Tópicos do Ensinamento - Com Ficha Catalográfica e Folha de Rosto - Versão para Impressão

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Homero Fraga Bandeira de Melo

Tópicos do Ensinamento

2007

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M485t Melo, Homero Fraga Bandeira Tópicos do Ensinamento / Homero Fraga Bandeira de Melo - Rio de Janeiro, RJ : (editora), 2007. ?p.

ISBN

1. Filosofia Moral. Ética. Filosofia prática. II. Doutrina e pontos de vistas éticos.

CDU 17.03

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Qual é a solução?Existe solução?A solução, se existisse, seria possível?

Devemos observar que a solução não está na auto-aniquilação, e nemna morte lenta dos entorpecentes oficiais.

Devemos buscar o equilíbrio e este é muito mais válido diante dasadversidades. A verdadeira virtude só tem valor quando é provada.Virtude que é virtude tem que ser provada.

Muitas vezes o Ego nos apresenta falsas soluções. Soluções essas quesó complicam os nossos atuais problemas.

Na medida em que procurarmos o caminho do correto agir, do corretosentir e do correto falar, agiremos com retidão, sentiremos com certezae falaremos com determinação. O caminho correto nos fará ver qual é amelhor medicina para a nossa alma, e consequentemente para o nossocorpo.

O Ego nos apresenta o falso como verdadeiro, o errado como certo, odistante como próximo. Sob o efeito do Ego nos sentimos injustiçados,magoados, machucados, manchados, culpados. O Ego nos torna ferozes.Na ausência do Ego obtemos paz, em sua presença ficamos confusos.Quem quer o que você aparentemente quer? São muitas as vozes, emuitas as vontades que gritam em sua cabeça?

Qual é a solução?

Vamos contar uma estória: um mestre Zen e o seu discípulo caminhavamjuntos por uma estrada. De repente um homem vem em sentido contrário,e golpeia violentamente o mestre arriando-o no chão, e foge!

I

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O discípulo preocupado com o mestre não tem tempo de lutar com oagressor. Ele vai e acolhe o mestre. Entretanto, o mestre se recobraquase que imediatamente do ocorrido, e se levanta como se nada tivesseacontecido, e continua a sua caminhada.

O discípulo fica atordoado. Ele não entende o ocorrido, e pergunta aomestre: mas, porquê? O senhor não vai fazer nada? Aquele indivíduoquase o matou! Ao que o mestre responde: Isso é problema dele, nãomeu, e continua a sua caminhada.

O homem na ausência do Ego, torna-se não-mente. Ele continua a pensar,mas somente o necessário. Ninguém pode irritar ou fazer mal ao homemnão-mente, pois este eliminou o mal em si mesmo. Não mais há paredepara os golpes da vida reverberarem. A parede é o Ego, os golpes davida são parte da universidade psicológica da vida.

Existe solução? O que existe? Sabemos que o mundo é mente, que amatéria é mente, e que a energia conforma-se de acordo com avontade da mente. Hoje, grandes cientistas afirmam que as aparênciasnão aparecem, mas, sim, que as aparências existem para quem asquer ver, e se mostram ao ser humano como este as quer ver. Osfísicos afirmam que os fótons parecem ondas a quem quer ver a luzcomo onda, e partículas a quem quer ver a luz como partículasfotônicas. A luz propaga-se em linha reta em pequenas dimensões,mas em grandes dimensões ela faz curvas. O que é a realidade? Éum conceito ao qual a mente se apega. Somente a não-mente ficalonge do conceito. Somente a não-mente pode estar mais próximado que é a realidade.

A solução, se existisse, seria possível? Nada do que existe é possível.As possibilidades dos existentes são limitadas diante das possibilidadesdos que existem e são. Somente aquele que é, e existe tem muitaspossibilidades. Você pode ter pratos descartáveis ou pratos permanentes.Os primeiros existem durante um certo tempo como pratos, mas depoisvocê os joga fora, pois não servem mais como pratos. Servirão de outraforma, mas, não mais como pratos. Os permanentes não, pois você oslava com detergente, enxuga e guarda para uma próxima ocasião. Paravocê os pratos permanentes existem e são. Os descartáveis só existem,não são. Para os pratos descartáveis você não vê muitas possibilidades,para os permanentes, sim.

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Assim são as possibilidades da solução. Podemos definir os nossosproblemas e torna-los existentes, para que a solução seja permanente,como podemos torna-los permanentes para que existam indefinidamente.Destas duas formas levamos uma existência artificial.

As possibilidades são infinitas. Mas, as possibilidades de resoluçãoprática dos problemas não são. Temos que objetivar o que queremos.Não devemos buscar problemas para obter soluções, e nem soluçõesque geram problemas (o que dá no mesmo). Sabemos que soluções nãoexistem, não são, e que essas possibilidades práticas são limitadas.

Quais são os nossos verdadeiros problemas? Quem são esses que falampor nós? A que viemos? De onde viemos? Para onde vamos? Quemsomos? Por que somos? Para que somos? Somos em função de umoutro? Abdicamos de nossa existência real, em prol de um simplesexistir? Quais são os atributos em nós que subexistem? O que subexiste?

Logo acima há uma lista de problemas reais com que se preocupar.Diante desta lista, você crê que aja algo mais importante, ou estesbastam? Quer outros? Quer mais? Outros igualmente reais? Estesbastam? Há mais de trinta séculos tentamos responder ao básico, aoirrespondível. Hoje, como antes, e como na antigüidade, sabemos queos verdadeiros problemas não tem solução. Você pode melhorar a suaforma de perguntar. Pode apresentar uma melhor pergunta, pode seilustrar tão completamente, que parecerá um tenebroso ignoranteilustrado, como há tantos em nossos dias. As pessoas que dizem saber,são as que menos sabem. Você não quer isso para você. Você quermelhorar a sua pergunta. Você deseja a busca. Ama o que busca averdade, questione quem diz que a encontrou diante de um casoparadigmático. Eleve o seu nível de criticismo, e como Górgias vocêafirmará: a verdade não existe, alguém a inventou! O problema não é oque inventaram de você, mas o que você vai fazer com o que inventaramde você. O invento já está feito, e você deve querer sair dele agora.Comece a negar a si mesmo, ao Ego, e afirmará desta forma o Ser quehá em você, o Deus de seu coração!

Existem problemas reais. Talvez você ainda não tenha percebido oquanto de irreal há em seu suposto pensar. Leibniz, o filósofo dasessências incontáveis, revelou-nos: o pensamento é uma força, e vocêpode ter a mente, o intelecto, mas não o pensamento. O verdadeiro

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pensamento reside na não-mente. Somente quando tomamos o lugar docavalo no guiar da carruagem, e não o contrário, é que teremos aclaridade, e a suficiência, para dirigir a nós mesmos.

Que problema é esse que você tem? Se ele não tiver realidade, descarteo mesmo. Ele não serve para você. Fará você perder tempo. Fará vocêperder a sua existência. O seu tempo é valioso, não o perca com falsosquestionamentos. Faça o melhor possível do que fizeram de você.

O que é a liberdade? A justiça, o bem, o indivíduo, a cura, o mal? Porque tudo o que sabemos nos leva curiosamente a admissão de nossonão-saber? Pois o conhecimento, como sabidamente disse Kant, épossível.

Existem soluções? Queremos algo permanente ou descartável?Queremos algo que existe, ou algo que é, e existe? Ou será que queremosir além do bem e do mal, ir além da mente? No estado de não-mentenão há mais possibilidades, tudo simplesmente é (e não há problemas,nem soluções).

Você deve escolher o caminho. Existem muitos deles. Existe o caminhoda explicação, o do conhecimento, o da certeza, o da dúvida, o dapergunta, o do falso saber, o da mente.... E existe também o da não-mente. Existe o do não-saber, não-conhecer, não-ser, não-existir, não-agir... O homem que é não-mente é o sábio. E o sábio age mais pelonão-conhecer, é mais pelo não-ser, existe mais completamente pelo não-existir. O sábio tem tudo, pois não tem nada. Tudo o que o homem não-mente precisa lhe é dado, e não há nada que o homem não-mente preciseque não lhe seja dado. O grande oráculo de Apolo em Delfos assimdizia: conhecerás a ti mesmo, e ao universo e aos Deuses.

A senda do fio da navalha não é para os fracassados, para os tolos, paraos que não acreditam em si mesmos, para os que amam a tragédia. Atragédia, como bem diz Nietzsche, é a substituição do melhor pelo pior,do paganismo pelo cristianismo, da democracia pela inquisição. O queé que tu pensas que seja a verdade? Te perguntam os inquisidorescristãos, até os dias de hoje. Onde está a tua liberdade? Em que Deuscrês? Em um de sangue, dor, morte? Quantos não morreram diante dosigno da cruz? Quantos não morreram porque a sua verdade era diferenteda verdade oficial, daqueles que dizem ter a verdade. Na Roma de Jesus

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de Nazaré, aquele homem fora de seu tempo (anacrônico), todosacreditavam no que queriam. As religiões egípcias, gregas, persas, eoutras conviviam igualmente. Ninguém se atrevia a se dizer ter averdade, mas um falso sábio apareceu, e disse que a tinha, e em seunome povos inteiros foram dizimados. Basta lembrar que até hoje aIgreja Ortodoxa Grega não quer ouvir, nem de longe, falar dos CatólicosRomanos que tem a verdade. Você tem a verdade? O cristianismo atem? Onde está a verdade? Como disse Jacques Lacan: esta senhora, averdade, mente!

Sabemos que muitos são os Deuses, e que o evangelho morreu na cruz.A senda do fio da navalha é para os despertos, para os sinceros decoração, para os crêem no Deus de seu coração, para os que amam aspossibilidades de experiênciar, de errar e acertar. A senda do fio danavalha é para os inocentes, para os puros de coração.

Gostaria de convidar-lhes a reflexão com a seguinte história: de certafeita, um homem saudável disse: eu não tenho doença alguma, nuncaterei e nunca tive. Era isso o que tinha para si, em sua mente.

Mas, esse homem era cientista, e foi desafiado por outro que lhe disse:isso não é a realidade, a realidade é: que mesmo aparentando saúde, emalgum ponto você está doente, mas a sua mente lhe oculta isso. Ao queo homem saudável replicou: isso tudo é teoria, e não serve para mim,só para os outros.

O outro cientista, então, chamou três médicos amigos dele e do cientistaem comum, e lhes disse: peço que quando encontrem o doutor fulanono dia tal, digam a ele que a aparência dele está péssima e que eleparece doente.

E assim foi. Em um belo dia (o dia tal), o doutor fulano saiu pontualmentede casa ás 07:00h da manhã, e encontrou o médico um que lhe disse ocombinado. Às 09:45h já dentro do laboratório encontra o médico doisque lhe diz o mesmo. Ao meio-dia, o médico três lhe diz o mesmocombinado. Às 14:00h o doutor fulano diz a seu colega de sala: Creioque eu não esteja bem. Ao que o outro replica: o que você é? Você é oque os outros querem que você seja, ou é aquilo que você é? Para seraquilo que você é, você tem que deixar de ser. Tem que deixar a mente.Existem várias mentes dentro de você, e agora você tem mais uma: a da

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doença, pois agora você acredita nela, e ela existe para você! Deram avocê uma nova mente, inventaram algo dentro de você, que não é real,e nem tampouco a situação anterior era a real. O real é a não-mente, oindiscernível, o inqualificável.

O que você deseja? Uma nova mente? Ou o novo, que é não-mente?

Talvez um dos princípios gnósticos mais enfatizados seja o da Revoluçãoda Consciência, o tornar-se àquilo que se é, em conformidade com opensamento de Nietzsche. Mas, como tornar-se a si mesmo, se no próprioato de tornar-se já se é outra pessoa? Sabemos que a realidade não é ofundamento; mas, sim, a consistência. Devemos buscar a consistêncianas essências vazias (equitas tantum equitas – Averróis), na inconstânciado movimento que pode ser percebido quando concentramo-nos no aquie agora.No Livro XI das Confissões, Santo Agostinho propõe a questão dotempo. Pergunta o Santo Doutor: Mas, o que é o tempo? O passado jápassou e dele resta apenas a memória fugaz, que não é certa. E pode sealterar em minha referência ao lembrar-me; ou seja: o passado é apenaso que Deleuze chama: efeito de sentido; um efeito de superfícieinstaurado na imanência. O futuro ainda não veio, e muito embora eume dirija a ele, sempre me parece que ele esteja em uma trans-historicidade inalcançável. O que resta? O presente!As doutrinas orientais que os ocidentais rejeitam veementemente, poisnão buscam e não tem a verdade, instauram-se no silêncio e nacontemplação. Erroneamente, o Pensamento Ocidental crê, então, devidoa isto que tais doutrinas não tenham sentido (e não tem mesmo!), esomente universidades ocidentais muito sérias, pelo regular inglesas asestudam em seus programas de pós-graduação.A melhor definição que talvez encontremos para os buscadores daverdade, é a de que buscam aquilo que não tem, mas, que um dia, em

II

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um futuro trans-histórico, continuarão a não ter, pois serão sábios, então,serão a própria verdade.Mas, há um ponto pacífico aí: amamos o que não temos, e amamos osque buscam. Suspeitamos claramente de quem diz que encontrou algoque não condiga com a nossa experiência, queremos ver a verdade pornós mesmos, e, por fim, precisamos ser chamados à verdade dos fatos(ou a verdade da ausência deles; dos efeitos sem causa!). Por isso,ouvimos a todos e buscamos o caminho da comprovação, que é semprenão-mente.Nos parece que mesmo diante de toda a informação e de toda aconsideração intelectual, a única forma de efetivamente vermos oucomprovarmos algo é justamente renunciando a todo o conhecimento.Nossa prática diz que é assim, e, que, dessa forma, a consciência seabre para o que realmente é, e que não pode ser traduzido pelopensamento e nem pela linguagem. Aquilo que realmente é, não podeser apreendido pela mente.Nesta revisão em linguagem clara de nosso ensinamento, buscamos,somente, apontar o caminho.É necessário que vejamos por nós, sintamos por nós, experienciemos.Nossa verdade não deve ser a do Contrato Social, a da Igreja ou a deoutra instituição qualquer. Esta não é a verdade! Verdade é comoliberdade e felicidade, elas não te forma dadas, mas, você passa toda asua vida tentando conquistá-las.

Gostaria de encerrar com uma estória (ou seria História? – depende deque lado você está no espelho de Lewis Carroll):Iam caminhando pela floresta, três personagens: o Ateu, o Religioso eo Cientista (o Sábio aparece mais tarde):

Cientista: Caramba! Que borboleta linda! É da espécie X, gênero Y, nomeTAL, sub-espécie FULANA! Mas, que maravilha! É raro ver uma destas!

Ateu: Ora, vejam só! Pensei que você era cientista! Mas, estou vendoque, possivelmente, você não aprendeu nada na universidade! Veja,meu filho, estes livros aqui: O Capital de Karl Marx, e A Origem dasEspécies de Charles Darwin. Deveria ler isto, e passaria, então, a seinteressar pelo que realmente vale!

Cientista: Saiba você que as borboletas são muito importantes para oecossistema. Vejo que você entende mais de macacos que de ecologia!

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Ateu: Me diga, Sr. Cientista: o senhor já leu Materialismo eEmpiriocriticismo de V.I. Lênin? Pois é, deveria! Desta forma, o Sr.arrumaria uns problemas sérios com os quais se preocupar! Por umacaso, o Sr. sabe que hoje sessenta milhões não consomem proteínasnecessárias? O Sr. sabe que computador nas escolas para pessoasdesnutridas de nada vale? Aonde o Sr. quer chegar com o seu estudo deborboletas?

Religioso: Meus filhos! Ouçam! O que viemos fazer aqui? Por DeusNosso Senhor! Há tantas belezas naturais aqui! Observem os pássaros!Que lindos! Voam! O Pai tudo lhes dá! Não pode ser possível quetenhamos vindo aqui para discutir se estamos certos ou não! A questãoé: o que queremos? O que valorizamos? De acordo com o nosso objetivodaremos mais valor a tais ou quais coisas. Não há certo ou errado naquestão.

Ateu: Sr. Religioso, estava mesmo esperando o Sr. falar. Sabe Sr. Religioso,o senhor parece um disco quebrado da Bíblia. Será que o senhor só leu esselivro? Tome fique com estes, é para o seu bem! É para o senhor ver talcomo David Hume, que Deus é apenas uma ficção forte!

Cientista: Mas, que estória é essa de que Deus não existe? Existe sim.Foi ele quem criou a Natureza. Deus é Natura-Naturalis. O própriofundamento das Leis.

Ateu: Eu não disse! Este senhor passou quatorze anos na universidadee conquistou um título de doutor; mas, não sabe nada! Por um acaso Sr.Cientista, o Sr. já leu a Teoria do Universo Eterno e Imutável de FredHoyle? Ou quem sabe: A Teoria da Relatividade Restrita de AlbertEinstein? Ou Linus-Pauling? Ou Werner Heisenberg? Não! O Sr.Cientista prefere borboletas e ficções universitárias!

O Ateu é muito bem informado e não crê na Teoria do Universo Eternoe Imutável. Ele sabe que o universo não é um modelo estático; que avelocidade da luz não é constante, e que aumenta de tantos bilhões atantos bilhões de anos. Enfim, o Ateu sabe da Teoria das Cordas e defísica quântica. Parece-me que será difícil o diálogo com ele.

Religioso: Afinal de contas o que viemos fazer aqui? É sabido que ahistória começa no Gênesis e termina no Apocalipse. Por um acaso já

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leram Francis Fukuyama? Vamos parar com essas discussões inúteis, evamos apreciar esta bela paisagem que Deus nos deu.

A discussão para por uns momentos, e os bons homens adentram amata, quando se deparam com um homem meditando no meio dafloresta. Seus cabelos eram longos. A barba estava por fazer há anos.As unhas crescidas. Estava lá, na posição da flor de lótus fazia muitotempo, não se pode precisar. Seu rosto espelhava calma, contentamentoe paz. Mas, nossos amigos....

Ateu: Ora! Vejam só! Este aqui está aí porquê não leu Saddock e Kaplan,e porquê não passou por aqui nenhum psicólogo reprogramador. Aliás,o que este indivíduo precisa é de um psiquiatra, e de um bom hospício.Vejam bem! O que leva alguém a ficar nesse estado?

Cientista: Respeite o homem! Não sabe história? Em 1789 foi feitauma revolução, e muitos morreram na escuridão para que hoje tenhamosluz. Pela Declaração dos Direitos do Homem, este homem tem o direitode estar aqui.

Religioso: Isso mesmo, Cientista! Seja qual seja a crença deste homem,devemos respeitá-lo. Vamos deixá-lo em paz, e que Deus o abençoe.

Ateu: Mas, isto é problema de saúde pública; de saúde física e mental.Será que não entendem? Este homem precisa ver o psiquiatra, eurgente!

Cientista: Se fôssemos pôr no hospício todos os que pensam diferentede nós, poríamos toda a cidade de Nova Iorque dentro dele, e ficaríamossequiosos por pôr mais. Quem sabe não poríamos as gentes de SãoPaulo, Buenos Aires, de Londres e Paris também. E o que dizer dosislâmicos que pensam diferente de nós? Respeito é a chave! Serespeitarmos a todos, teremos liberdade.

Religioso: Respeito é pouco, Cientista. Devemos buscar compreender.Deus nos fez diferentes uns dos outros para que pudéssemos ensinar eacrescentar uns aos outros. Para que possamos trocar conhecimentos enos enriquecer. Para que possamos aprender com todos, pois todo temalgo a nos ensinar, e nós sempre temos algo a aprender. Essa é a vontadede Deus.

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Ateu: O Sr. Religioso lê muita ficção. Por um acaso já leu A Lógicado Sentido de Gilles Deleuze? Ou An Enquiry Concerning HumanUnderstanding de David Hume? Ou algo de Duns Scott, Avicena ouGuilherme de Ockham? Não. O senhor não leu. Deveria ler Germinalde Émile Zola, ou o Manifesto do Partido Comunista. Sr. Religioso,bem vindo ao mundo real. O mundo real é extremamenteproblemático, cheio de inconstâncias e velocidades que nunca seencontram. É feito de fluxos onde a matéria é vazia, e Deus toma aforma de Dionísio e de Heliogábalo, e você não pode mais dizer oque é, aquilo que você pensava ser agorinha há pouco! Sr. Religioso,em nosso mundo real, lamento dizer, mas, os aviões costumam cair,há tornados e nevascas por toda à parte; o mar só se aquieta para serevoltar, e, as pessoas só saem para entrar, e entram para sair! Háuma impossibilidade neste mundo, neste lado do espelho. O mundoreal é impossível por natureza!

No meio da discussão, o Sábio abre os olhos.

Ateu: .... Mas, é claro que tenho mesmo razão, Sr. Cientista. Não gasteio meu precioso tempo estudando as formigas. Gastei sim, lendo PaulValéry, que me trás a tragicidade da existência. Ih! Olhem! O maluco, olouco desvairado, acordou!

Religioso: Venho a exigir respeito para com este homem! Se nãocrê em Deus, respeite a este homem como gostaria que orespeitassem! Estando certo ou não, este homem merece respeito,tolerância e compreensão. Vamos lá, meu bom homem, qual o seunome?

O Sábio nada respondeu. Ficou ali parado, observando as três figurasoriundas da civilização tecnológica destes tempos últimos.

Cientista: Ele não deve compreender a nossa língua. Tentarei outras....

E lá foi o Cientista gastar a batelada de seus trinta e quatro idiomas....Óbvio, que sem resposta. O Ateu intervém:

Ateu: Sr. Cientista, já lhe ocorreu que este homem pode ser surdo?Vamos analisar os ouvidos dele. Sujo do jeito que está deve ter terra noconduto auditivo dele.

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O Sábio olha para o Ateu, e sorri.

Ateu: Vejam! O homem das cavernas sabe sorri!

Cientista: O riso é um reflexo primitivo de nossos ancestrais. Até aímorreu Neves.

Religioso: Oh, Deus! Perdoai-nos! Pois ainda não aprendemos arespeitar o nosso próximo!

Então, inesperadamente, irrompe o Sábio. Sua voz parecia o cantar deum Rouxinol em bela tarde. Os pássaros acorrem a ouvir o GrandeHomem, e as feras da floresta se aquietam.

Sábio: O homem que não sabe o que quer, não sabe o que deve buscar,pois ainda não sentiu o caminho dentro de si. Vocês ainda não sãohomens. Eu os ouvi desde há muito. Desde que entraram aqui. Falamdemais! Do homens que muito falam, há sempre duas espécies: osignorantes (aqueles que não sabem que não sabem), e os que pensamque sabem (pensam que sabem que sabem).

Ateu: Puxa vida! Até que o selvagem não é tão ruim assim! Vamos lá,agora me diga o seu nome, sim?

Sábio: Eu não tenho nome. Mas, para que o quer saber? Seria muito melhorque se preocupasse consigo próprio. Seria melhor que olhasse para dentrode si mesmo, e procurasse por você aí dentro. Talvez ainda não tenha feitoisso. Talvez tenha, e, por isso, você se escondeu por detrás dos livros. Elesnão te levam a lugar algum, e é por isso que você os deseja. O homem queconhece a si próprio é o único que pode dizer que é senhor de si mesmo,pois a posse de si mesmo implica em liberdade. A posse de si mesmo implicaem ter todo o poder, e não precisar usar dele jamais. Ter a si mesmo, é tertudo e não ter nada com o que contar.

Ateu: É. O selvagem não tem nome.

Cientista: Respeita o moço, Ateu. Não vês que ele é gentil conosco.Caro senhor, meu nome é Yevgeni Mahogany, a seu dispor! Cientistado Instituto de Bromélias, Borboletas e Afins do Setor de Botânica daUniversidade Estatal desta Capital.

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Religioso: Espero que nos desculpe. Perturbamos o seu sono. Já vamosembora.

Sábio: Eu não estava dormindo.

Religioso: Mas, como? Pelo menos, parecia!

Sábio: O homem que se deixa levar pelas aparências é como o cavaloque se torna senhor da carruagem. Onde o cavalo pode levar acarruagem? Se não para o precipício, a lugar algum!

Religioso: Esta conversa está é muito enigmática. Do que está falando?

E o Sábio fecha os olhos. O Religioso o acompanha. O Ateu e o Cientistaentram em uma discussão feroz em busca de uma explicação para o queestá se havendo ali, e, percorrem Jung, Freud e as correntes psiquiátricasmais modernas... Óbvio, que sempre invocando a razão para si mesmos,e, desta forma, não chegando a nenhum consenso. Eles esquecem queno mundo dos fenômenos as coisas são um contínuo não-ser....

Duas horas depois, o Sábio e o Religioso abrem os olhos.

Religioso: Obrigado.

Sábio: Agradeça a si mesmo. Você concedeu a si mesmo a força paracontemplar a verdade. Eu não fiz nada.

Ateu: Mas, que negócio é esse? Mais uma experiência dessas defundação de igreja? Teve um maluco que fundou uma há dois mil anos,e deu no que deu! Hoje a medicina está atrasada mais de duzentos anos,e devemos agradecer a quem?

Sábio: O homem que segue o seu caminho, ocupa-se com o que é digno.O homem que se ocupa do que é digno, tem paz. O homem que tem paz,tem liberdade. E, o homem que tem liberdade, tem força. Tudo o que ohomem que segue, o seu caminho digno, precisa, lhe é dado, pois o homemque tem liberdade, tem força. O homem que tem força, tem tudo o queprecisa para caminhar no caminho, que dá sempre para outro caminho, quepor vezes leva a estradas amplas do conhecimento do inefável, que dá paraoutras estradas até o infinitos dos tempos que estão por vir.

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Nosso amigo Ateu ficou sem entender. O Cientista resolveu seguir asua vida estudando borboletas, e o Religioso tornou-se senhor de simesmo, e desistiu de tentar fazer com que os outros aceitassem a suaverdade. Agora ele não tinha mais a verdade. Ele apenas, como Mestrede si mesmo, apontava o caminho, e deixava ao livre-arbítrio das pessoasseguirem ou não. As pessoas não mais o seguiam, pois ele, agora, estavamuito ocupado de si. Para aqueles que se iniciavam no caminho, o novoMestre ajudava, pois eles não mais o seguiam, seguiam no caminho dadignidade, do amor e da comprovação por si próprios.

Somente a distância, é que enxergamos o detalhe. Somente diante dodetalhe, é que vemos o quando o universo é vasto e infinito.A verdade está aí. Ela está bem dentro de seu coração. Porém, paraenxergá-la é preciso renunciar a si mesmo, zerar o conhecimento econstruir novas pontes. Se as pontes que você construir não servirem,não tem problema! Construa outras! Aquele que se afirma na dignidadeda força, está com a Lei. A Lei olha pelos buscadores, por aqueles queescolheram com coragem o seu lado no espelho de Lewis Carroll.

Em nossas análises, práticas e experiências passadas, e, particularmentecom as recentes começamos a notar que é muito tênue a fronteira quesepara o ensinamento dos demais conhecimentos esotéricos e exotéricos.Nos parece que chegamos a síntese. Estamos claramente na fronteira.Podemos aproveitar de todo o conhecimento e nos amalgamar com todo(e em todo) ele. Podemos absorver as mais diversas formas deensinamento e compreender as mesmas. É de boa lembrança que todo oensinamento está alicerçado em quatro pilares, que são os quatro pilaresdo templo: a filosofia, a mística, a música e a ciência.Nos parece que no ensinamento revisado, ainda caibam dogmas, masnão muitos. Os preconceitos devem ser extintos para dar forma ao nossonovo conhecimento prático. Dos gnósticos de primeiro momento em

III

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nossa atual era, foi legado o conhecimento das várias religiões e ordensde mistério. Foi assim que se conseguiu a síntese. Portanto, resultainfundada toda e qualquer forma de preconceito contra qualquer tipode crença, religião, filosofia ou ciência. Devemos nos aproximar dasvárias formas de expressão de conhecimento humano como crianças quedetêm o conhecimento da serpente. Devemos ser inocentes e questionadores,e, desta forma, não teremos porquê olhar para trás. O conhecimento dasíntese nos dá força, entretanto de nada vale sem práticas.Abaixo os preconceitos em nosso ensinamento, que busquemos ocaminho com a tranqüilidade do elefante e a agudeza do olhar da águia.Somente partindo dia após dia do ponto zero do conhecimento é quepermitiremos que o novo entre pela via da não-mente. Ser não-mente éser não-sendo, agir pela não-ação e com isso observar atentamente, eem alerta sereno a nós mesmos como agentes de atividade de um mundoque apenas passa diante de nós. O sábio age mais pelo agir necessárioque pelo agir enérgico que dispersa suas energias e o retira da posturacontemplativa de não-mente.Sendo esse o último dos Tópicos do Ensinamento, gostaria de deixarcom vocês uma mensagem que faço minha e que foi musicada por meuamigo e irmão espiritual Adriano Freire da Motta.Que a Paz esteja com todos junto ao objetivo da Dignidade. Uma vidaque não tenha Objetivo Digno é um desperdício do tempo espiritual.

Reflexões do AdrianoTranscrição da Fita 1 – Música 2

Segunda Reflexão: O Objetivo da Força Como Caminho Para aComprovação da Verdade

Nós,Devemos ver o mundo, não como um castigo, mas como um desafio.Assim é que perante a vida, nós teremos a força e a coragem de umtigre, para prosseguirmos adiante, em nossas conquistas.

Perante a vida, que tenhamos a astúcia e o objetivo de uma serpente,para enfrentar as adversidades.

Que perante a vida, nós tenhamos tranqüilidade e paz, conformesimboliza a pomba. E que a paz e a tranqüilidade possam ser nossasconselheiras diante dos conflitos...

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Que perante a vida, nós tenhamos a visão e a liberdade de uma águia,para ir tão alto quanto se queira.

Que perante a vida, nós tenhamos a qualidade, sim, acompanhada deum dragão. Pois o dragão, é a soma de todas as qualidades. É a sabedoriaexpressada. Assim, nós teremos a todo o nosso alcance, o poderverdadeiro. O poder verdadeiro é um ente tão poderoso, que o dinheironão tem poder sobre ele. É um poder onde o poder da palavra, não émais poder. O poder em si, é a própria beleza verdadeira, qualquer queseja em reflexo sobre a terceira dimensão.

O poder verdadeiro está além de nossa mente. O poder verdadeiroreflete-se na humildade. A humildade expressada é uma demonstraçãode poder. Um poder que não damos valor em geral. Mas, sim! É umpoder! Pois, é ali, na humildade que se oculta o que não se pode ver.São muitas coisas, justamente o que o sábio sabe, o que o sábio viveu.O sábio através da humildade conquistada, conquista sempre algo mais.Porque o sábio sabe silenciar a sua mente, e devido a isso, ele sabe omomento de falar. Ele sabe o momento de não-falar. Ele sabe o quefalar. Ele sabe quando falar.

Para isso tudo é que o sábio, realmente, tem que comparecer ao mundofísico. Para passar para toda a humanidade o que seja necessário. Bemcomo, vários Mestres passaram o ensinamento. O sábio acima de tudo,é um grande homem em missão. Para fazer com que cada planeta,realmente, entre em seu próprio equilíbrio. O sábio faz com que o planetatenha força, para que seus habitantes busquem a transformação, amudança. O sábio transfere de si, para os outros, a sua continuidade depropósitos e objetivos que, assim, desta forma, são cumpridos. Osobjetivos são cumpridos, se houver persistência, força interior adquirida(e obtida por si e para si mesmo).

Assim é o homem com consciência, com sabedoria. A sabedoria dohomem auto-realizado, não se perde no tempo, e nem com o tempo; e,nunca se perderá em outras existências. Pois esta, está embutida em seuinterior. Esta, faz parte de seu dia-a-dia. E assim sendo, sempre será umhomem consciente. Consciente de seus atos e capaz de tomar decisõescorretas para si mesmo. Porque acima de tudo, um grande homem seinicia em uma grande liberdade, pois tem visão global de tudo o quenecessita. O grande homem é capaz de ver os outros como realmente

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são, e, assim, compreender os outros e fazer deles uma parte com ele,sem preconceito, sem (e com) o nada. Isto é o homem autêntico. Ohomem autêntico está sempre em uma demonstração de carinho, deamor para com os demais. A fraternidade é necessária. Portanto, ogrande homem conquista a fraternidade, também. E desta forma, criauma grande harmonia, que gera o equilíbrio expressado em sua relaçãocom os demais seres do universo. Isto é o que se pode dizer do grandehomem, do homem que não desiste, que não se limita com o tempo. Ogrande homem está além do tempo. E, também, acima de tudo, não seperde com os demais no sentido de buscar a ajuda necessária para o seuinterior. Desta forma, o homem sábio é um homem que caminha entreos demais com passos firmes, sabendo a direção em que vai. O homemsábio não perde o rumo do seu próprio trabalho interior.

E isto tudo. É um fato no momento em que se sente, no momento emque se vê... Que se vê realmente. Que se vê não só com os sentidosfísicos, mas com os sentidos que estão além da mente. Isto sim, é oúnico motivo de termos inquietude espiritual interior, de termos umabusca, de termos uma força, de termos uma mudança, de termos umaconquista, e, de termos, acima de tudo: Amor para com os demais....

Voltamos a floresta, e nesta manhã de fevereiro estavam passeando osnossos queridos amigos, que, creio, vocês já conheçam; a saber: o Ateu,o Cientista e o Sábio. O passeio tinha apenas iniciado, e nós demos asorte de pegar a discussão ainda no início. Entretanto, como a nossaviagem na companhia dos digníssimos amigos é longa, e mais à frentevocês conhecerão mais dois interessantes personagens, (a saber: oAgnóstico – Sr. Yehudan Chaim Scharovsky; e o Religioso: Sr. IbrahimSchon Wasser – da Universidade de Tel Aviv e doutor em Ciências daReligião – creio que o diálogo com ele seja proveitoso!). Gostariatambém, eu, de lhes falar um pouco (não muito para não lhes tirar ointeresse), sobre os nossos amigos neste primeiro momento na floresta.

IV

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Como bem se lembram, o Cientista é o Sr. Yevgeny Mahogany, doInstituto de Bromélias do Centro de Botânica da Faculdade de Biologia,que fica na Universidade Estatal desta capital. É um homem muitointeligente (por demais) e que passou quatorze anos de sua vida nauniversidade, dedicando-se a seu estudo. Com excelentes doteslingüísticos, o cientista domina os rudimentos de trinta e quatro línguas(dentre elas o sânscrito, o latim e o grego!), e possui vasta cultura geral.Nosso amigo Ateu é o pensador de nossos tempos. Dono de culturaenciclopédica, o Senhor Ateu leu desde as Obras Completas de SigmundFreud por James Strachey a American Psychology Encyclopedia e outrasainda na mesma linha! Nosso amigo Ateu possui ainda enormebackground em todo tipo de ciência exata e discute d igual para igualassuntos concernentes à química, física, relativística, matemática,astronomia e astrofísica. Fora ainda, como notarão, que nosso amigoAteu leu quase todos os filósofos antigos e escolásticos e hoje prestauma atenção concentrada na questão dos movimentos e das velocidadesem Bérgson e Deleuze. A questão do tempo em Deleuze preocupa muitonosso amigo Ateu e ele agora anda com mais dois livros permanentesdebaixo do braço: Mil Platôs e a Lógica do Sentido, de Gilles Deleuze.Fora ainda os já clássicos livros de nosso amigo ateu, que ele os levapara onde for, a saber, são: An Enquiry Concerning HumanUnderstanding de David Hume, A Teoria da Evolução de CharlesDarwin, e O manifesto do Partido Comunista de Marx e Engels. Comovocês já sabem, a conversa com ele será difícil. A novidade é que nossoamigo agora tem nome: Mordehay Svaltzman Waltz.Bem, sobre o Sábio, não tenho muito a dizer, a não ser que ele está deviagem pelo mundo e quase foi preso pela polícia política após terministrado uma palestra sobre meditação no Instituto de Botânica dacapital. É estranho, mas a polícia considerou de cunho subversivo amensagem de paz de nosso amigo. Se o Sábio não fosse estrangeiro, eportador de passaporte vermelho, creio que o nosso pacífico amigo jánão estivesse tão bem de saúde.Por fim, o Agnóstico (Sr. Yehudan Chaim Scharovsky) é de Bratislavae foi lá que ele e Mordehay (o Ateu) se conheceram. Yehudan é médicogeneticista da Universidade Estatal de Varsóvia, e o Ateu é professorde história em Bratislava. É uma amizade interessante!Fora o que eu já disse de nosso amigo Religioso, devo acrescentar quetambém é médico, psiquiatra e psicanalista e que se especializou emCiências da Religião por necessidade de inserção em um contexto socialtão conturbado como este de aparente colapso do sistema planificado

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de governo. Como podem notar, nem o Religioso e nem o Sábio sãodaqui, pois o Sábio nasceu às margens do Ganges e o Religioso nacapital política e administrativa da única democracia do Oriente Médio.

Bem, me parece que já pegamos o diálogo em andamento:

Ateu: ... Pois observe, Sr. Cientista que a Teoria do Universo Eterno eImutável, apesar de sua evolução eventualmente ótima é improvável,pois diante do aprofundamento da Ciência dos Quanta, observamos umretorno da física ao Paradigma Filosófico. As observações feitas porHubble confirmam as perspectivas einstenianas de um crescimentodiário do universo da ordem de cem quilômetros diários. Se algo cresce,é porque não é imutável. A matemática é só o instrumental que salva asaparências da física. Você faz ela referendar qualquer coisa, mas issonão quer dizer que haja verdade alguma!

Cientista: Os modelos matemáticos têm um funcionamento ideal, esendo esta a forma mais próxima de se explicar uma realidade, então,creio explicar que tais modelos nos ofereçam explicações necessárias epossíveis.

Ateu: Sim, necessárias e possíveis, pois muitos são os mundos possíveisde acordo com Leibniz! Veja: não é pelo fato de os reatores nuclearesfuncionarem que se pode dizer que se sabe algo de fissão ou fusãonucleares. Para os atomistas gregos, o que interessava era tudo, menoso átomo. A questão é sempre menos que o mínimo. Existe umaimpossibilidade no conhecimento, e nisto Kant não mentiu para nós.

Cientista: Concordo contigo, mas, se não fossem Aristóteles, Kant eHegel o que teríamos aqui?

Ateu: Concordo contigo neste quesito, mas, volto a insistir que não éporque a política funciona, que se sistematizou a ciência moderna, eque, ainda, se desenvolveu uma Teoria do Estado, que podemos dizerque há alguma verdade aí. Pois a política, o conhecimento e o Estadosão construções datadas. Não há verdade aí.

Cientista: Mas, precisamos tentar uma explicação para as coisas. Comodisse Einstein nosso conhecimento está noventa e nove por cento errado,mas é o que de mais valioso nós temos!

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Ateu: É por isso mesmo, Cientista! Veja, Einstein, o Judeu Genial, eraum cientista dublê de filósofo. Ele dizia: isto é ciência, e os bobosengoliam como se fosse! É a cultura do simulacro, nada mais. Jung,Freud, Einstein diziam que o que faziam era ciência e as pessoasacreditavam! Veja Cientista: há algo de mais filosófico que afirmar:tudo é relativo? Será que a ciência faliu de uma tal forma que estejasendo forçada a voltar ao Paradigma Filosófico?

Cientista: Mesmo sabendo que o que sei está noventa e nove por centoerrado, é meu deve avançar, pois como disse Edward Tesla: a ciência éuma branca luz que ilumina tudo por igual apartando de tudo as trevasda ignorância e do preconceito, creio que ele tenha dito mais ou menosassim, mas a idéia é esta.Ateu: A ciência é uma tentativa necessária, mas ela tem que se vigiarpara não se tornar uma segunda religião...

A conversa prossegue, e, em um determinado momento, quinze minutosapós a nossa chegada (como não poderia deixar de ser!) nosso amigoAteu lembra do Sábio.

Ateu: E aí Sábio? O que tem a nos dizer sobre as nossas questõescosmogônicas?

Sábio: Aquele que conhece a si mesmo, conhece o universo e os Deuses!Como posso conhecer o Cosmos se não conheço a mim mesmo?

Cientista: Há um certo sentido nas palavras dele, Ateu. Todavia, nãoconsigo admitir por completo a opinião dele, pois bem como disseAristóteles: o mundo só pode ser conhecido por seus fenômenos. É noexterno que nos reconhecemos.

Ateu: Só perguntei por desencargo de consciência. Só se poderia ouvirisso de um sujeito como esse! Tá faltando uma leiturinha aí, né? Sr.Sábio, como todo o respeito, devo admitir que o senhor só está assimporque o Estado não permite o advento da psicologia. Se o senhorconhecesse um psicólogo reprogramador o senhor não ficava assim.Eu prometo que ainda levo o senhor ao psiquiatra da universidade estatal,pois tenho certeza que há um problema, se não dois ou mais em seucérebro, e no estágio atual de nossa ciência, devo admitir que o que nãotem cura, pelo menos tem tratamento, e o senhor após uns

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antidepressivos e uns antipsicóticos vai se tornar outra pessoa, maisracional, equilibrada e capaz de aprender uma grande gama deinformações. Não há nada em neuro-química hoje que nós aqui nãosaibamos. Pode aguardar Sábio, que eu o Grande Ateu de Compaixãodo Mundo vai ajudar o senhor!

Sábio: Sr. Cientista, me diga o que conhece do conhecimento? Oconhecimento do senhor já o levou a algum lugar? Conhecer o mundo éconhecer mediante um conjunto de regras que o senhor aprendeu e deu onome de ciência. É como enxergar um quadro branco com óculos de lentesverdes! Aí o senhor dirá: este quadro é verde, e não branco! E como razão!Pois, o que vê é a cor verde e não a cor branca! O que a sua ciência permiteé apenas uma coisa: conhecer o conhecimento, e como a mente não podeconhecer o real, a maior parte dele o senhor ignora que ignora. Um fenômenoé um fenômeno para outro fenômeno, pois a consciência que o senhortanto preza é só uma invenção, um órgão adaptativo. Não há nada que osenhor possa conhecer antes de conhecer a si mesmo.

Ateu: Sr. Sábio, creio que estamos entrando em um ponto de tangência,mas gostaria, mesmo assim de retornar a questão à superfície. O senhora deixou profunda demais.

Cientista: Mas, como? Embora, eu não concordo com esse negócio deque o que eu conheço é só o conhecimento, não achei profunda a questãodele.

Ateu: A questão, Sr, Cientista, não está no que se diz, mas do que sedesvia. A questão não é conhecer o mundo mediante um conjunto deregras, e sim saber que as regras são ficções historicamente datadas.Elas surgem do desejo, e necessidade de controle no início dassociedades organizadas há dez mil anos aproximadamente. O conjuntode regras, por ser fictivo é verossímil, pois como disse Platão noProtágoras: a verdade não existe. Então, eu digo qualquer coisa e vocêsacreditam! A questão, então, não reside no conjunto de regras. Mas,concordo com o Sábio em que ela reside no tipo de teoria que usamospara tentar entender o mundo, aí a questão fica bem colocada, poisdependendo do arcabouço teórico aplicado a tal ou qual fato (ou aposição do observador) obteremos tal ou qual ficção, que daremos umnome qualquer, (diremos: ciência) e que por ser falso, diremos que éverossímil e portanto: verdadeiro.

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Sábio: Sim, Ateu. Muito certo está ao dizer: as regras surgem do desejo,pois o desejo é o problema. O homem que cultiva a vontade, podesuplantar o desejo e aí a regra pode no se aplicar mais a ele, a não serpor mera formalidade. Está certo, também, ao dizer que a verdade nãoexiste... Pois, a verdade, realmente, não existe.... Ela é. Existem coisasque podem ser sem existir, e outras que existem e não são, outras existeme são.

Cientista: Agora aprofundou.

Ateu: Sr. Sábio, me perdoe, mas o senhor parece confuso, religioso até.O ser não existe, o que existe é só o movimento das essências vazias.Não há substância, o que há é apenas superfície. Essa estória decategorias é de um certo senhor chamado Aristóteles, mas este senhorfoi bem enterrado por Newton, Kepler, Galileu e Da Vinci.

Sábio: Conhecer é não saber. Ter informação é não saber. Viver nomundo das antíteses é não saber. Saber é ir além, é não transcender. Osaber está logo ali, para o buscador de coração leve.

Ateu: Do jeito que a coisa vai, daqui a pouco vamos fazer um culto aOsíris e outro a Hathor! O Sr. está egípcio demais hoje, Sábio! Sabiaque um certo senhor foi dar uma de faraó há uns dois mil anos e se deumal! Ele esqueceu a sua condição de escravo do império e morreuacusado de crime contra o Estado. Cuidado, Sábio, certas posiçõesanacrônicas são perigosas! Mas, em contraposição e comentário aoassunto, eu vejo que há uma impossibilidade em nossa conversa, pois osenhor é um homem verídico e eu me ponho no lugar do ignorante.

Sábio: O verdadeiro ignorante é aquele que conhece a sua ignorância!

Após este guerrear de palavras uma pequena trégua se apoderou dogrupo. O Cientista catalogando as suas borboletas ficou e o Sábio e oAteu ficaram em silêncio.

Enquanto isso, duas pessoas iniciavam a caminhada na floresta naqueleexato momento. Era o Religioso e o Agnóstico. Vamos ouvir:

Religioso: Dizem que no final de semana algumas pessoas dauniversidade costumam passear aqui.

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Agnóstico: Há, sim! São Yevgeny Mahogany e Mordehay SvaltzmanWaltz. Conheci Mordehay em Bratislava e Yevgeny é daqui mesmo,ele esteve em Varsóvia para a cerimônia do ano novo da ascensão deGorby ao poder após a morte de Chernenco.

Religioso: Interessante! Mas, não entendo como vocês podem ser amigosde Mordehay. Ele é totalmente Ateu, não é?

Agnóstico: Mordehay leu muito. Os pais trouxeram para ele livroseditados em países livres, onde há democracia, lei e liberdade para todos.Por isso, Mordehay conhece muitas coisas e é de boa valia em qualquerquestão.

Religioso: Me parece que o Cientista é amigo de um homem conhecidocomo Sábio. Soube também que ele não professa qualquer religiãomonoteísta. Me é difícil que alguém ainda professe uma crença diferenteda nossa após a ascensão das três grandes religiões.

Agnóstico: Da sua Religioso! Da Sua! Eu mesmo prefiro Deuses quesejam parecidos comigo, que um Deus que por questão de economianão tem sequer rosto para não gastar mármore. Talvez, o Sábio sejaassim, pois conforme sabemos a sabedoria não tem endereço certo.Talvez seja assim também pois não teve nenhuma disciplina religiosaou atéia excessiva. Nos países livres há o predomínio das três grandesreligiões, e aqui do ateísmo, que não deixa de ser uma forma de religião.Mas, de certa forma o governo está certo, aqui não precisamos de Deus,precisamos de gente que pense, e de ciência.

Religioso: Você acabou de dizer que Mordehay leu livros de paíseslivres. Acha mesmo que as pessoas aqui pensam? O pensamento sóé possível com liberdade, e aqui há um jornal, uma agência denotícias, dois canais de televisão! O que pensa que isto aqui é? Eulhe digo: isto não é liberdade! Não há criatividade em sua terra. Quelugar é este? Que país é este que possui mísseis balísticos de longoalcance que são capazes de varrer Washington D.C. (District ofColumbia) do mapa em quatro miseráveis minutos e raciona sabão epão? Há filas intermináveis aqui! Um operário ganha o mesmo queum engenheiro que tem no mínimo dezesseis anos a mais deinstrução, e você vem me dizer que aqui há liberdade? Pelo amor deDeus! Pense!

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Agnóstico: As vezes penso que o Sábio não é produto de uma fortedisciplina religiosa como aqueles que professam o monoteísmo seimpõem a si mesmos. Não é pelo fato de crer ou não, de seguir princípiosrígidos que se obtém a sabedoria. A sabedoria não é uma fórmula prontaque a gente compra na farmácia. Gostaria de fazer nesse assunto umaanalogia com Kant: não se pode ensinar a ser filósofo, o que se pode éensinar a filosofar. Nesse sentido não se ensina a sabedoria a alguém;pois como disse Platão, e em analogia a ele: ou a pessoa nasce comíndole para o bem ou não. Isto se aplica ao fato de nascermos com umacompleição à filosofia ou à sabedoria, ou à ciência ou ao trabalho braçale administrativo.

Religioso: Está querendo me dizer que acredita no mundo das idéiasplatônico?

Agnóstico: Não em um sentido agostiniano, mas em um sentido mítico.Veja esta questão da índole, creio que seja genética.

Religioso: Tal como a propensão à filosofia?

Agnóstico: Sim. Creio que seja adequada à teoria em questão na medidaem que não existe uma anima tantum, a alma é produto do corpo. Umacriação necessária. Nada mais.

Religioso: Então, não crê nas essências? Nos substractos? Penso quesem tal arcabouço teórico nos seja difícil e até impossível compreendero homem. Creio que algo o preceda.

Agnóstico: Talvez o que preceda a essência, seja só a existência e foradisso nada. Já leu Jean-Paul? Seria interessante! O Ser e o Nada é umlivro escrito por um ateu, que foi listado no Index LibrorumProhibitorum, e, ao mesmo tempo é um dos livros que melhor fala deDeus sem jamais usar o seu santo nome em vão. Quando não se podefazer arte, se faz filosofia, mas existem momentos em que a filosofiatangencia com a arte.

Religioso: Heidegger foi o mestre, e um bom mestre por sinal. Váriosteólogos exploraram os argumentos de Heidegger, mas, sabe, Agnóstico?Prefiro Gabriel Marcel, para mim é mais coerente. Dizem que Jean-Paul leu muito Avicenna, Averróis e Santo Tomás, fora ainda o homem

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de Oxford. Não há nada de novo entre o céu e a terra, mas sim a formade apresentarmos a nossa pergunta, nada mais.

Enquanto isto, mais adiante na floresta, não muito longe:

Ateu: ... Eu não te disse? Cientista, trazer este homem é um problema!Veja o que ele deu para fazer agora!

O Sábio estava em uma posição incomum de meditação, muito usadapelos homens santos da Índia. O Sábio estava abrindo o seu coraçãopara receber a força da natureza e por isso estava de cabeça para baixo,apoiado em uma árvore, em uma prática de inversão da rotação doschackras com o intuito de revitalizá-los.

Cientista: ... Mas, ele disse que o podemos deixar aí, que depois elenos alcança. Deixa o homem aí, Ateu, eu acredito que o homempossa se cuidar.

Ateu: Que se cuidar o quê? Caro Cientista, não vê que o homem élunático, estrangeiro, e produto de uma sociedade religiosaestratificada? Hoje, lá reside a segunda maior população do mundo!Setenta e cinco por cento da população tem renda de menos de umdólar imperialista por dia! Eles não se revoltam, e, por quê? Porquêdisseram para eles que a vida no paraíso é autentica e esta: falsa!Consegue entender? Se levarmos este homem ao centro deneurociência do hospital de Berlim, veremos pelos exames deressonância magnética helicoidal, que só pode haver buracos nocérebro deste homem! Um bom psiquiatra, como o da universidade,não pensaria duas vezes antes de internar este homem.

Cientista: Trocamos uma inquisição por outra, mesmo após o Manifestopelos Direitos do Homem de 1789. As vezes penso que Rawls sejaimpossível na mesma medida que Santo Tomás e Aristóteles também osão! Quando aprenderemos a respeitar o próximo?

O Sábio abre os olhos, mas se mantém na mesma posição.Sábio: Quando aprendermos a respeitar a nós mesmos! Conhece-te a timesmo e conhecerás as Hierarquias, a Lei e o Tribunal, e serás Senhore não escravo das circunstâncias! O verdadeiro saber é humildade, queé sempre não-mente.

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Nossos amigos: Ateu, Cientista e Sábio, voltam a caminhar e quemencontram na bifurcação da trilha?

Agnóstico: Mordehay, é você? Há quanto tempo? Soube que estáestudando os filósofos franceses! Gente boa!

O Ateu e o Agnóstico se abraçam efusivamente.

Religioso: Yevgeny! Que seja o Deus de Moisés contigo! Comoestás?

Mais abraços.

Cientista: Bem, diante dos olhos que tudo vêem, Santo Rabi!Permita-me apresentar.... Este é o Sábio.

Religioso: Prazer. De que universidade o Amigo é?

Sábio: Da universidade da vida.

Ateu: Sr. Psiquiatra, graças a Sorte, o Senhor apareceu! Olhe paraisto! Não lhe parece que tem alguma disfunção sistêmica do temporal,córtex e hipocampo que o conduz a um estado de fuga da realidadepor bloqueio eletroquímico no nível da recepção das sinapses?

Religioso: Olha Mordehay! Estou conhecendo este homem agora enão posso me arriscar a dizer que ele é isto ou aquilo. Por favor,deixe este homem em paz! Ele me parece muito pacífico!

Sábio: O Tempo é o Senhor da Razão!

Ateu: Eu não disse! É daí em diante! Cinco minutos conversandocom o Bhagavan aí, e você fica acéfalo!

Sábio: O homem que pensa que tem o pensamento, tem apenas maisuma ilusão. O homem que sente que o pensamento é somente maisum modo de ser não-sendo, pois é não-mente, não se preocupa emqualificar isto ou aquilo, pois vive no presente, através de atitudesdignas e serenas.

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Religioso: Não vejo nada de mau nas palavras dele. Lembram-me as deum grande judeu que fundou um movimento de massa háaproximadamente 1988 anos gentios.

Ateu: Oh! Sim! E que em nome dele nós tratamos de destruir asculturas Asteca, Inca, Chibcha e outras! Sim, me lembro! Tinhatambém uns tais de Jesuítas (Soldados do Senhor) que apoiados nonome de um Deus irado, vingativo e gay, resolveram que os homensnegros não tinham alma e por isso poderiam ser escravizados. Emnome de Deus, católicos assassinaram protestantes na Noite de SãoBartolomeu no reinado de Carlos IX da França... Sim! Bem melembro! Temos ainda também que em nome de Deus, um certo senhoralemão e esquizofrênico obteve do papa a benção para exterminarseis milhões de seres humanos, incluindo aí: católicos, árabes,deficientes físicos, e minorias étnicas, lingüísticas e raciais, e, ainda,cidadãos alemães arianos que cometeram um grande crime: pensar!Jóia! Esse maldito Deus seu! Ao inferno com ele!

Cientista: Não podemos julgar um movimento histórico unicamentepelo erro...

Agnóstico: E também por isto, não podemos dizer que estamos certos.A história é uma narrativa ficcional e ela sempre tem três versões: a dosvencedores, a dos vencidos e a verdadeira.

Cientista: Vamos continuar! Venha Sábio! Não ligue para eles, poiscomo disse Voltaire: não concordo com uma palavra do que dizes, masdefenderei até a morte o direito que tens de o dizer.

Agnóstico: Estou contigo, Cientista! Vamos Bom Homem! Queremosaprender contigo!

Sábio: Não tenho a ensinar, mas estou no caminho da vida, que é ocaminho do presente, do eterno que dá sempre para outro caminho;onde as certezas não valem, só os movimentos e as velocidades.

Ateu: Leibniz e Deleuze: A Dobra e o Barroco. Sr. Sábio, o Sr. leu isso?

Sábio: Não li. Mas, observo o mundo com o coração, e isso me ensinamuito.

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Ateu: É. Sempre começa bem; mas, tem que terminar mal! VamosIbrahim, vamos conversar!

Religioso: Prefiro igualmente estar com este homem, pois ele não ensina,e eu aprendo.

Ateu: Que coisa! O sujeito passa oito anos na faculdade de medicina,três na especialização, outros três na escola de psicanálise e outros tantosestudando filosofia, teologia e religião, para me dizer isso? Veja Ibrahim!Este homem é anacrônico! Está no tempo errado! Desde o advento dosSofistas, não existe mais a verdade, o tempo dos sábios passou, tal comoo tempo dos mitos!

Religioso: Mordehay, a vida não é só o intelecto...

Nisso, nossos amigos: Agnóstico, Cientista e Sábio se desgarramacidentalmente do grupo e pegam uma trilha que dá em umamontanha que deveria ser escalada, para dar continuidade ao passeio.E o Ateu e o Religioso começam a andar pela floresta a procura dogrupo.

Cientista: Bem, vamos fazer o seguinte: eu vou primeiro, pois tenhoexperiência maior em escaladas, depois afixo uma corda lá em cima eBhagavan e você (Yehudan) sobem depois, está bom assim?

Sábio: O Mestre é sempre aquele que no momento tem mais experiência.Agnóstico: Concordo com ele. Vá você. Enquanto isso, Sr. Sábio,retornando a nossa questão: eu devo acreditar que exista uma verdade,não é? Mas, pelo disencionamento de Eros com Alethéia...

E o Cientista começa a sua escalada. Enquanto isso perto dali:

Ateu: Esse negócio de ler Torá, Cabala, Talmude, Bíblia Bitoladorade Bobos, é muito pobre, não acha? Veja o simulacro de falsidadedo cristianismo? Importaram todo um manancial platônico-aristotélico para dar certa lógica ao que o tal judeu disse pelaspalavras dos evangelhos não-sentenciais. Se não fosse a Grécia, oque seria de Roma? Se não fosse a Roma doutrinada na teoria dacontradição, o que seria do corpus romanum, sobre o qual o sangrentoe pavoroso cristianismo sionista surgiu?

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Religioso: Olha Ateu, eu não tiro a sua razão do ponto de vista histórico-filosófico. Nosso povo mesmo sofreu muito nas mãos dos reis católicose dos inquisidores cristãos. Há um erro aí em dizer que o cristianismoseja um projeto sionista. Por que criaríamos um projeto de tamanhaintolerância e ódio contra nós mesmos e contra todos os cidadãosdecentes do mundo?

Perto dali, o Cientista lança a corda para baixo, após ter alcançado ocume da montanha.

Cientista: Caramba! Que bonito! Que fantástico! Que maravilhoso! Éinacreditável!

Agnóstico: Diga, Cientista, o que vê aí de tão maravilhoso?

Cientista: É inexplicável! Vou me jogar!

E o Cientista se joga.

Agnóstico: Fique aqui, Sábio. Vou lá ver que negócio é esse, que é tãomaravilhoso. Mas, se algo me acontecer, chame o resgate. Que estranho!Me parece algo hipnótico, transtornador.Sábio: Não se deixe iludir pelo externo, pense que o que vê é só efeitode superfície, efeito sem causa, nada mais. Isso poderia ajudar você,quando chegar lá em cima.

Enquanto isto, nossos amigos: Religioso e Ateu tentam retornar a trilhacorreta.

Religioso: É, Mordehay, nem sempre a cultura salva. Cultura, erudição,e inteligência são inúteis, se não tivermos: perspicácia, sensibilidade ecriatividade, quando estamos perdidos.

Ateu: Ibrahim, veja. Aceite a situação: estamos perdidos, mas vamosnos encontrar, pois de acordo com os meus cálculos, eles devem ter idomais ao norte. Estamos perto deles.

Religioso: Que o Deus de Isaac te ajude Mordehay. Estamos no inverno,e eu não gostaria de congelar por aqui. Até que a universidade dê faltade nós, deveremos estar mortos.

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Ateu: Alegria, Ibrahim! A morte é apenas um dos muitos possíveis! Jáleu algo sobre universos paralelos e Teoria das Cordas?

Religioso: A ciência também é uma narrativa ficcional.... Veja,Mordehay! Lá no alto! É Yehudan Scharovsky!

Ateu: E aquele ali, é Senhor Bhagavan Lunático Fugido do Hospício!

Religioso: Vocês ateus não respeitam ninguém!

Ateu: Não tenho culpa, se nasci para pensa!

Religioso: O pensamento sem a sensibilidade é muito pouco. Esperoem Deus que possa viver o suficiente para aprender a tolerar o próximoe aceitar o mesmo com se fosse seu irmão.

Ateu: Veja! Scharovsky está gritando algo!

Agnóstico: Puxa! Que maravilha! Que beleza!

Sábio: Lembra, homem! Lembra do que te disse, não se iluda com asaparências.

Neste momento, Mordehay e Ibrahim chegam onde o Sábio se encontra.

Ateu: O que ocorre aqui, lunático?

Sábio: Ocorre o que a sua visão limitada e ignorante pode ver, pois opior dos ignorantes é aquele que ignora que ignora.

Ateu: Há! Escondendo o jogo, né? Eu tinha certeza que você tinha lidoPlatão escondido no banheiro lá em Nova Delhi. Bem, em Nova Delhitem banheiro, lunático?

Sábio: O homem deve conquistar a humildade. A verdadeira humildadeé conquistada, é como a verdadeira liberdade e verdadeira fraternidade.São coisas que não te são dadas, pois tem que ser conquistadas. Eu seique nada sei, mas ainda falta muito para mim, pois diz Sócrates pelaboca de Platão, que as quatro etapas para a aquisição da verdade são:

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conhecer a sua ignorância, ignorar a sua ignorância, conhecer a suasabedoria, ignorar a sua sabedoria.

Religioso: Vamos parar com a troca de elogios! O que há lá em cima?Onde está Yevgeny?

Sábio: Os dois subiram.

Lá em cima:

Agnóstico: Vou me jogar! É lindo!

Ateu: Há algo ali! Talvez uma substância hipnótica, algo que os leve ater alucinações. Acho que devemos convencer ele a resgatar Yevgeny adescer dali.

Religioso: E quem fará isso? Você? Com a sua fantástica intelectualidadeenciclopédica? Santo Anselmo deve estar orgulhoso de você! Mas, mediga, Ateu, para que serve o retângulo lógico agora? Eu vou subir!Bhagavan, peço que cuide dele. Daqui, o único equilibrado é você.Caso, algo de mal nos aconteça, leve Mordehay de volta a Moscou eavise as autoridades, sim?

Sábio: Homem! Não suba! Não sabes o que há lá! As vezes desconhecero desconhecido é melhor que desconhecer aquilo que se pode conhecer.

Religioso: Eu te entendo, Nobre Homem; mas, não posso te compre-ender. Tenho que subir. Homem Santo, dá-me a tua benção!

Sábio: Sim, eu te dou estas palavras: o que vês é o que queres ver, nadahá além disso; pois a verdade tem que ser buscada dentro, e não fora.Da mesma forma, que a linda ninfeta será destituída da beleza um diapela intersecção e intercessão do Senhor Tempo com tudo o que é falível;então, desta forma, tudo o que a mente pode contemplar é o movimentoda velocidade na aparência. Se tiveres que ir, vá! Mas, não confia nastrevas dos teus sentidos, pois eles mentem para ti! Transforma asimpressões, pois tal como uma mulher velha já foi bela um dia, o quehoje é conhecimento, ontem, na irmandade com o ser, ecomplementando-se divinamente com ele, foi parte da verdademonádica. Que seja feita a vontade da Lei e de Seus Juízes!

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Ateu: Opa! Esqueceram de convidar Anúbis e o Faraó para a festa!Amenhotep onde estás tu? Olha, Sábio, assim que eu puder vou arrumarum jeito de te dar um haloperidol, uma risperidona, viu? Assim vocênão pode ficar, não!

Religioso: Bhagavan Asclóia, tenha paciência com ele! Imploro emnome de meu Deus, e em nome da honra do que tu acreditas!

Sábio: Chame de vazio, o princípio de toda a Lei, pois o vazio tornatudo cheio.

Ateu: Não falo mais contigo, Sábio. Vou ler David Hume, e quandoisto acabar, vou fazer questão de arrumar a tua deportação.

O Sábio olha com compaixão para o Ateu, e segura a corda para oReligioso subir. O Religioso se atira junto com o Agnóstico em direçãoao que pensavam ver. Conforme o combinado, o Santo Homem doGanges e o Judeu Genial e enciclopédico, começam o caminho de voltaa cidade do czar e ao túmulo de Vladimir Ilitch Ulianov, mas aí, já éoutra estória...

O Ateu e o Sábio estão no mesmo lugar em que os deixamos na últimavez. Está anoitecendo e a fome começa a incomodar.

Ateu: Está anoitecendo e nós ainda estamos aqui. Creio que o quer quehaja lá em cima, não seja algo que possamos compreender. Talvez omáximo que tenhamos aí, sejam conjecturas.

Sábio: Vamos procurar um lugar para passarmos a noite.

V

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Ateu: Do jeito que a coisa vai, daqui a pouco vão achar que você melevou para a Embaixada da Índia para pedir asilo (risos).

Sábio: Creio que a embaixada de meu país seja mau negócio. Se quiserrealmente sair daqui, tem que ir à Embaixada Americana (risos).

Ateu: Sabe, Sábio? Esquecendo as nossas diferenças, até que tu não ésmá companhia.

Sábio: Como se diz no ocidente cristão: a oportunidade faz o monge!(sorriso).

Os bons homens começam a andar em busca de um lugar maisaprazível para passar a noite na densa floresta. O silêncio, a grandecompanhia dos homens sábios, acompanhou por um bom tempoambos os homens na caminhada. Quando chegaram a um lugaraberto, ali ficaram, pois as equipes de resgate, caso viessem,poderiam vê-los. Eles teriam maiores chances de localização emclareira aberta.

Em um dado momento, Mordehay (o Ateu), dono de mente inquieta,reinicia o diálogo:

Ateu: Sábio, estou com fome e temos aqui uma barra de chocolateapenas. Sugiro dividir a mesma entre eu e você igualmente.

Sábio: Guarde o chocolate para a sobremesa, Ateu, vamos jantar hoje.

Ateu: Como?

Sábio: Você verá.

Com o auxílio das lanternas remanescentes, e, do treino em artesmarciais, que desenvolveu à níveis de desperticidade as suas habilidadesmotoras e perceptivas, o Sábio consegue dois coelhos e uma ave para ojantar.

Sábio: Está aqui. Beba o sangue, é nutritivo.

Ateu: Mas, vamos comer cru, assim?

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Sábio: Diante das situações, nós sempre temos escolhas por piores quesejam. Veja as suas: 1 – você pode não comer e não tomar o sangue,mas ficará fraco demais para reiniciarmos a caminhada amanhã; 2 –pode fazer fogo, cozinhar o alimento e dar adeus a esta floresta, a suavida e a minha, e com certeza não precisará caminhar amanhã; 3 – podecomer o chocolate e manter as suas reservas energéticas para acaminhada de amanhã; 4 – pode desistir agora e nada mais fazer emprol de si mesmo; 5 – pode fazer uma refeição completa e comer a suaparte no chocolate, e desta forma garantir as suas condições desobrevivência de forma otimizada, ou seja: fará o melhor esforço pelomelhor objetivo.

Ateu: Dá-me o sangue do coelho, e vamos comer!

Sábio: O homem não sabe que tem asas, na medida em que tomaconsciência das asas, vê as idéias a grandes alturas e pode contemplar oconhecimento, e desta forma não precisa mais olhar para trás, pois opresente torna-se o seu maior aliado. Seus planos são os planosnecessários, e ele jamais vive em um futuro impossível. Ateu, quandoeu digo que um avião passará nos céus da estação de Baikonur amanhãa tarde, onde está esse avião?

Ateu: No tempo.

Sábio: E o que é o tempo?

Ateu: Uma essência vazia.

Sábio: E, então, esse avião existe?

Ateu: Não, pois no momento é só uma ideação, algo apenas imaginário,mas Spinoza diz que a imaginação pode criar, não é Sábio?

Sábio: A imaginação do homem de Leonardo da Vinci é autentica, masa imaginação do homem no Ego é tal qual um prato de plástico, umcarro Trabant ou como o sistema planificado de governo. São apenascoisas permanentes. O que é permanente dura muito tempo, mas o queé eterno é mais real, pois até mesmo a eternidade é finita, pois comodisse Nietzsche na linha de Spinoza: torna-te aquilo que és... e estarásalém da eternidade, no mundo monádico de Leibniz.

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Ateu: Não entendi, homem! O que é esta imaginação que dizes ser amais real?

Sábio: Dos céus saem os demônios e os anjos. Dos céus sai o bem e omal. Dos céus sai o verdadeiro e o falso. Dos céus sai Lúcifer, o Príncipeda Luz, e também Judas, o Grande Mestre. A verdadeira iluminaçãoresulta do descobrir-se a si mesmo, do trabalho na Forja de Vulcano ena força iluminadora dos Arcanos treze e doze.

Ateu: Que explicação confusa, Sábio! Me traduz isso aí!?

Sábio: Não há qualquer empreendimento de maldade que não tenhaum pouco de bondade. Veja: nem todos os integrantes da Gestapo eramanti-semitas e muitos integrantes das polícias políticas alemãsestenderam a mão a seus irmãos judeus! Não há qualquer empresa boa,onde não resida o mal, mesmo com a melhor das intenções podes dizera palavra que fere e destruíres uma amizade de anos! Imaginar é estaralém da mente, e estar além da mente é renunciar, nem que seja porpouco tempo, ao processo raciocinativo; é ser apenas um com o que háde Real em você mesmo!

Ateu: Eu não te entendo muito bem. Talvez o fato de eu ter sido produtode estado ateu, e de tu teres vindo de um mundo espiritual, dite adiferença natural de nossas mentalidades.

Sábio: A consciência, embora seja somente um órgão adaptativo,(portanto datado), foi uma boa invenção; pois é tão permanente o quantote mantenhas no estado do Ego.

Ateu: Homem, vamos dormir. Tenho sono.

Sábio: Durma bem, Amigo.

Ateu: Obrigado por ter a mim como Amigo, mesmo após tudo o que eudisse a ti.

Sábio: O homem que vive da ilusão é como um homem muito rico quetem tudo, e não tem com quem contar. O homem que despertou para ocaminho é como um homem muitíssimo rico e que tem uma pessoamuito importante com quem contar sempre.

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Ateu: E quem é essa pessoa?

Sábio: Disse Nietzsche: Ecce Homo: Como Tornar-te Aquilo que És.

Ateu: Seria o contar consigo mesmo?

Sábio: Talvez.

Ateu: É, Sábio. O problema é a ocultação. Quando a gente pensa queestá chegando a uma conclusão, você mesmo trata de não concluir.

Sábio: Seria bom que você descansasse; amanhã teremos uma longacaminhada. Mas, quero te deixar uma última: “o que é mais necessário:uma grande conclusão ou uma grande busca?”

Ateu: Boa Noite!

Sábio: Use a manta, vai ficar frio. Boa Noite!

A noite transcorre bem, e o dia amanhece, e ao longe se ouve vozes:

Cientista: Deve ser por aqui. Mordehay, de certa forma me mandouobservar melhor o mundo; e o conselho dele parece me valer para algo.

Religioso: Falando do diabo, Yevgeny? Olha ele ali! E ainda por cimacom um Anjo ao lado!

Agnóstico: Deve ser uma miragem mazdeísta. O Grande Santo deHipona, pelo que vejo, não transformou em Bíblia as suas Confissões.

Cientista: Mordehay! Que Asmodeu o carregue, maldito homem! Comoé bom vê-lo!

Ateu: Tomara Yevgeny que isso seja mesmo verdade, pois odiaria ficarnum céu judeu cercado por homens puros, santos e incorruptíveis. Noinferno, pelo menos, faço negócio!

Religioso: Santo Homem! Estás bem?

Sábio: Estou, e tu? Como estás?

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Religioso: Melhor agora ao ter ver com vida! E como lhe saiu acompanhia?

Sábio: Um bom aprendizado para ambos.

Ateu: Retiro o que eu disse, acerca deste homem! Eu errei com relaçãoa ele. Não é porque alguém seja muito diferente de nós, que temos odireito de hostilizar. A necessidade nos torna irmãos. Ele passou porcima das diferenças, e aqui estamos. O homem do Ganges agora é meuamigo, muito embora Deus para mim, continue sendo apenas uma ficçãoforte.

Sábio: Tens razão, Ateu. Deus não existe mesmo.

Cientista: Pena que o grande Voltaire não esteja aqui conosco. Elesorriria de bom grado!

Agnóstico: Muito bem, homens, alguém sabe como se sai daqui?

A caminhada reinicia, e tanto o Religioso, quanto o Cientista e oAgnóstico não lembravam do que tinha acontecido. Para eles não haviapassado a noite, e pareciam apenas que algumas horas haviam passadoentre o encontro e o desencontro, mas a discussão no caminho de voltafoi produtiva e convém que ouçamos antes de nos ausentarmos.

Cientista: Temos que buscar unir forças entre diferentes, pois nem todossão iguais e não o podem ser. Somente a força unida constrói.

Sábio: O homem que busca o que está além, encontra o que está próximo,e este é o homem inteligente. O homem que busca o que está próximo,encontra o distante, e este é o filósofo. O homem que busca a “si mesmo”,mas não quer encontrar com sinceridade, que se perde tentando encontrarem um quarto escuro, um objeto que não mais está lá, é o psicanalista.Os cientistas, filósofos analíticos e psicanalistas só vêem problemasonde é conveniente vê-los.

Cientista: Voltaire disse: não concordo com uma só palavra que estehomem diz, mas defenderei até a morte o direito dele as dizer. Nãocreio que a ciência seja isso! Graças a ciência temos tomógrafos,aceleradores de partículas, satélites e remédios para hipertensão e

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depressão. Hoje um livro é impresso num conjunto de horas, eestabilizantes conservam alimentos por cinco anos no mínimo. Sábio,você tem que admitir que a ciência funciona!

Sábio: A ciência é só uma máquina de salvar as aparências, nada mais.O fato de algo funcionar não lhe confere nenhuma autenticidade. Avida no Ego é como as telas de cinema, depois que o filme acaba, ficasó a tela. Atrás de uma aparência há apenas outra. Muito prazer! Meunome é Heliogábalo, fui concebido em uma bacia de esperma, e tu jamaisdirás de mim o que eu sou! Só podes dizer a realidade pelo que ela nãoé, e isso não é dizer a realidade! Isso é dizer de uma coisa, outra coisadiversa! Se digo: que o Direito é o Direto, então estou certo, mesmoque com isso eu não tenha uma definição do que seja Direito. Mas, sedigo: que o Direito é o conjunto de teorias e sistemas filosóficos criadospara juntamente com a Política prover o homem do que seja digno ejusto, aí eu já estou me enrolando, pois eu não sei o que é dignidade enem justiça. Quanto mais eu digo, mais eu deixo de dizer.

Ateu: Maravilha! Este Homem do Ganges está saindo melhor que aencomenda! Olha, Homem, esquece esse negócio de psiquiatra, poisestou vendo que és ateu!

Sábio: A crença e a “não-crença” são os dois lados contraditórios daignorância. O Homem Sábio não crê, e nem deixa de crer, pois comodisse Platão no Protágoras: a verdade não existe!

Religioso: Boa, essa, Sábio! E agora “Mordehay-Sabe-Tudo”? Saidessa! (risos)

Ateu: Gosto mais de Aristóteles que de Platão. (risos)

Sábio: Aprecio mais o aprendizado no presente da vida infinita, quevastas bibliotecas cheias de informação. No final informação épouco, pois o tempo a consome. O saber é eterno, pois se reavivaconstantemente no presente do Sábio, que tem consciência de simesmo e deixa de ser expectador do mundo, pois passa a agente domundo. O Sábio compreende que o processo raciocinativo é só isso:um processo.

Agnóstico: É um “Caso Paradigmático” (risos), fora de toda a dúvida.

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Ateu: Tem volta, Sábio. Mas, a volta vai ser acompanhada de um bomvinho que comprei de uma adega em Varsóvia no bairro judeu. Dizemque um santo rabi abençoou a adega e por isso o vinho é tão bom. Bem,um santo vinho a um Santo Sábio!

Todos riram alegremente. Nossos bons amigos já estavam na cidadequando Mordehay (o Ateu) pronunciou a frase final e nós osabandonamos, ao longe se vislumbrava o Palácio do Czar, e o túmulo acéu aberto de Vladimir Ilitch Ulianov. Lênin olhava-os do fundo daPraça Vermelha e... Opa! Piscou os olhos? Bem, isso é outra estória....He, he, he....

Na cidade do Czar tudo está eventualmente tranqüilo na data dehoje. Mesmo com as péssimas noticias que se avizinham do ladocinza de Berlim. Pressões internas e fugas em massa parecem quevão redesenhar a História do Ocidente, Erich Honnecker, como sesabe pôs um fantoche em seu lugar, o muro deve desabar em breve,devido a pressões do lado ocidental. Mas, mesmo assim, duas figurascaminham lentamente por uma das ruas nas proximidades da cidadepara sempre eterna, onde Lênin ensaiou os primeiros passos de umnovo tipo de sociedade.

V.M. Astaroth: A questão principal para mim é a mente. Na medida emque demos à mente o seu devido lugar, me parece fácil à transcendência.

V.M. Chavajoth: E a questão teológica? Mesmo com as váriasinvenções, dos cristãos, muita coisa verdadeira se encontra ali. Namedida em que podemos enxergar com claridade, vemos as nossaspróprias verdades ali.

V.M. Astaroth: O que você pode ver? Se não o que quer ver? Duranteo transcurso do Ensinamento, que nos vem desde os Sumérios, Caldeus,Babilônios e Egípcios de primeira hora, olvidamos as vozes do oriente.

VI

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Quisemos que o mundo e o outro mundo se conformassem as nossascrenças. A partir da criação do Pensamento demos forma ao Inominável.Agora, acreditamos que a nossa construção seja verdadeira. Até mesmoa nossa construção é uma razão de verossimilhança com um modelofalso, e, portanto, o que vemos é falso. Somente aquele que é não-mente pode contemplar o absoluto nada.

V.M. Chavajoth: Os estudos do Instituto de Física desta capital apontampara a comprovação de várias teorias fomentadas tanto pelos pré-socráticos, como Heráclito e Demócrito, como por Aristóteles e osescolásticos. Parece-me que há verdade aí.

V.M. Astaroth: A verdade é uma invenção apenas. Os Egípcios nãotinham nenhuma verdade, mas, a palavra egípcia era uma palavra eficaz.Graças aos astrólogos e matemáticos do reino, foi possível desde muitocedo prever os eclipses e então era informado ao povo que naquele diao Faraó faria o Sol se esconder. Puro efeito de superfície. Não havia oadvento da verdade. A verdade foi inventada pelos cristãos, e por seruma invenção, como o cristo o é, é puramente falsa. Uma razão deverossimilhança.

V.M. Chavajoth: Mestre, mesmo no mais perfeito mundo do ateísmo,me parece que no coração do homem ainda há uma faísca de Deus.Será que os cristãos e os judeus são tão desligados assim da realidade?Veja, Mestre, eles não nos conhecem, mas, diante de sua inocênciaconstruíram o mais lindo dos céus.

V.M. Astaroth: Homem, você está a confundir o sagrado com o territóriodo sagrado. O sagrado é uma dimensão inerente ao homem quecontemplou a imanência. O território do sagrado é apenas uma invenção,como deus, cristo e outras. São apenas imagens imanênticas. O sagradoé diferente do território, pois o sagrado compõe com o Pensamento, e oPensamento é como o vento, que quanto mais ensurdecedor, mais audívelo é.

V.M. Chavajoth: A tal chama que vemos no coração do homeminteligente é o que, se Deus não existe?

Os dois bons homens autênticos circulavam lentamente a Praça agora,quando perceberam a aproximação de outro Grande Homem em missão.

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V.M. Astaroth: Grande Andramelech! Benditas as forças geofísicas doplasma imanêntico que aqui te trazem! Não estavas em Pequim?

Andramelech: Um Grande Homem não é aquele que vive no tempo enem para o tempo. O Grande Homem é Senhor do Tempo, pois é Senhorde Si-Mesmo.

V.M. Chavajoth: Andramelech, poderia nos dizer acerca da chama querepousa no coração do homem. Como poderíamos dizer desta chama?

Andramelech: Houve um tempo em que Deus era igual ao homem,isto foi no advento da criação de Deus pelo homem. Era, então, Deusperfeito. Entretanto, o homem criou Deus para se reportar ao há dereal em-si-mesmo. Ele resolveu se conhecer, e viu que seria maispenoso se conhecer do que creditar a qualquer coisa sobrenatural assuas dores. O homem torna-se, então, inteligente e passa a orientara sua mente rumo à externalidade. O homem tenebroso, inteligentee covarde passa, também, a creditar as suas próprias conquistas àum Deus derrotado pelos Romanos. O Deus eleito pelo homeminteligente queria ser um Faraó em província romana, mas,apresentou-se às autoridades destituído de Máquina de Guerra. Achama que ainda crepita no coração do homem inteligente não é ade um deus, muito menos é uma invenção, mas, provém do que háde Real-Em-Si-Mesmo, é a Mônada, O Real Ser para sempre imortal,o Real que está além da realidade, além da eternidade.

V.M. Chavajoth: Me parece confusa essa explicação. Se Deus nãoexiste, esse real, necessariamente, é falso. Pois a realidade sendosuperfície, e, não se podendo dizer de qualquer coisa aquilo que essacoisa seja, a não ser por tautologia, que não é garantia alguma de verdade,então, até o Real Ser é tão real como um sonho evanescente dosautômatos que se dizem homens e se pretendem à inteligência.

V.M. Astaroth: Lembra-te, Venerável Mestre Chavajoth, que no inicio,um dia no caminho da verdade, todos aqui éramos unos com a Dignidadeda Força. Quando resolvermos ir direto Rumo à Vitória, a nossadignidade com a Força passou a ser apenas o Despertar da Consciênciapara as Leis Universais. Não lembramos mais do inicio. Mas, no inicioo Real Ser está lá. Mas, agora, somos nós no caminho infindável dabusca, sós em busca da luz na Vitória Final e Garantida.

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V.M. Chavajoth: A questão da Vitória me incomoda. Se somosvitoriosos, por que não temos tudo e mais o mundo do inefável?

V.M. Astaroth: Chavajoth! Nós criamos o mundo do inefável no iniciodos tempos! Há tanta realidade neste mundo quanto em uma tela decinema. Nada há! O que queremos? Criar? Então, criemos! Mas, quenão acreditemos que há qualquer verdade que não seja falsa!

Andramelech: Aprende que no caminho há apenas duas coisas: a estradae a experiência oriunda do caminhar! Os dois são dinâmicos! A estradanunca é a mesma e a experiência é sempre acrescida pelo novo caminhar.Por isso, despertamos a consciência. O despertar da co...

O Sonho no Mosteiro

Chego à imensa catedral. As torres sobem ao mais alto dos céus. Torressem fim de beleza esplendorosa. Adentro a formosa construção. Emlugar de padres e seminaristas, em lugar da língua de Deus, encontrocom o vazio. A escuridão encobre a beleza. Não fui a este lugar pararezar, pois não converso com secretários. Também não fui em busca deum Deus martirizado pelos Romanos. Fui em busca daquele que é tãolindo, tão ficcional que a ele os escolásticos reservam lugar de destaqueem sua filosofia. Impossível não falar dele. Impossível ficar sem falardele. Impossível ficar sem ele. Impossível ausentar-se de Sua Presença.Impossível ficar em Sua Presença. Ele não tem nenhuma verdade. Eleas cria! Ele é o Criador, um homem autêntico.

Continuo minha caminhada pela nave. Mesmo no escuro, meus pésacostumados aquele divino chão, ornamentado pelos mais brilhantesengenheiros, construtores, pintores e artistas, não erram. Nossa amadaIgreja, imbuída dos mais nobres intentos, e certa de servir e preservaros bens do Senhor, pagou a peso de ouro com a ajuda do Rei os melhoresde até então e para todo o sempre. Eis que me deparo com a entrada.

VII

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Fechada. Que está acontecendo? A Universidade, a “UniversitasScholarium” é logo atrás da divina construção. Ouço vozes distantes.Deixo a nave. Retorno à rua e dou volta imensa, até que chego aosjardins. O movimento de “disputas” (disputatio) e “questões” (quaestio)está estancado. Sinto um clima opressivo no ar. Sinto que talvez este jáseja outro possível. Olho em direção ao magnífico relógio da torre, sãoonze horas e quarenta e cinco minutos. Talvez. Talvez seja. Não estoubem certo.

Ouço um estrondo! Ele vem dos céus! De repente escurece. Chovegrotescamente. Abrigo a mim junto a uma coluna. Que vozes foramaquelas que ouvi? Está tudo tão deserto! Quem eram? O que eram?Como? Será que há pessoas aqui? Não vi ninguém na rua.

Olho novamente em direção ao relógio da torre. São onze horas equarenta e cinco minutos. Que fissura se encontra neste fluxo deduração?

Continuo andando. Atravesso com vagar os largos jardins. As torres.Passo por cômodos. Chego ao jardim dos monges. Já é dia de novo. Osol é agradável. Talvez seja primavera. Não estamos no inverno? Quehoras são? Ainda avisto a torre do relógio... a hora é a mesma. Osirac éa primeira criatura que vejo desde que pensei que pensei que dormi eacordei. Não estou bem certo disto. Se eu estiver sonhando? Se eu forparte do sonho de outro? Será que Osirac está a sonhar o que eu sonho?Apresso-me a seu encontro.

V.M. Astaroth: Venerável Mestre Osirac, me perdoa tirar a vossa pessoade tão sublime contemplação. Quero vos inquirir acerca de algo queinquieta o meu espírito. Que aqui se passa?

Osirac permanecia em silêncio. Quase não falava. Apenas ouvia,contemplava, meditava. Suas palavras eram como o mercúrio dosiniciados. Eram poucas, porém de muita força. Parei para contemplar ohorizonte. Já é noite de novo. São onze e quarenta e cinco. Talvez.

Vozes ao longe.

Homens em passos rápidos. Olho para trás. É o monsenhor. Ele se fazacompanhado do Sua Eminência e de duas Excelências. Um padre

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inquisidor também vem junto. Um grande séqüito de clérigos vem aoencontro. Seculares se misturam com os ordenados. Por que tantosmonges nesta diocese secular? Pode ser que a resposta esteja a caminho.Pesada noite parece cair em nossos seres. Trevas parecem abrasar aterra. O fogo sobe das colunas em direção ao céu. Fogueiras ardem...

O Monsenhor passa por nós. Ninguém nos vê. Parece que não estãointeressados em nós. Em meio a todos, vejo um rosto conhecido. Oódio santo desses benditos que vem em nome do Senhor e de SuaSantidade é de beleza descomunal. Quanto bem eles fazem em defendera fé, as boas obras e os bens do Crucificado. Trata-se de homens comlugar de tal forma reservado no paraíso que qualquer mal que venhama cometer, se é que tais santos em vida cometam algum pecado, já estáperdoado de antemão pelo deus do trono romano. Trata-se de homensprudentes, piedosos ao extremo. Exigentes trabalhadores são eles.

Dirijo a palavra a Osirac, muito tempo após do tempo, muito tempoalém do tempo:

V.M. Astaroth: Que querem os homens tão santos que seus pés sequertocam o chão?

Osirac: Há homens que se contentam com pouco, outros somente commuito. Há homens que se contentam em saber, outros em conhecer. Háhomens que tem a verdade, outros afirmam que ela é com eles. Háhomens que buscam, outros ousam encontrar. Há muito poucos que sãoatravessados pelo pensamento, que nada desejam e que tudo têm. Dessespoucos se pode tirar tudo, e eles permanecerão ricos. Pode-se lhes tirara vida e eles permanecerão no fluxo... Fogueiras ardem do lado de fora...

Ouço uma linda missa, mas não saio do lado de Osirac. Talvez nãoadiante. Talvez eles voltem. Voltem para nos inquirir. Suplícios, dor,pedidos de clemência encontram surdos ouvidos ao longe. Inicia-se oórgão. Schutz está ao fundo. A beleza compõe com a agonia dos espíritossuplicantes. A própria música em uma potência, em uma composição,clama a Nosso Divino Salvador que tenha misericórdia de suas almas.Aos monges piedosos nada mais resta a fazer.

São onze e quarenta cinco, embora muito tempo ainda tenha passado.As ampulhetas parecem desafiar Aristóteles. Talvez o grande Averróis

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observasse estupefato o movimento, talvez não. Ibn Arabi poderiaestar aqui conosco, ou não. Entro na Igreja novamente. A navebanhada na escuridão. Forço a porta. Fechada. Dou a volta. Nenhumrosto familiar ou humano. É dia. Adentro ao jardim. Colunasformosas sobem aos céus. Chove. É noite. Adentro aos portões. Eisque dirigindo-me pelo corredor, diviso entre as trevas a figura doMonsenhor. Os livros de Raimundo Lúlio estão em seus braços.Continuo andando. Os olhos do Inquisidor são divisados maisadiante. Ele para diante de mim, e diz:

Inquisidor: Em nome de Deus, Nosso Senhor, Altíssimo, diga toda averdade que possais saber. Quem aqui esteve que nos roubou oPensamento?

V.M. Astaroth: Como pode isto, Padre? Somos afectados ou não pelopensamento, ou compomos com ele, ou somos atravessados por ele.Sendo assim, como podem roubar algo que vós não tendes?

Monsenhor: Astaroth, tu estás de que lado? Queres a “participatio” oua “methéxis”? Há essência ou há a forma?

Penso. Em um piscar de olhos, os piedosos senhores sobre mim afinamos ouvidos. Desejam ouvir toda a palavra que de mim vier.

V.M. Astaroth: O homem que deseja nada tem. O homem que almejanão alcança. O homem que quer não pode. O homem que pode nãoquer. Que sorte de homens é esta que crê que as coisas sejam comosão? Se isto não for um jogo, o que é então? Se isto não for o que é? Oque é o que não é? Como é que os senhores se tornaram no que pensamdo que pensaram acerca do que vocês poderiam ser?

Inquisidor: Vê! Ele nos roubou o Pensamento. Está na batina dele.

Monsenhor: Detenham o Pensamento. Ele foi por ali!

Os nobres homens nunca correram tanto quanto naquele momento. OPensamento era veloz. Compunha com velocidades leibnizianas na linhaatemporal da fissura, da dobra. Os Santos Homens sumiram na distância.Continuo o meu caminho.

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Termino de atravessar o corredor do mosteiro, onde questões e disputasrepousam no silêncio. Osirac está a meditar, contempla com olhos fixoso horizonte. É dia. São onze horas e quarenta e cinco minutos. Talvez.

V.M. Astaroth: Osirac, que me perdoem os deuses por te tirar docolóquio, mas o que está a acontecer?

Osirac: Venho meditar aqui. Te encontro muitas vezes ao dia. Olha oque tu fazes logo ali. Gritas? Vieram roubar o Pensamento, mas tu oescondestes! Tu o carregavas em tua batina o tempo todo! Pobreshomens, pobre de ti. Tu és agradável, um bom amigo. Ainda bem queestás morto.

O tempo continua a sua marcha implacável em outro possível onde osefeitos possam ser sentidos. Aqui não mais, pois forças descomunaisderrubam a torre do relógio. É hora dos nobres monges viverem. Éhora de zelar pelas ovelhas do Senhor. Exultai-vos, Ó Senhor! Poisestavam a roubar as suas ovelhas e esses homens guardam as vossasriquezas!

O Sonho na Universitas Scholarium

“Universidade Estatal da Capital – Centro Politécnico” é o que estavaescrito na entrada da faculdade de engenharia. Chegamos agora também,mas a tempo de observar ao longe Anzelm Volker dirigir-se como dehábito a escura sala. Os alunos vão tomando os respectivos lugares.Tudo em silêncio na perfeita ordem imposta pelo sistema planificadode governo. Entra o professor de “Noções de Física Quântica”, um certosenhor aclamado pelo mundo como uma das mentes mais promissorasnesse campo, o senhor Vizchvancherday Organy. A aula começa.Gráficos e matemáticas complexas até para os engenheiros do sistema

VIII

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presentes começam a encher o quadro negro. De vez em quando apareceum operador matemático aqui, uma integral lá e tem horas que nem amatemática se encontra como a que render tributo a Leibniz, o grandematemático da corte onde em seu pensamento, em sua ficção, física efilosófica, nada dava certo, pois somente Deus pode ser o autor perfeitoda realidade. A aula continua.

As aulas são nos moldes desse país próspero, rico e standardizado. Todosos prédios são cinzas. As ruas são cinzas. Os carros cinzas. A marca desabão em pó é cinza. A impressão que se tem é que se vive a realidadeem tons de cinza, ou melhor: em preto e branco, com matizes de cinza.Mas, este é o realismo do sistema de planificação, onde não importa seos pregos que produzimos servem ou não para algo, mas sim que osproduzamos! Talvez não haja melhor lugar para as mentes ociosas queodeiam o ócio contemplativo dos filósofos e das grandes mentes daciência e da literatura.

Anzelm Volker está dormindo na parte de “sistemas vetoriais de campode não se sabe mais o quê”, pois nem nós estamos muito a fim deentender o que se passa na cabeça do cérebro físico do sistema. Ao seulado está Hrinda Vloskow aluna do mesmo ano de engenharia queAnzelm. Hrinda é um cérebro na parte de matemática. Veio de Bratislavapara estudar aqui. Foi aceita com recomendações. Parece que ela temfuturo por aqui. Mas, parece que por aqui ela também pode assistir oscanais de televisão cujas antenas são maciçamente dirigidas para“contornar” os controles estatais. É sabido que quem assiste a tais canaise for pego pela policia política é julgado como “inimigo do povo e doEstado” e o seu destino é a prisão estatal da capital onde nem a AnistiaInternacional e coisas do gênero entram!Anzelm agora nem vê o professor Vzchivancherday Organy deixar aescura sala. Hrinda se levanta, vai até a janela para apreciar a paisagemigualmente cinza que se descortina a sua frente, árvores cinzas (devidoao escapamento dos automóveis “Trabant” – diz a propaganda estatal:“você ainda vai ter um” – também pudera é o único carro a venda!),fábricas cinzas, ônibus hidramáticos húngaros cinzas, pessoas cinzas.Tudo é cinza, contrastando com a profusão de cores dos canais vindosdo ocidente que se finge cristão. Hrinda até que gostaria de acreditarem Deus. Ela vê as gigantescas igrejas mostradas pela TV Vaticana quetem as suas antenas apontadas para lá em Super Alta Freqüência. Sãolindas! Deus é um grande ficcionista, se não o maior. Os livros de Artaud,

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Deleuze, Lacan não entram no país. Lá só se estuda Marx, Lênin, Engels,Stalin e outros. Pobre Marx, ele não sabia que seu livro serviria paraisso! Não sabia que um tal de Lênin iria inventar um tal de “MaterialismoDialético” (mas, que pobreza de espírito!), e o que dizer do assassinatobrutal da dinastia Romanov? Gente sem coração, sem alma, por certo.

Hrinda lembra de ter lido na “Biblioteca Estatal da Capital” algo acercade Leibniz e Kant, devidamente censurado pelas mentes do sistema.De toda forma havia nas prateleiras um exemplar muito antigo da“Monadologia” de Leibniz. Hrinda leu a dedicatória, curta, ao Príncipe.Ficou maravilhada! Que homem belo! Nele não há a menor prudência,nenhum bom senso! Deus é pura extensividade! Beleza absoluta! Comoé falso! Algo tão belo só pode ser falso. Hrinda pensa mais alto: talcomo a verdade é produto do falso, pois só há o falso, se formos levarem consideração as características de extensividade, então tudo é tãoverdadeiro, mas tão verdadeiro que no fim resulta em apenas uma razãode verossimilhança. Nisto preservamos Deus em seu plano de falsidade,de pura extensão. Como Deus é belo!

Ela continua na janela. Entrou há aproximadamente vinte minutos oprofessor de “Cálculo X” (haja cálculo para manter vazias as mentes!).Ele é alemão nascido ainda na época de Hindeburg antes da ascensãodo III Reich. Inicia a sua aula, mas nós não deixamos que veja Hrindana janela, pois seus pensamentos nos são caros (e muito caros, poiscomo disse Plotino: “dá me duas coisas e eu criarei o mundo: a belezae o pensamento. Apenas duas.”). Hrinda olha para Anzelm que continuaa dormir. Ela continua lembrando de Leibniz e a questão dos possíveis.Que estaria sonhando Anzelm agora? Seria possível compor com ossonhos de Anzelm?As torres sustentam-se como que no ar. Forte neblina toma conta dacidade neste momento. É como se a Igreja se sustentasse por si mesma.É um espetáculo. A cidade está acordando. São sete horas e os sinosbadalam. Comerciantes tomam as ruas. O dia recomeça. Anzelm andapelos floridos campos ao redor da grande basílica, o movimento de“quaestio” e “disputatio” inicia-se. A segunda missa do dia vai tomandocorpo, o órgão está as alturas. É tudo muito lindo. Quadros de Tintoretto,de Rembrandt, de Giotto inundam a nave secundária. De repente,Anzelm sofre de um desejo súbito de deixar a nave. Desce as escadas.Encontra-se com o patíbulo. Passa pela guarda suíça, que lhe prestacontinência. Encontra as ruas. Seu desejo de encontrar as ruas é muito

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forte! Asfixiante! Ele anda sem saber porque. Puxa um cigarro, para.Acende. Puxa uma forte tragada. Logo a frente uma taverna. Anzelm,um homem santo, adentra onde encontra muitos outros homens santos,seculares, a beber. O ambiente é de pura santidade, devido a presençade tão santos homens. Continuamos nossa caminhada ao lado de Anzelm.A angústia cresce.

Anzelm Volker: Taverneiro! Um copo de vinho! Aqui!

Taverneiro: Por certo que sim!

Padre Secular: O que te traz aqui, ó monge santo? Não segues a umaordem? Não tens dinheiro que possa comprar a tua liberdade. Vamosdizer de ti ao monsenhor e serás vítima de castigo cruel.

Todos da taverna riem efusivamente.

Anzelm Volker: Digno Padre, como seria bom para todos nós se nospreocupássemos apenas com as nossas vidas. Temos tantos problemasem nós mesmos, tanto trabalho a fazer, que o melhor seria que nosdéssemos a nós mesmos, e nos esquecêssemos dos outros se não fossepara consolar as mentes aflitas ou para apor a calma necessária emmomento tão perdido. Taverneiro! Mais vinho!

Padre Secular: Amigos! Até o monge tem angústias! Vamos correndoaté o monsenhor! Vamos impor a este homem santo o “devido” castigodevido aos santos!

A Taverna cai na gargalhada.

De súbito, movido por ódio incontrolável, Anzelm, o homem santo,parte para cima do Padre Secular, igualmente santo. Anzelm saca deuma faca e o perfura tão profundamente que o sangue quente de suavestimenta jorra. Os romanos ao redor vibram. César vai as lágrimas.Júpiter Olímpico ao lado de Aquiles, o homem sem piedade, emocionam-se. Até mesmo o deus dos cristãos volve o rosto pintado porMichelangelo para contemplar a poesia da cena. A vida do Padre Secularesvai-se lentamente. Alguém aparece para lhe transmitir a extremaunção. O lugar do padre secular está para sempre garantido no paraíso,pois morreu a serviço da dignidade da Igreja e a proteger os seus méritos.

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Anzelm levanta-se. Taverna em silêncio. Ninguém mais está rindo. Maisum copo de vinho é servido silenciosamente. Anzelm acende um cigarro.Tragada profunda. O corpo é removido do Coliseu. Os Patrícios seafastam. César está satisfeito. Somente o deus dos cristãos espera pormais um lance, por mais uma jogada. Os dados estão lançados. EntraHrinda.

Hrinda: Anzelm! Que fazes em minha realidade?

Anzelm: Estava a matar aquele que me mata em meus sonhos.

Hrinda: Anzelm! Acorda! Estão a derrubar a vergonha que nos oprime!Em breve seremos livres para assistir a televisão dos países livres!

Anzelm: Tu já rezaste hoje? Vem, vem comigo vamos terminar estabebida e vamos rezar.

Hrinda: Homem! Tu não entendes? Temos que voltar ao sonho! Não épermitido que vivamos na realidade! Isso não é permitido. Vem. Acorda!

Anzelm corre até alcançar a Basílica. O Deus dos Cristãos está lá. Eleolha, ele percebe a entrada de Anzelm na nave. De repente, as portasfecham. Irá começar o julgamento. Deus se posta no melhor lugar, notrono. Que honra ser julgado por Deus!

Deus: Este homem é culpado. Isto eu o digo.

Cardeal: Sim. Ele o é. Isto eu o digo.

Inquisidor: Eu não o vi cometer crime algum, por isso ele é culpado.

Notário: Por certo. Somente os inocentes são culpados neste tribunal.

Logógrafo: Senhores, gostaria de me incumbir da defesa deste culpado,se é que me permitem. Não venho aqui apelar para a inocência dele,mas tão somente para sua inconteste culpa.

O Padre Secular da taverna, morto minutos atrás, adentra ao recinto.Sério, compenetrado, com a arrogância própria dos que sabemestampada no rosto. Acena levemente para Anzelm.

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Logógrafo: Senhores, e “Papa-Deus-dos-Cristãos” aqui presente. Porcerto, foi presenciado que Anzelm Volker é culpado do crime de pensar.Crime este muito grave e que tem que ser severamente punido.Entretanto, como todos sabem, quando se compõe com o Pensamento,a individualidade se torna múltipla e, portanto, livre. Não há como mataraquele que compõe com o Pensamento, pois este continua a fazer sentidono jogo da multiplicidade, da extensividade, da superfície. Portanto, omelhor a fazer é supliciar a este. Nada melhor que o suplicio, mas mesmoassim, venho a advertir os presentes que mesmo supliciado pelacrueldade cristã piedosa da dor, o composto com o Pensamentocontinuará a fazer sentido. De toda forma, poderemos combinar os seuspedidos de clemência ao som do órgão da Igreja e obter um efeitoespetacular aos ouvidos que agradará até mesmo o Deus dos Cristãosaqui presente!

Inquisidor: Logógrafo, cuidado com a tua língua. A língua afiada é aque conduz os gentios a cova rasa. Como te atreves a dizer que estehomem tem algo que nós não temos? O Pensamento é propriedadeapenas de Deus, e ele está aqui presente em nossa amada Igreja. Euexulto ao Deus Todo Poderoso que lance fogo sobre aqueles quedesrespeitam os seus mandamentos!

Logo a nave da catedral abre em um estrondo jamais ouvido por qualquermortal. O próprio Marte enfurecido com as palavras do Inquisidor sobe doHades. O Inquisidor faz o sinal da cruz, talvez seja o dia do Juízo Final!

Marte: Quem és tu? Que clama pelo nome do falso deus dos cristãosem vão? Quem és tu que diz o que ele deve fazer? Como és miserável!?Eu não tenho pena de ti, ó homem de bom senso. Porém é, de certo, quea morte é o melhor dos bens. Vou te deixar viver para que rastejes porsobre a terra dos homens, para que sintas fome, para que desejes amulher do próximo sem poder ter da mulher que não seja a sua imagem.Estás morto, Inquisidor, não é necessário matar-te.

Cardeal: Isto é uma blasfêmia. Guardas!

A guarda suíça comparece. Marte ri efusivamente. Heliogábalo eDionísio resolvem assistir o espetáculo. Júpiter Olímpico pega o melhorassento. Aquiles, o querido de Homero, toma lugar privilegiado ao ladodo Cardeal.

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Marte: Homens autênticos aqui presentes, que faço a estes?

Heliogábalo: Queremos sangue!

Dionísio: Quando é que vai começar a festa? Me dá esse vinho aquiInquisidor!

Júpiter: Que seja o massacre!

Aquiles: Sangue!

Marte: Olha deus dos cristãos, vê o que faço com a tua miserávelguarda...

Anzelm dormia de novo. O sangue do padre, a imagem de Hrinda, ojulgamento, o deus Marte, a imagem do Deus de Michelangelo, tudo seesvanecia. Na aula de “Cálculo X” não haviam se passado mais de dezminutos. O professor explicava uma das variantes da conhecida “Somade Riemann”. A tese dele é sobre uma das variações. A explicação eraefusiva e prolongada. Anzelm vê Hrinda ainda na janela. Como sãopossíveis tantos “possíveis”? Que dobra violenta! Mas, que fissuratemporal! A aula segue, juntamente com uma série de realidadespossíveis, onde o sonho não pode entrar.

Vi uma certa necessidade em escrever o Tópico 9, tendo em vista acomunidade da Ordem Gnóstica e todos os nossos irmãos de outrasordens e que fazem parte da Fraternidade e Grande Loja.

No dia 23 de janeiro, na qualidade de V.M. dei pôr encerrado o Capítuloconcernente ao Governo de Nossa Ordem. A Supra-Ordem, assimconcede a todos os seus membros direitos e deveres para com todas asOrdens as quais poderão adentrar. A V. Ordem Gnóstica e respectiva

IX

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Igreja, já sem sede física não mais existem. De toda forma, eu, V.M.Astaroth e o V.M. Marruk continuamos a esclarecer dúvidas dequaisquer iniciados, neófitos, imediatos e buscadores em geral quequeiram adentrar aos Mistérios Gnósticos e não desampararemos osque se encontram no caminho da busca.

Sendo assim, estou me despedindo do cargo de V.M. e desautorizandoqualquer um que venha a reivindicar o mesmo, pois ainda estou najornada. Gnósticos deste Capítulo estão, bem como eu, a buscarem outrasegrégoras e conhecimentos a fim de continuarem o seu trabalho.

O Gnosticismo foi trazido de volta ao séc. XX pôr V.M. Samael AunWeor. Os membros da Igreja Gnóstica apreciam o seu elevadoensinamento, e, por certo, o carregarão ao coração em sua nova busca.Eu, por mim, reservo-me na qualidade de Teólogo do Ensinamento aseis meses de certo silêncio, e apreciarei os convites de minhas ordensirmãs a fim de continuar o meu trabalho.

Gostaria apenas de deixar uma reflexão na forma de estória acerca dabusca da verdade, e de como a instauração do ser no caminho tornanossos espíritos mais livres e nossas almas mais ditosas.

A ante-sala da câmara estava preparada. Nela Chavajoth, tecia agradávelconversa com iniciados e neófitos que tinha ido àquela região do inefávelcom sede de conhecimento.

Frater Stevenson: Diz-nos, ó Chavajoth, que é o caminho?

Chavajoth: O caminho é e não é, é tudo e nada é, não é reconhecidopelos animais intelectuais, mas somente por aqueles que insuflados porpotências em suas almas podem dizer o que não é e o que é sem existir.

Anzelm Volker: Quem é Deus?

Chavajoth: Deus é o princípio imovente que se instaura na poesia dospossíveis. Deus é o pássaro que canta pela manhã trazendo vida e opesadelo dos que seguem o caminho da perdição. O caminho dosbuscadores é difícil, mas, se somos escolhidos pela mônada e não aseguimos, por mais brilhante que pareça ser o caminho, no fim se caino abismo.

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Andramelech e Baal adentram a câmara.

Baal: Desde o início dos tempos vimos advertindo o homem acerca docaminho. No Egito o Grande Deus Íbis de Thoth já conclamava ohomem, e muitos afundaram no abismo, por não o terem ouvido. Digo-vos mais, que o caminho da mão direita é o mesmo da esquerda.

Frater Johanson: Como assim? O da esquerda não é um e o da direitanão é outro?

Andramelech: Quantas mãos tens? Duas? Não seriam partes de ummesmo corpo? Não se conhece o bem sem conhecer o mal. Da mesmaforma não conhecemos o doce sem o amargo? Buscai o centro e o quediz teu coração e teu mestre.

O V.M. Astaroth, no mundo do inefável, chega a frente do Palácio paraa grande ceia junto com os outros mestres e saúda as colunas do Templo.

Coluna Esquerda: Quem és?

V.M. Astaroth: Eu sou o que sou na univocidade da multiplicidade demuitos possíveis. Sou o que é; e também não sendo, sou.

Coluna Direita: Qual o teu grau?

V.M. Astaroth: Sou dos menores; e, humilde espelho-me em meu mestree só ele em meus mundos internos pode me conferir algum grau. Se otenho, ainda não me foi dado saber. Pois como ignorante e miserável,visto as roupas de meu Bem Amado.

Coluna Esquerda: Tens cuidado bem de teu trabalho?

V.M. Astaroth: Meu trabalho é trabalho de muitos e me perco dianteda grandiosidade das potências e hierarquias que o tornam possível.

Coluna Direita: Teu Bem Amado está aqui entre nós e tu na presençadele és indigno de aqui adentrar, que dizes?

V.M. Astaroth: Ao homem no caminho, ao homem que busca, nada éempecilho. Meu merecimento é infinitesimal, mas se sou o que sou na

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glória de meu Mestre e ele não me autoriza a cear com os inefáveis,então, devo me retirar, pois do ego ainda não destrui a raiz.

Do alto vem uma voz.

Voz: V.M. Astaroth, o julgamento à porta do Templo terminou. A belezaé para aqueles que sabem dela e não para os que com desdém dizemdela o que ela é. O caminho da contemplação é para os serenos deespirito que nada querem e que tudo dão de si. Jachim Boaz, V.M.Astaroth.

V.M. Astaroth: Jachim Boaz.

Andramelech: Seja bem vindo, V.M., estamos com vários dos teusaqui para a despedida, e eles tem sede de vossas palavras.

A Voz caminha junto.

Voz: O que podes dizer, V.M. Astaroth, é somente aquilo que teu mestreautoriza em teu coração. O que vem da mente ou de tua vontade, não odeves dizer. Por isso, dá o suficiente a teus Bem Amados, pois é sabidoque o Conhecimento é como a água, que mata a sede e tira a vida em seafogando nela.

Andramelech: Homem, tu não estás perdendo e nem terminando nada.Os anos em teu orbe são segundos para nós, tuas eras apenas horas,teus milênios apenas dias. Olha a tua volta, V.M., os pedidos vem dosmais diversos lugares, esteja atento. E agora, entra.

V.M. Astaroth adentra a câmara.

Chavajoth: Se a matemática fosse exata, ela seria perfeita para tuafísica. Mas, sendo tua matemática linguagem, como uma pode servir aoutra? Como podes dizer o que é? Como podes nomear? Me pareceque há confusão no espirito do homem que se entrega a mente.

Anzelm Volker: Onde está o caminho?

Baal: Onde teus olhos pousam e instauram o teu espirito, aí está ocaminho. Ele está onde está na plenitude do amanhecer de tua vida para

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o Ensinamento, e também no escuro da noite que te leva a reflexão emeditação trans-mundanas.

V.M. Astaroth: Observem a noite! O cintilar das estrelas! Podem ver oSagrado Sol Absoluto? Sigam o Sagrado Sol. Os Arcanos 9, 11 e 13são a chave, a fechadura está no 10 e no 12. Somente aquele que écapaz de derrotar o “si-mesmo” e o “mim-mesmo” é que pode alçarvôo em direção a Grande Loja Interior.

Frater Stevenson: É verdade que o Sr., V.M. Astaroth, está a esperar aGrande Nau?

V.M. Astaroth: Querido, o que é o corpo? Quantos já tivestes? Que é onome? Quantos te deram? A tristeza só se abate no espirito do homemque não sabe que não sabe; porém, aquele que deu o primeiro passo emdireção ao Caminho da sabedoria não se abate, pois sempre nosreencontramos, sempre.

Frater Johanson: Quando a Nau chegar terás que partir, mas antesfala-nos do Caminho da Vida.

V.M. Astaroth: Khrishna estava ao lado de Arjuna na Grande Batalha,da mesma forma o Mestre, que está em secreto, concorre junto ao AnjoAnael, a Metrathon e as Hierarquias por você e por mim. O tempo éapenas instauração, apenas fluxo. O que você faz dele é que vale apena. Quantos amigos visitou? Dormistes nas escadas do Templo?Quantas palavras ofertou? Cuidastes bem daqueles que bateram a portade tua casa? Teus escritos chegaram a mente ou ao coração das pessoas?

Andramelech: Quantas voltas tem uma espiral? Quantas oitavas podesdar? Quando a Nau chega temos que nela embarcar, pois nossos corposcansados não agüentam mais a voltagem do Espirito altivo.

Frater Stevenson: Se é chegada a hora, V.M. Astaroth, deixa-nos umareflexão acerca do Caminho da Verdade.

V.M. Astaroth: O caminho dos homens inteligentes é reto e plano. Ocaminho do Sábio é o Objetivo. O caminho dos homens inteligentes é oconhecimento. O do Sábio é a Vida. Os homens inteligentes queremviver. O Sábio quer morrer em si-mesmo, no mim-mesmo. Enquanto os

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homens inteligentes nomeam a tudo, o Sábio tudo contempla semnomear. Enquanto os homens inteligentes querem ter o caminho, o Sábiose investe dele.

O Sábio nada quer e tudo têm. O Sábio aprecia a beleza, mas nãocoleciona as obras. A vida do Sábio no Caminho conflui, é puracompossividade. A vida do homem inteligente é reta e seus objetivossão pequenos diante do Caminho do Arcano 9, o Grande Arcano A.Z.F..

Chavajoth: O Sábio somente adentra o Templo com o coração, o homeminteligente não adentra por não ser não-mente. Olhem ali, mais a frente!Há uma bifurcação no Caminho da Verdade.

Anzelm Volker: E qual dos lados é o melhor?

Baal: Quantas são as colunas de entrada do Palácio? Duas. Então, tantoo caminho da mão direita quanto o da esquerda são válidos. O que interessaa nosso mestre que está em secreto é a experiência e nada mais.

A nau chega e V.M. Astaroth é convidado a embarcar:

Chavajoth: Eis que o fim é apenas um possível na multiplicidade. Ofim é apenas uma instauração que se dá no caminho, neste sentido ofim liga-se ao todo da experiência de nosso mestre.

Andramelech: Deixa-nos uma reflexão sobre a mente, V.M. Astaroth.

V.M. Astaroth: A mente do homem inteligente é voltada para resultadosobjetivos. A do Sábio volta-se para o Objetivo. Os homens inteligentessempre seguem um homem inteligente. O Sábio segue a si mesmo. Amente do Sábio está ordenada ao melhor. A mente do homem inteligenteordena-se a seus interesses particulares. Enquanto, o Sábio buscadiretamente da mente o que ela pode oferecer, então, ele busca onecessário; pois a mente é como o cachorro que se bem cuidado servea casa, mas, se não incorre contra o dono. Na verdade, o reino doshomens inteligentes é fraco, pois é efeito do conhecimento. O reino doSábio reside no Ensinamento e este não segue a ordem da linguagem,mas do que está mais além do ser.

Andramelech: Reza a missa antes de partir, V.M. Astaroth?

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V.M. Astaroth: Da missa digo que o Mistério é o que nos conduz aoreino do inefável. É ele que ordena a luz e diz quando o sol nasce. OMistério está em tudo e é com o homem de pensamento livre. O Mistérioé com todos os que buscam e alimenta o espírito no caminho.

Frater Stevenson: Oferta-nos uma reflexão sobre o nada?

V.M. Astaroth: “Nada” é o ponto de partida e o ponto de chegada. O“nada” é e nada é. O nada está em tudo e no nada ao mesmo tempo.Somente o homem que reconhece que nada é, é que pode realizar-se novitriol da Grande Obra.

Voz: V.M. Astaroth teu navio o espera. O timoneiro e o marinheiro sãoà postos. Não deves mais demorar. Parte com as bênçãos do V.M. Samaele de teu Mestre Interior para a tua nova jornada. Já deixastes ao Espíritoalimento e reflexões que engrandecem a alma. Porém, o mar é calmo eas condições de navegação são propícias. Parte sem deixar a tristeza,porém leva a dor dos homens contigo, para que não a esqueças, paraque a domines.

Timoneiro: Vem, V.M., o tempo termina.

V.M. Astaroth: Façam do caminho o seu caminhar, o objetivo. Doobjetivo, força. Da força, a verdade, e da verdade apenas contemplação.Paz Inverencial!

V.M. Astaroth embarca e nossos amigos ceiam alegremente. A mesa nolugar reservado a V.M. Astaroth está o seu Bem Amado, para sempreimortal nas estâncias do inefável.

São as Leis Gnósticas dotadas de vários dos preceitos da Lei Mosaica.No Panteão dos Deuses há lugar para o amálgama das Leis. As Leis

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devem ser seguidas para que o Iniciado adentre ao Caminho. V.M.Astaroth e seu mestre, após longa viagem na nau, chegaram ao Paláciodo Kharma onde deverão obter julgamento por suas ações.

Coluna Direita: Salve! V.M. Astaroth! Salve o Bem Amado que trazescontigo!

Coluna Esquerda: Queira adentrar ao Templo, onde já és esperado.

V.M. Astaroth: Sou indigno de aqui estar, mas as graças e perdão do Mise-ricordioso permitem que eu esteja. Com a licença devida, adentrarei.

Dentro do majestoso templo, viam-se Anúbis, Isis, Hathor, o GrandeDeus Íbis de Thoth, o Anjo Anael, o Arcanjo Miguel, o V.M. Samael eo V.M. Rabolú.

Voz: Eis que conosco se encontra o V.M. Astaroth!

Soam as trombetas, os guardas perfilam-se.

V.M. Astaroth: Oh! Voz dos Tempos! Que se dignais a acolher este humildee ignorante ser em vossa majestosa casa. Sei que não tenho merecimento eque meu trabalho, pequeno e humílimo não merece sequer um olhar dasHierarquias. Entretanto, os corações bondosos me permitem a entrada e eufico honroso e ainda mais tenro com vossas graças.

V.M. Samael: Que a Força seja contigo!

Voz: OM SEJA FORÇA!

Todos os Mestres: OM SEJA FORÇA!

Anúbis: Tenho apreciado o teu trabalho desde a aurora dos tempos etenho visto júbilo e Força em tua Obra. Vimos as Colunas de teu Temploruírem e por isso a ti chamamos para que instaures nova ordem, deacordo com o Liber e os Arcanos 9 e 13.

V.M. Samael: A compaixão e o Trabalho são os bens do Sábio.Entretanto, resta domar os últimos traços do ego, para isso há que formarnova Ordem.

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Isis: Oh! Bem Amado dos Deuses! Estás cansado? Vem e te refrescacom o vinho da vida, come o pão do Faraó Deus, anda nas belezas deRoma. Que mais queres que seja descanso na beleza?

V.M. Astaroth: Meu merecimento e obra são pequenos e creio não terchegado ao coração dos homens como eu pretendia, como eu possodescansar, diante da Grande Obra?

V.M. Rabolú: Pois eu digo que és digno, que és amado e que tuamensagem a seu tempo encherá o coração dos novos membros de tuaconfraria.

Hathor: Eis que assim é. Os Iniciados devem descansar na noite grandedo ensinamento, pois não só de dia é o firmamento. O Ensinamentochega à hora apropriada ao coração dos Buscadores.

Anjo Anael: É hora, V.M. Astaroth, dos novos Ensinamentos para aNova Ordem da Nova Loja. É hora de ver o novo caminho, a novabifurcação da espiral que leva a verdade.

V.M. Astaroth: Pois que assim seja.

Os céus abrem e neles se inicia uma projeção holográfica:

Voz: Os tempos são ficção de tua alma, necessidade de teu espirito,instauração do Pensamento sob a Vontade. Os tempos não existem, poisestão contraídos na eternidade que tudo abarca. Aqui verás doiscaminhos e teu Mestre te apontará um deles.

Primeiro Caminho (Força): Sem Força, não há Caminho. Sem Força,não há o Ser. Sem Força, não há o existir. Antes do Pensamento, há aForça e antes da Força há o Nada. O Homem Autêntico busca na Forçaa Transcendência, busca na Transcendência, o Objetivo; busca noObjetivo, a Verdade.

Segundo Caminho (Vontade): Somente os Homens Autênticos têmVontade, pois somente eles perseveram no Caminho, apesar dasdificuldades. A Vontade tem ser conquistada, pois o Espírito que aindanão trabalhou o suficiente não a têm.

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Mestre: V.M. Astaroth irá pelo caminho da Vontade, pois Força ele játem, pois está de acordo com o Raio.

V.M. Astaroth: Eu aceito, então, o caminho da Vontade.

Neste mesmo instante os céus plasmam a figura de Lilith, a soberanado coração dos homens fracos, e esta, desnuda, sorri para V.M. Astaroth.

Arcanjo Miguel: Queremos te dizer, V.M. Astaroth, que terás que vencerLilith pelo Pensamento e não poderás usar da espada de fogo puro deteu Mestre!

Lilith: Até onde pode ir tua vontade, V.M. Astaroth?

V.M. Astaroth: Vontade que é vontade tem que ser provada, por issoaqui estou.

Lilith: Leio os teus pensamentos, se pudesses estaria em meus braços.São apenas teus juízos de moral gnóstica que o impedem. Tu não ésquem pensa ser.

V.M. Astaroth: Eu não sou o que penso, sou o que sou desde temposimortais. Eu sou em meu Mestre, que está em secreto e que alimenta omeu espírito.

Lilith: Tu não tens vontade, Oh, V.M. Astaroth, pois a luxúria ainda tederrota. Tu não tens vontade. Larga a tua espada e vens lutar!

V.M. Astaroth: Pela intercessão dos Elohim Gibor e pela graça do AnjoAnael, sou eu ao combate.

Inicia-se a luta. Durante anos a fio, Lilith tenta Astaroth com toda a gamade sortilégios e magias possíveis. Ao fim de sete anos, vem o veredicto.

Anúbis: V.M. Astaroth, venceste a Lilith em combate justo. Toma tuaespada de volta. Que tens a dizer da Vontade, agora como atributo deteu Mestre?

V.M. Astaroth: Eis que em verdade eu digo que a Vontade é imperativada Força que vem do Nada. Nada é vontade se o Espirito não está

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preparado para dar saltos evolutivos. Digo, que as provas são úteis aoEspirito que vem em verdade e que está na busca, sem jamais a ter.

O julgamento termina e o Grande “Ser-Sem-Nome” se aproxima deV.M. Astaroth.

Ser-Sem-Nome: Eu te dou a arma do amor, para que em nome daFraternidade possas vencer em teu retorno a incompreensão dos quenão querem o caminho. Eles tentarão te prender, mas tu os venceráscom minha Força. Olha o teu caminho, meu filho e quando ele se tornartortuoso, pensa em meus dizeres. Eu estarei contigo e falarei por ti aosmeus queridos iniciados.

A Grande Nau parte, levando novamente V.M. Astaroth a seu Templo.Onde após longo tempo de espera e ausência estão Andramelech,Chavajoth, Baal, Frater Johanson e Frater Stevenson para iniciar comele a reconstrução da Nova Loja no seio da Nova Ordem.

Clamo aos homens inteligentes para que me digam o que não podemdizer. Resulta óbvio que aquele que diz o que não pode ser dito não éinteligente, mas outra sorte de homem que não o mundano.Homens da Universidade dos Espelhos? Há homens em tal universi-dade? Vejo poucos Centauros e uma pequena cópia forçada de homem.Que me dirão de mim? Compus estórias ou histórias? Rótulos nãointeressam, pois tal como Avicenna me pergunto: “terei eu chegado aocoração dos homens?”

Novamente na floresta encontram-se nossos personagens: a Ateu, oCientista, o Religioso e o Sábio. Foram convidados pela Universidadedos Espelhos para uma série de conferências sobre Tempo eRelatividade. Mas, não poderiam deixar de entrar em uma das maioresflorestas urbanas do mundo, na cidade mais bonita do orbe.

XI

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Chegamos a tempo de pegar o início do diálogo. O V.M. Astaroth eFernando são os guias desta expedição.

Cientista: Me parece que o tempo exista, pois temos uma evidênciateórica completa. O tempo seria o chrono, uma das partículas formadorasdo átomo.

Religioso: Quanto “falso-problema” Cientista! Agostinho nos diz noLivro XI das Confissões ser o tempo eterno, pois sempre existiu namente de Deus.

V.M. Astaroth: Na confluência entre o ser e o não-ser fico naintercessão, e me plasmo no nada que é imanência.

Ateu: Oh! Seu Astaroth! Alto lá! Que negócio mais metafísico é esse?O senhor sabia que hoje temos quase certeza ser o tempo físico e que amente do homem está instaurada no meio-ambiente? Nada há além!Vamos parar de metafísica!

Fernando: Sr. Ateu, qual seria o fundamento das leis? Há aí algumacoisa? Há alguma compossividade?

Ateu: Mais metafísica de novo! Será que não vêem? Nada há além! Háisto e basta. Estou mais com o Cientista que se instaura em uma ficçãochamada ciência!

Sábio: O homem que busca, transcende a ficção.

V.M. Astaroth: O homem que busca têm o caminho e este é sempremais além, sempre compossível.

Ateu: O que vocês querem com tanta metafísica? Onde desejam chegar?Cientista, por favor, ensine algo a esses homens que vivem no espaço sideral!

V.M. Astaroth: A questão, Ateu, está mal formulada. É assim: “o que ametafísica instaurada no espírito nos faz ver?” Um homem semcomprovação é apenas mais um miserável diante dos deuses.

Cientista: Mas, a questão não é o tempo? O “chronos”? Como fomosparar nisso?

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Religioso: Que Deus nos perdoe por termos pensamentos tão estranhos!

A caminhada segue logo chegam a “Cascatinha” onde param paradescansar. Mas, algo estranho acontece. Os céus abrem e uma estranhaluz roxa aparece. Dela vem uma voz.

Voz: Oh! Miseráveis! Quem sois?

Ateu: Caramba! Essa nem Jung explica! Por favor, chamem o psiquiatra!

Voz: Oh! Miserável! Aquieta a tua mente e contempla!

Cientista: Você vê o mesmo que eu vejo, Ateu? Acho que é algumaesquizofrenia coletiva causada por algum gás nas proximidades ou efeitodo inconsciente coletivo.

Voz: Quanta miserabilidade, Oh, homens inteligentes. Que homenskantianos que a tudo querem nomear. O tempo tragará cada um de vocêse vocês não terão vivido. Tenho pena de vocês, homens inteligentes.Desde o início dos tempos eu os observo com as mais esdrúxulas teoriasmatemáticas a querer dizer das coisas o que são. Por que nãocompossivem? Por que não sentem? Seus corações afundariam a balançade Anúbis. Seus espíritos não encontram descanso. O caminho paravocês é morte e a água sempre salgada.

Religioso: Em nome de Deus Todo-Poderoso. Eu te conjuro, Oh, criaturado mal. Deixa-nos!

V.M. Astaroth: Há uma certa sorte de homens que não desejacompreender. Os religiosos são desses tipos. Em nome de uma certareligião muitos morreram torturados. Atrasou-se a química em trezentosanos, a medicina em duzentos, coibiu-se a liberdade de expressão. Sehoje temos um Estado laico, é porque muitos morreram no escuro.

Voz: Tudo é um processo. Tudo é necessidade. Os processos são necessários,mas não são todos “ecceitas”. Todos se dão na “flutuatio”. Mas, não háfundamento, nem permanência, só multiplicidade, só consistência.

A Voz se desvanece e some com o seu raio roxo na imensidão dos céus.A caminhada, então, continua.

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Ateu: Vejamos, Cientista, há então uma fonte de gás esquizofrenizantenas imediações que cause estados alterados de consciência?

Cientista: É a causa mais provável para o fenômeno. Podemos aindajogar com constantes de espaço-tempo, e, de acordo com um físico deRoma, o que podemos ter visto é uma projeção holográfica provenientede um tempo que não é presente. Sabemos que um cinturão magnéticoguarda todos os nossos movimentos como em um filme. Isso é possível.Pode ser também que uma fissura nas leis de espaço-tempo possa terviolado leis de relatividade causando uma curvatura anômala e resultadono fenômeno.

Ateu: Pelo menos há explicação. Isso é bom.

Fernando: Que pobreza parar aí! E a sobremesa? Poderia ser um mestreque se comunicou conosco!

Ateu: O Sr. já foi ao psiquiatra, Fernando? Nada que um haloperidol euma risperidona não dêem um jeito!

V.M. Astaroth: Mais respeito, Ateu. O Estado é laico e tias casas deseqüestro já são coisa do passado.

No meio do caminho para a grande pedra, nossos amigos encontramuma pessoa paramentada de oficial de uma grande espaçonave dofuturo (na verdade Mestre da Grande Loja – entidade de outropossível).

Ateu: Hoje está demais! Mas, que diabos está acontecendo? Deve ser aesquizofrenia coletiva! Nada que uma injeção de thorazine e lítio nãoresolva. Não vou falar comigo mesmo de novo. Isso é criação de nossasmentes!

Cientista: Em parapsicologia há uma teoria em que dado indivíduopossa plasmar tais realidades e fazer com que outros a vejam. Sedescobrirmos o tal indivíduo podemos faze-lo parar.

V.M. Astaroth: Um homem pobre não é o que não tem bens, mas o quenão se abre ao novo. Por que não contemplam simplesmente?

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Sábio: Oh! Seguidores do materialismo, abram os olhos e vejam, abramos ouvidos e ouçam. Sejam como as crianças!Andramelech (o Mestre): Salve V.M. Astaroth! Salve Sábio!

Cientista: Suspeito que esses três, Fernando, V.M. Astaroth e o Sábioestão a produzir esses fenômenos!

Andramelech (sorri): Homens do intelecto, sempre a produzirexplicações. Digam, V.M. Astaroth e Fernando, o que motivou aexpedição?

Fernando: O contato com “Nosso Pessoal” é sempre proveitoso esabíamos que junto ao Sábio e a V.M. poderíamos canalizar as forçasrumo a um encontro.

A caminhada ao lado de Andramelech segue. O Cientista e o Ateudesnorteados, o Religioso a gritar imprecações. Chegam a grande pedra.Depois retornam pelo caminho e quando chegam a Universidade dosEspelhos sentam-se à “mesa virtual do nono andar virtual” e no meio acafés, balas e cigarros recomeçam com a infindável conversa onde os“homens do sentido” ficarão eternamente a rir dos “homens doconhecimento”. Ainda estamos a rir.

Acordem homens inteligentes, pois o dia é chegado! Que querem daciência, da filosofia e das leis? Homens do ontem que não conseguemver que hoje é um instante apenas. O tempo há de nos tragar. Nele há arazão.Homens enciclopédicos, prolixos, explicativos! Que faremos com tantasexplicações? As explicações só servem para obscurecer nossaignorância. Que mais queremos, se não continuar profundos ignorantes?De que valem explicações?

XII

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Indivíduos da Universidade dos Espelhos? Vejo uma multitude ondenada há. Vejo homens a construir e, principalmente, a repetir conceitos.Não conhecem o vinho, muito menos a vida.Que quero eu? Selvagem, tragado pelo tempo. Não me reconheço. Nemsei onde estou. Como um Diógenes redivivo estou a gritar aos homensdo conhecimento, pois vejo o orgulho em saber transpirando por suasvestes.Os homens inteligentes sabem muito.O Sábio nada sabe.Os homens inteligentes vivem do tempo.O Sábio vive sem tempo.Os homens inteligentes, tenebrosos do mundo do ego, são capazes de tudo.O Sábio reside na “não-ação”, por ser “não-mente”.Qual é a força por trás do homem sábio? A mesma que move osinteligentes.Quem sou eu? Não me conheço. Cristão ou bárbaro? Abram o Coliseu!

V.M. Astaroth chega a Universidade dos Espelhos e se dirige à mesavirtual do nono andar virtual. Pega um café, senta-se. Lê calmamente,mais uma vez, o Tratado da Monadologia de Leibniz. V.M. Astarothestá sempre em busca, feliz por encontrar sempre a multiplicidade dospossíveis. Chega Gisela.

Gisela: Está a haver uma revolução. Muita gente está mobilizada no“Instituto de Teologia e Ciências Afins”. Não vai participar?

V.M. Astaroth: Do que se trata?

Gisela: Não sei, mas estão todos a gritar palavras de ordem. Acho quea frase é mais ou menos esta: “ou as coisas são ou não são”.

V.M. Astaroth: As coisas são?

Gisela: Não sei. Mas, podem ser, como podem não ser.

V.M. Astaroth: Não acha que encontrou aí uma intercessão? Explico:as coisas não precisam ser, elas podem simplesmente repousar naimanência.

Chegam Frater Lúcifer e Vloid Vad Tepes III.

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Frater Lúcifer: Está a ocorrer uma revolução. Os partidários do serdeclararam a universidade como sendo alguma coisa que é.

Vloid Vad Tepes III: A situação é pior ainda, eles dizem que o “que é,é o que é”, e que “o que não é, é o que o não é”. Eu pensei que “o quenão é” fosse sempre alguma coisa.

V.M. Astaroth: O “não ser” é sempre mais poderoso que o ser. Pois édo “não ser” que vêm à existência o que é.

Frater Lúcifer: O que vamos fazer a respeito? A revolução está acaminho. Os que pensam diferente serão postos para fora!

V.M. Astaroth: Nós não seremos postos para fora. Nós já estamos fora.Na medida em que nos instauramos no movimento e que abdicamosdas categorias para fundarmo-nos na consistência, nós deixamos deestar inclusos. Compreende? Ninguém pode nos tirar do “não lugar”.

Gisela: Então, a revolução nada tem conosco?

Vloid Vad Tepes III: É aí que ela tem tudo a ver conosco. Podemosafirmar diante do pessoal do ser a nossa maneira de pensar o diferente.

Frater Lúcifer: É isso aí. Vloid!

Chegam a mesa V.M. Baalbaki e Frater Adratsom.

V.M. Baalbaki: Estão aplaudindo Seuquram lá embaixo. Dizem quetornarão a universidade livre o pensamento.

Frater Adratsom: V.M. Astaroth, que acha disso?

V.M. Astaroth: O lugar da filosofia não é dentro da universidade. Olugar da filosofia é sempre um “não lugar”, Nietzsche disse que ninguémo seguiria e, hoje, temos pessoas que se intitulam nietzschinianos. Auniversidade é uma vergonha diante da potência do pensamento.

Frater Lúcifer: Acho que seria bom darmos uma olhada na tal revolução.

Gisela: É sim. Seria interessante vermos a “revolução do ser”.

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Nossos amigos chegam ao teatro, lugar da “revolução”.

Seuquram: Amigos do III Reich. Hoje é um grande dia para nós. Atravésdeste decreto declaro a universidade livre do pensamento!

Os nazistas, todos com a braçadeira do Reich de Mil Anos aplaudemem peso.

Seuquram: A partir de hoje vamos estudar apenas: Aristóteles, Kant,Hegel e Heidegger.

Ex-padre: E também Hitler, “Minha Luta”, Goebels e Heydrich!Defensores da raça ariana e da humanidade!

Muito atrás, nossos amigos observam estupefatos o ressurgimento danova “Alemanha universitária”.

V.M. Astaroth: Isso está parecendo Nuremberg, logo vamos ter uma“cristalnacht” para tornar a universidade “judenfrei”, ou seja, livre deinquietações metafísicas. Temos que descobrir um meio legal de pararesse movimento nefasto.

Frater Lúcifer: Vamos falar a eles. Vamos impor o nosso pensamento,a nossa ficção.

Vloid Vad Tepes III: O problema é que para eles o pensamento não éficção no sentido forte, mas sim no sentido fraco de realidade.

V.M. Astaroth: Eles são muitos. Não devemos falar. Eles podemcomeçar a tornar a universidade “judenfrei” por nós, tal como Mussolinie Victorio Emmanuel o fizeram. Lembram-se? Os diplomas não tinhamvalidade. Podemos ser mortos pela nazistada enfurecida.

Ouve-se o hino do III Reich. A bandeira com a suástica é hasteada.

Frater Adratsom: Vejam! É a bandeira do movimento antipensamento.Isso deve estar sendo orquestrado pelo laboratório dos homens doconhecimento.

Gisela: Sem dúvida. Pegamos o plano em fase terminal. Que vamos fazer?

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V.M. Astaroth: Vloid, ligue ao Filósofo. Vou falar.

V.M. Astaroth e o Filósofo conversam por minutos.

Vloid Vad Tepes III: E aí? O que ele disse?

V.M. Astaroth: Disse que vai impetrar mandado de segurança paradefender a democracia na universidade. Creio que “nossos amigos” doReich se deram mal.

Algum tempo após, na mesa virtual do nono andar virtual.

Professor James: Os nazistas foram longe demais. Que revolução maissem sentido!

V.M. Baalbaki: O que foi feito, então?

Professor James: Foram intimados, junto com os alunos nazistas, adarem explicações. O Poder Público se manifestou. Mas eles ainda dizemque foi pelo “bem comum” da universidade. Vão responder pelo crimede propaganda nazista.

V.M. Astaroth: Isso é pouco diante do mal que já praticaram.

Frater Adratsom: Deveriam ser presos. V.M. Astaroth, não acha que éhora de compormos uma nova loja ou capítulo para enfrentarmoscorporativamente essa ameaça a liberdade de pensamento?

V.M. Astaroth: Não é necessário, Frater. Aqui quase todos são iniciadosnos mistérios. Nós já somos a nova loja. Convém que continuemos nocaminho do pensamento e a cada nova investida reagiremosconvenientemente.

V.M. Baalbaki: Então, vamos uniformizar o Ensinamento. Todos aquio têm. É necessário a uniformidade.

V.M. Astaroth: Não diria uniformidade, mas consistência; talvez,fundamento. “Fundamento” é a palavra usada pelos escolásticos até osséculos XIII e XIV.

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O Filósofo liga a Vloid Vad Tepes III.

Vloid Vad Tepes III: O recurso foi aceito. A Polícia Federal está vindoà universidade apreender o material de propaganda nazista.

V.M. Baalbaki: Ganhamos esta batalha.

V.M. Astaroth: Mas, não a guerra! Devemos ficar de olhos abertoscom relação a revolução do ser. Se passarmos a entender ou a deixarque se entenda o ser como apartado do fenômeno vamos ter que lerainda muito Parágrafo 31 de “Ser e Tempo” e outras coisas mais.

Frater Lúcifer: Bem, está encerrado por enquanto.

O relógio da torre marca 16:45. Os monges dirigem-se a suas celas. Otempo imóvel toma os “homens do sentido” que contemplam pelaabertura espaço-temporal a dimensão onde o pensamento se tornou umdos possíveis. O vinho é servido em meio a livros de Platão, Aristóteles,Plotino e Boécio.

V.M. Astaroth: Vejam amigos, se não é Marat, morto na banheira!

V.M. Chavajoth: Logo ali está Danton conversando com Robespierre.

Frater Lúcifer: A história é pura descontinuidade, pura ficção!

V.M. Chavajoth: A história é a “estória da queda do homem”. Nada hánela, se não projeções do presente. Ela é o que queremos que seja.

V.M. Astaroth: Onde resta buscar a verdade? Vejo ficções por todos oslados!

XIII

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Frater Johanson: Não seria a ficção a única a ser buscada?

V.M. Chavajoth: Me parece que a ficção é que há, pois se houver umDeus, me parece que ele reservou a verdade para si e para nós deu a ficção.

Frater Stevenson: Sou um homem que caminha no escuro, tenho medoda escuridão que eu não conheça.

V.M. Astaroth: Nossa própria escuridão é sempre mais agradável, poisé nossa.

Frater Adratsom: Vejam! O fim da história é sempre nebuloso, éinapreensível!

Frater Stevenson: Me parece que diante de tamanha descontinuidade hajauma ficção maior, a de chamarmos a história de realidade! É como se dentrode um “possível” houvesse outros possíveis com igual força fictiva.

V.M. Chavajoth: São muitos os possíveis, sempre múltiplos, e cadaum é unívoco.

V.M. Astaroth: Vejam mais ali, se não é Sócrates conversando com osgeômetras!

Frater Lúcifer: Mas não se ouve nada! É só imagem!

V.M. Astaroth: É verdade. Teria a história o sentido de contemplação,apenas?

V.M. Chavajoth: Toda ficção é contemplativa. A história é para quemtem gosto pelo fictivo. Enquanto mentira, é contemplação.

Frater Adratsom: Vejam mais ali. Gente da Universidade dos Espelhos.Parecem mortos. Fictivos!

Frater Stevenson: O que fazem esses mortos aqui?

V.M. Chavajoth: São mortos enterrando outros mortos. A história éfeita de mortos.

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V.M. Astaroth: Não seria aí um indício de que devamos morrer em nósmesmos?

V.M. Chavajoth: Não temos lugar na história. Estamos fora dela. Forado fluxo. A posição do contemplar nos tira do fluxo.

V.M. Astaroth: O mundo é pura aparência. Puro aparecer. Só o sábiosabe o caminho da verdade. Nós não sabemos.

Frater Lúcifer: Mas estamos na busca, não?

V.M. Chavajoth: Estamos na busca da queda, apenas isto. Todos osmistérios estão logo ali, apenas isto. Não há nada para conhecer.

V.M. Astaroth: Vejam! Logo ali! O Concílio de Nicéia!

V.M. Chavajoth: E logo ali, os castelos medievais, as cruzadas.

Frater Stevenson: Como a história é estranha. As cenas vêm e vão. Sótem fundamento, nenhuma consistência.

V.M. Chavajoth: É o pensamento que faz com que as coisas consistam.Tantas idéias! Mas, até elas mesmas passam. O fluxo inexorável dotempo, tudo traga. Não resta muita coisa. Até mesmo o pensamento éficção.

V.M. Astaroth: Nada há, se não movimentos fictivos do pensamento.Irmãos, onde devemos buscar o caminho da verdade? Não serianecessário transcender a ficção? Mas, como? Se tudo é ficção?

V.M. Chavajoth: Pois que busquemos a ficção. É o que resta.

Frater Stevenson: Parece não restar saída, pois que a verdade está emlugar algum.

V.M. Chavajoth: E não há saída mesmo. Os mistérios estão revelados,mas a verdade está em lugar algum.

V.M. Astaroth: Não seria aí o caso da busca? Do buscar esse “nãolugar”?

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Frater Adratsom: “Não lugar” é o lugar da busca. Na história nadaencontraremos. Mas, não seria a transcendência o lugar de outra ficção?V.M. Astaroth: Só o experiênciar nos mostraria. As práticas, o estadode alerta, a identificação do ego.

V.M. Chavajoth: Me parece que esse caminho conduz a ficções mais sutis.

V.M. Astaroth: Mas, é uma tentativa. Quanto melhor for nossa ficção,melhor será o nosso possível. Podemos ver até que ponto chegamos.

Frater Lúcifer: Nesta viagem uma coisa é certa: o fenômeno dito “história”é obscuro como o tempo. Têm uma existência obscura, uma parte é visívele outra não o é. Talvez, a história seja um “falso-problema”.

V.M. Chavajoth: E a história o é! Não há nada nela que não sejainterpretação. As coisas se dão por “testemunhas oculares”. Ninguémgarante que dizem como as coisas ocorreram.

Frater Stevenson: Isto posto, então os diversos relatos não passam decrônicas.

V.M. Chavajoth: Por isso não há como acreditar nos historiadores. Oque você pensa que sabe é que pensa saber. Somente isso.

V.M. Astaroth: Por isso penso que devamos transcender a mente. É aíque está o problema. Ser “não-mente” é apenas contemplar sem emitirjuízos. Assim, a história ocupa o seu lugar. Não é mais nossa história,mas apenas uma estória. Ela perde o valor.

Os dias tornaram-se lentos. O fim aproxima-se cada vez mais. A sofreguidãodos dias me força a tomar de meus últimos ímpetos e escrever este quesegue. É bom que se saiba que muito os amo, e a dor da partida é grande.

XIV

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Mas outra Nau se aproxima. Em forma de estória deixo-lhes meu últimoalento, após isso, derrotado, peço que me esqueçam, pois talvez eu sejaindigno de ter estado entre vocês. Sei do amor que me devotaram, procureie procuro retribuir a atenção à minha pessoa e a meus parcos escritos.

A Nova Loja está reunida. Dentro da grande capela, cuja negritude seestende aos altos dos céus, estão reunidos V.M. Chavajoth, V.M.Baalbaki, V.M. Astaroth. Eles estão a saudar o mais novo membroempossado da Nova Loja: V.M. Zein.

As portas da capela se abrem. Um corredor de setenta altos-iniciadosperfilam-se. Entra V.M. Zein.

V.M. Zein: Vim aqui por mim, para mim, buscando retomar o que émeu por direito e por merecimento.

Frater Stevenson: Eu, o secretário, digo, que se saúde V.M. Zein e queeste entre.

Passa V.M. Zein em reconhecimento aos setenta altos-iniciados. Aofinal um dos Embaixadores da Loja, lhe dirige a palavra:

Embaixador: És bem vindo, V.M. Zein, apresenta-te para tomar o trono.Os V.M. presentes tem perguntas a fazer.

V.M. Baalbaki: Eu o saúdo, V.M. Zein, temos honra em desfrutarcontigo os altos escalões da Nova Loja, mas diz: a que vieste?

V.M. Zein: Vim para minha morada, para minha casa eterna, paraaprender com todos e ensinar o que sei de forma humilde.

V.M. Chavajoth: OM SEJA THELEMA!

V.M. Astaroth: OM SEJA THELEMA!

Loja em coro: OM SEJA THELEMA!

V.M. Astaroth: A sua vontade é forte. A vontade é uma grande qualidadedo guerreiro. Você já provou o que tinha que provar. Adianta-se agoraao caminho conosco?

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V.M. Zein: Adianto-me com honra.

V.M. Astaroth: Senhores, o cavalheiro aqui presente tomará o seu trono,venerem-no e respeitem-no como se faz com todos os V.M.. Eis o inicioda nova caminhada. Eis o caminho das possibilidades.

Loja em coro: OM SEJA FORÇA.

V.M. Baalbaki: Senta. Agora o Santo Quatro está formado. A Força éapenas uma.

Os frateres da loja se aproximam e dão as honras a V.M. Zein, depois osEmbaixadores e depois os altos-iniciados.Entra o Sábio.

V.M. Astaroth: A que tu vieste?

Sábio: Vim aprender.

V.M. Astaroth: Quem és?

Sábio: Sou o que sou na potência daquele que há em mim. Sou não-sendo, sendo não-mente. Queres saber se há algo em mim? Sou semprenão-sendo.

V.M. Astaroth: Qual o teu propósito?

Sábio: Vim aprender. Já disse.

V.M. Astaroth: Alguma pergunta?

V.M. Chavajoth: O Sábio veio inquirir V.M. Zein. Deixemos que ofato se desenvolva.

V.M. Astaroth: Pode dirigir suas perguntas a V.M. Zein.

Sábio: Vejo em ti a potência, mas se és V.M. não serias tu o acto perfeito?

V.M. Zein: Há a perfeição em mim, em ti e em todos. No final acto epotência são apenas um.

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V.M. Chavajoth: Se sou acto e potência em mim mesmo então sou umdeus. Afinal, Sábio, acto e potência não residem na não-mente?

Sábio: O homem que busca, busca sempre um caminho. No caminhohá os possíveis, nos possíveis há a força. Pela unificação da força há avontade, e na vontade há a confluência do acto com a potência.

V.M. Zein: Tal como todos, sou em mim em virtude do mais elevado,sou mais elevado em virtude do que há para além de mim.

Sábio: Vim para aprender contigo, V.M. Zein, e com todos. O que háalém de ti que não esteja em ti?

V.M. Astaroth: Sábio, gostaria de lhe voltar esta pergunta.

Sábio: O que há em mim? Há a confluência, a univocidade, aplurivocidade, tal como em ti. No momento em que a vontade fraquejatu te tornas menos do que é. Menos acto e mais potência.

V.M. Zein: Sei das dificuldades que o boddhisattwa de V.M. Astarothatravessa. Mas, estas em vez de torná-lo arrogante refinam o seuespírito.

Embaixador da Loja: Tu me pareces ter mais vontade que teu mestre.Talvez tenhas uma explicação para o fato.

V.M. Zein: A falta física nada prova aqui. Aqui Astaroth é, e isso é oque me importa.

V.M. Chavajoth: Onde está a tua “verdade”, tuas dialécticas, Oh! Sábio?Parece-me que em vez de testar, testado está sendo.

Sábio: Como posso ser, se não-sou? Tu és?

V.M. Chavajoth: Seria a existência um aspecto do “ser”?

V.M. Zein: Há aqueles que existem e são. Há os que existem e não-são,há os que são sem existir, por sua própria potência.

Sábio: Então, se é de alguma forma?

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V.M. Zein: Só se pode ser não-sendo. Tu mesmo o dizes.

V.M. Astaroth: Homens do amanhã! Que amanhã é este que não chega?Homens do ontem! Que ontem é este que não mais existe? Homens doinstante, são por vocês em vocês ou por outro além?

Sábio: Que é o tempo, V.M. Zein?

V.M. Zein: Dentro do cristal há o tempo que os homens criaram, foradele, como aqui, há a multitudo. Tu te reconheces, Oh! Sábio aqui?

Sábio: O que sou?

V.M. Astaroth: Me parece, Sábio, que há mais força em ti e menosvontade.

Sábio: Me parece que tua arrogância suplanta a tua vontade. Onde estátua bem-amada? Contigo não está. Isso fissurou o teu posicionamento.Aguardaste por toda uma vida e agora estás prestes a abandonar o tronoe a tentar o novo V.M. que virá após. Tuas existências fracassaram.

V.M. Astaroth: Não pretendo a vitória. Já a tenho.

Sábio: Tua arrogância se vê em tuas palavras. Tu fracassaste e isto étudo.

V.M. Chavajoth: Vejo nesse tipo de fracasso a grande vitória. O teatroé mais importante que a conquista. Se esta chega forma-se novo teatro,e se tudo é teatro, o trono de Astaroth é par semper aeternum.

Sábio: V.M. Zein, diga, não te sentes incomodado com a arrogânciadesmedida de teu mestre?

V.M. Zein: Em breve a nova nau chegará. Está nas mãos dele tomar ounão a nau. Ele é o que é, e tu que se dizes não-mente e refletes aarrogância em teus lábios?

V.M. Astaroth: Mestres! A nova nau se aproxima, para tanto a NovaLoja não deve mais ser governada por um, mas por uma junta de V.M..V.M. Chavajoth e V.M. Zein procederão à eleição.

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Frater Lúcifer anda de um lado para o outro no nono andar virtual daCidade dos Espelhos. Preocupado. Anzelm Volker sumirarepentinamente. Por onde estaria? Voievod Vad Tepes III chega.

Voievod Vad: Salve, Frater Lúcifer!

Frater Lúcifer: Ora, Ora, Salve, Salve!

Voievod Vad: Estou preocupado com o sumiço de Anzelm Volker.

Frater Lúcifer: Astaroth com suas magias deve ter enviado ele emmissão para algum confim do universo.

Voievod Vad: Veja se não é Chavajoth quem chega!

Frater Lúcifer: Salve Chavajoth! OM SEJA THELEMA!

V.M. Chavajoth: Desterrado que sou. O mundo é indigno de mim.Dilacerado. Meu espírito cantante perde-se nas infinitas rimas de umpossível incompossível.

Voievod Vad: Viste Anzelm Volker?

V.M. Chavajoth: Não sou capaz de ver a mim mesmo. Como contemplaro outro? Puro incompossível!

Chega V.M. Baalbaki.

V.M. Baalbaki: Alguém tem notícias de Anzelm Volker?

V.M. Chavajoth: A vida se dá em mundos paralelos.

Frater Lúcifer: Alguém sabe se Astaroth morreu ou não?

XV

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V.M. Chavajoth: Que importa se Astaroth morreu ou não. A vida, meuquerido, se dá em mundos paralelos até o momento em que o possívelencontra o incompossível! Morte? Olha a beleza deste gesto!

Frater Lúcifer: Que seria do nono andar virtual sem Astaroth? E AnzelmVolker só pode viver se Astaroth viver!

V.M. Chavajoth: Que vida é essa? A vida se dá em um esgotamento.No momento em que se esgota, nada mais há. Não há mais para Astaroth.Astaroth já está morto, ninguém pode matá-lo, nem ele mesmo. A mortechegou. Foi silente e calma. O espírito apresentou-se as trevas de Daath!

Frater Lúcifer: Mas, Astaroth não deseja chegar a Binah, esse é oproblema. Os mortos não vão a lugar algum!

Voievod Vad: A grande questão da morte de Astaroth reside no fato deele ter morrido em si mesmo. Por isso nada mais resta a morrer. Quemde nós pode dizer que morreu?

Frater Lúcifer: Eu ainda desejo a vida.

V.M. Chavajoth: Aqueles que desejam a vida, morrem inexoravel-mente! É necessário desprendimento. Anseie a mendicância, meuquerido.

V.M. Baalbaki: Aqueles que querem viver, morrerão; mas, somente osque querem morrer, viverão. Alguém já disse isso em Tópicos anterioresou em Cidade dos Espelhos, mas o contexto clama por isso novamente.

V.M. Astaroth chega.

V.M. Astaroth: Ora, Ora! Salve, Salve! O que discutem?

Frater Lúcifer: Queremos saber para onde você baniu Anzelm Volker?Aliás, você é Anzelm Volker, não é mesmo?

V.M. Astaroth: Frater Lúcifer, quantos possíveis existem? Dentro dospossíveis quantos podem ser dados a existência?

Frater Lúcifer: A questão é: onde está Anzelm Volker?

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V.M. Chavajoth: Mas, que rapaz apressado! Tenha mais vagar. A vidaé muito lenta, meu querido, quando se encontram as potências já é tardedemais, ou muito cedo. Não há nada que aconteça na hora. A mim nãointeressa o “por que” de Anzelm Volker, se Astaroth baniu ou deixou debanir. Quero saber como Anzelm Volker foi possível? Estou muitointeressado em ficção.

V.M. Astaroth: Onde está Anzelm Volker? Como Anzelm Volker foipossível? Muito está claro que as coisas que não são podem ser o quesão, e o que é pode ser o que não é.

Frater Lúcifer: Chega de retórica, Astaroth, para onde você baniuAnzelm Volker?

V.M. Chavajoth: A pergunta certa é: quão dilacerado no tempo o entese imiscuiu de sua essência?

Frater Lúcifer: Mas, vocês não falam coisa com coisa!

Voievod Vad: Talvez, porque na falta do silêncio o que possa haver sãosomente direções.

Frater Lúcifer: Que direções? Conceitue.

Voievod Vad: Que se quer com os conceitos, meu querido? Onde sequer chegar com eles. Não me diga que são necessários ao pensamento?

V.M. Astaroth: Quantos caminhos são possíveis?

V.M. Chavajoth: E quantos incompossíveis?

V.M. Baalbaki: Na vida há muitos caminhos, uns possíveis, outrosincompossíveis, outros são a confluência, a dobra, a intersecção.

Frater Lúcifer: Então, vou tirar minhas conclusões: Anzelm Volkerfoi banido por Astaroth para algum confim do universo e não se falamais nisso.

V.M. Astaroth: A pior saída é a saída sem fé na palavra. A palavra é ofalso, então há uma razão de verossimilhança entre ela e o discurso.

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Isto posto, então a verdade só pode estar no discurso, enquanto a mesmaé a apenas construção, simulacro de um modelo falso.

Frater Lúcifer: Acredite, Astaroth, suas saídas políticas são muitoengenhosas. Você diz muitas palavras sem dizer nada.

V.M. Chavajoth: Isso é que é lindo, dizer, dizer, dizer, sem nadacomunicar. Só ruídos. Só verdades-verdadeiras, produtos do falso.

Chega Frater Adratsom.

Frater Adratsom: Alguém viu Anzelm Volker por aí?

V.M. Astaroth: Devemos primeiro procurar ver com os olhos da alma,para depois buscarmos no externo uma possível-possibilidade.

Frater Lúcifer: Veja, Adratsom, estamos no meio de loucos! Eles nãodizem coisa com coisa!

Frater Adratsom: Há muita lógica do sentido no que Astaroth disse. Aquestão foi por mim mal formulada. Deveria ter perguntado: AnzelmVolker está ainda nas possibilidades?

Chega Anzelm Volker.

Frater Lúcifer: Rapaz, por onde você esteve?Anzelm Volker: Estive sempre aqui, sempre lá, sempre acolá. Sou umpássaro e posso voar.

V.M. Astaroth: Tem uma beleza aí!

V.M. Chavajoth: Que compossibilidade pluriunívoca.

Anzelm Volker: Agora é hora de eu ir. Vou para a aula de Lady Azor, adama negra do inferno.

Frater Lúcifer: Espera aí! A gente aqui preocupado se você tinhamorrido com Astaroth, que já está morto mesmo, e você sai assim paraa aula de Lady Azor? Nem um esclarecimento?

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V.M. Chavajoth: Para que servem os esclarecimentos? Se alguém quiserme dar um eu saio correndo.

O grupo continua reunido, apreciando as várias filosofias. Anzelm Volkervai para a aula de Lady Azor. O sumiço de Anzelm Volker pode ter ocorridoou não, mas o que vale é que a discussão suscitada talvez tenha sido umpossível dentre vários que poderiam ter ocorrido. Onde está a verdade?

Uma Viagem a Outra Dimensão

Estavam reunidos na casa sombria V.M. Astaroth, V.M. Chavajoth, V.M.Zein e Frater Nihil. Havia um outro membro junto com o grupo OicramYnor, tipo de mente cética que não acredita nem no que vê. Começa aincursão de nossos amigos pela casa envolta em mistérios.

Uma porta da casa chama a atenção de nossos amigos. Trancada. Delavem um sinal do tipo de máquina de escrever antiga. O sinal é nítido.Parece um datilógrafo catando as teclas sem destreza. Nossos amigosse detêm na porta estranha.

V.M. Astaroth: Que coisa mais estranha! De onde vem o barulho? Nãohá nada nessa sala fora um armário e uma xícara!

Frater Nihil: O barulho, Senhores, não é físico, mas sim produzidopor alguma entidade que não se encontra em nosso plano.

V.M. Chavajoth: É certo que isso é muito estranho.

Oicram Ynor: Trata-se de barulho gerado pelo ar-condicionado.

V.M. Zein: Você vê algum ar-condicionado ali? Não há nada, só acaixa vazia.

XVI

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Oicram Ynor: O barulho é provocado por uma goteira acima do ar-condicionado.

V.M. Zein: Você vê alguma goteira acima da caixa? Se estivesse, haveriaum vazamento por sobre a caixa e nós perceberíamos.V.M. Astaroth: Não vejo nada de anormal. Mas, o barulho é nítido.Creio, sinceramente, que algo que não conhecemos produz o barulho.

V.M. Chavajoth: Vamos fazer um banimento aqui para ver o queacontece.

Começa o ritual de banimento. A presença para de teclar a imagináriamáquina.

Oicram Ynor: Como disse havia uma goteira nesta sala, e a goteiraparou.

Frater Nihil: Estranho a goteira ter parado justamente após o ritual debanimento. Será que não foi o ritual a expulsar a presença estranha?

V.M. Chavajoth: O ritual mexeu com forças físicas, e essas forçasinterferiram no processo igualmente físico que produzia o barulho e oparalisou. Um ritual é algo que mexe com o inconsciente e que liberaforças. Apenas isso, nada mais.

Nossos amigos continuam andando pela casa envolta em mistérios. Umportal é encontrado. Trata-se de uma escada que dá sempre para o mesmolugar.

Frater Nihil: Que estranho! Por mais que subamos ou desçamos essaescada acabamos sempre no mesmo lugar. Trata-se de uma escadamágica!

V.M. Chavajoth: Trata-se de um portal. Para onde leva não sei, mas,com certeza leva a algum lugar extrafísico tenebroso. Essa casa se move,parece um cubo.

Frater Nihil: Vou tentar atravessar o portal.

Frater Nihil parte e atravessa o portal.

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V.M. Zein: Convém que atravessemos o portal, Chavajoth. Não sabemoso que há dentro dele!

V.M. Zein e V.M. Chavajoth atravessam o portal. Dão em um canteirode obras. Frater Nihil está tentando encontrar a saída.

Frater Nihil: Não há saída daqui!

V.M. Chavajoth: Calma, rapaz! Você tem muito o que aprender ainda!É claro que existe uma saída mágica daqui. Da mesma forma que aentrada foi mágica, a saída é mágica também. Acalme-se.

V.M. Zein: Muito estranho isso aqui. Parece que estamos em outro lugar.

V.M. Chavajoth: E estamos! Estamos em outra instância da casa. Emum limbo para ser mais exato.

Frater Nihil: Veja ali! Montes de terra, tijolos para construção. Vai seconstruir o que aqui?

V.M. Zein: São materiais para a construção do inferno. O inferno dacasa que por enquanto é limbo apenas.

Frater Nihil: Por que se construiria um inferno aqui?

V.M. Chavajoth: Não seja tolo, meu querido. Todos gostam de ter oseu inferno particular.

A sala está repleta. Muitos homens, exatamente setenta e uma mulher, aV.M. Astarteh, estão presentes. A ordem está fundando a Nova Loja.Dimitri Yalovitch toma seu lugar a mesa ao lado de V.M. Astarteh. ODr. Zandor Etchevin senta-se ao lado de Dimitri. Astaroth fala.

XVII

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V.M. Astaroth: É bem sabido que diante do homem existempossibilidades. Sempre há um possível diante de alguma situação. Nestemomento, a Capela está atuando em algumas frentes: a guerra espiritualcontra os adoradores da lei, as incursões ao prédio da Universidade dosEspelhos, a guarda de nossos interesses junto a espíritos prisioneiros, adecretação de uma nova ordem e ainda os costumeiros. A guerra semprefoi inevitável. Os Lords aqui presentes bem o sabem. Porém a fundaçãoda Nova Loja neste plano deve ser feita a fim de que possamos dotar amesma de egrégora.

Estão presentes a esta reunião: V.M. Zein, V.M. Chavajoth, V.M.Baalbaki, Frater Nihil e Ynor Oicram. Dimitri Yalovitch pede a palavra.

Dimitri Yalovitch: Que esta fundação se dê rapidamente, pois sei quenão tenho tempo.

V.M. Chavajoth: Tens todo o tempo. Aqui ninguém nasceu, ninguémmorreu. Temos todo o tempo do mundo, como tu não o tens?

Dimitri Yalovitch: Não pretendo permanecer neste possível convoscopor mais tempo. Meu tempo neste possível se esgota lentamente.

V.M. Astaroth: Compreendo a razão de tua aflição, mas o caminhoque pretendes se estampa diante de nossos olhos, e, posso dizer que setrata de um falso possível.Dr. Zandor: Quando estamos em uma encruzilhada sempre nos restamtrês caminhos alternativos a seguir. Para você existem mais ainda, poisa encruzilhada em que você se encontra se chama vida. Enquanto hávida, há possíveis a se realizar.

V.M. Chavajoth: A vida é um dos possíveis e ela abre outros possíveis,podemos dizer então ser a vida um possível que gera outros possíveis.Sejamos amigos do lento. A vida é lenta. Deve ser vista desta forma.Viva sem pressa. Aprecie os movimentos, lépidamente por teus poros.Acerca das incursões contra os adoradores da lei devo dizer que meusexércitos se retiraram com honra diante das frentes inimigas. Fizemos,por certo, inúmeras baixas. Os adoradores da lei são poderosos, bonsinimigos, porém sucumbirão diante dos esforços da Capela. Por isso,digo, enquanto houver um inimigo teremos vida, pois teremos contraquem lutar. O maior inimigo é o homem contra si mesmo. Ele se debate.

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Enquanto ele não vencer suas próprias trevas, não estará pronto para ocombate. Que se proceda a fundação da Nova Loja.

V.M. Astaroth: In nomine Satanis ex infernus, Nova Draculea Lojaest, in nomine et Domine, fundatione Loja est perfecta.

A Loja repete em peso.

V.M. Astaroth: In nomine et Domine Luciferis in excelsius, fundationeLoja est perfecta.

A Loja repete em peso.

V.M. Zein: Está fundada a Nova Força contra os adoradores da lei.V.M. Astaroth, nossos exércitos se encontram estacionados nos limitesdo templo dos adoradores. Iniciamos as incursões em território inimigoe já obtivemos vitórias significativas. Nos resta agora congregar forçaspara atingir o Santuário. Creio que V.M. Astaroth, V.M. Astarteh, V.M.Chavajoth devam se juntar a mim no campo de batalha a fim de fazercadeia de força contra os inimigos e vencer os mesmos. Desta forma,fortalecidos, entraremos no Santuário. Outra coisa, V.M. Astaroth, ocaso de Dimitri Yalovitch me preocupa. Devemos dar objetivos a ele,pois um homem sem objetivos enfraquece e passa a ter idéias confusas.Conclamamos Dimitri ao palco de guerra.

V.M. Chavajoth: Juntarei o mais brevemente o possível meus exércitosaos de V.M. Zein e peço a invocação da cadeia para que atinjamos ofim previsto. Lembro que o inimigo é bom de luta, mas a vitória é certa.Força e honra, senhores!

V.M. Astaroth: Temos ainda nossos interesses na Universidade dosEspelhos. Forças estão sendo debeladas lá. A caixa está sendo aberta elogo passaremos pelo Portal dos Antigos em busca do inimigo. Querosaber, agora, acerca dos prisioneiros e dos inocentes, devemos libertara todos?

V.M. Astarteh: Venho pedir clemência para com os inocentes. Osmesmos devem ser levados a seus locais de origem e deve lhes ser dadanova oportunidade. Quanto aos prisioneiros exijo julgamento justoquanto às suas faltas. Não devem ser enviados sem mais para as

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tormentas eternas. Quanto ao caso de Dimitri que se me permita umconselho: nascer, aparecer, é um bem, a vida é um bem. Desta forma, oauto-aniquilamento é sinal de covardia diante desse bem. Tudo ficabem para quem morre, pois este retorna a vida dos atos, mas, e paraquem fica? Resta a desolação. Nada pode substituir um grande espírito.Os grandes espíritos são como bibliotecas quem contém livros raros:uma vez extintas não se tem mais acesso aos livros. Por isso, recomendoa presença de Dimitri na frente de guerra.

V.M. Chavajoth: Que fique acordado então que os culpados, apósjulgamento, entrem em minha jurisdição para os tormentos eternos. Ageena precisa de sangue fresco sempre.

V.M. Astaroth: E quanto aos prisioneiros que já temos trabalhandopara nós? Prometi liberdade aos mesmos após cumprirem a missão. Oque quero saber é: a Capela é concorde?

V.M. Chavajoth: Empenhaste tua palavra, meu caro. Entretanto, e setais espíritos não cumprirem com suas missões? Já disse: o infernoprecisa de carne nova.

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