Trabalho de América

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E – O SISTEMA MILITAR Dentro da organização estatal para o controle das colônias, o sistema militar desempenhou importante papel, ainda que a estrutura do estado tivesse sido essencialmente de cunho burocrático. A defesa militar foi feita, a princípio, por soldados que os conquistadores recebiam da coroa, sendo que estes logo foram substituídos por mercenários recrutados. O pagamento tanto de uns quanto de outros não consistia num mero salário; eles esperavam adquirir riquezas e sinecuras, isto é, atividades pouco trabalhosas e muito rentáveis. Tão logo terminava a conquista esses exércitos privados se dissolviam. Porém, os veteranos eram muitas vezes recompensados com a encomienda (impostos pagos pelos índios), de modo que essa se transformou em uma instituição militar, já que os encomenderos também tinham a obrigação de proteger os índios e defender militarmente o país. Essa modalidade militar foi fundamental para a manutenção da dominação nos primeiros séculos, tendo, contudo, entrado em decadência no século XVIII pela falta de preparação de seus membros, que não eram submetidos a treinamentos e não estavam sempre à disposição. Tornava-se, a partir daí, cada vez mais, necessária a existência de um exército permanente. Ocorreu que desde então, as guarnições das fortalezas e dos fortes foram reforçadas com uma grande porcentagem de homens vindos da Espanha que se mesclaram aos criollos. Formaram-se também batalhões de soldados profissionais nas capitais, misturando, do mesmo modo, os europeus e nativos. Essa mescla visava impedir a formação de forças armadas autônomas por parte dos últimos. Tanto as guarnições quanto os batalhões tiveram grandes dificuldades: as primeiras sofreram com as deserções e os segundos com a dificuldade em recrutar espanhóis, uma vez que esses vinham para a América para prosperar nos negócios.

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E O SISTEMA MILITAR - Os conquistadores, a princpio, recebiam soldados da coroa, mas logo tiveram que, eles mesmos, recrutarem mercenrios

E O SISTEMA MILITAR Dentro da organizao estatal para o controle das colnias, o sistema militar desempenhou importante papel, ainda que a estrutura do estado tivesse sido essencialmente de cunho burocrtico. A defesa militar foi feita, a princpio, por soldados que os conquistadores recebiam da coroa, sendo que estes logo foram substitudos por mercenrios recrutados. O pagamento tanto de uns quanto de outros no consistia num mero salrio; eles esperavam adquirir riquezas e sinecuras, isto , atividades pouco trabalhosas e muito rentveis. To logo terminava a conquista esses exrcitos privados se dissolviam. Porm, os veteranos eram muitas vezes recompensados com a encomienda (impostos pagos pelos ndios), de modo que essa se transformou em uma instituio militar, j que os encomenderos tambm tinham a obrigao de proteger os ndios e defender militarmente o pas. Essa modalidade militar foi fundamental para a manuteno da dominao nos primeiros sculos, tendo, contudo, entrado em decadncia no sculo XVIII pela falta de preparao de seus membros, que no eram submetidos a treinamentos e no estavam sempre disposio. Tornava-se, a partir da, cada vez mais, necessria a existncia de um exrcito permanente. Ocorreu que desde ento, as guarnies das fortalezas e dos fortes foram reforadas com uma grande porcentagem de homens vindos da Espanha que se mesclaram aos criollos. Formaram-se tambm batalhes de soldados profissionais nas capitais, misturando, do mesmo modo, os europeus e nativos. Essa mescla visava impedir a formao de foras armadas autnomas por parte dos ltimos. Tanto as guarnies quanto os batalhes tiveram grandes dificuldades: as primeiras sofreram com as deseres e os segundos com a dificuldade em recrutar espanhis, uma vez que esses vinham para a Amrica para prosperar nos negcios. Frente ao perigo de invaso das possesses ultramar, revelado pela guerra dos sete anos e as revoltas indgenas, o governo espanhol sentiu a necessidade de reorganizar a defesa militar na Amrica. Mandou regimentos de exrcito permanente da metrpole e determinou que todos os homens livres na Amrica tivessem de prestar servio militar obrigatoriamente, principalmente os que habitavam regies prximas ao mar. Foi atravs desse servio militar obrigatrio que se fundou a organizao das milcias americanas. Os homens alistavam-se e passavam por treinamentos regulares; e selecionavam-se aqueles que eram solteiros e aqueles que no tinham importncia para a vida econmica e para a administrao pblica. Um grande obstculo para a organizao das milcias foi a repugnncia geral que se tinha por ser soldado ou mesmo oficial. Muitos, recrutados contra sua vontade, eram, por isso, muito desobedientes. Para tornar o servio militar mais atrativo a coroa concedeu, a quem prestasse servio militar, muitos privilgio e isenes, como o foro militar, isto , o direito de ser julgado somente pela justia militar e no por tribunais ordinrios. Tais privilgios e o conseqente aumento do prestgio dos militares induziram muitos a disputar as praas militares, elevando o nmero de milicianos. Contudo, os militares tinham um grande desinteresse pela instruo militar e no cumpriam com as obrigaes contradas; seus interesses visavam, sobretudo, as prerrogativas que o ofcio propiciava. No obstante todas as dificuldades de organizao, as milcias foram teis em diversas aes militares, como, por exemplo, nas insurreies indgenas de tpac amaru e dos araucanos.6 A POLTICA INDGENA DE ESPANHIS E PORTUGUESES

A A ESCRAVIDO DOS NDIOS - A expanso ultramarina da Espanha e de Portugal levou dominao violenta dos aborgines no se reconheceu seus direitos de soberania dos princpios. A princpio, eles foram escravizados pelos conquistadores espanhis, os quais pretendiam mand-los para a metrpole como moeda de troca na comercializao de artigos de subsistncia. Os europeus acreditavam que os escravos ndios proveriam a Europa de mo-de-obra barata, a fim de ressarcir os custos com as expedies ultramar. Porm, j em 1500, os monarcas espanhis ordenaram o fim desse trfico e escravizao indgena, alegando que os nativos eram livres e de modo algum poderiam sofrer maus tratos. Essa interdio por parte da coroa no pode ser explicada por razes econmicas, j que a escravido indgena era extremamente rentvel. Foram, na verdade, motivos morais e polticos que se tornaram decisivos: os telogos e demais homens letrados influenciaram a coroa com a tese de que s se podiam escravizar os infiis feitos prisioneiros em guerra justa, e que os ndios deviam ser sditos livres; a coroa tambm se pautou pela idia de que a escravizao de ndios poderia fomentar revoltas, comprometendo a colonizao ao dar poder a autonomia excessivos aos conquistadores. A proibio da escravizao, portanto, atendia a princpios ticos e uma necessidade, por parte da coroa, de um controle mais estreito sobre as autoridades do novo mundo. Apesar de todas as interdies, a coroa concedia a permisso de escravizar aborgines em casos de guerra justa, o que suscitava a controversa questo de se saber o que era uma guerra justa e o que no era. Em 1513 a autoridade real tomou uma deciso a respeito que resultou na redao de um documento: o requerimento. Este devia ser carregado e lido pelos conquistadores aos indgenas antes das conquistas. Dizia que as terras da Amrica tinham sido doadas aos reis espanhis por decreto do papa, e exortava os aborgines a submeter-se aos reinos espanhis e adotar o cristianismo. Ficou determinado que se os ndios no seguissem as recomendaes expressas pelo requerimento, poder-se-ia declarar guerra a eles e escraviz-los. Pode-se dizer que este foi um primeiro despertar da conscincia humanitria na colonizao hispano-americana. Na sua tentativa de frear a escravizao dos ndios, a coroa no pde se limitar aos requerimentos, mesmo porque recebeu notcias de que eles no estavam sendo respeitados e de que os espanhis cometiam abusos. Em 1530, ento, Carlos V proibiu a escravizao dos aborgines, mesmo que eles fossem capturados como prisioneiros em guerras justas; autorizava, porm, que os que j haviam tornado-se escravos poderiam ser conservados com tais, mas teriam que ser inscritos em um registro oficial. Como os colonizadores protestaram contra essa deciso, alegando que estavam sendo prejudicados economicamente e que era de direito ter escravos como recompensas pelas expedies, a coroa revogou a proibio em 1534. Mas tratava-se de um retrocesso transitrio: em 1542 a coroa reiterou a interdio. Assim, pode-se notar que as autoridades metropolitanas tentaram suprimir, com esclarecimento de princpios, uma modalidade de brutalidade comum na civilizao, quando se trata de instauraes de uma dominao de um povo sobre outro.

A escravizao dos ndios, contudo, s desapareceu na Hispanoamrica apenas paulatinamente, pela manumisso ou morte dos escravos. As leis no foram fortes o suficiente para vencer as presses da realidade. Houve muitos casos em que a coroa concedeu licenas especiais para a escravizao dos prisioneiros nas lutas contra os ndios belicosos, como foi com os Caribes, que atacavam os espanhis e eram antropfagos. Ocorreu tambm, muitas vezes, que em territrios remotos a proibio da escravizao indgena fosse letra morta. o caso do norte da Espanha, onde nas lutas contra os Chichimecas, traficava-se e mantinham-se escravos. No Brasil aconteceu algo semelhante ao que foi visto na Hispanoamrica com relao escravizao dos ndios. Para suprir a necessidade de mo-de-obra, os bandeirantes penetraram no interior do territrio brasileiro, caando, escravizando e traficando ndios. A diferena foi que no Brasil a coroa portuguesa foi mais complacente com seus colonos. Porm, ao longo do sculo XVII e XVIII, sob presso dos jesutas, os Reis portugueses proibiram diversas vezes a escravizao dos nativos, abrindo, muitas vezes, exceo para a guerra justa. Tambm na Amrica lusitana, as proibies foram desrespeitadas e at revogadas por protestos dos colonos.B A ENCOMIENDA Paralelamente escravido existiu outras formas de trabalho no livre, como o repartimiento e a encomienda. sabido que o nmero de europeus nas colnias era escasso, e que eles no estavam dispostos a submeter-se a trabalhos pesados. Nessas circunstncias, a nica fonte de mo-de-obra disponvel era a indgena. Contrariando a coroa, que desejava que os ndios fossem integrados como assalariados, os colonos os obrigaram a um servio regular e cansativo, aos quais os nativos desenvolveram certa resistncia e, muitas vezes, sucumbiram por no estarem habituados. A dificuldade de adaptao a esse tipo de trabalho, que obedecia lgica capital, foi interpretada pelos europeus como vadiagem, qual o nico remdio seria o trabalho forado. O trabalho foi tido, assim, como instrumento de civilizao e cristianizao. Para frear as arbitrariedades que os colonos cometiam ao submeter os ndios, a rainha Isabel em 1503, disps sobre a legalidade da obrigao laboral indgena. Ela ordenou que os ndios e os espanhis vivessem juntos e se ajudassem mutuamente. Os caciques deveriam pr certo nmero de ndios disposio para trabalhos na explorao de riquezas e cultivos das terras, sendo que cada um deles receberia um salrio e alimentos. Ficou ordenado ainda, que em festas e outros dias comemorativos eles fossem instrudos na doutrina crist. Essa agregao dos aborgines, denominada de repartimiento, resultou na morte e doenas de muitos deles, que no resistiram s desmedidas e absurdas exigncias trabalhistas e, sobretudo, m alimentao. As exigncias da rainha Isabel no foram atendidas, uma vez que a colonizao se desenvolvia sob um capitalismo brutal, de modo que os europeus queriam retirar daqueles territrios as maiores riquezas no menor tempo possvel. Logo, nos crculos eclesisticos, se iniciou protestos contra os abusos perpetrados na explorao da fora de trabalho indgena, o que propiciou uma reforma da poltica indgena espanhola. Por ocasio de protestos dos clrigos dominicanos, que denunciavam a deplorvel situao dos ndios, o rei Fernando sancionou as leis de Burgos em 1512, as quais aprovavam os repartimientos, chamados agora de encomiendas, e embasavam-se na tese de que os ndios se inclinavam ociosidade e aos vcios, e que tal sistema de trabalho haveria de civiliz-los e evangeliz-los. Contudo, essas leis previam uma srie de medidas para evitar os abusos. Exigiam, por exemplo, que os ndios tivessem casa, cama, um pequeno terreno e aves; estabeleciam diversos deveres especiais dos espanhis para com os ndios, como o dever de inici-los na f crist, de aliment-los bem, de reduzir o tempo de trabalho; e proibiam ainda, os castigos. Mas nem todas essas numerosas mudanas legais foram suficientes: os maus tratos e a explorao abusiva continuaram. Parece que no era possvel conciliar na mesma instituio a encomienda a proteo aos ndios com o trabalho forado dos mesmos. Apesar disso, a luta em prol de um tratamento mais humano aos ndios no cessou. E agora ela passou a contar com os importantes apoios de Bartolom Las Casas e Cardeal Cisneros, ambos objetivando reformar a poltica indgena espanhola. Las Casas props a abolio dos repartimientos. J Cisneros, mais cauteloso, acreditava que os ndios no estavam maduros para uma liberdade completa, e dizia que se fossem postos em tal estado se entregariam libertinagem e idolatria. Ele props que fossem criadas comunidades indgenas livres, administrada pelos caciques ou pelo estado, caso necessrio , estando os nativos obrigados a pagarem impostos para indenizar os colonos da perda do repartimiento. Tais reformas, ao que parece, incorriam no mesmo problema: tirar os ndios de sua economia primitiva, isto , de subsistncia, e coloca-los em uma atividade econmica mais intensiva, de produo de excedentes. Mas elas no chegaram a ser executadas. Os monges jernimos, que ficaram incumbidos de pr em prtica o projeto, caram sob influncia dos colonos, e Cisneros no podia acompanhar de perto as questes da colnia. Foi mantida, ento, a encomienda sob as leis de Burgos. Enquanto o problema da legislao de trabalho e proteo indgena no era resolvido, os aborgines sofriam uma drstica reduo da sua populao. Las Casas sustentava que a causa da mortandade era o sistema de encomienda. Por outro lado, os colonos defendiam que qualquer tipo de tratamento dado aos ndios aniquilava-os inevitavelmente, mesmo que fizessem trabalhos leves e fossem bem tratados. Na verdade, a causa mortis eram as doenas infecciosas e a mudana repentina de ritmo costumeiro de vida. Hernan Cortez, no Mxico, alertado por todos esses problemas ocorridos nas Antilhas, tambm adotou, a contragosto, a encomienda, tomando, contudo, precaues para garantir o bom tratamento dos indgenas. Proibiu o trabalho destes nas minas e fixou um preciso horrio de trabalho e um salrio. Mas a encomienda aqui no consistia no repartimento de trabalhadores indgenas que eram forados a trabalhar. O que ocorreu foi que os colonos passaram a ter direitos tributrios sobre os indgenas, ficando em troca na obrigao de proteg-los e cuidar de seu esprito. Ao ser implantado esse novo formato de encomienda, surgiu uma polmica questo sobre a hereditariedade dessa instituio. A princpio, a encomienda era vitalcia e a coroa tolerava uma, duas e at trs concesses feitas aos herdeiros, como recompensa aos servios prestados pelos primeiros descobridores. Uma insurreio no Peru, porm, chamada de Gonzalo Pizarro, deixou a corte apreensiva e levou o Duque de Alba a propor a perpetuidade da encomienda, para tentar apaziguar os encomenderos e para que eles se preocupassem mais com o aproveitamento agrrio e com a cristianizao dos ndios. A questo ficou pendente durante muitos anos. Os encomenderos ofereceram certa quantia para pagar a concesso pela perpetuidade, o que pareceu a muitos um bom argumento. O Conselho das ndias, em contrapartida, disse que tal medida poderia levar a uma revoluo dos encomenderos, que se tornariam demasiado poderosos, e instaurao de uma servido perptua, semelhante escravido, sobre os ndios. A luta em torno dessa pendncia atravessou dcadas, chegando a Felipe IV, que tambm a postergou, deixando-a sem soluo at que se tornasse antiquada devido consolidao da organizao estatal na Amrica. Outro ponto importante referente s encomiendas foram os tributos indgenas. A coroa sempre procurou proteger os aborgines de aumentos arbitrrios. Mandava ouvidores de audincia para inspecionar e taxar os tributos indgenas em cada localidade, pondo as taxaes em pblico. Em geral, tais tributos eram pagos com alimentos e ouro, e no representavam um nus muito pesado aos ndios. Mas aconteceu que em lugares muito afastados se cometiam muitos abusos, pois eram os prprios encomenderos que faziam a arrecadao. Para sanar esse problema, em 1688, a coroa, proibiu essa prtica e determinou que corregedores recebessem e depois distribussem os impostos. A encomienda continuou a ser atacada pelos religiosos, e novamente Las Casas foi Espanha para denunciar a Carlos V as nefastas conseqncias daquela poltica indgena. Este, assombrado com o que ouviu, sancionou as novas leis, que proibiam a concesso de novas encomiendas, assim como o acesso a elas por heranas; ao morrer um encomendero, seus direitos a impostos deveriam ser repassados a coroa. Porm, Carlos V teve que voltar atrs. A famosa rebelio, no Peru, de Gonzalo Pizarro, a insolncia de muitos ndios depois de livres, e a dificuldade na difuso da f crist devido falta de uma hierarquia, foram fatores que impuseram a revogao da encomienda em 1545. Alm das novas leis, foram efetuadas outras tentativas de aperfeioar a encomienda e impedir a explorao abusiva dos ndios. Em 1549 foi proibida a converso do pagamento de tributos em prestaes pessoais de trabalho, mesmo que os ndios estivessem dispostos a isso. Foi visto, porm, que em muitos casos essa proibio era inaplicvel. Nas regies de culturas primitivas no existiam produtos agrrios e artesanais que um encomendero pudesse aceitar como pagamento. Por isso, s o trabalho pessoal dos ndios era interessante. Assim, em territrios marginais com relao aos grandes centros culturais, se encontrou a encomienda de servios pessoais, que subsistiu, apesar da proibio, at o sculo XVIII em lugares onde a encomienda legal era impraticvel, como a Venezuela, Chile, Paraguai, etc... No sculo XVIII, a instituio da encomienda havia cado em desuso. O nmero de ndios encomendados e as encomiendas haviam se reduzido muito. Alm disso, os ndios estavam to sobrecarregados de tributos que os encomenderos s conseguiam arrecadar a metade do que geralmente arrecadavam. Frente a escassez de dinheiro real, surgiu a iniciativa de repassar as rendas das encomiendas para a coroa. Felipe V, ento, mesmo contrariado por alguns conselheiros do conselho das ndias, que diziam que o fim das recompensas aos encomenderos poderia suscitar revoltas, principalmente por se tratar de um perodo em que ocorriam invases estrangeiras, promulgou em 12 de julho de 1720 a lei de abolio das encomiendas. No Brasil, em funo da ndole primitiva e nmade dos indgenas locais, no foi introduzida a instituio da encomienda.C NABORAS E MYTA Alm da escravido e das encomiendas existiam ainda outras formas de trabalho indgena obrigatrio. Nas Antilhas e no Mxico se desenvolveu as naboras, nome e instituio que os espanhis tomaram dos aborgines, e que consistia na manuteno de criados domsticos em situao de dependncia. Esses criados geralmente ou eram prisioneiros de guerra, ou oferecidos pelos prprios caciques, ou ainda eram ndios que entravam voluntariamente nesse tipo de trabalho. Tal instituio foi permitida pelo governo espanhol apenas nos casos em que os ndios se tornavam naboras pela sua prpria vontade. A coroa insistia na condio de liberdade deles, vendo nisso o diferencial com relao aos escravos. Tanto era assim, que os naboras tinham direito, aps a morte de seu amo, de decidir se permaneciam na casa do herdeiro ou se procuravam outro para servir. Para conter os abusos na explorao desse tipo de trabalho, autoridades locais deveriam reunir todos os ndios naboras e perguntar se realmente serviam por vontade prpria; caso disessem que no, as autoridades poderiam procurar outra ocupao para eles. No Peru, existiram os yanaconas, palavra essa tomada tambm do idioma local, designando pessoas que trabalhavam como vassalos na corte do inca. Os yanaconas eram ndios que os europeus, aps a conquista, encontravam num estado de no submisso, isto , que no estavam sob o domnio de nenhum cacique. Esses ndios eram repartidos entre os europeus na qualidade de serventes, equiparando-se aos ndios das encomiendas. Logo a corte recebeu informaes de que eles eram mal tratados e que, aps a morte de seus amos, passavam s mos de outro espanhol. Foi estabelecido ento, assim como se fez com relao aos naboras, que os yanaconas no eram escravos e que no podiam trabalhar contra sua prpria vontade. Novamente, a realidade se mostrou mais forte que esses ideais humanitrios. O virrey Francisco de Toledo no libertou os yanaconas para atender as recomendaes da coroa; ao contrrio, legalizou essa instituio. Ele repartiu os ndios no submetidos a um cacique entre os espanhis, e os proibiu de sair da gleba. Por outro lado, proibiu seus amos de transferi-los e os obrigou a dar um bom tratamento a eles. Tambm foi determinado que os yanaconas fossem transferidos para os herdeiros das propriedades eles eram servos hereditrios. Em 1601, o virrey Luis de Velasco, sob nova proibio da coroa, tambm manteve a existncia da instituio. Viu, que dada liberdade aos yanaconas, eles fugiam e nada produziam. Como a produo desses ndios era crucial para o abastecimento das minas Potos, o Virrey teve que contrariar a coroa e continuar com a legalizao dos yanaconas. Os virreys seguintes no chegaram a outra soluo, de modo que a instituio subsistiu durante quase todo o sculo XVIII. Os espanhis tomaram das grandes culturas indgenas ainda uma outra instituio de servido, a myta, que consistia na agregao coercitiva de foras de trabalho ao inca. Ela foi utilizada para fornecer aos encomenderos ndios, e adquiriu importncia graas explorao das minas do alto Peru. O virrey Francisco de Toledo em 1574, a fim de fornecer ndios para o labor nas minas e ao mesmo tempo proteg-los dos abusos, reorganizou a myta peruana. Criou diversos direitos para os mitayos como, por exemplo, o descanso de quinze dias aps uma semana de trabalho, a reduo das horas de trabalho, etc... Porm, os amos no cumpriam com as obrigaes e deveres estabelecidos por Toledo. Eles inventavam diversos descontos nos salrios, foravam os trabalhadores a jornadas extenuantes de trabalho, muitas vezes durante a noite; alm do mais, o ambiente das minas era extremamente insalubre e frequentemente recorria-se ao chicote. Tudo isso levou, como no podia deixar de ser, a uma grande mortandade entre os mytaios, o que tornou a myta objeto de inmeras controvrsias, sendo que a coroa e os virreys tentaram acabar com os abusos e a corrupo da instituio. O Conde de Lemos, junto ao conselho das ndias, desde 1670 defendeu fervorosamente a abolio da myta, numa amostra de que na poltica colonial espanhola existia uma forte exigncia tico-religiosa de tratamento humano dos aborgines. Em termos jurdicos, a instituio subsistiu at 1812, quando as cortes de Cdiz a aboliram. Mas, na realidade, a myta j havia desaparecido.D TRABALHO ASSALARIADO LIVRE E OBRIGAO LABORAL - A servido dos ndios foi, ento, a soluo para o problema do trabalho na empreitada da colonizao. Na Europa, em fins da idade mdia e incio da moderna, o trabalho livre no havia se consolidado com direito geral; os tribunais ainda exerciam coero laboral e a legislao que garantia a liberdade trabalhista s veio muito depois. de surpreender, portanto, que a coroa espanhola tenha adotado uma poltica colonial cujo principal princpio proclamado fosse a liberdade trabalhista para os aborgines. As legislaes trabalhistas para a Amrica espanhola no concebiam um estatuto especial para os trabalhadores indgenas. As regulamentaes jurdicas vindas da metrpole aplicavam os mesmos princpios quando se tratava dos ndios e quando se tratava de europeus. O que ocorreu na Amrica foi que se reconhecia (a coroa secundada pelos clrigos) a liberdade trabalhista dos ndios, ou seja, o direito que possuam de no serem coagidos a trabalhar. Mas como a coroa admitia como seu dever velar pela converso dos aborgines f crist, ela se viu no direito legtimo de obrig-los a trabalhar. Pois os nativos eram, na concepo dos europeus, preguiosos, ociosos, vagabundos, e, para eles, essa situao de desocupao levava aos maiores vcios e males. Fazia-se necessrio, assim, coagi-los a trabalhar. O trabalho os tirariam do cio e impediria e, consequentemente, que se entregassem a todos males e vcios que dele advm. Portanto, reconhecia-se a liberdade trabalhista aos ndios, mas ao mesmo tempo sua obrigao de trabalhar, sendo essa obrigao derivada do sentido educativo e valor religioso que os cristos passaram a atribuir ao trabalho. A liberdade trabalhista e a coero laboral foram as duas tendncias, contraditrias entre si, que marcaram o direito trabalhista na Amrica colonial. Da vem uma legislao que admitia a coero, mas concomitantemente se esforava por neutralizar os efeitos negativos (maus tratos, explorao abusiva) do trabalho forado. Com efeito, a coero laboral coincidia com a grande necessidade de fora de trabalho para a explorao nas colnias; ela foi, na verdade, um meio encontrado para suprir tal necessidade. Contudo, os ndios no queriam trabalhar por um salrio em perodos to longos. Para eles, bastava trabalhar apenas alguns dias para que conseguissem o suficiente para pagar os tributos e garantir a sua sobrevivncia. Como no tinham ambies, no tinham estmulos para trabalhar mais que isso. Para utilizar essa fora de trabalho inativa ento, as autoridades locais determinaram que todos os dias os ndios se apresentassem na praa de suas cidades, onde os espanhis podiam os contratar por um salrio fixo. Esse sistema de proviso de mo-de-obra, chamado repartimiento, levou ao abuso de distribuir ndios contra suas vontades nos mais diversos trabalhos. Abuso que deu ocasio para a regulamentao do trabalho em 1601, a qual pretendia acabar com essas injustias. A regulamentao ordenava o pagamento e o sustento adequado dos ndios e buscava controlar e assegurar boas condies de trabalho. Em 1609 essa legislao foi reformada, prescrevendo maiores exigncias com relao melhoria do trabalho indgena (alimentao, vestimenta, salrio adequado, etc...) e o fim do repartimiento quando os ndios tivessem se tornados mais laboriosos e, desse modo, houvesse mo-de-obra assalariada livre e disponvel. Apesar de todas essas medidas, a explorao abusiva e os maus tratos no cessaram. Os repartimientos forados de ndios para prestaes de trabalho foram comuns at o fim do perodo colonial. Deve-se ressaltar, contudo, que a coroa se esforou com sinceridade para que os repartimientos se praticassem com um mnimo de rigor.E A SEGREGAO RACIAL E O PROBLEMA LINGSTICO Ao longo de toda colonizao um problema recorrente para a coroa foi a segregao entre espanhis e indgenas. Existiram opinies controversas que debatiam em torno da questo da separao ou no das duas raas. As leis de Burgos, primeiro esforo de resoluo do problema, no pretendiam efetuar uma segregao entre os nativos e os espanhis. Elas impunham o estabelecimento dos ndios nas imediaes dos assentamentos espanhis, de modo que tivessem um contato contnuo com os europeus. A instituio da encomienda aproximaria as duas raas, facilitaria a cristianizao e civilizao dos ndios, assim como o aproveitamento de sua fora de trabalho.

Porm, logo abundaram as queixas de que os encomenderos no se preocupavam com a instruo religiosa e tampouco cumpriam suas obrigaes para com os ndios. No demorou, tambm, para que, consequentemente, surgissem correntes de opinio segundo as quais as encomiendas deviam ser abolidas e os ndios deviam ser isolados para evitar os maus tratos e a corrupo que adviria do contato constante com os colonos. A coroa espanhola, influenciada por tais crticas que clrigos e homens letrados dirigiam ao contato estreito entre as duas raas, sempre desejou reunir em assentamentos os aborgines, tirando-os das encomiendas e da convivncia com os europeus, mesmo que isso demandasse o uso da fora. Tais assentamentos seriam, no seu entender, cruciais para a evangelizao e civilizao. Em consonncia com os assentamentos indgenas e pretendendo afastar ainda mais os dois povos, a coroa determinou ainda que os espanhis ficassem concentrados nas cidades que fundaram e no se dispersassem pelo campo. A partir dessas medidas, criadas para proteger os ndios e para salvar a capacidade defensiva das cidades, desenvolveu-se uma poltica geral de segregao. Proibiu-se aos espanhis solteiros aproximar-se dos povoados indgenas, pois abusavam de mulheres, meninas e saqueavam bens dos nativos; proibiu-se, tambm, aos ndios aventurar-se nas cidades espanholas, a no ser que vivessem em bairros indgenas separados. Nem mesmo os encomenderos podiam residir na regio de suas encomiendas, j que o conselho das ndias havia descoberto que eles, ao estabelecer-se junto aos ndios, exigiam trabalhos e prestaes especiais e que suas esposas submetiam as ndias a tratamentos cruis e trabalhos extenuantes. Outros que foram impedidos de morar com os aborgines foram os negros, os mulatos e os mestios; para a coroa eles maltratavam, induziam aos vcios e infundiam supersties nos ndios. Contudo, no transcorrer da histria na Hispanoamrica, as relaes comunitrias tnicas foram mais fortes que a segregao racial imposta legalmente. Os espanhis tinham necessidade irresistvel de sair das cidades e ir para o campo. Eles compravam casas e terras dos ndios, estabeleciam-se em suas reas, casavam e tinham filhos com as ndias, e estreitavam os laos atravs do trabalho em conjunto. Desenvolveu-se, assim, entre as duas raas, uma aproximao natural, isto , determinada pelas prprias condies da realidade americana. Alm das diferenas raciais, a heterogeneidade de idiomas, que impossibilitava uma compreenso mtua, tambm era um fator segregador. Fazia-se necessrio uma comunidade lingstica entre os conquistadores e os aborgines do novo mundo. A igreja acreditava que tal comunidade era indispensvel para incorporar os pagos da Amrica cristandade ocidental. Os clrigos ento, junto coroa, que no pensava de forma diferente, recomendaram aos missionrios que as lnguas indgenas fossem usadas na evangelizao nas oraes, nos sacramentos, etc... Estes passaram a se dedicar ao estudo das lnguas locais, freqentando universidades com ctedras destinadas especialmente para esse fim. Com isso, os homens pertencentes s igrejas de povoaes indgenas tiveram que trocar de idioma. A conseqncia foi uma separao racial na vida eclesistica americana: houve parquias para brancos e outras para ndios. Outra medida que a poltica espanhola adotou com relao ao problema lingstico, foi procurar fomentar o uso do espanhol entre os ndios, objetivando assimil-los lingisticamente. Em 1516, o Cardeal Cisneros ordenou aos monges jernimos que ensinassem aos filhos dos caciques e outros ndios importantes ler, escrever e falar o castelhano. Para reforar essa medida, a coroa ditou uma disposio segundo a qual os provincianos das ordens dominicana, franciscana e agustina, deviam, tambm, promover o ensinamento do castelhano aos indgenas. Mas os resultados das duas tentativas, a dos missionrios aprenderem as lnguas indgenas e a de ensinar o castelhano aos nativos, foram insignificantes e o conselho das ndias sugeriu a idia de que no futuro os ndios, obrigatoriamente, tivessem que usar a lngua espanhola. O conselho argumentava que no havia missionrios suficientes que falassem ou aprendessem os idiomas americanos e que, ademais, havia inmeras lnguas diferentes nas diversas provncias, as quais no eram compreensveis para quem conhecia um s idioma geral como o dos incas no Peru. Fundando-se em tais idias, props o ensino do castelhano s crianas e adultos, de modo que esquecessem aos poucos sua prpria lngua. Mas agora, para o conselho, o ensino da lngua espanhola no atendia apenas a necessidade de uma evangelizao eficaz, mas tambm a introduo dos aborgines nos costumes civilizados: a assimilao lingstica fazia parte de uma assimilao cultural. Felipe II, em 1596, no aceitou essa proposta e reforou a idia do bilingismo, isto , a idia de que se ensinasse castelhano aqueles ndios que voluntariamente o quisessem aprender, e que a evangelizao se desse atravs das duas lnguas. O decreto da coroa no surtiu nenhum efeito: a grande maioria dos ndios permaneceu falando suas prprias lnguas, e isso devido ao apego que tinham pelo seu idioma, e falta de escolas e professores. No sculo XVIII, o despotismo esclarecido proclamou a assimilao lingstica dos povos americanos como algo natural, em funo da conquista, e como direito soberano dos espanhis. Declarou ainda, que tal assimilao correspondia a uma necessidade poltica de criao de um corpo lingisticamente homogneo de sditos, para integrar as populaes indgenas e prevenir rebelies. Porm, mesmo sabendo-se dessas consideraes e mesmo com algumas propostas nesse sentido, isto , no sentido de obrigar o uso do castelhano, a coroa se conformou a reiterar as disposies vigentes sobre a aprendizagem voluntria do idioma. Mas os indgenas continuaram mesmo a falar suas prprias lnguas, e s aprenderam, na maioria das vezes, o castelhano atravs da convivncia cotidiana com os espanhis a no pela poltica educativa e lingstica do governo.