram para o campo, e desenvolveramlá o que imaginavam para uma vida cotidiana. Nestesgrupos, podemos constatar os mais diversos motivos bá-sicos filosóficos e religiosos. A devastação do meio ambi-ente foi um motivo forte também, e o fato de quase nãoserem mais produzidos alimentos industriais que nãosejam mais ou menos envenenados. Este movimento parafora da sociedade deve ser considerado absolutamentehonesto, e esta saída é autêntica – pelas suas conseqü-ências exteriores. Libertar-se de normas, seguramentefacilita a vida. Basta pensar na roupa e na vida profissi-onal. Não dá para imaginar um caixa de banco usandouma roupagem árabe em um dia de verão muito quente,se bem que isto é o mais razoável, como os habitantesde regiões muito quentes já reconheceram. O pobre ho-mem que fizesse isto teria de contar com as conseqüên-cias, das quais uma dispensa ou férias obrigatórias se-ria a mais suave. Pode-se indagar: quem tem a coragem

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de andar descalço pela cidade?! As pessoas modernasperderam todos os modelos de conduta natural, e mes-mo quando vão procurar a natureza em seus passeios jáperderam a relação com ela. Neste ponto a vida alterna-tiva no campo oferece estímulos e oferece um retorno acostumes de vida de velhos tempos.

Porém a saída da sociedade, a volta à vida mais sim-ples continuam sendo obras mal-acabadas enquantoforem apenas um processo exterior de desligamento domodo de vida atual. Todos que saem levam toda a suabagagem interior. Seja lá para onde for, levarão junto ascargas e traumas empurrados para o inconsciente, oamor não correspondido de sua infância, e a raiva desa-percebida por si mesma por causa da submissão quepraticaram na época para não perder o amor dos pais. Eassim chegamos ao cerne do problema. Posso encontrarinúmeros caminhos de fuga dos compromissos com asconvenções sociais, mas enquanto eu não me libertar,ao mesmo tempo, do próprio compromisso da minhamonstruosa adaptação à autoridade exterior (e interio-res aprendidas neste meio tempo), e não compreender asua origem, nenhum lugar no mundo me servirá comoespaço livre para a fuga do meu próprio eu. Sair da soci-edade e viver uma vida alternativa só tem sentido se euprocurar a liberdade de dentro para fora, em vez de umato externo de mudança. Se eu alcançar a liberdade in-terior, o nível exterior tem uma importância bem menorpara o meu bem-estar, enquanto que este nível é muitoimportante para uma saída apenas exterior.

Existem poucas pessoas em nossa sociedade, nes-tes tempos, que podem dizer que a sua infância se pas-sou sem conflitos emocionais e que tiveram uma mesmaeducação psiquicamente saudável. A maioria podeafirmá-lo pois não conhecem nada melhor e se conven-cem disto, mas a realidade é diferente. Praticamente aHumanidade toda desde a infância se separa do seu pró-prio “eu”. Aquilo que vive aqui, age e pensa, é uma for-mação artificial criada em um longo processo de adap-

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tação às regras do jogo – o ego ou o eu. O “eu” existeapenas em nível de pensamento. As pessoas estão total-mente separadas de seus sentimentos. O que elas con-sideram hoje sentimentos, são os pensamentos sobresentimentos, não são mais os próprios sentimentos. Nãoestamos mais em condições de reconhecer a relativida-de de nossos pensamentos e sentimentos, eis que nãopossuímos mais parâmetros de comparação para o au-têntico. Nem nossos pais e nem nós tivemos sentimen-tos autênticos. Isto soa muito duro, mas infelizmente éa realidade. Quero citar-lhes um único exemplo: se vocêescuta no noticiário do rádio ou da televisão que naEtiópia imperam novamente a fome e a miséria e queinúmeras pessoas estão condenadas à morte, a misériateria de acabar. O que você sente? Logo após a notíciavocê sente um choque e um certo espanto que, ao mes-mo tempo, está emparelhado com um sentimento de gra-tidão por você não estar passando por isto. Mais tarde,ao assistir o filme da noite, você já esqueceu aquelesesqueletos famintos que um dia foram crianças. Isto épossível, pois você desenvolve a compaixão apenas nopensamento: a verdadeira compaixão é estranha paravocê por causa dos mais diferentes motivos (que real-mente não são culpa sua). Assim ocorre não apenas coma compaixão, mas com o amor, com a dedicação, com abenevolência, com a amizade, que você só conhece emforma de pensamento. Os sentimentos contrários, comociúmes, ódio, inveja, raiva, surgem por causa da falta deverdadeiras virtudes como acima as enumerei. Ódio eviolência, infelizmente são sentimentos autênticos emnós, eles existem nas pessoas por causa de um processoque retorna à infância e são um sintoma de raiva por simesmo. Mas quero falar aqui sobre o Tao e não entrarna psicologia profunda, uma vez que existem caminhospara sair deste dilema sem ser o divã do psicanalista. Ocaminho do Tao é também um caminho da cura psíqui-ca, é o caminho de volta para o “eu” isolado.

Esse “eu” é a verdadeira pessoa autêntica dentro de

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nós, e que renegamos, pois não o conhecemos e nemconseguimos perceber a sua existência. Por causa destarenegação que praticamos com nossa maneira de pen-sar e de viver estamos totalmente separados de nossossentimentos autênticos, já que estes existem apenasdentro deste eu. Um passo ousado para a saída desteesquema é a separação rigorosa e total de nossos pseudo-sentimentos do tipo intelectual – e assim são quase to-dos, e doravante confiamos neles. Neste contexto só nosresta a alternativa de colocar-nos à disposição dos sen-timentos autênticos ao invés de reprimi-los. Assim quepararmos de pensar sobre nossos sentimentos, e ten-tarmos senti-los, observá-los e dar-lhes atenção, senti-remos a sua existência. Pois eles existem, mas não nosalcançam nestas condições. É muito doloroso usarmossentimentos autênticos, pois não conhecemos esta con-frontação e sempre fugimos dela. A maioria das pessoastêm medo de seus sentimentos. Elas preferem escon-der-se atrás de seus pensamentos, constroem uma pa-rede protetora contra a aparente ameaça emocional. Maspara tornar-se livre nenhum caminho passa por nossossentimentos, por mais doloroso e insuportável que sejano início. Assim que você decidir deixar vir à tona todosos sentimentos existentes em você, contemplá-los inten-sivamente, vivê-los, crescerá uma força colossal de cujaexistência você não tinha noção. E nesta mudança desentimentos vividos e aceitos, e força crescente, vocêconsegue resgatar uma relação com o seu “eu”, achar ocaminho de volta para o seu ser original, do qual você sedistanciou tanto. A pessoa tornou-se estranha para simesma. Características de caráter do seu próprio eu estapessoa considera fraqueza, e as rejeita pois não conhecea sua força. Você não deve concluir por estas afirmaçõesque os sentimentos têm conteúdos apenas negativos: es-tou falando na mesma proporção de compaixão, amor,alegria, etc. Mesmo soando como um paradoxo, as pes-soas dos nossos tempos se fecham também para senti-mentos tão positivos como amor e compaixão. Elas têm

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medo de todo tipo de sentimento, tanto faz qual é o seuconteúdo, sendo que estas pessoas não conhecem estadimensão, pois elas são características de caráter de seueu ocultadas desde a sua infância. O ego, o eu, nunca écapaz de sentimentos autênticos, ele interpreta apenasas reações intelectuais sobre acontecimentos de uma ma-neira determinada e aprendida.

A receita da arte do Tao é a seguinte: deixe espaçopara todos os seus sentimentos, permita-lhes desenvol-ver-se totalmente dentro de você. No futuro não fuja denenhuma emoção que venha de dentro de você. Este éum passo muito duro, pois no início estará ligado commedo. É o medo da realidade, do “eu”, da identificaçãoque o seu ego tem de enfrentar como seu adversário,seu maior inimigo. Mas esse medo deve diminuir logo,dar espaço para aquela força da qual falei. Esta energialiberada vai aumentando na medida em que você se abrirpara os seus sentimentos e permitir que este medo ini-cial aumente em si. Se você agir assim seguramente estemedo desaparecerá, não apenas naquele instante, masdiminuirá cada vez mais e em pouco tempo não terá maisespaço em sua vida.

Sair da sociedade significa, na sua verdadeira fun-ção, em primeiro lugar o rompimento consciente de sualigação a falsos sentimentos, ao vazio e à falta de con-teúdo de processos intelectuais emocionalmente decisi-vos, e a dedicação a sentimentos verdadeiros que sur-gem em você. Assim você entra em contato consigo mes-mo e a partir daí resulta uma enorme energia. Se alémdisso você tem condições de rever seus compromissos, amaneira como está preso à sua condição de vida, obser-var e sentir tudo isto, conseguirá bastante liberdade eautonomia. Mas aqui não carece nenhuma rebelião quese expresse em traje diferente ou fantasia estranha. Vocêentão é bem diferente dos seus semelhantes, mas esteser diferente vem do seu interior, é autêntico, e não éimposto como uma filosofia de vida puramente voltadapara o exterior. Aí então você pode mudar para o campo,

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plantar a sua própria verdura, tornar-se vegetariano efiliar-se ao movimento da paz – ou também não. Ondevocê está, e o que você faz não é mais importante. Assimque começar a sentir, a partir do seu “eu”, viver a cadadia no presente, você estará no caminho da auto-reali-zação: o próprio caminho e o seu cotidiano são esta rea-lização.

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IX.Amor e Companheirismo

O relacionamento mais complicado, e com maisfacetas entre os relacionamentos, é aquele que designa-mos de amor ou relacionamento amoroso. Atrás desteconceito esconde-se uma verdadeira fonte de relaçõesextremamente diferenciadas de relacionamentos e de-pendências humanas, e também uma fonte de muitosofrimento e confusão. Não há nenhum outro campo quenos transmita uma quantidade tão grande de bobagenshorrendas do passado e de tradição, e não há nenhumtema que tenha tantos significados falsos como o amor.

Na linguagem do povo o amor de mãe é a maiorencarnação deste sentimento. A Igreja prega o amor deDeus pelos humanos, o cristianismo refere-se ao sacrifí-cio de Jesus que entregou a sua vida por amor à huma-nidade pecadora e sua salvação. Os poetas cantam comtodo o instrumental de sua poesia o amor entre o ho-mem e a mulher, o amor acima da morte como em Romeue Julieta, e o suicídio de Werther por amor nãocorrespondido. Se contemplarmos todas estas formasde aparição com a razão, reconheceremos nelas mode-los de pensamentos que glorificam aquilo que as pesso-as nunca tiveram, e suas formas de ação, poderíamos

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achar uma certa verdade nisto. Enquanto imaginarmoso amor, e pensarmos que amamos e somos amados, acoisa está correta superficialmente. Assim é fácil fazer-mos comparações com casos exemplares, sugerimosdedicação recíproca e nos sentimos amados, quando naverdade o que determina é o egoísmo, sentimento deposse em relação ao outro, e prestígio pessoal do nossosentimento e da nossa ação.

Eu acredito que a maternidade possibilita à mulhera estar mais próxima de sua capacidade de amar e –graças a Deus – em muitos casos ela transmite este amorà criança.

Exatamente neste tão celebrado amor de mãe estáescondida a raiz de tanto sofrimento no mundo. A faltade amor, ou seja a sua falsificação, o seu interesse são aorigem do atual rompimento do homem consigo mesmo;a sua incapacidade de se expor aos sentimentos verda-deiros, o desamparo e a provável dependência das cir-cunstâncias, porque a conduta da mãe decide quase ex-clusivamente sobre a saúde mental e capacidade de amarda criança. Se uma criança recebe amor de mãe verda-deiro, que esteja livre de condições, isto é aquele quenão é utilizado para conduzir a criança a uma determi-nada direção para que aprenda a obedecer, aprenda aadaptar-se, ou é condicionado muito cedo para maistarde procurar o poder e a influência – esta criança cres-ce em uma situação totalmente saudável. Estes casoshoje ocorrem geralmente em povos nativos que aindaestão ligados à sua origem. Em nossa civilização ficouquase impossível dar ao jovem que se desenvolve estecalor de ninho, sem nenhuma intenção. Já os pais estãomuito ligado às obrigações da luta existencial, à lutapelo sucesso na sociedade, para que possam sentir esaber o que realmente é bom para o seu filho. E assimprovavelmente foi destino para todos nós, que nossospais, bem-intencionados, mas mesmo assim errados, noseducaram em uma linha que nos afastou de sentimen-tos autênticos, do amor desinteressado, e por isso a

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maioria de nós carrega danos emocionais (mesmo que oindivíduo isolado não aceite isto).

No lugar do amor desinteressado de mãe entrou umpadrão de pensamento sobre amor de mãe, que pelo vis-to quer o melhor para o filho. No decorrer da educaçãona infância é feito um terrorismo com a criança, por meioda dedicação. Se ela se comporta conforme a imagina-ção dos pais ela recebe amor, enquanto que é ameaçadade perder o amor se se comportar conforme os seus pró-prios estímulos interiores. Assim o jovem já é condicio-nado desde cedo. Ele aprende que recebe amor quandose adapta, quando é submisso. Assim a criança já sesepara muito cedo dos próprios esforços e sentimentos.Inconscientemente cresce uma raiva de si mesma pelasubmissão às condições da mãe, que só dá amor quan-do o filho desiste das idéias próprias e se comporta con-forme o desejo da mãe. A relação infantil com o próprio“eu” nunca pode ser realizada. E como adulto esta pes-soa só poderá passar para o outro sexo aquilo que seformou dentro dele. E isto não é capacidade de amorverdadeiro, é muito mais um padrão de pensamento so-bre o amor, e este está tão bem, que a sua dedicaçãodepende novamente da correspondência adequada doparceiro.

Como os pais não sabem o que o homem realmenteé, e para que ele vive, passam para os filhos a sua pró-pria opinião sobre a vida, que por sua vez é o resultadoda própria educação que receberam dos pais, combina-da com a experiência de vida e com a soma de influênci-as externas, sejam do tipo religioso, político, ou social.E assim crescemos, separados de nosso próprio “eu”,separados da própria pessoa, dirigidos pelo “eu”, estaformação sintética da imaginação que formamos sobrenós. Nossa verdadeira origem se esconde de nós. Vemoso sentido da vida na constante busca de reconhecimen-to, sucesso e poder. Poder nem que seja pequeno, mes-mo tratando apenas da influência nos próprios filhos ouno parceiro. Idéias espirituais podem ou não ser impor-

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tantes para nós. Mas mesmo quando temos uma reli-gião, esta continua sendo uma formação de pensamen-tos e não tem maior efeito, do que uma pendência dotipo complementar. Com o tempo não conseguimos maissentir a realidade. Nosso pensamento filtra todos os co-nhecimentos que soam diferente daquilo que aprende-mos. Por este motivo não podemos fazer experiênciasque nos levem ao caminho da verdade. O sentido de nossaexistência fica no escuro, só nos resta a idéia do valedas lágrimas e a raiva reprimida e inconsciente da nos-sa fraqueza e dependência. Ao invés de nos declararmospartidários desta fraqueza, e aceitá-la em toda a suaextensão e realidade, estamos sempre fugindo deste re-conhecimento que seria um confissão da nossa fraque-za e incapacidade. Exatamente este estado de aceitaçãoda fraqueza é o estado em que pessoas em crise de vida,desesperadas pararam de lutar conscientes de sua im-potência, onde de repente a mudança ocorre violenta-mente. Aqui você pode reconhecer a força do poder doTao, isto é, quando a pessoa está disposta a aceitar asua impotência em vez de relutar.

Veja, todos estes estados acompanham o homemem parceria e determinam a sua qualidade. Se você con-seguir aceitar as afirmações precedentes, não se admi-rará que nestas condições não possa resultar muitacoisa sensata da relação de um homem e de uma mu-lher. Com isto eu não nego de maneira alguma o amorou esta relação, amizade, parceria, casamento. Muitopelo contrário. Mas todos estes encontros de duas pes-soas deveriam ocorrer em um estado de independênciainterior própria e em um ponto de abandono recíproco.Observe como é a sua adaptação ao seu parceiro ouparceira, e como você vê esta pessoa tão próxima, e porque você a ama. Ao contemplar melhor você encontraráuma série de imaginações e idéias, motivos e justifica-tivas, porque você tem uma parceria com esta pessoa enão com outra. Mas o que você realmente sabe dela,desta pessoa ao seu lado? Ninguém pode enxergar den-

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tro do outro. Geralmente a pessoa que opera no nossotempo superficial não se dá ao trabalho de procurarprofundidade no outro. Sim, provavelmente ela procu-ra esta profundidade, mas é, e ficará sendo um proces-so de pensamento. E a profundidade não se encontranunca no pensamento, profundidade vem do sentimentoverdadeiro. A sua imaginação sobre o seu companheiroé uma construção dos seus pensamentos, assim comofoi criada a imagem que você tem de si mesmo. E en-quanto permanecer nesta maneira de procedimento vocêjamais saberá realmente quem é você, e quem é o seucompanheiro. Para descobrir isto é necessário que ob-serve sem pensamentos esta pessoa ao seu lado. Aqui eagora, não baseado em cenas do passado. O passadopassou. Só existe o agora. A partir desta dedicação atra-vés da observação, que você pode realizar como paraum estranho, você conseguirá conhecer o verdadeirocaráter de seu parceiro ou parceira.

As relações surgem porque vemos uma pessoa quequeremos conhecer melhor. Nós imaginamos como estapessoa é. Travamos conhecimento e aí conhecemos me-lhor a outra pessoa. Porém, nós nos mantemos, talvez avida toda, naquela primeira imagem, digamos ilusão ini-cial. No início há uma atenção recíproca, cautelosamen-te pesquisamos o caráter do outro, ambos são livres edescompromissados. Porém com a familiaridade, com aintimidade, inicia-se a apropriação do outro. Onde an-tes havia liberdade, respeito pelas particularidades dooutro, introduz-se furtivamente um poder incontrolável.O outro deve nos pertencer inteiramente , mas por outrolado não nos colocamos nas condições de posse do ou-tro. A opinião que formamos do nosso parceiro seenrijece, nos acostumamos a esta imagem, ela faz parteintegrante do repertório de nossas lembranças. Se a pes-soa ao nosso lado sofre com nossa tomada de posse, seela muda com o passar do tempo, se ela realmente nosama ou apenas diz isto, no fundo não é mais tão impor-tante. Importante é uma constelação que se criou um

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dia, que também nos dá uma certa segurança, assimcomo tentamos dar segurança ao outro.

Existe uma série de motivos pelos quais um relacio-namento se inicia e perdura. Vários motivos servem deargumento para a ligação com um parceiro do outro sexo:desde o sexo como único motivo, que pode ser confundi-do facilmente com amor, até a ambição pelo poder sobreo parceiro ou a exigência, ou o poder de posse do outro;o desejo de dedicação; ou a fuga da solidão. Como regra,para todos os relacionamentos o amor, como o entende-mos, nestes casos é muito mais o pensamento sobre oamor, mas não o amor verdadeiro. De forma paradoxalnós humanos deixamos de saber o que é o amor já nafase da infância sob a influência do tão valorizado amorde mãe. Já aqui foi colocada a primeira pedra na cons-trução da nossa existência condicionada, que agora trans-ferimos para nosso relacionamento de parceiro, pois nãoconhecemos nada diferente.

O verdadeiro amor só pode ser sentido, vivido, masnunca pensado. A pessoa do Tao conhece o seu parceiroporque se abre para ele, o observa, e por conseqüênciaconhece e aceita as suas características e seu caráter,sem ter o desejo de querer mudar algo. Ela deixa o outroser como ele é. A pessoa do Tao abre mão do jogo depapéis, ela é autêntica, e o seu parceiro sabe quem ela é.Amor é uma dimensão que entra na vida sem motivo edomina. O amor não pode estar ligado a nenhuma con-dição, pois senão ele seria reduzido a um negócio, seriaum objeto de troca para qualquer utilidade. Respeitar opróximo, sem querer mandar nele, viver com ele e per-mitir-lhe que se desenvolva livremente na vida, isto simé amor.

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X.A arte de desligar-se

Você realizou totalmente a vida no Tao no momentoem que se tornou capaz de não formar mais opinião so-bre si mesmo, isto é, você simplesmente está aí, só exis-te, fica feliz com a vida, e abre mão de todas as interpre-tações da vida e de sua existência que aprendeu e lheforam transmitidas. Isto significa que você cria em si umestado que já existiu em sua infância antes do início doaprendizado, e no qual - sob diversas influências e cor-rentes - você criou a imagem da realidade que ainda hojedetermina a sua existência. Parece grotesco e inaceitá-vel: mas nada que nos foi ensinado sobre nós mesmos esobre o mundo ao nosso redor é absolutamente correto.Levamos uma vida na relatividade dos parâmetros que onosso pensamento nos coloca. E estes também determi-nam os nossos limites. E estes, por nós mesmo coloca-dos, nos acompanham como uma jaula invisível que nosprende, mas que é móvel, de maneira que temos a falsaimpressão de liberdade espiritual. Assim que uma pes-soa é capaz de conseguir distância de seus preconcei-tos, ela conseguirá saber coisas sobre si que em seguidalhe proporcionarão uma relação totalmente diferente con-sigo mesmo e com suas verdadeiras forças – este conhe-

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cimento acontece por si só. A pessoa do Tao não se sub-mete às exigências da aparência exterior, ela quer co-nhecer as coisas como elas realmente são. E as coisasgeralmente não são aquilo que a aparência mostra. To-dos os estados do cotidiano que nos influenciam sãogeralmente cinzentos – com exceção de poucos auges. Omedo do futuro, medo de prejuízos e perdas de prestígioe influência, de um assalto em casa, este medo é nossoacompanhante. E nossas ações estão de conformidadecom esta situação. Em nossas decisões sempre nos ori-entamos visando manter a nossa segurança, pondera-mos se fazemos mal a nós mesmos quando impomos anossa opinião e nos recolhemos rapidamente quandosurge esta impressão. Estamos constantemente ocupa-dos em manter a posição na vida ou nas relações huma-nas, ou conseguir uma mais alta do que a atual, é indi-ferente se em nível pessoal ou comercial.

Na vida do Tao dominam outras regras, isto é, naverdade não existem regras, pois nesta arte de viver, nósnos movimentamos livremente, num estado de levitaçãocomo boiando na água ou longe da gravidade da Terra,obedecendo apenas à nossa inspiração, a voz de nossaautoridade interior, à qual não nos submete, mas consi-deramos parte de nós, a melhor parte de nós. Aqui nãoexiste nada para policiar e nada por que lutar. As coisassimplesmente acontecem. O destino humano acontecede uma forma maravilhosa e simples, bem natural e har-monioso no seu processo. Você verá a enorme diferençaentre uma vida com total liberdade interior, deixando-selevar pela corrente do Tao, e sua existência insatisfatóriae tensa até hoje. Aqui surge a pergunta: se com tantaliberdade interior, sem obedecer a uma autoridade, ain-da é possível uma vida normal em nossa sociedade? Nopenúltimo capítulo eu tratei do assunto outsider e nofinal sugeri que cada um pode manter aquilo que conse-gue. A possibilidade de viver no Tao não depende de ne-nhuma condição externa. Isto você pode fazer até naprisão, se for necessário. Para o efeito desta nova ma-

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neira de viver tanto faz se você aspira por esforços e in-dependência material a ponto de afastar-se da confusãodos negócios, ou se você fica dentro. A independênciainterior, determina a qualidade de seu cotidiano. Nãoquero considerar dependência de parceiros comerciais,de clientes ou de chefes nas relações de trabalho comoautoridades das quais temos de nos libertar para nosaprofundarmos em nós mesmo. Este outro tipo de de-pendência material é insignificante e pode mudar ou sersubstituído. Ela não tem mais o importante papelrepressor e amedrontador de antes.

Quem vive no espírito do Tao possui uma outra vi-são da realidade. Tal visão criou-se desapercebida napessoa. E vivendo com esta visão as condições exterio-res de poder perderam o seu efeito assustador. Esta pes-soa vive serenamente e sem influências, e cumpre astarefas escolhidas por ela mesma. Seria uma grandebobagem dar também externamente as costas à socie-dade, o que não aconselho a nenhuma pessoa, que viveesta forma de existência com liberdade. Muito pelo con-trário, é exatamente esta ação de dentro para fora quepode dar impulsos para mudar esta terrível constelaçãoà qual as pessoas estão presas no cotidiano.

Se você cumprir as suas tarefas neste espírito, nãoprecisará se preocupar com o desdobramento de suaexistência. Trabalho de qualquer espécie é realização paravocê. Você realiza este trabalho por vontade própria, nãocom um determinado fim. Isto é uma característica muitoimportante do Tao: não fazer nada por causa de algummotivo arbitrário. Vivemos sem um objetivo ambicioso,sem motivos, sem argumentos para as nossas ações. Nóssimplesmente agimos, e acabou. E é também assim queencaramos o nosso trabalho. Nós o fazemos. Bem feito ecuidadosamente, sem obrigação e pressão vindo de cima.Quem está na linha de montagem e faz um trabalho muitomonótono que empobrece o espírito, mas que dependedeste salário para sobreviver, pode realizar a sua tarefasem a ansiedade interior dos seus colegas de trabalho,

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se for uma pessoa do Tao. Com toda a tranqüilidade estapessoa fará as coisas com facilidade, e no fim perceberáque mesmo com esta forma de vida sem tensão, ela foicapaz de excelente desempenho. Pelo contrário, eu acre-dito que principalmente um trabalho baseado no princí-pio de desempenho pode ser realizado melhor por aque-le que não dá importância a este princípio.

A ambição não existe para a pessoa do Tao. Ela nãoparticipa desta concorrência por poder e posse. Para elabasta ser ela mesma, e aquilo que ela precisa na vidavem ao encontro dela, sem ter de participar da elevaçãodo outro. Mesmo se esta pessoa possuir uma loja e esti-ver diariamente na competição, ela saberá administraresta competição de forma diferente. Com a sua riquezainterior ela nunca tentará alcançar algo através da forçaou perfídia. Ela não tem necessidade disto. Quando ne-gocia, ela o faz com tranqüilidade, ela opera com a forçado meio e geralmente conseguirá aquilo que tinha pre-visto. Se excepcionalmente alguma coisa não dá certo,ela simplesmente aceita o fato, sem depois questionar oporquê, pois algum dia mais tarde verificará como foibom que a coisa terminasse diferente do que ela tinhaimaginado.

Assim que tiver aprendido a viver no aqui e agoravocê poderá parar de lutar. Para sempre. Quem luta perdeforça, pois na medida em que me esforço para atingirum objetivo, este se afasta de mim e surgem forças opos-tas que aumentam a sua influência na medida em queaumento a minha força. Quem percebeu isto, ou me-lhor, quem conhecer uma forma melhor de alcançar algo,abrirá mão desta confusão inútil. Por favor acredite, tudoaquilo que você deseja virá por si para você, assim queparar de lutar por elas. Já não aconteceu na sua vida,que você desejasse muito uma coisa e fizesse todos osesforços para consegui-la ? E apesar de todos os seusesforços parecia que todas as forças estavam contra vocêe seu desejo? E mais tarde, quando finalmente você de-sistiu, se distanciou deste desejo, de repente a realiza-

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ção dele estava bem próxima de você e você só precisavapegá-la? Por experiência própria eu sei que nesta situa-ção aquela coisa desejada ardentemente não era maistão importante. Se de início pudermos olhar comdistanciamento os nossos desejos e anseios, vê-los comseu significado absoluto e objetivo, ou seja sem signifi-cado, então diminuirão as dificuldades da exigência;seremos capazes de observar e decidir com tranqüilida-de aquilo que queremos ou não. É uma característicadas pessoas que quando as coisas são alcançadas semesforços, elas perdem o seu valor e seu significado ma-terial e espiritual. Por isto a pessoa do Tao tem poucosdesejos além daqueles de que necessita para a sua sub-sistência no cotidiano. Ela sabe que nenhum desejo éimpossível para ela se levá-lo a sério. Mas exatamentepor isto nasce um estado de espírito mais elevado, aci-ma de qualquer coisa. Você logo perceberá este desliga-mento de necessidades materiais, que resultará da au-tonomia. A constante busca dos nossos semelhantes porfelicidade, sucesso e riqueza nos faz dar um sorriso in-dulgente. Pudemos parar com estes esforços inúteis, poisentendemos que não é este o sentido da vida.

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XI.O que é o Tao?

O que é afinal este Tao? É um Deus? Ou algumaoutra coisa indescritível? Lao-tsé escreve: “O Tao quepodemos tocar não é o Tao”. Certamente é uma experi-ência sem paralelos em nível da compreensão lógica.Neste ponto não existe uma analogia com Deus uma vezque aqui no Ocidente entende-se por Deus uma autori-dade que reside fora de sua criação e dotada de todas asqualidades humanas positivas, como o amor, a bonda-de, etc. Isto em total perfeição – um tipo estranho desuper-homem. O Tao não existe fora da criação.Dschuang Dsi diz que não existe nada que o Tao tam-bém não seja; isto quer dizer que o Tao é a própria cria-ção, cada detalhe dela. É a maior ação e força do univer-so, o motivo de ser e de não ser. O segredo do Tao é queele mesmo não é ativo, porém é a ação, o criador de to-das as coisas, ele não faz nada, porém não deixa nadapor fazer. Não se pode defini-lo com palavras, mas ele éintuitivamente palpável, pois é ao mesmo tempo umadimensão de nós mesmos, é nosso próprio “eu”, do qualnos separamos desde o nosso nascimento: Então, emprimeiro lugar, o Tao é a natureza com a sua ordem ecom as suas leis tão sábias da auto-organização. A for-

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ma de ação do Tao é de uma transformação ininterrupta,marcada por uma constante modificação. No Tao estátudo no fluxo. Tao é a vida em si. Ele pode ser compara-do com um grande rio, com uma corrente que se movi-menta incontrolavelmente ao seu objetivo, e mesmo as-sim sempre continua a surgir de sua fonte, sem pararnenhuma vez.

No Tao não existe a separação entre o mundo interi-or e exterior. Um depende do outro. A essência do Tao éacabar com todos os antagonismos. Seus movimentossão o conjunto contínuo desses antagonismos. Aconte-cimentos e transformações são o resultado da forma deação do Yin e do Yang, os elementos originais femininose masculinos, que influenciam todos os acontecimentosde forma polar. Os velhos sábios do Tao comparam aforma de ação do Yin e Yang com o sol ou a lua. Elesexplicavam que quando a lua passou o seu estado cheio,ela se movimenta novamente à sua forma de apareci-mento de lua nova, e quando o sol ao meio dia alcança ozênite, ela começa novamente a descer, e movimenta-seem direção ao pôr-do-sol. Em outras palavras, alcançarum estado significa a t ransposição para uma fase novade existência, pois na morte está fundamentada umanova vida, assim como a morte apadrinha o recém-nas-cido. Para os sábios a morte não é em primeiro lugar adesintegração do corpo. A morte significa o fim do ego,um processo que a pessoa do Tao tenta realizar aindaem vida. Quando esta formação artificial do “eu” sumirde nossa existência, podemos viver além do nosso “eu”,e isto é verdadeira vida, pois resulta de uma dimensãoque não depende mais do tempo.

Viver sem ego significa uma vida natural. Quem seopuser a todas as ações contra a natureza, não se colo-car no contra-fluxo do Tao, não desistir de ficar ao ladodo fluxo de maneira que ele passe ao seu lado e ao ladoda vida (o que ele faz quando está constantemente presoaos pensamentos do passado e do futuro), este estaráem harmonia com o cosmos, e todas as suas ações se-

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rão bem-sucedidas. Se fico parado enquanto tudo semovimenta ao meu redor, este não é um estado de tran-qüilidade, e ainda estarei em oposição à vida. Somentequando eu seguir conforme o fluxo, nadar junto, haveráuma tranqüilidade e harmonia plenas. Fisicamente istorevela: assim que eu estiver dentro de um carro que tema mesma velocidade que o fluxo do trânsito terei a sen-sação de estar parado. Temos a mesma impressão emuma viagem de avião sobre as nuvens. O avião pareceestar parado pois não existem mais parâmetros pelosquais possamos medir a velocidade e o movimento. Coma nossa vida é parecido. Nossos parâmetros, nossos pon-tos de apoio, os quais medimos nosso movimento, sãorelativos. Eles correspondem ao nosso conhecimentosobre o nosso mundo – e são errados. Tranqüilidade,paz e estar parado só é possível dentro do movimentoparalelo de todo o acontecimento. Já Heráclito de Éfesoreconhecia: “Tudo flui”. Infelizmente poucas frases deleforam conservadas, mas parece que pensava na mesmalinha que os taoístas chineses.

A forma de vida do Tao é marcada pela ligação ínti-ma com todos os acontecimentos naturais. A pessoa doTao vive sem oposição aos acontecimentos do cotidiano.Sua arte consiste em deixar o leme em sua própria iden-tidade estranha. Sem exagerar pode-se considerar o Taoa inteligência total da forma não-materialista. Ela fluide boa vontade a nós Homens se estivermos abertos paraas suas inspirações. E quem agir a partir desta inteli-gência elevada não cometerá erros. É muito difícil entre-gar-se totalmente a esta força. Para nós simplesmentefalta reconhecimento e inteligência. Partimos de nossavisão de mundo preconceituosa e limitada onde domi-nam o egoísmo e a razão, e neste quadro o Tao não seencaixa. E assim, ensinam os velhos sábios, que o uni-verso é uma unidade poderosa e fechada em si, e nãoum agrupamento de inúmeras partes isoladas. Temosaqui de entender um ser vivo enorme e imensurável, queao mesmo tempo é chamado de Tao. (A física nuclear

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confirma esta filosofia ao pé da letra, os menores ele-mentos de nossa matéria não são classificado em ne-nhum objeto, eles se referem muito mais a uma ação detransformação conjunta complexa de todas as partícu-las dentro do universo.)

Você e eu não somos apenas nós mesmo como su-jeito, como indivíduo, somos muito mais. Dentro de nósvive o Tao, e nós somos nós, e ao mesmo tempo umtodo. Cada um de nós. A razão não consegue entenderisto. Mas dá para supor. Nossa intuição é capaz de com-preender estas coisas. Quem parar de observar todas ascoisas ao seu redor separado de si, conseguirá logo umsentimento para as ligações mais profundas. Parar coma separação nos pensamentos é um dos temas princi-pais do Zen-budismo. O Zen é o herdeiro espiritual dotaoísmo. Quando naquela época veio um monge indianode nome Boddhidharma com ensino de Buda para aChina, este foi muito influenciado pelo conhecimento doTao. Como além do nome não resultou nenhuma grandediferença entre os elementos da estrutura da criação e otipo de caráter do criador (que uns chamavam de Tao eoutros de Natureza-Buda), o ensino de Gautama, cha-mado Buda, e o ensino de Lao-Tse, chamado deDschuang Dsi (Tschuang Tzu) se fundiram. Os patriar-cas do budismo e os sábios do Tao – e os grandes físicosnucleares, afirmam unânimes a mesma coisa: Não exis-tem partes em nossa criação, tudo faz parte organica-mente de um todo fechado em si. Pode soar inacreditávele paradoxal para você – mas corresponde simplesmentee de forma comovente aos fatos. Nós apenas aprende-mos de forma diferente, de pessoas que não sabiam en-sinar outra coisa. Assim que nos tornarmos capazes deromper os limites entre nós e o resto do mundo, e nosidentificar como uma unidade com o resto do universo,daremos um enorme passo para mais próximo da verda-de. Aceitar este reconhecimento faz parte do fluxo com acorrente do Tao, faz parte do rompimento da postura daoposição à verdade.

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O Tao só pode configurar e influenciar nossa vidana medida em que permitimos. Vamos nos abrir total-mente a este reconhecimento, de que somos partes deum enorme todo, de que nossa identidade individual temum significado menor do que o fato de cada um de nósrepresentar a Humanidade toda, todos os membros destaespécie. A aceitação e atenção a este fato reconhecidohá milênios nos faz enxergar os acontecimentos destaTerra com outros olhos. É claro que com esta forma deenxergar não se perde a própria pessoa com seus con-teúdos de acontecimentos, mas nós nos sentiremos muitomais responsáveis pelos acontecimentos no nosso pla-neta. Quem reconhecer isto nunca mais irá deixar deenxergar ou de escutar quando se relata sobre as coisasruins, mas sentirá no fundo de seu âmago a responsabi-lidade pelos acontecimentos de nosso planeta e umacompaixão pelas criaturas atingidas. Quem puder es-tender a sua identidade à Humanidade toda estará real-mente livre de suas falsas imaginações. E assim que ti-vermos a coragem de olhar impiedosamente para o cin-zento que surge em todos os lugares, e senti-lo ao invésde reprimi-lo ou ignorá-lo, sentiremos a enorme forçaestranha desta ação, e esta sensação de ligação, de fazerparte de todas estas criaturas restantes crescerá em nós,e ao mesmo tempo nos dará segurança. Nacionalidades,fronteiras e suas limitações não são naturais. Elas sãoformações artificiais criadas por pessoas que estão nopoder. Preconceito de raças, nacionalismo, isolamento,seja lá qual for o nome destas ideologias, levam as pes-soas à miséria, e só beneficiam poucas pessoas enquan-to que o resto é subjugado. Esta é uma verdade, sejareconhecida ou não pela maioria das pessoas cegas. Vocêcomo um só não poderá mudar muita coisa global nisto.Mas você pode mudar, representando o resto da Huma-nidade. Isto tem efeito, mesmo que você não o sinta ime-diatamente.

Não separar, não fazer diferença , são os santos di-zeres, que os velhos sábios do Tao sempre ensinaram. É

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um sintoma de nossos tempos nos desligarmos não so-mente de nós interiormente, mas também das coisasexternas. Chegamos ao ponto de reprimir nossos pro-blemas de forma tal como se não fizessem parte de nós.Na verdade somos nós pessoalmente, que limitamos aação do Tao em nossa vida, de maneira que nosso coti-diano se tornou uniforme e triste. Viver no espírito doTao com todos os nossos sentimentos é uma coisa mui-to viva. É a vitalidade em sua mais bela forma.

Nossa vida segue conforme a expectativa que nósmesmo criamos. E essa expectativa está marcada pornossas experiências que tivemos durante a nossa vida.Nós esperamos um dia cinzento e o temos. É um ciículodiabólico de experiências e expectativas no qual nos mo-vimentamos e do qual não conseguimos sair enquantotentarmos com os meios de pensamento e da memória.O que realmente influencia o decorrer da vida ainda nãosabemos até hoje, pois nenhuma pessoa pode nos dizeristo por causa de sua própria ignorância. Por isso o con-ceito de ignorância aparece em inúmeras manifestaçõesdos velhos mestres e patriarcas. As afirmações são unâ-nimes quando se diz que afastando-se a ignorância, avida imediatamente tem uma outra qualidade, bem me-lhor. Assim que você for capaz de separar-se rigorosa-mente de suas experiências, tirar-lhes o valor para odecorrer de sua existência, entrarão outras forças emsua vida que até hoje você manteve afastadas, sem sa-ber, mas com muito efeito, por causa da sua própriaautoridade. Pare de querer ser algo. Pare de fazer liga-ções das expectativas com o futuro. Pare de lutar nesteestilo. Nenhum método atual foi capaz de libertá-lo demedos e limitações. Mas assim que você se separar detodo tipo de motivação, de idéias, do que você ainda po-deria se tornar, então terá dado o passo certo para a suaverdadeira identidade; uma identidade que se sente iguala toda criação e ao Tao, e que vive e age a partir desteconhecimento pela unidade de todas as coisas. O diaque você iniciar vivendo no presente, sem expectativas

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resultantes de suas experiências, será um bom dia. Odia não pode transcorrer diferente de muito bom, se vocênão introduzir o seu conhecimento destrutivo do passa-do, e quiser tomar o leme para o seu próprio bem.

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XII.A espiritualidade no Tao

Após ter lido tudo isto você perguntará se ainda exis-te algo além da vida descrita no presente. Uma experi-ência que seja muito espiritual, muito divina. Existe. Naverdade esta experiência é o estado pleno da vida noTao. Dominar o cotidiano partindo desta nova forma purade observação nos trará uma série de acontecimentosfelizes, mesmo dominando apenas parcialmente a práti-ca do Tao e sempre nos deixando alcançar e distrair pelavelha forma de viver. Esta existência não tem nada desanta ou religiosa, nenhuma felicidade física é renega-da, nada é negado à pessoa do Tao. Uma pessoa que seorienta na sua própria moralidade arraigada agirá sem-pre certo, não surgirão conflitos entre espiritualidade eprazer. Quando você viver a sua vida mais ou menosperfeitamente no presente, e quando se tornar cada vezmais capaz de negar o seu próprio conhecimento adqui-rido, as experiências diárias de antigamente, e tudo quelhe é ditado de fora, quando você passar os seus diasdespreocupadamente, então estará vivendo no espíritodo Tao e terá contato imediato com o seu próprio “eu”.No campo espiritual existem inúmeros ensinamentos emétodos sobre: como a pessoa pode alcançar a ilumina-

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ção. No zen-budismo a iluminação significa Satori, e al-cançar Satori é logo de início o objetivo de todo pratican-te. Já no conceito “praticante” fica clara a diferença en-tre o Tao e todas as outras filosofias: o Tao é vivido,neste sentido não conhece nenhuma disciplina especialcomo, por exemplo, a meditação sentada durante deter-minado tempo ao dia, e também não possui normas so-bre comportamento moral e afastamento de diversões“do mundo”. Na visão do Tao tais normas apenas apre-sentam outras formas de ligação das quais a pessoa devese libertar caso queira realizar o Tao. O Tao tambémconhece a meditação, e na sua forma e ação mais har-moniosa e completa. Eu ainda falarei sobre isto. Mas,esta iluminação, indiferente de como ela é entendida, noTao é um acontecimento obrigatório, que vem ao encon-tro de todos os que se movimentam no presente hones-tamente, abertos e livres de pressões e preocupações, eque deixa a vida ser dirigida por suas forças interiores.Exercícios do tipo meditativo – já mencionei no textoanterior – são exclusivamente processos no cotidiano,contêm a observação dos acontecimentos em nós mes-mos, e servem para criar a atenção. Estas medidas espi-rituais não estão ligadas a nenhum horário e a nenhumritmo. Nós nos servimos delas para conseguir a liberda-de interior, e isto quantas vezes for necessário.

Como foi dito, o Satori ou a iluminação ocorre umdia de per si, sem que você tenha de fazer muito esforçopara isto. Este estado de iluminação (uma palavra mui-to utilizada, mas não conheço nenhuma melhor) não temnada de santo ou hipócrita em si, nenhuma pessoa seráimpedida de ter uma vida normal – apenas, esta vida, apartir de agora, terá uma qualidade totalmente diferen-te, muito melhor. É extremamente difícil descrever comouma pessoa iluminada realmente se sente. Você conhe-ce este perfume especial que a natureza exala às vezesem lindas noites de primavera? Nós o denominamos sim-plesmente perfume de primavera. Tente descrever esse

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perfume para que uma outra pessoa que não o conheçapossa senti-lo. Impossível, não é? Assim ocorre com estailuminação. Ela pertence a uma dimensão para a qual anossa linguagem ainda não encontrou palavras. E oHomem só sabe reconhecer e sentir o conhecido. Elenão encontra relação com coisas além de sua experiên-cia. Por isto quero tentar passar-lhe uma impressão dacoisa baseando-me em fenômenos conhecidos e senti-mentos. Eu disse propositalmente “coisa” para que demaneira alguma alguém tenha a impressão de queestamos falando de religião. O Homem vive a ilumina-ção na forma correta de viver, acreditando ou não nela.Esta experiência não está ligada a nenhum dogma oupadrão de conduta exterior, ela também não aceita serexigida, nem através de orações ou constantes medita-ções. Esta forma de conseguir as coisas – e muitas pes-soas o fazem assim – pode ser comparada com o empre-endimento inútil de sentar-se ao volante de um carro demotor desligado e tentar movimentar o veículo com bati-das de impulso contra o cinto de segurança.

No capítulo anterior eu expus que o Tao (e tambémo Zen) não vê o universo como uma coleção de partesindividuais, mas como um todo fechado. A pessoa ilu-minada sente espontaneamente a unificação entre ela eo resto da criação, ela se sente totalmente integrada notodo. É a compreensão de como o cosmos é formado antesantes que ele em forma de matéria, acessível à nossarazão. Isto não é experiência da compreensão, o ilumi-nado tem acesso a áreas do seu inconsciente, porém elenão as sente através de seus pensamentos, mas atravésde sua intuição. Ele simplesmente sabe das coisas, com-preende-as, sem poder explicá-las ou saber a sua ori-gem. Resumindo, é o conhecimento direto de um todoindependente, que não pode ser desmembrado.

Nosso “eu” é uma formação de recordações e pensa-mentos que pulsam ininterruptamente. Por efeito de trocaos pensamentos criam o pensador, o ego, e este, por outrolado, produz os pensamentos, através dos quais existe.

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No estado de iluminação o pensamento pára na formaque era até hoje. O Homem ainda fica com as suas re-cordações, conhece o endereço do seu domicílio, e dis-põe ilimitadamente de suas habilidades aprendidas, massua vida cotidiana não é mais dirigida pelos pensamen-tos, e sim pela intuição. Os pensamentos ainda surgem,mas se movimentam longe da consciência, como se oreferido se movimentasse em um vale largo e seus pen-samentos estão suspensos longe do seu centro passan-do silenciosamente beirando as montanhas. O pensa-mento está muito longe do iluminado. E com o pensa-mento o “eu” também pára de existir. E o nosso ego nãoconsegue mais nos dominar assim que o solo alimentí-cio lhe for tirado. E assim é sentida a realidade com aten-ção livre, sem opiniões distorcidas e preconceitos. A for-ça original do “eu” pode agir livre e desimpedida. Eu queroexpressá-la com uma metáfora. Você conhece o atualestado dos rios alemães. Do lado direito e do esquerdoeles são limitados pelos diques, as suas irregularidades,curvas e velocidades são alinhadas, e as suas águas es-tão quase mortas, totalmente poluídas. Semelhante aisso é a nossa vida. Limitada pelos diques de regula-mentações externas e opiniões próprias falsas, alinha-da, os cantos e quinas endireitados pela educação quesó servia para o objetivo de nos adaptar às normas dasociedade em que vivemos. Um rio destes não conseguemais se despoluir, está entregue ao lixo que éininterruptamente jogado dentro dele. A vida dentro delese extingue. Se destruíssemos os diques, deixássemos acorrenteza procurar o seu próprio caminho pela nature-za, logo ele correria novamente em curvas, poderiadespoluir-se e seria saudável. A mesma coisa ocorre comnossa vida. Se formos capazes de destruirmos os diquesque nos são colocados, e nos desenvolvermos espiritu-almente e deixar que a vida tome o seu rumo natural-mente – então seremos iguais a uma correnteza que fluilivremente. Nós saramos e toda a imundice será coloca-da para fora pela força da corrente da própria vida. E

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este estado totalmente livre, esta vida sem limitações éprópria do iluminado.

A iluminação é o encontro direto, o contato diretocom o Absoluto. Então cessa a separação da realidadeem inúmeras manifestações isoladas, que são a obra darazão, e a pessoa não tenta mais compreender a realida-de desta forma. Os momentos paralelos que o presenteforma são ao mesmo tempo a eternidade. Eternidade é opresente constante, e neste presente vive a pessoa doTao. Por conseguinte a iluminação também é uma expe-riência do presente absoluto. E a iluminação abre osolhos da pessoa para a realidade, ela poderá ver as coi-sas como elas realmente são, aqui, em pleno presente.

Existe uma possibilidade, um método, para apoiaro passo para a iluminação? Existe, mas ela está ligada auma série de condições, ela deve funcionar. O Taoísmoconhece um tipo de ioga. Esta ioga tem grande seme-lhança com a ioga indiana, mas a sua origem é chinesa.Ela tem como objetivo principal uma longa vida terres-tre e ocupa-se com diferentes técnicas de respiração,que podem criar estados semelhantes ao kundalini. Masnão quero falar dessa ioga. A meditação é um caminhoque seguramente o levará mais próximo à perfeição. Istoé, a meditação de uma qualidade especial. CitareiDschuang Dsi:

Se permanecermos em silêncio total, então surgiráa luz divina. Quem irradia esta luz divina, este verá oseu verdadeiro “eu”. Quem preservar o seu verdadeiro“eu”, realizará o absoluto.

Não tem sentido nenhum se você se sentar agora,tentar reprimir os seus pensamentos, e permanecer umtempo de pernas cruzadas, vinte minutos ou uma hora.Isto é bobagem total, e na melhor das hipóteses poderálhe dar uma impressão de tranqüilidade. Antes de inici-ar a meditação do silêncio, você deve ter consciência detodos os seus compromissos, e tê-los afastado um a um.Quem quiser meditar corretamente terá de estar livre detodos os seus compromissos, livre destes diques que li-

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mitam tanto o seu espírito e a sua saúde mental. Menci-onei várias vezes como você pode sair deste dilema decompromissos. Esta observação dos processos em vocêjá foi uma forte meditação – e ela funciona. Se você viverum estado de espírito despreocupado, alegre e hoje cheiode vitalidade, no aqui e agora, sem sequer pensar emontem ou amanhã – então chegou a hora da verdadeirameditação.

Você pode realizar o exercício do silêncio em qual-quer lugar. Em um canto tranqüilo de casa, em um pas-seio na natureza, ou até mesmo dentro de um transpor-te público. Você pode escolher se quer ou não fechar osolhos, a mesma coisa com a sua postura corporal. A me-ditação ou funciona, ou não. O sucesso não depende dapostura física. E não fixe um horário para a sua medita-ção. E não planeje a duração dela. Observe um gato. Oanimal se deita ou senta em seu lugar e fica parado du-rante um tempo. Quando ele achar que é suficiente, elelevanta e passa a fazer outra coisa. Ele não pensa emsentar ou deitar, ele simplesmente o faz, e para quandofor suficiente. Assim você deveria exercer a sua medita-ção, como este gato. Sem propósito, sem obrigação, napostura que lhe for confortável, andando, sentado, oudeitado. Medite o tempo que lhe for agradável, não seforce a nada. Um minuto de meditação bem feita valemais do que muitas horas de meditação que você exerceno espírito errado.

O conteúdo de sua meditação é o silêncio. Não é osilêncio resultante de estímulos reprimidos, ou de pen-samentos brecados forçadamente. Naturalmente a suamente deveria estar livre de pensamentos que atrapa-lhem. Esta liberdade você alcançará de maneira até fá-cil, quando aparecer simplesmente como observador deseus pensamentos, e esperar por eles antes mesmo queapareçam. Neste exercício você logo perceberá que osseus pensamentos se acalmam, se tornam mais raros,até que um dia parem completamente. Você precisa ape-nas manter distância deles, e deve parar de ocupar-se

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com eles. Esta observação, a sua atenção você só conse-gue manter durante a sua meditação. Fique tranqüilo eseja atencioso. Escute o seu interior com todos os seussentidos. Não é necessário mais nada. Se esta medita-ção for praticada em um estado de liberdade interior,lhe resultarão energias muito fortes, e incorpora umainteligência que por outro lado está estabelecida no seupensamento racional. E um certo dia, bem despretensi-osamente e sem efeitos colaterais espetaculares, comopor exemplo, percepção de luz ou outras visões, vocêviverá uma imagem abrangente da verdade. A verdade,também chamada de iluminação, instalou-se em você.

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XIII.Exercícios para todos os dias

Logo no início, no prefácio, mencionei que uma dasmaiores dificuldades na coisa era a falta de motivo coma qual ela deveria ser movida. Sem motivo, quer dizer,viver a sua vida sem motivo determinado, sem o objetivode tornar-se algo ou alcançar algo. Os sábios do Taoencontraram uma comparação muito delicada para estaforma despreocupada de passar o seu dia: em lago umaandorinha sobrevoa a superfície lisa da água, se espelhana água, mas nem a andorinha nem o lago chamam pro-positalmente este espelhar-se. Neste estado ideal, nos-sa vida deve ser leve como uma pena. Eu sei muito bemque é mais fácil falar do que fazer. É interessante que eupude constatar por experiência própria, que os interes-ses materiais, ou seja, assunto financeiros e profissio-nais, são muito bem cuidados no Tao quando decidoenergicamente viver a partir de agora e futuramente destaforma. Parece que uma mão do futuro passando pelotempo interfere em minha existência e que me presen-teia com um estado de espírito e mente que só alcança-rei através das experiências muito positivas desta formade vida. Uma experiência boa após outra confirma emseqüência que minha decisão está correta; até as peque-

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nas necessidades e preocupações cotidianas desapare-cem. Eu me torno capaz de viver e agir aqui e agora bemconsciente e com todos os sentidos aguçados. Quandotenho de tomar uma decisão não fico pensando e anali-sando a melhor solução. Escuto o meu interior e captode lá o impulso com clareza espontânea – e ajo sem he-sitar (sendo que agir só pode significar uma respostaenérgica, enérgica e corajosa onde eu antes teria agidomais cuidadosamente por causa de uma avaliação). Ob-servei em mim que esta falta de intenção surge a qual-quer hora por si, quando as coisas que eu antes pratica-va controladamente agora entranharam-se em mim.Desta maneira qualquer tipo de avaliação pára na horade agir. Eu mesmo preciso deixar de ser corrupto. Lem-bre-se que a vida da maioria das pessoa é impregnadade corrupção, já desde a infância. Corrupção significaque eu faço algo, pois recebo algo em troca. Talvez eu váà igreja pois lá alguém perdoa os meus pecados, ou mepromete que depois da morte não irei para o inferno – ouqualquer outra bobagem.

Também ajo corruptamente quando deixo de fazeralgo que gostaria de fazer, pois tenho medo do castigoameaçado. Desta forma iniciam-se em nossa vida os pri-meiros processos de adaptação. Nós nos esforçamos parasermos uma criança obediente, para que a mãe nos ame,e para não recebermos palmadas ou outros castigos comopor exemplo nos tirar certos privilégios (não poder sair).Agir não corruptamente exige coragem e força para res-ponsabilizar-se. Nós todos geralmente temos a tendên-cia de delegar a outros a nossa responsabilidade, mes-mo ao preço de ter de fazer aquilo que aquele que assu-miu a responsabilidade quer. A pessoa que vive no Taonão tem medo dessa responsabilidade. Ela está abertapara toda tarefa que a vida lhe colocar. E, por querer avantagem, ela nunca fará coisas que, no fundo, não querfazer. Seus dias não serão mais ditados pelo medo deprejuízo ou pela ambição de lucro. Ela vive realmentetranqüila. A raíz da palavra tranquilidade contém o con-

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ceito de soltar, solucionar. Com isto quero dizer que osnossos compromissos materiais são ligados a idéias.Assim que estivermos libertados deles interiormentenossa vida transcorrerá totalmente sem preocupações.Quem realmente viveu como a mão do Tao teceu portrás maravilhosamente os fios da vida, não se preocupa-rá mais, independentemente do que terá de enfrentar.

Apesar de minha tentativa de ser claro você teráperguntas e inseguranças, principalmente no que dizrespeito à realização prática de nossos pensamentos emnossa vida. Por isso quero passar-lhe todas as informa-ções a respeito de alguns exercícios que lhe facilitarão aentrada na vida do Tao. Os exercícios estarão forçosa-mente marcados por intenções, antes deles deverá ocor-rer um ato de desejo pelo bem ou pelo mal. Mas assim,você tem a possibilidade de exercitar esta coisa no coti-diano quanto tempo quiser, até ela estar entranhada emvocê e depois, realmente ser praticada sem intenções,totalmente sem motivo

Reconheça os seus compromissos

Toda pessoa tem seus compromissos, uns mais,outros menos. Mas todos nós de temos de atendê-los.Antes de conseguir se libertar de seus compromissosatravés da observação, reconhecendo-os, você precisater uma visão de tudo que o prende e segura. Você devefazer uma lista e ir marcando tudo que encontrar decompromissos em você. Já esta relação é um ato de ob-servação: através dela você percebe o que o prende, eonde não tem liberdade. Isto pode ser propriedades me-ramente materiais como imóveis, ações, automóveis, jóiasou dinheiro, ou valores ideais como o relacionamentocom o parceiro, amizades, a sua posição na economia,ou na vida pública, ou a sua posição quanto a questõespolíticas, religiosas e filosóficas. Você deve saber que paraa pessoa do Tao a opinião própria, que ela tinha sobresi, não vale mais nada. Antes disto, ela não é totalmente

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livre. O compromisso com fenômenos da própria autori-dade interior, do próprio eu, são os mais difíceis de apa-gar. Mas são exatamente eles que determinaram até hojenosso estilo de vida, em parte até sem que tivéssemosconsciência disto. Se você for capaz de considerar comocompromisso tudo que enfrentou até hoje, e tudo, quedesde então gosta e dá valor (em parte pura suspeita),mais tarde renegar tudo que lhe foi ensinado da infânciaaté hoje como a verdade de sua existência e da vida,então você deu um verdadeiro passo para a liberdadeinterior. Quero ressaltar, mais uma vez, que ninguémtem de abandonar o seu marido ou a sua esposa paraser livre. Compromisso é um processo que vem de den-tro, e muito ocultamente. Tão oculto que você provavel-mente não conseguirá fazer a sua lista de uma vez, poisexistem muitas coisas que estão em você secretamente,sem que você saiba. Na liberdade é muito mais fácil amaros outros. Se amarmos o outro a partir de nossos com-promissos, haverá muita intenção e corrupção. Mas ja-mais quando o amor resulta da liberdade interior.

Leia diariamente a sua lista uma ou mais vezes, com-plete-a com o que lhe ocorrer – e observe. Observe-se nodia a dia, como você reage a coisas, pessoas ou idéiascom as quais você tem um compromisso e qual é o efeitoda sua reação, e da sua ação em conseqüência destecompromisso. Logo compreenderá que muitas coisasseriam diferentes, você decidiria diferente, se pudesseviver sem estes compromissos. Você só perceberá comoa sua existência é limitada por estas condições, quandoolhar na cara da miséria, sem desviar o olhar, colocar-sediante da realidade, dos fatos, sem disfarçar com inter-pretações pensadas. Observe que durante toda a obser-vação você não é perturbado por nenhum pensamentoparalelo. E abstenha-se de qualquer comentário sobreos fenômenos que você perceber. Estes são condiciona-dos e parciais em qualquer pessoa. Infelizmente nós gos-tamos demais de nos orientar pelas regras de jogo e leisque a sociedade nos impôs, orientamos o nosso pensa-

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mento segundo a opinião pública, em vez de confiar emnossos sentimentos profundos.. Enquanto você tomardecisões voltadas à visão da opinião pública em vez deorientar-se por sua intuição, você ainda está muito liga-do, e talvez não registre este seu compromisso com todovigor. De forma alguma estou pregando aqui uma rebe-lião ou idéias revolucionárias, pois a única revoluçãoque deve ocorrer aqui, acontecerá dentro de você, e nãoserá vista por fora. A pessoa do Tao automaticamenteagirá certo e mudará para as regras válidas sem que nin-guém tenha de ensinar-lhe isto. Mas a ordem em que elavive é natural, não imposta. A sua moralidade é autênti-ca, não é nenhuma beatice que é colocada para iludir osoutros. Você pode iludir qualquer outra pessoa, mas como Tao este jogo não funciona. Aqui só é possível a hones-tidade total. Honestidade consigo mesmo. Se você vê umcompromisso e o renega, esse compromisso continua aexistir, indiferente da sua postura, quer você aceite a suafraqueza ou não. Isto é a parte bonita na vida do Tao –não existe falsidade, nem ilusão ou mentira.

Quanto mais você acabar com seus compromissos edependências, mais persistente será a atenção e a capaci-dade de viver aqui e agora, livre de pressões e preocupa-ções, e de determinar os seus dias. É preferível ser deta-lhado demais do que relaxado. E mais um conselho: a vidano Tao é uma coisa alegre, e não séria ou severa. Conside-re a sua existência mais como um jogo, ao em vez de vê-lacom auto-piedade como um andarilho no vale daslamentações. E não pratique este exercício de descobrir oseu aprisionamento forçosamente, faça tudo com uma le-veza como se você fosse uma pena flutuante. Assim, ob-servar e dar atenção não se tornam uma tarefa pesada. Ascoisas acontecem por si, pode ser tão simples e tão fácil, sevocê entender como largar. Um consolo é saber que o pro-cesso de largar os compromissos não precisa ser adminis-trado por nós mesmo. Esta tarefa podemos tranqüilamen-te deixá-la por conta da força do Tao. O que resta para nósé a parte de olhar, dar atenção e observar.

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A arte de viver no presente

“Quando estou comendo, eu como; quando estoubebendo, eu bebo; quando estou dormindo, eu durmo.”Assim um sábio da China antiga expressou a sua ma-neira de viver no presente. Soa muito simples, você devepensar que também faz isto. Mas devo lhe dizer que vocênão faz isto, comer quando estiver comendo. Quandoestiver comendo – observe você mesmo, como isto ocor-re. Enquanto estiver dando a garfada, mastigando e en-golindo, a sua mente está em outro lugar. No café damanhã os seus pensamentos já estão no local de traba-lho; enquanto isto, você passa manteiga no pão, masnem percebe. Você está a ponto de se preparar para ostrabalhos e desafios do dia que começa, e está avaliandoas suas possibilidades e pensando nas suas reações. Istoé o que você realmente faz quando toma o café. E nasoutras refeições também não é diferente. Se for francocom você mesmo, admita que raramente você está comos sentidos naquilo que está fazendo. Ou você se anteci-pa a acontecimentos que virão, ou depois se perde emseus pensamentos e analisa as lembranças de algunsacontecimentos, que parecem, no momento, ser maisrelevantes do que aquilo que você está fazendo naqueleinstante. Em outras palavras: a sua vida no presentenão acontece. Pois os pensamentos surgem da atividadedo cérebro. O cérebro é matéria, e do passado. Em con-seqüência os nossos pensamentos também são de natu-reza material e do passado. Como o processo de pensa-mento sempre compara tudo com valores e dados dopassado – mesmo operando no presente – ou seja, preci-sa utilizar o arquivo da lembrança em tudo que faz, vocêse movimenta basicamente no passado assim que co-meçar a pensar (ou não parar de pensar). Isto é um fato.

Eu admito que é muito, muito difícil, ficar com to-dos os seus sentidos no presente. Todos os nossos im-pulsos nos empurram sempre para o passado. Nós tam-bém não somos capazes de ocupar nosso pensamento

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com a atividade do momento, constantemente o desvia-mos para campos que não têm nada a ver com o mo-mento atual. Desta forma a pessoa sempre se desvia doacontecimento real que ocorre diante de seus olhos, evive em uma dimensão menos atual. Este defeito de nun-ca encarar a realidade já nos aprisiona desde a juventu-de. É um costume que não conseguimos perder, poisnão temos consciência dele. Nós realmente temos a im-pressão de que estamos nos ocupando com comer e be-ber enquanto estamos fazendo isto. Então o seu primei-ro exercício consiste em, futuramente, dirigir sua aten-ção ao acontecimento do momento. No início junte osseus pensamentos e os leve à sua atividade do momen-to. Como a nossa mente não está preparada para viverno presente é necessário superar com energia a inérciados velhos costumes enraizados. Antes de mais nada, énecessário que você se interesse pelo presente. Aqui jáestá a primeira grande dificuldade. O nosso cotidiano,como ele realmente é, nos desagrada muito. Ele é monó-tono, repetitivo, um dia quase igual ao outro, até os nos-sos pensamentos se movimentam em círculo, e se repe-tem constantemente. Às vezes nos sentimos como talvezuma planta se sinta, cuja semente o destino levou a umlugar sombrio e desagradável, onde ela deve se desen-volver enquanto existir. Nós não reconhecemos em nos-sa vida nenhum sentido agradável – e por isto estamossempre fugindo da realidade. A nossa mente, os nossospensamentos estão sempre ocupados em nos tirar datristeza do momento e nos passar para uma visão daexistência em campos melhores. E assim passam-se osanos, passa a vida. Nós vivemos, mas também não vive-mos. Foi uma constante fuga, um desvio das prováveisdurezas da realidade. Se então vem alguém e quer nosdestruir este caminho, exigir que nos coloquemos namiséria de nossa vida, então automaticamente tende-mos a rejeitar esta exigência. Quem agüenta enfrentarestas condições desamparado, olhá-las de frente, iden-tificar-se com elas, aceitá-las, sem reservas? Nós apren-

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demos a reprimir desde a nossa infância o medo destessentimentos horríveis. A única alternativa que encon-tramos é a dedicação a pensamentos e sonhos que te-mos acordado, nos quais nos vemos bem sucedidos efortes. E na prática da vida nós tentamos, o melhor pos-sível, participar um pouco deste poder, pois nos dá se-gurança e nos permite suportar melhor a nossa vida li-mitada. Por este preço da segurança, nós nos submete-mos constantemente à autoridade de outras pessoas,aceitamo-las, e nos conduzimos conforme as suas ins-truções, apesar de muitas vezes isto ir contra a nossamais profunda convicção. Nós compensamos estes esta-dos afastando-nos em pensamento daquilo que estáacontecendo.

Tratamos os nossos problemas da mesma forma.Nós os assimilamos mentalmente, os analisamos, pro-curamos possibilidades de solucioná-los – e nos movi-mentamos em círculos até acharmos uma saída. Nossospensamentos acompanham os problemas com visões devitória e grandeza, e imaginamos afastar o sofrimento ea tristeza diariamente, repetidamente, e enganamos anós próprios. E além disso, buscamos assiduamente umsentido e objetivo para nossa vida. Nós aprendemos quetudo na vida tem de ter um motivo, um objetivo, de al-guma maneira deve ter uma finalidade. Esta imaginaçãoé uma formação da razão, e é errada. Nossa existêncianão tem nenhum objetivo determinado, nenhum moti-vo, nenhuma finalidade. É difícil para você imaginar, masé verdade. Sem dúvida falta também o motivo para asublimação no vale das lágrimas. A vida não é eleita paradeixar o Homem ter uma existência cheia de sofrimento.Nós devemos deixar nossa vida transcorrer como ela é,nada mais. Mas viver da maneira certa. E viver de formacerta nós não conseguimos desde o momento em quecomeçamos a viver o presente através do passado, empensamentos de lembranças, em análises, mas não di-retamente. Quem vive totalmente no presente deve olharde frente as suas dificuldades, a monotonia, e todos os

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fatos infelizes, indiferente de gostar ou não daquilo quepercebe. Não pense que logo de início temos de gostar eaceitar tudo aquilo que vimos como realidade de nossavida. Estamos isolados em nosso eu, do nosso ser origi-nal, que constitui nossa verdadeira pessoa. O que con-sideramos a pessoa, é o nosso eu, o ego mal-afamado.Este eu é uma formação que sempre é criada por pensa-mento, conhecimento, experiência e recordação, e querelaciona a sua existência com valores do passado. Nãoé possível para o ego viver totalmente no presente. Quan-do você conseguir estar totalmente presente e observan-do cada momento de seu dia, você estará vivendo o seueu original, o “eu” verdadeiro de Dschuang Dsi. Estavida através do eu ocorrerá quando você puder voltar osseus pensamentos ao presente e ao mesmo tempo ob-servar esses pensamentos. Faça isto pela sua própriafelicidade e bem-estar.

Tenha esta percepção consciente do presente comoum exercício permanente e diário. Fique atento aos pen-samentos que tanto querem desviá-lo e distraí-lo do pre-sente, do momento. Enfrente estas cenas feias iniciais eencare os fatos de frente. Pois assim, você, ao mesmotempo, muda a sua situação. Aquilo de que você decidi-damente não gosta, não ficará em sua vida. Com a li-bertação do seu eu original você coloca forças em movi-mentação, que agem pela sua felicidade e modificam fun-damentalmente a sua situação para muito melhor doque você podia imaginar através de exercícios de pensa-mento positivo. Deixe o futuro de sua vida por conta doTao. Aja espontaneamente conforme a sua inspiração, enão fará erros.

Os seus pensamentos se tornam mais insignifican-tes no presente e diminuirão cada vez mais com a suamente observadora, soarão mais longe do seu núcleo esumirão. Você só precisa aproveitar aqueles impulsosque lhe são úteis para dominar as tarefas momentâne-as. Idéias e imaginações que atingem a sua valiosa pes-soa futuramente serão drasticamente esquecidas. Pois

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logo você não terá mais necessidade de fazer uma ima-gem de você mesmo, você se aceitou, sem desejos demudanças, sem querer ser diferente daquilo que você é– uma pessoa que vive o aqui e o agora. Como você ante-riormente já se esforçou por reconhecer os seus com-promissos e já se libertou deles, os pensamentos nãoconseguem mais circular ao redor destes fenômenos edistraí-lo. Surgirá por si mesma uma tranqüilidade e har-monia nesta mente até hoje tão confusa. Os conflitos eas confusões se diluirão e não terão mais força pararetornar.

Como enfrentar futuramente os seus problemas

A receita é muito simples. Difíceis são as condiçõesque podem lhe possibilitar a aplicação da receita. Já fa-lamos detalhadamente sobre essas condições: liberta-ção de todo tipo de compromissos interiores e vida nopresente. Não é necessário mais nada – mas com menosdo que isto também não dá.

Você deve considerar muito importante o seguinte:a dúvida ou a hesitação não influem em absolutamentenada no efeito da força do Tao. As duas coisas são pro-cessos de pensamento que não têm contato com cam-pos opostos aos do pensamento. Quem vive direito a vidado Tao, ou seja, de momento a momento, não será tor-turado por idéias de dúvidas e hesitações, está livre deimaginações artificiais. Esta pessoa vive na realidade,ela percebe o que é e o que acontece, e não coisas queeventualmente poderiam acontecer. Estas últimas sãoinsignificantes, e não vale a pena ficar pensando nelas.A vida também não poupa a pessoa do Tao com as suasexigências, mas ela enfrenta estes desafios com outrosmeios do que os das pessoas que só agem conforme asua razão.

Nós humanos temos, além da nossa razão lógica,uma inteligência sutil, profundamente oculta, até agoraescondida da maneira de trabalho do intelecto. Na vida

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cotidiana, esta inteligência é atropelada pelos inúmerosprocessos na cabeça das pessoas. Em momentos de cri-se extrema brilha um pouco desta energia, mas nós nãosomos capazes de utilizarmos os seus meios. Ela se afastade todo tipo de pensamento. Pode soar como um para-doxo dizermos que a verdadeira inteligência não tem nadaem comum com o pensamento. Se você partir do princí-pio de que usamos, o conceito inteligência, forma arbi-trária para a capacidade de pensar logicamente e cons-trutivamente, mas esta lógica não tem nada a ver com ainteligência que é estranha, você terá dado um passo afrente. A inteligência da qual falo aqui, realiza na natu-reza coisas tão sábias como, por exemplo, as plantasque espalham as suas sementes através do estômago depássaros. Se em nossa vida surge um problema, sejacom uma doença, uma dificuldade financeira, ou umconflito em um relacionamento humano, então com oauxílio da inteligência podemos eliminar em todas aspessoas este problema existente na inteligência materi-al. Para isto nosso pensamento é totalmente inútil. En-quanto ficarmos pensando em possibilidades, esforçar-mos nossa cabeça, e tentarmos com meios próprios en-contrar o caminho para fora da miséria temporária, es-taremos automaticamente bloqueando qualquer outrotipo de força em nós. Ela nunca entrará em ação en-quanto o Homem operar com o instrumento do ego. Sóquando pararmos de tentar solucionar este problema,esta inteligência poderá desenvolver a sua força e elimi-nar estes problemas da nossa vida. Este processo ocor-re por si. Apenas temos de cuidar para que a substânciade problema, da tarefa, seja levada para perto do nossomais profundo eu. E isto conseguimos através de aten-ção, de observação.Temos de contemplar o nosso pro-blema novamente, virá-lo e revirá-lo para todos os la-dos, não desviar o olhar se a própria culpa é o motivo damiséria ou do perigo que ameaça a nossa existência.Olhar de frente, detalhadamente. E não desperdiçar pen-samentos sobre o problema, só observá-lo. Você terá a

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impressão de que olhar e sentir o problema não servepara nada. Tudo isto soa tão sem efeito, fraco, sem ação!E é exatamente nesta fraqueza, nesta aceitação de im-potência, da fraqueza diante das coisas, que surgirá aação espontânea do Tao. Trata-se de descobrir o proble-ma, senti-lo, entretanto senti-lo de uma maneira total-mente diferente daquele sentimento “pensado” descritonos capítulos anteriores. Você precisa se exercitar paraconseguir um sentimento honesto sobre os seus proble-mas e situações de vida. Acredite, quando tiver aprendi-do a ver os problemas desta forma, por experiência pró-pria bem-sucedida, nunca mais tentará alcançar algode outra maneira. Você nunca deveria quebrar a cabeçapensando em como solucionar um problema. Certamentevocê se anteciparia ou formaria uma expectativa com-pletamente falsa em você. A sua razão limitada não podeenfrentar os desafios da vida, seja qual for a espécie, damaneira tão esperta e detalhada com o faz esta inteli-gência em você. Talvez você tenha se irritado quando euescrevi que a dúvida e a hesitação não poderiam influ-enciar estas ações. Mas reflita, esta inteligência além dopensamento lhe pertence, ela está aí, escondida, masexistente. Você pode renegar, ignorar, rejeitar as suas ca-pacidades meio inconscientes, mas elas existem mesmoassim. Por isso a hesitação e a dúvida não conseguematingir esta realidade, Só a sua conduta, a sua disposi-ção, de no seu lugar deixar a inteligência do Tao agir,essa força criadora existente em você, solucionarão osproblemas da vida, nada mais. Enquanto você agir comforça própria e poder, você estará apenas fortificando oseu ego, esta formação que só atrapalha a sua realização.

Com qualquer tipo de desejo você deve agir comocom os problemas. Deixe os detalhes por conta da sabe-doria do Tao, dê-lhe apenas o assunto. Observe os dese-jos sem pensar, adivinhe-os e realize-os – para isto sãonecessários apenas pequenos impulsos, e você verá comoé fácil realizar a sua vida com meios da força do Tao emvez da confusão que o seu ego imagina.

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Cuide bem de seu corpo

O Tao não conhece limitações para prazeres e nãoprescreve dietas ou regras alimentares. Como você temem si todas as capacidades descritas, ninguém pode tirá-las de você, você pode apenas negá-las, pois não achapossível a sua existência apenas através de experiênci-as, a conduta exterior quase não terá efeito sobre a açãode sua energia estranha. Os beatos adoram nos imporregras de como devemos viver, nos explicam o que é pe-cado e o que não é , sendo que eles mesmos são tãotravados e presos que dá pena. Este tipo de pessoa estátão longe do seu interior, isolada do seu eu, que lhesserá muito difícil libertar-se desta visão parcial de suaexistência.

Em relação à sua vida espiritual, você pode prati-car sexo diariamente, até verdadeiras orgias, acompa-nhadas até de uma ou duas garrafas de bebida alcoóli-ca, fumar sessenta cigarros e comer quilos de carne. Essamaneira de vida com excessos só influenciará a correntedo Tao de uma maneira: fará mal para o seu corpo. Nós,pessoas da civilização, já perdemos há muito tempo arelação com

o nosso corpo. Não estou falando de uma veneraçãonarcisista por nosso corpo. Esta relação perdida se ex-pressa da seguinte forma: somos displicentes com o nos-so organismo, não lhe damos atenção, e sempre lhe im-pomos coisas que ele suporta durante algum tempo semreclamar, mas que lhe fazem mal. A pessoa do Tao en-contra por si uma relação com o seu corpo, pois este éuma unidade com o espírito da pessoa, não está separa-do dela, porém forma um organismo de ação recíprocaque é muito suscetível a correntes não materiais e influ-ências. Eu acredito – e neste ponto não estou só – que adoença, basicamente, é de natureza psicossomática, quequalquer tipo de sofrimento tem antes o seu solo nutri-ente espiritual, e depois começa a aparecer em forma dealgum distúrbio orgânico. É muito importante não con-

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siderarmos nosso corpo como parte isolada de nós. Éerrado considerar a pessoa exclusivamente um corpo comum cérebro que representa isoladamente o nosso espíri-to, se ambos têm um papel importante para nosso bem-estar e para a capacidade de desempenho mental e espi-ritual.

Por isto, quero dar-lhe algumas recomendações decomo você pode desenvolver uma relação mais íntima,melhor e mais compreensível com o seu corpo e suas ne-cessidades. Se observar bem, você verificará que dos seussentidos a visão é utilizada de forma mais consciente, emsegundo lugar a audição, e os outros sentidos dependen-do da necessidade, sendo que o tato quase não é maisconsiderado uma função importante na vida. Quem querviver a natureza completamente, deveria aprender a sen-ti-la com todos os sentidos, com um todo do sentimento edo acontecimento, que não é interpretado pela razão an-tes de chegar no nosso interior. É tão importante queaprendemos espontanemanete e diretamente a utilizar osnossos sentidos. Pense em cenas de acidentes de trânsi-to, quando testemunhas dão depoimentos contraditóriosdo mesmo acontecimento. Estas pessoas realmente acre-ditam que viram as coisas da maneira que estão colocan-do. Cada um um pouco diferente, ou totalmente diferentedo que todos os outros. O processo de pensamento influifortemente a nossa visão de acontecimentos que ocorre-ram diretamente em nossa frente.

O seu exercício consiste em aprender a utilizar osseus sentidos como uma unidade. Devido ao processode pensamento acionado antes tornar-se consciente, vocêsepara automaticamente a audição da visão, do paladar,do tato, e do olfato. E nós demos uma nomenclaturapara a sensação dos nossos sentidos, cada um tem umnome próprio. E exatamente esta diferença, separaçãodas sensações é tão errada. O ser original, que devería-mos ser, utiliza todos os sentidos simultaneamente, ab-sorve espontaneamente os acontecimentos, não se con-centrando apenas nos olhos, porém em toda a sua uni-

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dade, sem pensar, sem elaborar as suas impressões. Natentativa de assimilar a realidade como um todo comtodos os seus sentidos, você perceberá rapidamente queisto não é possível intelectualmente. Você não consegueadministrar processos simultâneos destes com a razão,muito menos entendê-lo. Ficou para a sua intuição, osseus sentimentos, perceber com um todo as impressõesde seus sentidos. No início você não sentirá muito isto.É preciso ter paciência. Mas chegará o dia em que vocêautomaticamente não reagirá mais a estímulos exter-nos com apenas um sentido, mas sim com muitos, e oque vai admirá-lo mais é que a intensidade com a qualvocê escuta, sente tato e sabor, ganhou uma dimensão equalidade bem diferente. Então será mais fácil a decisãode se você deve ou não fumar 60 cigarros e fazer comque a mucosa nasal pare de trabalhar em relação à ca-pacidade de sentir odor.

Em relação à alimentação o Tao não tem regras einstruções. Nos conventos taoístas eles são vegetaria-nos, o que é muito conveniente, pois os monges podemplantar nos jardins do convento a sua própria alimenta-ção de maneira barata, e assim serem relativamente in-dependentes. Por outro lado a permanência nestes con-ventos muitas vezes é limitada, não se pode comparar ostatus de monge com o de padre que através de seu votodeve ficar o resto da vida no convento. Mas mesmo as-sim vale a pena refletir sobre a alimentação vegetariana.Há muitos anos eu conheci um Yogue-Maharishi queera um vegetariano muito assíduo, ele rejeitava qual-quer tipo de produto animal, não comia nem ovos nemlacticínios. Ele sempre explicava aos seus ouvintes queos animais mais fortes da Terra, o elefante e o búfalo,eram vegetarianos e dispunham desta força imensa. Elecomparava a alimentação vegetariana com o combustí-vel de um avião a jato, que queima fácil e é etéreo, en-quanto que a carne pode ser comparada com óleo die-sel, cheio de resíduos e conteúdos que pesam no orgãodigestivo. Em grande parte eu dou razão a este homem.

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Alimentação vegetariana é realmente mais saudável. Es-tas clínicas de reabilitação para doentes de câncer pres-crevem uma alimentação vegetariana como fundamentalpara uma possível cura. Caso você vá refletir sobre umaalimentação vegetariana, você deveria saber o seguinte(pois aqui falham muitas tentativas): ser vegetariano nãosignifica nem ficar nas suas atuais receitas, comer osacompanhamentos e deixar de comer a carne. Mas tam-bém não significa deixar estes acompanhamentos e en-contrar algo que substitua a carne, por exemplo estasfrituras obscuras. Nada disto tem sentido. Ser vegetaria-no significa uma mudança total de pensamento em rela-ção à composição de sua alimentação. Os pratos que vocêvai comer são compostos baseados em pontos de vistabem diferentes do que os acompanhamentos de sua cozi-nha até hoje. É bom que você adquira alguns bons livrossobre alimentação de alto valor nutriente, eu sairia donosso assunto se eu escrevesse aqui receitas de cozinha.Para mim é importante que você entenda o princípio.

E pratique esporte. Não este esporte de competiçãoque levado pela ambição prejudica a pessoa muito maisdo que beneficia. Pratique esportes que divirtam e rela-xam. Eu escrevi que não estou muito ligado com a iogachinesa, pois ela se concentra em práticas de Kundalini,sendo que os métodos que se ocupam com a meditaçãodo silêncio conseguem resultados bem melhores, semque o praticante tenha que correr os riscos psicológicosda técnica Kundalini. Mas a ioga indiana Hatha-yoga éuma coisa muito boa. Você não deve considerar a Hatha-yoga como mero esporte, ela abrange mais coisas. Maspara a pessoa do Tao é suficiente utilizar esta ioga parafortificar e manter a sua vitalidade. E se você quiser pra-ticar a ioga não a considere como um esporte de compe-tição. Pratique com cuidado, e não se esforce demais.Ligamentos e músculos podem romper-se tão rápido edemoram tanto para sarar. Aqui também é bom comprarum bom livro, hoje em dia já existe uma grande quanti-dade deles nas livrarias.

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Aprenda a confiar na sua intuição

Ainda hoje você reage aos acontecimentos cotidia-nos de sua vida examinando com a razão cada processo,mais detalhadamente em casos mais graves, e mais li-geiramente em assuntos simples. Mas de qualquer for-ma você precisa de tempo para deliberar. E a cada vezque você estiver diante de uma decisão pequena ou gran-de você bloqueia o efeito da força do Tao com este pro-cesso de pensamento que o prepara para a sua reação.A sabedoria que existe em nós não tem chance de agirou dar-lhe um impulso para a ação se você nem escutare se estiver ocupado em encontrar você mesmo a deci-são. Sendo que você pode tranqüilamente confie nestainteligência poderosa, tanto nas pequenas como nasgrandes coisas da vida, que decidem sobre o bem e a dordo futuro.

Torne um exercício diário não desperdiçar maispensamentos com todos os pequenos desafios ou acon-tecimentos. Aja conforme o impulso de sua intuição queentra em ação para todo acontecimento por menor queseja, e imediatamente, sem pausa. Aprenda a percebereste impulso – e depois aja adequadamente, sem pensarno que é certo ou errado. Acredite, e é certo, nada podeser errado para você, se você confiar nesta autoridade.Como se trata de pequenas coisas, no início você nãoestá arriscando tanto, se você tiver a conduta que lhe foirecomendada. Você logo terá a experiência de como ébom viver desta maneira espontânea, e você terá suces-so. Os resultados de ações espontâneas mostram sabe-doria criativa e produtiva que você nunca obteria comtodo o pensamento da força e do conhecimento do seueu. Com a razão você avalia as coisas parcialmente elimitadamente. Por experiência própria eu sei que mui-tas vezes um impulso me leva a dar um passo, que eudou, mas logo em seguida a coisa parece ter sido tocadade forma errada. Vem uma reação que apresenta a deci-são espontânea como ação errada, quando por exemplo

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dou uma resposta mal-criada para uma pessoa da qualeu dependo e o atingido me tira o favor que me presta.Mas mais tarde eu sempre descobri que esta decisãoimediata, que veio do sentimento profundo, foi correta.Eu nunca sofri conseqüências de um passo como este.

Quando você tiver adquirido confiança suficiente nassuas próprias capacidades, você pode utilizar o procedi-mento também para coisas maiores, como por exemplose você deve se tornar autônoma, ou casar com esta pes-soa, entregar o seu imóvel, imigrar, tornar-se jardineiro– ou seja lá qual for a coisa. Coloque as grandes decisõese as ações vitais de sua vida tranqüilamente nas mesmasmão que as pequenas. Você nunca se arrependerá. Se porcausa de um erro de decisão (aparente) a sua casa seincendiar, então tenha certeza que isto acontece apenaspara que você depois consiga uma casa melhor.

Exercite-se em não distinguir

Tanto os taoístas como os zen-budistas pregam unâ-nimes que o mundo que eu percebo é uma peçainseparável de mim. Por isto nos pensamentos eu nãodevo fazer nenhuma separação entre o “eu” e o meu meio.O universo e o ser que vive nele formam uma unidadefechada. A física nuclear neste anos nos mostrou indíci-os indiscutíveis para este fato, por mais incompreensí-veis que tais afirmações possam ser para a nossa razão.E os sábios do Tao e do Zen explicam uníssono clara-mente que o passo para o Satori, para a iluminação, nãoresulta apenas do reconhecimento desta unidade depessoa e criação.

Nosso exercício nesta “disciplina” tem de ser de-terminado pelo sentimento, pois não podemos transmi-tir esta tarefa à razão, por mais disciplinada que estaseja. Tente uma vez, quando você estiver passeando pelanatureza. Você vê pássaros que alegram com o seu can-to, você vê um riacho com água correndo sobre as pe-dras no fundo, você vê árvores, arbustos e todo tipo de

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plantas, desde um capim até uma margarida. Agora ima-gine que todas estas coisas vistas, ouvidas, cheiradassejam um único organismo, sejam membros de seu pró-prio corpo e estejam totalmente ligadas com você, mes-mo que isto não o atrapalhe em seus movimentos. Quan-do você puder sentir isto, esta relação, então você senti-rá algo que realmente é assim.

Quando então você estiver diante de uma árvore,esta não será a palavra “árvore”, será uma parte de você,esta árvore faz parte de você. Tente ver o seu meio destamaneira, por mais ilógico que isto possa lhe parecer. Parede classificar as coisas que você vê no esquema que vocêaprendeu, pare de dar nome às aparições na natureza, anão ser que seja o seu próprio nome. Acredite, você sen-tirá esta relação, a ligação original entre você e estascoisas ao seu redor. No estado de iluminação este co-nhecimento da unidade do Homem, do indivíduo com ouniverso, existe claramente. Esta relação de maneiranenhuma diminui a sua capacidade de viver e agir comoum ser independente. Você viverá um verdadeiro cresci-mento, uma ampliação da sua riqueza interior.

Você pode seguir e deixar de lado um ou outro con-selho. Se você aprender a viver no presente, os seus sen-timentos, a sua intuição lhe proporcionaá uma visãomaior no verdadeiro acontecimento, os modelos de con-duta resultarão em parte por si só.

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XVI.Resumo

Assim chegamos ao final das instruções práticas.No texto, eu repeti algumas vezes um problema visto poroutro lado, eu procurei salientar tão claramente quantopossível as poucas regras da vida no espírito do Tao, demaneira que qualquer pessoa pode entendê-las apesarde sua simplicidade aparente. Por favor não tome o quefoi dito como uma nova forma de algum ensino de cura.O fato de que o descrito nos foi transmitido de velhostempos da China, não quer dizer nada. Toda pessoa es-conde este conhecimento da natureza do seu eu em si epoderia obter este conhecimento por si mesmo atravésde uma observação detalhada. Se em alguns pontos im-portantes eu me referi várias vezes à observação, aten-ção, foi porque a linguagem não tem palavras adequa-das que correspondam ao teor espiritual das afirmaçõesdo Tao. Eu tive que me contentar com o nosso vocabulá-rio – e como eu já disse ele é insuficiente. Às vezes eu mesinto diante de uma tarefa como ensinar por escrito umapessoa a andar de bicicleta. Imagine este problema. Comovocê quer explicar através de simples palavras as leis dadinâmica do movimento para uma pessoa, para que estanão tombe quando estiver sobre a bicicleta, mas sim faça

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um movimento estável. Assim semelhante são os senti-mentos que o leitor e a leitora devem sentir ao ler estelivro. Ensinam-lhe a “andar de bicicleta” sem lhe mos-trar uma bicicleta. As leis do wu wei, de não agir, estãofora de qualquer interpretação intelectual. Não se podecompreendê-las totalmente. Mas pode-se muito bem vivê-las. Você precisa apenas experimentar ó que leu na suaprópria vida, até mesmo desconfiando. A experiência nofim só pode ser uma vida que sente os acontecimentosdo dia no presente e não se preocupa com a próximahora, com o próximo dia. Você perceberá que preocu-par-se com o dia seguinte é inútil, pois o Tao olha e jáage para você muito mais além do que o próximo dia. Avida no aqui e agora é agir, é movimento, e faz diferençase eu apenas falo do movimento, imagino em me movi-mentar, ou se eu neste sentido exerço o movimento, e eumesmo sou o movimento, e o presente. Tenha sempreem vista: a identificação completa com a sua vida, comos seus planos, com o seu cotidiano, deixa fluir livre-mente as suas forças intuitivas no campo positivo davida. Assim o bom resultado e o sucesso são uma conse-qüência natural desta identificação.

Quando você medita ou se dedica a um ou outroexercício recomendado, você deve saber que tudo aquiloque é praticado conscientemente durante este exercício,continuará a ter um efeito no dia a dia mesmo quandovocê já tiver acabado o exercício. Sem que você perceba,você deixa cada vez mais a ação no espírito do Tao, e asua confiança nestas forças crescem a cada dia atravésde experiências. Hoje você ainda acha que deve se adap-tar às condições do seu meio, sob as quais você vive eprovavelmente também sofre. Na realidade as condiçõesse formam dependendo da maneira que você se conduzdiante da vida. Você sozinho é o causador de todos osfatos que determinam a sua felicidade e o seu bem-es-tar. Deixar as coisas acontecer e viver o seu processopositivo exige muita inocência. Eu entendo por inocên-cia a libertação do egoísmo, conduta pensada por uma

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vantagem, ou um lucro, estar livre de todo tipo decorrupção que determina a nossa vida atual, mesmoquando não a percebemos.

E lembre-se, sempre que todo tipo de força gerauma contra-força, uma resistência, e sempre na intensi-dade em que você tenta com a energia alcançar o seuobjetivo. A ação das forças do Tao é silenciosa, muitoleve, mas de uma enorme dinâmica. Você vai se admirarna sua prática de vida como a solução de seus proble-mas é alcançada com exatidão e drasticamente. Quandoum nó é desfeito, ele está desfeito. Não ficam mais pon-tas penduradas, como na nossa vida, quando passamoscheio de medo de uma solução de emergência para ou-tra, e abrimos um buraco para tapar outro. Este tipo deação fraca e contorcida no futuro não será mais objetode sua ação terrestre.

Os sábios do Tao e do Zen nos transmitiram queforam companheiros muito alegres. Eles não levavamnem a vida, nem a sua filosofia muito a sério. Eles eramverdadeiros artistas da vida, e o Tao é a arte de viver, aarte do wu wei, da ação através da não-ação. A pessoa éo artista, seus instrumentos, ou seja a tela, o pincel,tom e a espátula são o seu corpo, seus sentidos e seussentimentos. A vida com as suas ações é a arte executa-da, e deixar acontecer as coisas torna-se a obra.

Ainda é importante salientar: a vida no wu wei podeser facilmente confundida com o“viver o dia a dia” decertas pessoas loucas. Também para você foi dito paranão se preocupar com o dia seguinte, e o consideremartista da vida. Muito bem, alguns até podem ser, e elesacharam inconscientemente o caminho certo. Mas o restodestas pessoas se diferenciam bem das pessoas do Tao,pois estes preguiçosos são egoístas, eles concentram seuspensamentos sempre em oportunidades que possam lhetrazer vantagens e possibilitem este estilo de vida, elesde maneira alguma estão livres de motivos e objetivos.

Viver no Tao é diferente. Também é estar livre depreocupações e de pensamentos sobre o amanhã, mas a

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pessoa do Tao age a partir do seu meio, ela sabe quedentro dela existem forças ativas, cuja resistência a pri-varia de todo o benefício. Ela age sem objetivo, sem mo-tivo, para ela a vida é suficiente como objetivo e motivo,ela não precisa mais de sua sorte. Ela não está interes-sada em poder, mas também não suporta ser dominado.Ela está livre de todos os compromissos, ela não é sub-missa a nenhuma autoridade, indiferente de ser religio-sa ou natural.

Falando em falta de liberdade. Eu descrevi como oego se forma através do pensamento e o conteúdo damemória. Quem tentar ficar preso a este ego, não estiverdisposto a deixá-lo desaparecer para o seu próprio bem,estará praticando algo que significa um enorme obstá-culo para a realização do Tao. O problema é que a mai-oria das pessoas nem querem ser totalmente livres. Li-berdade nos traz responsabilidade. Responsabilidadepela nossa própria ação e pelas nossas decisões. En-quanto nós nos submetermos a uma autoridade que nosdiz o que devemos fazer, podemos passar a ela a respon-sabilidade pelos nossos atos e seus resultados. Mas as-sim que rejeitarmos esta autoridade, assumirmos a res-ponsabilidade, estaremos muito sós. Assim nós nos ex-cluímos da comunidade daqueles que se adaptam, doscondicionados, nós nos separamos interiormente destamassa de pessoas para as quais submissão e obediênciasão sinônimos de segurança.

Pode surgir medo da visão de liberdade. Eu achoque não existe nada no mundo que temos mais medo doque da solidão. Ninguém gosta da solidão. E quando te-mos a sensação que nos separamos da adaptação coleti-va, isto provoca uma sensação de abandono. Não foramos adaptados que nos abandonaram, nós nos afastamosdeles. Mas a origem da separação não tem importânciapara a sensação de solidão. Você tem que enfrentar estemedo do isolamento se você realmente quer ser livre.Como consolo, posso dizer-lhe que esta segurança que éobtida através da submissão, não é uma segurança ver-

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dadeira, é só a imaginação dela. A verdadeira segurançaa pessoa só pode alcançar com a liberdade de espírito,quando ela se tornou capaz de ver a realidade imparci-almente, assim como ela é, não como os outros queremlhe impor que seja. A sensação de segurança através daparticipação de um coletivo, indiferente por qual motivoou pregação, só ocorre pois as força que levam a estasuniões sabem passar esta sensação para a massa. Quan-do você tiver a sensação de solidão, aceite-a como partede você, aceite-a como característica e abra-se corajosa-mente a esta sensação. O medo desaparecerá. E quandovocê tiver medido a profundeza do Tao. além do wu wei,os reconhecimentos virão ao seu encontro da forma cor-reta, você entenderá que não está nem um pouco sozi-nho. Você saberá que você é uma unidade com o mundotodo, nada é separado de você, tudo faz parte de você e éparte sua. Você é o todo, e nunca pode ser excluído,abandonado, ou deixado só, pois as coisas pertencem avocê sem funções intermediárias separadoras – você étudo. Isolado, e sem saber, profundamente solitários sãoa maioria das pessoas, pois elas estão isoladas do seueu. Elas não tem relação consigo mesmas, elas só sepercebem em forma desta formação sintética de falsasimaginações, que chamamos de eu. E assim abrem-seas portas para todas as necessidades, medos, preocu-pações, sofrimentos e desesperos sobre a aflição e faltade saída da existência humana. E tão inútil, pois tudosó acontece desta forma terrível pois a Humanidade éignorante há milhões de anos – e neste longo períodonão aprendeu nada. Nós somos tão doutrinados que tudoque não cabe no padrão do conhecimento da sociedade,é rejeitado. Como é possível modificar algo deste jeito?

Aqui cada um só pode agir para si, não pode fazernada pelo outro. Entretanto: todos nós podemos serantecedentes, dar exemplo. isto pode fazer efeito. E as-sim, de gota em gota fazer transbordar um barril, emuma questão de tempo, de quando um número de pes-soas suficiente terá entendido como a nossa existência

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pode ser boa e feliz. Para nós tornou-se impensável ver avida como objetivo, simplesmente para existir, e ser felizcom a sua existência. Em todos os lugares somos aperta-dos e limitados. Em todos os lugares se pensa no bene-fício da ação. Não existe mais quase nada que as pesso-as façam sem motivo. Sempre elas precisam de um estí-mulo, e quanto mais problemático é o campo do dia adia, mais fortes devem ser estes estímulos.

Por isto você está entrando neste estilo de vida semmotivo. Aja através da não-ação, deixando acontecer,confie na dimensão dentro de você, que espera que vocêa conheça. Abra-se para esta sabedoria milenar do Tao.Não se fixe no nome Tao. Laotse dizia que o Tao quedizemos não é o Tao. E ele tem razão. Nomes são sons efumaça. O conteúdo é que vale. Este você pode viver.Liberte-se, resgate a sua inocência da infância obser-vando e avaliando a vida, pare de se corromper. Desistade seus objetivos ambiciosos, não tenha motivos futura-mente. Você assim perceberá que é tão fácil viver – e nãoexiste nada, do que você tenha que abrir mão.

Vou concluir este livro com o texto de uma cançãochinesa antiga:

Assim que o sol nasce, começamos a trabalhar;assim que o sol se põe, descansamos.

Nós fazemos o poço e bebemos,nós aramos a terra e comemos –

O que temos a ver com o poder do Ti?(Ti é o conceito para as leis vigentes)

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Pósfacio

Tudo o que eu descrevi neste livro, são fatos que todospodem vivenciar se fizerem um esforço para seguir os con-selhos dados. Cada pessoa vai complementá-lo com acon-tecimentos e experiências – e encontrará por si o equilí-brio, a simetria de sua vida. Mas além do nosso conheci-mento existem coisas que podemos supor. Expressá-lasnos leva automaticamente ao campo da especulação. Mascomo eu lhe passei tantas regras aplicáveis, posso agorano fim ser um pouco físico-metafísico. Existem hoje desco-bertas científicas sobre a nossa matéria e a sua criação,que ainda não mediram a sua profundidade. Elas levam oespectador a refletir, uma razão não preconceituosa, quejá existe, se renova, se abre para descobertas não habitu-ais, e podem criar uma imagem boa das possibilidades darealidade objetiva de nossa criação.

Em experiências subatômicas na física nuclearconstatou-se que estes processos só ocorrem quandoalguém os observa. Existe uma relação íntima entre oobservador e o processo da experiência. O resultado daexperiência depende totalmente do observador, do pes-quisador. Sem pessoa de referência não ocorre nenhumprocesso nuclear. Além disso os físicos tiveram que re-conhecer, que o menor elemento da matéria prova niti-damente que nem existe a matéria na forma notada pornós. Trata-se, na melhor das hipóteses, de aparições deenergias no espaço vazio que forma a nível da assim cha-mada teoria de campo como um todo de fundo para acriação material. E diante deste fundo de vazio absolutoacontece algo que põe de cabeça para baixo todas as

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teorias de processo de criação. Partículas do núcleo atô-mico surgem., passam e se renovam novamente em in-tervalos de unidades de tempo da velocidade da luz, embilionésimas frações de segundos. Não há nada de está-vel, firme. Tudo que possa ser matéria está em constan-te movimento dentro de um processo muito rápido dedecadência e resurgimento. Uma outra conclusão da fí-sica nuclear é muito importante: A menor partícula deenergia da matéria não podem ser fixadas como parte deum determinado objeto. Elas rompem todo campo detempo e espaço. Na realidade não existe nenhuma partí-cula (pode-se comprovar) que pertença diretamente a umpedaço de madeira, um carro, ou à lua. A unidade deenergia que o cientista descreve como probabilidade departícula subatômica refere-se basicamente a todo ouniverso, nunca a um objeto isolado. E com isto ficaconfirmado por parte de uma disciplina científica reco-nhecida aquilo que os velhos sábios da China e do Ori-ente já sabem há milênios: o universo é um um únicoorganismo constituído por inúmeras aparições, que teminfluência recíproca.

Criação é o vazio do espaço, o absoluto, no qualpotencialmente todos nós estamos como aparições. Euacho que nós Homens sem o nosso conhecimento con-tribuímos involuntariamente para o processo de cria-ção. O universo parece nem existir em forma de matéria,há x-milhões de anos. Trata-se muito mais simplesmen-te do plano de construção do universo, que está conso-lidado no cérebro humano como uma espécie de proto-colo de DNS, e que no decorrer da evolução se modificaadequadamente com os cérebros. O universo não sur-giu devagar por si próprio, e nem foi criado em um únicoato. Ele existe na forma de um processo permanente,que ocorre sempre no presente, e com colaboração denós Homens. Nós mesmo criamos diariamente, a todomomento através de meios da nossa percepção a maté-ria, esta formação simples, esta ilusão de energia pura.Nós não temos consciência deste processo, e a nossa

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razão (graças a Deus) não tem influência sobre o acon-tecimento. Mas a criação de matéria faz parte das capa-cidades humanas, às quais o Homem não tem acessoatravés de processos de pensamento.

Se cada pessoa modificar o seu universo sempreatravés da sua interação involuntária e intervalosvelocíssimos, ela permanentemente estará criando elamesma e seus semelhantes. Vendo este paradoxo e len-do no budismo de Sutren a metáfora da rede da Idra,onde o processo de criação é descrito pela visão de umapessoa iluminada, as coisas ficam um pouco mais cla-ras. Esta metáfora compara o universo com uma redepoderosa. E em cada ponto de nó desta rede encontra-se uma pérola. E em cada pérola espelham-se as outraspérolas da rede. Vamos colocar uma pessoa em cada lugarde uma pérola e tomamos o processo esboçado, entãoem cada um de nós está contida potencialmente toda aHumanidade, nós formamos com ela e com o resto dacriação esta unidade fechada da qual sempre se falaquando nos é recomendado não fazer diferenciação, nãofazer separação das aparições percebidas.

E atrás de tudo está o Tao, o Tao mantém tudo emsi, a aparição da Natureza assim como dos Homens. Naverdade não há nada a não ser o absoluto, que é citadoneste livro e há muito tempo no Tao. Nós somos o Tao,e o Tao é nós. O Tao é a alma da Humanidade, mas nãoda maneira que cada pessoa possui uma alma própria,é uma única alma que pertence coletivamente a todasas pessoas. E mesmo assim não se perde o individua-lismo das pessoas. Mas o indivíduo seria capaz de par-ticipar do conhecimento e do sentimento deste todo,ele poderia na sua consciência integrar-se coletivamentee entender a sua vida como a vida de toda a Humanida-de: e vive-la. Eu quero comparar este fenômeno comuma colmeia de abelhas. Esta forma um único organis-mo que consiste de inúmeros seres vivos que morremem intervalos de tempo relativamente curtos e sempredeixando espaço para nova ninhada, que se integram

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neste ciclo. Mas toda a consciência da colmeia é pró-pria de cada abelha, é um ser vivo para si com muitocorpos. Esta comparação também iluminaria por outroângulo o fenômeno de vida e morte, de nascimento emorte na existência humana. A espécie Homem é umser. Quem estiver livre dos compromissos do seu eu,deveria estar em condições de perceber a existênciadesta espécie de seres estranhos como um todo. Oscorpos morrem, e outros nascem. A consciência daspessoas fica sempre guardada dentro do ser vivo, demaneira que a morte só significa uma queda na extre-midade, e o nascimento uma complementação do cor-po com células novas.

Nós mesmos nos colocamos obstáculos na partici-pação do espírito coletivo segurando-se no próprio ego.Como não há nada em criação além deste organismo, doqual somos partículas, e que eu chamo de Tao, fica claroo que acontece com as pessoas após a morte. Aqui estapessoa é o “eu” (e poderia ser si). Ela morre, morre o“eu”, pois é matéria, construída com recordações que océrebro grava para ela, que também é matéria e transi-tória. Obrigatoriamente o Homem se torna em seu esta-do agregado modificado aquilo que era antes do nasci-mento: o Tao. Então ele sabe coletivamente, o que é vidacomo um grande organismo.

Quem realizar o Tao aqui durante a vida. e alcan-çar a iluminação como eu descrevi, perceberá o mundocomo um todo, assim como os outros que não são ilumi-nados só perceberão isto antes do nascimento e depoisda morte física.

Assim eu acho que é o ciclo da criação.O autor realiza seminários em fins de semana. En-

dereço de contato para informações e principiantes:Theo Fischer151, Rue du Champs ThomasF-88600 YvouxFrança

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Bibliografia

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Existe um aprendizado, que nos fazcompreender, o que somos.Desta compreensão surge uma maneiratotalmente nova de agir: wu wei.Isto significa agir através da não-ação,deixando acontecer. É acapacidade de deixar o leme da vidapara a força que é uma dimensão.