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ARTIGO 31 ~\ tONTROLE DE ~ AVAlIAÇÃO DA EXPERIÊNCIA FRANCESA : Déa Lúcia Pimentel Teixeira Professora do Instituto de Economia da UNICAMP e Doutoranda da EAESP/FGV. * RESUMO: O presente artigo apresenta, inicialmente, um estudo de caso e a respectiva avaliação do processo de implantação de CCQs em uma filial brasileira de empresa multinacional. Na segunda parte do trabalho, relata-se a experiência francesa recente de incorporação dos círculos de qualidade ao processo de organização d? trabalho, em d?ze grand~s empresas, pesquisadas e aoaliadas por Françoise Cheoali- er, em um período de cinco anos (1980-85). * PALAVRAS-CHAVE: Círculos de Controle de Qua- lidade, participação dos trabalhadores na gestão, mudança tecnológica e organização do trabalho. * ABSTRACT: This paper presents in its first part a case study and the corresponding eoaluaiion of the set up of Quality Control (QC) Circles in a Brazilian affiliate of a multínational corporaiion. The concluding part of the paper reports the recent ex- perience regarding the set up of QC Circles wíthin the work organization process, in Trance, carried out in tw~l- ve large enierprises, surveyed and evaluated by Françoise Chevalier during a five year period (1980-1985). * KEY WORDS: Quality control circles, workers parti- cipaiion in management, technological change and work organization. Revista de Administração de Empresas São Paulo, 30 (4) 31-39 Out./Dez. 1990 Círculos de controle de qualidade: um estudo de caso no Brasil e uma avaliação da experiência francesa

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ARTIGO

31

~\ tONTROLE DE~ AVAlIAÇÃO DA EXPERIÊNCIA FRANCESA :

• Déa Lúcia Pimentel TeixeiraProfessora do Instituto de Economia da UNICAMP eDoutoranda da EAESP/FGV.

* RESUMO: O presente artigo apresenta, inicialmente,um estudo de caso e a respectiva avaliação do processo deimplantação de CCQs em uma filial brasileira de empresamultinacional.

Na segunda parte do trabalho, relata-se a experiênciafrancesa recente de incorporação dos círculos de qualidadeao processo de organização d? trabalho, em d?ze grand~sempresas, pesquisadas e aoaliadas por Françoise Cheoali-er, em um período de cinco anos (1980-85).

* PALAVRAS-CHAVE: Círculos de Controle de Qua-

lidade, participação dos trabalhadores na gestão, mudançatecnológica e organização do trabalho.

* ABSTRACT: This paper presents in its first part acase study and the corresponding eoaluaiion of the set upof Quality Control (QC) Circles in a Brazilian affiliate ofa multínational corporaiion.

The concluding part of the paper reports the recent ex-perience regarding the set up of QC Circles wíthin thework organization process, in Trance, carried out in tw~l-ve large enierprises, surveyed and evaluated by FrançoiseChevalier during a five year period (1980-1985).* KEY WORDS: Quality control circles, workers parti-cipaiion in management, technological change and workorganization.

Revista de Administração de Empresas São Paulo, 30 (4) 31-39 Out./Dez. 1990Círculos de controle de qualidade: um estudo de caso no Brasil e uma avaliação da experiência francesa

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CÍRCULOS DE CONTROLE DE QUALIDADE RAE

1. Estudo de caso elabora-do, em 1988, por aluno docurso de Ciências Econômi-cas da UNICAMP - Wel-lington Lopes de Souza - eintegrante de sua monogra-fia de conclusão de curso,orientada pela professoraDéa Lúcia Pimentel Teixeira.

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INTRODUÇÃO

O presente estudo objetiva apresentar,num primeiro momento, um estudo decaso do processo de implantação de

CCQs em uma filial de empresa multinacio-nal instalada no Brasil.

Na segunda parte do trabalho, pretende-serelatar a experiência francesa recente de in-corporação de círculos de qualidade - comosão chamados os CCQs na França - ao pro-cesso de organização do trabalho, descrita eavaliada pela pesquisadora Françoise Cheva-lier, através do acompanhamento de doze em-presas francesas, no período de cinco anos.

ESTUDO DE CASO: A IMPLANTAÇÃO DE CíRCULOS DECONTROLE DE QUALlDADE·CCQs NA EMPRESAWRITEX S.A .• ACESSÓRIOS PARA ESCRITÓRIOS'

1. O processo de implantação, suas caracte-rísticas e a evolução do programa

O sistema de CCQs foi implantado na em-presa em estudo, em novembro de 1981 -por um gerente de programas de qualidade eintrodutor pioneiro desses grupos em outragrande multinacional instalada no Brasil -,por meio de palestras e seminários de infor-mação, formação e motivação do pessoal daempresa.

Contando na ocasião com 2000 emprega-dos, a Writex S.A., filial de multinacional deorigem americana, instalada na região deCampinas desde a década de 40, criou em seuorganograma o cargo de Coordenador Geralde CCQ, pertencente ao Departamento de En-genharia de Manufatura e subordinado aoGerente Geral de Engenharia de Manufatura.

Para o preenchimento do cargo, foi escolhi-do um funcionário do Departamento de Cus-tos, selecionado a partir de um exame de ca-ráter interno à empresa.

Os objetivos apontados pela Writex para aadoção desse programa refletem a busca de:aumento da produtividade, melhoria da quali-dade de produtos e serviços, aumento da pro-dução, redução de custos e melhoria das rela-ções empresa-empregados através da partici-pação destes últimos nas decisões da empresa.

A palavra final sobre a oportunidade de im-plantação da inovação e sobre o processo a serutilizado originou-se da matriz que já desen-volvia esse programa há alguns anos, em suasede e em outras subsidiárias. O projeto dosCCQs fazia parte, na matriz, de um programaglobal de qualidade e produtividade que esta-va apresentando resultados satisfatórios emtermos de redução de custos e de melhoria dequalidade e das condições de trabalho.

Consistiu em fator determinante da deci-são de implantação dos círculos nas filiais, aexigência de reduzidos investimentos assimcomo a possibilidade de acoplamento parale-lo dos grupos circulistas à estrutura formal daempresa, dispensando, portanto, reformula-ções quanto ao processo de divisão do traba-lho e de constituição dos níveis hierárquicos:os operários "circulistas" continuam subordi-nados a um encarregado de seção, que, porsua vez, se subordina a um supervisor (geral-mente um técnico ou engenheiro), só se repor-tando ao líder de seu grupo de CCQ para re-solver problemas relativos ao projeto em de-senvolvimento naquele momento.

Para a formação dos círculos, o processoutilizado foi a realização de palestras de moti-vação e esclarecimento, pelo CoordenadorGeral, em diversas áreas da empresa, e distri-buição, a seguir, de fichas para a inscrição dosvoluntários interessados. Dentre os partici-pantes de cada grupo formado, em númerovariável de quatro a dez pessoas, elege-se umlíder (escolhido apenas pelos participantes), oqual coordenará os projetos e se responsabili-zará pelo desenvolvimento dos mesmos e re-presentará seu círculo perante a empresa e oCoordenador Geral. Também pelo mesmoprocesso é eleito um secretário, para cadagrupo, com a função de dar assistência ao lí-der e de responsabilizar-se pela elaboração daata de registro dos trabalhos.

Depois de formados os grupos, o passo se-guinte consistiu no treinamento desses volun-tários sobre técnicas de funcionamento dosCCQs e de utilização de instrumentos ade-quados à elaboração dos projetos.

A partir do quadro A, pode-se observar aevolução da quantidade de círculos criadosna empresa, no período de 1982 a 1988, cujodesenvolvimento apresenta duas fases distin-tas: uma de crescimento (de 1981 a 1985) e ou-tra de redução (de 1986 a 1988). O quadro evi-dencia, ainda, no mesmo período, a quantida-de de projetos implantados, o número de em-pregados envolvidos no programa e a épocade desativação de cada grupo.

Das razões alegadas para semelhante esva-ziamento do programa, destacaram-se:

1) A instituição do Plano Cruzado, em1986, que interferiu na organização do traba-lho da empresa, uma vez que a necessidadede aumento da produção para atender ao au-mento da demanda impediu a continuidadedas reuniões dos círculos, realizadas até aque-le momento em horário normal de expedien-te. As reuniões (cerca de duas por mês, com aduração de duas horas cada uma, aproxima-

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RAE CiRCU/DS DI: CONIRCJLF DF QU;\l.IOALl[,

Quadro A - Evolução histórica dos CCQs na Writex S.A.

4

7

16

30

87 P

32 AI

10 I~ I3

185 1 _

85 5

86

87

1s8*'

TOTAL 21 174

1* P = Produção; A = Administração,'* Até o mês de setembro, inclusive.

9/8/10/7 __ l_10/9/8----t__ 7

6/10/9 I 10

61 86/86/ATIVO

86/87/86

- t 86/86/87/861-+86/87/86/87/86

10/4/8/9 14

7/8/8/7/9 19 156

5 9 70 87-_ ..----- --","'-' --

3 24 --I+- --_ .. ---

3I

28I

ATIVOI

=--+13

damentc) passaram a ser efetuadas em horá-rio fora do expediente e, embora remunera-das tal qual horas-extras, não motivaram sufi-cientemente os grupos que paulatinamenteforam deixando de se reunir.

2) A realização de uma greve de oito CÜilSlevada a efeito pelo pessoal da produção, em1987, quando mais de 150 empregados foramdemitidos, inclusive cerca de 40 pertencentesdOS grupos de CCQ.

3) A falta de apoio do pessoal ocupantedos quadros formais da emprcsil, especial-mente os supervisores (engenheiros, técnicost' chefes de seção) - desinteressados em ana-lisar e oferecer sugcstc-)CSaos projelos elabora-dos pelos membros dos grupos ----e os encar-regados de seção - temerosos da concorrên-cia apresentada pelos circulistas que pod cri-il111se projetar perante as chefias por meio dostra ba lhos efetuados.

4) A inexistência de um programa motiva-cional constante para mobilizar os operários.

5) A demora na implantação dos resulta-dos dos projetos.

6) A impossibilidade de maior dedicação

do pessoal dos grupos aos trabalhos em de-senvolvimento e de melhor acompanharnen-to, pois, com exceção dos horários de reuniões,as prioridades de atividade estabelecidas pe-las chefias contemplam as tarefas rotineiras enão as eventuais (projetos dos CCQs).

7) A falta de intercâmbio entre os diferen-tes círculos existentes na empresa, no sentidode ampliação da colaboração e do interessenos vár-ios tipos de estudos desenvolvidos.

Embora tenha ocorrido a desmobilizaçãovisualizada no quadro já mencionado, a in-cumbência atual (final do exercício de 1988)do Coordenador Ceral dos CCQs é realizarurna avaliação das causas do sucesso de al-guns grupos e do fracasso dos demais e assu-mir posteriormente a tarefa do rccrguimentodo programa.

2. Os custos do programa CCQ na Writcx S.A.Os custos de implantação e desenvolvi-

mento dos CCQs são significativamente redu-zidos na empresa, uma vez que consistem ba-sicamente do salário do Coordenador Coral,das horas-extras pagas aos participantes (esti-madas em quatro horas mensais, por partici-pante), dos materiais didáticos de treinamen-to (apostilas) e pagamento das festividades e

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premiações (viagens, brindes, churrascos, vi-sitas a empresas, realizados aproximadamen-te uma vez por ano).

De modo gerdl, os projetos desenvolvidospelos CCQs (quadro 13) não são ava liadosquantitativa mente, em termos dos custos queacarretam e da redução de custos ou amplia-ção da produção e da produtividade que pro-piciam. Somente os projetos realizados com oobjetivo precípuo de redução de custos (25,4';;dos projetos elaborados no período analisado),apresentam em seu relatório final um cálculoaproximado do resultado alcançado, expressoem valor da economia obtida em relação ao fa-turamento da empresa (quadro C).

Pode-se, nesse sentido, concluir pela inex-prcssividade dos valores econornizados (não

atingem nem sequer 'I(/c do faturamento daempresa), e pelo completo desinteresse naavaliação quantitativa dos círculos implanta-dos, denotando a real inexistência de uma po-lítica empresarial de busca do aumento daprodutividade via organização de e.:CQs,

3. Avaliação do programa feita pela empresaO programa CCQ é considerado viável

pela Vvritcx, uma vez que apresenta custosbaixos e colhe resultados positivos a curtoprélzo. Embora não sejam quantificados, seusobjetivos são alcançados satisfatoriamente,

Na afirmação do Coordenador Ceral, osCCQs nunca dão prejuízos pois "seu retorno11110 deve ser medido IIIWI1I1S 1'1/1 cruzados, maslUIS melhorias alcançadue em termos das condi

Quadro B: Tipos de projetos implantados - período de 1982 a 1988

Redução de Custos

Melhoria da qualidade

5,4Melhoria das condições de trabalho

4719 10,3

10

Quadro C: Economia de custos obtida pela implantação dos projetos desenvolvidos com essa finalida-de (Redução de custos)

82 0,01

0,03

0,02

0,10

0,06

0,02

83

0,01

34

848586

8788*

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CÍRCULOS DE CONTROLE DE QUALIDADERAE

Apesar desse fato, a visão dos operários a res-peito dos CCQs consiste exatamente na divul-gada pela Writex e existem poucas opiniõesdivergentes que encaram os círculos corno be-néficos apenas para a empresa.

Finalmente, cabe considerar que o esvazia-mento ocorrido denota problemas no funcio-namento dessa forma de administração dotrabalho, de caráter participativo, principal-mente pela ausência de condições de imple-mentação e pela implantação originada deurna situação de transplante do programa.

ções gerais de trabalho, do relacionamento entreas pessoas, do desenvolvimento da mão-de-obra eda descoberta de novos talentos entre os empre-gados".

Toma-se importante ressaltar, nesse senti-do, que os participantes dos círculos são todosoperários de baixa qualificação e seus conheci-mentos limitam-se à sua função específicadentro da seção. Assim sendo, o papel maisdestacado cumprido pelo programa é funcio-nar corno instrumento do aumento de qualifi-cação dos empregados, seja através do treina-mento veiculado e das discussões e projetoselaborados, seja por meio do conhecimentoobtido nas visitas promovidas a outras empre-sas que possuem programas semelhantes.

A EXPERIÊNCIA FRANCESA COM OS CíRCULOS DEQUALIDADE· CQS

1. IntroduçãoA avaliação dos resultados da experiência

francesa, por meio do exame dos dados e con-clusões fornecidos pela pesquisa desenvolvi-da por Françoise Chevalier', durante cincoanos de acompanhamento da evolução dosCírculos de Qualidade, em doze empresas se-diadas na França, fornecerá subsídios para aanálise de casos brasileiros, urna vez que oexame preliminar dos relatos evidenciou apossibilidade de se traçar um paralelo entreas fases de desenvolvimento do programa nosdois países.

Nesse sentido, refletir sobre as modalida-des de opções tornadas, seus objetivos, resul-tados e perspectivas, com relação a ambas ex-periências, poderá constituir-se em materialvalioso para a discussão e a elaboração depropostas de atuação das gerências empresa-riais envolvidas com a questão da organiza-ção do trabalho.

4. Considerações finaisA introdução dos CCQs na empresa, evi-

dentemente, traduz-se apenas em urna cópiada programação da matriz.

Pode-se perceber, pelos dados apresenta-dos, que não existem preocupações da gerên-cia do programa em avaliar os resultados re-lativos a aumento da produção, da produtivi-dade e redução de custos.

Por outro lado, o programa não ampliou osníveis de participação e decisão dos operáriosem relação ao processo de trabalho, levandomesmo à ocorrência de conflitos de confronta-ção entre circulistas e pessoal do quadro for-mal da empresa.

Nesse sentido, os CCQs da Writex S.A.aparentemente realizam apenas urna funçãode treinamento ou formação de mão-de-obra,de baixo custo, porém, aleatório e insignifi-cante, pois atinge um número muito reduzidode empregados.

A ausência de envolvimento do Departa-mento de Recursos Humanos também se fazsentir, ao não considerar essas atividades co-rno objeto de avaliação do desempenho dosoperários.

A desmotivação, assim, é total, urna vezque a participação é unilateral e o esvazia-mento ocorreu sintomaticamente.

Resta informar que a permanência dos trêsúnicos grupos em funcionamento atrela-se amínimas condições de apoio, integração e re-muneração, pois esses circulistas obtiveramparticipação financeira nos resultados de pro-dutividade alcançados pela inovação de umprocesso de produção que ampliou a produ-ção de um determinado produto.

Nem mesmo o papel de amenizador deconflitos entre empregados e empresa tem si-do cumprido pelo programa de CCQs, hajavista a ocorrência da greve, em 1987, e a de-missão de pessoal, inclusive de circulistas.

2. A avaliação da experiência francesaImplantados inicialmente no Japão, em

1961, os CCQs logo se estenderam para diver-sos países do mundo, onde proliferaram rapi-damente pelo setor industrial, desdobrando-se posteriormente para o setor de serviços epara a administração pública.

Conceituados correntemente corno "peque-nos grupos de empregados voluntários, formadosnos locais de trabalho, paralelamente à estruturahierárquica formal, que se reunem periodicamentesob a coordenação de um líder ou chefe de equipe,com a finalidade de estudar, discutir e propor idéias,sugestões e apresentar problemas para serem resol-vidas, com referência à melhoria em geral e a mo-dificações em seu setor de serviço", os CCQs ouCírculos de Qualidade, conforme chamadosna França, foram implantados nesse país, em1979, corno resultado da transformação de an-tigos grupos, já existentes nas empresas, en-volvidos com a melhoria das condições de

2. Vide referências biblio-gráficas.

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CÍRCULOS DE CONTROLE DE QUAUDADE RAE

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trabalho, e que na ocasião passavam por umprocesso de crise.

Também na França, os CQs proliferaram edesenvolveram-se rapidamente, aceitos comgrande entusiasmo pelas empresas que osadotaram. Algumas razões são apontadas pe-los especialistas para a eclosão desse progra-ma no país:

a) A pressão da concorrência, que faz daqualidade uma questão central em termos decompetitividade. Assim, as contribuições dosCQs neste caso são significativas e têm redun-dado em aumento da eficiência da empresa.

b) A ampliação das aspirações dos empre-gados com relação ao trabalho, que leva à re-cusa da organização taylorista de empresa.No entanto, embora os CQs acenem - e mes-mo dêem certa margem - para as oportuni-dades de expressão, de julgamento e de esco-lha, ainda hoje não atendem às necessidadesde participação nas decisões e de autonomiados trabalhadores.

c) Por tratar-se de um modelo facilmentereprodutível de tecnologia de administraçãoou ainda por afigurar-se como um bom pro-duto da filosofia de atentar para o desenvol-vimento das responsabilidades individuais, epara a formação de uma maneira de encarar aempresa como uma congregação de esforços.Esse modelo apóia-se numa ortodoxia quenão existe em outras formas de participação,pois apresenta um conceito bem definido, ba-ses filosóficas, princípios fundamentais, estru-tura e normas de funcionamento, responsabi-lidades estabelecidas, identidade de objetivos,descrição de etapas a desenvolver e de meiosa utilizar, e recomendações para o alcance dosucesso da implantação.

d) A utilização, pelas empresas e associa-ções afins, de campanhas de marketing visan-do à valorização do conteúdo, da filosofia eda forma de funcionamento dos CQs, tantono interior das unidades empresariais comona sociedade que as abriga, veiculando, aomesmo tempo, um conteúdo fortemente ideo-lógico e ambicioso com relação a seus efeitose potencialidade de seu alcance.

Apesar do rápido desenvolvimento dosCQs, após cinco anos de sua implantação egeneralização (1985), uma crise assola o fun-cionamento desses grupos, caracterizada poruma "perda de fôlego" ou esvaziamento doscírculos constituídos, afetando conseqüente-mente sua expansão.

Essa situação pode ser percebida atravésde três sintomas manifestados nas empresas:

a) A percepção e o discurso dos membrosenvolvidos, alertando para a falta de motiva-ção; para a desconfiança, desinteresse, resistên-cias, críticas e absenteísmo ocorridos; para a fal-ta de compartilhamento expressa no sentimen-to de simples tolerância; para a falta de integra-ção na estrutura hierárquica formal observada.

b) Os indicadores de aferição do trabalhodos grupos: redução das propostas apresenta-das pelos grupos; extinção de grupos; fre-qüentes substituições de líderes e participan-tes; suspensão momentânea das atividades,espaçamento das reuniões; etapas do planeja-mento desrespeitadas; prioridades transferi-das para outras atividades que não as de CQs.

c) As sucessivas alterações propostas na es-truturação dos grupos a fim de propiciar seumelhor funcionamento. Por exemplo: criaçãode funções e postos de intermediação entre osgrupos e a estrutura hierárquica formal nosentido de facilitar e tomar mais funcionaisessas relações.

Várias causas são apontadas como promo-toras dessa situação problemática: a caracteri-zação desse movimento como jovem e aindaimaturo, isto é, uma crise de crescimento; co-mo fenômeno de moda; como carente de umareflexão estratégica mais abrangente; a trans-formação lenta da mentalidade e da culturada empresa etc.

Seguramente, todas as menções contêm al-go de verdadeiro, porém nenhuma delas abor-da em profundidade o real impacto da im-plantação de CQs nas organizações e os senti-mentos e atitudes em relação a esses grupos.

Uma tentativa de aprofundamento dessasrazões levou os especialistas a apontarem cin-co grandes dificuldades encontradas para ofuncionamento mais satisfatório dos CQs:

a) Com o correr dos anos, os novos gruposmobilizados passam a se organizar sob condi-ções menos vantajosas que os primeiros, umavez que o pessoal mais interessado é engajadonas primeiras oportunidades.

b) A organização de CQs coloca em causa opoder dos quadros hierárquicos formais inter-mediários pois os grupos são organizados in-dependentemente da iniciativa, da formula-ção de um planejamento prévio indicativo deáreas mais propícias e da intermediação des-sas chefias na administração dos grupos.

Círculos de controle de qualidade: um estudo de caso no Brasil e uma avaliação da experiência francesa

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RAE ciRCULaS DE CONTROLE DE QUALIDADE

Além do mais, constituem, os grupos circulis-tas, uma organização dentro da organização;contam com o apoio dos altos dirigentes, in-terferem na organização do trabalho da em-presa e nas relações com fornecedores e clien-tes; propõem novos modos de trabalho, novoshábitos e novas formas de liderança. Assim,pela sua estrutura paralela à hierarquia e porsuas regras próprias de funcionamento e pro-cedimento, incomodam os escalões de linha,que passam a se sentir despojados de suas in-formações, prerrogativas e áreas de especiali-zação.

c) O fim do espírito pioneiro, que se esgotae se ressente com o sucessivo reiniciar de cadatrabalho de grupo e com o enfrentamentocrescente de resistências, dificuldades e obstá-culos encontrados. Acresce-se a isto a ausên-cia ou insuficiência de retribuição esperada,de caráter financeiro ou psicossocial, ao esfor-ço de participação desenvolvido, o que se tra-duz em desmotivação.

d) A sobrecarga dos líderes e o problemade sua substituição. Em função da centraliza-ção das atividades de mobilização, funciona-mento e relacionamento dos CQs na figurados líderes, e dos problemas encontradospara a desincumbência dessas tarefas, obser-va-se uma lassidão ou desistência do desem-penho dessa função e a conseqüente busca desubstitutos, com todas as suas implicações deretomada do processo desde as suas etapasiniciais.

e) Uma experiência considerada "assépti-ca". Isto é, toda a preparação, cuidado e pre-venção de que se revestem as primeiras expe-riências de CQs fornecem-lhes um caráter

"asséptico" que não se reproduz para os de-mais grupos. Portanto, exige uma reprogra-mação de fases e constante realimentação,sustentação e enriquecimento da atividade.Essa forma de encarar os CQs como experiên-cias isoladas dificulta sua implementação co-mo um programa permanente, e, por outro la-do, toda a ênfase e dispositivos acionadospara o deslanche dos primeiros grupos contri-buem para o esgotamento posterior do pro-grama, ao conduzi-lo a uma atitude de rejei-ção por parte da estrutura formal da empresa.

3. As propostas surgidas no sentido de con-tornar ou superar os obstáculos encontrados

A partir da avaliação de que, embora pas-sando por uma fase crítica, os CQs constitu-em um processo de formação-ação particular-mente eficaz; um meio para melhorar produ-tos e serviços oferecidos; além de permitirem- pelos conhecimentos que promovem atra-vés de seu funcionamento - a transformaçãode formas de trabalho cotidianas; surge, comodecorrência, um interesse das empresas emmanter essa forma de organização do traba-lho. Assim sendo, propostas têm sido elabora-das no sentido da superação das dificuldades:

1) Elaboração de um programa de trabalhoa nível global que envolva previamente osquadros formais nos preparativos, deslanchee acompanhamento das fases, juntamentecom os líderes de grupos: a busca da qualida-de total.

Trata-se, evidentemente, da construção deuma política global de trabalho alicerçada emobjetivos estratégicos claramente definidos,enumerados e compartilhados pela hierar-quia; do desenvolvimento de comunicaçõesmais livres; da explicitação de regras do jogo

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Círculos de controle de qualidade: um estudo de caso no Brasil e uma avaliação da experiência francesa

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CiRCULOS DE CONTROLE DE QUAUDADE RAE

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mais transparentes; e da conscientização denovas responsabilidades.

Sumarizando, o caminhar dos CQs em di-reção à qualidade total significa elaborar umsistema que permita:

• diferenciar as expectativas do pessoal;• diversificar os meios utilizados para o

seu desenvolvimento; e• integrar o conjunto no sistema de direção

estratégica da empresa.

2) Diversificação das fórmulas participati-vas, objetivando melhor atender às variaçõesdas motivações e às especificidades das carac-terísticas individuais e das condições de tra-balho e, assim, contribuir para a redução dosfenômenos de tensão e exclusão, como tam-bém para a renovação do espírito de partici-pação.

3) Promoção da articulação dos programasde CQs com a gestão de recursos humanos nosentido de:

• incluir oficialmente, no sistema de ava-liação de desempenho e de promoção do pes-soal, as atividades de participação nos pro-gramas de qualidade; e

• recompensar mais amplamente o esforçodo conjunto do pessoal em relacionar seu sis-tema de interesses com os objetivos concer-nentes à qualidade.

4) Manter o rigor no desenvolvimento dométodo de trabalho, no sentido da valorizaçãodo programa e da transferênciade experiências.

5) Adotar um novo nome para os CQs,mais condizente com a cultura francesa, damesma forma que foi utilizado no Japão o ter-mo qualidade para expressar um estado deespírito, um comportamento que surge entreos trabalhadores do país antes mesmo de apa-recerem métodos, instrumentos e receitas.

o termo "progresso" situa de imediato ocampo de ação das equipes de trabalho, quetêm como missão participar na fabricação doprogresso em todos os domínios da situaçãode trabalho nos quais se encontram. E inseri-dos, inclusive, num contexto jurídico de refor-ço da presença sindical e do alargamento dasatribuições das instituições representativasdos trabalhadores.

Os círculos de progresso podem vir a serum dos elementos essenciais de uma nova ad-ministração do trabalho pois: consistem emuma prática que se preocupa, não só com osaspectos econômicos, mas, também, com ossociais; permitem reduzir em parte os efeitos

nefastos da divisão racional do trabalho, resti-tuindo ao trabalhador certas tarefas de plane-jamento e organização; e, finalmente, consti-tuem-se em um instrumento prático e concre-to de democracia industrial.

Essas modalidades não são antagônicas epodem ser usadas complementarmente. Seutraço comum é partir de uma lógica limitada(dos CQs), para a viabilização de um novosistema de organização do trabalho, inserido,nos sistemas existentes de gestão, no nível dadireção estratégica da empresa.

Sem dúvida alguma, a busca sistemática devantagens competitivas passa por essas novasfronteiras organizacionais e exige um conhe-cimento cada vez mais globalizante.

CONCLUSÕESEmbora a comparação entre as duas reali-

dades não se constitua em objetivo deste estu-do, uma constatação evidencia-se a partir desua leitura: o caráter cíclicode ambas as expe-riências.

Nesse sentido, parece mais coerente tecerconsiderações relativas às condições mais ge-rais (da sociedade onde se inserem essas em-presas), do que estabelecer comparações entresucessos e fracassos dos CCQs.

Quanto ao Brasil, não resta dúvida de que aadministração mais conservadora e autoritáriaé ainda a mais utilizada pelas empresas, nãosó nacionais como também filiais de multina-cionais, embora as matrizes localizadas empaíses mais avançados utilizem políticas degestão participativa. Tal característica tende aser alterada em função dos movimentos recen-tes de organização das classes trabalhadorasque voltam a se articular, e das transformaçõesque se processam na economia mundial, exi-gindo melhores padrões de eficiência para oalcance de maiores níveis de competitividadeinternacional. Essas mudanças certamente in-fluenciarão a adoção de políticas de recursoshumanos mais integradas e inovadoras, con-forme acenam recentes pronunciamentos dasnovas gerações empresariais brasileiras.

O fato que maior admiração suscita napesquisa realizada no país europeu é a au-sência generalizada de uma política de admi-nistração da mão-de-obra e de organizaçãodo trabalho solidamente alicerçada em pres-supostos participativos. Os problemas apre-sentados na implantação dos CQs denotamessa carência.

A resposta talvez possa ser encontrada naslimitações da atuação dos comitês de empre-sa, muito mais voltados para questões con-cernentes a serviços médicos e sociais na fá-

Círculos de controle de qualidade: um estudo de caso no Brasil e uma avaliação da experiência francesa

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RAE CÍRCULOS DE CONTROLE DE QUALIDADE

BIBLIOGRAFIA

brica e, no plano sócio-econômico, na graveameaça de desemprego pela absorção de no-vas tecnologias de automação que levam àpriorização, nas mesas de negociação, da ma-nutenção do emprego e da reciclagem dostrabalhadores.

Parece ficar bem claro, na análise dos CC-Qs e CQs, que sua implantação não está atre-lada a políticas participativas de administra-ção do trabalho e da mão-de-obra e, mesmo,independe da adoção destas. Seu caráter defuncionamento paralelo à estrutura formal esua limitação a questões relativas ao processode produção e às condições de trabalho naempresa possibilitam o alcance de resultadossatisfatórios, com baixos custos e status degestão inovadora. Essa situação dúbia, no en-tanto, causa ineficiências e instabilidades que,não raro, prejudicam o relacionamento dentroda empresa, ao invés de melhorá-lo.

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Pergunta-se, nesse sentido - sem envere-dar por caminhos polêmicos relativos à parti-cipação dos empregados na direção da em-presa ou nos benefícios advindos de seu fun-cionamento -, se o melhor caminho para autilização de práticas participativas de gestãonão deveria partir da própria análise do con-texto local, uma vez que a repetição de expe-riências inadequadas mais e mais condicionarelacionamentos pautados na desconfiança eno desânimo.

Assim, pesquisar o assunto, refletir sobreas informações coletadas e discutir os aspec-tos mais polêmicos deve ser a tônica de to-dos os interessados em entender e aplicarformas de gestão mais inovadoras e demo-cráticas: não só a classe empresarial e a ge-rência especializada, mas as classes trabalha-doras, suas organizações e estudiosos dessasquestões. O

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de orientada pela• HIRATA, Helena.

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