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  • Edio:

  • POR

    FRANCISCO MANUEL ALVES, ABADE DE BAAL

    BRAGANAMEMRIAS ARQUEOLGICO-HISTRICAS DO DISTRITO DE BRAGANA

    TOMO VIII

    NO ARQUIVO DE SIMANCAS

    A RESTAURAO DE 1640NO DISTRITO DE BRAGANA

  • TTULO: MEMRIAS ARQUEOLGICO-HISTRICAS DO DISTRITO DE BRAGANA

    TOMO VIII - NO ARQUIVO DE SIMANCAS. A RESTAURAO DE 1640 NO DISTRITO DE

    BRAGANA

    AUTOR: FRANCISCO MANUEL ALVES, ABADE DE BAAL

    COORDENAO GERAL DA EDIO: GASPAR MARTINS PEREIRA

    REVISO DESTE VOLUME: FRANCISCO RIBEIRO DA SILVA

    UNIFORMIZAO BIBLIOGRFICA: MARIA SARMENTO DE CASTRO

    EDIO: CMARA MUNICIPAL DE BRAGANA/INSTITUTO PORTUGUS DE MUSEUS MUSEU

    DO ABADE DE BAAL

    EXECUO GRFICA: RAINHO & NEVES, LDA./SANTA MARIA DA FEIRA

    ISBN: 972-95125-9-0

    DEPSITO LEGAL: 152080/00

    OBRA CO-FINANCIADA PELO PRONORTE, SUBPROGRAMA C

    JUNHO DE 2000

  • AOS GRANDES MECENAS

    DR. ANTNIO AUGUSTO PIRES QUINTELA

    DR. ANTNIO FRANCISCO DE MENESES CORDEIRO

    JOS ANTNIO FURTADO MONTANHA

    DR. JOS VAZ DE SOUSA PEREIRA PINTO GUEDES BACELAR

    DR. RAUL MANUEL TEIXEIRA

    DR. VTOR MARIA TEIXEIRA

    O.D.C.

    O AUTOR

    PADRE FRANCISCO MANUEL ALVES

  • M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    INTRODUO

    FRANCISCO RIBEIRO DA SILVA

    Este volume VIII aglutina dois corpos, dos quais apenas o pri-meiro saiu publicado nas anteriores edies das Memrias, masque nesta nova edio se julgou indicado juntar, cumprindo alisuma vontade expressa do Autor: o primeiro o texto-relatriosobre um projecto de investigao que levou a cabo no Arquivocastelhano de Simancas; o segundo, o ensaio sobre a Guerra daRestaurao, o qual se achava originalmente no volume III dosAnais da Academia Portuguesa da Histria Ciclo da Restaura-o de Portugal, publicado em 1940.

    No primeiro corpo, dedicado em grande parte ao referidoArquivo Geral de Simancas, o Padre Francisco Manuel Alves, logono incio, faz uma descrio pormenorizada da viagem que olevou de Bragana quela vila castelhana, aonde se dirigia paracumprir um programa de pesquisa subsidiado pela Junta de Edu-cao Nacional e de que resultou um til trabalho publicado nessemesmo ano de 1931 na Revista de Coimbra O Instituto sob ottulo Catlogo dos manuscritos de Simancas respeitantes His-tria Portuguesa.

    Todos os investigadores portugueses que pensam trabalharnaquele importante Arquivo castelhano lucraro muito em termosde poupana de esforos e de tempo se prepararem a misso com aconsulta prvia ao inventrio do Abade de Baal. Ns prpriospodemos testemunh-lo. Alis, convm lembrar que o Arquivo for-nece muito material no s para o perodo da dominao filipina

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    em Portugal mas tambm, ainda que em menor quantidade, parapocas anteriores e posteriores.

    Neste texto, o Abade de Baal, para alm de senhor de culturavasta e de profunda informao histrica, mostra uma telricaatraco pela natureza e invulgar capacidade para reter e trans-mitir aos leitores a viso emocionada dos aspectos pitorescos ebuclicos da paisagem. O seu interesse pelos lugares histricos emonumentos da arte religiosa, construdos pelos antepassados, aevocao minuciosa dos feitos antigos, a descrio dos pormeno-res fazem deste captulo um verdadeiro itinerrio e guia de via-gem. Astorga, Valladolid, Simancas, Tordesilhas, Zamora, Bena-vente foram estaes marcantes nesse roteiro magnfico de ida evolta.

    Noutra ordem de ideias, no menos notvel a expresso dasua alegria de viver e de conviver e de partilhar os seus conheci-mentos e emoes com companheiros conhecidos e desconhecidos.A exaltao da amizade outra nota forte que contagia o leitor.E, como no podia deixar de ser, merece especial ateno o entusi-asmo com que o bom do Reitor se entregou s tarefas de pesquisadocumental no Arquivo, esquecendo os males dos olhos e da bexigaque lhe vinham de longas viglias de estudo.

    Para este volume, Francisco Manuel Alves seleccionou docu-mentos alusivos s vicissitudes histricas da cidade de Bragana,nomeadamente s circunstncias de 1580, que demonstram opatriotismo das gentes e o entranhado amor Terra por parte dequem os transcreve. Mas a sua viso da histria no cega e obce-cada! Se muitos afirmaram ento o seu portuguesismo, no faltouquem facilmente se passasse para o outro lado. Desses tambmficou memria na recolha do Abade de Baal, memria, alis,pouco gloriosa na pena do Autor.

    Sublinhe-se, mais uma vez, o juzo severo do Abade de Baalcontra os que, durante o perodo filipino, receberam benesses e aderiram ao partido do rei castelhano. Os seus nomes aparecemem lista extensa publicada a pginas 54 e seguintes. O que se pas-sou em Bragana, verificou-se em muitas outras terras do reino.

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    Mas chamar degenerados a todos esses parece-nos um exagerofundamentalista.

    Algumas recolhas do Abade de Baal devem ser sublinhadaspor ainda hoje serem desconhecidas ou pouco relevadas pelos his-toriadores. Referimo-nos a alguma animosidade que marcou asrelaes entre raianos portugueses e espanhis aps a concluso dapaz em 1668. So disso exemplo os motins de estudantes portu-gueses em Salamanca em 1675 (pginas 12 e 41) e os documentossobre a atitude de Bragana na conjuntura de 1580. So docu-mentos que interessam histria local, mas so demasiado incisi-vos para que a atitude patritica (ou antipatritica) de muitosbragananos no seja valorizada quando se escreve (ou reescreve)a histria de Portugal deste perodo.

    Reputamos de grande interesse para os investigadores as nume-rosas referncias biobibliogrficas de Autores e personalidades daterra de Bragana e de Trs-os-Montes em geral. E como podera-mos deixar de enaltecer os contributos do Abade de Baal para ahistria genealgica e para a corografia?

    Parece-nos dever sublinhar ainda o interesse do Autor para otema dos Ciganos, destacando sobretudo o conhecimento do voca-bulrio usado pelos dessa etnia com a traduo em portugus cor-rente.

    Finalmente, o Abade de Baal no hesita em tomar posio sobreproblemas do seu tempo e da sua Igreja. Na pgina 111 manifesta--se contra o sistema medieval das recepes solenes e hospedagemem casa dos Procos aos Bispos que viessem cumprir a obrigaodas visitaes. E numa nota a propsito de D. Lus Antnio deAlmeida, Bispo de Bragana, critica o facto de a Igreja escolher parao episcopado demasiados padres minhotos em prejuzo dos tras-montanos que no eram menos dignos. Curiosamente no umbairrismo de banda estreita que move o Abade, mas sim a consci-ncia de que minhotos e trasmontanos so diferentes, sendo difcilpara um Bispo forasteiro a adaptao psicologia dos autctones.

    No segundo corpo deste volume, o Abade de Baal trata, comodissemos, da Guerra da Aclamao ou da Restaurao, como

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    mais conhecida. Importa, antes de mais, lembrar que estas mat-rias foram desenvolvidas pelo Autor noutras oportunidades, espe-cialmente no volume I desta obra. A encontra o Leitor os nossoscomentrios crticos sobre o modo como o tema encarado e apre-sentado, bem como uma resenha da bibliografia que ultimamentefoi publicada sobre tais matrias. No parece necessrio repetiraqui o que ficou escrito.

    Nestas longas pginas consagradas expressamente Restaura-o no Distrito de Bragana, distinguimos tambm duas partes,constituindo a primeira uma introduo segunda, compostoem grande parte por transcrio de documentos seiscentistas, masno s.

    O posicionamento terico do Abade de Baal j havia sido evi-denciado no primeiro volume: os acontecimentos so analisados luz de uma perspectiva patritica. Entende-se assim que ele falede uma mstica da Restaurao e que exalte, sempre que possvel,o comportamento do grupo social a que pertencia: o clero. Mas,quanto a este pormenor, tenta no ser faccioso, pois critica as ins-tituies eclesisticas quando no foram suficientemente to generosas quanto a conjuntura o exigia. De qualquer modo, o amor Ptria por parte do nosso Autor s poderia ser considerado umpecado se, por causa disso, ele deturpasse os factos. O que noparece ser o caso.

    Outra perspectiva epistemolgica susceptvel de crtica a suaviso moralista da vida e da histria que o leva a insinuar juzodesfavorvel acerca das circunstncias do primeiro casamento deD. Pedro II.

    Para alm desse pormenor, o Abade, que era claramenteadepto do rigor e da verdade, prope correco de erros correntesrelativos a ocorrncias da histria local que, no sendo graves,deixavam mal colocadas, precisamente sob o ponto de vista defidelidade Ptria, alguns trasmontanos. As despesas da guerra,o papel dos banqueiros no financiamento da mesma, a desolaode Portugal por ver que as suas Dioceses iam ficando sem pastordevido recusa de Roma em confirmar as nomeaes feitas so

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    outros aspectos que convm realar. Por essa razo, seria redutoratribuir a este volume apenas interesse local. a histria dos pro-blemas conjunturais do reino que perpassa por estas pginas,independentemente de muitos dos personagens serem, de facto,bragananos.

    Outro mrito que se lhe deve creditar o da luta pela recupera-o e manuteno do Patrimnio, luta essa que reaparece com fre-quncia nas suas pginas. Patrimnio monumental, como castelose pelourinhos, mas no s. Tambm o seu esforo pela recolha eleitura de epgrafes, pela preservao documental e pela sua conservao em local seguro deve ser sublinhado, assimilado eprosseguido.

    Quanto segunda parte, impressionante o nmero de docu-mentos que ele transcreve. E, contrariamente ao que o ttulopoder deixar perceber, no so apenas papis da Restaurao queaqui so recolhidos. Tambm da Idade Mdia, a comear peloForal de Outeiro de 1271, em latim.

    Como em todas as coleces do gnero, a valia da documenta-o no toda igual. Se h algumas peas de interesse diminuto,outras gozam de valia profunda. E, se algumas no tocam senoaspectos regionais, h-as tambm de abrangncia nacional. E, apropsito, sublinhe-se o que sabido mas pouco praticado: no soapenas os Arquivos Nacionais ou das grandes cidades que impe-rioso consultar para a elaborao dos trabalhos de histria. Quasesempre nos Arquivos locais, longe dos grandes centros, se encon-tram verdadeiras preciosidades que podem alterar esteretipos hmuito estabelecidos. Um dos contributos que me parece impor-tante nesta colectnea, susceptvel de oferecer alguma novidade, evidenciar as dificuldades que, na prtica, o pas real mostrou emaceitar pr de p a tributao das dcimas a que se havia compro-metido nas Cortes da Restaurao. A comear pelo Clero que,invocando ancestrais imunidades e privilgios, tardou a aceitar osistema. Alis, nas Cortes de 1641, o estado eclesistico ofereceuum subsdio em vez da dcima. O comportamento da nobreza noter sido muito diferente e at o de algumas Cmaras. O que pode

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    pr em causa a autenticidade do sentimento ptrio to ampla-mente proclamado na documentao.

    Quanto apresentao dos documentos, embora se vislumbrealguma preocupao de ordenao cronolgica, por vezes h mis-turas diacrnicas a que convm estar atento.

    Os temas em concreto contemplados pelos flios reproduzidosso muito variados, pelo que uma inventariao sempre lacu-nar. No entanto, destacarei pela sua importncia os CaptulosParticulares de Bragana s Cortes de Tomar de 1581. Tantoquanto nos foi dado averiguar, no restam muitos dos CaptulosParticulares ou Especiais dos quase cem Concelhos que tinhamlugar nas Cortes. O que a confirmar-se uma perda lamentvel.

    Outros itens repetidos: episdios locais marcantes da guerra daRestaurao, despesas e financiamento da mesma, financeiros ebanqueiros, alguns dos quais judeus, figuras trasmontanas e respectivos cargos, evoluo da guerra, o problema dos invlidosda guerra, notas sobre a vida quotidiana das cidades de Braganae Miranda do Douro, posio do Duque de Bragana na questoda sucesso dinstica em 1580, o ambiente pr-revolucionrio de1637, aclamao de D. Joo IV, morte de sua mulher e de seu filhoD. Teodsio, averiguaes sobre pretensos sinais miraculosos queindiciavam vitria das armas de Portugal. Merecem ainda desta-que as actas da vereao Municipal de Bragana e respectivas pos-turas municipais. A questo das dcimas eclesisticas aqui abun-dantemente documentada. Refira-se, por ltimo, a insero ines-perada, j no final do volume, de informaes sobre as comemora-es dos centenrios executadas em 1940, bem como as persona-gens trasmontanas envolvidas.

    A bibliografia sobre as Guerras da Restaurao abundants-sima, como sabido. Apesar disso, a documentao inventariadae transcrita pelo Abade de Baal pode trazer algumas novidades,sobretudo de incidncia regional.

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    IMPRESSES DE VIAGEM

    Por iniciativa da trilogia regionalista Raul-Quintela-Mon-tanha (1) fui, em Junho de 1931, subsidiado pela Junta de Edu-cao Nacional, estudar no Arquivo de Simancas (Espanha) adocumentao histrica referente ao distrito de Bragana.Aproveitei a viagem, embora rodeando algo, para visitar ter-ras relacionadas com o mesmo distrito. Os amigos, PadreManuel Jos da Ressurreio Palmeiro, Padre ManuelDomingos Afonso Tiza e D. Manuel San Roman y SanRoman, proco de Calabor (Espanha), prestaram-se gentil-mente a acompanhar-me na viagem a fim de me atenuar osaborrecimentos do caminho e as saudades da ptria.

    Em Calabor, primeiro povoado espanhol onde entramos,a estrada deixa o aspecto ameno das margens do Sabor lade-adas de castanheiros, choupos e negrilhos gigantes, proma-nados de frteis veigas desde Bragana, e ataca, a meia ladeira,serpenteando, ziguezagueando, fugindo das urretas e crre-gos profundos, os contrafortes da serra do Montesinhocobertos de urzes, salpicados de fragueiros alcantilados que,escalonando-se, sustentam o taboleiro em que assenta a vilada Puebla de Sanabria, onde brevemente nos apresenta o hbilchauffeur Francisco Dias. Uma rpida vista de olhos ao Cas-

    (1) Dr. Raul Manuel Teixeira, juiz de direito, servindo de secretrio geral do Governo Civil de Bra-gana; Dr. Antnio Augusto Pires Quintela, reitor e professor do Liceu Emdio Garcia, de Bragana;e Jos Antnio Furtado Montanha, director da Agncia do Banco de Portugal em Bragana.

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    telo, evocando de passo a coragem dos nossos que a toma-ram a primeira guia napolenica, outra s interessantes cari-tides adossadas s arcaturas da porta da igreja matriz, not-veis pelos subsdios que prestam indumentria medieva;um momento de recordao s aldeias de Ermisende e Tejera,que no quiseram regressar a Portugal nas Guerras da Acla-mao, segundo dizem os escritores espanhis (2); ao conventode S. Martinho da Castanheda, que tanta influncia exerceuem terras bragananas (3), e rpido o automvel investe con-tra novos contrafortes, agora da serra Segundera.

    Passam povoados e povoados, mais urzes, mais urretasescuras, alguns carvalhos e terrenos cultivados, uma vinhaem tentativas de aclimatao; passa Anta de Conejos, queevoca os tempos neolticos; surge Castro Contrigo, outrareminiscncia arcaica, e paramos na fonda a ichar un vaso aosom de estrdulas gargalhadas dos hospedeiros, provocadaspelas blagues referentes nossa viagem. Eia avante! maisurzes, mais urretas com alguns carvalhos, sempre contrafor-tes, agora del Teleno justapondo-se a fim de sustentar os plai-nos de Astorga, um grandioso e extenso pinheiral e eis que avelha Astrica dos romanos, a notvel chancelaria do povolatae rege, a estao trminus das cinco estradas militares, quede Portugal para ela convergiam, uma das quais passandopela nossa Bragana (4), surge a nossos olhos! Astrica! Ast-rica! quantum mutatam es ab illa!

    Vimos a S Catedral, amlgama hbrido de estilos; o pal-cio episcopal em construo, muito interessante, mas quecertamente se no concluir; o museu arqueolgico, pobrs-simo, apesar de estar numa terra to notvel pela civilizao

    (2) GOMEZ-MORENO, Manuel Catalogo Monumental de Espaa Zamora, 1927, tomo 1, p. 23.(3) Ver tomo 2, p. 273, destas Memrias.(4) Esta estrada no devia passar em Castro Contrigo, como alguns querem, mas talvez em Santi-ago de Millas, a julgar do apelido.

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    romana de que deve restar avultada documentao, masfalta carinho para a recolher; os novos quartis militares emconstruo, obra grandiosa; o seminrio onde reside obispo, que tivemos de cumprimentar. Pareceu-me arguto,sensato, despido de utopias segur, incapaz de correr afoguetes. Discreteou sobre a orientao poltica da jovemrepblica espanhola; inquiriu da marcha catlica portu-guesa e, concentrando-se nas meias tintas da diplomaciaprotocolar para logo falar do pouco carinho astrico nocoleccionamento das relquias arcaicas e da papelosa doArquivo de Simancas, despediu-nos deixando-nos as melho-res impresses.

    Ainda nesse dia fomos dormir a Leo, onde chegmos comalgum sol e jantmos ou, melhor, cemos, porque verdadei-ramente apenas tnhamos tomado o pequeno desenjun deCastro Contrigo. Vimos a S Catedral, esplndido monu-mento gtico, os seus soberbos e extensos vitrais, o cadeiradodo coro, grandiosa obra de talha repuxada, em castanho. Quebeleza! que primor de arte! que fecndia nos motivos orna-mentolgicos! Nem falta por entre a figurao da simblica eiconografia crist a nota brejeira da realidade etnolgica, toquerida dos artistas romano-gticos. L est um esculpio acurar a clica miserere de uma padecente com injeces devento insuflado pela via rectal com um fole; uma Julieta a iarpara a sua janela, por meio de uma corda, o seu Romeu e umavizinha curiosa a assomar espreitona da prxima betesga;outro mdico em palpaes abdominais a uma doente emdelquios; uma solteirona de rosto inflamado e veias intu-mescidas sobre uma bacia de cama, em puxos veementes,genialmente traduzidos em todo o seu jogo fisionmico, nansia de aliviar os intestinos renitentes; o diabo feito frade adar conselhos no confessionrio a um penitente.

    Vimos Santo Isidoro, grandiosa salgalhada de estilos, mas

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    imponente; o panteo dos reis astur-leoneses; os frescos daabbada; a bestria interessante dos capitis romnicos.

    Vimos S. Marcos cheio de galas platerescas que, emboraadmirem pela pacincia artstica, ferem a esttica pela profu-so ornamentolgica. Nos claustros deste antigo conventoest instalado o museu arqueolgico. Tem valor; a terra ricaem tradies romanas e mesmo deve o nome a uma daslegies. Entre as epgrafes admirmos algumas votivas adivindades regionais e outras funerrias toponmicas, degrande merecimento etnolgico e lxico.

    Como entre tantas estelas nos comoveu a de Lcio Cam-plo Paterno, natural da nossa querida Chaves, tenente de umacentria!

    Entre as medievais vimos a campa que cobriu os ossos deD. Semena que, cnica ou angustinianamente, se confessaamante do rei D. Afonso, que grandiosa e gentilmente a sus-tentava vencido da sua formosura e por isso pede que Deus apena defendat. Cinismo? no: brutalidade e sinceridade.

    Vimos em baixo-relevo a Quema de libros, de Juan de Juni,famoso auto-de-f a livros herticos ou como tais supostos,em que o jogo fisionmico dos personagens traduz genial-mente, nuns a pirronice asinina e inconsciente com que lan-avam ao fogo indistintamente bom e mau, noutros a dorcompassiva, a repulso por tanta estupidez.

    Vimos uma interessante escultura de Nossa Senhora gr-vida; uma imagem de Cristo na cruz, notvel obra de arteromnica, mas a mente ficou-nos numa bela cabea de S. Fran-cisco de Assis, naquele olhar cheio de vigor expressivo, de visointerior, reflexo de outra esparsa num infinito inacessvel, numinfinito que s o poverelo v: ficou-nos naquela fronte larga,insinuante, inteligente, onde a artrio-esclerose releva a circu-lao do sangue por forma a ver-se correr nas veias!

    Vimos o mercado de gados, j coberto em parte, obra

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    grandiosa no seu gnero. E finalmente vimos no hotel apuxada conta das pesetas.

    No dia seguinte, s quinze horas, ou seja s trs da tarde,depois de almoar, samos para Valladolid, onde chegmos ssete, tendo apenas parado numa fonda, j perto da cidade,afim de apanharmos o chapu, arrebatado da cabea pelovento, e aproveitado a descida para ichar una botella de cer-veja, bem necessria por ser grande o calor.

    Valladolid grande e rica, mas arquitectonicamente muitoinferior a Leo, embora a exceda em edifcios modernos, queos tem grandiosos. A S Catedral nem merece meno e S.Gregrio e S. Pablo so dois montes de plateresco. Graciosoo jardim, a alameda com sua gruta e lago artificiais para olado sul da cidade, onde, s tardes, brinca, imprimindo lacrenota tpica, uma legio de nios por entre carrinhos levescomo mariposas empurrados por hermosas nieras, nosquais, deitados, se alegravam com as frescas sombras otrosniicos de pecho, que, por no poderem ainda saltitar, de carroassistiam folgana.

    escusado dizer que pelas sinuosidades dos passeios senoivava com franqueza castelhana, fazendo lembrar umpouco os bosques sagrados de Gnide e Pafos, a quem ignoraque aqui os prologmenos nupciais se arrastam por largosanos sem maldades de maior, como diz Cervantes a prop-sito das damas que acompanhavam os cavaleiros andantespor montes e vales.

    Passa um saimento fnebre! quatro ou mais palafrens delonga cabeleira grisalha, empoada, chapu bicrnio, vstiacampaniforme, com mangas de bota, guarnecida de longaabotoadura, calo, meias e sapatos de fivela, ladeiam o cochecondutor do cadver e pegam s rdeas dos cavalos que oconduzem semelhando uma cavalgada senhoril do sculoXVII. E carpideiras oficiosas fingem lgrimas e entoam

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    nnias. Valladolid tem um importante museu de Belas Artes,e, nos tempos passados, exerceu, bem como outros centrosespanhis, certa influncia artstica sobre a regio bragan-ana. O bispo de Miranda D. Frei Joo da Cruz, na visita pas-toral de 29 de Setembro de 1753, diz que muitas imagens deSantos esto mal feitas no infundindo por isso piedade;manda-as reformar dentro de cinco anos devendo ser todasde talha dourada e estofadas, podendo ser feitas na cidade deValladolid, onde, nesse gnero, se trabalha mais perfeita-mente, com olhos de cristal (5).

    No dia seguinte marchmos para Simancas, nove quil-metros distante, onde estacionei. Ao despedir-me de to am-veis camaradas, fui invadido por uma grande presso que meoprimia tirando-me a respirao, mas em breve a riqueza dofamoso Arquivo me fez esquecer tudo, mesmo a oftalmia e ossofrimentos da bexiga que l contra nas longas e assduasinvestigaes em milhares e milhares de documentos de mgrafia.

    A medieva vila de Simancas, como todos os povoadosarcaicos, est empicotada sobre um cabeo margem doescuro Pisuerga, sempre de guas barrentas, que perto dolocal onde se feriu a famosa batalha de Simancas entra noDouro. sua histria nada h a acrescentar porque contaabundantssima literatura (6). Segundo a lenda, o seu nomederiva de sete mancas (Septimancas-Simancas) que cortaramas mos para no irem povoar o harm do rei mouro (7).

    O Arquivo, velho palcio senhorial medievo, passou porcompra, a priso de Estado, antes do actual destino. Foi tea-tro de grandes tragdias, entre as quais avultam as execues

    (5) Tomos 2, p. 162, 4, p. 528, e 6, p. 200, 276, 429, 590 e 623, destas Memrias Arqueolgico-Histricas.(6) Ver RODRIGUEZ MARIN, Francisco Guia Historica y Descriptiva de los Archivos, Bibliothecas eMuseos Arqueologicos de Espaa, 1916, p. 129 a 373 onde se compendia quanto h referente aoassunto, citando-se toda a bibliografia respectiva.(7) Lenda igual temos ns, os bragananos, em Chacim, Espadanedo e Rebordos.

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    do baro de Montigny e dos comuneros D. Pedro Maldonadoe D. Antnio de Acuna, bispo de Zamora, clebre pela cora-gem com que presidiu ao seu prprio ofcio fnebre, ento-ando as antfonas litrgicas e dando as absolvies respecti-vas. Ainda hoje conhecido por Cubo do Bispo o torreoonde esteve preso e l se conservam os ganchos de ferro ondeo enforcaram. Consta de cinquenta e quatro salas alinhadasnum quadriltero disposto segundo o costume monacal comlargo descoberto ao centro, guarnecido de cubos e alta torre.Serve-lhe de resguardo exterior larga e alta muralha coroadade torrees, tudo defendido por casa-matas salpicadas decanhoneiras e seteiras, por um fosso e por outro muro exte-rior.

    Como a regio, embora conte algumas matas, extrema-mente desarborizada, falha de fragueiros e consequentementede pedra, donde o serem de adobes secos ao sol a maior partedas habitaes, no tempo da criao as paredes servem degeniceu a milhares e milhares de pssaros que vm nidificaraos seus telhados, beirais e fendas dos muros. Entre estemundo voltil, que constantemente adeja em nuvem espessaante o estabelecimento, destacam-se pombas, estorninhos,andorinhas, pedreiros, zirros, pardais, carrapites, patachinse mil outras avezinhas que tm por hbito prolificar em bura-cos, bem como gavies (gaviluchos, como l dizem), e, coisacuriosa, estes, apesar de serem aves de rapina e de devoraremtodas as espcies acima mencionadas, nenhum dano lhesfazem nos arredores do Arquivo e vo ao campo, l paralonge, procurar suas presas, como muitas vezes observeivendo-os passar inofensivos por espessos bandos da maispassarada! Instinto da necessidade e da maternidade?

    Em frente, preside ao cenculo um casal de cegonhas dep sobre o rebordo do ninho feito no cimo de uma torre daigreja paroquial, palestrando talvez sobre assuntos domsti-

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    cos, cascalhando, soltando de quando em vez estalidos comode pancadas no jogo do pau e olhando senhorilmentesobranceiras para o povilu humano que formiga c embaixo e para o povilu voltil, que muito em baixo tambmlhe fica. Rara a torre de igreja em terra de Castela e mesmoda nossa de Miranda, que etnograficamente castelhana , oumelhor mirandesa, galaica, aquela desde o Esla para c, jdesde a poca neoltica (8), que no tenha a coro-la um ninhode cegonha; o povo, que tem por elas respeito sagrado, dizat que propositadamente os arquitectos ajeitaram os toposdesses monumentos a fins nidificadores dessas aves ou osconstruram de novo quando no era possvel adapt-los.Enfim, restos do culto totemista com vestgios do ibis egp-cio, representado aqui por sua prima, a cegonha.

    No regresso a Portugal vi Tordesilhas, onde a memria dotratado em que o nosso pas e Espanha dividiram para si oNovo Mundo, me surgiu epopeicamente deslumbrante; pas-sei por Toro, que me recordou o nosso rei D. Afonso V e a bata-lha a ferida para sustentar os direitos de sua sobrinha D. Joana,a Excelente Senhora, como os portugueses justamente dizem,maldosamente apodada de Beltraneja pelos espanhis.

    Com que avidez lancei os olhos para aquelas enormes pla-ncies cata do local onde estacionariam as hostes do nossorei e de seu filho, depois D. Joo II, cata do local onde ofamoso Decepado segurou nos dentes as quinas portuguesas!As reminiscncias histricas no me deixaram ver os edif-cios artsticos de Toro, apesar de interessantes. Fugi paraZamora, sempre com a imagem da Excelente Senhoraimpressa na mente, aureolada por aquela ingenuidade bon-dosa cheia do palor triste das grandes desventuras, caracte-rstico dos seus retratos, em que a lanou a ambio de sua

    (8) HOERNES, Moritz Pr-histria, 1926, tomo 2, p. 69.

  • IXIMPRESSES DE VIAGEMTOMO VIII

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    tia, Isabel, a Catlica, roubando-lhe o reino com a conivnciade seu primo D. Joo II.

    Pelo esprito perpassou-me a justia imanente que flage-lou os primaciais colaboradores da iniquidade ou que delaauferiram proventos. Era o nosso rei D. Joo II que via mor-rer tragicamente o filho, sua nica esperana, numa mseracabana de pescadores, enquanto ele mesmo no morria aban-donado por todos, incluindo mesmo a mulher, consumidopela certeza de que a sua coroa, objecto de to desregradasambies, ia passar a quem s tinha motivos para lhe amal-dioar a memria.

    Era Isabel, a Catlica, apesar da assombrosa grandiosidadeda sua aco poltica, que via morrer precocemente os filhos, excepo de Joana, a Louca, que, para seu flagelo, durantequarenta anos, andou, ali em Tordesilhas, perto do local ondese consumou a injustia, pela batalha de Toro, a bater com acabea pelas paredes do manicmio.

    Eram o filho desta e o neto, respectivamente Carlos V eFilipe II, apesar do enorme poderio adquirido, a verem mor-rer no verdor dos anos, de desastre a bem dizer, as amadasesposas portuguesas e a consumirem-se no fogo lento de umconstante flagcio domstico, sem um alvio que represen-tasse afeco carinhosa.

    Era, enfim, a raa precita a esfarelar-se em rebentos dege-nerados, at que o ltimo, Carlos VI, o Enfeitiado, parvo detodo, morria em 1700, obcecado pela monomania dos exor-cismos e dos feitios!

    Foi assim devaneando, sonhando, que acordei em Zamora,onde aproximei as datas dos documentos adiante citadosreferentes intriga da Excelente Senhora.

    O roubado no luz, segundo diz o rifo popular. O mal contraproducente, diz Papini. Mesmo com boa inteno,recai sobre o seu autor. Que se trate de naes, de famlias ou

  • IMPRESSES DE VIAGEMTOMO VIII

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    de indivduos, um primeiro crime causa expiaes e castigos,que se distribuem entre ofensores e ofendidos, com umaimparcialidade sinistra.

    Zamora uma relquia de arquitectura romnica exempli-ficada nas igrejas de S. Tom, S. Cibro, Santa Maria, S. Tiago,S. Cludio, Madalena, etc., onde as decoraes e os capitishistoriados pululam exuberantes. A S Catedral, apesar davariedade de estilos que apresenta, encantadora pela cpulade feio bizantina. As grades do coro em ferro forjado somodelos de arte gtica e no seu tesouro avultam obras devalor inestimvel, os tapetes persas historiados, as caixas ra-bes profusamente ornamentadas e a custdia monumentalde prata de algumas arrobas de peso.

    As misericrdias do cadeirado do coro so ainda mais des-bragadas, licenciosas e satricas do que as congneres de Leo. de pasmar a audcia das stiras e a lubricidade das cenasesculpidas em relevo! (9).

    Zamora evoca muitas recordaes histricas portuguesasdesde D. Afonso Henriques, que na S foi armado cavaleiro,at s muitas princesas portuguesas que por ali passaram aocasar em Espanha, incluindo os feitos blicos de muitos dosnossos reis, como D. Dinis, D. Afonso V, D. Joo II, etc.

    No quero despedir-me da interessante cidade sem aludir vergonha que para a cultura zamorana a converso que vide uma interessante igreja romnica em carvoaria, como se mentalidade indgena fosse ignoto o valor de tanta arte, e aoapeamento, feito agora ao proclamar-se a repblica, do bustode Frei Diogo Dea do monumento erecto numa praa dacidade.

    Este homem, como lente da Universidade de Salamanca,

    (9) Ver sobre o assunto GOMEZ-MORENO, Manuel Catalogo Monumental de Espaa-Zamora, 1927,tomo 1, p. 114 e seguintes, e tomo 2, gravuras 104 a 110.

  • XIIMPRESSES DE VIAGEMTOMO VIII

    M E M R I A S A R Q U E O L G I C O - H I S T R I C A S D O D I S T R I T O D E B R A G A N A

    como bispo de Zamora, donde transitou para as mais impor-tantes Ss de Espanha, como conterrneo e, sobretudo, comomantenedor dos projectos de Colombo e seu protector anteos Reis Catlicos, quando todos o abandonavam, julgandoirrealizvel a descoberta do Novo Mundo, bem merece que asua memria se perpetue. Mas, adiante.

    Marchemos para Alcanices que se faz tarde, e os amigosJos Antnio Furtado Montanha, Dr. Raul Manuel Teixeira,Dr. Francisco Incio Teixeira Moz, Dr. Manuel da TrindadeGonalves Miranda e Anbal Augusto Teixeira, que ali me vie-ram esperar, podem zangar-se com tanta demora. Lembre-mos apenas que direita ficam Alba de Aliste e Benaventecujos condes tanto se destacaram como corretores mximosna compra de degenerados portugueses em prol de Filipe II eque na mesma regio fica uma larga faixa de povoaes evilas espanholas conquistadas pelos nossos nas guerras de1711, como adiante se ver. Um adeus, s grandiosas obrashidrulicas de Ricobaio; sua monumental ponte de duasordens de arcos sobrepostos e Bragana, Bragana.

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    NO ARQUIVO

    Doao de Bragana em 1398. Posse de Bragana pelos castelhanos em 1580.Resistncia da cidade bandalheira dos tredores. Chicanas dos castelha-nos. Misrias e grandezas dos nossos, cujos nomes se apontam, bemcomo dos que tiveram a honra de ser exceptuados do perdo geral con-cedido por Filipe I.

    O Arquivo de Simancas compreende 61.505 maos de documentos (Lega-jos) e mais 5.196 maos encadernados formando outros tantos volumes, aotodo 66.701 Legajos, dos quais, se bem contei, 921 dizem respeito histriaportuguesa e encontram-se englobados nas seces Patronato Real, Secretariade Estado, Secretarias Provinciales e Camara de Castilla. Ainda alguns lhetocam tambm na Secretaria de Hacienda, Secretaria de Guerra e no TribunalMayor de Cuentas, mas tm pouco interesse.

    Referente ao distrito de Bragana, objecto restrito das minhas investiga-es, h: Doao feita a 4 de Junho da era de 1436 (an. Crist. 1398), por el-reiD. Joo I, de Portugal a Pero Roiz se nos el servir em nos dar a billa de Bra-gana... para el e para todos seus filhos netos e descendentes legitimos que deldescenderem per linha direita da dita billa e seus termos com todas suas Ren-das e dereitos e foros e trabutos e com toda sua jurdiam ivel e crime meromisto imperio... pela giza que a de nos avia Joham Affomso Pimentel e outrossy de todelos bes movis que hi forem achados do dito Johane Afomso e deDona Johane sua molher (10).

    Carta (cpia) de Joo Afonso Pimentel Henriques e Velasquez, conde deBenavente (Espanha), dizendo que a 24 de Julho de 1580, foi em companhiade Joo da Veiga, alcaide e governador da vila de Puebla de Sanbria (Espa-nha), tomar posse da cidade de Bragana, em nome de Filipe II, rei de Espa-nha, mas no a pde realizar por se opor a guarnio militar da mesma e o

    (10) Documento n 1. No tomo 1, p. 303 e seg. destas Memrias, transcrevemos vrias doaes deBragana durante as lutas entre D. Joo I, de Portugal, e D. Joo I, de Castela, mas desta no tivemosconhecimento e supomos que indita.

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    povo amotinado, obrigando-os a fugir, pois t-los-iam morto, se uns fradesno acalmam a ira popular (11).

    No esteve mal a resposta aos dois castelhanos que, cheios de soberbia,vinham lpidos, como em pas conquistado, tomar conta de Bragana, enten-dendo que era s chegar burra e tirar-lhe um plo; saiu-lhes a porca malcapada: tiveram de formalizar-se, de entrar em combinaes, de fazer conces-ses, como consta do documento seguinte.

    Acta da posse da Cmara Municipal de Bragana e do Castelo da cidadepor Joo da Veiga, governador da vila de Puebla de Sanbria, em nome do reiespanhol, a 15 de Setembro de 1580. A Cmara era constituda pelo licence-ado Cristvo Pires, vereador mais velho que serve de juiz, por SalvadorMendes e por Manuel Gomes, licenciado. A posse consistiu em Cristvo Piresentregar a vara de juiz ao Veiga, que logo lha restituiu em nome do rei paracontinuar no exerccio do cargo, bem como os seus colegas. No mesmo acto,pelos camaristas foi dito e pedido ao dito governador que elle em pessoa desua Magestade quizesse conceder todos os privilegios e liberdades a esta cidadee assi os capitulos que se foro tratar a Benavente com o dito Senhor Conde deBenavente (12).

    Mesmo assim as coisas desaguisaram-se; o procurador da Cmara no quisabrilhantar com a sua presena o acto antipatritico, foi-se embora; e no cor-tejo, que seguiu pelas ruas a som de trombetas conclamando a frmula Real,Real pello muito alto e muito poderoso Rei dom Felipe Rej de Portugal fal-tou a bandeira da cidade, escondida evidentemente pelo procurador, tendo dese improvisar outra ad hoc (13).

    Completando esta diverso pelas ruas, relata outro documento a procla-mao e afixao no Pelourinho dos ditos contra D. Antnio, prior do Crato,pondo-lhe a cabea a prego (14).

    Outro documento descreve a posse do Castelo projectada para o dia 18,aps trs dias de folganas, mas o alcaide-mor Lopo Sarmento, a portas afer-rolhadas gritou de dentro aos castelhanos e acastelhanados do squito quepor todo ho dia daria a fortaleza despejada; todavia no deu; fechou aindamais as portas e foi-se embora da cidade, sem dizer para onde, nem indicar olocal das chaves; imitando assim o proceder do procurador da Cmara e con-trariando o castelhano que, na nsia do festejo jubiloso, entendia tudo cur-vado sua omnipotncia, mal supondo que s pelo meio violento do arrom-bamento entraria no Castelo (15).

    (11) Documento n. 2 1.(12) Idem II.(13) Idem.(14) Idem.(15) Idem.

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    Afronta igual no podia ficar impune e a 26 de Novembro seguinte l estnoutro documento a devassa mandada tirar contra o alcaide-mor Lopo Sar-mento e mais dezoito patriotas, cujos nomes se apontam, por soltarem pala-vras contra as pessoas que tomaram voz por sua Magestade e lhe chamavamtredores dizendo que o Duque os avia de mandar enforcar, e que o licenciadoChristovo Pires particularmente soltou palavras muito desatentadas quandose tomou a voz por sua Magestade (16).

    Entretanto o duque de Bragana no cessa, como mostram vrias cartassuas existentes no Arquivo de Simancas (17), de reclamar contra o esbulho quese lhe fazia em nomear para as suas terras, autoridades que s ele devia proverem desacordo com as doaes rgias que tinha, sendo que em nada desmere-cera a confiana do rei castelhano, pois o acatara prestando juramento de fide-lidade e recomendando aos alcaides de seus castelos e cmaras municipais,que fizessem o mesmo, como tudo tambm consta de vrias cartas dirigidas aessas entidades guardadas no mesmo Arquivo.

    A sinceridade do duque de Bragana comeou a ser tomada a srio e nadocumentao aparece, com data de 7 de Janeiro de 1581, uma minuta dasresolues a tomar a tal respeito, assentando em no proceder contra LopoSarmento e os mais tredores e em repor, nas terras do duque, as autoridadespor ele providas, retirando as nomeadas pelo conde de Benavente (18).

    Esta resoluo, que vinha achatar as filucias do conde de Benavente e doseu representante Joo da Veiga, bem como do conde de Monterrei, frontei-rio de Chaves, que nesta parte contrariava, no menos sanhudo, o duque deBragana, tambm senhor dela, foi muito sofismada e, oito dias depois, ouseja a 15 de Janeiro, aparece na documentao do Arquivo, nova devassa con-tra os mencionados na anterior, pelo crime de chamarem tredores aos par-tidrios de Castela e no respeitarem as autoridades postas pelo novo rei (19).

    Mas esbarraram na justia da causa e a 2 de Maio desse ano de 1581, apa-rece no Arquivo a cpia da instruo secreta que se daria ao licenciado PeroBorges para ir a Bragana e Chaves restituir o duque posse e jurisdio dassuas terras, devendo contudo instaurar-se processo contra os incriminadosnas devassas retro, de que se apontam os nomes, tanto em Chaves como emBragana, bem como os dos honrados trasmontanos que nestas duas cidadestiveram a glria de serem exceptuados do perdo geral concedido pelo rei cas-telhano (20).

    (16) Documento n. 2 III a VI. As aspas so da nossa responsabilidade.(17) Idem XII.(18) Idem IV.(19) Idem V.(20) Idem VI.

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    Tambm no mesmo aparece uma carta de Joo da Veiga para o conde deBenavente datada de 29 de Maio de 1581, onde constam as chicanas tendentesa ficar com a guarnio de militares no Castelo de Bragana, embora desse aposse ao representante do duque; porm este no se conformou; recusou aposse nestas condies e tiveram de lha conferir livre e desembaraada desombras castelhanas (21).

    Corrido assim o sanabrs, surge com um requerimento datado de 31 deAgosto de 1581, deveras interessante pelo desnorteamento que inculca, na nsiade acusar, agarrando-se a todos os pretextos e, entre outros lembrando que osanticastelhanos a han desecho y demulido huna trinchera que estava hecha depiedra y tierra madera con sus troneras desde San Francisco y aste la rua de lapiedra de piniedo para fortificaco da cidade, com prejuzo do real servio.Esta informao preciosa porque vem esclarecer um ponto confuso e algo obs-curo referente s fortificaes de Bragana no sector chamado Estacada. Outrasinformaes igualmente interessantes encerra o mesmo requerimento (22).

    De parte a parte luta-se com energia e vigor, sendo incontestvel a superi-oridade mental dos patriotas em que a ironia dos arrazoados contra os caste-lhanos e acastelhanados roa pelo insulto escarninho e esmagador, a ponto dedizerem ao rei que tire dali a sua gente, pois no pode haver paz enquanto seno forem para suas casas (23).

    Entre as duas bandeiras, portuguesa ou castelhana, surge em Bragana umcorajoso grupo de amantes daquela, nico talvez em Portugal, depois dos par-tidrios do prior do Crato, que consola no meio da venalidade e aviltantedegradao cvica geral, porque escorraa o estrangeiro enquanto pode; por-que foge quando a resistncia intil para o no ver avante tomar posse dasua terra; porque recusa exercer os cargos que este lhe confere; porque alto ebom som declara, mesmo da cadeia que ainda da cela donde esto amde res-taurar a Portugal.

    Esta e outras afirmaes acompanhadas de interessantes notcias histri-cas, constam de muitos documentos e valeram a seus protagonistas a honrade serem excludos do perdo geral concedido por Filipe I nas Cortes deTomar a seus adversrios polticos, tal a coragem com que se houveram! Lvem, entre a documentao, a lista dos no amnistiados tanto em Braganacomo em Chaves e tambm a dos partidrios castelhanos categorizados numae outra cidade (24). Em Bragana so vinte e quatro os excludos do perdo edezanove em Chaves.

    (21) Documento n. 2 VII.(22) Arquivo de Simancas, Secretaria de Estado, Legajo n. 423.(23) Documento n. 2 VIII a XII.(24) Idem VII.

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    Posse de Miranda do Douro, Moncorvo e Freixo de Espada Cinta

    So tambm interessantes as actas de posse de Miranda do Douro pelosespanhis a 20 de Julho, de Moncorvo a 2 de Setembro e de Freixo de Espada Cinta a 16 de Dezembro de 1580 (25), pelas formalidades jurdicas dos respec-tivos actos, pelos nomes dos figurantes acompanhados dos respectivos ttulosnobilirquicos e sociais e pela fraca devoo cvica que inculcam, chegandoalguns, na nsia de armar caa do prmio, a fazer ascoso estendal dos servi-os prestados ao estrangeiro em detrimento da nao prpria e da prioridadeem o reconhecer por senhor!

    Calamitosos tempos! Nem sequer noo de senso moral e concomitantedecoro!!

    Na acta de Miranda do Douro figura o juramento tambm prestado pelasaldeias do termo, que no deixa de ser curioso pela arteirice com que o povo,feito sorna, chega a brasa sua sardinha. Ainda relacionada com a espertezavideirinha dos mesmos aparece a Petio que apresentou Miranda do Dourono Conselho Real de 2 de Agosto de 1580 e resposta que el-rei deu a 2 deSetembro de 1580 (26). Contm dados interessantes que acusam bem o espritoprtico mirandense e a sua indstria agrcolo-pecuria.

    Na acta de reconhecimento de Filipe II de Espanha, como rei de Portugal,pelos mirandeses, figuram os seguintes indivduos:

    Pero Barba de Campos, licenciado, corregedor da comarca de Miranda doDouro.

    Pero Borges, doutor, provedor da mesma comarca.Gonalo de Faria de Andrade, juiz de fora, da cidade de Miranda do Douro.Gaspar de Bua, vereador da Cmara de Miranda do Douro.Pedro Malho, idem.Manuel Camelo, idem.Francisco Pires Barata, procurador da Cmara de Miranda do Douro, em

    lugar de Simo de Pena, que estava doente.Francisco Mouro, procurador dos povos do termo de Miranda do Douro.Andr Dominguo, idem.Bartolomeu Afonso, idem.Vicente Joo, idem.Manuel de Escobar.Lus lvares.Nicolau Pimentel, alcaide do Castelo.

    (25) Documento n. 3.(26) Idem.

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    Henrique Pimentel.Joo de Loureiro.Antnio de Revoredo.Antnio Fernandes.Joo Lopes.Incio Sapico.lvaro Gomes.Rodrigo Duarte.Francisco Mendes.Antnio Rodrigues.Joo Carvalho.Francisco Garcia.Filipe Rodrigues.Belchior Camelo.Ramires, licenciado.Filipe Gonalves.Jorge Mendes.Antnio Pegas.Francisco Mouro, quatrel.Andr Domingues, quatrel.Bartolomeu Afonso, quatrel.Agostinho Pimenta, alferes da cidade de Miranda do Douro.Joo Pires, juiz da Freixiosa.Pero do Porto, juiz de Duas Igrejas.Fernando Afonso, juiz de guas Vivas.Martim Rodrigues, juiz de Sendim.Afonso Galego, juiz de Aldeia Nova.Pero Pires, juiz de Palaoulo.Joo Galego, juiz de Vila Ch.Pero Mateus, juiz de Malhadas.Pero Loureno, juiz de Avelanoso.Joo Falco, juiz de Gensio.Amaro Martins, juiz de Caarelhos.Pero Afonso, juiz de Fonte de Aldeia.Joo Guerra, juiz de Constantim.Francisco Crasto, juiz da Especiosa.Amaro Martins, juiz da Pvoa.Afonso Ramos, juiz de Picote.Afonso Esteves, juiz de Prado Gato.Ferno Pires, juiz de Vilar Seco.Rodrigo Segurado, juiz de So Martinho.Joo Rodrigues, juiz de Paradela.

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    Na acta de reconhecimento do rei castelhano pela Cmara Municipal deMoncorvo figuram:

    Francisco de Sampaio, alcaide-mor de Moncorvo, senhor de Vila Flor eoutras terras.

    Lus Coelho, licenciado, corregedor da comarca de Moncorvo.Pero Botelho, juiz.Pero Nunes de Meireles, cavaleiro-fidalgo, vereador da Cmara.Pero Afonso, monteiro, cavaleiro, idem.lvaro Falco, procurador do concelho, idem.Antnio Carneiro, no impedimento do escrivo da Cmara.Gonalo da Costa, cavaleiro-fidalgo.

    Na acta de Freixo de Espada Cinta encontram-se:

    Gaspar Dias ou Diz, juiz de fora.Lus Fernandes, cavaleiro, vereador da Cmara.Francisco Fernandes, cavaleiro, idem.Santos Gonalves, procurador do concelho.Lus Camelo, cavaleiro, sargento-mor.Amador Pacheco, cavaleiro-fidalgo, alcaide das sacas.Bartolomeu Gonalves, tabelio.Francisco Martins, idem.Francisco de Andrade, idem.Bartolomeu Antnio, inquiridor, contador, distribuidor.Jernimo? Lopes, escrivo dos ofcios.Mateus, almoxarife, recebedor das teras.Lus Lopes, meirinho.Francisco Fernandes, alcaide pequeno.Francisco Rodrigues, tabelio.Gaspar de S Sotomaior, alcaide-mor do castelo, capito-mor.Antnio de S Sotomaior, filho dalgo.Francisco Antnio, clrigo.Lus Fernandes, capito das milcias de Freixo de Espada Cinta.Francisco Fernandes, idem.Francisco Pereira, idem.

    No deixa de causar estranheza o nmero avultado de mirandeses queaparecem a assinar a acta de posse do rei intruso em comparao com os deMoncorvo e mesmo com os de Freixo de Espada Cinta.

    Dinheiro, dinheiro, dinheiro, gritava para Madrid Cristvo de Moura na

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    fria diablica de corromper conscincias portuguesas, nada esquivas em ver-dade e que dis de salud al duque de Alva que es lo que conviene, sem esquecer,contudo que su Magestad en este tiempo hade dar dineros por ganar hombres (27).E o sombrio fundador do Escurial ia abrindo a bolsa e anotando concisamente margem esta e outras cartas dos seus agentes, ministros e embaixadores,naquela sua letra mal feita, garrafal, irregular, desproporcionada, qual se fossede escriba incipiente, sem curar de saber se cabia ou no no pouco espao,que a margem do papel dava, metendo-se muitas vezes pelos intervalos daslinhas das cartas que anotava. Essas glosas assombram hoje pelo tacto polticoque inculcam e pelo conhecimento que o senhor de uma das maiores monar-quias do mundo tinha dos negcios pblicos (28).

    Abria, ou melhor, escancarava a bolsa de par em par e, para melhor sosse-gar os rebates da conscincia de beato rezador para quem as longas oraes eos praxismos devocionrios eram tudo e tudo pagavam, ia lendo os pareceresdos telogos complacentes (29) que justificavam o seu direito a Portugal comjustia similar da raposa lafontaineana absolvendo as crueldades sanguin-rias do lobo e do leo e condenando o burro por duas dentadas de erva retou-ada, quando morto de fome, em prado alheio.

    Por isso D. Antnio, prior do Crato, no encontrou quem demonstrasse asua legitimidade com as razes apresentadas em Aljubarrota e nas Cortes deCoimbra pelo Condestabre e pelo jurista Joo das Regras ao tratar-se do bas-tardo Mestre de Avis.

    que a alma nacional ficara sepultada em Alccer-Quibir e no reino ape-nas os intriguistas cobardes e ambiciosos; os mestios advindos de cruza-mento com as raas inferiores das colnias africanas e asiticas. que de Espa-nha nos tinha vindo essa outra praga memorada por Rafael Ballester (30) ouseja a fidalgomania ridcula e enervante. Os membros das famlias mais dis-tintas, diz ele, foram desde o ano de 1520, chamados Grandes de Espanha ouTtulos de Castela. Primeiramente, apenas vinte e cinco tiveram esta designa-

    (27) Secretaria de Estado, Legajo n. 402, carta de 4 de Junho de 1530. Neste mao h muitas cartasde Cristvo de Moura referentes ao assunto, anotadas pelo punho de Filipe I.(28) Numa carta datada de Almeirim a 4 de Junho de 1580 dizia Cristvo de Moura: Estos hom-bres [os portugueses] muestran que desean servir a Su Magestad yo estoy ya cansado de quedar porsu fiador; mas en dezir que no pueden sin cortes, verdade dizen, porque assi lo entienden Molina yRodrigo Vasquez ya la verdad los que veemos aqui su puder, sin mas testos podemos entender, queuna hoja no pueden mover sin cortes, quanto mas dar el Reyno. A esta carta ps Filipe I a seguintenota que impagvel pelo despotismo e conhecimento cientfico que inculca: no lo parece asi ensu carta.(29) grande a quantidade deles, existentes no Arquivo de Simancas. No livro BRATLE, Carlos Filipe II Rey de Espana, estudio sobre su vida y su caracter, Madrid, 1927, tenta-se reabilitar a mem-ria do rei, das formidveis acusaes que lhe faz a histria.(30) BALLESTER, Rafael Curso de Histria de Espaa, 1929, p. 319.

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    o, depois estendida a mais. Em seguida a estes vinham outros de categoriainferior chamados Ttulos, depois os Segundios (filhos segundos e portantono morgados, das casas Grandes e Titulares e finalmente os Cavaleiros e osFidalgos).

    Os Fidalgos eram nobres de escassa ou nenhuma fortuna, sem jurisdionem emprego ou cargos pblicos de importncia. A vaidade e o af de gozaros privilgios inerentes nobreza, aumentou as pretenses de muita gente fidalguia com desprezo do estado plebeu e do trabalho reputado indigno doshomens de condio.

    A pobreza unida vaidade engendrou o tipo do fidalgo ocioso e faminto,eterno pretendente, acusador de ministros e favoritos, praga social ridiculari-zada em novelas e comdias daquele tempo. Desta vesnia fidalgcea surdiuinfindvel falange de egostas avaros que, para perpetuarem na descendnciaos bens havidos, na maior parte das vezes, custa do chamado direito derepreslia facciosa e rapinamente sofismado ou do cargo pblico no maisdignamente adquirido, se lanaram na monomania dos morgadios, ridculosmuitos deles, pela exiguidade dos rendimentos e hiper-ridculos pelas pros-pias dos descendentes na faina de excogitar genealogias avoengas. por issoque o abade de Jazente soneteava no sculo XVIII:

    Mas sabeis o que causa esta demncia? Faz que os crticos vo sepultura.Fazer-lhe anatomia na ascendncia.

    J Cervantes no primeiro captulo do seu imortal D. Quijote nos deixou ofcies destes fidalgos e o destas fidalgas naquela Maritornes, que nunca faltouao cumprimento das palavras cupidneas aunque las diese en un monte y sintestigo alguno, porque presumia muy de hidalga.

    No distrito de Bragana (31) o grande agencirio de Filipe I foi D. DiogoHenriques de Gusmo, conde de Alva de Aliste, fronteirio no sector Miranda--Freixo de Espada Cinta.

    No Conselho Real de 16 de Maio de 1581 resolveu-se pagar os servios dosportugueses causa de Filipe II em harmonia com a promessa feita pelo condede Alva de Aliste de repartir pelos de Miranda do Douro trezentos mil ris detena (32).

    Foi o sinal do geral exerccio mandibular; tudo a postos, de gamela empunho e um tredor de Algoso, sete de Bragana, um dos Cortios, quatro de

    (31) Tambm nesta campanha agenciria se tornou tristemente clebre D. Antnio Pinheiro, bispode Miranda do Douro, como apontmos no tomo I, p. 22, destas Memrias.(32) Documento n. 6 XIX.

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    Freixo de Espada Cinta, seis de Miranda, cinco de Moncorvo, um de Rebor-dos, um de Travanca de Algoso, dois de Tuizelo, um de Vila Flor, um de Vilarde Ossos, cinco do Vimioso e dois de Vinhais, recebem como prmio da trai-o ptria e da entrega da sua terra ao castelhano cartas de fidalguia e res-pectiva maquia em comendas, cargos pblicos, cevada em suma, na frase pro-ftica dos documentos (33).

    Mas ainda no tudo, pois mesmo aps o grito redentor de 1640, um tre-dor dos Cortios, quatro de Bragana, um de Espinhosela, quatro de Freixo,um de Moncorvo, um de Rabal, um de Rebordos e trs de Vinhais, ficaram--se em Espanha a receber cartas de fidalguia do rei espanhol em prmio deservios prestados contra a sua ptria durante as Guerras da Aclamao (1640--1668). L esto os respectivos processos de habilitaco de genere, com indica-o de pais, avoengos e feitos justificativos da carta nobilirquica (34).

    Como lenitivo a tanta misria aviltante seja-nos lcito transcrever oseguinte trecho, apesar de alheio ao objectivo dos estudos bragananos. NoConselho Real de 27 de Junho de 1584 apareceu a seguinte petio: RoqueTavares moo da Cmara de Vossa Magestade herdeiro testamenteiro do dou-tor Gomes de Moraes que foi lente de prima jubilado na Universidade deCoimbra presenta h~u estromento de como por o dito doutor sustentar a jus-tia de Vossa Magestade na materia da sucesso do Reino foi pello povo dacidade saqueada e roubada toda sua fazenda que valeria mais de quatro milcruzados e passou muitos trabalhos e perseguies em sua pessoa e o queriomatar atee hordenaram de por fogo a Se onde se recolheu com temor se ocabido o no entregase votando sempre livremente na justia de V. Magestadee requerendo que se no fizessem os motins e alevantamentos que se fazioprocedendo sempre na dita materia da subcesso muito bem e por seu falleci-mento ficaro mais de 900$000 ris de dividas a elle Roque Tavares. Pede ohbito de Cristo com a tena que el-rei houver por bem conceder-lhe peraresgatar sua alma (35).

    Esta de resgatar a alma do lente dispensa comentrios e traduz ampla-mente a justia imanente luzindo apesar de todos os entraves. Sem pensar, otestamenteiro deixa perceber que a alma do renegado pena ainda. Noutraspartes o povo manifestou por forma idntica o horror de ser espanhol, mashouve de aquietar-se: faltava-lhe um chefe de cabea que o guiasse e o ouro deCastela corria clere e, como dizia D. Lus de Gngora:

    (33) Documento n 6 I a XLI.(34) Idem.(35) Secretarias Provinciales, Livro 1457, fol. 76v.

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    Tudo se vende esto dia,Tudo el dinero lo iguala.

    e a espada do duque de Alva fez o resto.Rebelo da Silva (36) aponta o gesto herico de Salvador de Melo da Silva,

    natural dos Aores, capito na vila de Traga, por Castela, que apenas soou ogrito da independncia em 1640, frente da sua companhia, com oficiais,armas e bandeiras, atravessou a Catalunha, embarcou na Rochela e se apre-sentou em Portugal. To herico proceder foi-lhe galardoado com a comendade Santa Maria de Frechas, concelho de Mirandela e com a capitania-mor deBragana.

    Ao denodo com que os nossos se houveram nesta gigantesca luta de vintee oito anos, de que tratamos largamente no tomo I destas Memrias, refere-seum quadro em azulejos, cor de borra de vinho, de 0m,93x1m,1, do tempo de D. Pedro II com cercadura de 0m,23, existente na Sala das Batalhas do Palciodos Marqueses de Fronteira em Benfica, com a seguinte legenda:

    VLTIMO. E. GENEROZO COMBATE. DA CA

    VALLARIA, Q~

    . CONSEGVIRO. AS ARMAS. PORTV

    GVEZAS. NA PROVINCIA. DE TRAZ OS MONTES. A OR

    DEM DO CONDE. DE S. JOO MARQUEZ DE TAVORA Q~

    . COM

    ARDENTE. E FELICISSIMO. ESPIRITO. SVPEROV COM

    O SEV VALOR. E COM A SVA INDVSTRIA. AS VANT

    AGES. DOS CASTELHANOS. PODENDO TRIVM

    FAR. DO MAIOR. NVMERO. CONSEGVIO. ESTA

    VITORIA. COM PRESA DE 300 CAVALLOS.

    E ROINA TOTAL. DE TODAS. AS TROPAS.

    INIMIGAS. EM 20. DE NOVEMBRO DE 1667.

    Ao erudito amigo P.e Ernesto Augusto Pereira Sales agradecemos a cpiadesta inscrio, da qual publicmos a fotogravura na Ilustrao Trasmontana,1910, pg. 168.

    Em compensao, depois da paz de 1668 at 1700 quem l a documenta-o do Arquivo de Simancas fica com a impresso de uma represlia irredu-tvel dos raianos portugueses contra os espanhis. So os motins de Sala-manca em 1675, promovidos pelos estudantes portugueses (37); so questes

    (36) SILVA, Rebelo da Histria de Portugal nos sculos XVII e XVIII. Livro 5, parte 5, captulo 1, p. 199.(37) Documento n 2 XIII.

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    de fronteiras e, entre outras, a queixa datada de 25 de Maro de 1685, cons-tante do aviso de 31 do mesmo ms, do bispo de vila, embaixador extraor-dinrio de Espanha em Portugal, contra o corregedor de Moncorvo por termudado as marras para o terreno espanhol (38). Enfim grande a quantidadede documentos referentes a barulhos, arruaas e espancamentos feitos porportugueses aos espanhis, tanto a guardas-fiscais como a paisanos, nasfronteiras e as queixas de Espanha por transgredirmos a paz estipulada em1668.

    Sobre o mesmo assunto h no Legajo n. 4035 vrias queixas e, entreoutras, uma de 13 de Agosto de 1686, apresentada pelo guarda-mor da raia deMonterrei contra os portugueses da raia fronteira a Viana do Bolo, portantoalgo tocante ao concelho de Vinhais, e os de Castro Laboreiro, pelos espanca-mentos, mortes e maus tratos infligidos aos guardas-fiscais, que tentavamimpedir o contrabando do sal, largamente introduzido na Galiza por toda afronteira. Numa dessas refregas os contrabandistas armados con chuzos,arcabuzes, paios y otras armas con tal fria [deram nos guardas] que les obligoa hazerense fuertes em una cassa del mismo lugar de Carballo [Dabrea] y enella los asaltaron los Portuguezes maltratandolos arcabuzazos y a chuzazos;y haviendose retirado y metido en um Horno [at faz lembrar a Brites de Alju-barrota] Juan Mendez uno de los irmanos de guarda mayor y descubiertolelos Portuguezes le tiraron un carabinazo y dieron muchas heridas con los chu-os obligando le a salir y atravessado en una cavalleria le llevaron Portugaljuntamiente con los demas guardas manietados afruontosamiente como sefueran publicos mal achores y en la mitade del camio ignominosamente yatropellando los fueros de la humanidade a chuzazos, pualadas, piedras ypalos acavaron de matar al Jun Mendez retiniendo con el mismo oprobrioen rehenes a los demas guardas manietados para executar en ellos lo mismoapretandoles los Portuguezes les entregasen su pressa con que les fue prezissopor librar la vida despachar persona para que diesen libertad y con ella el Por-tuguez presso y los demas sus compaeros les dejaron amenazandoles que siotra vez los cojian los havian de matar cuio suzeso a dejado amedrontradatoda la tierra y en especial a los guardas pues no quieren ninguno exercer esteoficio temiendose de otro trabajo semejante (39).

    (38) Documento n 2 XIII. Que com a pancadaria alternava a troa irnica, cortante, produto dainconcilivel desinteligncia, bem se mostra das muitssimas anedotas deprimentes com que reci-procamente se frechavam portugueses e castelhanos, referidas por Tom Pinheiro da Veiga, Fastigi-mia, p. 43 e seg., livro preciosssimo para ajuizarmos da vida da corte filipina.(39) Arquivo de Simancas, Secretaria de Estado, Legajo n. 4035 onde se encontram os autos refe-rentes a esta notcia tirados judicialmente. Nas outras fronteiras no corriam melhor as coisas,embora as violncias ficassem muito aqum das trasmontanas.

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    Assim caminharam as coisas at Guerra da Sucesso. Em 1710 Mirandado Douro cai em poder do inimigo, devido infame traio do governador dapraa, Carlos Pimentel, mas brilhantemente retomada, aps quatro dias destio, por D. Joo Manuel de Noronha, a 15 de Maro de 1711.

    Sabe-se que os nossos se apossaram durante esta Guerra da Sucesso detrs vilas fortificadas do sector espanhol confinante com a regio braganana,mas no Arquivo de Simancas h documentos donde consta que o nmero depovoados tomados pelos nossos na rea acima de quarenta e quatro, almde vrios outros noutras partes estranhas ao nosso estudo (40). Estas povoaesespanholas estiveram sujeitas a Portugal para todos os efeitos militares, civis,judicirios e tributrios, desde Dezembro de 1712 at Fevereiro de 1715,quando se assinou a paz, alterando portanto, durante este perodo, a raia divi-sria entre as duas naes.

    No tomo I, pg. 115, destas Memrias deixmos apontada a histria destaGuerra da Sucesso no distrito de Bragana. Aditamos agora mais algumasparticularidades referidas por Antnio Ferreira de Castro, cavaleiro professona Ordem de Cristo, sargento-mor da vila do Vimioso e dela natural, no seulivro manuscrito Breve Notcia dos Emperadores Romanos, Reys de Castela ePortugal descripam do Vimiozo (41).

    O castelo do Vimioso era governado pelo mestre de campo auxiliarManuel de Morais Faria, morgado de Carrazedo, concelho de Bragana, e pelocapito Joo Sarmento de Morais. Os castelhanos, depois de se apossarem daaldeia de Campo de Vboras, que saquearam e incendiaram, vieram acamparno alto de Pereiros, junto ao Vimioso, onde o governador os foi atacar, masvendo-se obrigado a retirar, entrincheira-se nuns fossos de pedreiras de cal,onde certamente seria esmagado, dada a superioridade numrica dos inimi-gos, a no valer-lhe Ferno Pinto Bacelar, mestre de campo auxiliar, que ia,com a sua gente, guarnecer Miranda (42).

    Este recontro ficou conhecido por escaramua das Caleiras.Os castelhanos so postos em fuga, mas concentram-se sobre Miranda,

    governada por Lus Machado, que lhe cai nas mos a 8 de Julho de 1710,devido traio do sargento-mor Carlos Pimentel da Gama, quase sem dis-paro de um tiro, a no ser o que lhe matou o filho, comeando assim, por estaforma, a receber o prmio da aleivosia, acrescido depois pelo desprezo geral

    (40) Documento n. 8 onde se apontam os nomes das povoaes e as patuscas prepotncias da sol-dadesca desenfreada por casa dos patres, aulada pelo instinto caserneiro, acrescido dos velhosdios atrs referidos.(41) Ver a sua biografia no tomo VII destas Memrias.(42) Ferno Pinto Bacelar, era morgado de Vilar de Ossos e dele dizemos no VI vol. destas Mem-rias.

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    em Castela para onde se retirou, e pelo confisco de seus bens e arrazamentodas casas de habitao, sitas no terreiro da praa de armas.

    Foi grande a presa que o inimigo tomou em Miranda porque abrangeu,alm dos bens da cidade, muitos dos moradores das aldeias do termo, quepara l os tinham levado na esperana de estarem mais seguros e o saque deoutras, como Algoso, que incendiaram incluindo mesmo o po nas eiras.

    O marqus de Bay, general castelhano que tomara Miranda, parte paraArago a fim de guarnecer as falhas resultantes da perda da batalha de Sara-goga e os nossos avanam pelo territrio inimigo tomando Carvajales a 12 deOutubro de 1710, Alcanices a 17 do mesmo ms, depois de um stio de doisdias e pouco depois Puebla de Sanabria. Por ltimo, a 15 de Maro de 1711,retomam os nossos, comandados por D. Joo Manuel de Noronha, a cidadede Miranda.

    Carvajales ainda voltou a ser retomada pelos castelhanos, bem como Vimi-oso, caindo brevemente em poder dos nossos ambas, sendo esta ltima a 24de Junho de 1711, no sem que os inimigos a saqueassem depois de queima-rem o castelo e demolirem os rebelins (43). O falecido general e notvel escritormilitar nosso conterrneo, Adriano Bea, disse-nos em carta que conserva-mos, a propsito da Guerra dos Sete Anos, guerra de que tratmos no tomo I,pg. 123, destas Memrias, o seguinte: A invaso de Miranda pelos espanhisem 1762 teve lugar por Constantim e Ifanes, 30.000 homens sob o comandodo general OReilly (coronel da guarda real) avanaram sobre Miranda, atra-vessando a fronteira em 5 de Maio de 1762. Devia ser em 5 ou 6 de Maio queteve lugar a violao das mulheres de Malhados. o que se recolheu da tradi-o pela voz dos velhos de h sessenta anos. Enquanto a maior parte do exr-cito cercava Miranda, destacava-se uma coluna importante que ocupou oVimioso em 6 de Maio. Dias depois entravam os espanhis em Outeiro esenhores do castelo, que tinha uma fraca guarnio, obrigavam os habitantesda vila e das povoaes vizinhas a ir trabalhar nos fornilhos e minas, que,cheios de plvora, fizeram ir pelos ares o castelo.

    Na noite de 14 para 15 de Maio de 1762 uma coluna espanhola, tendo porguia um seu compatriota (galego) que residira ou conhecia bem Bragana,torneando a cidadela pelo terreno prximo da ponte do Jorge, conseguiu che-gar sem ser pressentida at ao largo de S. Vicente, ao mesmo tempo que outrasforas avanavam do Alto de Gimonde pela Seara at aos altos prximos de S.Sebastio. No dia 15, em presena de foras considerveis do exrcito espa-nhol capitulou Bragana. Aproximando-se da cidadela, os espanhis trataram

    (43) FERREIRA, Cndida Florinda A Guerra da Sucesso no Distrito de Bragana (notcias inditas),1929. No tomo VII, p. 730, destas Memrias h vrias notcias respeitantes a esta Guerra e da Res-taurao.

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    de derrubar as muralhas do nascente e sul por meio de fornilhos e minascheias de plvora. No concluram esta ingrata tarefa pela necessidade de mar-char sobre Chaves e Moncorvo, que se renderam, a primeira a 15 e a ltima a19 de Maio.

    A falta de recursos locais obrigou o exrcito a dividir-se em colunas, quese distriburam pelas povoaes existentes na sua linha de marcha. A colunaforte de Moncorvo tentou atravessar o Douro e passar para a Beira para dar amo ao exrcito do marqus de Sarria, que ia cercar Almeida. Foras portu-guesas postadas prximo de Foz Ca impediram a passagem para Vila Novade Foz Ca.

    A coluna que de Chaves pretendeu passar para o Minho encontrou resis-tncia nas alturas de Montalegre, em vista do que as foras espanholas, aban-donando as praas de Trs-os-Montes, excepo de Chaves, reentraram emEspanha, indo reforar o exrcito de Sarria no cerco de Almeida.

    Tocante Guerra dos Sete Anos aparece no Arquivo de Simancas a listadas peas de artilharia e mais aprestes blicos que os espanhis levaram deMiranda do Douro aps a exploso da plvora, que fez ir pelos ares as fortifi-caes (44).

    Nem falta a nota cmica no meio de tanta documentao e rido forma-lismo protocolar. L est a consulta de 20 de Novembro de 1791 sobre o rapto,feito por D. Sebastio Doniz, de D. Maria Josefa de Fermeleo Ossrio, filhaprimognita de D. Bartolomeu Fermeleo y Ossrio, senhor da vila e casa deFermeleo, e levada pelo raptor igreja de Freixo de Espada Cinta; a queixado pai para que lhe seja restituda a ninha robada e para que delito tanatroz y de tan mal exemplo no quede sin castigo (45).

    Tambm l aparece notcia idntica que demos no tomo VI, pg. 181,destas Memrias, com a diferena que ali foi o macho que entrou na cela dafreira, escondido dentro dum ba; ao contrrio, aqui ela que se faz transpor-tar num ba, e regressa, passados trs dias, dentro duma canastra de roupa. Ovolumoso processo, com depoimento de testemunhas inquiridas, instauradoem 1628, ainda interessante porque o ru, no intuito de armar ao efeito daclemncia rgia, aponta vrios casos en que se puso silencio para evitar oescndalo (46).

    Ainda com o distrito de Bragana se relaciona o testamento de Frei Lus deSousa (Manuel de Sousa Coutinho, no sculo), feito em Benfica a 5 de Setem-bro de 1614, por haver casado com D. Madalena de Vilhena, mulher de D.Joo de Portugal, conde do Vimioso, que supunham morto. O testamento,

    (44) Documento n. 9.(45) Idem n. 7 XVI.(46) Arquivo de Simancas, Secretarias Provinciales, livro 1582.

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    com muitas notcias interessantes respeitantes ao clebre clssico, sua bio-grafia, dos seus pais e irmos e tambm histria da marinha portuguesa,abrange passante de setenta flios, que merecem cuidadosa explorao, porinditos, segundo julgamos (47).

    J agora, acrescentam-se mais umas notas que esclarecem a histria daslutas liberais no distrito de Bragana de que tratamos no tomo 1, pg. 167 eseguintes, destas Memrias. No exemplar que possumos das Epstolas Selectasde S. Jernimo h, nas folhas em branco das capas a seguinte informao: Nodia vinte e sete de Fevereiro do Ano do Nascimento de Nosso Senhor JesusCristo sucedeu a Revoluo contra a Nova Constituio do Reino de Portugalnesta cidade de Bragana pela uma hora da noite amanhecendo paraquinta-feira depois do Domingo dos Passos. Bragana, 27 de Fevereiro de1823. Francisco Xavier Vicente Pires do lugar de Baal, termo da cidade Bra-gana, estudante (48).

    De um interessante estudo em publicao em O Instituto (49), extramos asseguintes notcias referentes s lutas constitucionais:

    A 1 de Maio de 1834 organizou o proco de Algoso (50), juntamente com ocapito-mor da mesma vila, uma guerrilha intitulada Reunio Restauradorados Direitos de Miguel I, composta de uns duzentos homens armados de espin-gardas, paus e roadouras, que atacou no dia 3 a vila de Algoso, onde aclamouD. Miguel e deps as autoridades constitucionais afixando as Proclamaesdo nosso Monarca nos pelourinhos e portas das igrejas. Marcharam seguida-mente cidade de Miranda, que se entregou sem resistncia, no dia 4, mas nodia seguinte o governador da praa auxiliado por duzentos carabineiros espa-

    (47) Ver Portvcale, revista do Porto (1932), p. 21 e seg. onde o vamos publicando, bem como em OInstituto, revista de Coimbra, n. 82 e seg. (1931), o Catlogo dos manuscritos de Simancas refe-rentes Histria Portuguesa.(48) Este Francisco Xavier Vicente Pires, era irmo de Maria Teresa Vicente, av materna do autordestas linhas e faleceu, sendo proco de S. Pedro dos Sarracenos, concelho de Bragana, a 19 deAbril de 1834.(49) FERREIRA, Cndida Florinda Talhinhas e as guerrilhas liberais. O Instituto. Coimbra. 1931,p. 464 e seguintes.(50) Frei Jos Antnio Alves Pereira, reitor de Algoso at 1835, teve como coadjutor o Padre Joa-quim Jos Machado. O ltimo assento deste nos livros do Registo Paroquial tem a data de 7 deDezembro de 1833. Em 1835 j os assentos esto assinados pelo encomendado Joo Jos de MoraisAntas. O reitor anterior ao Alves Pereira foi Bernardo Jos Pereira, segundo de tudo nos informa oactual proco de Algoso Manuel Maria Borges. possvel que o guerrilheiro fosse o Padre Joa-quim Jos Machado e Joo Manuel de S Machado, o capito-mor de Algoso, seu colaboradorsegundo se deduz do tomo VI, p. 238, destas Memrias. No Museu Regional de Bragana, maoOrdinandos, aparece um Padre Joaquim Jos Machado, natural de Brunhosinho, que recebeuordens de missa em 1834. Tambm nos documentos do Museu Regional de Bragana aparecemcomo comendadores e alcaides-mores de Algoso desde 1821 a 1831, Frei Manuel Pais de S e FreiJoaquim Pais de S.

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    nhis, pelos guerrilhas de Bragana, e de Freixo de Espada Cinta, qualpediu auxlio, atacou os miguelistas e retomou a praa, aps um ataque detrs horas, pondo-os em fuga desordenada e perseguindo-os at Coitada,entre Macedinho e Bagueixe, onde os derrotaram e a guerrilha se desfez com-pletamente, escapando o capito-mor em cima de um negrilho em Sanceriz eo padre debaixo de uma cama em Bagueixe se bem que por pouco tempo, poisfoi preso e a 19 de Maio desse ano de 1834 dava entrada na cadeia de Bra-gana, donde a 19 de Junho seguinte foi removido para a Relao do Porto el esteve at 20 de Outubro de 1835.

    No dia 27 de Abril de 1846 entrou na povoao da Cisterna concelho deSantalha [hoje de Vinhais], uma guerrilha de trinta homens, pela maior parteespanhis e alguns criminosos portugueses que se achavam refugiados emEspanha, e, como o comandante no quisesse anuir intimao que lhe foifeita pelo juiz eleito para depor as armas, os habitantes da povoao com osde Vilarinho os constrangeram a voltar para Espanha, aonde depois de algumfogo com os carabineiros reais, foi obrigado a render-se (51).

    Como muitos dos documentos de Simancas j esto publicados na Cole-cion de documentos inditos para la historia de Espaa, que consta de cento edoze grossos volumes in-flio, editados pelos anos de 1850, e no Catalogo damesma Coleccion, da autoria de Juan Paz, Madrid, 1930, publicado con lacooperacion de la Hispanic Society of Americ de New-York, convm que osinvestigadores consultem estas obras.

    Deste ltimo, extraio o seguinte texto por o achar a propsito para res-ponder s observaes de um crtico ilustradssimo, concernentes ao mtodoseguido nos tomos III e IV destas Memrias, observaes que me chegaram smos graas gentil lembrana dos amigos Dr. Raul Teixeira e Jos Monta-nha, quando estava no Arquivo de Simancas.

    Siendo el material, diz ele, de documentos ineditos tan abundante enEspaa sobre todo en los primeros aos de esta publicacion, los editores podi-eron elegir a su arbitrio, y elegieron bien al principio, aunque nunca guarda-ron orden ni metodo ninguno, cosa que tampoco era indispensable en unrepertorio de esta clase (52).

    Esta mesma desculpa aproveito para responder observao apresentadana obra do doutor professor da Universidade de Oxford, Dr. William J. Ent-wistle (53), que acha as Memrias Arqueolgico-Histricas do Distrito de Bra-

    (51) Dirio do Governo de 12 de Maio de 1846, Ver tomo VII, p. 620 destas Memrias, onde se rela-tam outros episdios destas lutas.(52) PAZ, Julian Catlogo, tomo 1, p. XI.(53) ENTWISTLE, William J. The Years Work in Modern Languages Studies. London, 1932, vol. 2.

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    gana an invaluable collection of documents but the Work suffers from lackof method and order in the chronology.

    Tambm, porque nem sempre segui a grafia frequente nos documentosque transcrevo de dar ao i a forma de j ou y e ao u a de v, me acolho sombrado mesmo autor que diz: las collecciones de esta indole no persiguen objec-tivos filologicos. Tampoco los conseguirian con mostrarnos centenares dedocumentos con la mas varia y caprichosa escritura, la mayor parte de lossiglos XVI y XVII, durante los cuales la anarquia ortografica y las formas vaci-lantes eran las unicas reglas. Quedese la fidelisima reproducion para los diplo-mas medievales o para los documentos de los primeros tiempos de formaciony uso de los romances (54).

    Convm frisar as grafias Bargana, Vergana e Bregana, esta ainda cor-rente no nosso povo, com que os documentos adiante transcritos designam anossa cidade (55).

    Cames usou a forma bargancs, como se v na Primeira parte das Rimas,na poesia dedicada a Dom Constantino, Viso-rey da India, duque de Bra-gana:

    Mas antes dando as costas, e a vitriaA bargancs ventura no corrido,Disto vens a entender tamanha glria de tal vencedor seres vencido:

    Tambm usou a forma bragano, como se v na dita Parte I Soneto XXI,que termina:

    E em vs gro sucessor, e novo herdeiroDo bragano estado h mil extremos,Iguais ao sangue, e mores que a idade.

    (54) Idem, p. XII.(55) Sobre o assunto, ver tomo I, p. 45, e tomo III, p. 274, destas Memrias.

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    O DISTRITO DE BRAGANA NO ARQUIVO DE SIMANCAS

    DOCUMENTO N. 1

    Doao de Bragana por D. Joo I a Pero Rodrigues a 4 de Junho de 1398

    Dom Joham pela graa de Deus Rey de Portugal e do Alguarve. A cuantosesta carta birem fazemos saber que nos querendo fazer graa e merce a PeroRuiz se nos el seruir (56) em nos dar a billa de Bragana de nossa certa scienciapoder absoluto lhe fazemos liure e pura doaom de juro e herdade para el epara todos seos filhos netos e descendentes legitemos que del descenderemper linha dyreita/da dita bila e seus termos com todas suas rendas e direitos eforos e trabutos e com toda sua jurdiom, ciuyl e crime mero mysto imperioreseruando para nos e nossos subersores a correiom e alada pela giza que ade nos auya Johane Affonso Pimentel e outro ssy de todolos b~ees movys quehi fosem achados do dito Johane Afomso e de dona Johana sua molher e man-damos que el aia assi o dito loguo livremente e b~ees do dito Johane Affonso esa molher e que por ssi e por outrem quem lhe prouver possa tomar a posse epropriedade do dito luguar e termo e rendas e dyreitos e pertenas deles e dosditos b~ees. E porem mandamos a todo los Juyzes e Josticas e oficiaes e pessoasdos nossos Regnos que esto ouverem de beer que lhe leyxem assi tomar a posseda dita bila e termo e dyreitos e pertenos dela e dos ditos b~ees e lhos leyxemaver como dito he e lhe non ponham nem consintam sobrelo poer enbargonenh~uu em nenh~ua giza que seia non enbargando quaesquer leys dyreitos cos-tumes faanhas e outras quaesquer cousas que seja contra esta doaom oucontradigam ou embarguen ou possam contradizer em alg~ua gisa por quantonos queremos e mandamos que non aia em ela luguar nem lhe possam empe-

    (56) A leitura Pero Ruiz por aproximao, pois as letras escritas no original so persim ou pessim,sem sinal de abreviatura indicativo de estar suprimida qualquer letra. Os autores do catlogoimpresso do Patronato Real tambm entenderam Pero Ruiz, devendo porm notar-se que D. TomazGonzales, autor do catlogo manuscrito Estado Portugal, descrevendo o Legajo n. 2, onde vem estedocumento, omite o nome do doado, talvez pela dificuldade na leitura.

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    cer antes mandamos que seia firme e baledoyra para todo sempre. E se aquifalecer alg~ua clausula ou cousa para ser mais firme nos a avemos aqui porposta. Ca nos lhe fazemos delo doaom como das que o mais firmemente queseer pode. E rogamos aos Reis que depos nos bierem que lho non contradi-gam e lhe faam guardar. E em testamunho desta lhe mandamos dar esta nossacarta. Feita [1] no arral da Veiga de loura 4 dias de Junho El Rey o mandouGonalo Caldeyra a fez. Era de myl III/XXX6/ anos [2]. E prometemos emnossa fe Real de lhe conprir e guardar assi esta doaom e de lhe nou hirmoscontra ello en nenh~ua maneira servindo-nos el como dito he. El Rey (57).

    DOCUMENTO N. 2

    Bragana e a perda da independncia em 1580 Reaco anti-espanhola

    24 de Julho de 1580

    I Carta (cpia) de Joo Afonso Pimentel Henriques e Velasquez, condede Benavente e de Luna, dizendo que, a 24 de Julho de 1580, foi a Braganaem companhia de Joo da Veiga, alcaide e governador da vila de Puebla deSanbria, levando carta rgia para as Justias da cidade lhe darem posse damesma; mas que um capito, com trezentos homens da guarnio, o impediu,forando-o a retirar-se para a sua terra, tendo-se ao mesmo tempo amoti-nado o povo por forma que, a no intervirem uns frades da Companhia deJesus, o matariam e ao seu companheiro (58).

    Traslado do auto de posse que se fez na Cmara desta cidade de Bragana[de El-Rei D. Filipe II]

    15 de Setembro de 1580

    II Ano do nacimento de Nosso Senhor Jesus Christo de mil e quinhen-tos e oytenta annos aos quinze dias do mez de Setembro em esta cydade deBragana na Camara della estando hi ho Senhor Joam da Veigua Gouernadorna villa de Pobra de Seabra e tenente de capito no Reyno de Leo pelloSenhor conde de Benavente capito por sua Magestade nas cousas toquantes guerra e estando na dita Camara ho lecenceado Christovo Pires vreador maisvelho que serve de Juiz elle governador lhe tomou ha vara que tinha de Juiz na

    (57) Carta original em pergaminho com vestgios de ter dela pendido o selo, que hoje no tem, noArquivo de Simancas, Patronato Real, 47 fol. 35. Os autores do catlogo impresso do Patronato Real,do a este documento a data de 1397, mas no original est escrito a era de 1436 que d o ano deCristo de 1398.(58) Arquivo de Simancas, Secretaria de Estado, Legajo n. 423.

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    mo em nome de sua Magestade por virtude de hum poder que trazia do ditoSenhor donde em nome de sua Magestade e tendoa em sua mo lha tornou adar e meter na mo ao dito lecenceado Christovo Pires ho qual lecenceado arecebeo em nome de sua Magestade como Rey e Senhor como os Reis ante-passados ho foro e que de jurisdio uzasse asy e da maneira que tequi seuzu e pela dita maneira mandava como defeyto mandou que servissem seusofficios e carreguos como dantes ho faziam te sua Magestade mandasse hocontrarjo e todos dissero que obedecio ao dito Rey por seu Rei e Senhor damaneira que esta dito e loguo pello dito lecenceado Christovo Pires e Salva-dor Mendes e lecenceado Manoel Gomes foi dito e pedido ao dito Governa-dor que elle em pessoa de sua Magestade quizesse conceder todos os privile-gios e liberdades a esta cidade e assi os capitolos que se foro tratar a Bena-vente com o dito Senhor Conde.

    E loguo por elle Governador foi dito que elle dava sua pallavra e fe Realen nome de sua Magestade que se lhe compriro e guardaro desde loguo eelle dise que assi os mandava comprir na forma en que ho Senhor Conde osconcedeo da parte de sua Magestade e os asinaro com elle Governador e pro-curadores e por esta maneira ouve por tomada a posse da dita cidade e terraem nome de sua Magestade. De que foro testemunhas presentes ho doutorGaspar Alvrez de Moraes e Francisquo Fernandes Fragoso e Manoel de Madu-reira e Miguel de Souza e Antonio Soares e outros muitos da dita cidade e elleGovernador mandou a um taballiam lhe desse seu estromento de posse Fran-cisco Nunez tabalio ho escreveo.

    E loguo no dito dia atraz quinze dias deste mez de Setembro do ano de mile quinhentos e oitenta anos desta camara desta cidade saio loguo ho ditoSenhor Governador com h~ua bandeira que elle trazia por ho procurador serfora da cidade e no estar a bandeira da cidade en parte donde se podesse averpera levar e por toda a cidade e por as ruas e lugares acostumados dizendo emvoz alta com a dita bandeira na mo Real Real pello muito alto e muito pode-roso Rei Dom Felipe Rei de Portugal e respondendolhe todo o povo e vreado-res e cidados da dita cidade en voz alta Real Real pello muito alto e muitopoderoso Dom Felipe Rei de Portugal e isto com trombetas e repique de relojocomo de costume nos semelhantes actos saindo como dito esta da dita camarapor toda a dita cidade e tornando outra vez sem aver contradio de pessoanenh~ua que com a dita bandeira fosse a qual posse tomou quieta e pacifica-mente e houve a dita posse por tomada e me pedio a mim tabalyo digo escri-vo de tudo lhe desse estromento e asy mandou apregoar a Francisco de Sanc-tiago ao qual elle Governador lhe tomou e deu juramento de porteiro daCamara por no aver porteiro que sia asi disse que tudo approvara comoatras faz meno e ante mim escrivo de que foro testemunhas Manuel deMadureira e Miguel de Sousa e Francisco Fernandes Fragoso e Antonio da

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    Costa filho de Luiz da Costa e eu Francisco Nunes taballiam que sirvo de escri-vo da comarca o escrevi....

    Segue logo esta proclamao contra o Prior do Crato:

    Aos dezasseis dias do mez de Setembro do anno de mil e quinhentos eoitenta annos nesta cidade de Bragana no pelourinho da dita cidade perantemim digo perante muita gente foi fixado no dito pelourinho com muytos pre-ges em alta voz que deu Francisco Gonales porteiro os editos contra DomAntonio e lidos todos e pelo dito porteiro fixados perante mim escrivo emuita gente por mandado do Senhor Governador Joo da Veiga governadorna villa da Pobra de Seabra e as dero por toda a dita cidade praas e ruaspubriquas e costumados muitos preges en alta voz e se declararo as forasdos ditos editos que ficaro fixados no dito pelourinho de que foro testemu-nhas Lionardo de Sousa e Francisco de Santiago porteiro e eu Francisco NunsTabaliam o escrevy.

    Segue o Auto de posse do castelo:Ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo de mil quinhentos e

    oitenta anos aos dezoito dias do mez de Setembro nesta cidade de Bregananas pousadas do Senhor Joam da Veiga Governador na vila da Pobra de Seabrae tenente de capito no Reino de Leo pelo Seor conde de Benavente capitogeral nas cousas da guerra por sua Magestade elle Governador mandou fazer amim taballio este auto dizendo que loguo com as trombetas e hum meirinhocom seu porteiro fossem praa donde est o pelourinho e alli junto do ditopelourinho toquando as trombetas se lese hum prego em que mandava emnome de sua Magestade que loguo se saissem todas quantas pessoas na forta-leza estivessem e todas se saissem de dentro e deixassem a dita fortaleza loguosob pena de morte e de serem avidas por tredores a sua Magestade e de confis-cao de seus bens os quaes applicava em nome de sua Magestade pello poderque tem do dito Senhor, e aas despezas de guerra e de sua coroa e asy se deroas portas da dita fortaleza com som de trombeta e outros mais preges bate-rem nas portas tres vezes e estando nisto saio Lopo Sarmento alcaide que estavadentro e disse que elle obedecia os preges de sua Magestade e que por todo hodia daria a fortaleza despejada. E sem embarguo de tudo tornamos praa aop do pelourinho e a som de trombetas ho dito porteiro deu outro pregoestando presente muyta gente e as trombetas e meirinho e porteiro e asinaroaqui de que foro testemunhas Lionardo de Sousa e Anrique de Melo alfaiate eMiguel Roiz criado de mim taballio. E eu Francisco Nunes taba