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    Organizador: Leandro Ayres Frana

    Tipo:Inimigo

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    Associao Franciscana de Ensino Senhor Bom Jesus

    PresidenteFrei Guido Moacir Scheidt, ofm

    Diretor GeralJorge Apstolos Siarcos

    FAE Centro Universitrio

    Reitor da FAE Centro Universitrio eDiretor Geral da FAE So Jos dos PinhaisFrei Nelson Jos Hillesheim, ofm

    Diretor AcadmicoPr-Reitor AcadmicoDiretor de Legislao e Normas EducacionaisAndr Luis Gontijo Resende

    Pr-Reitor AdministrativoRgis Ferreira Negro

    Secretrio-GeralEros Pacheco Neto

    OuvidoriaSamar Merheb Jordo

    Diretor de Relaes Corporativas

    Paulo Roberto Arajo CruzEditor

    Paulo Csar BusatoCapa

    Paulo Victor Silva Busato

    Foto da CapaAle Steffen (www.krop.com/ale)

    Coordenao Editorial

    Ana Maria Ovar Alves Ferreira (coordenadora editorial)Edith Dias (Normalizao)Zeni Fernandes (Reviso de Linguagem)Priscilla Zimmermann Fernandes (Reviso de Linguagem)

    Braulio Maia Junior (Editorao FAE Centro)Eliel Fortes Barbosa (Editorao FAE Centro)Ewerton Diego Oliveira da Silva (Editorao FAE Centro)

    Coordenadora do Curso de Direito

    Aline Fernanda Pessoa Dias da Silva

    Tipo:Inimigo / organizao de Leandro Ayres Frana. Curitiba:FAE Centro Universitrio, 2011.316 p.

    Inclui bibliografa.

    1. Direito penal - Coletnea. I. Frana, Leandro Ayres, Org. II.FAE Centro Universitrio

    CDD 341.5

    Os artigos so de inteira responsabilidade de seus autores. As opinies neles emitidas no representam,necessariamente, pontos de vista da FAE Centro Universitrio.

    Endereo para correspondncia:FAE Centro Universitrio

    Rua 24 de Maio, 135 800230-080 Curitiba.PR- Tel.: (41) 2105-4098.

    Coordenador do Grupo de Estudos Modernas Tendncias doSistema Criminal

    Paulo Csar Busato

    Pesquisadores do Grupo de Estudos Modernas Tendncias doSistema Criminal

    Alessandro Bettega AlmeidaAlexandre Ramalho de FariasAlexey Choi Caruncho

    Danyelle da Silva GalvoEduardo Sanz de Oliveira e SilvaGabriela Xavier PereiraLeandro Ayres FranaLuiz Henrique MerlinMarlus Heriberto Arns de OliveiraNoeli BattistellaPaulo Csar BusatoRodrigo Jacob CavagnariRodrigo Rgnier Chemim GuimaresSlvia de Freitas MendesSlvio Couto NetoTatiana Sovek Oyarzabal

    Conselho Editorial e Consultivo

    Alfonso Galn Muoz, Dr. (Universidad Pablo de Olavide)

    Ana Cludia Pinho, Msc (UFPA)Carlos Roberto Bacila, Dr. (UFPR)Carmen Gomez Rivero, Dra. (Universidad de Sevilla)Cezar Roberto Bitencourt, Dr. (PUC - Porto Alegre)Eduardo Sanz de Oliveira e Silva, Msc (FAE, Unicuritiba)Elena Nuez Castao, Dra. (Universidad de Sevilla)Fbio Andr Guaragni, Dr. (Unicuritiba)Francisco Muoz Conde, Dr. (Universidad Pablo de Olavide)Geraldo Prado, Dr. (UERJ)Gilberto Giacia (Fundinopi)Jacinto Nlson de Miranda Coutinho (UFPR)Juarez Cirino dos Santos (UFPR)Luiz Henrique Merlin, Msc (FAE)Marcus Alan de Melo Gomes, Dr. (UFPA)Mauricio Stegemann Dieter, Msc (FAMEC)Paulo Csar Busato, Dr. (FAE, UFPR)

    Rodrigo Rgnier Chemim Guimares, Msc (FAE, Unicuritiba)Srgio Cuarezma Tern, Dr. (INEJ)

    Circulao

    IndexaoAgosto de 2011

    Distribuio

    Comunidade cientfica: 200 exemplares

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    APRESENTAO

    Este registro provm da pena de Eugenio Ral Zaffaroni, Professor e Ministro dacorte suprema argentina: a inimizade uma construo tendencialmente estrutural dodiscurso do poder punitivo.1 A antiguidade das reflexes, dos tratados e dos debates sobreo inimigo e uma narrativa da histria que se volte inconvenincia de sua existnciacomprovam que a inimizade uma questo jurdica perene.2 Alcanar esta constataono tarefa fcil. Por isso, se a figura do inimigo e todas as suas variantes mais oumenos acertadas: hostis, homo sacer, vida nua, zo, barbari, estranho, estrangeiro, outro,no-pessoa, non-citizen et al. encontra-se disseminada nos discursos mais ordinriosdo universo acadmico-doutrinrio, tal significativa presena se deve menos a estudose pesquisas srios sobre o tema do que sua voga contempornea, a qual foi tonificadacom as recentes publicaes do professor Gnther Jakobs sobre o que alcunhou de direito

    penal do inimigo (Feindstrafrecht).

    Escreve-se, debate-se, defende-se, condena-se. E a compreenso da inimizadepermanece vaga. Pior: importam-se os inimigos; no os indivduos que a Csar o que de Csar, cada rei no seu baralho, que na terra do senso comum, canta o sabi queos nossos j nos do muito trabalho , mas as concepes e teorias conclusivas quetencionam convencer-nos de que compartilhamos os mesmos inimigos. Parece-me quetemos compartilhado os mesmos equvocos.

    Em recentes reunies do Grupo de Pesquisa Modernas Tendncias do SistemaCriminal, os pesquisadores denunciamos a falta de uma produo cientfica que reunisseestudos sobre a inimizade no sistema de controle socio-punitivo brasileiro. Este livro umregistro traado a vrias mos desta questo.

    Ao analisar a evoluo do Direito Penal de Classes ao Direito Penal do EstadoSocial e Democrtico de Direito, Jacson Luiz Zlio aponta os postulados necessrios para odesenvolvimento de um direito penal mnimo de contedo preventivo, que contribui tantopara a proteo de bens jurdicos mais relevantes, como para reduzir significativamente a

    violncia social que o sistema penal cria e mantm encapsulado. Sua abordagem tericado pensamento de Carl Schmitt e de Giorgio Agamben inicia a coletnea por se revelarpressuposto compreenso do tema e dos artigos subsequentes.

    Do mesmo modo, as reflexes de Joo Paulo Arrosi, em seu Direito Penal do Inimigoe Totalitarismo, apontam uma zona de indistino cidado/inimigo pela qual o DireitoPenal e a Poltica Criminal tm transitado sem as devidas cautelas. Com fundamento em

    Agamben e em Hannah Arendt, seu trabalho evidencia o carter (bio)poltico do fenmenototalitrio, cuja presena se faz perceber na identificao do campo de concentrao como

    o verdadeiro paradigma poltico da modernidade.

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    No virar das pginas, expe-se a construo da inimizade a partir de mecanismosinstitucionalizados. Em um artigo de minha autoria, Governando Atravs do Crime...,apontam-se insuficincias tericas do novo modelo de contratualismo social (fidelidades expectativas do ordenamento jurdico), trazido tona pelo direito penal do inimigode Jakobs, e introduzida discusso uma nova leitura da atual forma de se governar,primeiramente exposta pelo professor Jonathan Simon, da University of California Berkeley, em que o modelo poltico assume o fenmeno da criminalidade como questoestratgica significante para uma agenda poltico-punitiva, como argumento para se alcanarobjetivos e como paradigma discursivo, tecnolgico e metafrico a ser disseminado parainstituies de natureza diversa. A Lei dos Crimes Hediondos analisada como paradigmanacional dessa nova forma de governo.

    O ttulo do estudo de Alexey Choi Caruncho esclarecedor:A Atuao Criminal

    do Ministrio Pblico Brasileiro e o Indevido Fomento Poltica Criminal de Excluso. Seutexto dispe a Constituio da Repblica de 1988 como verdadeiro divisor de modelosministeriais e aponta que a atuao da instituio, no entanto, no sofreu os devidos reflexosdo novo contexto poltico. O artigo evidencia a necessidade de o Ministrio Pblico traaruma poltica criminal institucional relacionada ao processo de criminalizao secundria,sob pena de manter e at mesmo fomentar uma cruel e determinista seletividadecriminal decorrente da poltica de excluso h muito em vigor.

    Os controles normativo e institucional seriam insuficientes para o combate ao

    inimigo se no lhes fossem disponibilizados instrumentos procedimentais que lhesgarantissem resultados eficazes. De um rol extenso de estratgias processuais recentementeinstitudas, merece destaque o instituto da delao premiada. Sobre ela, Walter BarbosaBittar, emA Expanso da Delao Premiada como Consolidao de um Direito Penal doInimigo, faz uma abordagem atravs de trs diferentes ordenamentos jurdicos e descobre oparalelo existente entre a delao premiada e o direito penal do inimigo. E mais: da tensoentre garantia e eficcia, seu texto mostra como a legislao penal e processual penal temse concentrado na elevao do nvel de eficcia do funcionamento do sistema punitivo,

    no mais identificando um criminoso pelo grau de reprovabilidade de sua conduta, massim combatendo-o de acordo com o grupo ao qual pertence.

    1 ZAFFARONI, Eugenio Ral. O inimigo no direito penal. Traduo de Srgio Lamaro. Rio de Janeiro:Revan, 2007. p.83.

    2

    FRANA, Leandro Ayres. Inimigo ou a inconvenincia de eistir. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011. [noprelo]

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    Contudo, a anlise sobre os mecanismos institucionalizados permaneceria deficientese no contemplasse um tratamento responsvel polmica do papel da mdia. As autorasCarolina de Freitas Paladino e Danyelle da Silva Galvo assumem, ento, no artigoA Mdiacomo Produtora de mais um Inimigo, a verificao de como a mdia pode ser responsvelpela estigmatizao de um sujeito enquanto inimigo, retirando dele as garantias penaise processuais penais, e demonstram como essa interferncia pode influenciar alteraeslegislativas, o que nos revela o crculo vicioso da elaborao da inimizade.

    Analisado o esculpir da inimizade, faz-se necessrio contemplar as categorias deinimigos desenvolvidas no decorrer de nossa histria.

    Noyelle Neumann das Neves constri um belo resgate da loucura emA Construodo Louco como Inimigo: ao abordar a sua excluso em uma unidade cultural e moral damaioria e apontar o binmio periculosidade-vulnerabilidade como caracterstica inerente

    loucura, seu estudo expe as cruis polticas adotadas contra o louco como pessoaindesejada e inimiga da sociedade.

    No indispensvel O Preso como Inimigo, Paulo Csar Busato comenta o suporteterico de posturas funcionalistas sistmicas, o qual permite o tratamento discriminatriodo condenado como inimigo. Seu texto denuncia a Destruio do Outro pela Supresso daExistncia Comunicativa e prope a superao da dualidade excludente atravs da frmulade autovalidao, pela incluso do outro no projeto de realizao pessoal.

    A leitura do trabalho de Dcio Franco David e de Tatiana Sovek Oyarzabal,

    Adolescente Infrator...,nos conduz outra ferida do sistema jurdico-penal brasileiro. Oescrito trata da construo histrica, social e jurdica dessa categoria de inimigo e demonstraa incompatibilidade da reao social e legislativa com o reconhecimento do jovem comoespecial destinatrio de direitos e garantias, to bem explcitas nas previses constitucionaise no ordenamento legal prprio. Enquanto discutem os difundidos equvocos ideolgicosde uma sociedade punitivista (defesa da reduo da maioridade penal, crena de que oadolescente infrator no sofre punio, ignorncia do necessrio atendimento scio-psico-pedaggico a essas pessoas em desenvolvimento), cresce-nos o incmodo de como tem nos

    sido possvel passar por um jovem que pede dinheiro na rua sem interromper o passo. nossaaprendida capacidade de seguir em frente, vem o texto para nos anunciar a responsabilidade.

    No artigo O Amigo do Inimigo..., Diogo Machado de Carvalho analisa o crescentemovimento de criminalizao da advocacia criminal e como essa empresa tem rudo odesempenho do defensor na tentativa de resguardar o respeito s regras do jogo ao (no)cidado etiquetado como um perigo sociedade excludente. Sua preocupao relevante:conforme os versos que traz ao final de sua exposio, quando nos roubam as flores e asluzes sem que digamos algo, falta pouco a que nos arranquem a voz da garganta.

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    No texto Quando o Dia Raiou sem Pedir Licena..., cuja redao tive a oportunidadede compartilhar com Roberta Cunha de Oliveira, transcreve-se a histria do tratamento sofridopor aqueles que resistiram violncia institucionalizada e burocratizada do regime militarbrasileiro (1964-1985). Na denncia fragilidade das razes que conduziram seus inimigosa tal estado de desqualificao, evidenciada a partir da sentena da Corte Interamericanano caso Gomes Lundet al. vs. Brasil, demonstra-se a temporalidade de sua categoria.

    Num contraponto necessrio em prol da responsabilidade cientfica, Cleopas IsaasSantos brinda-nos com uma perspicaz anlise dos Mandados Expressos de Criminalizaoe [da] Funo Positiva do Bem Jurdico-Penal, atravs dos quais o Constituinte exige dolegislador ordinrio a tutela penal de certas condutas, conformando a interveno estatalaos princpios poltico-criminais da dignidade e necessidade de pena. Com este artigo,compreende-se como os direitos fundamentais assumem nova dimenso positiva para

    encilhar o Leviat. Escapa esta coletnea de exclusivamente hostilizar a atuao estatal.Os estudos aqui acolhidos pretendem, pois, esclarecer como criamos e temos

    tratado os inimigos do controle sociopunitivo brasileiro: os nossos hostes.

    Recebe, pois, este florilgio de provocaes. E que disto brotem muitosquestionamentos.

    Leandro Ayres Frana

    Curitiba, junho de 2011.

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    SUMRIO

    1 ANTECMARA NECESSRIA

    Do Direito Penal de Classes ao Direito Penal do EstadoSocial e Democrtico de Direito ________________________________________11

    Jacson Luiz Zlio

    Direito Penal do Inimigo e Totalitarismo _________________________________55Joo Paulo Arrosi

    2 A ELABORAO DA INIMIZADE

    Governando Atravs do Crime: Anotaes sobre oTragicmico Fenmeno da Lei dos Crimes Hediondos______________________71Leandro Ayres Frana

    A Atuao Criminal do Ministrio Pblico Brasileiro

    e o Indevido Fomento Poltica Criminal de Ecluso ______________________97Alexey Choi Caruncho

    A Epanso da Delao Premiada comoConsolidao de um Direito Penal do Inimigo ____________________________121Walter Barbosa Bittar

    A Mdia como Produtora de mais um Inimigo _____________________________143Carolina de Freitas Paladino e Danyelle da Silva Galvo

    3 AS CATEGORIAS DE INIMIGOS

    A Construo do Louco como Inimigo:entre Periculosidade e Vulnerabilidade __________________________________177Noyelle Neumann das Neves

    O Preso como Inimigo a Destruio doOutro pela Supresso da Eistncia Comunicativa _________________________203Paulo Csar Busato

    Adolescente Infrator: Sujeito ou Inimigo? ________________________________221Dcio Franco David e Tatiana Sovek Oyarzabal

    O Amigo do Inimigo: do Estigma Criminalizao da Advocacia Criminal ___________________________________239Diogo Machado de Carvalho

    Quando o Dia Raiou sem Pedir Licena: aResponsabilizao Internacional do EstadoBrasileiro pelos Atos Cometidos Contra seus Inimigosna Guerrilha do Araguaia ______________________________________________259Leandro Ayres Frana e Roberta Cunha de Oliveira

    4 CONTRAPONTO NECESSRIO

    Mandados Epressos de Criminalizao eFuno Positiva do Bem Jurdico-Penal: Encilhando o Leviat _______________301Cleopas Isaas Santos

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    13Tipo: Inimigo p. 11-54, 2011.

    RESUMOO presente trabalho busca esclarecer que o nico saber penal que decorre do Estado social e democrticode Direito de carter minimalista, que parte da concepo de ato e no de autor. Desse modelo de Estadosaem os postulados necessrios para o desenvolvimento dum direito penal mnimo de contedo preventivo,

    que contribui tanto para a proteo de bens jurdicos mais relevantes, como para reduzir significativamentea violncia social que o sistema penal cria e mantm encapsulado. A investigao percorre, para tanto, asbases do direito penal de classes retratadas na oposio poltica entre amigo e inimigo de CARL SCHMITT,na oposio entre homo sacer (a vida nua) e existncia poltica (a vida qualificada) de que fala AGAMBENe no controle e dominao burguesa do projeto neoliberal. A partir dessa identificao da deslegitimao dosaber penal, busca-se fundar um direito penal mnimo, de ato e decorrente da tica universal dos direitoshumanos, que estrutura o Estado social e democrtico de Direito.

    Palavras-Chave: Direito penal de classes; amigo e inimigo; vida nua e vida qualificada; dominao e projetoneoliberal; saber penal; direito penal mnimo; legitimao e deslegitimao; Estado social e democrtico deDireito; dogmtica penal; poltica criminal.

    RESUMENEl presente trabajo busca esclarecer que el nico saber penal que deriva del Estado social y democrtico deDerecho es de carcter minimalista, que parte de la concepcin de acto y no de autor. De ese modelo de Estadosalen los postulados necesarios para el desarrollo de un derecho penal mnimo de contenido preventivo, quecontribuye tanto para la proteccin de bienes jurdicos ms relevantes, como para reducir significativamentela violencia social que el sistema penal crea y mantiene encapsulado. La investigacin sigue las bases delderecho penal de clases retratadas en la oposicin poltica entre amigo y enemigo de CARL SCHMITT, en laoposicin entre homo sacer (la vida nuda) y existencia poltica (la vida calificada) de que habla AGAMBEN yen el control y dominacin burguesa del proyecto neoliberal. Desde la identificacin de la deslegitimacin delsaber penal, intentase fundar un derecho penal mnimo, de acto y derivado da tica universal de los derechoshumanos, que estructura el Estado social y democrtico de Derecho.

    Palabras Llave. Derecho penal de clases; amigo y enemigo; vida nuda e vida calificada; dominacin y proyectoneoliberal; saber penal; derecho penal mnimo; legitimacin y deslegitimacin; Estado social y democrticode Derecho; dogmtica penal; poltica criminal.

    DO DIREITO PENAL DE CLASSES AO DIREITO PENAL DO ESTADO

    SOCIAL E DEMOCRTICO DE DIREITO*

    Jacson Luiz Zilio**

    * O presente texto contm partes das ideias discutidas e apresentadas no Ministrio Pblico do Estado de Minas Gerais,no dia 8 de outubro de 2010. Agradeo, desde j, o convite feito pelo Centro de Estudos e Aperfeioamento Funcional(CEAF) do Ministrio Pblico do Estado de Minas Gerais, especialmente ao Procurador de Justia e sempre solcito amigo,Jacson Rafael Campomizzi, inclusive pela sugesto do tema.

    ** Promotor de Justia do Estado do Paran e doutor em Problemas actuales del Derecho Penal y de la Criminologa,pela Universidad Pablo de Olavide, de Sevilha, Espanha. Pesquisador do Grupo de Estudos Modernas Tendncias doSistema Criminal, da FAE - Centro Universitrio, Curitiba/PR

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    ndice. I. Um saber penal deslegitimado: as teorias polticas ocultadas pelo direito penalde classes: 1. A oposio poltica entre amigo e inimigo de CARL SCHMITT; 2. A oposioentre homo sacer (a vida nua) e existncia poltica (a vida qualificada): a tese crtica deGIORGIO AGAMBEN; 3. O controle e a dominao burguesa do projeto neoliberal; II. Umsaber penal legitimado: a reconstruo do discurso penal a partir do minimalismo penal;III. As vinculaes entre direito penal mnimo (de ato) e Estado social e democrtico deDireito; IV. Breves concluses. V. Referncias bibliogrficas.

    Indice. I. Un saber penal deslegitimado: las teoras polticas ocultadas por el derecho penalde clases: 1. La oposicin poltica entre amigo y enemigo de CARL SCHMITT; 2. La oposicinentre homo sacer (la vida nuda) y existencia poltica (la vida calificada): la tese crtica deGIORGIO AGAMBEN; 3.El control y la dominacin burguesa del proyecto neoliberal; II. Un

    saber penal legitimado: la reconstruccin del discurso penal desde el minimalismo penal;

    III. La vinculaciones entre derecho penal mnimo (de acto) y Estado social y democrticode Derecho; IV. Breves conclusiones. V. Bibliografia.

    I UM SABER PENAL DESLEGITIMADO: AS TEORIAS POLTICASOCULTADAS PELO DIREITO PENAL DE CLASSES

    O direito penal tradicional pretende legitimar-se -e legitimar a pena de priso-

    entre outros princpios, por meio da defesa do princpio da igualdade: o direito penalprotege todos os cidados contra ofensas aos bens essenciais e todos os cidados queviolam as normas jurdicas penais so sancionados. Entretanto, a realidade mostra que odireito penal o direito desigual por excelncia, porque o sistema penal a reproduodo sistema social. O direito penal no defende os bens essenciais de todos os cidados eo status de criminoso distribudo de modo desigual. O grau de tutela dos bens jurdicospenais depende de fatores tpicos da sociedade dividida e da vulnerabilidadedo cidado.

    A distribuio do status de criminoso tambm responde ao padro da sociedade de

    classes, porque o processo de seleo se dirige a comportamentos tpicos de indivduospertencentes s classes subalternas, em virtude da contradio nas relaes de produoe distribuio capitalista. Esses interesses do poder de punir, no declarados pelo saberpenal que o legitima, podem ser resumidos nos seguintes:

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    Assim, pois, a deciso do soberano que cria a ordem jurdica. O soberano , emsuma, a autntica jurisdio e o juiz supremo do povo, imune ao controle aposteriori,

    j que o ato judicial e est fundamentado no princpio da primazia da direo poltica4.Da advm a tese nodal de SCHMITT de que o conceito de soberania -o soberano aqueleque decide sobre o estado de exceo- um conceito limite de contedo poltico.

    H um exemplo esclarecedor. No caso da antiga Repblica de Weimar, o art. 48definia o Presidente como autoridade soberana para poder tomar as medidas necessriaspara o restabelecimento da segurana e da ordem pblica, inclusive suspendendo totalou parcialmente os direitos fundamentais. Assim, pois, em estado de exceo passaram-seos ltimos anos da Repblica de Weimar, antes da tomada do poder pelo partido nazista,em 1933.

    A partir da, ento, SCHMITT comea a escrever sobre a legalidade dos atos

    praticados pelo Fhrer, fundamentados no princpio da primazia da direo poltica, jque ele possua o direito de atuar como juiz supremo do povo e guardio da Constituio,determinando o contedo e a extenso. Desse modo, alm de criticar abertamente e deforma dura o liberalismo e o parlamentarismo anteriores, SCHMITT promove racionalmenteuma quebra do princpio da separao de poderes, para propor uma justificao legal parao nascimento do novo estado totalitrio, baseado no povo e na raa.

    Tanto assim, que dias depois do discurso de Hitler sobre a noite de 30 dejunho de 1934, a chamada Nacht der langen Messer, ou Noite das Facas Longas, em

    que, por sua prpria ordem, foram assassinados e arrestados os principais dirigentes dasSturmabteilung (SA), o corpo paramilitar do partido nazista criado em 1921, SCHMITTpublica o artigo O Fhrer defende o direito. O discurso de Hitler perante o Reichstagem 13 de julho de 1934, no qual defende os assassinatos e as aes de Hitler, no as

    justificando como medidas prprias do estado de exceo, mas sim como jurisdioautntica, sem controle jurisdicional5.

    No referido estudo, SCHMITT ataca fortemente a antiga postura individualistaliberal do sistema de Weimar, qualificada ali como cegueira do pensamento jurdico

    liberal, em uma poca enferma e decrpita. Inclusive, segundo argumenta SCHMITT,

    4 SCHMITT, Carl, El Fhrer defiende el derecho: el discurso de Hitler ante al Reichstag del 13 de julio de1934. In: ZARKA, Yves-Charles. Un detalle nazi en el pensamiento de Carl Schmitt. Barcelona: Anthropos,2007. p. 89.

    5 Vid. MORESO, Josep Joan, Poder y derecho. In: GARCIA SEGURA, Caterina; RODRIGO HERNNDEZ,ngel J. La seguridad comprometida: nuevos desafos, amenazas y conflictos armados. Madrid : Tecnos,2008. p. 162.

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    a magna carta do criminoso de FRANZ VON LISZT significou deixar o Estado e o Povoatados sem remdio por uma legalidade supostamente desprovida de resqucios6.

    Mas antes disso, j em 1927, no livro O conceito de Poltico, qui para esclareceras caractersticas destatus e povo, SCHMITT define a essncia do que poltico como o

    enfrentamento entre amigo e inimigo. Escreve que a distino poltica especfica, aquela quepode reconduzir-se todas as aes e motivos polticos, a distino de amigo e inimigo7.A oposio amigo-inimigo o contedo do que poltico e, segundo o pensamento deSCHMITT, chega a oferecer uma definio conceitual e um critrio que permite se referiras aes e aos motivos polticos. Assim assinalou SCHMITT: O significado da distinode amigo e inimigo o de indicar o extremo grau de intensidade de uma unio ou deuma separao, de uma associao ou de uma dissoluo; ela pode subsistir terica epraticamente sem que, ao mesmo tempo, devam ser empregadas todas as demais distines

    morais, estticas, econmicas ou de outro tipo8

    .De acordo com SCHMITT, o inimigo aqui no moralmente mal, nem esteticamente

    feio, mas sim que o outro, o hostil, o pblico, isto , o conjunto de homens que seope a outro conjunto anlogo, por sua existncia distinta e estranha em um sentidoparticularmente intensivo.9 O inimigo, definitivamente, aquele que ameaa a vida efrente a isso no h neutralidade.

    Consequentemente, se o fenmeno poltico deriva da inimizade potencial e doconflito, ento a guerra representa, em SCHMITT, a expresso da atividade humana e a

    negao mais radical dos valores essenciais do mundo burgus: segurana, utilidade eracionalidade. Afinal, toda anttese uma anttese poltica, cujo fim natural sempre aguerra, seja externa ou interna. Somente mediante a guerra, dado seu forte sentido polticoe de deciso, algum pode desgarrar-se dos valores que criou uma civilizao vazia eopressiva, despolitizada e neutral.

    SCHMITT argumenta que os conceitos de amigo, inimigo e luta adquirem seusentido real pelo fato de que esto e se mantm em conexo com a possibilidade real dematar fisicamente. A guerra procede da inimizade, j que esta a negao ntica de um

    ser distinto. A guerra no nada mais que a realizao extrema da inimizade10. Nessesentido, o conceito do que seja poltico consiste exatamente na distino entre amigo einimigos pblicos (polticos). No se trata, portanto, de uma definio belicista, nem

    6 SCHMITT, Carl. El Fhrer defiende el derecho: el discurso de Hitler ante al Reichstag del 13 de julio de1934. In: ZARKA, Yves-Charles, op. cit., p. 89.

    7 SCHMITT, Carl. El concepto de lo poltico. Madrid: Alianza, 1998., p. 56.8 Ibidem, p. 57.9 Ibidem.10 Ibidem, p. 75.

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    militarista, nem imperialista, nem pacifista, apenas corresponde a existncia prvia dedeciso poltica acerca de quem o inimigo11.

    De toda maneira, a lgica do amigo, inimigo e luta, pe em destaque que ofundamento reside na imposio voluntarista da poltica, por deciso do poder soberano,no marco do estado de exceo, que define os amigos e os inimigos de forma negativa,

    junto com a exaltao da fora blica, paragarantir a tranqilidade, a segurana e a ordempor meio da destruio total dos inimigos, assim como para alcanar uma integrao e umaunidade poltica organizada. A guerra, dessa forma, est clara na concepo do que polticoe somente mantm um significado enquanto a distino entre amigo e inimigo subsiste.

    Em outro ponto sobre a unidade poltica proveniente da guerra, SCHMITT aclara:O Estado, na sua condio de unidade essencialmente poltica, lhe atribuio inerenteo ius belli, isto , a possibilidade real de, chegado o caso, determinar por prpria decisoquem o inimigo e combat-lo12. Da porque o ius belli implica a capacidade de

    disposio: significa a dupla possibilidade de requerer por parte dos membros do prpriopovo a disponibilidade para matar e ser mortos, e por outra de matar as pessoas que seencontram do lado do inimigo13.

    Tudo isso permite extrair que a essncia do que poltico reside na possibilidadede dar morte ao inimigo, em funo do perigo interno e externo. Permite compreender,por outro lado, que existe, na doutrina de SCHMITT, uma clara averso a neutralidade ea despolitizao da vida nua, figuras representativas da democracia liberal. Pois no poroutra melhor razo que SCHMITT exalta o pensamento do filsofo reacionrio DONOSO

    CORTS, para quem mais vale uma deciso de defesa de uma ditadura poltica que umaindeciso liberal e anarquista (como de PROUDHON e BAKUNIN, por exemplo)14.

    Trata-se, ademais, de uma teoria poltica baseada no decisionismo do podersoberano e, portanto, absolutamente contrria ao liberalismo e ao parlamentarismo,isto , contrria a democracia liberal individualista. Definitivamente, uma doutrinabelicista que define a essncia do poltico na possibilidade de luta e morte com o inimigo.Uma doutrina que, em suma, reflexa na deciso do poder soberano -o poder de morteconsistente na definio dos amigos e dos inimigos- a essncia da jurisdio.

    11 Ibidem.12 Ibidem, p. 74.13 Ibidem, p. 75.14 A crtica de SCHMITT contra a democracia liberal parece derivar da crena de que a Histria tem determinado a submisso

    espiritual a partir da compreenso legal do inimigo no destino da Alemanha. Veja-se SCHMITT, Carl. Estructura delestado y derrumbamiento del segundo Reich: la lgica de la sumisin espiritual. Madrid: Reus, 2006. p. 100: Emsua continuidade se desenvolve uma consciente lei: primeiramente, a submisso espiritual na poltica interior do Estadoprussiano do soldado, a partir dos conceitos de direito do Estado constitucional e de direito burgus; logo a submisso apartir da meta de guerra espiritual do inimigo, unido ao empenho subalterno, de dar um boa impresso no estrangeiro etranquilizar o inimigo por meio de transigir e objetividades; e, finalmente, a submisso por traio e alta, aberta a partirdos ideais do direito e Estado de um inimigo, que por isso vitorioso e sem piedade. A lgica da submisso espiritual setermina na servido poltica, em um estado de desarme e sem resistncia.

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    No primeiro artigo, A Constituio de liberdade, de 1 de outubro de 1935,SCHMITT defende que as trs leis antes mencionadas so a Constituio da liberdadee o ncleo do Direito alemo. Novamente afirma que as liberdades liberais forama arma dos inimigos e parasitas da Alemanha, como tpicas formas camufladas dedominao estrangeiras16.

    Nesse texto SCHMITT assevera:

    Hoje o povo alemo volva a ser povo alemo tambm no mbito do Direito. Depoisdas leis de 15 de setembro, o sangue e a honra alems so outra vez novos conceitosfundamentais do nosso Direito. O Estado, agora, um instrumento de fora e de unidadepopulares. O Imprio alemo tem apenas uma bandeira, a bandeira do movimentonacional-socialista, e esta compe-se no somente de cores, mas tambm de um smbologrande e verdadeiro, um smbolo que conjura o povo: a cruz gamada17.

    No segundo escrito, A legislao nacional-socialista e a reserva de ordre publicno Direito Internacional Privado, de 28 de novembro de 1935, SCHMITT sustenta queas questes do direito privado internacional devem ser resolvidas a partir da legislaoracial nacional-socialista. Analisa, em tal trabalho, o limite da reserva de ordre public,principalmente para evitar conflito com as normas raciais do regime nacional-socialista.

    Assim, pois, argumenta SCHMITT que a reserva de ordre public compreende-se como uminstrumento de resoluo de questes conflituosas e que deve ser ativada sempre e quandouma lei estrangeira violar os fundamentos do prprio ordenamento. Quer dizer, em

    suma, sempre que atacar as leis Nuremberg de proteo do sangue e da honra alems18

    .Essas provas da vinculao de SCHMITT com o regime autoritrio nacional-socialista

    so importantes para destacar o autoritarismo das concepes de oposio entre amigoe inimigo que hoje ressurgem, como novidade, no direito penal do sculo XXI. Comose sabe, nos ltimos tempos a doutrina penal mais especializada e qualificada -que temtratado seriamente de analisar criticamente os pressupostos e os fundamentos do atualdiscurso do inimigo, que defendido, por exemplo, pelo penalista alemo GUNTHER

    JAKOBS- sustenta que h a uma luz reflexa das idias de CARL SCHMITT. H um reflexo

    no essencial e nas conseqncias de dita proposta de poltica criminal apresentada,

    16 SCHMITT, Carl. La Constitucin de la libertad. In: ZARKA, Yves-Charles, op. cit., p. 6217 Ibidem, p. 63.18 SCHMITT, Carl, La legislacin nacionalsocialista y la reserva del ordre public en el Derecho Internacional

    Privado, em ZARKA, Yves-Charles, op. cit., p. 86.

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    sobretudo em relao necessidade poltica de tomar uma atitude de associar e defenderaos amigos e de desagregar e combater aos inimigos, num maniquesmo evidente: homem

    pecador-mau-inimigo em oposio ao homem virtuoso-santo-amigo19.

    Sem embargo, o prprio JAKOBS rechaa tal vinculao com o pensamento de

    CARL SCHMITT. Em uma resposta pouco convincente, JAKOBS argumenta que o conceitode inimigo de SCHMITT um conceito teolgico e que no se refere especificamentea um delinqente, mas sim ao hostil, ao outro, quando h uma espcie de guerra civil.Ou seja, em outras palavras o que JAKOBS que dizer definitivamente que o inimigode SCHMITT no penal, mas simplesmente poltico, motivo pelo qual no se aplica areferida doutrina20. O inimigo do direito penal do inimigo seria, portanto, o delinqenteperigoso, um inimicus.

    19 A vinculao entre as ideias de SCHMITT e JAKOBS aparecem em diversos trabalhos publicados em CANCIOMELI, Manuel; GMEZ-JARA DEZ, Carlos. Derecho penal del enemigo; el discurso de la exclusin.Buenos Aires, Montevideo: Editorial BdeF, 2006. A semelhana entre o pensamento de JAKOBS e SCHMITT

    tambm destacada por MUOZ CONDE, Francisco. De nuevo sobre el derecho penal del enemigo.Buenos Aires: Hammurabi, 2008. p. 141: Mas tampouco faltou ao longo da Histria construes tericasque tenham dado e do legitimao e fundamento a este tipo de normas de carter excepcional. Umadelas, e talvez a mais representativa, foi a do famoso terico do direito nazista CARL SCHMITT, quem comsua famosa distino entre Freund und Feind, amigo e inimigo, criou as bases para o desenvolvimentode uma construo jurdica que permitiria distinguir o Direito para o normal cidado, de um Direito muitomais duro e excludente que haveria que aplicar aos inimigos. Recentemente veja-se MUOZ CONDE,Francisco. As origens ideolgicas do direito penal do inimigo. Traduo de Ana por Ana Elisa Liberatore S.Bechara. Revista Brasileira de Cincias Criminais, So Paulo, v.18, n. 83, p.93-110, mar./abr. 2010. E,finalmente, pelo menos nas consequncias da lgica amigo-inimigo, veja-se tambm ZAFFARONI, EugenioRal. El enemigo en el derecho penal. Buenos Aires: Ediar, 2006. p. 159: Se bem insistimos a propostade Jakobs, no parte nem se apoia na de Schmitt, insensivelmente cai na sua lgica. Quando se afirma que se

    trata de casos excepcionais em que o estado de direito deve cumprir sua funo de proteo e que este estlegitimado para isso em razo da necessidade, ou seja, que no pode opor-se a estes obstculos derivadosde um conceito abstrato de estado de direito (abstrakten Begriff des Rechtsstaates), se est pressupondoque algum deve julgar acerca da necessidade e que este no pode ser outro que o soberano, em anlogosentido ao de Schmitt.

    20 Tal ideia no compartida por MUOZ CONDE, Francisco. De nuevo sobre el derecho penal del enemigo,op. cit., p. 148: importante destacar isso, porque s vezes se quer entender o conceito de inimigoque utilizava SCHMITT como uma espcie de hostes no sentido blico da palavra, referindo-se somenteao inimigo exterior cidado de outro pas com o que Alemanha esteve em guerra. Mas qualquer um queconhea os escritos de SCHMITT da poca nazista e a atitude de furioso antissemita que mostrou naquelapoca, reflexada na aprovao entusiasmada das Leis de Nuremberg e na organizao de um Congressopara erradicar a influncia dos juristas judeus da cincia jurdica alem, pode negar qual era o verdadeirosentido da expresso do pensamento de CARL SCHMITT.

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    JAKOBS afirma:

    Para Carl Schmitt, o conceito do poltico um conceito teolgico secularizado, quesepara mais bem os que temem a Deus dos que no temem Deus aos oponentes polticosno sentido hoje habitual. O conceito de Schmitt no se refere a um delinqente, massim ao hostil, ao outro; dentro do Estado, somente quando se chega a uma guerra civil

    existe uma confrontao poltica no sentido de Schmitt. Ao contrario, o inimigo do Direitopenal do inimigo um delinqente de aquilo que cabe supor que so permanentementeperigosos, um inimicus. No outro, mas sim que deveria comportar-se como um iguale por isso se atribui culpabilidade jurdico-penal, diferente do hostil de Schmitt. Se nasminhas consideraes houvesse feito referncia a Carl SCHMITT, isso teria sido umacitao radicalmente falida21.

    Nada obstante, a objeo levada a cabo por JAKOBS realmente no convence.Indubitavelmente, se falso que, por um lado, os fundamentos de direito e polticos das

    duas doutrinas so exatamente iguais, verdade, por outro lado, a afirmao de que aconseqncia final da proposta idntica: consiste na excluso e eliminao completa,social e jurdica, do ser humano, como objeto sem valor, mediante a definio da qualidadede inimigo por parte do poder soberano.

    Em primeiro lugar, no desentoam os dois pensamentos na medida em que a decisopoltico-criminal sempre uma deciso materialmente poltica, independentemente dapessoa ou instituio que detenha o poder de definio ou concentrao. Ora, falar deDireito sempre e, sobretudo, falar de poltica e violncia, mxime quando o ramo do

    ordenamento o direito penal. Pense-se na aplicao da pena privativa de liberdade, naexistncia da priso, na forma de luta contra o delito, na excluso que, de uma maneiraou outra, sempre provocada pelo sistema penal. Afinal, afirmar a separao de amigose inimigos sempre uma deciso poltica que independe da pessoa do autor (jurista,filsofo, poltico, etc.), pois o direito penal o reflexo da poltica criminal e esta, por suavez, da poltica geral.

    Em segundo lugar, o decisionismo das duas correntes de pensamento evidentepor um nico e grande motivo: um direito penal fundamentado a partir da oposio entre

    amigo e inimigo sempre instala um direito penal de exceo, de luta e de guerra, no qual oordenamento jurdico, principalmente na parte dos direitos fundamentais, para os inimigos, suspendido. O decisionismo consiste justamente em subordinar a normatividade a umadeciso que cria a ordem jurdica. Um decisionismo que, grosso modo, cria e mantm aviolncia institucionalizada.

    21 JAKOBS, Gnther, Derecho penal del enemigo? un estudio acerca de los presupuestos de la juridicidad.In: _______.Teora funcional de la pena y de la culpabilidad. Madrid: Thomson Civitas, 2008. p. 50.

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    A presena do decisionismo no pensamento funcionalista de JAKOBS, inclusiveem relao ao direito penal do cidado, tambm parece ser a concluso que chegaSCHNEMANN: Uma formao de conceitos puramente normativos, ou seja, livre deempirismo no sentido de JAKOBS, deve trabalhar forosamente com conceitos vazios,que em realidade no resolvem o problema jurdico, mas sim somente o interpretamcom outras palavras e, por isso, os atos posteriores so novamente cheios de contedo demodo puramente decisionista22.

    Definitivamente, trata-se de uma teoria em que se destaca uma clarividentecentralizao do poder na autoridade soberana para a definio dos valores dominantes. Poroutro lado, observa-se nitidamente a imposio de situaes de exceo como anormalidadedo estado de emergncia que, lamentavelmente, converte-se em regra. Asuspenso doordenamento jurdico -principalmente dos direitos e garantias individuais dos inimigos-

    mantm a unidade nacional e a coeso poltica, instalando, assim mesmo, um estado deexceo penal que se converte tambm em regra.

    Alm do mais, se no ponto de partida o pensamento decisionista de SCHMITT nocorresponde ao discurso de JAKOBS ou a qualquer outro discurso de corte classista, deexcluso e autoritrio, no resta dvida que nas conseqncias, ou seja, no resultado finale prtico da teoria, no possvel negar a igualdade de posies tericas, pelo menos emum ponto central: justifica a morte ou neutralizao do inimigo do poder estabelecido,como estratgia normal e final de toda guerra (justa ou injusta, se que alguma guerra

    pode ser justa).Evidentemente, a idia central da proposta do direito penal de exceo -o direito

    penal busca uma pacificao e identidade normativa da sociedade, no caso dos delitospraticados pelos cidados, mas em outros casos, como dos inimigos, necessita de forapura para combater fontes de perigo- reporta-se ao pensamento schmittiano, pois nocentro est o pensamento de que toda norma pressupe uma situao normal e nenhumanorma pode ter vigncia numa situao totalmente anmala com referencia a ela. Alis,tambm nas principais conseqncias, derivadas do fato de que o poder est capacitado

    para determinar por si mesmo tambm o inimigo interno, ou seja, formas de proscrio,

    22 SCHNEMANN, Bernd. La relacin entre ontologismo y normativismo en la dogmtica jurdico-penal. Traduode Mariana Sacher. In: CONGRESO INTERNACIONAL. FACULDADE DE DERECHO EN LA UNED, Madrid,2000.. Modernas tendencias en la ciencia de derecho penal y en la criminologa. Madrid, UNED, 2001.p. 649. O decisionismo est tambem no criterio da oposio amigo e inimigo, segundo afirma KERVGAN,

    Jean-Franois. Hegel, Carl Schmitt: o poltico entre a especulao e a positividade. Barueri: Manole, 2006.,p. 347: A definio, mais exatamente, a caracterizao do poltico com o auxlio do simples critrio que adiscriminao entre amigo e inimigo , no sem razo, alis, a expresso do decisionismo schmittiano, o qualpor vezes at tentou-se reduzir a essa frmula; ela no se esgota, entretanto, o seu sentido.

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    de Direito: o direito penal do Estado social e democrtico de Direito tem a funo deneutralizar o poltico e no de legitimar a funo autoritria traduzida na separao deamigos e inimigos. Como sabido, desde os tempos da Ilustrao, embora no rarasvezes se esqueam, os ideais humanitrios e pacifistas do direito penal existem para aconteno da criminalizao do inimigo e no para legitimar as atrocidades cometidas pelopoder punitivo. Qualquer direito penal que tenha como misso algo distinto da funode conteno do poder punitivo um direito penal eminentemente autoritrio, de claracaracterstica antiliberal e, portanto, sempre incompatvel com os avanados sistemasconstitucionais adotados pelo ideal modelo de Estado social e democrtico de Direito.

    2 A OPOSIO ENTRE HOMO SACER (A VIDA NUA) E ExISTNCIA

    POLTICA (A VIDA QUALIFICADA): A TESE CRTICA DE GIORGIOAGAMBEN

    Muito mais original que a antiga oposio schmittiana entre amigo e inimigo, quemarca definitivamente a tendncia da poltica criminal contempornea, a relao entre ohomo sacer (a vida nua, a existncia livre de valor poltico) e a existncia poltica (a vidaqualificada) revela como atua a ideologia dentro de qualquer sistema poltico.

    De fato, o ingresso do simples fato de viver (vida natural) na vida qualificada, em

    outras palavras, a politizao total da vida nua, realmente parece ser, como mostra a tesede GIORGIO AGAMBEN, o fenmeno decisivo da modernidade, inclusive no que dizrespeito ao sistema penal.

    A politizao da vida nua, segundo afirma AGAMBEN, constitui o acontecimentodecisivo da modernidade porque marca uma transformao radical das categorias poltico-filosficas do pensamento clssico, pois somente quando se questiona a relao entre anua vida e poltica, que rege de forma encoberta as ideologias da modernidade, possvelsacar a poltica de sua ocultao e restituir o pensamento a sua vocao prtica25.

    Na verdade, nos ltimos anos uma nova anlise mostra que vida nua comea aser includa nos mecanismos e clculos do poder. A partir da, a poltica se transforma embiopoltica, cuja conseqncia principal a animalizao do homem, mediante tcnicaspolticas refinadas, tais como os dois modelos tradicionais nos quais o poder penetrano corpo dos sujeitos, como argumenta corretamente AGAMBEN, seguindo MICHELFOUCAULT. Por uma parte, por tcnicas polticas (como a cincia de policiamento) pormeio das quais o Estado assume e integra no seu interior o cuidado da vida natural dos

    25 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: el poder soberano y la nuda vida. Valencia: Pre-Textos, 2006. p. 13.

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    indivduos; e, por outra parte, por tecnologias do eu, mediante as quais se efetua o processode subjetivao que conduz o individuo a vincular-se prpria identidade e prpriaconscincia e, ao mesmo tempo, ao poder de controle exterior26.

    A antiga ideia de politizao da vida nua, cuja consequncia como visto o prprio

    processo de animalizao do homem, foi descrita por AGAMBEN em uma enigmticafigura do arcaico direito romano: Homem sagrado , sem embargo, aquele que o povojulgou por um delito; e no lcito sacrific-lo, mas quem o mata no ser condenadopor homicdio; na verdade, na primeira lei tribuncia se adverte que se algum mataaquele que por plebiscito sacro, no ser considerado homicida27. Assim, pois, a figurado direito romano do homo sacer (homem sacro), que sacro, mas que se pode sacrificarimpunemente, um exemplo claro da vida nua que se pode dar morte de maneira lcita(antes do sacrifcio, antes da pena, por exemplo), porque est numa zona originria de

    indiferena e sujeita, por isso mesmo, ao poder punitivo do soberano, sem qualquercontrole. uma vida sacrificvel, uma vida exposta morte e, portanto, objeto de umaviolncia que excede a esfera do direito e do sacrifcio28. Em outras palavras, a vidanatural sempre objeto de clculos e previses do poder estatal e, por isso, ingressaprogressivamente no espao pblico, como excluso e incluso.

    De outro lado, a zona de indiferena pode ser caracterizada como um espaobiopoltico, no qual a vida nua o campo de atuao do poder soberano, sem limitesou compromissos de resistncia, j que a repousa o fundamento oculto de todo sistema

    poltico e, inclusive, do sistema penal. Trata-se de um estado de natureza, de um estadode exceo, de um espao biopoltico no qual o poder estatal administra a liberdade ea vida nua, excluindo-as. Enfim, um espao biopoltico porquanto o soberano tem opoder e a faculdade de dispor da vida nua, seja para suprimir-la, seja para deixar-la forado Direito, sem responsabilidade.

    Deste modo, pode-se dizer que o poder soberano -hoje definitivamente o poderimperialista- faz da vida natural, da vida nua, uma estrutura fundamental de referncia,para suprimir-la ou deixar-la fora do ordenamento jurdico, sem responsabilidade de

    qualquer espcie ou natureza. Da porque se diz, desde as lies de FOUCAULT, que setrata de um biopoder.

    WALTER BENJAMIN define esta dialtica da violncia: toda violncia , como meio,poder que funda ou conserva o direito29. Tanto assim, que a violncia que estabelece o

    26 Ibidem, p. 14.27 Ibidem, p. 94.28 Ibidem, p. 112.29 BENJAMIN, Walter, Para una crtica de la violencia, Buenos Aires, Leviatn, 1995, p. 27.

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    De todo modo, interessante observar como o estado de exceo e o estadode direito mesclam-se e, finalmente, quando a exceo tende a converte-se em regra,aparecem sem distino. A princpio, o estado de natureza e o estado de direito sodiferentes. Depois, o estado de direito e o estado de exceo esto um dentro do outro.Por fim, a exceo tende a converter-se em regra, sem nenhum tipo de distino, comoafirma AGAMBEN: O estado de exceo no , pois, tanto uma suspenso do espaotemporal, quanto uma figura topolgica complexa, na qual no somente a exceo a regra, mas sim em que tambm o estado de natureza e o direito, o fora e o dentro,transitam entre eles38.

    Muito semelhante tambm parece ser o pensamento de ZAFFARONI, SLOKAR eALAGIA, quando demonstram a eterna dialtica entre o estado de direito e o estado de polcia:

    O estado de direito um produto da modernidade, que se estendeu por uma parte

    limitada do planeta, mas que no fez desaparecer o poder exercido conforme o modelodo estado de policia. A luta entre o modelo de estado de direito e estado de policiacontinua em todo o mundo, mas no somente frente aos autoritarismos instalados, massim tambm dentro das democracias. O estado de direito ideal justamente ideal, ouseja, que no h estados de direito perfeitos na realidade, mas sim que todos os estadosreais de direito (por bvio que tambm os estados latino-americanos) so de direito atcerto grau de perfeio39.

    Isso explica tambm o motivo pelo qual a teorizao do novo discurso contrao inimigo, de luta e de exceo, que caracteriza o discurso de classe, advm de pasescentrais e imperialistas, muitos dos quais so de razovel tradio democrtica (interna) econsiderados slidos estados de direito. Naturalmente, o estado de direito no estticoe sempre haver uma dialtica entre o estado de policia e o prprio estado de direito. Ocorao do estado de policia, entendido como governo submetido a comando dos quemandam e sem igualdade perante a lei, como o caso do estado de exceo, semprepulsa dentro do estado de direito.

    Em segundo lugar, a situao de emergncia determinada pelo poder estatal, que

    cria voluntariamente o estado de exceo e que acaba infelizmente convertendo-se emregra geral, tampouco objeto de delimitao constitucional. No se trata mais que um tatde sige ou de um martial law devidamente regulamentados por normas constitucionaise com responsabilidade por excessos na defesa de um estado de necessidade. Ao contrrio,h uma situao jurdica de normalidade e um combate aos conflitos sociais naturais da

    38 Ibidem, p. 55.39 ZAFFARONI, Eugenio Raul; SLOKAR, Alejandro; ALAGIA, Alejandro. Manual de derecho penal; parte

    general. Buenos Aires: Ediar, 2005. p. 21.

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    sociedade capitalista de maneira anormal. A guerra, agora, como modelo tpico do estadode exceo e procedimento dirigido a necessidade de alcanar determinados objetivos,converte-se na prima ratio da poltica da modernidade, sem possibilidade jurdica deconteno e de responsabilidade.

    Como consequncia, o direito penal -quando no se confunde com a guerra mesma-converte-se tambm naprima ratio da poltica, ainda que exista consenso doutrinal, emtodos os pases civilizados, sobre a existncia do princpio de interveno mnima.

    A questo remete, indubitavelmente, natureza jurdica do estado de exceo.Por um lado, parte da doutrina que tem se dedicado ao tema entende que o estado deexceo parte integrante do direito positivo e, portanto, fundamenta-se na necessidadedelimitada e controlada juridicamente, de maneira autnoma. Por outro lado, outros autoressustentam que o estado de exceo esclarecido pela teoria subjetiva do poder estatal,

    de contedo poltico que, para definir as situaes de necessidades teis para preservarda prpria existncia, importaria na anlise de dados extrajurdicos, sem controle.

    Em AGAMBEN, por exemplo, o estado de exceo parece constituir algo mesmofora do direito: Na verdade, o estado de exceo no nem exterior nem inteiro aoordenamento jurdico e o problema de sua definio diz respeito a um patamar, ou auma zona de indiferena, em que dentro e fora no se excluem, mas se indeterminam.

    A suspenso da norma no significa sua abolio e a zona de anomia por ela instauradano (ou, pelo menos, no pretende ser) destituda de relao com a ordem jurdica40.

    No direito pblico, segundo a conhecida doutrina de SCHMITT, a linha derechao concentra-se na possibilidade de disciplinar juridicamente o estado de exceo,porque a existncia da suspenso do direito ou do no-direito seria uma situao polticaincontrolvel, inclusive no que tange legitimidade. Assim, ento, se a norma est suspensae no pode ser aplicada adequadamente situao anormal, sinal de que a relevnciareside na deciso, porque h que se diferenciar normas de direito e normas de realizaodo direito, norma e deciso. Por isso, possvel compreender que na teoria o soberano aquele a quem a ordem jurdica reconhece o poder de proclamar o estado de exceo.

    Da tambm o paradoxo da soberania, porquanto o soberano, ao suspender a validezda lei, situa-se legalmente fora dela, ainda que, ao mesmo tempo, declare que no halgum fora da lei41. Em suma, estar fora e, ao mesmo tempo, pertencer estrutura doestado de exceo.

    40 AGAMBEN, Giorgio. Estado de eceo. So Paulo: Boitempo, 2004. p. 39.41 AGAMBEN, Giorgio. Homo sacer: el poder soberano y la nuda vida , op. cit., p. 27.

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    Por outro lado, AGAMBEN recorda que o instituto do direito romano conhecidocomo iustitium, como modelo original da moderna concepo de estado de exceo,capaz de explicar as dificuldades tericas enfrentadas pelo direito pblico no geral. Assim,o iustitium, como suspenso e interrupo do direito, traduz-se bem em um espao

    juridicamente vazio e, portanto, como um paradigma do moderno estado de exceo. Oestado de exceo no aparece como uma ditadura, mas sim como um espao vazio, uma

    zona de anomia em que todas as determinaes jurdicas esto desativadas42. O estado denecessidade, por isso, no uma situao de direito, mas apenas um espao sem direito.

    LUIGI FERRAJOLI sustenta a incompatibilidade entre o princpio da razo de estado,que legitima o estado de exceo, e, no direito penal da legislao de emergncia, com aessncia da jurisdio e do estado de direito. Apoiado na doutrina de HOBBES, afirma quea ruptura das regras do jogo, ditadas pela necessidade, somente cabe no caso do estado

    de guerra43

    . Assim, pois, FERRAJOLI admite que pouca importncia tem a existncia doestado de exceo no estado de guerra, seja interna ou externa. Mas, particularmente,agrega que a guerra interna no nunca justificvel pela existncia de qualquer ameaaa segurana do governo ou das formas de poder estabelecidas, apenas que somente porum perigo para a sobrevivncia do estado e de suas leis fundamentais no afrontveis deoutro modo44. Da porque esclarece que, caso se considere o terrorismo, por exemplo,como um fenmeno de guerra, por atacar o fundamento do estado, ento as prticas deemergncia so politicamente legtimas e no so matria de direito penal. Afinal, trata-se

    de um no-direito, ou seja, de defesa de fato, justificada ento pela necessidade, aindaque hoje injustificada por haver terminado o terrorismo45. Ao contrrio, caso se trate deum fenmeno criminal que no ataca os fundamentos das instituies democrticas, entorealmente as prticas de emergncia so politicamente ilegtimas e se pode falar de umdireito ilegtimo46.

    A verdade que uma zona vazia de direito ou um no-direito caracteriza-sepela prevalncia da razo de estado (que conhece amigos e inimigos, ricos e pobres) emdetrimento do estado de direito (que, no mbito penal, somente conhece culpveis e

    inocentes). Como assinalou FERRAJOLI, enquanto a razo de estado subordina os meiosa consecuo de fins polticos cuja formulao se confia, realista ou historicamente,a pessoa do soberano, o estado de direito subordina tais fins polticos ao emprego demeios juridicamente pr-estabelecidos, isto , no abertos nem indeterminados, mas

    42 AGAMBEN, Giorgio. Estado de eceo, op. cit., p. 78.43 FERRAJOLI, Luigi. Derecho y razn: teora del garantismo penal. Madrid: Trotta, 2000. p. 929.44 Ibidem, p. 829.45 Ibidem, p. 830.46 Ibidem, p. 830.

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    sim vinculados a lei47. No estado de direito nunca h espao sem direito que excluade responsabilidade e de compromisso jurdico com o poder que politiza a vida nua.Isso se deve ao fato de que, mais alm dos direitos fundamentais inscritos nas normasconstitucionais, as convenes de direitos humanos e outras regulamentaes internacionaisprobem e no fazem nenhuma exceo para o caso da defesa ante um perigo. Por talmotivo, a posio de FERRAJOLI parece equivocada, como afirma corretamente o penalistaitaliano MASSIMO DONINI:

    Desde logo, tambm o pensamento de Ferrajoli parece-me que um pouco extremistaali onde, em branco e negro, olha em cada exceo uma exceo de princpiosconstitucionais, como se a Constituio no admitisse emergncias e como se os princpiosatuassem sempre e somente de uma maneira, quase que deduzindo da Constituioapenas um Cdigo Penal e um nico Cdigo conforme os princpios. Que possam existirdisciplinas diferentes, evidentemente, responde a essncia do direito e da justia, tanto

    que tampouco o ilustre filsofo poderia contestar o objetivo mas novo que de definir oslimites, temporais, estruturais, do ordenamento, de regras especiais constitucionalmentecompatveis, no de rechaar dito empenho por uma presumvel e talvez real ilegitimidadeconstitucional. Pois se trata de atuar para verificar a constitucionalidade e no se subtraira ela48.

    Especificamente em relao ao pensamento de AGAMBEN sobre o espao livrede direito derivado do estado de exceo, tambm h que destacar a crtica levantadapor DONINI:

    No se comparte aqui, por outra parte, o pensamento que v no Estado de exceo umespao livre de direito (e paradigma, entre outros, da mesma soberania). , muito maisque isso, uma forma jurdica particular, onde se realiza, entre outras coisas, a tentativade liberar de responsabilidade jurdica os atores que o gestionam. Posto que o estadode exceo existe verdadeiramente, sucede que est juridicamente sujeito a disciplina elimites. Negar tal tarefa ao direito (como parece afirmar AGAMBEN) significa dar realmenteespao aos Estados de exceo juridicamente isentos49.

    47 Ibidem, p. 814.48 DONINI, Massimo, Diritto penale di lotta vs. Direito penal del nemico. In: KOSTORIS, Roberto E.; ORLANDI,

    Renzo. Contrasto al terrorismo interno e internazionale. Torino: Giappichelli, 2006. p. 19-73.49 DONINI, Massimo. El derecho penal frente al enemigo. In: FARALJO CABANA, Patricia (Dir.); PUENTE AVA,

    Luz Mara; SOUTO GARCA, Eva Mara (Coord.). Derecho penal de ecepcin: terrorismo e inmigracin.Valencia: Tirant lo Blanch, 2007. op. cit., p. 46.

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    E mais:

    Mas agora se trata de direito, no de fato: no eram as torturas de Guantnamo Bayque se analisavam, porque neste caso simplesmente se poderia tratar por uma lei decriminalizao. Mas se admitimos que se trata de direito, devemos estabelecer quais soos percursos jurdicos que produzem a invalidez, no lugar de descrever como assunto

    fora de lei. Ento, uma posio que produza espao sem direito, sem embargo, deixalivre o poder poltico de seguir a proclamao, com Schmitt, que se a lei e a Constituiose completam de poltica, o salvador no pode ser a jurisdio, por meio de uma CorteConstitucional. O direito superior no controlar o poder pblico, mas sim que seguircriando uma norma juridicamente imune50.

    Mas cuidado: quando AGAMBEN descreve o estado de exceo como um espaoneutro de atuao do biopoder, no significa que legitime ou que no objete a necessidadede responsabilidade ou controle. Ao contrrio, trata-se aqui de reconhecer que a realidade

    demonstra que, infelizmente, quando o poder politiza a vida nua, atua de maneiraimpune, numa zona de indiferena. De todo modo, no h dvida de que a declaraode estado de exceo deve ser limitada por normas constitucionais que disciplinem oslimites temporais, as garantias e os principais efeitos. Afinal, a declarao nunca deveestar isenta de controle jurdico e sempre suscetvel de controle de constitucionalidade,inclusive porque a suspenso do direito e das garantias fundamentais nunca necessriapara o restabelecimento da normalidade perdida. Claro est, portanto, que no estado dedireito no h nada e ningum imune ao controle jurisdicional.

    A existncia do exerccio do poder punitivo sem controle jurisdicional -umadesgraada realidade- tambm se transforma realmente em um estado de exceo, mas asomente de facto e nunca de jure. Isso significa que o poder punitivo instalado margem doDireito, como um direito penal subterrneo, paralelo e classista, iguala-se aos delitos gravespraticados contra os bens mais importantes da comunidade, porque afeta a estrutura doestado de direito, que existe justamente para preservar os direitos e as garantias individuais.

    O direito penal subterrneo, paralelo e classista incompatvel com o estado dedireito porque puro poder punitivo tpico de estado de exceo e, ainda que formalmenteexistente, nunca ser materialmente legtimo e justificvel, moral e politicamente. Aexperincia tem demonstrado que sempre que o poder punitivo atua mediante umdireito penal dessa natureza, os direitos fundamentais de uma parcela da populao sosacrificados. E, por bvio, o estado de direito no pode dar espao para a admisso desacrifcios de vidas humanas, ainda que seja para a proteo de elementos bsicos do Estado.Por tal motivo, a concepo de guerra, como expresso mxima do estado de exceo

    50 DONINI, Massimo, Diritto penale di lotta vs. direito penal del nemico. In: , em KOSTORIS, Roberto E.;ORLANDI, Renzo, op. cit., p. 19-73.

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    e definida como uso desregulado da fora, est proibida pela Carta das Naes Unidas,quando disciplina as aes coercitivas51. Ergo, no h, no Estado social e democrticoDireito, qualquer uma clusula aberta de excepcionalidade que permita utilizar o poderde punir (guerra declarada ou oculta, interna ou externa) para cumprir finalidades distintasda proteo dos bens jurdicos mais relevantes da comunidade.

    3 O CONTROLE E A DOMINAO BURGUESA DO PROJETONEOLIBERAL

    O desenvolvimento capitalista apresenta-se sempre numa relao direta econflituosa com o direito penal. Por uma parte, o direito penal se v ligado ao modelo depoltica criminal estatal porque caminha pela estrada traada pelo legislador, ainda quepossa resistir dentro do marco constitucional interpretativo. Por outra parte, tambm apoltica criminal determinada pela poltica geral, na forma e no contedo, de modo que,em tal crculo vicioso, o direito penal acaba retratando, como um espelho, as ideologiaspolticas da sociedade. Tanto assim que, como disse SANTIAGO MIR PUIG, umarpida olhada na Histria pe em destaque que a evoluo das idias penais paralelaas concepes polticas52.

    Por tal motivo, desde que o projeto neoliberal conquistou o poder poltico

    (TATCHER, REAGAN e KHL) nos anos 70 e 80 do sculo passado em trs importantesnaes (Inglaterra, Estados Unidos da Amrica e Alemanha), o mundo inteiro -masprincipalmente os pases perifricos dependentes do capital externo- tem sofrido diretaou indiretamente os efeitos da derrota do Estado social e democrtico de Direito. Em talcontexto, a poltica criminal e o direito penal, por conseqncia, tambm experimentarame experimentam a amargura da poltica neoliberal desenvolvida pela Escola de Chicago.

    Apoiados teoricamente nos ensinamentos de FRIEDRICH HAYEK e MILTONFRIEDMAN, o projeto neoliberal -como reao terica e poltica ao Estado Social- comea

    a desenvolver uma poltica econmica globalizada fundamentada na liberdade de mercadoe no Estado Mnimo, na qual o direito penal torna-se um importante meio de represso ede luta. Assim, pois, enquanto que o Estado neoliberal exerce o minimalismo na economiae no mercado (a ordem livre por excelncia) e no desenvolvimento de polticas sociaisfundamentais (sade, educao, moradia, etc.), o direito penal segue um caminho

    51 FERRAJOLI, Luigi. La guerra y el futuro del derecho internacional. In: BIMBI, Linda. No en mi nombre,guerra y derecho. Madrid: Trotta, 2003. p. 214.

    52 MIR PUIG, Santiago. Constitucin, derecho penal y globalizacin. In: GMEZ MARTN, Vctor (Coord.).Poltica criminal y reforma penal. Madrid, Buenos Aires, Montevideo: B de F, Edisofer, 2007. p. 5.

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    absolutamente oposto: refora e amplia a interveno, inclusive utilizando a pena demorte e a dureza da pena privativa de liberdade, segundo as metas dos novos gestoresda moral coletiva, na feliz expresso de SILVA SNCHEZ53.

    A lucidez de MIR PUIG descreve a situao atual do direito penal derivada do

    poder neoliberal:Junto com a exigncia de um Estado mnimo na interveno econmica, reclama-se umainterveno cada vez mais intensa na luta do Estado contra o delito. Esta assimetria parte daaceitao expressa de uma distinta considerao por parte do Estado de cidados honradose de delinqentes. Se deixa de lado o modelo ilustrado que parte de uma imagem nicade cidado, vlida para todas as pessoas, que as confere iguais direitos e deveres. Oscriminais j no esto entre os cidados em que se tem que retroceder a interveno doEstado. A Justia penal deixa de ser um sistema de proteo preferencial dos direitos doacusado (aquela Magna Charta do delinqente de que falava von Liszt), para converter-se em um meio de luta contra o delinqente e de proteo das vtimas. A tendncia desaparecer a simpatia pelo delinqente e a preocupao pelos condicionamentos sociaisda conduta. Agora se admite que os delinqentes so os outros, que ns e elesno tem nada a ver. O Estado neoliberal no econmico um Estado no solidrio tantocom os perdedores do econmico como com os delinqentes54.

    Esse fenmeno complexo explica-se pela eterna relao de enfrentamento entreos valores de segurana e liberdade, onde h um maior sacrifcio do valor liberdade(geralmente das pessoas do povo e desprovidas de propriedade) frente ao valor segurana(geralmente das pessoas da nova elite extraterritorial e possuidoras do poder do capital).

    53 SILVA SNCHEZ, Jess Mara. La epansin del derecho penal: aspectos de la poltica criminal en lassociedades postindustriales. Madrid: Civitas, 2001. p. 66 e ss.

    54 MIR PUIG, Santiago. Constitucin, derecho penal y globalizacin, op. cit. p. 40. Essa idia compartidatambm por no penalistas, entre outros, na essncia, por SANTOS, Boaventura de Souza. Renovar a

    teoria crtica e reinventar a emancipao social. So Paulo: Boitempo, 2007. p. 112-113: Em relaoao Estado de Exceo, o fascismo social est eliminando os direitos sociais e econmicos, o resultado dodesmoronamento dos direitos sociais, e neste momento h tambm um ataque aos direitos civis e polticos.

    J no so somente os sociais e econmicos, so todos. E nesse novo Estado de Exceo, tal como hpoltica democrtica e o fascismo social, no h suspenso das liberdades, a Constituio est em vigor,mas h um novo Estado de emergncia que se assenta nas ideias de que sua legitimidade se baseia hoje nagovernabilidade, ou seja, na possibilidade de governar sociedades que so cada vez mais ingovernveis. Estse criando a ideia que o governo tem que se defender de atores hostis que esto fora e dentro do sistema,e podem ser cidados ou organizaes o que se chama de inimigo interno. Surge um direito penal doinimigo (j teorizado na Alemanha) totalmente distinto do direito penal dos cidados. Toda a legislaoantiterrorista parte desse processo de atuar contra o inimigo interno. Veja-se tambm NEGRI, Antonio.La fbrica de porcelana: una nueva gramtica de la poltica. Traduo de Susana Lauro. Barcelona: Paids,2008. p. 69.

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    KARL MARX e FRIEDRICH ENGELS j falavam da problemtica que esse conflito:

    Somente dentro da comunidade, pois, possvel a liberdade pessoal. Nas outrascomunidades, mais que verdadeiras comunidades, que existiram at agora -o Estado,etc.-, a liberdade pessoal no existia para ningum salvo para os indivduos que logravamalcanar a classe dominante e somente enquanto pertenciam a ela. At o presente as

    comunidades em que se associavam os indivduos, no tinham nada mais que aparncias;se tornam independentes sempre dos indivduos, chegando a serem entes distintos deles.

    Ademais, como era a associao de uma classe sobre outra, era para a classe dominante,no somente uma comunidade completamente ilusria, mas sim tambm uma nova formade impedir o desenvolvimento humano. Na verdadeira comunidade, pelo contrrio, osindivduos, associando-se, conseguem ao mesmo tempo sua liberdade55.

    Na verdade, trata-se de conflito entre dois valores -liberdade e segurana- que seintensifica por conta das desigualdades sociais e da separao mundial de ricos e pobres

    (atualmente espacial e social). Como aduz ZAFFARONI: o certo que o navio espacialTerra leva passageiros de primeira e de segunda classe -e sem dvida tambm de terceirae com bilhete de co56. Isso converte a comunidade sonhada (espao de livredesenvolvimento humano no marco da plena liberdade) em uma comunidade realmenteexistente (espao de individualismo, rivalidade, consumismo, etc.), agravando a violnciae produzindo reiteradamente novas intervenes penais simblicas. O problema agora que a segurana sacrificada em favor da liberdade tende a ser a segurana de outra gente;e a liberdade sacrificada em favor segurana tende a ser a liberdade de outra gente57.

    Os legisladores parecem seguir quase sem crtica as propostas dos meios decomunicao que, dominados pelo poder econmico das grandes empresas e pela novaelite extraterritorial, ampliam, quando no inventam, a dimenso das desgraas e dosdelitos, gerando uma sensao de insegurana e de vulnerabilidade coletiva. A difusoe manipulao dos sentimentos de incerteza e insegurana pela cultura mass mediado neoliberalismo, leva ao mito do paraso perdido ou do paraso que ainda se tem aesperana de encontrar58. Isso permite, por outro lado, explicar o curioso fato de quea grande massa popular aceita sem resistncia as medidas cada vez mais repressivas e

    racistas impostas contra ela mesma, inclusive nos pases de democracia estvel. Tudo issoprovoca, por desgraa, um movimento popular de massa em sentido contrrio ao esperadoe, logo, uma nova legislao penal de emergncia, implantada por governos conservadorese demagogos que, longe de solues concretas, buscam benefcios individuais.

    55 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Ideologa alemana, Buenos Aires: Vida Nueva, 1958. p. 144-145.56 ZAFFARONI, Eugenio Ral. Criminologa: aproximacin desde un margen. Bogot: Themis, 1988. p. 42.57 BAUMAN, Zygmunt. Comunidad: en busca de seguridad en un mundo hostil. Madrid: Siglo XXI, 2003. p. 27.58 Ibidem, p. 9.

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    Nesse panorama pessimista da atualidade, desubsuno real da sociedade ao capital,o direito penal ordinrio e o subsistema penal de exceo, tanto no direito interno comoexternamente por meio da guerra, realizam um dogma fundamental comum: empregamsem escrpulos a violncia dos meios ilegtimos a servio de fins injustos. Tanto isso umaverdade indiscutvel que, no plano interno, basta citar como exemplos a nova enxurradaexpansiva do poder punitivo, com regresso da pena de morte, da tortura e da dureza dapena privativa de liberdade. No plano externo, por sua vez, a situao parece ser aindamuito mais grave, como so significativos os novos exemplos de racismo neoliberal emtema como a imigrao, o lobbypoltico e econmico e parlamentar dos petroleiros nasguerras injustas e na reabilitao da guerra como instrumento de governo e de soluo deproblemas e controvrsias internacionais. Trata-se, na realidade, de uma parte essencial doprocesso de unificao dos objetivos do capital mundial neoliberal, a saber: a) definio deuma homogeneidade de valores dominantes por parte do poder soberano e imperialista,que permite separar cidados honestos de criminosos perigosos; b) predominncia daidia de especificidade sobre a de generalidade, mediante a atuao do velho e conhecidoracismo; c) finalmente, uma aproximao ou confuso entre a teoria poltica da guerra eo direito penal de luta.

    O equvoco -seguro que intencional- do pensamento neoliberal tentar ressurgir amorta tese da homogeneidade de valores e interesses protegidos pelo direito, especialmentepelo direito penal, mesmo quando asociologia do conflito tem afirmado que a sociedade

    capitalista reflexa as caractersticas de cmbio, conflito e domnio. Ademais, segundo ateoria materialista, os objetos de conflito na sociedade tardo-capitalista no so as relaesmateriais de propriedade, produo e distribuio, mas sim apoltica de domnio de algunsindivduos sobre outros59. Por isso mesmo, parece oportuno destacar que no pensamentode MARX e ENGELS a superestrutura estatal representa a fora necessria para a repressodas classes proletrias, como meio coletivamente aceitado, somente por dois motivos. Porum lado, porque as ideias dominantes de uma poca so sempre e simplesmente as idiasda classe dominante60; e, por outro lado, porque o modo de produo da vida material

    condiciona o desenvolvimento da vida social, poltica e intelectual em geral61

    .

    59 BARATTA, Alessandro. Criminologa crtica y crtica del derecho penal: Introduccin sociologa jurdico-penal.Buenos Aires: Siglo XXI, 2004. p. 127.

    60 MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifiesto del Partido Comunista. In: _____. Los grandes fundamentos II.Mxico: Fondo de Cultura Econmica, 1988.,v. 4, p. 295. Veja-se tambm MARX, Karl, ENGELS, Friedrich.Ideologa alemana, op. cit., p. 82-83. Sobre os conflitos de classes, veja-se as sempre belas e claras palavras deMARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Manifiesto del Partido Comunista, op. cit., p. 280: A histria de toda sociedade, at hoje, a histria da luta de classes. Livres e escravos, patrcios e plebeus, bares e servos da gleba, maestrose oficiais dos grmios, em uma palavra, opressores e oprimidos, sempre antagonicamente enfrentados uns aosoutros, empenhados numa luta ininterrupta, ora oculta ora aberta, que conduz sempre a uma transformaorevolucionria de toda sociedade ou a desapario conjunta das classes combatentes.

    61 MARX, Karl. Contribuio para a crtica da economia poltica. Lisboa: Estampa, 1973. p. 28.

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    No caso do direito penal seria suficiente recordar as lies de ANTONIO NEGRIno sentido de que o direito penal racionalmente desempenha um papel essencial nosmecanismos de reproduo do despotismo capitalista sobre a sociedade e, por isso, cada vez mais irracional e inumano, mais alm de um faux frais (gastos adicionaisdo sistema)62. Tanto assim que a histria da pena tambm tem revelado a verdade dainstrumentalizao classista do direito penal. Como se sabe ou se deveria saber, antes daapario do sistema de produo capitalista no existia a priso como lugar de execuoda pena privativa de liberdade. Somente quando o trabalho humano convertido emtempo e, logo, em riqueza social (capitalismo), a priso passa a ter o poder disciplinarnecessrio para o processo produtivo: se o trabalho assalariado produz uma riqueza socialmedida pelo tempo de exerccio, ento o tempo que o preso est na priso tem um valoreconmico negativo, representando uma penaper se. Desde a, a priso converte-se em uminstrumento importante e necessrio do poder capitalista para disciplinarpara a fbrica e,por isso, o homem sem trabalho um inimigo de classe, como destaca MASSIMO PAVARINI:

    Somente com a apario do novo sistema de produo a liberdade adquiriu um valoreconmico: com efeito, somente quando todas as formas de riqueza social foremreconhecidas em um denominador comum de trabalho humano medido por tempo, ouseja, de trabalho assalariado, foi concebvel uma pena que privasse o culpvel de umquantum de liberdade, dizer, de um quantum de trabalho assalariado. E desde estepreciso momento a pena privativa de liberdade, ou seja, a priso converte-se na sanopenal difundida, a penal por excelncia, na sociedade produtora de mercadorias63.

    J EUGENE B. PASUKANIS definia as teorias do direito penal a partir de um interessecoletivo como deformaes da realidade, j que na sociedade somente existem classescom interesses opostos e contraditrios64. O objetivo ideolgico do sistema punitivo, deproteo da sociedade, uma alegoria jurdica que encobre o objetivo real de proteode privilgios derivados da propriedade privada e dos meios de produo. A neutralidade

    62 NEGRI, Antonio. La forma-estado, Madrid: Akal, 2003. p. 408.63

    PAVARINI, Massimo. Control y dominacin: teoras criminolgicas burguesas y proyecto hegemnico.Mxico: Siglo XXI, 1983.p. 36-37. Veja-se, entre outros, RUSCHE, Georg; KIRCHHEIMER, Otto. Punioe estrutura social. Rio de Janeiro: Revan, Instituto Carioca de Criminologia, 2004; MELOSSI, Dario,PAVARINI, Massimo, Crcel y fbrica: los orgenes del sistema penitencirio. Mxico: Siglo XXI, 1979;GARLAND, David, La cultura del control: crimen y orden social en la sociedad contempornea. traduccinde Mximo Sozzo. Barcelona: Gedisa, 2005, se bem parece confundir o aumento da quantidade de delitocom a sensao de aumento do delito, o que muito distinto. De todo modo, o tema ainda atual,enquanto existir o modelo neoliberal. Por exemplo, segundo afirma WACQUANT, Loc, Punir os pobres.Rio de Janeiro: Revan, 2003. p. 20, hoje cinco milhes de americanos (2,5 da populao adulta) esto nasredes do sistema penal, enquanto que os gastos anuais para controle dos delitos nos EUA chegam a 210bilhes de dlares. Cf. tambin sobre os EUA; CHRISTIE, Nils, Un sensata cantidad de delito. Traduccinde Cecilia Espeleta y Juan Iosa. Buenos Aires: Editores del Puerto, 2004. p. 171-175.

    64 PASUKANIS, Eugene B..A Teoria geral do direito e o marismo. Rio de Janeiro: Renovar, 1989. p. 150.

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    classes e de grupos sociais de poder econmico e poltico e a criminalizao de condutastpicas das classes subalternas, especialmente quando marginadas do mercado de trabalho67.

    Em suma, significa que o direito penal tende a privilegiar os interesses das classesdominantes e imunizar o processo de criminalizao de comportamentos socialmente mais

    danosos, ligados funcionalmente a existncia da acumulao capitalista, enquanto que,por outro lado, tende a dirigir o processo de criminalizao, principalmente em direo aformas de desvios tpicas das classes subalternas, como afirmou BARATTA68.

    Partindo de outra perspectiva, fundamentada no poder disciplinar do direito penal,a genialidade de FOUCAULT afirmava o interesse econmico da burguesia, derivadode todos os mecanismos pelos quais o delinqente controlado, perseguido, punido ereformado69. A partir dessa noo definida como economia de ilegalidades, FOUCAULTpode esclarecer que o desenvolvimento da sociedade capitalista estruturou-se tambm

    a partir de um duplo direito penal: a ilegalidade de bens (o direito penal das classesbaixas) e a ilegalidade de direitos (o direito penal das classes altas)70.

    Seja qual seja a melhor razo, o certo que o poder penal e a instituio doseqestro denominada priso, como instrumentos e aparatos necessrios para a manutenodo status quo, sempre facilitaram a explorao e o aniquilamento dos ineficientes ousuprfluos do mercado de trabalho (o conhecido exrcito industrial de reserva de que j

    67 SANTOS, Juarez Cirino dos. A criminologia radical. Curitiba: Lumen Juris, ICPC, 2008. p. 45/126: Oprocesso de criminalizao, nos componentes de produo e de aplicao de normas penais, protegeseletivamente os interesses das classes dominantes, pr-seleciona os indivduos estigmatizveis distribudospelas classes e categorias sociais subalternas e, portanto, administra a posio de classe do autor, a varivelindependente que determina a imunidade das elites de poder econmico e poltico e a represso das massasmiserabilizadas e sem poder das periferias urbanas, especialmente as camadas marginalizadas do mercadode trabalho, complementada pelas variveis intervenientes da posio precria no mercado de trabalho eda sub-socializao fenmeno definido como administrao diferencial da criminalidade.

    68 BARATTA, Alessandro. Criminologa crtica y crtica del derecho penal: introduccin sociologa jurdico-penal, op. cit., p. 172.

    69 FOUCAULT, Michel. preciso defender a sociedade. Lisboa: Livros do Brasil, 2006. p. 47.

    70 FOUCAULT, Michel.Vigiar e punir. Petrpolis: Vozes, 2006. p. 74: Para as ilegalidades de bens parao roubo os tribunais ordinrios e os castigos; para as ilegalidades de direitos fraudes, evases fiscais,operaes comerciais irregulares jurisdies especiais com transaes, acomodaes, multas atenuadas,etc. A burguesia se reservou o campo fecundo da ilegalidade dos direitos. E ao mesmo tempo em que essaseparao se realiza, afirmao necessidade de vigilncia constante que se faa essencialmente sobreessa ilegalidade dos bens. Assim tambm a descrio de SANTOS, Juarez Cirino dos, op. cit., p. 74-75:Na formao do capitalismo, a criminalidade estruturada em nvel de prtica criminal, de definio legale de represso penal, pela posio de classe do autor: a) as massas populares, especialmente lumpens,circunscritas criminalidade patrimonial, so submetidas a tribunais ordinrios e castigos rigorosos; b) aburguesia, circulando nos espaos da lei, permeados de silncios, omisses e tolerncias, move-se no mundoprotegido da ilegalidade dos direitos, composto de fraudes, evases fiscais, comrcio irregular, etc. nagnese histrica da futura criminalidade de colarinho branco -, com os privilgios de tribunais especiais,multas e transaes que transformam essa criminalidade em investimento lucrativo.

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    Essa realidade e essa tragdia, que marcam definitivamente a nova sociedadeneoliberal vigente, esto muito bem retratadas nas palavras de BAUMAN: As prisesso guetos com muros e os guetos so prises sem muros75. Nesse contexto neoliberalexcludente, possvel concluir que o direito penal uma estratgia excludente de cidadaniae eficiente de controle social de massas desfavorecidas, dentro de estados caracterizadospelasubsuno real da sociedade ao capital, em que indivduos relacionam-se sempre,agora mundialmente, comoproprietrios de capitale comopossuidores da fora de trabalho(incluindo a, por evidente, tambm o trabalho cognitivo e no apenas o fsico, como sepensava antes). Em outras palavras, a violncia do sistema penal, segundo NEGRI, norepresenta mais que o complemento da idia de mercado, com o fim de garantir o corretofuncionamento social e ampliar os trminos do mercado76.

    Mas pode existir uma luz: um direito penal afinado com os postulados do verdadeiro

    e real estado de direito -e, portanto, que no admite um direito penal de exceo- deveseguir uma teoria de libertao do homem e assumir realmente uma papel crtico dosistema penal total, mediante uma relao entre o processo subjetivo de construosocial da criminalidade (enfoque interacionista) e as estruturas objetivas das relaeseconmico-poltica (enfoque materialista). A parece residir uma maneira de rechaar umdireito penal de exceo e tentar a construo de um direito penal igualitrio compatvelcom o real Estado social e democrtico de Direito. Afinal, a poltica criminal no deveolvidar a luta de classes existentes na sociedade capitalista, porque, como j escreveram

    MARX e ENGELS, todos os conflitos da histria possuem origem no contraste entre asforas produtivas e o regime social vigente77. Portanto, o fenmeno do delito ou desvio,dentro do sistema capitalista, somente explica-se quando o foco de ateno do delito e dodelinqente passa aos mecanismos sociais e institucionais que definem, criam e sancionama delinqncia78. Assim, pois, esclarecendo melhor os processos de criminalizao, talvezse possa revelar a ideologia do direito penal e, dessa forma, intentar adequ-lo ao idealdo Estado democrtico e social de Direito.

    75 BAUMAN, Zygmunt, op. cit., p. 143.76 NEGRI, Antonio. La fbrica de porcelana, op. cit., p. 69.77 MARX, Karl, ENGELS, Friedrich. Ideologa Alemana, op. cit., p. 143.78 HASSEMER, Winfried; MUOZ CONDE, Francisco, op. cit., p. 151.

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    II UM SABER PENAL LEGITIMADO: A RECONSTRUO DO DISCURSOPENAL A PARTIR DO MINIMALISMO PENAL

    A funo oculta desempenhada pelo sistema penal na sociedade capitalista e,consequentemente, o aumento da violencia social da decorrente, tanto pelas agnciasformais como pelas informais, impe a obligao de renovar o saber penal e a dogmtica

    jurdico-penal. A ausncia de legitimidade do direito penal abre dois apenas caminhospossiveis: um radical, que a abolio do sistema penal; um moderado, que aminimizao do direito penal.

    A opo abolicionista mostra-se coerente na causa e na consequncia: se osistema penal nunca pode legitimar-se, ento melhor que deixe de existir. Algo melhorque o direito penal a desapario do prprio direito penal. Contudo, essa proposta

    abolicionista esquece o fato de que a desapario do direito penal no significa,necessariamente, a desapariao do poder punitivo. A destruio do saber penal imprimeconcomitantemente o fim do controle formal sobre o poder punitivo. A violncia seguirexistindo independientemente da existncia do direito penal, ainda que sua supressopossa diminuir-la em certa medida.

    A outra opo menos utpica o direito penal mnimo e consiste na reduo dodireito penal ao mnimo necessrio para a proteo da sociedade. Nesse sentido, a proteodos bens jurdicos mais importantes da sociedade desenvolve-se num sistema gradual e

    dependente: o direito penal a ltima forma (ultima ratio) de controle social da violncia79

    .Mas por que somente o direito penal mnimo suscetvel de legitimao? Afinal

    de contas, qual o significado da palavra legitimidade? Legitimidade quer dizer o mesmoque legalidade? Essas so questes cruciais para legitimar o discurso penal e legitimar aprpria dogmtica jurdico-penal.

    79

    Em sentido contrrio ao direito penal mnimo, GARGARELLA afirma que o objetivo do republicanismopenal, fundamentado nos princpios essenciais da incluso, integrao social e vida comunitria, nodeveria ser a minimizao da violncia ou retirada do Estado, mas sim contribuir integrao social efortalecimento dos vnculos interpersonais (p. 39). Assim, pois, a resposta do direito penal mnimo seriao mesmo que aceitar a aplicao de doses moderadas de direito contaminadas por barbrica injusticia(p. 42). Contudo, o pensamento de GARGARELLA, de forte influncia liberal norte-americana, desvirtua amisso do direito penal e o confunde com os ideais polticos da sociedade, que sim so importantes paramudar a desigualdade social. No o direito penal que muda a opresso social existente na sociedade,mas sim a poltica como projeto de sociedade na qual o cidado, no os polticos, so partes. No a polticacomo administrao da realidade social, mas a poltica como projeto de sociedade (PIETRO BARCELLONA).Por isso, a tese do republicanismo penal padece de um paternalismo extremo incompatvel com a ideiade limitao do poder. Cf. GARGARELLA, Roberto, op. cit., p. 39-42. Crticamente, ANITUA, Gabriel I.;GAITN, Mariano, Penas republicanas? In: GARGARELLA, Roberto, op. cit., p. 309-320.

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    44 Grupo de Pesquisa Modernas Tndencias do Sistema Criminal

    A legitimidade do direito penal est estruturada na racionalidade do atuar do sistemapenal. Legtimo o exerccio do poder planificado racionalmente quando existe coerenciainterna e um grau de verdade na sua operatividade (os fins declarados e reaies devem sercoincidentes). ZAFFARONI aponta como caractersticas a existencia de coerencia internado discurso jurdico-penal e valor de verdade quanto operatividade social80.

    Com razo ZAFFARONI concreta a coerncia interna do discurso jurdico-penal nos com a ausncia de contradio ou lgica, mas precisamente com uma fu