Titulo: Nhô Totico o caipira que inovou o rádio paulista

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Titulo: Nhô Totico o caipira que inovou o rádio paulista. Álvaro Bufarah Junior Mestre em Comunicação e Mercado – Fundação Cásper Libero – SP, professor na FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado e Centro Universitário 9 Julho Resumo: Nos anos 30, na Rádio Cultura de São Paulo um jovem locutor, vindo do interior do Estado, cria um personagem para o público infantil, mas seu sucesso vai atingir também adultos de várias camadas sociais. Vital Fernandes da Silva dá voz a Nhô Totico, matuto com sotaque interiorano que irá narrar as aventuras dos personagens da Vila do Arrelia. De forma criativa ele mudava a voz para fazer as diversas etnias que compunham a cultura da cidade como o italiano, o sírio, o japonês, o português, entre outros. Surpreendentemente não havia texto, nem um roteiro definido para programa. Tudo dependia da imaginação de um só homem que se desdobrava diante dos microfones para entreter e educar as crianças e suas famílias. Este texto busca informar aos leitores sobre quem foi este profissional que marcau o rádio paulistano, mas que após 100 anos de seus nascimento passou a ser uma vaga lembrança nos registros da história radiofônica paulista. Palavras-chave: humor, rádio história.

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Titulo: Nhô Totico o caipira que inovou o rádio paulista.

Álvaro Bufarah Junior

Mestre em Comunicação e Mercado – Fundação Cásper Libero – SP, professor na FAAP –

Fundação Armando Álvares Penteado e Centro Universitário 9 Julho

Resumo:

Nos anos 30, na Rádio Cultura de São Paulo um jovem locutor, vindo do interior do Estado, cria um personagem para o público infantil, mas seu sucesso vai atingir também adultos de várias camadas sociais. Vital Fernandes da Silva dá voz a Nhô Totico, matuto com sotaque interiorano que irá narrar as aventuras dos personagens da Vila do Arrelia. De forma criativa ele mudava a voz para fazer as diversas etnias que compunham a cultura da cidade como o italiano, o sírio, o japonês, o português, entre outros. Surpreendentemente não havia texto, nem um roteiro definido para programa. Tudo dependia da imaginação de um só homem que se desdobrava diante dos microfones para entreter e educar as crianças e suas famílias. Este texto busca informar aos leitores sobre quem foi este profissional que marcau o rádio paulistano, mas que após 100 anos de seus nascimento passou a ser uma vaga lembrança nos registros da história radiofônica paulista.

Palavras-chave: humor, rádio história.

1) Humor Paulista

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O desenvolvimento do Estado e da cidade de São Paulo na virada do século XIX

para o XX indica que houve uma mistura da cultura vinda do interior com o perfil

cosmopolita conservador da capital paulista.

A cidade viveu um processo social diferenciado onde traços da memória coletiva

interagem com a diversidade cultural formatando um novo conteúdo com identidade

própria, que não chega a romper com o universo colonial, mas permite a experimentação de

novos conceitos aplicados a velhas estruturas (SALIBA,2002:154).

Para o historiador Elias Thomé SALIBA “este entrelaçamento de tempos sociais

diversificados e descontínuos mostrou que São Paulo já convivia no início do século (XX)

com aquela impressionante indefinição entre o nervosismo da metrópole burguesa e a

persistência de toda uma série de traços coloniais e tradicionais da cidade”

(SALIBA,2002:155).

Esta efervescência vai se refletida pelo mundo das artes que logo toma a dianteira

tanto no registro como nas críticas as mudanças sociais que vão sendo implementadas. A

imprensa participa ativamente desta processo abrindo espaço para a exposição de ideais

contrários. Mas que isto, com a aproximação dos jornalistas, escritores, atores e diretores

com o teatro de revista e com a produção musical mais popular da época se cria um terreno

fértil para o desenvolvimento de jovens que vão utilizar a linguagem do humor como

ferramenta de comunicação. Entre eles podemos destacar Juó Barnanére, Oduvaldo Viana,

Arlindo Leal e Cornélio Pires. (SALIBA,2002:160).

Estes jovens tinham trânsito em várias práticas culturais condensando em si as

funções do caricaturista, do cronista e do escritor. Além desta pluralidade de funções os

humoristas paulistas vão desenvolver uma linguagem particular que SALIBA denomina

como “humor macarrônico”, ou seja, aquele que mistura dois universos lingüísticos não só

originários da escrita, mas, sobretudo da linguagem oral. Com isto, imitam a deformação

lingüística do falante não letrado, brasileiro ou italiano que “deturpa as palavras” porque

não tinha a memória escrita. (SALIBA,2002:170)

Este humor característico paulista vai se desenvolver por um período á margem dos

circuitos cultos, mas sim, nas formas mais próximas do dia-a-dia da população, como no

jornalismo, na publicidade, no teatro musicado e na música. Com chegada da indústria

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fonográfica, a implantação do rádio e o advento do cinema sonoro, o humor brasileiro, e

por conseqüência o paulista, vai dar um salto invadindo estes novos espaços.

SALIBA afirma que se fizermos um “ exame geral das primeiras produções

veiculadas através das novas, mas ainda precárias tecnologias de difusão” veremos a

presença marcante das criações humorísticas. Segundo o historiador não será diferente com

o rádio, se fizermos uma análise das primeiras transmissões encontraremos uma relação

reiterada entre o veículo e o humor nas suas mais variadas formas (SALIBA,2002:219).

Os profissionais do humor aprenderam a adaptar a linguagem de suas produções

para as legendas das caricaturas, para os textos das revistas, para o cinema, para as músicas

e finalmente para o rádio. Com isto, o veículo ganha um conjunto de humoristas vindos de

outros veículos, mas absolutamente competentes.

Importante destacar que o humor no rádio também será utilizado como ferramenta

de linguagem para os comerciais e jingles publicitários, tendo como pioneiros neste setor

Ademar Casé, Henrique Foréis Domingues (Almirante) e Renato Murce, que muitas vezes

participavam como interpretes e criadores das peças publicitárias. Inicialmente no Rio de

Janeiro, depois este novo conceito de linguagem invade o rádio paulista.

O humor vai possibilitar uma flexibilidade da linguagem extrapolando alguns

conceitos mais conservadores permitindo a veiculação de comerciais sobre os mais

variados produtos, entre eles, os que não se podiam comentar abertamente diante das

famílias, como por exemplo, roupas intimas, reguladores menstruais e remédios para

doenças venéreas.

Para poder patrocinar os programas radiofônicos as emissoras vendiam espaços

publicitários para pequenas empresas ou comércios forçando os redatores a serem muito

criativos para adicionar na programação as peças publicitárias. Assim para atender a um

anunciante do programa de Ademar Casé na Radio Philips, foi criado um jingle em formato

de fado para a Padaria Bragança.

SALIBA indica um bom exemplo quando em 1932 o Laboratório Queiroz, com

sede na capital paulista, decide patrocinar parte do programa de Casé. O problema esta no

produto, um purgante, o Manon Purgativo. Criativamente a solução encontrada foi esta:

Um casal de noivos brigou. Ele, arrependido, resolveu fazer a pazes, mas a moça estava irredutível. Conversou com a futura sogra, que lhe aconselhou que presenteasse a filha com algo de valor. Comprou-lhe, então, uma jóia caríssima. E

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não fez efeito. Deu-lhe um casaco de peles. Mas não fez efeito. Então, lembrou de dar a ela um vidro de Manon Purgativo... Ahhhh! Fez efeito !!! Manon Purgativo, à venda em todas as farmácias e drogarias (SALIBA, 2002:223).

Com o desenvolvimento de uma estrutura mais profissional para o rádio brasileiro o

humor também se beneficia deste processo de depuração. A partir dos anos 30 com a

chegada dos rádios a válvulas e a conseqüente disputa pela audiência há uma grande

movimentação para tornar as programações mais próximas do universo doméstico. Neste

momento o rádio busca uma adequação de sua linguagem para aproximá-la da audiência

que crescia exponencialmente. Ao nesta procura o veículo acaba se aproximando ainda

mais da linguagem humorística, como explica SALIBA:

Quando o rádio procura uma linguagem própria, rápida, concisa e colada ao dia-a-dia, suscetível de registrar o efêmero do cotidiano, ele vai encontrar aquilo que as criações humorísticas já haviam de forma elaborado em estreita ligação com o teatro musicado, o teatro de revista, as primeiras gravações fonográficas, e até mesmo as primeiras produções cinematografias: a mistura lingüística, a incorporação anárquica de ditos e refrões conhecidos por ampla maioria da população, a concisão, a rapidez, a habilidade dos trocadilhos e jogos de palavras, a facilidade na criação de versos prontamente adaptáveis á música, aos ritmos rápidos da dança e aos anúncios publicitários (SALIBA,2002:228).

É neste cenário que surge Vital Fernandes da Silva, que logo ganhrá notoriedade

com um personagem caipira de sotaque arrastado. Nhô Totico catalisa a imagem do matuto

que deixou o campo para viver na cidade onde encontra os imigrantes italianos, os

japoneses os árabes, e também os migrantes nordestinos.

2) Nhô Totico

Foto do Acervo da Academia de Letras de Descalvado

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Vital Fernandes da Silva nasceu em Descalvado, interior do estado de São Paulo,

em 1903.Último de seis filhos da italiana Adelina Mandelli da Silva e do bahaino João

Fernandes da Silva logo ganhou o apelido de Totó. Desde muito jovem tinha tendências

para as artes influenciado por seu pai. João era um músico hábil que tocava vários

instrumentos, mas adora o violão, tanto que o próprio Vital escreveu tempos depois:

“Mas virtuose mesmo ele o era no violão, instrumento que tocava por música. Causa muita admiração porque, além de dominar completamente o instrumento, sendo canhoto, não invertia as cordas do mesmo, como habitualmente fazem os canhotos. Uma singularidade: só tocava com inteiro agrado no violão que ele mesmo fabricasse. Nossa casa era um arsenal de instrumentos musicais. Piano, harpa, saxofone, clarinete, requinta, violão, bandolim, flauta, violino e até um 'celo' (violoncelo) de fabricação caseira”.

Bom musico, o pai de Vital, se emprega no cinema da cidade fazendo

acompanhamento das seções de filmes mudos e com empenho consegue sociedade no

cinema. O que será ótimo para Vital e um grupo de amigos que passam a produzir os sons,

como uma espécie de sonoplastia para as fitas, atrás das telas. Tudo sob a regência de Totó.

(FANUCHI,2002:25/26).

Com dez ano, Vital vem com a família para a capital paulista onde fica pouco

tempo, pois logo ingressa no Cemitério Salesiano de Lavrinhas, onde vive por um ano e

retorna São Paulo. De volta, começa a trabalhar para ajudar a família e através de um amigo

conhece a professora Leonor de Campos que o apresenta aos Frades do Convento de São

Francisco. Na instituição Vital expande suas atividades artísticas encenando, dirigindo e

muitas vezes fazendo às vezes de cenógrafo.

Alguns anos mais tarde funda a Associação dos Amigos de Santo Antonio, com

sede no próprio convento. As atividades artísticas capitaneadas por ele vão tão bem que a

verba conseguida com os festivais teatrais possibilitam a reforma do Salão de Atos, a

compra de um projetor de cinema e o lançamento do jornal “Mensageiro da

Paz”(FERNANDES, 2002)

Vital passa a ser o animador oficial de eventos promovidos pelas obras assistenciais

do Convento de São Francisco de Assis, ao lado da Faculdade de Direito da Universidade

de São Paulo. Em breve ganha o cargo de humorista oficial da turma de direito do diretório

estudantil XI de Agosto, mas ainda não tinha conseguido seu grande sonho ser “artista”

(FANUCHI,2002:25/26).

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Para ganhar a vida consegue um emprego na Repartição de Águas e Esgotos, mas

continua tentando decolar com sua carreira. Neste meio tempo começa a Revolução de 32 e

como a maioria dos jovens ingressa nas tropas paulistas.

Vital mantém um diário onde narra as atividades das batalhas e as impressões dos

locais por onde passa;

“Diário de Campanha do soldado nº 135, adido do 5º R.C.D. Vital Fernandes da Silva, residente em São Paulo Butantã à rua Fernão Dias 93. Filho de João Fernandes da Silva e dona Adelina Mandelli da Silva. Nascido em 11 de maio de 1903 em Belém do Descalvado Estado de São Paulo. Fui designado para seguir para Cruzes ao 16 de agosto, para onde segui em 19 de agosto. Custou-me separar-me dos meus. Despedi-me dos amigos e da minha “Ex” da qual me lembrei ao passar por Taubaté, por ter visto ao lado da linha férrea uma laranjeira coberta de flores brancas... flores brancas... casamento. Quanta recordação... Recordar é viver. Ao chegar em Cruzes encontrei muitos colegas, todos mais moços que eu, todos incorporados. Pensei nas laranjeiras, no casamento, na impossibilidade de realização desse meu sonho e... incorporei-me sem grande contentamento dia 20/08 incorporei-me no 5º R.C.D” (FERNANDES,2002).

Os paulistas são derrotados e Vital volta a capital paulista e retoma seus contatos

com o mundo artístico. Entre eles Oduvaldo Viana Filho e Otávio Gabus Mendes que logo

se interessam e pelo rádio teatro, impulsionando esta nova linguagem. Mas embora tão

próximo do veículo que o irá consagrar o jovem Vital só vai ingressar no rádio pelas mãos

de um parente.

Vital tinha um cunhado que era saxofonista do “Grupo Sertanejo Cigarra” ligado a

revista bastante conhecida na cidade. Um dia o grupo foi convidado a se apresentar nos

estúdios da Radio Educadora Paulista, instalada no Palácio das Industrias no Parque Dom

Pedro, no centro da capital.

Como o grande sonho de Vital era ser “artista” procurava se infiltrar em todas a

manifestações culturais que podia. Assim, aproveitou para ir a Educadora com o cunhado.

Após o programa, os produtores pediram a ele que contasse uma anedota, ação que o jovem

interiorano aproveitou.

De improviso conta uma história um pouco picante para os ouvintes da época e por

isto, sua estréia foi um fiasco. Logo após o término da piada, ouve a censura dos colegas e

amigos que passam a ligar para sua casa reclamando do teor da historieta.

O próprio Vital conta que ficou muito envergonhado e que há certo tempo “queria

que o chão se abrisse” para que pudesse ser engolido e desaparecesse de tanta vergonha.

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Mas mesmo não dando certo sua tentativa de alegar os ouvintes, esta foi a primeira vez que

utiliza o pseudônimo de Nhô Totico. Nascia ali uma das maiores lendas do rádio paulista.

Ele conta que depois da vergonha continuou tentando a vida artística até que

consegui iniciar a carreira pelas mãos de um dos estudantes de direito. Enéias Machado de

Assis, que já atuava como radialista. Assis leva Totico para conhecer o jovem Olavo

Fontoura, diretor e um dos proprietários de uma rádio clandestina. Na realidade a emissora

era resultado de uma brincadeira dos irmãos Fontoura que chamaram a emissora de DKI A

Voz do Juqueri.

Na hora do teste, Vital pergunta o que deve fazer e Fontoura pede para que ele

repita as ações que faz diante dos estudantes. Nhô Totico conclui que não poderia fazer as

mesmas brincadeiras, pois eram muito “pesadas” para programação. Ele vai ao microfone e

faz um pequeno teatrinho onde revela sua maior característica: faz todas as vozes dos

personagens e ainda complementa a história com “efeitos especiais” feitos por ele mesmo.

Neste momento consegue o espaço para fazer o seu primeiro programa, mas ainda sem

remuneração.

Totico desenvolve inicialmente um programa voltado ao público adulto, XPTO,

Vila de Santo Antonio de Arrelia, ou simplesmente Vila do Arrelia. O sucesso é tanto que a

rádio se regulariza e Nhô Totico ganha um contrato.

Já em 1935 na Radio Record de São Paulo, ele apresentava um programa diário com

seus personagens entre as 18hs30 e 19hs. Um dia antes de entrar no ar, encontra com

Marcelino de Carvalho, um dos diretores emissora que acabara de voltar da Europa, onde

fora fazer a cobertura da Guerra. Marcelino diz a Vital que no hemisfério norte as

emissoras faziam programa para crianças em horário mais cedo por causa do inverno, para

que elas pudesse se deitar ouvindo o rádio. Então o patrão propõe a Vital que faça um

programa para crianças formatado em um clube de futebol. O humorista se nega afirmando

que sobre o esporte não falaria e que era contra o fanatismo que envolvia as crianças

contrapondo com a necessidade de estudo. Neste momento toca a campainha para que Vital

entre no ar. Marcelino de Carvalho insiste: então vai falar do quê? Vital responde: não sei.

Mas ouça!

Neste momento adentra ao estúdio da Record e começa seu programa e acaba

criando ali a Escolinha da Dona Olinda, onde compunha estudantes como personagens

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oriundos das diversas colônias que existiam na cidade. Nasce assim o italiano, o japonês, o

filho do sírio e do nordestino. Além do inspetor e zelador da escola Sr. Joaquim, um negro

velho com todas as suas crendices. Nhô Totico afirmava que tudo que fazia era de

improviso e sem script. Como ele mesmo dizia “como pastel de chinês” feito na hora.

Randal Juliano, radialista e ouvinte de Nhô Totico afirma que ele sentia no operador

o efeito de suas piadas, e se fosse necessário mudava o sentido do programa na hora

bastando perceber que suas falas não haviam empolgado o colega de trabalho.

Vital afirmou várias vezes que para ele este processo de improviso era um “dom”

divino. Com um raciocino rápido e uma criatividade acima da média Nhô Totico ganha

espaço rápido no rádio paulista em dois horários. Das 18hs as 18hs30 apresentava a

Escolinha da Dona Olinda e as 23hs apresenta a Vila do Arrelia. O primeiro programa

voltado as crianças e o segundo aos adultos. O sucesso é tanto que logo Vital passa a

excursionar pelo país e a dividir o palco com grandes nomes da música popular brasileira.

Como na apresentação em Santos, onde presencia Carmem Miranda brincar com a

irmã Aurora sobre o namoro com Custódio Mesquita diante dos expectadores (CASTRO,

2006: 104).

A competição acirrada pela audiência no final dos anos 30 para os 40 leva a Rádio

Cultura, dos irmãos Fontoura, a expandir a estrutura física da emissora para que as

apresentações dos programa de Totico sejam feitas ao vivo em um auditório. Inauguram em

1939 o Palácio de Rádio em um ponto privilegiado na Avenida São João, no centro da

cidade de São Paulo. O prédio de seis andares possuía um auditório para 400 lugares que

passou a lotar com as transmissões dos programas.

Uma característica dos programas de Nhô Totico é que sua formação católica

sempre esteve presente. O foco do programa para as crianças era educar e discutir valores

de ética e cidadania. Como demonstra o texto publicado no Jornal Folha da Manhã em

1944:

“Conta-se pelos dedos de uma mão o número dos autênticos humoristas que o rádio brasileiro apresentou em vinte anos. Nhô Totico é um deles. É o único, no entanto, entre raros eleitos, cujo humorismo pode e deve ser levado a um público infantil. Falou-se aqui ainda há pouco sobre educação pelo rádio, afirmando-se que ela não poderia ignorar o lema da escola de Maria Montessori, que é ensinar divertindo e divertir ensinando. O popularíssimo artista de São Paulo segue as pegadas da famosa educadora italiana. Seus programas não se contentam em ser simples passatempos. São também lições de solidariedade humana”.

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Mesmo com o sucesso Vital Fernandes da Silva manteve seu emprego na repartição

pública e cumpria religiosamente seus horários desempenhando suas funções com empenho

e esmero.

Com jornada dupla Vital é assediado por todas as grande emissoras do eixo Rio/São

Paulo, mas sempre mantém sua palavra ao amigo Fontoura. Mas a Rádio Record faz

novamente uma proposta que não põe em xeque sua amizade. Nhô Totico mantém seus

programas na Cultura e faz um novo programa na concorrente, evidentemente em outro

horário. Nasce assim, em maio de 1936, mais um programa “Chiquinho, Chicote e

Chicória”. Mas a vida em três empregos fica difícil e Vital encerra seu programa na Record

um ano depois. Seus personagens foram incorporados aos programas da Cultura para

tranqüilidade dos irmãos Fontoura.

Em breves licenças do serviço público Vital excursionava pelo país fazendo grande

sucesso. No Rio de Janeiro faz algumas temporadas na Radio Mayrink Veiga, coordenada

na época por César Alencar, amigo de rádio e de armas de Totico. César tinha sido ao lago

de Nicolau Tuma e Renato Macedo as vozes da Revolução de 32, sendo transmitidos pela

Rádio Record de São Paulo.

A esta altura, Vital já era uma celebridade nacional tendo status de estrela,

conquistando até a disputada imprensa carioca. Como demonstra este trecho do texto de

Carlos Cavaco, no Correio da Noite, em outubro de 1941.

“... Totico que é, ao meu ver o primeiro e o mais completo artista do gênero na América do Sul, e que aproveita os seus magníficos programas para educar as crianças e fazer propaganda altiva e inteligente do nosso nacionalismo. É de homens assim, desse talento, dessa cultura, que o rádio precisa; e não dessa enxurrada de nulidades que aparece nas irradiações, atormentando os ouvidos de cinqüenta milhões de criaturas”.

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Nos anos 50 com a chegada da TV os empresários passam a investir no novo meio e

as verbas do rádio começam a minguar. Embora muitos tenham indicado o fim do rádio, o

que aconteceu foi uma acomodação de mercado, onde as emissoras radiofônicas passaram a

focar mais suas programações para a prestação de serviço e a TVs ficaram com a maior

fatia do entretenimento.

Em 1950, Vital tinha ganho o premio Roquete Pinto o maior e mais badalado do

rádio brasileiro, como melhor humorista.Com todo o seu sucesso no rádio foi natural a

tentativa das emissoras de tv em levar Nhô Totico para suas programações. Mas ele sempre

preferiu o rádio. Chegou a trabalhar por um breve período na TV Record de São Paulo e

voltou a suas origens.

Em 1953, com 21 anos de atuação no rádio, Nhô Totico pensa em parar. Mas acaba

assinando um contrato com a Rádio América, onde fica até 1962, quando efetivamente

encerra sua carreira tendo cumprindo 30 anos de dedicação ao rádio brasileiro.

Nos anos seguintes passa um longo período longe dos palcos e dos microfones.

Embora tenha participado de vários programas de rádio e de entrevistas para a televisão

Vital não voltou efetivamente a trabalhar em um veículo até os anos 80. Entre 1983 e 1985

fez um contrato com a TV Globo para participar trimestralmente do programa “Som Brasil”

apresentado por Rolando Boldrin.

As participações serviram para mostrar que Nhô Totico ainda estava em forma,

embora com mais de 80 anos. Diante da platéia do programa Vital refazia os personagens

que o tornaram famoso nos anos 30 e 40,desta vez com o suporte da imagem. O público

delirava ao ver aquele senhor de cabelos brancos fazendo as vozes da Escola da Dona

Olinda e os personagens da Vila do Arrelia.

Totico que tinha ficado viúvo no final da década de trinta, se casa em 1946 com

Jutta Hertel Fernandes da Silva. Ela a companheira que iria acompanhar toda a ascensão do

artista e ajudá-lo até o fim de sua vida.

Vital Fernandes da Silva faleceu em 04 de abril de 1996, sendo velado na

Assembléia Legislativa de São Paulo e enterrado no cemitério da Consolação, zona oeste da

capital paulista.

Mesmo tendo alcançado grande sucesso Vital não ganhou muito dinheiro, sempre

manteve seu emprego na repartição pública e após deixar os microfones viveu

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modestamente em uma casa na capital paulista. Seu acervo que inclui fotos, recortes de

jornais, cartas e alguns móveis foi doado pela viúva para a Academia de Letras de

Descalvado, cidade natal do artista.

A prefeitura local havia se comprometido a doar um imóvel para abrigar o acervo

que conta a história de Nhô Totico, mas até hoje nada foi feito.

Não há registros sonoros gravados de nenhum programa de Vital Fernandes da

Silva. Há indícios não comprovados de que algumas gravações da censura teriam sido

passadas para discos, mas ninguém sabe dizer onde podem estar. Incêndios e inundações

ajudaram a apagar dos arquivos da Radio Cultura de São Paulo os registros da Escola da

Dona Olinda e da Vila do Arrelia.

Parte do material que consta neste texto resultado de depoimentos do próprio Vital

Fernandes da Silva em eventos do Centro Cultural São Paulo e algumas emissoras de rádio

da capital paulista. Outra parte é resultado das pesquisas de Paulo Fernandes, sobrinho neto

do humorista que desde 2002 tenta financiamento para fazer um livro sobre o Nhô Totico.

3) Os programas

Vital Fernandes da Silva inovou ao fazer vários personagens mudando sua voz para

poder caracterizá-los. Dono de uma criatividade ímpar produzia tudo sem script apenas

com o improviso e algumas idéias sobre as mensagens que gostaria de passar a seus

ouvintes.

Escolinha da Dona Olinda

A Escolinha da Dona Olinda trazia a mescla de raças contida nas ruas da cidade de

São Paulo, para que os ouvintes visualizassem os personagens de Vital, bastava abrir a

janela ou dar um passeio pelas ruas. Como mostra o depoimento do diretor e ator Paulo

Afonso Grissolli:

“Na escola e na igreja não se olha para trás”, afirmava a severa, mas bondosa professora Dona Olinda, personagem principal de um programa que influenciou muitos outros que surgiram. Todos os dias, às seis e meia da tarde, pelas ondas da Rádio Cultura, eu ouvia as suas vozes e, por elas e através de sua infindável comicidade, eu aprendia uma generosa lição de vida. D. Olinda era professora de uma escola ímpar, que durava, a cada dia, apenas meia hora. Os demais eram seus alunos (junto comigo):Soko, o japonesinho humilde; Mingau, o ítalo-brasileiro, torcedor do Palmeiras; Mingote o cabeça-chata verborrágico; Manuel o lusitano; Jorginho, o 'turco', Sebastião, o caipirinha maroto; e Minguinho, menino urbano...Com rapidez invencível, ele mudava, num segundo, da voz aguda de dona

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Olinda para o timbre roufenho e pesado de “seu” Joaquim, o preto velho, bedel da Escolinha a presença negra necessária para que o quadro étnico-humano de São Paulo se completasse no programa” (FERNADES, 2002).

Outro depoimento esclarecedor sobre os programas de Nhô Totico foi feito pelo

historiador e sociólogo Boris Fausto em seu livro “Negócios e Ócios”, da editora

Companhia das Letras.

O jogo de bolinhas era uma diversão restrita a mim e a meus irmãos. Havia outra, abrangendo toda a família, com exceção de meu pai, alheio a frivolidades: o rádio. Os gostos variavam e, felizmente, havia dois rádios na casa.Meu primo Alberto desenvolveu o gosto pela música clássica e influenciou nesse sentido minha tia. Na hora do almoço, um programa obrigatório, aliás, de ótima qualidade, era A música dos mestres, da rádio Gazeta, que se abria com a “Ária da Quarta corda” de Bach.Eu, talvez por simples oposição, não tinha atração pela chamada música fina; era fã dos vários programas de música brasileira, onde explodiam os sambas e principalmente as marchinhas, com a aproximação do carnaval. Meu primo torcia o nariz para aqueles barbarismos e meus tios participavam da estranheza, implicando, em particular, com os estribilhos repetidos. Como dizia Paisico, “esse homem já cantou não sei quantas vezes que meu amor me abandonou, para que precisa repetir mais ainda, se já estamos sabendo?”.Havia algumas unanimidades, como o programa humorístico do Nhô Totico, que só um visitante – Jacques Rousselle – detestava. Quando vinha jantar em casa, nos sentíamos inibidos de ouvir o programa até que, pouco a pouco, levantamos a cabeça. Ouvir o programa do Nhô Totico na presença de Jacques era um ato de independência: quanto mais ele bufava, mais eu ria, não só com as graças do Nhô Totico, mas com o descontrole de Jacques.O programa do Nhô Totico começava com a frase “x.p. tio de arrelia, a voz do Juqueri; senhores escuitantes, bao noite”. A certa altura, por solicitação de um ouvinte, que considerou ofensiva a areferência aos loucos, o humorista substituiu “a voz do Juqueri” por “a voz do Nhô Totico”. O programa se desdobrava em dois. O do fim da tarde destinado a um público infantil e adolescente, reproduzia uma sala de aula; o da noite girava em torno da d. Aqueropita, filah de italianos, obcecada pelo desejo de encontrar um homem solteiro e se casar.Na sala de aula, a bondosa mas severa d. Olinda (“na escola e na igreja não se olha para trás”) fazia a chamada, exigindo um “presente” adequado, e tratava de ensinar um grupo de meninos irrequietos e meninas dengosas. À noite, o humorista perguntava ao auditório onde deveria levar dona Aqueropita e , desse modo, a conduzia aos cinemas, às compras, aos passeios e até às boates. Invariavelmente, a solteirona acabava entrando em contato com algum jovem voz melosa, a quem indagava, depois de muito conversar, com medo de uma decepção: “o senhor é sortero?”. A resposta, sempre afirmativa, produzia gritos delirantes de Aqueropita: “Sortero, sortero” e, com seu suposto desmaio, terminava o programa.Nhô Totico soube recriar, com muita graça, o mundo dos imigrantes de São Paulo, sírios, japoneses, italianos etc. que surgiam como personagens adultos à noite e cujos filhos freqüentavam a escolinha de d. Olinda à tarde: o pai do Soko era o motorista de praça Sakamoto, conduzindo dona Aqueropita pelas ruas da cidade; Jorginho era filho de do Salim Kemal Fizeu, negociante de tecidos; o pai do Mingau – irmão da Aqueropita – era o inflexível Betto spacca tutto. O humorista

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introduziu também em suas histórias, como sinal dos tempos, dois personagens nordestinos – o Mingote e seu pai – carregando no acento.A televisão acabou com o prestígio de Nhô Totico, cujo humor se baseava na imitação da voz e não na visualização da figura. Programas supostamente humorísticos da atualidade estão muito distantes dele, sobretudo porque Nhô Totico era católico e muito conservador. Se às vezes seus conselhos forçavam a nota, se não estava imune aos preconceitos, seus programas tinham, em geral, uma leveza que constrastava com a grosseria das “escolinhas” de hoje, de Golias a Chico Anysio (ANO:145/146)

Embora não tenhamos cópias dos programas, Vital ficava feliz em poder representar

novamente todos seus personagens sempre que podia. Foi assim que 10 de setembro de

1984 ele participou do evento “O Rádio Paulista no Centenário de Roquete Pinto” no

Centro Cultural São Paulo. Na ocasião Vital representou ao vivo e de improviso um

pequeno trecho da Escola da Dona Olinda, diante dos olhos atentos da platéia. O material

que transcrevo abaixo dá uma pequena idéia do que era o programa de Nhô Totico.

Dona Olinda: Seu joaquim, todos os dias eu preciso lhe repetir a mesma coisa: 15 minutos antes da hora, bata a sineta para que faça silêncio no recreio para que as crianças entrem para as classes. Vá correndo bater a sineta seu Joaquim! Todo dia a mesma coisa! Todo dia tenho de repetir! Mas como os homens tem cabeça de pau! Corra seu Joaquim!

Joaquim: Ê sinhazinha, negõ véio não pode corrê. Lematismo tá dando cabo de nêgo véio (tosse)...

Vital: Bém, bém, bém.(som do sino)

Dona Olinda: Olha aí. Como é difícil tratar de um homem. Estou cansada de comprar xarope para este homem. O xarope azeda na cabeceira da cama dele e ele não toma. Tó com bronquite e cada vez pior. Vá bater o sino, seu Joaquim!

Dona Olinda: Silêncio! Seu italiano mal educado! Será possível que eu tenho que repetir todos os dias a mesma coisa! Seu Mingau, depois do toque da sineta, nenhum piu, no...

Minguau: Má...

Dona Olinda: Cala a boca!

Minguau: Ma come cala a boca!!!

Dona Olinda: Silêncio! Quando bate o sino, silêncio!.

Minguau: Porca miséria, que escola! Estou em escola... Democrácia... Democrácia... que democrácia! Só cala a boca, cala a boca!!!

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Dona Olinda: Cala a boca! Entra na fila! Ê o senhor seu Sôko, o que esta fazendo aqui no meio dos marmanjões?Eu não sei, dizem que os japoneses são tão inteligentes e todos os dias eu tenho que repetir a mesma coisa: Seu Sôko, os meores na frente, os maiores atrás. Os menores na frente, os maiores atrás!!! O que é que o senhor esta fazendo aqui no meio dos marmanjões!!????

Sôko: Senhora descurpa né. Eu pensô que eu cresceu.

Dona Olinda: Não cresceu não! Passa pra frente!!

Dona Olinda: (já dentro da sala): Minguinho?

Minguinho: Presente.

Dona Olinda: Mingote?

Mingote: Presente!

Dona Olinda: Minguau!

Mingau: Presente!

Dona Olinda: Sôko?

Sôko: Sim sinhorô! Presente. Japoneis num precisa de chamada, né? Japoneis não farta na escola né?

Dona Olinda: Eu sei! Eu sei!. Seu Manoel?

Manoel: Presente

Dona Olinda: Jorginho?

Jorginho: Presente!

Dona Olinda: Sebatião?

Sebastião Presente!

Sebatião: Dona Olinda, é verdade que tem um ombus nos Estados Unidos que a gente sobe nele e vai até a Lua?

Dona Olinda: Bom esse ônibus existe. Para que os senhores compreendam bem. É uma nave espacial. Porque o senhor me faz esta pergunta?

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Sebastião: Não! Sabe dona Olinda, as veis eu deito na cama e não tenho sono e garro a pensá bobage. Porque os hôme pensa que eles são os tar... Mas os hôme são uns bobo alegre não é verdade dona Olinda?

Dona Olinda: Não sei porque. Eu não sei onde o senhor quer chegar.

Sebastião: Eu já cheguei! Eu tô aqui na escola e não quero chegar a lugar nenhum!.

Dona Olinda: Não. Mas a sua pergunta...

Sebastião: Não, sabe porque dona Olinda... Fala que os hôme são os tar e que eles fôro na lua. Não sei o que lá, fáia acontece... Agora, outro dia, de uma coisinha atoa, eles fizero um barulho loco, um escandro...

Dona Olinda: Não sei de nada. Foi coroado de pleno êxito o último vôo. Subiu, foi lá em cima, cumpriu a missão científica que tinha cumprir, desceu e tudo bem.

Sebastião. Não, falaro que eles andaro meio apertado lá porque entupio o esgoto e não sei o que. Mái que barbaridade! Entupio o esgoto vai ali na fazenda Tambori, compra um bambu, racha em quatro e desentope o esgoto.

Dona Olinda: Ora seu Sebastião!!??? Eu perdendo tempo com o senhor!!!

Sebastião: Perdendo tempo porque, Dona Olinda?

Dona Olinda: Ora, o senhor vem com uma bobagem desta! Um cientista precisar levar bambu?

Mingau; Esse daí é um bobo.

Sebastião: Bobo não hein italianinho!!?? Eu te pego na rua, enfio o dedo na boca, pego o dedão do pé e te viro no avesso!!!

Dona Olinda: Que é isso?!...Fim.

Vila da Arrelia

Na Vila do Arrelia a personagem principal era dona Aqueropita, filha de italianos,

solteirona obcecada com a idéia de encontrar um homem solteiro para se casar. Durante as

apresentações havia uma interação com os expectadores presentes no auditório que permitia

a Nhô Totico desenrolar a trama levando os personagens as compras, ao cinema e as

passeios na Vila. Paulo FERNANDES afirma que:

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“O humorista fazia sozinho e de improviso todos os outros personagens do programa, entre eles o motorista de praça Sayamoto Kurakami, que conduzia dona Aqueropita pelas ruas da cidade, o negociante de tecidos Salim Kemal Fizeu; Betto Spacca Tutto era o inflexível irmão da Aqueropita, o português Manoel e o nordestino Trinta e Nove, que reapareciam no programa da tarde, como os pais das crianças da Escola de Dona Olinda” (2002).

Chiquinho, Chicote e Chicória

O programa foi feito por Nhô Totico na Rádio Record de São Paulo em 1936, por aproximadamente um ano. Período em que o humorista continuou a fazer A Escola da Dona Olinda e A Vila do Arrelia na Rádio Cultura. Com o fim do trabalho na Record, Vital continua com os novos personagens, só que desta vez absorvidos nos outros programas.

5) Conclusão

O trabalho de Vital Fernandes da Silva demonstra a gênialidade do menino de

origem humilde em retratar em seus programas a diferenças sócio-culturais das diversas

etnias que formou a cultura da capital paulista na primeira metade do século XX. Inovador

ao criar um programa de humor voltado as crianças e transgressor ao não utilizar roteiros

pré-estabelecidos, Nhô Totico marcou a história do rádio brasileiro. Mesmo com todo o

sucesso que alcançou se manteve fiel as suas origens caipiras, mas dando a ela a dimensão

cosmopolita trazida pelo desenvolvimento agrário e industrial do Estado de São Paulo. Seu

trabalho dá continuidade ao de humoristas da Belle Époque transcedendo seu momento

histórico ao retratar os conflitos da chegada do “progresso” .

Do ponto de vista artístico Vital foi único, jamais outro humorista conseguiu

catalisar tantos ouvintes com um produto tão específico para crianças.

Infelizmente pela falta de um política pública para o resgate e manutenção da

história no Brasil, estamos perdendo o pouco que resta do acervo de Nho Totico. Caso não

tenhamos um mudança consideravel no lidar com os produtos históricos assistiremos a boa

parte da história dos veículos de comunicação, especialmente do rádio, ser apagada pelo

descaso e ignorância.

6) Bibliografia

CASTRO, Ruy. Carmem. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.

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FANUCCHI, Mario. O artista de rádio. In Revista da USP – Coordenação de Comunicação Social, Universidade de São Paulo. São Paulo: USP, Dezembro de 2002 a fevereiro de 2003.

FAUSTO, Boris. Négocios e Ócios. São Paulo: Companhia das Letras,1997.

FERNANDES, Paulo. Nhô Totico, O homem das mil vozes. Reverbo Comunicação Coorporativa. Campinas:2002.

FERNANDES DA SILVA, Vital. Depoimento no evento O Rádio Paulista no Centenário de Roquete Pinto. São Paulo: 10 de setembro de 1984. Secretaria Municipal de Cultura. Divusão de Pesquisas, Centro Cultural São Paulo. Arquivo Multiméios: TR1756.Data da Pesquisa: abril de 2006.

FERNANDES DA SILVA, Vital. Depoimento a Rádio Jovem Pan AM de São Paulo. Programa São Paulo Agora. São Paulo: 21 de setembro de 1976. In Secretaria Municipal de Cultura. Divusão de Pesquisas, Centro Cultural São Paulo. Arquivo Multiméios: TR 0228.Data da Pesquisa: abril de 2006.

FERNANDES DA SILVA, Vital. Depoimento: em outubro de 1979. Secretaria Municipal de Cultura. Divusão de Pesquisas, Centro Cultural São Paulo. Arquivo Multiméios: TR841.Data da Pesquisa: abril de 2006.

SALIBA, Elias Thomé. Raízes do Riso. A representação Humorística na História brasileira: da Belle Époque aos primeiros Tempos do Rádio.São Paulo: Companhia das Letras, 2002.