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MYRIAN MATSUO
SEMINÁRIO: SAÚDE MENTAL E TRABALHO
PÓS-GRADUAÇÃO : TRABALHO, SAÚDE E AMBIENTE - FUNDACENTRO
SÃO PAULO , 26 DE NOVEMBRO DE 2013.
Trabalho, prazer e sofrimento das
trabalhadoras do “CARE” (cuidado)
Doutora em Sociologia pelo Departamento de Sociologia da Faculdade
de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São
Paulo.
Pesquisadora da FUNDACENTRO - Ministério do Trabalho e Emprego,
São Paulo.
Objetivos da Pesquisa
Perceber as trajetórias profissionais e sociais das cuidadoras em
instituições de longa permanência para pessoas idosas (ilpis).
Verificar as condições e organização de trabalho das cuidadoras e
seus efeitos sobre a saúde física e mental dessas trabalhadoras.
Analisar os aspectos subjetivos no trabalho, como o prazer e o
sofrimento referidos pelas próprias entrevistadas, no desenvolvimento
de sua atividade.
Pesquisa de Campo
O trabalho de campo da presente pesquisa aconteceu no período de dezembro de 2009
a setembro de 2010, nos municípios de Guarulhos e São Paulo.
Foram entrevistadas, em sua maioria, cuidadoras de idosos de 3(três) instituições de
longa permanência, sendo 2 (duas) privadas, para o público da classe média e alta, e
1(uma) beneficente, para idosos carentes.
Foram entrevistadas 86 trabalhadoras brasileiras entre: cuidadoras; auxiliares de
enfermagem, técnicas de enfermagem, enfermeiras e acompanhantes de idosos.
Pesquisa comparativa Brasil, França e Japão sobre o Care, coordenado pela Prof. Dra.
Helena Hirata ( 86 brasileiras; 85 japonesas e 95 francesas = 266 cuidadoras). Foram
entrevistados 50 homens e 216 mulheres.
Foi utilizado o método de pesquisa qualitativo. Foi levantado o perfil socioeconômico das
cuidadoras de idosos. Foram realizadas entrevistas semi-estruturadas de longa duração,
com o uso de gravador.
Trajetórias Profissionais e Sociais
A maioria das cuidadoras brasileiras nas ilpis:
é do sexo feminino
é da raça negra e parda
nasceu na região sudeste e um número significativo na região
nordeste. A família de origem é da região nordeste .
possui religião evangélica e católica
possui mais de 35 anos
trabalha há mais de 5 anos nas instituições
é casada, com filhos e possui ensino fundamental incompleto
possui filhos com 14 anos ou menos, que não contribuem no
orçamento doméstico
possui cônjuge que recebe salário maior e possui emprego que
oferece maiores garantias, como nas indústrias e nos serviços.
Trajetórias Profissionais e Sociais
O perfil das cuidadoras de idosos nas ilpis ( Brasil), hoje:
A maioria das cuidadores nas ilpis:
o possui mais de 20 anos. É jovem desempregada, em busca do primeiro
emprego ou mulher na maturidade, que não consegue melhor colocação no
mercado de trabalho
o trabalha no máximo há 3 anos anos nas instituições
o é casada, com filhos e possui ensino médio completo , cursos de auxiliar
ou técnico de enfermagem
o está contratada como auxiliar de enfermagem ( desvalorização da
qualificação profissional)
o pretende trabalhar em hospital . Algumas pensam em mudar de profissão ou
de área de atuação. A rotatividade dos profissionais é menor na instituição
que possui plano de carreira e possibilidade de mudança de função dentro da
mesma empresa (ILPIs de classe alta).
Trajetórias Profissionais e Sociais
Aprendeu a cuidar observando a própria mãe e/ou familiares, que trabalhavam
na área da saúde (cuidadoras, atendentes e auxiliares de enfermagem)
Cuidou de crianças, idosos e pessoas doentes quando criança ou jovem, com
ou sem remuneração
Cursos de curta duração e com pouco conteúdo programático.
Falta de qualificação profissional: de formação e de treinamento contínuo
Condições de trabalho e saúde
Salário baixo. Ganha entre R$ 700,00 e 800,00
Carga horária: 12 X 36 ou 30 horas semanais ( com 1 (uma) folga por
semana).
Ritmo de trabalho intenso – falta de pausas ( 15 minutos de manhã e 15
minutos de tarde/ 1 hora de almoço) Falta de funcionárias / absenteísmo Rotatividade de funcionárias Divisão de tarefas na equipe. Sobrecarga de trabalho
Falta de tempo para conversar e dar atenção para os idosos: trabalho real X
trabalho prescrito ( atendimento humanizado)
Mobiliários inadequados
Condições de trabalho e saúde
Violência física e agressões verbais
Assédio sexual e moral contra as cuidadoras (discriminação racial)
A sexualidade no trabalho de cuidado
Existência de conflitos e “fofocas” na equipe de profissionais
Conflito das funcionárias com os familiares dos(as) idosos(as)
Trabalho de cuidado remunerado e o trabalho de cuidado (doméstico)
não remunerado, cuidado com os filhos, marido, idosos, pessoas doentes
na família = sobrecarga física e emocional – pouco tempo para
descanso e lazer
Prazer no trabalho
Relação de familiaridade com os idosos.
Convivência diária durante longo tempo
Criação de vínculo afetivo entre os idosos e as cuidadoras
O sorriso do(a) idoso(a)
O idoso demonstra estar se sentindo bem
O idoso melhora após a medicação.
O idoso fica mais calmo depois de uma conversa com a cuidadora
A gratidão dos idosos por meio de palavras e gestos de carinho
A cuidadora se sente útil cuidando dos idosos
Reconhecimento do trabalho pelos idosos
Aprendizado adquirido com os idosos
Sofrimento no trabalho
Possibilidade de perda do idoso (angústia de morte)
Tentativa de suicídio entre os idosos
Morte dos idosos
Os idosos não conseguem se alimentar; estão sondados; estão doentes e
estão fracos causam mal estar e angústia nas cuidadoras.
Poucas entrevistadas disseram sofrer no trabalho devido as condições
precárias de trabalho, como: ter que carregar peso; as brigas com os
familiares; o salário baixo; a pressão em ter que atender o idoso; a falta de
tempo para dar maior atenção; a falta de tempo para conversar; o não
reconhecimento social de seu trabalho, etc)
Problemas de Saúde
Dores nos braços = trabalho pesado
Dores nas pernas
Dores nas costas/ lombalgia
Varizes
Hipertensão
Cansaço físico
Cansaço mental
Estresse
Nervosismo
Dificuldade para dormir, acordar cansada
Problemas de Saúde
Desgaste mental , estresse e depressão.
Chora de tristeza quando tem que trocar os idosos sozinha, por causa do
peso. “Já estou com começo de depressão de tanto trabalhar sozinha,eu sei
que tem vez que eu estou trabalhando, tô chorando, só pedindo a Deus, prá
Deus me da(r) saúde”.
Desgaste mental da cuidadora, enfrentamento em relação as fases de:
repetição; de agitação motora, de recusa de fazer as atividades de comer, de
tomar banho, teimosia, braveza e de acusações, perseguições e alucinações e
de dependência para a realização das atividades de vida diária.
“É estressante. Os idosos gritam, batem, beliscam. Tem alguns que são mais
intransigentes. Mas nada que não dê prá levar, então nessa parte do
psicológico...aqui a gente não tem só cansaço físico, mas cansaço também
mental”.
Acidentes de trabalho
Tentativa de evitar quedas de idosos. “Foi segurar um idoso que estava
caindo e machucou a coluna”.
Sofreu queda devido o piso escorregadio no quarto de um dos idosos.
Bateu as costas na cama hospitalar e o ombro e braço ficaram “fora do
lugar e tortos. Nunca mais voltou.... ”.
Riscos de contaminação e de infecção.
“O trabalho de cuidar é amor. É o diálogo, é você escutar,você compreender,
porque Às vezes um interno te belisca , te bate, dá um tapa na tua cara e você
não pode revidar, você tem que entender, ter sabedoria (para entender a
situação dele), ele está em cima de uma cadeira de rodas ou tem Alzheimer,
ou às vezes está nervoso, não consegue falar....E não pode levar para o seu
emocional, no seu dia a dia. Talvez uma pessoa na rua, se alguém gritar com
você , você também levanta a sua voz, se a pessoa te ergue a mão você
também vai querer erguer. Aqui você não pode fazer isso, você não tem nem
como fazer isso.
- Mas isso tudo não te dá um desgaste ?
-Dá.
Cansa?
Cansa, o emocional...”
Problemas de Saúde
Falta de tempo para o autocuidado do cuidador
Falta de tempo para cuidar de si mesmo
Falta de acompanhamento terapêutico. A assistência psicológica existe na ILPI
com melhores recursos.
O que é cuidar
dar atenção; prestar atenção; observar
dar carinho
dar amor;
fazer o trabalho com amor
passar confiança
dar o melhor de si
ter dedicação
conversar; ouvir histórias; perguntar sobre a vida do(a) idoso(a)
ter bom humor; fazer brincadeiras; brincar; divertir
beijar; abraçar
levar para passear
arrumar, deixar a(o) idosa(o) bonitinho para o dia a dia; colocar roupa limpinha e
combinando; cuidar do cabelo, cortar os cabelos, das unhas, pintar as unhas
dar conforto
O que é ser cuidadora
Dom; talento; habilidade; missão e aprendizado
Necessidade de superação do mito da naturalização do cuidado como habilidade
feminina, promover modelos de trabalho para as mulheres que sejam socialmente
valorizados.
O discurso do cuidado como amor e carinho está mais presente entre as cuidadoras
menos qualificadas e menos escolarizadas (cuidadoras brasileiras e as francesas com
menos escolaridade).
CUIDAR: aspectos subjetivos e afetivos e atividade de trabalho como: dar comida;
trocar; dar banho, etc.
NEGAÇÃO DO CUIDADO COMO ATIVIDADE DE TRABALHO!!!
FALTA DE RECONHECIMENTO SOCIAL DO CUIDADO COMO UM TRABALHO
DIGNO E NECESSÁRIO.
“O idoso depende de você na parte sentimental, na parte de cuidados gerais
mesmo, com alimentação, higiene....Muitos idosos são depressivos, então falta aquele incentivo. Você pegando na mão dele, indo no refeitório, sentando ao lado deles, conversando, eles já se animam pra se alimentar. O cuidado é essencial , tanto na parte sentimental, você trocando uma palavrinha que seja eu acho que você já ta ajudando muito....O pouquinho de atenção que você der para o idoso eles já vão estar muito satisfeitos....Se você fizer aquele trabalho mecânico de chegar, fazer isso e aquilo, não der o mínimo de carinho, eu acho que eles vão se deprimindo mais ainda. Então, por mais que seja uma casa de repouso, tenha as obrigações, a gente tem que tentar superar e arrumar um tempinho pra dar uma atenção.
Cuidar é ter paciência, paciência.”.
Conclusão
Questão das políticas públicas de cuidado a idosos:
Políticas públicas que promovam igualdade de gênero e que diminuam os
conflitos de conciliação entre trabalho remunerado e família
Favorecer boas condições de inserção da mulher no mercado de trabalho ,
extinguir formas desvalorizadas e precárias de trabalho que atingem
principalmente as mulheres
Profissionalização da atividade de cuidador
Processo de educação e qualificação formal
Políticas públicas de qualificação, de trabalho, de emprego e de renda devem
ser integradas
Regulamentação da profissão ( proteção contra o trabalho precário;
sindicalização e organização da categoria). Aprovação do Projeto Lei 284/11
que tramita no Congresso Brasileiro
Conclusão
Políticas públicas necessárias para a instituição de um novo modelo de
trabalho; que se afaste do modelo vigente de trabalho doméstico, precarização
e desvalorização
A profissionalização e a mudança de modelo devem estar comprometidas com
uma ruptura em relação à ideia de naturalização do trabalho feminino, uma vez
que implicam em reconhecimento e a valorização do trabalho doméstico e do
trabalho familiar como TRABALHO.