TODOS OS ARTIGOS DE PADRE ASSIS

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ARTIGOS DE PADRE JOSÉ ASSIS

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  • 1. Administrar a prpria vida O evangelho de So Lucas nos oferece (cf. 12, 32-48) qualidades que os discpulos de Jesus devem ter para segui-lo no seu caminho para Jerusalm, onde sabemos que acontecer o desfecho final de sua obra e misso. Atravs de uma srie de elementos que esto tambm presentes no famoso sermo da montanha em Mateus, Lucas nos apresenta um conjunto de ditos e parbolas sobre a vigilncia e a fidelidade ao Senhor. Lucas, vivendo no ambiente mercantilista do Imprio Romano, escrevendo em uma cidade, feso ou Corinto, v constantemente o mal causado pelas falsas iluses da riqueza e bem estar, alm do escndalo da fome (cf.16,19-31). Ele um evangelista que cuida, mais que nenhum outro, deste aspecto to determinante da vida social e econmica e como os cristos deviam tomar uma postura frente injustia e a diviso de classes. Se escrevesse hoje, no precisaria mudar muito. Nesta realidade em que vivemos de uma sociedade consumista, diz-nos Jesus, que a primeira coisa que temos que fazer desapegar nosso corao do afeto imoderado ao dinheiro: Vendei vossos bens e da esmola. Fazei bolsas que no fiquem velhas, um tesouro inesgotvel nos cus, onde o ladro no chega nem a traa ri. Pois onde est o vosso tesouro, a estar tambm o vosso corao. (Lc 12,33-34) Se para ns o mais importante na vida o dinheiro, se temos posto nosso corao no dinheiro, dificilmente poderemos entender a mensagem evanglica. Cristo nos diz que devemos por o corao nos valores do Reino de Deus, nos valores evanglicos. Isto no nada fcil, porque o dinheiro e os prazeres deste mundo nos tentam continuamente. Por isso, devemos estar sempre vigilantes, para que no se introduza em nosso corao o apego ao dinheiro e aos bens deste mundo. Cristo viveu totalmente desapegado do afeto ao dinheiro, preocupado unicamente dos valores do Reino. Como cristos, devemos fazer ns o mesmo. Precisamos possuir alguns bens para viver, certo; mas no so a fonte da vida nem est neles a chave e o segredo para ser pessoa. Porque somente quem ama e vive em solidariedade e abertura aos outros, dando-se a Deus e ao prximo, tem uma vida autntica e, em ltima anlise, feliz porque entende a vida com sabedoria. O sem-sentido da vida aparece quando o homem se fecha a Deus e aos irmos, pois sem relao com os valores perenes que Deus, Cristo e o prximo representam, as coisas e os bens carecem de referncia que lhes d um valor que em si mesmos no possuem para a felicidade humana, como demonstra a experincia. (Caballero, B. 2000.) Na teoria sabemos tudo isso! Que o mais importante no o dinheiro e sim Deus e as coisas de Deus, mas no bem assim que se passa em nossa vida, quando nos decuidamos e no vigiamo o dinheiro acaba se convertendo no mais importante. Talvez o problema real est em discernir qual o maior bem para ns e que meios usamos para consegui-lo. E por isso Jesus pergunta onde est o teu tesouro? Que tesouro tenho eu e que posso compartilhar com os outros? Essa a fora transformadora do amor, que nos transforma a ns e transforma nossa relao com os outros. Quem descobriu este tesouro do amor desprendido e o compartilha pe nele todo seu corao e se mantm administrador vigilante e fiel. Qual , ento, o administrador fiel e prudente que o senhor constituir sobre o seu pessoal para dar em tempo oportuno a rao de trigo? (Lc 12,42) Ao fazer uso da imagem do administrador, procura Ele (Jesus) representar aqueles que tm alguma autoridade ou poder sobre outros. A aplicao incidia diretamente sobre Pedro e os Apstolos, que receberiam em suas mos a

2. instituio da Igreja e tambm abrangeria os pais, tutores, etc. A primeirssima obrigao do administrador a de no se apropriar de nenhum dos bens que o Senhor lhe confiou e por isso no procurar seu prazer, sua glria e sua vontade, mas sim o puro interesse de seu senhor. Em segundo lugar, deve ser prudente, discernindo com senso de hierarquia como distribuir os trabalhos em proporo aos talentos e s foras de cada um. Ademais, dever prover s necessidades de todos, oferecendo-lhes os meios e instrues, sustento, etc., para o desempenho das respectivas funes. Procedendo com esse amor perfeio, a autoridade, ao encontrar-se como seu senhor, alm da bem-aventurana, receber a administrao de toda as suas posses.(Cl, 2012.) Todos sabemos como difcil administrar fiel e diligentemente uma empresa e administrar bem, em geral, a vida dos outros. Que se pergunte a nossos polticos e governantes. Mas, eu creio que governar bem nossa prpria vida ainda mais difcil que administrar bem a vida dos outros. Porque o egosmo, a ambio, os aparentes interesses, a falta de sinceridade, nos cegam tremendamente e nos impedem de ver-nos a ns mesmos com imparcialidade e realismo. Muitas vezes nem reconhecemos nossa incompetncia para administrar nem a nossa vida, quanto mais a dos outros. A parbola do evangelho de hoje no dirigida apenas aos governantes e administradores em geral, mas tambm vai diretamente a seus discpulos, a seu pequeno rebanho. A eles lhes diz Jesus, que devem estar sempre preparados para que quando chegar o Senhor lhes encontre vigilantes, dispostos a abrir-lhe a porta, porque, na hora em que menos pensais, vir o Filho do Homem. (Lc 12,40) O Senhor vir. absolutamente certa sua vinda... Poder ser, portanto, num dia inesperado; numa idade na qual nada havia para temer, quando os grandes planos se multiplicavam, e, qui, as inclinaes j se lanavam nos prazeres, realizaes, negcios... (Ibid. Cl.) Um cristo, um discpulo de Cristo, deve entender sempre sua vida como uma preparao para a vida eterna. Este mundo caminho para o outro, e cumpre ter bom tino administrativo para andar neste caminho sem errar. O negcio mais importante de nossa vida nossa vida mesma e nossa vida aqui na terra, falando em cristo, deve conduzir-nos diretamente vida eterna. Porque, se administramos bem nossa vida, quando chegar o Senhor nos far sentar a sua mesa e nos ir servir. Administrar bem a nossa prpria vida viver de tal modo que sejamos dignos de receber a vida eterna. O mais importante dessa mensagem que cada um, assumindo o que Deus lhe confiou, a sua responsabilidade de cuidar do mundo, de cuidar do bem de todos os que esto em casa, conhecendo a vontade do Pai no dia-a-dia, est preparando sua eterna e alegre companhia junto a Cristo. Bibliografia: Textos e referncias bblicas: Bblia de Jerusalm. So Paulo, Paulus, 2002. Dias, Mons. Joo Scognamiglio Cl. O indito sobre os Evangelhos, comentrios aos Evangelhos dominicais Ano C Domingos do Tempo Comum. Vol VI. So Paulo, Instituto Lumen Sapientiae, 2012. Caballero, B. A Palavra de Cada Domingo, Ano C. Apelao (Portugal), Paulus, 2000. Dar um sentido a vida A Liturgia deste domingo faz-nos percorrer um itinerrio de f muito interessante e questionador. A Palavra de Deus nos interroga: Que sentido tem a nossa vida? Qual o centro da vida humana? 3. A vida se limita ao tempo presente? A vida consiste ou se realiza no desfrutar dos bens materiais? Estes questionamentos, respondemos com nosso estilo de vida. Que sentido tem a nossa vida? Esta interrogao ocupa as mentes e as reflexes de muitas pessoas. De fato muitos, embora tendo uma vida social e economicamente satisfatria, no conseguem sentirem-se felizes; outros, perante as dificuldades, so tentados a entrar numa espcie de amargo cinismo e a entregar-se procura de prazeres. O vazio pode ser a origem de varias tristezas e depresses. Cria-se ento a iluso de que para sair deste estado de coisas suficiente uma espcie de filosofia de vida: coerncia; desinteresse; agressividade ou fundamentalismo; ou ento, simplesmente uma superficialidade e um esprito bonacheiro, que d a cada um o seu e tambm a Deus, desde que seja salvaguardado o seu espao pessoal. Em nossa sociedade existe a convico de que o importante para viver bem ganhar, gastar, desfrutar e satisfazer nossos desejos, muitas vezes disfarados de necessidades. A Palavra de Deus desmascara esta iluso... O autor do Eclesiastes, (cf. Ecl 1,2;2.21-23) um sbio de Israel comparado na sabedoria a Salomo, interroga-se para que afadigar-se na vida, agitar-se e inquietar-se. A sua sentena irnica e lapidar, tudo vaidade (1,2), (em hebraico, vaidade = vazio) coloca a descoberto o fato de que nenhuma coisa, vista em si mesma, est em condies de dar um sentido vida, mesmo as coisas mais sagradas como o trabalho feito conscienciosamente, a cultura mais profunda ou o sucesso merecido. O homem est como nu perante a vida que o persegue de todos os lados com suas lgicas frreas, com a fragilidade, a velhice e a morte. E o grotesco que, quando uma pessoa constri alguma coisa com esforo e conscincia, esta pode ser usufruda por um preguioso que o herda. (1,21) (Casarin, 2010.) Esta conduta do sbio a vemos, por exemplo, encarnada na pessoa de J, heri dos tempos antigos, considerado o grande justo, que permaneceu fiel a Deus na provao e que exclama com serenidade: Nu sai do ventre de minha me e nu voltarei para l, o Senhor o deu, o Senhor o tirou, bendito seja o nome do Senhor! (Jo 1,21) Jesus no evangelho (cf. Lc 12,13-21) retoma o discurso das riquezas, mas numa chave bem diferente. A ocasio lhe oferecida por um fulano que, intrigado com o prprio irmo, se dirigiu a ele para uma espcie de arbitragem; trata-se, talvez, de um irmo menor que quer convencer o irmo mais velho a repartir com ele a herana paterna, em vez de mant-la indivisa obrigando-o a conviver na mesma famlia. Jesus no s recusa esta funo de juiz mediador, mas denuncia a raiz de todas essas discrdias entre irmos: Precavei-vos cuidadosamente de qualquer cupidez, pois, mesmo na abundncia, a vida do homem no assegurada por seus bens(12,15) e acrescenta a parbola do rico tolo, para fazer entender quo errados so aqueles que pem todas suas esperanas nos bens materiais. (Cantalamessa, 2012.) A parbola (cf. Lc 12, 16-21) abriga esta mentalidade das pessoas que trabalham acumulando bens e pensando que logo tero a vida toda pela frente para desfrutar de suas riquezas. No se quer censurar a preocupao por dispor dos bens necessrios para a vida, mas sim, o que o evangelho reprova a acumulao, e a despreocupao com os outros. O desejo de aambarcar, fruto da mais feroz falta de solidariedade, do mais selvagem egosmo. o viver para si mesmo cujo ponto de referncia de tudo o eu. O viver para si mesmo um modo de estar no mundo, de realizar a existncia no arco de anos entre o nascimento e a morte. um modo de pensar, de atuar, de relacionar-se com as pessoas e com as coisas, cujo ponto de referncia de tudo o eu. O saber, o trabalho, o esforo com seus bons resultados aparecem, ante o velho eu. 4. Ora, se o ser humano um ser destinado a morrer, para que serve seu saber, seu trabalho, se no pode vencer o seu destino mortal? Desculpe-me o pessimismo! Por outro lado, h algo mais efmero que essa realidade? Como se pode fundar uma existncia, que breve, sobre algo que hoje e amanh desaparece? Como se pode olhar de frente a morte, quando os grandes valores que tm regido a vida tm sido os bens materiais e as aparncias, a quem est proibido de passar o umbral do mais alm? Tudo vaidade quando o eu o centro da vida, a temos o chamado homem velho, incapaz de por si mesmo sair do seu fechamento, cada vez mais submergindo no fundo do pecado, com o olhar cada vez mais posto nas coisas da terra, sem possibilidade de alcanar as alturas. Ento voc h de convir que com razo se possa aplicar a quem vive para si, as palavras de Jesus na parbola do texto evanglico: "Insensato! Nessa mesma noite ser-te- reclamada a alma. E as coisas que acumulaste, de quem sero? (Lc 12,20) Podemos entender esta palavra, insensato, ouvi-la como uma condenao. Mas, h outra maneira de entend-la. Podemos ouvir como se Jesus estivesse libertando este homem, ou o ser humano, de seu pequeno, irreal e falso sonho. O homem ou a mulher esto presos no diminuto mundo de si mesmos. Est totalmente s. Este um mundo onde no se pode ser feliz. E quando Jesus lhe chamou de insensato, o est libertando dessa pequena priso que foi construindo. Liberta-nos de nosso egosmo, do vazio e da viso materialista da vida. ao mesmo tempo um convite a guardar-nos de toda forma de ambio, porque nossa vida no depende de nossos bens. Esta libertao possibilita a realizao do homem novo; a pessoa humana em sua plenitude; que desenvolve uma nova vida em Cristo. Ns no podemos com as nossas foras dar um sentido nossa vida, este sentido vem-nos de Deus, atravs de Jesus Cristo. Nas palavras de So Paulo (cf. Col 3,1-5.9-11) o cristo um homem novo: Se ressuscitastes com Cristo, procurai as coisas do alto... pensai nas coisas do alto, e no nas da terra... Vs vos desvestistes do homem velho com as suas prticas e vos revestistes do novo, que se renova para o conhecimento segundo a imagem do seu Criador. Isto situar-nos em outro horizonte para construir um novo ser humano, libertado de toda forma de cobia, da injustia, do egosmo e edificado sobre o mistrio Pascal. construir em Cristo o valor da fraternidade e da solidariedade com os mais pobres, tambm abrir os olhos ante a ambiguidade que se esconde em um desenvolvimento econmico mundial e em uma tcnica que desconhece a dignidade da pessoa humana e a misria na qual vive a maioria da humanidade. Segundo dados atuais as 300 maiores fortunas do mundo acumulam mais riqueza que os mais de 3.000 milhes de pobres... Citamos estes nmeros porque nos oferece uma comparao clara e impressionante: as 200 pessoas mais ricas possuem aproximadamente 2,7 trilhes de dlares e isso muito mais que o que possui as 3.500 milhes de pessoas, que possuem um total de 2,2 trilhes, explica o economista Jason Hickel, citando um estudo recente da ONG Oxfam, que salienta que o 1% dos mais ricos aumentou seus ingressos em 60% nos ltimos 20 anos com a radicalizao das polticas imperialistas. De acordo com o economista, o crescimento da brecha se deve em parte s polticas econmicas neoliberais que instituies internacionais como o Banco Mundial, o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e a Organizao Mundial do Comrcio (OMC) impuseram aos pases em desenvolvimento durante as ltimas dcadas. (http://www.adital.com.br/?n=cl74) Egosmo, ganncia e injustia sempre andam juntos. Por exemplo, a ganncia est na origem da corrupo das pessoas pblicas, que no se conformam com o que lhes corresponde, mas sim que intentam aproveitar-se do cargo privilegiado que ocupam. T na boca do povo: a ambio do ter 5. insacivel. Converte os que deveriam ser servidores da sociedade em corruptos aproveitadores. Inclusive leva-os a apropriar-se do que pertence aos excludos de nossa sociedade. necessrio que todos compreendamos, que crer em Jesus Cristo nos leva a um comportamento tico, a uma tica crist. urgente a regenerao tica de nossa sociedade. Talvez Gandhi tenha razo quando dizia que com a mensagem evanglica ocorreu o que com uma pedra depositada no fundo do lago. A gua no impregnou seu interior. Necessitamos mudar, converter-nos, transformar nossa vida, ser homens e mulheres novos, encontrar o novo sentido da vida. Talvez, em nossa evangelizao temos insistido demasiadamente em alguns sacramentos e nos temos esquecido do principal, que a prtica do amor e da justia. Por exemplo, a Doutrina Social uma grande desconhecida e ignorada por grande parte dos cristos. necessrio inverter nossa vida nos valores do Reino de Deus. Esta vida nova que irrompe em ns quando, como diz o Apstolo Paulo Cristo mesmo vossa vida (Col 3,4). Que sejamos homens e mulheres novos com os ps firmados nesta realidade do mundo e na desafiante tarefa de criar um mundo novo, mas tendo o olhar e o corao postos acima, no cu, para onde caminhamos com confiana e esperana. Os bens do alto comeam nesta vida. As coisas do alto indicam os valores da vida nova em Cristo; que nos fazem ser ricos diante de Deus, por entregar nossa vida, nossas capacidades ou dons na luta para alcanarmos a libertao e a felicidade de todos. Bibliografia: Textos e referncias bblicas: Bblia de Jerusalm. So Paulo, Paulus, 2002. Casarin, Giuseppe. (org.) Leccionrio Comentado, Tempo Comum, semanas XVIII-XXXIV, Lisboa (Portugal), Paulus, 2010. Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexo sobre a palavra de Deus Anos A,B,C. So Paulo, Ave Maria, 2012. A nica coisa necessria O Evangelho de So Lucas (cf. Lc 10,38-42) nos apresenta neste domingo Jesus em Betnia, na casa de Marta e Maria; uma casa de mulheres o que no podia ser bem visto naquela sociedade judia. Mas, o evangelista Lucas o evangelista da mulher e quer ressaltar o sentido do discipulado cristo das mulheres no ambiente das comunidades primitivas. Sintamo-nos na casa de Marta e Maria. A cena se d num ambiente muito familiar, entre amigos, em casa. Tudo pode ter acontecido mais ou menos assim: Enquanto algumas pessoas conversam, outras preparam a comida. As duas coisas so importantes e necessrias, as duas se completam, sobretudo quando se trata de acolher um hspede querido. Marta, como anfitri, segundo o costume da poca, est fazendo os trabalhos prprios de sua condio de mulher: a limpeza da casa, a cozinha, a mesa, a acolhida e ateno aos hspedes. Maria, sua irm ao contrrio, salta seu papel de mulher e se atreve a realizar o que s correspondia aos homens: Maria se sente autntica discpula de Jesus e se agacha aos seus ps pondo-se a escut-lo. 6. obvio que Marta se chocou com aquela atitude revolucionria para uma mulher, e reprovou o fato de sua irm querer ser discpula. Pede ento a Jesus que intervenha: Senhor, a ti no importa que minha irm me deixe assim sozinha a fazer o trabalho? Dize-lhe, pois que me ajude. (Lc 10,40-41) Marta reclama porque se considera uma servidora e pensa que o seu servio (diaconia) de acolher os hspedes, preparar a comida e servir mesa mais importante que o de sua irm que escuta e conversa com Jesus. Para Marta, o que faz Maria no servio. Mas, Marta deve entender que ela no a nica serva. Tambm Jesus assume o papel de servo e o profeta Isaas fala que o servio principal do servo o de estar diante de Deus escuta, em orao para poder descobrir uma palavra de conforto para aqueles que esto cansados. (cf. Is 50,4) Ento, surge a pergunta: quem realiza melhor o servio de serva: Marta ou Maria? Marta se preocupa em servir, queria ser ajudada por Maria no servio da mesa. Mas qual o servio que Deus deseja? Esta a questo. O comportamento de Maria est mais de acordo com o comportamento do Servo de Deus, porque, como ele, ela se encontra numa atitude de orao e escuta diante de Jesus e no pode abandonar esta postura porque se o fizesse, no descobriria a palavra de conforto para levar aos cansados e desanimados. Atravs da imagem de Maria sentada a escutar o Mestre, isto , uma vez formada, no ir ela fazer que os outros se beneficiem de seu conhecimento da boa nova? No evoca esta postura de Maria o ministrio da Palavra? No quer fazer Lucas uma aluso aos ministrios das mulheres: Marta (diaconia) Maria (anncio da Palavra)? Ainda que no o diga expressamente, Lucas se revela favorvel aos ministrios desempenhados pelas mulheres, concedendo-as um lugar importante na comunidade, como era o ministrio da Palavra, algo que poucas religies antigas ofereciam. Como no nos perguntarmos hoje sobre o ministrio exercido pelas mulheres na Igreja? Sem dvida existiu o chamado de Jesus a Maria para o discipulado, pois do contrrio Lucas no teria contado algo que ento no era bem visto: que um mestre tivesse discpulas. Os evangelhos falam de umas mulheres que viajavam com Jesus, lhe ajudavam at economicamente com seus prprios meios e que estiveram ao seu lado durante a crucifixo, quando a maioria dos discpulos homens, lhe abandonaram por medo do perigo e da hostilidade. No h a menor dvida de que as seguidoras de Jesus desempenharam um papel similar ao dos discpulos e reuniram as condies para exercer o discipulado. Jesus rompeu os moldes de seu tempo e de sua sociedade para mostrar-nos que no Reino de Deus j no h distines entre o homem e a mulher. Para Ele o que Maria est fazendo, ser discpula, est bem e correto para uma mulher, no s para os homens. Jesus d assim o respaldo a Maria. Assim no s absolutamente revolucionria a atitude de Maria, mas tambm a de Jesus, que admite uma mulher como discpula, evangelizadora. Por que Maria estava escutando o Senhor se no fosse para transmiti-lo depois como anunciadora do evangelho? Assim, pois, um dos aspectos da novidade do Evangelho consiste em acabar com a marginalizao da mulher dentro e fora da igreja, porque, diante de Deus, mulher e homem tm a mesma dignidade. Jesus, no entanto, no est pondo em segundo lugar a atividade diria de Marta e de tantas mulheres donas de casa, que com grande sacrifcio e pouca valorizao tm levado o peso das famlias. O evangelho no quer dizer que o servio de Maria melhor que o de Marta ou vice e versa. O que no pode acontecer que o servio da Palavra de Deus, da evangelizao, fique prejudicado pelas exigncias imprevistas do servio das mesas, da partilha, 7. da caridade. Assim Lucas reflete nos Atos dos Apstolos a realidade das primeiras comunidades crists (cf. At 6,1-5). A comunidade tinha a obrigao de enfrentar o problema preocupando-se de ter gente suficiente em todos os servios, para poder conservar, assim, o servio da Palavra e da evangelizao em sua integridade. No se trata de uma opo entre os dois servios: palavra e mesa. Os dois so necessrios e importantes para a vida da comunidade. Para os dois necessrio ter gente disponvel. Alm disso, o servio da evangelizao a raiz, a fonte. O servio da mesa o resultado, o fruto, sua revelao. Jesus respondeu: Marta, Marta, tu te inquietas e te agitas por muitas coisas, no entanto, pouca coisa necessria, at mesmo uma s. Maria, com efeito, escolheu a melhor parte, que no lhe ser tirada. (Lc 10,41-42) Uma bela e muito humana resposta. Para Lucas e para os primeiros cristos, a parte melhor que Jesus fala a Marta o servio da evangelizao, fonte de todo o resto. Para Jesus uma boa conversa com pessoas amigas importante at mais que o comer (cf. Jo 4,32). Jesus no quer que o servio da mesa interrompa a conversa, como se dissesse: Marta, no h necessidade de preparar tantas coisas. Basta uma coisa. E logo vem participar da conversa. Este o significado das palavras de Jesus. A Jesus lhe agrada uma boa conversa, pois esta produz converso. Mas, no contexto do evangelho de Lucas, estas palavras decisivas de Jesus tomam um significado simblico mais profundo: Como Marta, tambm os discpulos na misso se preocupavam com muita coisa, mas Jesus deixa claro que os muitos servios devem ser realizados a partir deste nico servio verdadeiramente necessrio que a escuta e orao diante de Deus e a ateno e escuta amorosa das pessoas. Esta a melhor parte que Maria escolheu e que no lhe ser tirada. A melhor parte uma expresso de contraste para dar importncia ao discipulado e ao ministrio feminino, podemos at afirmar que no evangelho de Lucas se mostra que Jesus quer que as mulheres desempenhem o discipulado e o ministrio da Palavra e tudo o que isso implica e mais com a promessa de que nunca isso lhes seria tirado. A histria, por desgraa, parece nos dizer outra coisa muito diferente, infelizmente! Agora, preciso que ns esqueamos a casa de Marta e Maria e nos transportemos com a mente ao momento presente: ns somos neste instante a famlia que hospeda Jesus; esta Igreja e esta nossa assembleia a casa de Betnia na qual o Mestre fala; ns somos Marta e Maria!... Ele diz: Amigo, tu te preocupas e te agitas com muitas coisas e descuidas a nica realmente importante! Como so verdadeiras estas palavras de Jesus! Ele tem razo: nossa vida uma corrida desenfreada atrs de mil coisas: sonhos, projetos, negcios, ocupaes; somos Martas atarefadas que pensam fazer as coisas mais importantes do mundo e ao invs perdemos tempo, fazemos coisas inteis, nos agitamos por coisas que so somente urgentes e no importantes, por coisas que muitas vezes no acontecero nunca. (Cantalamessa, 2012.) Um s coisa necessria, Jesus nos convida a sair da disperso e apresenta-nos o nico necessrio que ningum poder tirar. Qual esta coisa realmente importante, esta parte melhor que no ser nunca tirada de quem a escolheu? O evangelho no-la faz entender claramente: aquela escolhida por Maria. Mas o que escolheu Maria? Escolheu ouvir Jesus! Escolheu Jesus! Com Jesus escolheu tudo: seu Reino, sua vontade, escolheu o que fica para sempre... Maria escolheu a melhor parte: e ns? Temos ns realmente escolhido a parte melhor? Ou somos tantas pobres Martas atarefadas em coisas que no servem e que iro acabar conosco? 8. Maria ouvia! No s com os ouvidos, mas com o corao e com todo o seu ser ela prestava ateno a Jesus. Tambm ns devemos aprender esta escuta profunda, de modo que a Palavra de Jesus que escutamos na igreja, ou que lemos, nos volte mente no momento oportuno, quando estamos diante de uma escolha, de uma tentao a vencer. Do episdio de Marta e Maria aprendemos, finalmente, tambm esta lio: que o melhor modo de ser Marta ser Maria! A escuta atenta da Palavra de Deus, manter o olho fixo em Jesus, o hbito de rezar e refletir purificam a ao, impedem de procurar a si mesmo tambm quando se pratica a caridade para com os irmos; permitem perceber e respeitar as prioridades, executar tudo com calma, o que afinal, o melhor jeito para fazer bem as coisas e fazer mais. (Ibid. Cantalamessa.) Senhor, dai-nos um corao de servos para escutarmos a Palavra do vosso Filho que hoje ressoa ainda em tua Igreja e servi-lo como hspede na pessoa dos nossos irmos e irms. Bibliografia: Textos e referncias bblicas: Bblia de Jerusalm. So Paulo, Paulus, 2002. Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexo sobre a Palavra de Deus Anos A,B,C. So Paulo, Ave Maria, 2012. A provocao de Jesus: Um Deus-samaritano O Evangelho de So Lucas que escutamos neste domingo, a parbola do bom samaritano (cf. Lc 10, 25-37) uma das narraes mais majestosas do Novo Testamento e em particular deste evangelho; um caminho de conduta para os seguidores de Cristo. Uma narrao que s podia ter sado dos lbios de Jesus, ainda que Lucas a situe junto a um dilogo com o escriba que quer uma resposta jurdica, que pretende algo impossvel quer uma garantia da vida eterna, da salvao e quer que Jesus lhe aponte exatamente o que deve fazer para isso. A pedagogia de Jesus mais uma vez se revela atravs da narrao de uma parbola. O evangelista Lucas diz que um escriba dirigiu a seguinte pergunta a Jesus: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? (v.25) para provocar Jesus e para test-lo. Sabendo a resposta que a escritura d a esta pergunta, ele quer saber o que este jovem mestre e profeta da Galileia, sem estudo, dir a este respeito. Quem l ou escuta esta parbola inevitavelmente se sente provocado, interpelado: e eu, com que personagem me identifico? Mas, o prprio contedo da parbola tambm provocador pelos prprios personagens que Jesus escolheu: um sacerdote, um levita e um samaritano. O samaritano como um estrangeiro para o judeu daquela poca. O sacerdote e o levita, mestre da Lei, que interroga Jesus justificam sua conduta com vrios pretextos e pe prova Jesus. Vai ser o samaritano quem mostrar ao vivo o rosto do amor misericordioso de Deus. Tudo muito provocador e para os judeus devotos daquele tempo um escndalo! Comparar um sacerdote, um levita, ou um letrado, com um samaritano era fortemente pejorativo. Os samaritanos eram considerados como hereges e alijados do culto a Deus que se centrava no templo de Jerusalm. Sem duvida, o interlocutor que iniciou o dilogo com Jesus sentiu-se ofendido pela comparao. 9. A tradio crist nos revelou que Jesus havia definido que a Lei se resumia em amar a Deus e ao prximo em uma mesma experincia de amor. No distinto o amor a Deus do amor ao prximo, mesmo que, Deus seja Deus e ns criaturas. Mas o escriba, que tinha uma concepo da Lei demasiado legalista, quer precisar o que no se pode precisar: Quem meu prximo, a quem devo amar em concreto? Aqui onde a parbola comea a converter-se em contradio com uma mentalidade absurda e puritana. Voltemos pergunta do letrado: Mestre, que farei para herdar a vida eterna? O Senhor remete-o simplesmente para a Escritura, que ele conhece, e deixa que o prprio escriba d a resposta. O escriba o faz de um modo muito preciso, numa ligao do Deuteronmio 6,5, com o Levtico, 19,18: Tu deves amar o Senhor teu Deus com todo o corao, com todas as tuas foras e com todos os teus pensamentos, e: deves amar o teu prximo como a ti mesmo. Quem , ento, o prximo? A esta pergunta to concreta, Jesus responde ento com a parbola do homem que caiu nas mos dos ladres no caminho que vai de Jerusalm para Jeric e que foi abandonado saqueado e quase morto ao lado da estrada. Esta era uma histria absolutamente real, visto que ao longo daquele caminho aconteciam regularmente assaltos como este. Um sacerdote e um levita conhecedores da Lei, que conheciam a questo da salvao e que a serviam por profisso passam por ali e no prestam ateno no ocorrido. Eles no deviam necessariamente ser pessoas duras de corao; talvez tivessem medo e por isso procuravam o mais depressa possvel chegar cidade, talvez fossem pessoas sem habilidade e soubessem como fazer para ajudar alm do que parecia que j nada mais havia que se pudesse fazer. Ento aparece no caminho o samaritano provavelmente um comerciante, que tinha de passar por esta estrada muitas vezes e que era conhecido do proprietrio da estalagem mais prxima; um samaritano portanto, algum que no pertence comunidade solidria de Israel e no precisava, consequentemente, olhar para o assaltado como seu prximo [...] Aqui entra em ao o samaritano. O que vai fazer? No pergunta a respeito do raio de extenso dos seus deveres de solidariedade nem sequer sobre merecimentos para a vida eterna. Acontece algo completamente diferente: o seu corao como que se rasga; o Evangelho usa a palavra que originariamente em hebraico se referia ao corpo materno e relao maternal. Ele atingido nas suas entranhas, na sua alma, ao ver este homem assim. Foi tomado de compaixo, traduzimos hoje, atenuando assim a originria vitalidade do texto. Por meio da luz fulminante da misericrdia que alcana a sua alma, torna-se ele mesmo prximo, para alm das perguntas e dos perigos. Neste ponto, a questo vai em outra direo: j no se trata de saber quem o meu prximo ou no. Trata-se de mim mesmo. Eu tenho de me tornar prximo porque o outro conta comigo como eu mesmo. (Bento XVI, 2007.) Santo Agostinho interpreta de modo particular esta parbola, considerando todo o simbolismo. No homem que desce de Jerusalm para Jeric v a figura de Ado que representa toda a humanidade expulsa do paraso, por causa do pecado. Nos assaltantes v o tentador que se despoja da amizade com Deus e fere com suas trapaas e mantm na escravido a humanidade ferida pelo pecado. Na figura do sacerdote e do levita v a insuficincia da lei antiga para nossa salvao que ser levada a cumprimento pelo bom samaritano, que Jesus Cristo, nosso Senhor e Salvador; que saindo tambm Ele da Jerusalm celeste vem ao encontro de nossa condio de pecadores e nos cura com o azeite da graa e o vinho do Esprito. Na hospedaria Agostinho v a imagem da Igreja e na figura do hospedeiro os pastores, nas mos dos quais Jesus confia o cuidado de seu povo. A partida do samaritano da hospedaria a interpreta como a ressurreio e ascenso de Jesus, a promessa de voltar para dar a cada um o 10. merecido. Igreja deixa para nossa salvao os dois denrios, ou seja, a Sagrada Escritura e os Sacramentos que nos ajudam no caminho at a santidade. A parbola de Jesus termina com uma pergunta provocadora: quem se fez prximo daquele homem cado na estrada? Deste modo, Jesus d a volta sutilmente questo do escriba: no se trata de se o outro ou no meu prximo, mas sim se do outro eu me fao ou no prximo. Enquanto o mestre da Lei quer indagar acerca do outro, acerca de quem devo ser considerado prximo e quem no, Jesus muda a perspectiva pedindo-lhe que ponha o foco em si mesmo em vez do outro. E assim converte o que lhe formulavam como uma questo eminentemente especulativa, em um chamado a uma mudana de vida. Quem meu prximo? Todas as pessoas ajudam ao prximo, mas todos se perguntam quem meu prximo? Em que medida se considera esta proximidade? Nas sociedades primitivas, sobretudo, segundo o parentesco de sangue: a famlia. Tambm as naes se consideravam como uma extenso dos laos familiares. Quanto mais a sociedade evolui, tanto mais se manifesta a tendncia a superar os laos de sangue e estabelecer relaes novas, baseadas na proximidade de ideias, de planos e de projetos comuns. Trata-se de vnculos superiores. Mas, ainda hoje, h uma tendncia muito grande em favor dos antigos laos de sangue. Sem duvida, tambm esta tendncia pode deteriorar-se em nacionalismos e racismos de todo tipo. Ento, devemos nos perguntar sobre que fundamento se constri nossas relaes com o prximo? Quem meu prximo segundo o esprito do evangelho? Com que medida devo julgar minha proximidade com ele? No podemos esquecer que o parentesco de sangue, do povo, da raa era o vnculo principal do povo de Deus no Antigo Testamento. Jesus no veio abolir a lei antiga, mas sim cumpri-la. Jesus no vem destruir os laos de sangue, mas deu um novo esprito s antigas unies, o que antes eram as famlia e as naes segundo o sangue, agora devem ser tambm segundo o esprito, do mesmo modo que o povo de Israel se transformou em povo de Deus, em Igreja universal. Os profetas usam a imagem das npcias, do amor esponsal para explicar a relao das pessoas com Deus. Por meio do amor, a pessoa entra na famlia divina, mas esta uma famlia imensa. Seus membros so todos aqueles que fazem a vontade de Deus na terra. O fariseu sabia que um dos primeiros mandamentos o amor ao prximo. Porm no tinha claro de quem se tratava o prximo. O cristo jamais deveria fazer esta pergunta: Quem o meu prximo? O prximo quem amado. Deveria ser mais difcil mostrar quem no meu prximo, dado que o amor verdadeiro universal, quer dizer, catlica a Igreja. Uma vez mais, o Evangelho insiste que o amor a Deus e o amor ao ser humano no pode conceber-se de maneira separada ou independente. Mas, sim, que de tanto repeti-lo no se nos esqueamos de viv-lo. Uma religio que deixa o homem em sua morte, no uma religio verdadeira; a religio verdadeira aquela que d vida, como faz o Deus-samaritano. bvia a atualidade da parbola... no encontramos tambm por acaso nossa volta pessoas saqueadas e destroadas? As vtimas das drogas, do comrcio de seres humanos, do turismo sexual, homens interiormente destrudos, que esto vazios no meio de uma riqueza material. Tudo isso nos diz respeito e nos chama para termos olhar e corao para o prximo e tambm a coragem para o amor fraterno. Pois, como foi dito, o sacerdote e o levita seguiram adiante talvez mais por temor do que por indiferena. De novo e a partir do interior que havemos de aprender o risco da bondade; s havemos de poder fazer isso se ns mesmos formos bons a comear de dentro, se a comear de dentro formos prximo e ento estivermos atentos ao modo do servio que nos exigido no nosso ambiente e no raio maior da nossa vida e que a ns possivelmente, e a partir da, nos confiado como tarefa. (Ibid. Bento XVI.) 11. Portanto, como nos ensinou alguns santos Padres esta parbola, quer falar de Deus, nosso Deus um Deus-samaritano herege que no lhe importa ser algum que rompa as leis de pureza ou de culto religiosas para mostrar amor a quem o necessita. Vai, e tambm tu, faze o mesmo. (v.37) Bibliografia: Textos e referncias bblicas: Bblia de Jerusalm. So Paulo, Paulus, 2002. Bento XVI, Jesus de Nazar. So Paulo, Editora Planeta, 2007. O olhar da Igreja sobre a Cidade O Senhor designou outros setenta e dois, e os enviou dois a dois sua frente a toda cidade e lugar aonde ele prprio devia ir. Assim So Lucas inicia um discurso e ensinamento de Jesus sobre a misso, (cf. Lc 10,1-12.17-20) no dos Doze, mas dos setenta e dois discpulos, isto , quase todos aqueles que o seguiam naquele momento, pois a evangelizao no foi um privilgio exclusivo dos Doze. Jesus d instrues aos discpulos a partir da realidade concreta de uma plantao pronta para a colheita. Provocado pela urgncia da misso nos campos do Reino, como o dono de um campo agrcola que v o trigo maduro em risco de se perder, caso no seja logo colhido; e preocupado em encontrar braos para o urgentssimo trabalho: A colheita grande, mas os trabalhadores so poucos. (v. 2) Nos campos, durante a colheita so as pessoas que recolhem as coisas. Na colheita para o Reino de Deus, necessrio cuidar de pessoas. Cada uma delas tem um valor infinitamente maior que tudo. Os autores espirituais afirmam que, se existisse no mundo um s homem, tambm por ele, o Filho de Deus desceria e morreria para salv-lo. No podemos, portanto, imaginar que nos campos confiados Igreja fique nem sequer uma s espiga sem ser colhida, quer dizer, nem sequer uma pessoa pela qual Deus no haveria de dar tudo para salv-la. Por isso Jesus lamenta que os operrios so poucos para a colheita e que se deve pedir ao dono, o prprio Deus que mande trabalhadores (cf. v.2) para que ningum se perca. Todos ns sabemos que as dificuldades so inerentes misso de evangelizar. Nunca foi fcil evangelizar nem antes nem nos dias atuais. Jesus consciente disso e envia os seus evangelizadores como cordeiros para o meio de lobos. (v. 3) O xito da misso no est assegurado porque possvel a rejeio da mensagem e do mensageiro; fato que o prprio Jesus e a Igreja experimentou e experimenta em todos tempos. Vendo o assustador panorama internacional onde a cada ano morrem no mundo cerca de 20.000 pessoas pelo fato de ser crists, mrtires por causa da f ou vtimas de leis que legislam contra a vida etc. Constatamos que a pregao do evangelho foi e sempre ser uma experincia tensa, acompanhada de perseguies mas, ao mesmo tempo feliz, de uma alegria cheia de esperana que acompanhou e sempre acompanhar a Igreja de todos os tempos. Os setenta e dois voltaram com alegria, dizendo: Senhor, at os demnios se nos submetem em teu nome! (v.17) Esta expresso quer dizer simplesmente que o mal do mundo se vence com a bondade do evangelho. A outra imagem do evangelho de hoje a da cidade como espao de evangelizao: Jesus envia os setenta e dois a toda cidade (v. 1), povoados e aldeias para anunciar o evangelho. A Igreja em seu incio se formou nas grandes cidades de seu tempo e se serviu delas para se propagar. (DA n. 513) O cristianismo nasce e cresce no ambiente urbano. 12. So Lucas no seu evangelho quis com a imagem da viagem cidade de Jerusalm, colocar o marco adequado para a iniciao de alguns seguidores de Jesus nesta tarefa que Ele no poder levar a cabo quando chegar em Jerusalm assim, quis adiantar o que ser a misso da Igreja. Na linguagem daquele tempo esta misso se expressava com a imagem da nova Jerusalm. Jesus quis que toda a terra se convertesse em nova Jerusalm, cidade de paz e consolo, da hospitalidade e presena de Deus. O profeta Isaas (VIII a.C.) tambm queria animar a comunidade do ps exlio da Babilnia para criar uma Jerusalm nova. A profecia (cf. Is 66,10-14) nos fala de uma restaurao de Jerusalm, depois do luto. Deus mesmo, em Jerusalm, cuidar dos seus filhos como uma me, amamentando-os e saciando-os, consolando-os. Jerusalm, capital do antigo reino de Israel uma cidade condicionada por sua histria e por sua longa tradio religiosa. uma cidade disputada ainda hoje por rabes, judeus e cristos. No Novo Testamento a Jerusalm, portanto fica constituda, como smbolo da Igreja de Cristo, prottipo da cidade de Deus. O projeto de Deus a Cidade Santa, a nova Jerusalm, vestida como noiva que se adorna para seu esposo, a tenda que Deus instalou entre os homens. Acampar com eles, eles sero seu povo e o prprio Deus estar com eles. Enxugar as lgrimas de seus olhos, e no haver morte, nem luto, nem pranto, nem dor, porque tudo o que antigo ter desaparecido (Ap 21,2-4). Esse projeto em sua plenitude futuro, mas j est se realizando em Jesus Cristo. (DA n. 515) A Igreja est a servio da realizao dessa Cidade Santa, mediante a proclamao e a vivncia da palavra, a celebrao da Liturgia, a comunho fraterna e o servio, especialmente aos mais pobres e aos que mais sofrem, e dessa forma vai transformando em Cristo, como fermento do Reino, a cidade atual. (DA n. 516) Mas essa Jerusalm no existe, tem que ser criada em toda parte, al onde cada comunidade for capaz de sentir a ao libertadora de Deus. A realidade urbana muito complexa. Na mesma cidade os contrastes so gritantes: bairros residenciais de alto padro de conforto, condomnios fechados, grandes e ricos edifcios, ao lado de bairros da periferia sem as mnimas condies de infraestrutura, onde a populao se amontoa vivendo em sub-habitaes, favelas, becos, cortios ou ocupaes, correndo riscos constantes de desabamentos e inundaes. Contudo no basta para ns cristos, o olhar somente sobre o tecido urbano, sobre a geografia da cidade. preciso aprofundar nosso olhar e perceber a diversidade de culturas isto , os diversos estilos de vida que convivem numa mesma cidade. Tudo isto se traduz no que se come, como se veste, no transporte que se usa, no lazer que se tem (ou no se tem), at mesmo na religio e no modo como se vive a f, inclusive na Igreja Catlica. Alguns cristos da cidade fazem da Igreja um bem de consumo ou espao social do qual so meros usurios: o batizado, o casamento etc. Para outros a participao na comunidade, a Igreja d sentido profundo s suas vidas. Para estes no existe a dicotomia, mas sim a unidade F-Vida. Na verdade, a cidade um espao de culturas que convivem, mas tambm que se conflitam; se fundem ou se fragmentam at extino. Esta realidade da cidade desafia a Pastoral da Igreja, o seu modo de ser e de agir no mundo urbano. Com certeza a figura romntica da Igreja-Matriz no meio da praa da cidade ou do bairro, no mais o principal referencial dos cidados. O Documento de Aparecida, da V Conferncia Geral do Episcopado Latino Americano e do Caribe na parte referente Pastoral Urbana um bom exemplo do esforo que fizeram os nossos bispos para encontrar um tom evanglico e at otimista para olhar a desafiadora realidade da evangelizao da cidade. Um olhar de f sobre a cidade. Diante da complexidade desta 13. realidade: a cultura plural, as novas linguagens, as complexas transformaes socioeconmicas, culturais, polticas e religiosas, as diferenas sociais, as tenses desafiantes da tradio e da modernidade etc. (cf. DA ns. 509-512) Acontece algo curioso, se valoriza o passado, a origem da Igreja ligada s cidades e se assinalam experincias de renovao. Mas, tambm se percebem atitudes de medo em relao pastoral urbana; muitos pastores manifestam seu desejo de trabalhar na zona rural ou nas pequenas cidades e isso revela a tendncia a se fechar nos mtodos antigos e a tomar atitude de defesa diante da nova cultura, com sentimentos de impotncia diante das grandes dificuldades das cidades. (cf. DA n. 513) A os bispos fazem uma bela revelao, a misso evangelizadora da cidade no se ope a ter que aprender com ela: A f nos ensina que Deus vive na cidade, em meio a suas alegrias, desejos e esperanas, e como tambm em meio a suas dores e sofrimentos. As sombras que marcam o cotidiano das cidades, como exemplo a violncia, pobreza, individualismo e excluso, no nos podem impedir que busquemos e contemplemos o Deus da vida tambm nos ambientes urbanos. As cidades so lugares de liberdade e oportunidade. Nelas, as pessoas tm a possibilidade de conhecer mais pessoas, interagir e conviver com elas. Nas cidades possvel experimentar vnculos de fraternidade, solidariedade e universalidade. Nelas, o ser humano constantemente chamado a caminhar sempre mais ao encontro do outro, conviver com o diferente, aceit-lo e ser aceito por ele. (DA n. 515) O ento Cardeal Bergoglio, arcebispo de Buenos Aires, (Argentina) hoje Papa Francisco disse na abertura de um congresso de pastoral urbana em seu pas: O Papa Bento XVI no seu discurso inaugural da assembleia de Aparecida perguntava: Que a realidade sem Deus? Ns podemos fazer a mesma pergunta com respeito cidade: O que a cidade sem Deus? Sem um ponto de referncia fundante e absoluto, a realidade da cidade se fragmenta e se dilui em mil particularidades sem histria e sem identidade... Em que termina um olhar sobre a cidade se no se centra em uma f aberta ao transcendente? Para ver a realidade faz falta um olhar de f, um olhar crente. Se no, a realidade se fragmenta. Nosso Deus vive na cidade e Se mistura na sua vida quotidiana, no discrimina nem relativiza porque misericordioso e a misericrdia cria maior proximidade... Deus j vive na nossa cidade e urge enquanto refletimos sair ao seu encontro, para O descobrir, para construir relaes de proximidade, para o acompanhar no seu crescimento e encarnar o fermento de sua palavra em obras concretas. O olhar de f cresce sempre que pomos a Palavra em prtica. A contemplao melhora no meio da ao. Agir como bons cidados em qualquer cidade melhora a f. Poder-se- dizer que o olhar de f nos leva a sair todos os dias e cada vez mais ao encontro do prximo que habita a cidade. Leva-nos a sair ao encontro porque este olhar se alimenta na proximidade. No tolera a distncia...(Bergoglio, 2011.) O olhar e a atitude de proximidade do cristo-missionrio no pode ser o olhar parado ou de espectador passivo, a atitude de ficar em casa; a messe est sempre fora, o campo do Reino hoje a cidade. Temos que sair para buscar a messe e estabelecer com ela uma relao mais humana; humanizar a cidade dos homens tornando-a mais cidade de Deus, a est uma grande misso para os cristos hoje e as palavras de Jesus esto cheias de urgncia, pe-nos a caminho, ligeiros pois o Reino de Deus est prximo de vs.(v. 9) Bibliografia Textos e referncias bblicas: Bblia de Jerusalm. So Paulo, Paulus, 2002. 14. CELAM. Documento de Aparecida, Texto conclusivo da V Conferncia Geral do Episcopado latino Americano e do Caribe. So Paulo, CNBB/Paulus/Paulinas, 2007. Bergoglio, Card. Jorge sJ. Palavra de Abertura no I Congresso de Pastoral Urbana de Buenos Aires, (Argentina): Deus vive na cidade. 2011. www.vanthuanobservatory.org So Pedro e so Paulo, origem e meta da Igreja Como todos sabem, Jesus escolheu alguns discpulos, aos quais deu o nome de apstolos. Num s dia celebramos o martrio de dois destes apstolos: Pedro e Paulo. Na realidade, os dois eram como um s. Embora tenham sido martirizados na perseguio de Nero, em datas diferentes entre os anos 64 e 67, deram o mesmo testemunho. Pedro foi frente; Paulo o seguiu. A Liturgia rene em uma nica celebrao estes dois grandes apstolos: Pedro, o escolhido para conduzir a Igreja e confirmar seus irmos na f e Paulo, o eleito por Deus, para ser o evangelizador, aquele que com suas cartas e suas pregaes ensinou de modo profundo as palavras do Mestre. Celebramos o dia festivo consagrado para ns pelo sangue desses dois apstolos. Amemos sua f, vida, trabalhos, sofrimentos, testemunhos e as pregaes. So Pedro e So Paulo so os ltimos dois aneis de uma corrente que nos une ao prprio Cristo. Em certo sentido, nossa comunho com Jesus passa atravs deles. Ns celebramos, por isso, a festa dos fundadores de nossa f, dos antepassados do povo cristo. (Cantalamessa, 2012.) Pedro o primeiro a quem Jesus chamou. Nasceu em Betsaida, junto ao lago de Tiberades e se mudou para Cafarnaum, onde junto ao seu irmo Andr, seu pai Jonas, aos filhos de Zebedeu, montou uma pequena empresa familiar de pesca. Escolhidos os trs por Jesus, Pedro Tiago e Joo se converteram nos discpulos mais ntimos e foram testemunhas dos maiores acontecimentos de sua vida, como a Transfigurao no Tabor e a agonia do Getsemani. Pedro seguiu a Jesus da Galileia Judeia e depois da morte de Jesus transferiu-se para Antioquia e enfim chegou a Roma. Dentre os apstolos, somente Pedro mereceu ouvir estas palavras de Jesus: Tu s Pedro, e sobre esta pedra edificarei minha Igreja." (Mt 16,18) A ele e seus sucessores lhes concede Jesus uma misso nica na Igreja, misso apresentada atravs da imagem da construo de um edifcio, quem edifica a Igreja Cristo. ele que escolhe livremente um homem e o pe na base do edifcio. Pedro apenas um instrumento, a primeira pedra do edifcio, enquanto Cristo aquele que pe a primeira pedra. Todavia, doravante, no se poder estar verdadeira e plenamente na Igreja, como pedra viva, se no se est em comunho com a f de Pedro e sua autoridade ou, ao menos, se no se procura estar. (Ibid. Cantalamessa.) "Ningum pode por outro fundamento do que o que foi posto: Jesus Cristo." (1Cor 3,10). Se o fundamento invisvel Cristo Ressuscitado, o visvel a chamada ctedra de Pedro, os que o sucederam at o atual sucessor o papa Francisco. Neles, Pedro continua a ser a rocha, garantindo misteriosamente a indefectibilidade da Igreja no tempo e nas tormentas que tem que superar essa barca, outra alegoria apropriada ao pescador de Galileia, acostumado a enfrentar as tempestades e ressacas do mar. 15. Outra metfora expressa o poder especial de Pedro: Eu te darei as chaves do Reino dos Cus e o que ligares na terra ser ligado nos cus, e o que desligares na terra ser desligado nos cus. (Mt 16,19) Ligar e desligar smbolo do poder de permitir e proibir, o que significa o governo da Igreja como sociedade. Mas, como no mundo o poder corrompe, Jesus quer que "o maior dentre vs seja aquele que serve a todos." (Mt 23,11) Poder exercido a partir do amor: por isso o Ressuscitado pergunta a Pedro: "Simo, filho de Joo, tu me amas mais do que estes? (Jo 21,15) Esta a segunda vocao de Pedro, que teve que experimentar visvel e publicamente, sua debilidade: negou trs vezes seu Mestre. Quando se arrependeu e chorou amargamente, Jesus converteu sua volta ao amor em cura de amor, com suas trs promessas de amor, com o qual o purificou para ser o pastor dos cordeiros e das ovelhas. Quando Jesus lhe pergunta pela terceira vez se o ama mais que os outros, Pedro no responde como antes, mas sim com um: Senhor, tu sabes tudo: tu sabes que te amo." (Jo 21,17) Pedro, um pecador arrependido, foi escolhido por Jesus para ser o guia de sua Igreja, santa. que aquele que haveria de ser pastor de pecadores necessrio que experimente a prova humilhante de ser ele mesmo pecador. Se no como poderia compreender as experincias de uma comunidade de pecadores? S depois da Ressurreio, aquele que havia recebido a promessa de que a Igreja seria construda sobre sua Pedra, agora um Pedro humanizado pela derrota do pecado, confirmado em sua misso de apascentar o rebanho, o constitui Pastor Universal. So Paulo foi um homem fascinado pela pessoa de Cristo. Ele se encontrava em Jerusalm nos dias em que Jesus foi morto. Filho de um judeu de Tarso, Saulo estava na Cidade santa aperfeioando-se em estudos bblicos. Em seu zelo ardente pela lei, pensava dar glria a Deus perseguindo a jovem Igreja. Mas Jesus o esperava no caminho de Damasco: Saulo, Saulo, por que me persegues? (At 9,4) Teve apenas a fora de balbuciar: Quem s, Senhor? Mas tarde repensando aquela experincia, teve a sensao que naquele dia Cristo o tinha agarrado na alma e no corpo (Fl 3,12). Cristo tornou-se sua chama interior, sua paixo... percorreu o mundo conhecido de ento pregando Cristo aos judeus e aos pagos. Suas viagens formam uma teia sobre o mapa daquele do tempo. (Ibid. Cantalamessa.) Encontrar-se com Jesus Ressuscitado foi sua experincia maior, mais profunda, comprometida e decisiva de sua vida. Experincia de amor e de liberdade. Cristo rompeu a pedra do sepulcro de seu orgulho e autossuficincia, que era prpria dos fariseus, e lhe ressuscitou por dentro. Da em diante sentir a necessidade de evangelizar: "Anunciar o evangelho no ttulo de glria para mim; , antes uma necessidade que se me impe. A de mim, se eu no anunciar o evangelho!" (1Cor 9,16) Prega a verdade desnudada de todo ornato humano, e proclama a palavra, insiste, no tempo oportuno e inoportuno, refuta, ameaa, exorta com toda pacincia e doutrina.(2Tm 4,2) Seus sofrimentos, sabe que so valiosssimos, pois so principalmente as portas que abrem as portas ao Evangelho por toda a parte: "Eu no me apresentei com adulaes, como sabeis; nem com secreta ganncia, Deus testemunha! Tampouco procuramos o elogio dos homens... Pelo contrrio, apresentamo-nos no meio de vs cheios de bondade, como uma me que acaricia os filhinhos. Tanto bem vos queramos que desejvamos dar-vos no somente o Evangelho de Deus, mas at a prpria vida, de tanto amor que vos tnhamos. Ainda vos lembrais, meus irmos, dos nossos trabalhos e fadigas. Trabalhamos de noite e de dia, para no sermos pesados nenhum de vs. Foi assim que pregamos o Evangelho de Deus." (1Ts 2,5-9) 16. Sofreu torturas espirituais, abandono de seus companheiros de misso e evangelizados, perseguies, solido. E apesar de tudo, alegre, transbordo de alegria em toda a nossa tribulao. (2Cor 7,4) Chegando a Roma, foi encarcerado e como cidado romano, decapitado: Assim o escreve nas vsperas de seu martrio: "quanto a mim, j fui oferecido em libao e chegou o tempo de minha partida. Combati o bom combate, terminei a minha carreira, guardei a f." (2Tm 4,6-7) Faamos hoje nossa profisso de f nesta Una, Santa, Catlica e Apostlica Igreja e tambm nosso exame de conscincia. Quem a Igreja? Para os catlicos, a Igreja nosso eu plural, o Corpo Mstico de Jesus do qual eu sou membro. Na Igreja, portanto, devemos ao invs de critic- la examinar nosso amor para com ela. Nascido pelo Batismo na Igreja, espao onde atua o Esprito Santo, para viver filialmente com Deus; cresci e creso na Igreja para servi-la; recebi na Igreja o melhor que tenho em mim; realizo na Igreja, o mais valioso que posso fazer por seu ministrio; sou enamorado da Igreja, dei a ela o melhor dos meus anos, a minha juventude e dou dia a dia a minha vida por ela; sofri muito pela Igreja, por seus erros; e sigo sofrendo, desejo e luto por uma Igreja mais pura, mais unida e humilde, mais interior e evanglica, mais samaritana e materna, mais simples, mais servidora. Quem s v na Igreja uma organizao meramente humana e pecadora e no sabe ver sua qualidade de santa porque vivificada pelo Esprito de Cristo, sempre com ela, logo se escandaliza e deixa de crer nela. Quem a v como um povo maravilhoso que caminha nestes vinte sculos, vindo de todos os lugares, atraindo a si todos os povos, assimilando todas as civilizaes, traduzindo-se em todas as culturas, falando em todas as lnguas, sempre fazendo o bem, ainda que no o tenha feito sempre bem, a amar e a respeitar, como a uma me anci, que apesar das rugas que assimilou na luta, sempre se renova e rejuvenesce para o seu Divino Esposo. A Igreja sempre me ofereceu um acervo riqussimo de sabedoria, de santos, msticos e gnios atuais, que forjaram a formao da minha personalidade. Os erros que detectei na Igreja sempre os vi retificados por outros homens mais lcidos e provectos e comprovo que os obstculos exerceram o papel de adubo, pois como j disse algum: as coisas crescem pelo que nascem, e o que nasce da cruz cresce pela mesma cruz, ainda que ao ritmo peculiar da vida. Que seria do mundo sem a cultura e sem a arte criada e conservada na e pela Igreja? Que seria da educao; das escolas e universidades nascidas nos claustros dos mosteiros? Que seria dos rfos, dos abandonados, pobres e excludos da sociedade, sem a Igreja? Como posso esquecer o sacerdote que me fascinou quando ainda criana e adolescente at o ponto de querer ser como ele, padre? E tantas santas mulheres, religiosas annimas e verdadeiramente pobres, trabalhando e orando por toda a humanidade no silncio dos seus claustros? Gostaria de como santa Teresa de Jesus dizer: Minha glria e minha vida ser servir sempre Igreja, e morrer como filho da Igreja. Bibliografia: Textos e referncias bblicas: Bblia de Jerusalm. So Paulo, Paulus, 2002. Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexo sobre a Palavra de Deus Ano A.B,C. So Paulo, Ave Maria, 2012. 17. Duas virtudes evanglicas: a f e a humildade Ao longo do Ano Litrgico no celebramos temas, celebramos o mistrio de Cristo, o Filho de Deus feito homem, morto e ressuscitado para nossa salvao, segundo a nossa profisso de f. Para ns cristos catlicos a celebrao litrgica fonte de vida crist e "na liturgia Deus fala ao seu povo; Cristo continua a anunciar o Evangelho e o povo responde a Deus com o canto e a orao." (Sacrosanctum Concilium n.33) Por isso acrescenta o Conclio Vaticano II: "Para realizar uma obra to grande (a salvao), Cristo est presente na sua Igreja, sobretudo na ao litrgica..., nos sacramentos..., e na Palavra, pois quando na Igreja se l a Sagrada Escritura, ele quem fala". (SC 7) Daqui se conclui uma presena de Cristo no mesmo nvel, embora diversa, na Palavra e nas espcies eucarsticas. Por essa razo, "a Igreja venerou sempre as divinas Escrituras como venera o prprio Corpo do Senhor, no deixando jamais, sobretudo na sagrada liturgia, de tomar e distribuir aos fieis o po da vida, quer da mesa da Palavra de Deus, quer da do Corpo de Cristo. (Dei Verbum 21) muito estreita a ligao entre a Palavra de Deus (leituras bblicas e homilia) e o mistrio eucarstico, que constitui assim as duas partes da Missa; liturgia da Palavra e liturgia Eucarstica, unidas num s ato de culto (SC 56). Tanto a celebrao litrgica como a Palavra de Deus atualizam o mistrio de Cristo. Passado o Tempo Pascal, retornamos ao Tempo Comum. Na leitura evanglica seguimos este ano o terceiro evangelho, que segundo uma tradio eclesial seu autor juntamente com o livro dos Atos dos Apstolos seria Lucas, mas, segundo os especialistas, isso no totalmente seguro. Escrito por volta do ano 80 da era apostlica o evangelho de Lucas tem um estilo literrio melhor e mais rico dos trs sinticos. Para alguns o mais atual e humano de todos os livros do Novo Testamento. considerado o evangelho da misericrdia, do acolhimento e do perdo e tambm o evangelho dos pobres e da pobreza proclamada como uma das bem-aventuranas e o prprio Jesus alerta para o perigo das riquezas medida que caminha da Galilia para Jerusalm, onde o espera o fracasso aparente da morte e a vitria da ressurreio. O capitulo stimo de Lucas apresenta uma serie de encontros que acontecem fora do povo de Israel: um soldado estrangeiro; uma viva; uma delegao enviada por Joo Batista; uma mulher julgada pecadora na cidade. A cada uma destas pessoas Jesus manifesta-se como Messias de misericrdia. (Casarin, 2010.) Segundo o texto deste Domingo (cf. Lc 7,1-10), um pago, centurio romano (oficial que comandava cem soldados, pertencentes s tropas de ocupao da Palestina) que tinha um criado a quem gostava muito e que estava doente, ao ouvir falar de Jesus, enviou-lhe alguns ancios amigos, pois era amigo dos judeus de Cafarnaum, tendo construdo para eles uma sinagoga pedindo-lhe, que viesse curar o seu criado. Os centuries romanos deixaram uma boa reputao no Novo Testamento; recordam-se trs e todos eles muito piedosos. Um aquele do evangelho de hoje, outro aquele que ao p da cruz exclamou: Este homem era realmente o Filho de Deus (Mc 15,39), e o ltimo, de nome Cornlio foi o primeiro pago a entrar na Igreja (cf. At 10,1ss). No evangelho, porm, as coisas no seguem o ritmo do mundo: no mundo uma alta patente do exrcito admirada e distinguida com honrarias pelo seu valor militar, pelo seu orgulho e pelas vitrias sobre seus inimigos; aqui, ao contrrio, estes so louvados pela humildade, pela f, pela esmola e pela orao... so os paradoxos do Reino, a exemplificao dos valores novos proclamados pelas bem-aventuranas; 18. ningum est excludo do Reino nem sequer um general do exrcito de ocupao uma vez que aceite entrar pela porta certa, que a porta estreita. (Cantalamessa, 2012.) Quando Jesus j estava perto da casa, o centurio lhe mandou dizer por uns amigos: Senhor no te incomodes, porque no sou digno de que entres em minha casa; nem mesmo me achei digno de ir ao seu encontro. Dize, porm uma palavra, para que o meu criado seja curado. Pois tambm eu estou sob uma autoridade, e tenho soldados s minhas ordens; e a um digo Vai! E ele vai; e a outro Vem! E ele vem; e a meu servo Faze isto! e ele o faz. (v.6-8) A f supera a distncia, nem o centurio nem Jesus se conhece um ao outro, porm h um dilogo muito prximo, porque a f humilde do suplicante encurta esta distncia. Se fosse qualquer um de ns, pediramos a Jesus para vir nossa casa, tocar-nos, abenoar-nos porque essa presena fsica nos daria a garantia da cura. Mas, o oficial romano dispensa este contato fsico, pois com f no poder de Jesus confia na Palavra de ordem de Jesus. A f a certeza do que se espera e a prova do que no se v. (Hb 11,1) Jesus ficou admirado e, voltando-se para a multido que o seguia disse: Eu vos digo que nem mesmo em Israel encontrei tamanha f. (v.9) A f deste homem uma f humilde, sua humildade surpreendente e transparece, sobretudo nas palavras: Senhor, Eu no sou digno. Essas palavras ficaram na tradio crist como lmpida expresso de humildade crist e por isso as repetimos antes da comunho eucarstica. uma estranha coincidncia! As pronunciou um no cristo e revelam uma virtude que os no cristos no conheciam e que consideravam como uma atitude falsa que impede a coragem de viver. A palavra humildade, do latim humilitas, proveniente de humus, terra, barro conduz o significado da palavra humildade para algo terreno. Algum que se coloca abaixo, que se humilha, em uma posio de submisso. Para os cristos, humilde seria a pessoa que tem a conscincia de suas capacidades e de suas debilidades. Quais so nossas medidas diante de Deus? No Antigo Testamento se repete que diante de Deus o homem no nada, disse Abrao: eu me atrevo a falar do meu Senhor, eu que sou poeira e cinza. (Gn 18,27) Pensar em no temer a Deus soberba imperdovel. Como no ter necessidade de Deus? Geralmente, aqui caem os ricos e os poderosos que s confiam em sua riqueza e em seus grandes conhecimentos. Totalmente o contrrio daqueles que a Bblia chama de anawin, os pobres. Eles no tm nada e a nada em que poder apoiar-se, seno em Deus. Por isso o Senhor cuida deles. Jesus no sermo da montanha disse que os pobres so bem-aventurados porque o Reino de Deus lhes pertence. O mesmo motivo o encontramos no Magnificat da Virgem Maria, (cf. Lc 1,46-56) que agradece ao Senhor que olhou para a humilde condio de sua serva e o prprio Jesus modelo de humildade: Aprendei de mim, porque sou manso e humilde de corao. (Mt 11,29) Ele manifesta esta humildade em sua vida, pois se apresenta como algum que provm da classe dos pobres. Mas, sobretudo na atitude de obedincia ao Pai, disposto a seguir sua vontade at a morte. (cf. Fl 2) Diante do exemplo de f e humildade do centurio romano s vezes exclama-se: Se eu tivesse essa f... Por que que no alcanamos esse nvel, ns que conhecemos muito melhor que o soldado romano o amor e o poder de Deus? Que cada um d a si prprio a resposta... Precisamos de uma margem de confiana em Deus, em Jesus Cristo, sua imagem pessoal, e aceitar o claro- escuro da f sem ceder psicose de segurana palpvel que gera mecanismos de magia. Porque se torna to difcil para o homem acreditar, confiando em Deus e entregando-se a Ele? No pode haver f verdadeira sem uma profunda humildade. 19. O centurio de Cafarnaum modelo de ambas as virtudes. Todos os grandes crentes da histria foram humildes diante de Deus e dos outros, mesmo sendo grandes personalidades, grandes sbios ou grandes santos. Para crer em Deus , pois, necessria a humildade, embora no seja essa uma virtude muito cotada no nosso mundo. A humildade parece no casar com a psicologia agressiva e de triunfador que o homem de hoje necessita para fazer-se valer e subir na vida. Contudo, somente o que humilde pode acreditar em profundidade e realizar-se plenamente como pessoa, individual e comunitariamente. (Caballero, 2000.) Que neste ano da f, mantenhamos nosso olhar fixo sobre Jesus Cristo, autor e consumador da f (Hb 12,2): nele encontra plena realizao toda a nsia e aspirao do corao humana. Aprendamos com o centurio romano a procurar e a professar a f e peamos a Jesus que a aumente sempre mais e que sejamos capazes de a testemunharmos no s com palavras, mas, sobretudo com obras, pois a f sem obras est completamente morta (cf. Tg 2,14ss). A f sem a caridade no d fruto, e a caridade sem a f seria um sentimento constantemente merc da dvida. F e caridade reclamam-se mutuamente, de tal modo que uma consente outra realizar seu caminho... a f que permite reconhecer Cristo, o seu prprio amor que impele a socorr- lo sempre que se faz prximo nosso no caminho da vida. Sustentados pela f, olhamos com esperana nosso servio no mundo, aguardando novos cus e uma nova terra, onde habite a justia. (Pd 3,13; cf. Ap 21,1) (Bento XVI, 2012.) Bibliografia Textos e referncias bblicas: Bblia de Jerusalm. So Paulo, Paulus, 2002 Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexo sobre a Palavra de Deus Ano A.B,C. So Paulo, Ave Maria, 2012. Casarin, Giuseppe (org.). Leccionrio Comentado, Tempo Comum, semanas I-XVII. Lisboa (Portugal), Paulus, 2010. Caballero, B. A Palavra de cada Domingo, Ano C. Apelao (Portugal), Paulus, 2000. Bento XVI. Porta Fidei. Brasilia, Edies CNBB, 2012. Como Deus? Terminado o tempo pascal, concludo no domingo passado com a festa de Pentecostes, voltamos ao Tempo Comum. Voltamos pela Liturgia a esse caminho habitual de Jesus em seus anos de ensinamento pelas terras da Judia e Galilia e caminho espiritual de todo cristo. Depois da grandeza da Pscoa e Pentecostes a Igreja quer recordar-nos o Mistrio da Santssima Trindade no com o objetivo de decifr-lo, como um complicado teorema. Nossa f nos convida 20. a aceit-lo e reconhec-lo nas mltiplas manifestaes que Deus mesmo nos d ao longo da histria da humanidade. Este domingo, num certo sentido recapitula a revelao de Deus que aconteceu nos mistrios pascais: morte e ressurreio, ascenso e efuso do Esprito Santo. Com esta celebrao a Liturgia, elo entre o tempo pascal e o tempo ordinrio, a Igreja nos prope chaves para descobrir a impressionante riqueza deste grande mistrio que sem duvida a luz, a fora e o alimento que necessitamos em nossa caminhada para Deus. Quem Deus ou como Deus? Na Liturgia da Palavra, as trs leituras bblicas que ouvimos so como trs janelas; atravs de cada uma lanamos um olhar sobre uma etapa da histria da salvao, observando a ao ora de uma, ora de outra das trs Pessoas divinas (embora todas trs operem contemporaneamente). (Cantalamessa, 2012.) O autor do Livro dos Provrbios, (cf. Pr 8,22-31) acertou em suas imagens literrias. A Sabedoria de Deus chega a se personificar no Filho, gerado desde o princpio, dialoga com o Pai e seu colaborador e conselheiro em todas as suas obras. "Eu estava junto com ele como mestre-de-obra, eu era o seu encanto todos os dias. (v. 30) O texto nos prope um ambiente de total familiaridade, inocncia, quase infantil. Todo o tempo brincava na superfcie da terra, encontrava minhas delicias entre os homens. (vv. 30- 31) Brincava em sua presena, jogava com a bola da terra, um modo de expressar poeticamente a ausncia total de maldade, conflito ou diviso no seio da Trindade. Tudo beleza, paz, harmonia e ordem. Deus no um solitrio. A criao expresso dessa divina comunicao. Desde a eternidade, Deus j pensa em ns e nos ama. Ns proclamamos a vossa grandeza, Pai Santo, a sabedoria e o amor com que fizestes todas as coisas: criastes o homem e a mulher vossa imagem e lhes confiastes todo o universo.. (Orao Eucarstica IV) O Apstolo Paulo (cf. Rm 5,1-5) nos introduz numa atmosfera diferente: o homem, criado imagem de Deus, perdeu sua amizade por causa do pecado, sendo destinado perdio; porm, Deus no o abandona ao poder da morte, mas empreende um grande plano de salvao o da encarnao, paixo, morte e ressurreio de Jesus Cristo , e foi na execuo desse plano que se revelou plenamente ao homem o Filho de Deus... O Filho unignito de Deus, escondido desde a eternidade no seio do Pai e que estava com ele quando criava os cus, manifestou-se, portanto, como Pessoa em Jesus Cristo e nos introduziu no conhecimento do mistrio de Deus Uno e Trino. (Ibid. Cantalamessa.) Tendo sido, pois, justificados pela f, estamos em paz com Deus por nosso Senhor Jesus Cristo. (v. 1) O ser humano, criado para a comunho com Deus e com os outros, a perdeu pelo pecado. Deus restaura a unidade perdida pela encarnao de Jesus Cristo. E como prova da esperana, que no decepciona o Esprito Santo foi derramado em nossos coraes. (v. 5) O Evangelho nos abre uma janela sobre a ltima fase da histria da salvao: o tempo da Igreja, o tempo em que se ir revelar a presena do Esprito Santo. (cf. Jo 16,12-15) Na cena da ltima ceia, Jesus fala aos discpulos com palavras de despedida, carregadas de ternura, quase nostalgia do Pai e do Esprito, desejando voltar e de algum modo desejando que os discpulos cheguem verdade plena: Tenho ainda muitas coisas para vos dizer, mas no as podeis compreender agora. Quando vier o Esprito da verdade, Ele vos guiar para a verdade plena.(vv. 12-13) A mente e a linguagem humanas so inapropriadas para explicar a relao existente entre o Pai, o Filho e o Esprito Santo. Pouco a pouco, paulatinamente, ao longo da vida terrena, Deus se nos 21. vai aproximando, se adaptando nossa capacidade limitada, para sermos capazes de descobrir sua grandeza sem limites. O Esprito Santo guiou os discpulos e a ns para a Verdade plena. Ao dizer que tudo o que o Pai tem meu (v.15), Jesus nos revela sua igualdade de natureza e dignidade com o Pai Criador do Universo e tambm anuncia o Esprito Santo, que tambm com Ele um, igual a Ele. Estamos assim nos umbrais da revelao do mistrio da Santssima Trindade, mistrio insondvel e incompreensvel, diante do qual s cabe a humilde aceitao. E a fim de no mais vivermos para ns, mas para ele que por ns morreu e ressuscitou, enviou de vs, Pai, o Esprito Santo, como primeiro dom aos vossos fieis para santificar toas as coisas, levando plenitude a sua obra. (Orao Eucarstica IV) Em algum momento de nossa vida j nos perguntamos quem Deus? Como pode ser Deus? V iluso seria pretender conhec-lo, compreend-lo, abarcar ao Deus vivo e verdadeiro que (existe) antes de todo o tempo e (permanece) para sempre, habitando em luz inacessvel. (Orao Eucarstica IV) A grandeza divina to imensa que a mais penetrante inteligncia humana se sente embotada e lenta para compreender. A verdade plena do mistrio da Trindade est alm de nossa capacidade humana de entender. Os mistrios no se podem entender, nem explicar racionalmente; os que temos f os adoramos, guiados pela f e pelo amor a Deus que nos revelou. Deus um mistrio que nos ultrapassa. J o disse Santo Agostinho: Se o entendes, no Deus. Deus se foi revelando no como uma ideia ou conceito filosfico. Mas, sim como um Deus- Amor que se d at o fim da Encarnao do Verbo e o envio do Esprito Santo. Como Deus? Ante esta pergunta, vm mil respostas: Deus assim, mas... muito mais que isso. A festa da Santssima Trindade nos pe frente a uma realidade: Alguns se conformam em pensar em Deus sem se dar conta de que Ele se encarnou, assumiu a nossa condio humana, verdadeiro homem, concebido do Esprito Santo e nascido da Virgem Maria, viveu em tudo a condio humana, menos o pecado, anunciou aos pobres a salvao, aos oprimidos, a liberdade, aos tristes, a alegria. E para realizar o plano de amor (do Pai), entregou-se morte e, ressuscitando dos mortos, venceu a morte e renovou a vida. (Orao Eucarstica IV) Que pena! Certamente desejavam um Deus perdido entre as nuvens. Talvez lhes incomode pensar num Deus to humano e to prximo, como um Deus encarnado. Outros, por outro lado, se esqueceram do Deus do cu e se tm aferrado a Jesus de Nazar. A um Senhor sem referncia ao divino. Querem um Jesus sem a transcendncia que acompanhou a sua histria: homem comprometido com os pobres, defensor dos oprimidos e contra o sistema estabelecido. Talvez porque, o Senhor Divino, lhes incomoda ante um mundo que pretende s um discurso humanizante, s terreno e pago. E finalmente, h aqueles que ficam no sentimentalismo da f. Uma f sem mais referncia que aquilo que o momento exige. Os sentimentos so bons quando vo acompanhado da f. Um Esprito, sem referncia a Aquele que o envia, se converte em seita, em sentimentalismo, emoo ou lgrimas que brotam mais de um corao fingido, forado que das entranhas comprometidas com a converso; comovidas pela Palavra de um Deus que falou por Cristo e atua pelo Esprito Santo. Como Deus? Quando perguntaram Joo, o discpulo testemunha ocular do mistrio da Cruz do Senhor: Diga-nos algo sobre Deus? Ele, respondeu: Deus Amor! (1Jo 4,16) Neste sentido devemos dizer, com Joo, que Deus o mesmo Amor quando Pai e quando Filho e quando Esprito Santo. Deus, o Deus de Jesus Cristo, nosso Deus, sempre Amor. Mas o mundo prefere 22. reger-se por outros deuses que se propagam como uma peste e confunde o amor em prazer, a unidade com a imposio de ideologias ou a caridade com gestos inconsistentes. Nosso Deus no isolado, frio e distante. Primordialmente comunho, comunidade. um ser relacional em suas trs pessoas, na Unidade e na Diversidade. Frente ao individualismo do nosso tempo, a Trindade, nos apresenta um impressionante cone da famlia: So trs em um! Cada um com sua personalidade, mas cada um, com sua prpria cor. Cada um diferente, mas os trs, olhando na mesma direo. Teremos que nos perguntar hoje com sinceridade o que significa o mistrio trinitrio na nossa vida de batizados. Deixamo-nos guiar pelo Esprito da Verdade? Realizamos, pela f, o encontro pessoal com o Deus uno e trino que mora em ns, em cada um e na comunidade eclesial da qual fazemos parte?... Somos guiados pelo esprito de Jesus sempre que servimos a verdade da vida, das relaes e direitos humanos, o amor e a fraternidade, a dignidade e a libertao integral do homem; numa palavra, sempre que servimos o Reino de Deus... Em qualquer campo da atividade humana, o Esprito de Deus quem nos guia, que nos faz filhos e dando-nos conscincia de o ser. Este ser o sinal visvel de que Deus mora em ns como no seu templo, e nos acompanha Cristo com o Esprito de filiao, liberdade, comunho e abertura aos irmos. (Caballero, 2000.) Em um mundo to dividido, desagregador, com rupturas interiores, com individualismos e diferenas to marcantes. Deus Uno e Trino nos chama a ser novamente Uno, a voltar por sua graa, imagem e semelhana perdida. E isto comeando pelos espaos que temos mais ao nosso alcance: a famlia, a parquia, a comunidade, a pastoral, o movimento eclesial etc. Se somos unidade no pequeno e acessvel espao, ao final o seremos tambm em grande escala. Com a Bem-Aventurada Isabel da Trindade, (Frana 1880-1906) suplicamos: meu Deus, Trindade que eu adoro, ajudai-me a esquecer-me inteiramente, para me estabelecer em Vs, imvel e pacifica, como se j a minha alma estivesse na eternidade. Que nada possa perturbar a minha paz, nem fazer-me sair de Vs, meu imutvel, mas que cada minuto me leve mais longe na profundeza do vosso Mistrio... meu Trs, meu Tudo... Intensidade em que me perco, entrego-me a Vs. (Ibid. Casarin.) Bibliografia: Textos e referncias bblicas: Bblia de Jerusalm. So Paulo, Paulus, 2002 Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz carne, reflexo sobre a Palavra de Deus Anos A,B,C. So Paulo, Ave Maria, 2012. Casarin, Giuseppe (Org.) Lecionrio Comentado, Tempo Comum Semanas I-XVII. Lisboa (Portugal) Paulus, 2010. Caballero, B. A Palavra de cada Domingo, Ano C. Apelao (Portugal), Paulus, 2000. Pentecostes, nasce a Igreja. 23. Chegamos ao ponto culminante da Pscoa, o Domingo de Pentecostes. Com esta festa litrgica encerra-se o tempo pascal, centrado no mistrio de Cristo Ressuscitado e glorioso. Os textos litrgicos da festa de Pentecostes sublinham a importncia fundamental da presena do Esprito Santo na vida da Igreja. Na Sagrada Escritura, frequentemente se fala do Esprito do Senhor, do Esprito de Cristo, do Esprito da Verdade etc. Os telogos interpretam todas estas expresses fundamentalmente em um nico sentido: se trata do Esprito Santo. A cena de Pentecostes, descrita nos Atos dos Apstolos (cf. At 2,1-11), muito rica em smbolos com grande significado religioso. Lucas situa a efuso do Esprito Santo sobre o grupo dos discpulos de Jesus reunidos em orao durante a festa hebraica do Pentecostes (v. 1). O dom do Esprito acompanhado por fenmenos extraordinrios (forte rajada de vento, uma espcie de lnguas de fogo: cf. vv.2-3) e por um efeito carismtico (falar outras lnguas: v. 4). O acontecimento adquire imediatamente ressonncia universal, devido presena, em Jerusalm, de judeus provenientes de varias partes do mundo, cada um deles capaz de compreender na sua lngua o que O Esprito Santo faz dizer aos Apstolos (vv. 5-11). (Casarin, 2009.) Lucas narra a chegada do Esprito como se narram no Antigo Testamento as manifestaes de Deus. Em especial, nos textos em que Deus faz Aliana com seu povo no Sinai. A festa judaica de Pentecostes fazia memria deste acontecimento, se fala tambm de fenmenos parecidos: rudos, ventos, estrondos, troves o momento fundacional de Israel como povo de Deus. O mesmo acontece no Novo Testamento. J reunidos por Jesus, se constitui agora a comunidade plenamente em Igreja, em comunidade que ora, prega e convive: sem medo e com alegria. Esta Igreja no dia de Pentecostes recebe o dom do Esprito Santo. a Nova Lei, que faz possvel a criao de uma humanidade nova, uma vida nova que participao antecipada da vida divina. Uma vida ideal, de liberdade, de paz, de alegria, de perdo e de comunidade. Na criao de uma humanidade nova, de um grande corpo do qual cada um de ns faz parte, o Esprito torna possvel a unidade graas diversidade e no a unidade apesar da diversidade: sendo diferentes, tendo cada um caractersticas pessoais e gozando de dons distintos, todos temos que estar implicados na construo da comunidade humana. o Esprito que suscita a pluralidade: a variedade e a diferena so os dons gratuitos do mesmo Deus. Todas as manifestaes da vida crist so consequncia direta do Esprito Santo. So Paulo os chama carismas e enumera muitos: Assim o Esprito a um concede falar com sabedoria; a outro, pelo mesmo Esprito, falar com conhecimento profundo; a um lhe concede o dom da f; a outro, o poder de curar os enfermos; a outro, o dom de fazer milagres; a outro, o de dizer profecias; a outro, o saber discernir entre os espritos falsos e o Esprito verdadeiro; a outro, falar lnguas estranhas e saber interpret-las; a outro, dom de interpret-las. Tudo isto o leva a cabo o nico e mesmo Esprito, repartindo a cada um seus dons como quer. (cf. 1Cor 12,8-11) Somos homicidas de ns mesmos se pretendermos uniformizar o que Deus fez diferente. Anulando as diferenas suscitadas pelo mesmo Esprito mutilamos o corpo de Cristo. Por isso o primeiro efeito do dom do Esprito, significativamente, o falar em lnguas: os discpulos so habilitados a fazer-se entender por uma multido internacional nas diversas lnguas (vv. 6-11). Desde o incio, portanto, o Esprito abre a Igreja nascente misso universal: o Evangelho est destinado a ser compreendido em todas as lnguas e culturas, e proclamado em todas as naes. (Ibid. Casarin.) 24. Apesar de manter cada um suas diferenas pessoais, culturais e lingusticas, a todos chega a Boa Nova. O dom de lnguas nos fala desta universalidade intrnseca ao Evangelho e catolicidade da Igreja. Sua proposta de salvao para todos os homens e mulheres do mundo. No porque devam uniformizar-se, mas sim porque devem perdoar-se e trabalhar na construo do bem comum respeitando as diferenas, conjugando as diversidades de lnguas em uma gramtica humana universal. Cabe aqui uma nota, depois do Conclio Vaticano II se assiste a um sinal grandioso em toda a Igreja Catlica: o reaparecimento dos carismas; no se trata somente do assim chamado movimento carismtico; quase todos os movimentos de renovao que florescem c e l na Igreja Catlica e em outras confisses crists mostram esta surpreendente nota comum. Atravs deles o povo cristo recupera sua espontaneidade, sua criatividade, sua fora de testemunho que so o sinal tpico da ao do Esprito de Deus. (Cantalamessa, 2012.) O Evangelho de Joo (cf. Jo 20,19-23), escolhido para esta festa por nele se falar tambm de uma comunicao do Esprito Santo, nos diz que desde o dia mesmo em que Jesus ressuscitou dentre os mortos sua comunicao com os discpulos se realizou por meio do Esprito. O Esprito que o Ressuscitado insuflou neles lhes dava o discernimento, a alegria e o poder para perdoar os pecados: Recebei o Esprito Santo: queles a quem perdoardes os pecados ser-lhes-o perdoados; e queles a quem os retiverdes sero retidos. (v. 23) Pentecostes como a representao decisiva e programtica de como a Igreja, nascida da Pscoa, tem que abrir-se a toda humanidade, sua universalidade. Para o autor do quarto evangelho a verdade que o Esprito do Senhor esteve presente em toda a Pscoa e foi o autntico artfice da igreja primitiva desde o primeiro dia em que Jesus j no estava mais historicamente com eles. Mas, estava com eles, por meio do Esprito que como Ressuscitado lhes dava. Pentecostes a festa do Esprito, da Igreja e da comunidade. a culminncia da Pscoa. A vida nova que Jesus conseguiu tambm nossa vida. Muitas vezes no somos suficientemente convencidos da atuao do Esprito em ns. Talvez seja porque no lhe deixamos atuar... D a sensao de que estamos como os discpulos antes de Pentecostes: dizemos que cremos em Jesus, nos confessamos cristos, mas vivemos medrosos, apticos, desestimulados, sem garra. Ento nos refugiamos em nossa fortaleza por medo de sair ao mundo. Mas, a imagem que define melhor a Igreja no a da fortaleza e sim a da tenda que se arma no meio do mundo. Tambm os discpulos estavam dentro de casa, com portas e janelas fechadas por medo dos judeus. Compartilham medos, iluses e recordaes de Jesus. O Esprito se apresentou como vento e chamas de fogo. O vento e o fogo purificam e transformam. E ento... saram a anunciar e testemunhar o Evangelho sem medo, sem utilizar a fora, sustentados em sua debilidade pelo Esprito. Quando a Igreja se fecha em si mesma por medo de se contaminar com o mundo, a imagem que d a de uma fortaleza firme, mas infelizmente no convence, por vezes at se converte em pedra de escndalo para muitos. Disse Bento XVI que a Igreja vive constantemente da efuso do Esprito Santo, sem o qual ela esgotaria as prprias foras, como uma barca a vela qual faltasse o vento. O Pentecostes renova-se de modo particular em alguns momentos fortes, tanto a nvel local como universal, em pequenas assembleias ou em grandes convocaes... Mas a Igreja conhece numerosos pentecostes que vivificam em comunidades locais: pensemos nas liturgias, em particular nas que foram vividas em momentos especiais para a vida da comunidade, nas quais a fora de Deus se sentiu de modo evidente, infundido alegria e entusiasmo nos coraes. Pensemos em tantos encontros de orao, nos quais os jovens sentem claramente a o chamado de Deus a enraizar a 25. sua vida no seu amor, tambm consagrando-se inteiramente a Ele. Portanto, no h Igreja sem Pentecostes... (Bento XVI, Regina Caeli, 23.05.2010) Esprito de Deus, enviai dos cus, um raio de luz! Vinde, Pai dos pobres da aos coraes vossos sete dons. Consolo que acalma, hspede da alma, doce alivio, vinde!... Dai vossa Igreja, que espera e deseja, vossos sete dons. Esta sequncia que cantamos na liturgia desta festa, antes da proclamao do evangelho, um dos hinos e oraes mais fervorosamente rezados pelos cristos. uma orao que, rezada com devoo e amor, nos d paz interior, consolo e descanso na difcil caminhada por este mundo. O Esprito Santo, quando se apodera de uma alma crist, a ilumina e vivifica. A vida da alma crist o Esprito Santo, porque nos fortalece quando estamos fracos, nos enche quando nos sentimos pobres e vazios, nos d luz e calor quando estamos apagados e frios, nos orienta e cura sempre nosso corao enfermo e desorientado, muitas vezes perdido e abandonado. O ser humano por natureza, um ser demasiado egosta e frgil. Se nos deixamos arrastar por nossos instintos mais primrios camos facilmente em atitudes e comportamentos mais animais que espirituais. Necessitamos a fora do esprito, a graa e a fora do alto, para nos sobrepor s tentaes do mal. Para conseguir isto necessitamos que o Esprito Santo nos encha por dentro, seja o doce hspede da alma, brisa nas horas de fogo, alegria que enxugue as lgrimas, dom, em seus dons esplndidos. Peamos nesta festa de Pentecostes, que o Esprito Santo seja a gua viva que regue nossos coraes tantas vezes ridos e secos; Que com seu amor, guie e encha nossos coraes quase sempre inquietos e insatisfeitos.Vinde Esprito Santo! Bibliografia: Textos e referncias bblicas: Bblia de Jerusalm. So Paulo, Paulus, 200.2 Casarin, Giuseppe (Org.) Lecionrio Comentado, Quaresma Pscoa. Lisboa (Portugal) Paulus, 2009. Cantalamessa, Raniero. O Verbo se faz Carne, reflexo sobre a Palavra de Deus A,B.C. So Paulo, Ave Maria, 2012. Amor marca indelvel do cristo Estamos neste V Domingo da Pscoa no evangelho de Joo (cf. Jo 13, 31-35) na ltima ceia de Jesus e seu discurso de despedida, seu testamento aos seus discpulos: Dou-vos um mandamento novo: que vos ameis uns aos outros. Como eu vos amei, amai-vos tambm uns aos outros. (v. 34) A eucaristia celebrada hoje luz deste mandamento novo adquire uma fora toda especial: o encontro com a fonte daquele amor novo e a manifestao daquela nova comunidade que Jesus imaginou. A ltima ceia de Jesus com seus discpulos ficaria gravada em suas mentes e em seus coraes. O redator do evangelho de Joo sabe que aquela noite foi especialmente significativa para Jesus, 26. no tanto para os discpulos, que somente a puderam recordar e recriar a partir da ressurreio, como a contemplamos neste tempo pascal. Joo o evangelista que mais profundamente tratou esse momento, mesmo no descrevendo nele a instituio da eucaristia, preferindo outros sinais e outras palavras, certo que j se conheciam as palavras eucarsticas dadas pelos outros evangelistas. Sabe-se que para Joo a hora da morte de Jesus a hora da sua glorificao, por isso no esto presentes os indcios de tragdia. A sada de Judas do cenculo (v.30) desencadeia a glorificao, no a tragdia, mas sim o prodgio do amor consumado: Tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os at o fim. (v.1) Jesus veio para amar e este amor se faz mais intenso frente ao poder deste mundo e ao poder do mal. Na realidade esta no pode ser mais que uma leitura glorificada da paixo e entrega de Jesus, que a pscoa da ressurreio que celebramos nos permite fazer. E no se pode fazer outro tipo de leitura da que fez o prprio Jesus e das razes pelas quais a fez. Por isso, falar apenar da paixo e crueldade do seu sofrimento no leva lugar nenhum. O evangelista entende que isto experimentou Jesus, por amor. Ele deu a sua vida e assim deve ser vivido por seus discpulos. Ou algum duvida que o que fez Jesus na cruz foi uma prova de obedincia de amor ao Pai por todos ns? O amor foi o culpado do que se passou no Glgota. Com a morte de Jesus aparecer a glria de Deus comprometido com Ele e com sua causa. Por outro lado, Ele j nos est preparando, como aos discpulos, para o momento de passar da Pscoa a Pentecostes; do tempo de Jesus ao tempo da Igreja. lgico pensar que naquela noite em que Jesus sabia o que poderia passar tinha que preparar os seus para quando no estivesse mais presente. No os havia chamado para uma guerra e uma conquista militar, nem contra o Imprio de Roma. Os havia chamado para a guerra do amor sem medida, do amor consumado. Por isso, a pergunta que devemos fazer : Como podem identificar-se no mundo hostil aqueles que lhe seguiram e os que lhe seguiro? Nisso conhecero todos que sois meus discpulos. (v. 35) Ser cristo, discpulo ou discpula de Jesus, amar uns aos outros. Esse o catecismo que devemos viver. Tudo o mais encontra sua razo de ser nesta lei suprema da comunidade que Jesus imaginou para seus discpulos, Igreja casa do amor fraterno. Tudo o que no seja isso trair, abandonar como Judas, a comunho com o Senhor ressuscitado e desistir da verdadeira causa do evangelho, desistir e assassinar o amor. Sempre nos ronda a tentao de confundir o sinal de identidade dos discpulos de Jesus. Temos posto demasiadas normas, algumas muito pesadas e outras um tanto discriminatrias, onde s devia estar o amor. Cumprir mandamentos no resulta de todo difcil; ficar no exterior, na superficialidade muito cmodo. A raiz e o centro, a razo de nossa f exclusivamente o amor: o que experimentamos de Deus, Ele nos amou primeiro o que vivemos com paixo e exigncia. Frequentemente confundimos o amor com a sensao de estar bem, estar gostando, uma experincia meramente sensvel, afetiva, superficial. Essa que quando aparecem as dificuldades surpreendentemente desaparece. No o amor o antdoto que tira a dor. A vida humana corre paralela a essas duras realidades, que a vo marcando. Deus, a adeso a Ele, no evita o sofrimento: o Reino no se accede sem ser curtido humanamente na dor ou na dificuldade. O amor no uma ideia, nem se reduz a um sentimento, mas se traduz em atitudes, em aes, neste caso em testemunho. O testemunho da experincia de amor que foi a entrega de Jesus na cruz e sua ressurreio h de traduzir-se no amor entre os discpulos desse Cristo. E dessa nova forma de amar que Ele nos fala hoje. 27. O amor no pode ser mandado; em definitivo, um sentimento que pode existir ou no, mas no pode ser criado pela vontade... (Deus) amou-nos primeiro e continua a ser o primeiro a amar- nos; por isso, tambm ns podemos responder com amor. Deus no nos ordena um sentimento que no possamos suscitar em ns mesmos. Ele ama-nos, faz-nos ver e experimentar seu amor, e desta antecipao de Deus pode, como resposta, despontar tambm em ns o seu amor. No desenrolar desse encontro, revela-se com clareza que o amor no apenas um sentimento. Os sentimentos vo e vm. O sentimento pode ser uma maravilhosa centelha inicial, mas no a totalidade do amor... prprio da maturidade do amor abranger todas as potencialidades