Trabalho de conclusão de curso. gisele selistre ramon
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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL
FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL
GISELE SELISTRE RAMON
O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL EM UMA UNIDADE DE TRANSPLANTE
E A INTERVENÇÃO NOS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE.
Porto Alegre
2010
GISELE SELISTRE RAMON
O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL EM UMA UNIDADE DE TRANSPLANTE
E A INTERVENÇÃO NOS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE.
Trabalho de conclusão de curso de
graduação apresentado à Faculdade de
Serviço Social da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, como
requisito para obtenção do grau de
Bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Profª. Drª. Patrícia Krieger Grossi
Porto Alegre
2010
GISELE SELISTRE RAMON
O TRABALHO DO ASSISTENTE SOCIAL EM UMA UNIDADE DE TRANSPLANTE
E A INTERVENÇÃO NOS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE.
Trabalho de conclusão de curso de
graduação apresentado à Faculdade de
Serviço Social da Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, como
requisito para obtenção do grau de
Bacharel em Serviço Social.
Aprovado em ____ de ______________ de ____.
BANCA EXAMINADORA:
__________________________________________
__________________________________________
Porto Alegre
2010
AGRADECIMENTOS
Uma história não se faz sozinha. Sendo assim, a história da minha formação
profissional foi perpassada por muitos sujeitos que me modificaram e contribuíram
para o meu crescimento durante essa jornada. Deixo aqui os meus mais sinceros
agradecimentos.
Aos meus pais Renê da Silva Ramon e Elizabeth Selistre Ramon, por todo
o carinho, apoio e cuidado comigo durante toda a minha vida e mais especialmente
durante a graduação. Obrigada por estarem dispostos a confiar e investir nos meus
sonhos mesmo que para isso, em alguns momentos, tenham que ter aberto mão dos
sonhos de vocês. Essa conquista não é minha. É nossa.
Ao meu namorado Leonardo de Oliveira Amaro, pelo incentivo, cuidado,
carinho, amor e boas risadas nos momentos de presença e principalmente pela
compreensão nos momentos de ausência. Obrigada pelas palavras certas nos
momentos certos. Foram essas palavras que, em muitos momentos, me fizeram
sacudir a poeira e seguir em frente.
As queridas colegas que se tornaram amigas: Carolina, Caroline, Raquel,
Renata e Vanessa. Obrigada pelas trocas de conhecimento sobre a profissão, sobre
a vida, sobre o futuro e também pelos momentos de descontração, festas e risadas
que foram essenciais para tornar esse processo muito mais divertido. Mesmo que
sigamos caminhos diferentes estaremos sempre ligadas por essa profissão que
escolhemos para chamar de nossa.
A Professora Leonia Capaverde Bulla pela aprendizagem adquirida no
Núcleo de Pesquisas em Demandas e Políticas Sociais - NEDEPS e aos integrantes
que por lá passaram nos dois anos e meio em que fui Bolsista de Iniciação
Científica: Ana Paula, André, Andressa, Daniele, Eni, Erika, Jaqueline, Ludmilla,
Marilene, Neila, Paula, Potira, Ricardo, Rossana, Rozane, Thyelle, Vanessa,
Vanessa... Obrigada a todos por compartilharem os mais variados saberes e pelos
maravilhosos e deliciosos cafés da tarde, repletos de muitas risadas.
A minha supervisora acadêmica de estágio professora Esalba Silveira pelos
seus sempre bem vindos “E o que mais?” que me incentivaram na busca incansável
por novos conhecimentos e a explorar ao máximo meu potencial. E a todos os
colegas do grupo de supervisão pelas experiências, dificuldades, conquistas,
lágrimas e sorrisos nesse momento cheio de descobertas e inquietações que é o
Estágio.
As minhas supervisoras de estágio Fernanda Guedes e Roberta Lague pelo
exemplo de profissionalismo, compromisso com trabalho e com os usuários.
Obrigada pela paciência, pela acolhida e por dividirem comigo a experiência de
vocês durante a realização do estágio.
A toda a equipe do Serviço Social do Hospital São Lucas da PUCRS: Magda
Ferreira, Jacinta, Laura Lunardi, Lorena Loretto, Sheila Viegas e as estagiárias
Carmen, Gabrieli, Natássia e Zita. Obrigada por estarem sempre dispostas a
auxiliar no esclarecimento de duvidas e pelas contribuições na realização do meu
trabalho.
A professora Patrícia Krieger Grossi, pela dedicação, disponibilidade,
atenção e pelas contribuições fundamentais para a realização desse trabalho de
conclusão de curso. Tornaste esse processo muito mais leve.
A todos os professores da Faculdade de Serviço Social da PUCRS que de
alguma forma certamente contribuíram com um texto, parágrafo, frase e palavra na
minha formação profissional.
Por fim, gostaria de agradecer a todos os usuários da Unidade de Nefrologia/
Transplante do Hospital São Lucas da PUCRS. Vocês são os principais sujeitos
desse TCC. Obrigada por compartilharem comigo suas experiências, histórias de
vida e de superação.
De Tudo Ficaram Três Coisas
De tudo ficaram três coisas:
A certeza de que estamos começando,
A certeza de que é preciso continuar e
A certeza de que podemos ser interrompidos antes de terminar
Fazer da interrupção um caminho novo,
Fazer da queda um passo de dança,
Do medo uma escola,
Do sonho uma ponte,
Da procura um encontro,
E assim terá valido a pena existir.
Fernando Sabino.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Gráfico 01: Idade dos usuários do serviço social da unidade de Nefrologia/
Transplante...............................................................................................................58
Gráfico 02: Origem dos usuários do serviço social da unidade de Nefrologia /
Transplante...............................................................................................................58
Quadro 01: Usuários Transplantados que foram Acompanhados Durante o
Período de Internação..............................................................................................67
Quadro 02: Usuários que sofreram re-internação após a realização do
transplante e foram acompanhados no período de internação...........................69
LISTA DE SIGLAS
BPC – Benefício de Prestação Continuada.
CAPs – Caixas de Aposentadorias e Pensões.
CNDSS – Comissão Nacional sobre Determinantes Sociais da Saúde.
DSS – Determinantes Sociais da Saúde.
HSL – Hospital São Lucas da PUCRS.
IAPs – Institutos de Aposentadorias e Pensões.
INPS – Instituto Nacional de Previdência Social.
INSS – Instituto Nacional do Seguro Social.
IRA – Insuficiência Renal Aguda.
IRC – Insuficiência Renal Crônica.
OMS – Organização Mundial de Saúde.
ONGs – Organizações Não Governamentais.
PUCRS – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.
RDP – Relatório Descritivo Processual.
SALTE – Saúde, Alimentação, Transporte e Energia.
SUS – Sistema Único de Saúde.
TFD – Tratamento Fora de Domicílio.
UBEA – União Brasileira de Educação e Assistência Sociedade Civil da
congregação dos irmãos Maristas da Província de Porto Alegre.
UBS – Unidade Básica de Saúde.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 9
2. SAÚDE NO BRASIL: DAS CONQUISTAS DO MOVIMENTO DE REFORMA SANITÁRIA AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE NO CONTEXTO NEOLIBERAL. ... 12
2.1. BREVE HISTÓRICO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL E A CONJUNTURA HOJE. ........................................................................................... 12
2.2. CONHECENDO A REALIDADE ORGANIZACIONAL: HOSPITAL SÃO LUCAS DA PUCRS E A UNIDADE DE NEFROLOGIA / TRANSPLANTE. ........................ 21
2.3. O SERVIÇO SOCIAL NA UNIDADE DE NEFROLOGIA / TRANSPLANTE. ... 30
3. CONCEITO AMPLIADO DE SAÚDE E OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE. ..................................................................................................................... 36
3.1. A SAÚDE POSSUI FATORES CONDICIONANTES E DETERMINANTES. . 36
3.2. A INTERSETORIALIDADE E A INTEGRALIDADE COMO ESTRATÉGIA DE ENFRENTAMENTO DOS DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE. ................... 49
4. A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL EM UMA UNIDADE DE TRANSPLANTE RENAL. ......................................................................................... 55
4.1. O PROCESSO DE REFLEXÃO TEÓRICO-PRÁTICO. ................................... 55
4.2 INTERVINDO NOS DETERMINANTES SOCIAIS A FIM DE CONTRIBUIR NO ACESSO A SAÚDE ............................................................................................... 63
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS. ................................................................................. 76
REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 79
ANEXOS ................................................................................................................... 86
9
1. INTRODUÇÃO.
“Saúde não é apenas ausência de doença”. Essa frase tão comumente
ouvida, constantemente repetida na disciplina de “Serviço Social e Saúde”,
incansavelmente proferida pelos assistentes sociais que atuam na área da saúde,
ganha quase a alcunha de jargão, frase feita. Apesar de constantemente afirmarmos
que “saúde não é apenas ausência de doença” temos de fato a amplitude desse
entendimento? No cotidiano profissional dos serviços de saúde em que nos
inserimos será que de fato contribuímos para o rompimento dessa perspectiva de
saúde como a inexistência de doença para a afirmação de saúde como um estado
de bem estar completo vivenciado pelos sujeitos?
Essa monografia de conclusão de curso se propõe a isso. Esse trabalho é
uma reflexão da autora sobre os aspectos sociais que constantemente se mostram
determinantes para concretizar o acesso à saúde pelos sujeitos. Aspectos esses que
vão para além dos serviços de saúde, que perpassam a vida de todos a cada
instante. Entendemos que saúde é poder utilizar o transporte coletivo, é poder ter
momentos de lazer em um parque, é poder realizar três refeições ao dia, é poder
residir em uma casa, é poder beber água limpa. Saúde é acessar (plenamente) o
posto de saúde, o ambulatório e o hospital. E para muitos dos usuários1 do Serviço
Social do Hospital São Lucas da PUCRS, local onde autora realizou estágio
curricular obrigatório, a saúde começa quando deixam a máquina de hemodiálise e
realizam um transplante renal.
Com base nos conhecimentos adquiridos ao longo de nossa formação
profissional e enfocando na experiência de estágio, que se deu nas referidas
organização e unidade, elaboramos essa monografia de conclusão de curso. Esse
trabalho objetiva ser uma reflexão teórico-prática acerca do rebatimento dos
determinantes sociais da saúde nos usuários que realizam transplante renal e da
1 Nessa monografia compactuamos com o entendimento apontado por Vasconcelos (2003) e
optamos pela utilização da terminologia “usuário” ao invés de “paciente”, constantemente utilizada por
assistentes sociais e demais profissionais que atuam na área da saúde. Conforme a autora
“consideramos usuários, os segmentos integrantes da classe trabalhadora que, como sujeitos de
direito, agem, empreendem ações, intervêm, lutam, reivindicam [...]” (VASCONCELOS, 2003, p. 35)
10
intervenção do assistente social nesses determinantes com vistas ao acesso ao
direito a saúde. Destacamos o pioneirismo dessa monografia, uma vez que a autora
desse trabalho foi a primeira estagiária de serviço social na unidade de nefrologia /
transplante, sendo esse o primeiro trabalho de conclusão de curso produzido a partir
da experiência de estágio nesse lócus.
A elaboração desse trabalho foi um desafio, devido ao pequeno número de
referenciais teóricos acerca da atuação do assistente social em unidades de
transplante e da intervenção nos determinantes sociais da saúde. Aceitamos esse
desafio porque acreditamos ser essencial que a categoria profissional amplie o
debate acerca do conceito ampliado de saúde e do reconhecimento dos
determinantes sociais da saúde enquanto expressões de desigualdade vivenciadas
pelos usuários dos serviços de saúde. Ressaltamos que não seria possível
contemplar em apenas um trabalho, todos os aspectos que compõe os
determinantes sociais da saúde. Sendo assim, nessa monografia procuramos
abordar alguns dos aspectos determinantes sociais da saúde que foram
apresentados pelos sujeitos durante o período de realização do estágio.
Uma vez que nos fundamentamos pela perspectiva do método dialético critico
nos propomos a realizar uma leitura de realidade que vivenciamos e da conjuntura
brasileira tendo por base as categorias totalidade, historicidade e contradição do
referido método. Para isso foi necessário ampliarmos nosso olhar e nossos
conhecimentos acerca da produção das desigualdades na sociedade capitalista,
tendo como fundamento a categoria trabalho, e as transformações históricas do
direito à saúde na sociedade brasileira e os desmontes sofridos por essa política
devido ao projeto neoliberal. Ao longo de toda a monografia, procuramos ilustrar a
teoria apresentada com aspectos práticos, apresentando trechos de entrevistas e
fragmentos de diários de estágio, o que também possibilitou “dar voz” aos sujeitos
atendidos.
A organização dos capítulos desse trabalho se dá da seguinte maneira: No
capítulo dois realizamos um resgate histórico acerca do direito à saúde no Brasil e
suas modificações ao longo das décadas, culminando em uma reflexão dessa
política na atualidade, permeada pelo contexto neoliberal. Apresentamos também a
11
organização e a unidade onde foi realizada nossa prática, trazendo os principais
aspectos que a permeiam bem como o serviço social inserido nesse espaço.
No capítulo três realizamos uma problematização acerca da formação das
desigualdades e dos determinantes sociais da saúde na sociedade capitalista, tendo
como centralidade a categoria trabalho, bem como apresentamos a integralidade e a
intersetorialidade enquanto estratégias de superação desses determinantes. No
capítulo quatro, trazemos a sistematização de nossa prática profissional durante a
realização do estágio, apresentando como se deu o processo de desvelamento da
realidade em que nos inserimos. Apresentamos também como se deu nossa
intervenção nos determinantes sociais da saúde, bem como nossos objetivos e os
produtos alcançados com nossa prática. Por fim, estão às considerações finais, as
referências utilizadas para a produção da monografia e os anexos.
12
2. SAÚDE NO BRASIL: DAS CONQUISTAS DO MOVIMENTO DE REFORMA
SANITÁRIA AO SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE NO CONTEXTO NEOLIBERAL.
Nesse capítulo, realizamos um breve resgate histórico de como vem se
constituindo a saúde pública no Brasil. Entendemos que a política de saúde é melhor
compreendida na conjuntura atual, com seus avanços e desafios, quando
vislumbramos como ela se formulou e reformulou ao longo das décadas.
Apresentamos também a política de saúde em seu contexto atual, permeada
pelo projeto Neoliberal que, como veremos, ameaça seus princípios. Traremos
também a organização e a unidade onde foi realizado o estágio da autora, com seus
atores sociais e suas particularidades na execução da política de saúde. Ao final do
capítulo, apresentamos o Serviço Social e sua atuação dentro dessa organização e
unidade.
2.1. BREVE HISTÓRICO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL E A CONJUNTURA
HOJE.
O Sistema Único de Saúde – SUS vem se constituindo historicamente. Sua
elaboração está intimamente ligada com a conquista da Constituição Federal de
1988, que prevê um sistema de Seguridade Social Brasileiro que “universaliza os
direitos sociais, concebendo a Saúde, a Assistência Social e a Previdência como
questão pública, de responsabilidade do Estado” (BRAVO, 2009, p. 88).
Entretanto, a formulação do SUS não se deu de forma pronta (e nem está
acabada). Ao longo de décadas, o entendimento da concepção de saúde vem se
modificando, assim como a legislação vigente e a atuação do Estado para a sua
promoção. A intervenção estatal no campo da saúde só começa a ocorrer
efetivamente na década de 30. Antes desse período, a assistência médica se dava
de forma filantrópica e de prática liberal. Nessa década, também ocorre à
institucionalização da saúde pública com a criação do Ministério da Educação e da
Saúde Pública (BERTOLLI FILHO, 2004).
13
Contudo, ainda na década de 20 algumas ações na área da saúde se
destacam, como a reforma Carlos Chagas que objetivava ampliar o atendimento de
saúde no país, mas principalmente a criação das Caixas de Aposentadorias e
Pensões – CAPs em 1923. Um avanço para a época, as CAPs “eram financiadas
pela União, pelas empresas empregadoras e pelos empregados (BRAVO, 2009,
p.90). As CAPs foram a primeira tentativa de estabelecer uma política de proteção
social. Ainda assim, se caracterizavam por atender apenas os cidadãos que
estavam inseridos no mercado de trabalho (sendo divididas por categoria
profissional) e as populações urbanas, não possuindo um caráter universalizante.
Como benefícios foram previstos: “direito à aposentadoria (velhice ou invalidez), a
obtenção de socorro médico (para si e sua família), o recebimento de pensão ou
pecúlio pelos familiares, e a compra de medicamentos a preços reduzidos” [...]
(COUTO, 2006, p. 96).
Na década de 30, devido à conjuntura permeada por mudanças (Revolução
de 30, Era Vargas, Estado Novo, reivindicações de movimentos e grupos populares,
aceleração da urbanização, crescimento da massa trabalhadora) começa-se a
pensar novas políticas sociais e com isso também a elaboração de uma nova
política de saúde. Segundo Bravo e Matos (2006), a política de saúde que foi
elaborada nessa década, possuía dois subsetores: o de saúde pública e o de
medicina previdenciária. O setor de saúde pública objetivava criar condições
sanitárias e de saúde mínimas, voltadas principalmente para as populações
urbanas.
Nos anos 40, surge o plano SALTE – Saúde, Alimentação, Transporte e
Energia sendo, a saúde apresentada como prioridade. Esse plano pode ser
considerado um avanço, pois “esse é o primeiro plano governamental que introduz a
perspectiva de atendimento à questão social nas preocupações do governo,
incorporando, no campo do planejamento, políticas de cunho econômico e social”
(COUTO, 2006, p. 107). Apesar do seu caráter inovador e de prever investimentos
até a década de 50, o plano SALTE não foi implementado e as condições de saúde
da população não apresentaram grandes modificações.
Ainda na década de 40 surgem as IAPs – Institutos de Aposentadorias e
Pensões - que emergem para substituir as CAPs. Dessa forma, a proposta das IAPs
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era unificar e padronizar os direitos dos sujeitos, que até então eram diferentes
dependendo da categoria profissional de cada cidadão.
A década de 60 caracteriza-se por profundas mudanças na conjuntura
brasileira. Talvez a mais marcante seja o golpe militar de 1964. A intervenção do
Estado junto à sociedade passa a se caracterizar pelo “binômio repressão-
assistência” (BRAVO; MATOS, 2006, p. 27). Essa forma de intervenção bem se
caracteriza pela criação do INPS – Instituto Nacional de Previdência Social - em
1966, período marcado pelos “anos de chumbo” no Brasil. O INPS surge com a
junção dos IAPS com vistas de estar
atendendo a duas características fundamentais: o crescente papel interventivo do Estado na sociedade e o alijamento dos trabalhadores do jogo político, com sua exclusão na gestão da previdência, ficando-lhes reservado apenas o papel de financiadores. (BRAVO, 2009, p. 93).
Ou seja, com a criação do INPS o governo militar conseguiu reafirmar o
regime autoritário promovendo a perda de representatividade dos trabalhadores, que
não podiam mais participar da organização e gestão da previdência na busca de
seus interesses, apenas restando-lhes a função de meros contribuintes. Neste
contexto, as práticas de saúde caracterizavam-se principalmente pela ênfase na
prática médica curativa, individual, assistencialista e especializada. Da mesma forma
a articulação do Estado se dava principalmente visando os interesses do capital
internacional, via indústrias farmacêuticas e de equipamento hospitalar (BRAVO,
2009).
Devido a todas as mudanças políticas e econômicas ocorridas na década de
70 e 80 (fim da ditadura militar, movimento de luta pela implementação da
Constituição Federal de 1988, surgimento de novas políticas públicas,
redemocratização do país, entre outros fatores) começou-se a pensar em novos
modelos para a atenção a saúde. O Movimento de Reforma Sanitária, construído
principalmente por trabalhadores da área da saúde, intelectuais, partidos políticos de
oposição e movimentos sociais reformulou as bases da saúde brasileira.
O evento marcante que revolucionou os debates sobre saúde, até então
realizados no país foi a 8ª Conferência Nacional de Saúde que, em 1986, discutiu “I -
15
A Saúde como direito inerente a personalidade e à cidadania; II - Reformulação do
Sistema Nacional de Saúde, III - Financiamento setorial” (BRAVO, 2009, p. 96).
Como podemos observar, esses três eixos de discussão propostos pela 8ª
Conferência Nacional de Saúde posteriormente irão compor a Lei 8.080 de 1990 que
dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a
organização e o financiamento dos serviços correspondentes (BRASIL, 1990).
Durante a realização da Conferência foi criado um conjunto de textos e trabalhos
técnicos, que futuramente serviriam de base para a elaboração da seção da saúde
na Constituição Federal de 1988, sendo os principais aspectos debatidos pelos
participantes:
a concepção de saúde como direito social e dever do Estado; a reestruturação do setor através da estratégia do Sistema Unificado de Saúde visando um profundo reordenamento setorial com um novo olhar sobre a saúde individual e coletiva; a descentralização do processo decisório para as esferas estadual e municipal, o financiamento efetivo e a democratização do poder local através de novos mecanismos de gestão – os Conselhos de Saúde. (BRAVO, 2009, p. 96)
Sendo assim, o debate sobre saúde no Brasil ganha uma conotação política e
de reenvindicação popular. Pela primeira vez a saúde é encarada e tratada como
direito social fundamental, sendo dever do estado a sua promoção através de um
Sistema Único de Saúde, com sua gestão democratizada através dos conselhos de
saúde e do controle social da população. A aprovação do setor saúde, vislumbrado
pelo Movimento de Reforma Sanitária na Constituição Federal de 1988, não foi fácil.
A assembléia constituinte
transformou-se numa arena política em que os interesses se organizaram em dois blocos polares: os grupos empresariais, sob a liderança da Federação Brasileira de Hospitais (setor privado) e da Associação de Indústrias Farmacêuticas (Multinacionais), e as forças propugnadoras da Reforma Sanitária, representadas pela Plenária Nacional pela Saúde na Constituinte, órgão que passou a congregar cerca de duas centenas de entidades representativas do setor. (BRAVO, 2009, p. 97).
O Movimento da Reforma Sanitária ousou enfrentar grandes grupos
empresariais e grupos dominantes da sociedade, mais interessados na manutenção
do sistema privatista que estava instituído, e, através da grande mobilização popular
e organização do próprio movimento, conseguiu aprovar o texto constitucional do
16
setor saúde atendendo em grande parte as reivindicações e propostas elaboradas
na 8ª Conferência Nacional de Saúde. Alguns dos aspectos que foram aprovados na
Constituição de 1988 foram:
O direito universal à Saúde e o dever do Estado, acabando com discriminações existentes entre segurado/não segurado, rural/urbano;
As ações e Serviços de Saúde passaram a ser considerados de relevância pública, cabendo ao poder público sua regulamentação, fiscalização e controle;
Constituição do Sistema Único de Saúde integrando todos os serviços públicos em uma rede hierarquizada, regionalizada, descentralizada e de atendimento integral, com participação da comunidade;
A participação do setor privado no sistema de saúde deverá ser complementar, preferencialmente com as entidades filantrópicas, sendo vedada a destinação de recursos públicos para subvenção às instituições com fins lucrativos. Os contratos com entidades privadas prestadoras de serviços far-se-ão mediante contrato de direito público, garantindo ao Estado o poder de intervir nas entidades que não estiverem seguindo os termos contratuais;
Proibição da comercialização de sangue e seus derivados. (BRAVO, 2009, p. 97)
Dessa maneira, podemos afirmar que a partir da Constituição Federal de
1988 a saúde brasileira passa a contar com um novo marco legal, que institui uma
nova forma de pensar saúde. Pela primeira vez, o Estado é colocado como
responsável prioritário nos serviços de promoção, proteção e recuperação da saúde,
sendo ao setor privado dada a função de complementar. Institui-se também o caráter
universalizante da saúde, propondo o rompimento com as práticas focalizadas e
fragmentadas. Talvez uma das principais conquistas alcançadas seja a participação
popular na fiscalização das ações realizadas pelo Estado enquanto provedor da
saúde.
Embora tenhamos obtido um avanço inegável no que diz respeito à Saúde
Pública no Brasil, tendo em vista o breve retrospecto histórico que trouxemos
anteriormente, não podemos pensar que tal direito está totalmente assegurado na
contemporaneidade. Atualmente, a Saúde Pública é perpassada por dois projetos
que convivem em tensão: O projeto da reforma sanitária e o projeto de saúde
privatista.
O projeto da reforma sanitária propõe os mesmos ideais debatidos e
reivindicados pelo Movimento de Reforma Sanitária e que estão previstos na
Constituição Federal de 1988, na Lei 8.080 de 1990 que regulamenta o SUS e na
Lei 8.142 de 1990 que dispõe sobre a participação da população na gestão do SUS
17
e sobre o controle social. Possui como princípios norteadores a universalidade,
integralidade, equidade e a participação popular (BRASIL, 1990).
Já o projeto de saúde privatista propõe o fim da universalização da política de
saúde, sendo papel do mercado prover os serviços de saúde para aqueles que têm
condições de pagar por estes e papel do Estado prover os serviços de saúde para
as camadas da população que não tem condições de acessar os serviços prestados
pelo mercado. Segundo Costa, (1997 apud Bravo 2009, p. 101) as principais
propostas desse projeto são o
caráter focalizado para atender às populações vulneráveis através do pacote básico para a saúde, ampliação da privatização, estímulo ao seguro privado, descentralização dos serviços ao nível local, eliminação da vinculação de fonte com relação ao financiamento.
Entendemos que o projeto de saúde privatista se configura em um grande
retrocesso das conquistas obtidas pela mobilização de profissionais da saúde,
gestores, intelectuais e usuários no que diz respeito à política de saúde desde a 8ª
Conferência Nacional de Saúde e até o presente momento histórico. O Projeto
Privatista nega a saúde como direito fundamental de todo ser humano, independente
de sua condição econômica, nega o caráter universal ao direito de saúde e nega o
papel do Estado como principal fomentador dessa política.
O projeto privatista da saúde não é um fato isolado. Ele se encontra dentro de
um processo conjuntural muito maior que vem se desenvolvendo e se ampliando
desde a década de 90. Referimo-nos ao projeto neoliberal. A manutenção desse
projeto é justificada como forma de crescimento econômico, mas que na verdade
se expressa, de um lado, na naturalização do ordenamento capitalista e das desigualdades sociais a ele inerentes tidas como inevitáveis, obscurecendo a presença viva dos sujeitos sociais coletivos e suas lutas na construção da história; e, de outro lado, em um retrocesso histórico condensado no desmonte das conquistas sociais acumuladas, resultantes de embates históricos das classes trabalhadoras, consubstanciadas nos direitos sociais universais de cidadania, que têm no Estado uma mediação fundamental. As conquistas sociais acumuladas são transformadas em “problemas ou dificuldades”, causa de “gastos sociais excedentes”, que se encontrariam na raiz da crise fiscal dos Estados. (IAMAMOTO, 2009, p. 163)
Estabelecendo relação entre a citação de Iamamoto e a política de saúde e
mais especificamente com o Sistema Único de Saúde pode-se dizer que a luta
histórica, representada pelo movimento sanitário para a elaboração da seção saúde
18
na Constituição Federal de 1988 e do SUS, fica relegada, não tendo representação.
Isso bem se exemplifica quando pensamos na imagem que a mídia passa acerca da
saúde pública brasileira, ressaltando apenas dificuldades, não acessos, exemplos
negativos, sem considerar uma série de melhorias e a perspectiva de direito
universal à saúde que o movimento de reforma sanitária atingiu. Além disso, a saúde
pública é constantemente justificada, pelo senso comum e pela lógica neoliberal,
como gasto inútil do Estado uma vez que “seus serviços não funcionam”.
O ideário neoliberal argumenta que os serviços públicos, quando organizados
com base em princípios de universalidade e gratuidade, apenas aumentam os
gastos do Estado e a folha salarial dos servidores públicos. Dessa forma, o gasto
social é visto como uma das principais causas da crise econômica do Estado, sendo
a proposta neoliberal a redução de despesas, diminuição de atendimentos, restrição
de meios financeiros, materiais e humanos para a implementação de projetos
(IAMAMOTO, 2008).
Esse ideário sustentado pelo neoliberalismo defende um menor investimento
do Estado nos recursos disponíveis para o social. Temos assim um desmonte não
tão somente da política de saúde, mas também da seguridade social como um todo
e das demais políticas públicas. O projeto neoliberal defende o fim da
universalização dos direitos, deixando como papel do Estado apenas aquilo que o
mercado não pode dar conta. De ideologia individualista tal projeto tem promovido
a liquidação de direitos sociais (denunciados como “privilégios”) a privatização do Estado, o sucateamento dos serviços públicos e a implementação sistemática de uma política macro-econômica que penaliza a massa da população. (NETTO, 2009, p. 158)
Essa “liquidação dos direitos sociais” e o “sucateamento dos serviços”,
conforme aponta Netto, além de impactar na saúde da população de uma maneira
mais direta (através dos serviços para proteção, promoção e recuperação da saúde)
também é impactante de forma indireta, através do enfraquecimento de outras
políticas sociais. Compreendendo que o conceito ampliado de saúde se efetiva
quando se aceita que a doença ou a saúde não são situações estáticas, mas dinâmicas, impossíveis de serem explicadas unicamente pela interação
19
mecânica de partes do organismo humano, é que acontece a revisão do paradigma mecanicista. [...] Esse paradigma centraliza o processo de trabalho na medicina à medida que o processo de cura (das doenças) é a sua finalidade. Portanto, ao se reconhecer a influência da cultura, das relações sociais e econômicas, das condições de vida e existência nos processos de saúde-doença, altera-se o objeto do conhecimento e a sua forma de abordagem. (NOGUEIRA; MIOTO, 2009a, p. 228)
Ou seja, entendendo que a saúde possui uma série de fatores que a
condicionam e a determinam relativos a aspectos culturais, econômicos e sociais, o
desmonte das políticas sociais provocado pelo projeto neoliberal, impacta no
processo de saúde – adoecimento da população. Podemos exemplificar através da
Política de Assistência Social (que está relacionada à renda, às condições de vida
dos sujeitos), a Previdência Social (relacionada aos direitos previdenciários que
também influenciam na renda, nas condições de vida), a Habitação (que impacta
nas condições de moradia e de higiene), a Educação (como forma de adquirir novos
conhecimentos relativos ao auto-cuidado e a prevenção) e outras políticas que, de
alguma maneira, influenciam nas condições de vida e, posteriormente, nas
condições de saúde dos sujeitos.
Outro aspecto importante a ser abordado no que diz respeito ao projeto
neoliberal e o seu impacto nas políticas sociais refere-se à desresponsabilização do
Estado na execução destas e especificamente na política de saúde. Conforme
destaca Iamamoto
A atual desregulamentação das políticas públicas e dos direitos sociais desloca a atenção à pobreza para a iniciativa privada ou individual, impulsionada por motivações solidárias e benemerentes, submetidas ao arbítrio do indivíduo isolado, e não à responsabilidade pública do Estado. (IAMAMOTO 2009, p. 163)
Sendo assim, o Projeto Neoliberal realiza “uma campanha” de promoção do
Estado mínimo (mas forte o suficiente para servir ao capital) dando ao segundo e ao
terceiro setor a função de mantenedores das necessidades de demandas dos
cidadãos através da execução de políticas sociais. Dessa maneira, constantemente
nos deparamos com a execução de projetos fragmentados, focalizados, tendo como
motivações ações solidárias e executadas com práticas assistencialistas. Afasta-se
assim a perspectiva universalizante, igualitária e integral das políticas sociais entre
elas a saúde.
20
Cabe ressaltar, contudo, que não podemos simplesmente nos deixar amarrar
com uma “atitude fatalista” (IAMAMOTO, 2007, p. 21). É necessário, sim, romper
com a consciência ingênua e levar em consideração todo o processo histórico e a
conjuntura em que estamos inseridos para pensarmos formas de superação e
construção da realidade que vivenciamos e enfrentamos. Bravo e Mattos enumeram
os principais desafios a serem enfrentados na atualidade para o alcance da saúde
previsto pelo Movimento de Reforma Sanitária:
O Ministério da Saúde tem apontado como principais desafios: a incorporação da agenda ético-política da Reforma Sanitária; a construção de novos modelos de fazer saúde com base na integralidade, a intersetorialidade e a atuação em equipe; o estabelecimento da cooperação entre ensino-gestão-atenção; controle social e a supressão dos modelos assistenciais verticais e voltados somente para a assistência médica. Como principais diretrizes para a atual gestão são destacadas: a ampliação do atendimento no SUS, de modo especial na atenção básica; o combate às endemias; e a melhoria do acesso aos medicamentos. (BRAVO; MATOS, 2006, p. 40)
Destacamos, tendo em vista o conceito acima e a realidade que vivenciamos
no campo de estágio, como desafios observados a dificuldade de articulação entre
setores da própria instituição e também com serviços externos (intersetorialidade),
principalmente com as políticas de assistência social e previdência social. A
interlocução com essas políticas se dava principalmente quando o usuário possuía o
direito de acessar o BPC – Benefício de Prestação Continuada, auxílio – doença e
aposentadorias.
Também observávamos no cotidiano institucional a dificuldade por parte dos
usuários (principalmente usuários oriundos do interior do estado) de acesso aos
medicamentos necessários para a manutenção de seus tratamentos. Era
necessário, então, orientá-los acerca do direito ao acesso a medicamentos na rede
básica e também da existência da Farmácia de Medicamentos Especiais do Estado
e os procedimentos necessários para o acesso à medicação.
O enfrentamento e superação desses desafios se dão quando as categorias
profissionais que atuam no SUS e os cidadãos que acessam esses serviços se
mobilizam para exigir que a operacionalização do sistema se dê plenamente. Isso
requer uma leitura de realidade ampla, que considera os avanços ao longo da
21
história e se propõe a enfrentar os desafios que existem e que futuramente existirão.
O enfrentamento de alguns desses desafios começa no trabalho de base, nas
próprias instituições de saúde problematizando-a enquanto serviço e direito.
Dessa forma, tendo em vista os aspectos históricos que influenciaram
diretamente a construção da política de saúde brasileira e a atual conjuntura que a
determina e condiciona, além dos desafios para a manutenção e operacionalização
dessa política, traremos a seguir o espaço institucional em que desenvolvemos
nossa prática de estágio. Apresentamos que local é esse, como se organiza, com
quais usuários atua e que atores sociais implicam dentro e fora da organização.
2.2. CONHECENDO A REALIDADE ORGANIZACIONAL: HOSPITAL SÃO LUCAS
DA PUCRS E A UNIDADE DE NEFROLOGIA / TRANSPLANTE.
Conforme citado anteriormente, o local onde a autora realizou o estágio
curricular obrigatório em Serviço Social foi o Hospital São Lucas da PUCRS – HSL
na Unidade de Nefrologia / Transplante. O HSL foi criado (inauguração em 1976)
inicialmente com objetivo de servir de campo de estágio para os alunos da
Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul –
PUCRS. Inicialmente o hospital foi pensado apenas para atendimentos rápidos,
contando apenas com 70 leitos. Atualmente possui 603 leitos distribuídos em seis
andares (PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL,
[2010]).
Destes leitos, dezesseis são reservados para a unidade de transplante (oito
masculinos e oito femininos). Além disso, conta com uma unidade de Hemodiálise e
ambulatórios reservados exclusivamente para os usuários com doenças renais que
são candidatos a transplante ou que já realizaram a cirurgia e mantém
acompanhamento. Esses ambulatórios atendem tanto os candidatos a transplante
que estão na fila de espera para doação de órgãos de doador falecido, quanto os
candidatos a transplante inter-vivos (quando um dos familiares, que possui
compatibilidade, doa órgão ao usuário com doença renal).
O Sistema único de Saúde está subdividido em três níveis de atendimento:
atenção básica, média complexidade e alta complexidade. Dentro dos níveis de
22
atuação presentes no SUS o HSL, e mais especificamente a unidade de Nefrologia /
Transplante, encontram-se na alta complexidade. A alta complexidade caracteriza-
se por
conjunto de procedimentos que, no contexto do SUS, envolve alta tecnologia e alto custo, objetivando propiciar à população acesso a serviços qualificados, integrando-os aos demais níveis de atenção à saúde (atenção básica e de média complexidade). (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009, p.32)
Pode-se fazer essa afirmação porque a realização de um transplante renal
caracteriza-se por ser uma cirurgia bastante complexa e de alto risco, envolvendo
necessariamente uma grande quantidade de recursos humanos especializados e
equipamentos específicos, sendo o período de recuperação bastante demorado. Da
mesma maneira, o procedimento hospitalar que ocorre antes do transplante renal, as
seções de hemodiálise ou a realização da diálise peritoneal também necessita de
trabalhadores especializados e de máquinas adequadas para realizar a substituição
da função renal.
Na hemodiálise, é usada uma membrana dialisadora, formada por um conjunto de tubos finos, chamados de filtros capilares. Para realizar a hemodiálise, é necessário fazer passar o sangue pelo filtro capilar. Para isso, é fundamental ter um vaso resistente e suficientemente acessível que permita ser puncionado três vezes por semana com agulhas especiais. [...] Esse fluxo de sangue abundante passa pelo filtro capilar durante 4 horas, retirando tudo o que é indesejável. O rim artificial é uma máquina que controla a pressão do filtro, a velocidade e o volume de sangue que passam pelo capilar e o volume e a qualidade do líquido que banha o filtro. [...] A hemodiálise tem a capacidade de filtração igual ao rim humano, dessa forma, uma hora de hemodiálise equivale a uma hora de funcionamento do rim normal. (BUSATO, [2001])
A hemodiálise, mesmo possibilitando o funcionamento do rim de forma
artificial, configura-se em uma forma de tratamento bastante desgastante. Exige dos
sujeitos que permaneçam quatro horas, durante três vezes por semana, no hospital
realizando as sessões. Esse tratamento dificulta severamente as atividades
cotidianas mais simples dos sujeitos, como estudar e trabalhar, pois, além dos
períodos que ficam no hospital, agrega-se o tempo de deslocamento dos sujeitos até
o local onde realizam o tratamento.
Como alternativa a hemodiálise temos o transplante renal, que pode ser
considerado “dos vários programas substitutivos da função renal no tratamento da
insuficiência renal crônica (IRC), o transplante renal é o mais efetivo para a
23
reabilitação socioeconômica do paciente urêmico” (PESTANA; SILVA FILHO;
MELARAGNO, 2005, p. 301). Isso ocorre porque com a realização do transplante
renal, os sujeitos não ficam mais “presos” a máquina de hemodiálise. Os sujeitos
podem retornar a realizar as atividades cotidianas com autonomia, sem
necessariamente organizarem suas vidas para que elas coincidam com os dias em
que precisam realizar as sessões de hemodiálise.
Conforme visto anteriormente, o transplante renal possui duas modalidades: o
transplante realizado com doador falecido, que se dá em caso de morte encefálica
do doador e quando esse possui compatibilidade com o receptor, e o transplante
inter-vivos, que é quando um dos familiares possui compatibilidade com o receptor e
se dispõe a realizar a doação do órgão. Cabe ressaltar que a realização da
hemodiálise e posteriormente do transplante renal só são necessário quando o
sujeito adquire duas doenças: a Insuficiência Renal Crônica - IRC e a Insuficiência
Renal Aguda – IRA. Dessa forma podemos dizer que
A insuficiência renal aguda (IRA) é caracterizada por redução abrupta da função renal que se mantém por períodos variáveis, resultando na inabilidade dos rins de exercer suas funções básicas de excreção e manutenção da homeostase hidroeletrolítica do organismo (BOIM; SANTOS; SCHOR, 2005, p. 275).
Dessa maneira, a doença renal aguda acarreta a perda da função renal de
forma bastante rápida impedindo que o rim realize uma de suas funções naturais
que, explicitando de forma bastante simples, é de filtrar as impurezas do sangue.
Entendemos também que
Conceitua-se insuficiência renal crônica como uma síndrome complexa conseqüente à perda, geralmente lenta e progressiva, da capacidade excretória renal. Esse conceito pode ser traduzido pela redução progressiva da filtração glomerular, principal mecanismo de excreção de solutos tóxicos não voláteis gerados pelo organismo (DRAIBE; AJZEN, 2005, p.183).
Da mesma forma que a doença renal aguda, a doença renal crônica impede a
função original do rim que é filtrar às impurezas tóxicas do organismo. A diferença é
que na IRC esse processo de perda de função se dá de forma mais lenta e
progressiva. Ambas as doenças também têm suas origens em outras doenças mais
simples de serem prevenidas, como a Diabetes e a Hipertensão.
24
É importante ressaltar que os índices de incidência de IRA e IRC no Brasil e
mais especificamente na região sul são bastante consideráveis. Segundo o Censo
de Diálise realizado pela Sociedade Brasileira de Nefrologia - SBN (2008), a região
sul, que compreende Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná, possui 6.934
usuários realizando tratamento dialítico. Dessa forma, a região sul encontra-se
abaixo apenas da região nordeste e sudeste simultaneamente no número de
usuários que realizam diálise e possuem doenças renais no Brasil. O país como um
todo possui 41.614 usuários nessas condições, sendo que, em 87,2% dos casos, o
tratamento é realizado e financiado através do SUS.
Dados relativos ao transplante renal também são bastante significativos.
Segundo o Ministério da Saúde, em levantamento realizado em 2009, neste mesmo
ano foram realizados em todo o país 1.237 transplantes renais. Destes, em toda a
região sul foram realizados 293, e apenas o Rio Grande do Sul foi responsável pela
realização de 109 transplantes de rim. Embora o número de transplantes realizados
seja bastante significativo, principalmente se levarmos em consideração que a
legislação que regulamenta esse procedimento é bastante recente (foi criada em
1997 e passou por uma revisão em 2001), o tamanho da fila de espera ainda é
alarmante. Conforme os dados do Ministério da Saúde apenas em 2009 havia
34.640 pessoas em lista de espera para transplante renal em todo o Brasil. Na
região sul aguardavam pelo procedimento 4.715 usuários e no Rio Grande Sul
1.934.
Podemos constatar que o aumentado número de doenças renais e
dificuldades de operacionalização do sistema e a falta recursos humanos tem
influenciado na dificuldade de realização de transplantes o que vem acarretando um
crescimento na fila de espera. Mas como vimos anteriormente o conceito ampliado
de saúde, proposto pelo Movimento de Reforma Sanitária e pelo SUS, indica que a
saúde possui uma série de fatores que lhe condicionam e determinam. Tendo em
vista a IRA e a IRC, não podemos compreender o crescimento dessas doenças
apenas na perspectiva biológica. É necessário considerar aspectos sociais,
econômicos, culturais, biológicos e modos e estilo de vida para entendê-las. E
também como os determinantes sociais da saúde podem influenciar na realização e
25
na recuperação do transplante renal. Esses aspectos serão melhor aprofundados no
capítulo três.
Para a operacionalização do seu trabalho e manutenção de sua estrutura o
HSL tem como instituição mantenedora a UBEA – União Brasileira de Educação e
Assistência Sociedade Civil da congregação dos irmãos Maristas da Província de
Porto Alegre, mesma instituição que mantém a PUCRS. Sendo assim, o HSL
caracteriza-se como instituição de terceiro setor. Terceiro Setor apreendido como
Iniciativas privadas que não visam o lucro; iniciativas na esfera pública que não feitas pelo Estado. Nem empresa, nem governo, mas sim cidadãos participando de modo espontâneo e voluntário, e um sem número de ações que visam o interesse comum. (FERNANDES, 2002, p. 11)
O terceiro setor é materializado nas organizações privadas sem fins lucrativos
que atuam em lacunas deixadas pelos setores público e privado, buscando
promoção do bem-estar social. Consideramos o HSL como organização de terceiro
setor, pois, apesar de contar com financiamento público através de verba repassada
pelo Ministério da Saúde para operacionalização do SUS, sua estrutura física e
equipamentos são de propriedade da UBEA.
Como vimos anteriormente, uma das características do neoliberalismo é a
desresponsabilização do Estado enquanto provedor dos serviços e bens para o
atendimento das necessidades e demandas da população. Sendo assim, o terceiro
setor, na justificativa neoliberal, emerge para dar as respostas necessárias que não
caberiam nem ao mercado e nem ao Estado. Embora seja inegável o papel do
terceiro setor enquanto executor de diversas políticas sociais, entendemos que
o processo de retirada do Estado no trato universal / não-contratualista da “questão social”, a precarização/focalização/ descentralização/ da atividade estatal e a paralela ampliação da atividade social privada (filantrópica ou mercantil), acaba por aprofundar e ampliar as desigualdades sociais. [...] Quando se analisa a desigualdade social na América Latina, podemos constatar como as melhorias sociais estão relacionados com o investimento público [estatal] na infra-estrutura social, bem como com a oferta de serviços [estatais], particularmente na área da saúde. (MONTAÑO, 2003, p. 194)
26
Conforme afirma Montaño, essa retirada do Estado frente à manutenção e a
execução das políticas públicas favorece a ampliação das desigualdades sociais.
Isso se dá pelo caráter focalizado das políticas sociais e pela desproteção dos
sujeitos. O autor destaca que para haver uma melhora nas condições sociais é
necessária uma intervenção efetiva do Estado. Ressaltamos que, como a
organização possui como mantenedora uma instituição católica e é considerada
filantrópica, característica comum entre as organizações de terceiro setor, há uma
forte influência religiosa com relação a ações e trabalhos realizados no hospital.
Talvez o exemplo mais concreto de prática assistencialista e caritativa
observado no HSL materialize-se no vale lanche e no vale almoço, que são doações
de uma igreja para os familiares que estão acompanhando usuários internados no
hospital, uma vez que a organização não fornece alimentação para estes. Como se
constitui em uma doação e não um direito, existe um número limitado de vales
(sessenta vales almoço e sessenta vales lanches por mês, sendo metade designado
para a unidade de internação adulta e a outra metade para a internação pediátrica),
estes não são capazes de prover o número de familiares que dele necessitam.
Temos, assim, um exemplo simples, porém incontestável, de que o afastamento do
Estado na promoção da política de saúde pode dificultar o acesso dos sujeitos.
Durante a realização do estágio na organização, observamos a importância
do papel da família no processo de recuperação da saúde. Entretanto, em muitos
momentos presenciamos a ausência da família na organização, porque esta nem o
Estado proviam os básicos necessários para sua manutenção.
Como pudemos ver, a realidade institucional é marcada por diversos sujeitos.
Entendemos que é de suma importância apresentar, com base em dados da
realidade, quem são os atores sociais que cotidianamente compõe essa
organização. Principalmente porque são esses atores sociais que poderão tencionar,
através do controle social, mudanças na forma de operacionalização dos serviços e
das políticas. Ou então, tendo em vista a correlação de forças, manter a ordem
dominante. Segundo Souza
um determinado indivíduo é um ator social quando ele representa algo para a sociedade (para o grupo, a classe, o país), encarna uma idéia, uma
27
reivindicação, um projeto, uma promessa, uma denúncia. Uma classe social, uma categoria social, um grupo podem ser atores sociais. [...] Instituições também podem ser atores sociais: um sindicato, partidos políticos, jornais, rádios, emissoras de televisão, igrejas. (SOUZA, 1991, p. 12)
Dessa forma, entendemos que os atores sociais são todos os elementos que
participam de uma trama de relações. Todos esses sujeitos possuem um papel
específico e possuem um peso na correlação de forças vigente. Os atores sociais
que foram identificados no cotidiano institucional, durante a realização do estágio,
foram divididos em quatro grupos principais: a equipe profissional, os usuários, os
familiares dos usuários e a rede social.
A equipe profissional é composta basicamente por um médico responsável
pelo ambulatório, um médico responsável pela internação, um médico cirurgião, uma
enfermeira e uma assistente social. A interlocução entre os diferentes profissionais
se dava de forma bastante fragmentada, onde muitas vezes não ocorriam
discussões de situações ou informações eram passadas de forma incompleta ou
tardiamente. Observamos também uma forte hierarquia com relação aos médicos e
os demais profissionais, onde a figura do médico ainda prevalece como mais
importante ou de superioridade em relação às outras áreas do saber. Isso se
exemplifica na questão de, se um usuário tiver alta médica, mas não tiver alta social,
a alta médica é a resposta final.
Entendemos que a questão da alta hospitalar não pode ser vista de maneira
simplificada, como mero resultado de “causa e efeito”, uma vez que se caracteriza
como uma situação contraditória. Apesar de nos depararmos com um sujeito que,
em muitos momentos, ainda não apresenta as condições de saúde necessárias para
se ausentar do hospital, de outro lado estão as filas e a superlotação de
emergências onde outros usuários também dependem dos serviços de saúde. Essa
situação acaba por acarretar a perda ou a negação de direitos de um para garantir
de outro. Avaliamos que é necessária a ampliação e a re-organização dos serviços
de saúde, para que essa escolha não precise mais ser feita.
Outros atores sociais, os usuários, caracterizam-se por serem os principais
beneficiários dos serviços que o hospital oferece. Poderiam, juntamente com seus
familiares, exercer forte pressão, através do controle social, na busca de melhorias
28
nos serviços prestados pelo hospital e demais serviços de saúde que utilizam. Esse
controle pode ocorrer através da participação do conselho estadual e conselhos
municipais de saúde e através da Ouvidoria da Saúde.
Um dispositivo de ouvidoria oferecido pelo HSL é o SAC – Serviço de
Atendimento ao Cliente – no qual os usuários atendidos pelo hospital podem
reclamar, sugerir ou propor alterações nos serviços oferecidos pelo hospital. Todos
esses dispositivos de controle social procuram ser explicitados pelo Serviço Social
aos usuários que estão em atendimento, pois se entende que só a partir da
construção política por parte dos diversos atores que compõe o SUS (usuários,
trabalhadores e gestores) é que será possível executar o SUS que a legislação
preconiza.
Os familiares, em muitos aspectos, acabam se hospitalizando juntamente com
os usuários, pois passam grande parte do tempo acompanhando-os. Alguns de seus
direitos acabam não sendo contemplados como, por exemplo, direito a alimentação
do acompanhante, pois, como visto anteriormente, o hospital disponibiliza apenas os
vales almoço e lanche para os familiares, que são de insuficientes para o número de
pessoas, alegando não possuir espaço físico para a construção de um refeitório.
Estes direitos são essenciais para viabilizar o acompanhamento aos usuários
e uma boa recuperação no tratamento dos mesmos, pois, como afirma Carvalho
(2010, p. 274) “a família é sujeito coletivo que opera na saúde de seus membros,
mas não basta alçá-la à parceria. É preciso produzir saúde para e com a família”.
Entendemos a família como espaço de relações e proteção social dos sujeitos que
as compõe e que para que a família possa auxiliar na promoção da saúde é
necessário que a saúde seja pensada para a família também, principalmente com
práticas mais humanizadas para os acompanhantes.
Como demonstra Carvalho, é necessário que essa família acesse os básicos
sociais, que devem ser viabilizados dentro e fora das instituições que acessam, para
que possa exercer o papel de proteção dos seus membros. A autora também
estabelece relação entre as políticas sociais e a família:
O exercício vital das famílias é semelhante às funções das políticas sociais: ambas visam dar conta da reprodução e da proteção social dos grupos que
29
estão sob sua tutela. Se, nas comunidades tradicionais, a família se ocupava quase exclusivamente dessas funções, nas comunidades contemporâneas elas são compartilhadas com o Estado pela via das políticas públicas. (CARVALHO, 2010, p. 267)
Sendo papel da família auxiliar na proteção social dos seus membros,
entendemos ser papel do Estado prover os meios necessários para que essas
famílias sejam capazes de exercer sua função. Cabe ressaltar que, como visto
anteriormente, na lógica neoliberal existe um distanciamento do Estado na
promoção das políticas sociais e serviços necessários para a população.
Ocorre então um processo de culpabilização da família, apontada como
incapaz de assegurar as condições necessárias para manutenção de seus
membros. Mas se refletirmos, não será o Estado que não assegurou a proteção
necessária para que essa família possa desempenhar seu papel? Na área da saúde
comumente observamos essa culpabilização, quando ocorre a ausência de
familiares durante a internação dos usuários. Família “negligente” ou família
“ausente” são termos corriqueiramente utilizados.
Mas quando nos aprofundamos na realidade das famílias, descobrimos que
às vezes até mesmo a impossibilidade de aquisição de um vale transporte pode ser
a motivação da ausência. O trabalho, o cuidado de outros membros da família, laços
afetivos fragilizados, enfim, diversos motivos podem ser determinantes para a
ausência da família. Para além da culpabilização devemos entender que fatores são
esses e pensar junto com os sujeitos alternativas possíveis.
Já as redes sociais dão o aporte para a resolução das necessidades e
demandas que não cabem ao hospital. Uma vez que trabalhamos com o conceito
ampliado de saúde, entendemos que a concretização do acesso a saúde não se dá
apenas através do acesso aos serviços dessa política, mas sim da articulação entre
os serviços de todas as políticas sociais e públicas. A rede materializa-se através de
Secretárias da Saúde dos municípios de origem, unidades básicas de saúde, outros
serviços das políticas sociais entre outros.
Sustentamos nosso entendimento de rede social com base no conceito
apresentado por Baptista. A autora subdivide o entendimento de rede social em
outras cinco instâncias: redes sociais espontâneas, redes de serviço sócio
30
comunitário, redes setoriais públicas, redes setoriais privadas e redes sociais
movimentalistas:
As redes sociais espontâneas são tecidas no espaço local, a partir de conexões informais [...], tendo por base as relações primárias, interpessoais e espontâneas. [...] Sua ação se faz através de reciprocidade, circulação de informações e prestação de serviços imediatos. As redes sociais de serviços sociocomunitários têm como protagonistas históricos os agentes filantrópicos e as organizações comunitárias [...]. Essas redes produzem serviços assistenciais de caráter mutualista [...]. As redes setoriais públicas estruturam-se a partir de espaço público em função de necessidades tidas como direitos dos indivíduos. Prestam serviços [...] consagrados pelas políticas públicas setoriais [...]. As redes setoriais privadas são redes que, por serem de caráter privado, seguem as leis do mercado, oferecendo serviços mediante pagamento. [...] costumam estender-se, via convênio, aos trabalhadores do mercado formal. As redes sociais movimentalistas conformam-se como movimento social de denuncia e de vigilância e luta reivindicatória por melhores condições de vida e pela afirmação de direitos. [...] (BAPTISTA, 2007, p. 60-61, grifos do autor).
A concretização da rede social se dá através da operacionalização dos
diversos serviços, das variadas esferas que compõe a realidade vivenciada pelos
sujeitos. Podem variar desde as relações familiares que, como vimos anteriormente,
são essenciais para a proteção social dos sujeitos, passando pela solidariedade
comunitária, pelos direitos sociais operacionalizados pelos serviços públicos até os
serviços de caráter privado. Destacamos a importância das redes sociais
movimentalistas pelo seu caráter de reivindicação e luta pelos direitos ou de controle
social das políticas já adquiridas.
A operacionalização do trabalho em redes não é tarefa fácil. Exige que os
profissionais e os serviços se disponham a ir além dos encaminhamentos. É
necessário que haja um trabalho constante de referência e contra referência, onde
os sujeitos sejam orientados corretamente sobre os serviços que devem buscar e
que os profissionais estabeleçam diálogo sobre desfecho de situações e resultados
obtidos. No capítulo três abordaremos mais detalhadamente a importância e os
desafios da intersetorialidade entre as políticas.
2.3. O SERVIÇO SOCIAL NA UNIDADE DE NEFROLOGIA / TRANSPLANTE.
31
O Serviço Social inicia as suas atividades no HSL em 1977. Logo o hospital
também iria se tornar campo de estágio para os alunos da faculdade de Serviço
Social da PUCRS. O objetivo inicial do Serviço Social no hospital, assim como em
qualquer espaço de atuação da época, era centrado no “diagnóstico social” tendo
um enfoque muito mais controlador e caritativo, do que propriamente interventivo na
realidade. Entendemos que a origem da profissão está intimamente ligada com o
processo de reprodução e manutenção do modelo de produção capitalista.
Montaño ressalta o surgimento da profissão de assistente social
como um produto da síntese dos projetos político-econômicos que operam no desenvolvimento histórico, onde se reproduz material e ideologicamente a fração de classe hegemônica, quando, no contexto do capitalismo na sua idade monopolista, o Estado toma para si as respostas à “questão social”. (MONTAÑO, 2007, p. 30)
Com isso, o autor reafirma a origem da profissão ligada a reprodução da
ordem social instituída. O assistente social surge como profissão, que tem no Estado
seu principal contratante, o papel de auxiliar no enfrentamento da questão social,
mas não na efetiva transformação da realidade e promovedor do acesso a direitos.
Sua função inicial é de “disciplinador”, “moralizador”. Não podemos, contudo,
compreender a sociedade capitalista e o desenvolvimento da profissão nessa
sociedade, sem vislumbra - lá através da luta de classes:
como as classes sociais fundamentais e suas personagens só existem em relação, pela mútua mediação entre elas, a atuação do Assistente Social é necessariamente polarizada pelos interesses de tais classes, tendendo a ser cooptada por aqueles que têm uma posição dominante. Reproduz também, pela mesma atividade, interesses contrapostos que convivem em tensão. Responde tanto a demandas do capital como do trabalho e só pode fortalecer um ou outro pólo pela mediação do seu oposto. [...] É isso, inclusive, que viabiliza a possibilidade de o profissional colocar-se no horizonte dos interesses das classes trabalhadoras. (IAMAMOTO; CARVALHO, 2008, p. 75)
Como bem demonstram os autores, o Serviço Social possui uma
particularidade bastante complexa. Suas origens estão marcadas pela função de
reprodutor da ordem capitalista e por outro lado está intimamente ligado a classe
32
trabalhadora, da qual também faz parte, uma vez que é o profissional que está na
linha de frente para dar respostas as demandas e necessidades dos cidadãos.
Embora o Serviço Social seja regulamentado como uma profissão liberal e tenha
certa autonomia para a organização e execução do seu trabalho, sua intervenção é
atravessada por um empregador.
Os empregadores determinam as necessidades sociais que o trabalho do assistente social deve responder; delimitam a matéria sobre a qual incide esse trabalho; interferem nas condições em que se operam os atendimentos assim como os seus efeitos na reprodução das relações sociais. [...] É nessa condição de trabalhador assalariado que o assistente social se integra na organização do conjunto dos trabalhadores afins, por meio de suas entidades representativas, e com a coletividade da classe trabalhadora. Portanto, essas relações interferem decisivamente no exercício profissional, que supõe a mediação do mercado de trabalho por tratar-se de uma atividade assalariada de caráter profissional. (IAMAMOTO, 2008, p. 215)
Essa condição de trabalhador assalariado, apontada por Iamamoto, atravessa
a atuação profissional. O “recorte” de realidade onde o profissional deverá incidir já
está determinada, indiferentemente se no âmbito do primeiro, segundo ou terceiro
setor. A ação profissional será permeada pelas demandas do empregador e o
assistente social, enquanto pertencente da classe que vive do trabalho, se vê
permeado pelas contradições de atendimento das demandas dos sujeitos (seu
compromisso ético) e da organização que lhe emprega e que, através de seu
trabalho, garante a manutenção de sua sobrevivência. A categoria mediação faz-se
essencial, pois só a partir da mediação é que o profissional conseguirá dar respostas
as duas instâncias: usuários e empregadores, sem perder de vista seu compromisso
firmado com a classe trabalhadora, e a construção de uma nova ordem societária
prevista no Projeto Ético-Político.
Compromisso este firmado nos Princípios Éticos Fundamentais do Código de
Ética Profissional que, além da defesa dos direitos da classe trabalhadora, prevê
uma atuação profissional que reconhece a liberdade como valor ético central, um
maior aprofundamento e defesa da democracia, equidade e justiça social,
eliminação de todas as formas de preconceito, compromisso com a qualidade dos
serviços prestados entre outros (CFESS, 1993). Além dos compromissos firmados
no Código de Ética Profissional é requisitado ao assistente social na atualidade “um
perfil profissional culto, crítico e capaz de formular, recriar e avaliar propostas que
33
apontem para a progressiva democratização das relações sociais” (IAMAMOTO,
2009, p. 193. grifos do autor).
Para a efetivação desse perfil é necessário que o profissional se utilize das
competências ético-política, terórico-metodológica e técnico-operativa para o
desvendamento do real, possibilitando assim uma análise conjuntural da realidade
na busca pela efetiva transformação e superação do que está posto. O profissional
deve ter como norte o projeto Ético-Político da Profissão com vistas à garantia de
acesso aos direitos, bens e serviços por parte da população atendida.
Acompanhando as mudanças que vem ocorrendo na profissão como um todo,
o Serviço Social do HSL também se transforma. Sua atuação está ligada
diretamente ao objetivo da organização que é, principalmente, a recuperação da
saúde. Sendo assim as demandas que chegam ao Serviço Social da unidade de
nefrologia são bastante variadas, mas sempre estão interconectadas com o
processo de saúde e adoecimento. Conforme afirma Serra “as demandas sociais
não se apresentam de maneira direta às práticas profissionais; elas sofrem um
processo de mediação teórico-político para se constituírem em objetos da ação
profissional” (SERRA, 2000, p. 163). Ou seja, a partir da mediação do conhecimento
profissional adquirido ao longo de sua formação, aliado as competências citadas
anteriormente, é que o profissional terá condições de transformar necessidades em
demandas sociais e demandas sociais em objeto de intervenção reelaborado.
Dentre as necessidades mais comuns apresentadas pelos usuários estão:
pedidos de medicação, alimentação para os acompanhantes dos usuários
internados, vale transporte quando o usuário é natural de Porto Alegre e transporte
das Secretárias de Saúde para usuários da região metropolitana, interior do Estado
e outros estados.
Tendo como exemplo a necessidade de medicamentos, poderíamos
simplesmente compreender e intervir nessa necessidade de forma mais imediata
realizando encaminhamento dos usuários para a Farmácia de Medicamentos
Especiais do Estado ou aos Postos de Saúde das suas regiões. Para além disso, o
acesso a medicação adequada é parte essencial para dar continuidade ao
tratamento e constitui-se como direito previsto no SUS. Entendemos também que a
solicitação de medicamento é só a necessidade mais emergencial desse sujeito. Por
trás podem estar muitos fatores que vão desde a baixa escolaridade, passando pela
34
falta de informações, pela baixa renda entre outros. Esse movimento de ir para além
do imediato só pode ocorrer a partir do conhecimento.
Para a transformação de necessidades em demandas é preciso também ter
clareza do objeto de intervenção da profissão. Objeto esse compreendido como a
questão social. Conforme Iamamoto
o conjunto das expressões das desigualdades da sociedade capitalista madura, que tem uma raiz comum: a produção social é cada vez mais coletiva, o trabalho torna-se mais amplamente social, enquanto apropriação dos seus frutos mantém-se privada, monopolizada por uma parte da sociedade. [...] Questão Social que sendo desigualdade é também rebeldia, por envolver sujeitos que vivenciam as desigualdades e a ela resistem e se opõe. (IAMAMOTO, 2007, p. 27-28)
A questão social irá manifestar as mais variadas formas de desigualdade que
são vivenciadas pelos sujeitos. Poderá se manifestar na forma da pobreza, do
desemprego, não acesso a bens e serviços públicos, violência, etc. Conforme
aponta a autora, sendo desigualdade a questão social também se manifesta
enquanto resistência dos sujeitos que vivenciam as desigualdades, com vistas a
atingir a superação. A resistência pode se manifestar nos conselhos de direitos, nas
ouvidorias, nas associações de bairro, nos movimentos sociais etc.
Quando relacionamos a questão social com a unidade de nefrologia e com o
transplante renal, podemos especificar ainda mais as expressões de desigualdade e
as formas de enfrentamento dos sujeitos que às vivenciam. Quando uma pessoa
desenvolve doenças renais (IRA ou IRC) a questão do trabalho é seriamente
comprometida. Como as sessões de hemodiálise exigem que o usuário permaneça
durante quatro horas e no mínimo três vezes por semana no hospital, muito
provavelmente não encontrará no seu trabalho a possibilidade de sair para dar
continuidade ao seu tratamento.
Como resistência ao desemprego gerado pelo processo de saúde/
adoecimento e também como acesso a um direito social, os usuários são orientados
sobre as maneiras de acessarem benefícios previdenciários como, por exemplo, o
auxilio doença e em alguns casos até mesmo a aposentadoria. Já os que nunca
35
contribuíram ou crianças e adolescentes podem acessar o Beneficio de Prestação
Continuada - BPC.
A falta de saneamento básico adequado, os cuidados com a higiene, as
condições de moradia, não acesso à rede de água, baixa renda e desinformação
são também algumas expressões de desigualdade vivenciadas pelos sujeitos.
Entendemos que essas desigualdades também se apresentam como fatores
determinantes da saúde, ou seja, não podemos conceber saúde de forma plena sem
a superação ou eliminação desses fatores de risco. Ressaltamos a importância da
intersetorialidade entre as políticas e uma visão integral dos sujeitos em suas
múltiplas necessidades.
Além disso, a consideração desses fatores é de extrema importância para a
realização de um transplante renal. As condições sociais dos sujeitos podem se
tornar um motivo de adiamento para a realização do transplante. O assistente social
é o profissional com um conhecimento diferenciado na saúde justamente por trazer
esse “olhar do social” para uma área tradicionalmente marcada pelo enfoque
curativo.
Mas afinal, o que são de fato os determinantes sociais da saúde? Qual a sua
relação com o conceito ampliado de saúde? E com a integralidade e a
intersetorialidade? E qual o seu efetivo impacto no transplante renal? E como se da
atuação do Assistente Social frente a esses determinantes? Procuraremos
responder essas questões nos próximos capítulos.
36
3. CONCEITO AMPLIADO DE SAÚDE E OS DETERMINANTES SOCIAIS DA
SAÚDE.
Nesse capítulo, realizamos um debate acerca dos Determinantes Sociais da
Saúde bem como do entendimento ampliado de saúde compreendido para além do
adoecimento. Para realizar essa reflexão, trazemos algumas das vivências práticas
da autora durante a realização do estágio que exemplificam e ilustram a intervenção
do assistente social nos Determinantes Sociais da Saúde.
Apresentamos também uma reflexão sobre integralidade e intersetorialidade
enquanto conceitos e instrumentos fundamentais para a superação do modelo e do
conceito de saúde focado na doença e também na intervenção dos Determinantes
Sociais da Saúde. Apresentamos também a importância das práticas
interdisciplinares no alcance dessa superação e intervenção.
3.1. A SAÚDE POSSUI FATORES CONDICIONANTES E DETERMINANTES.
Como visto no capítulo anterior, a saúde brasileira vem se modificando ao
longo das décadas. Essas modificações vão para além do processo de
operacionalização dos serviços de saúde, perpassando a concepção que se tem do
que é e como se promove saúde. A ampliação desse entendimento não se deu
apenas na conjuntura brasileira, uma vez que desde 1948 a Organização Mundial de
Saúde – OMS amplia o entendimento de saúde englobando aspectos
biopsicossociais (BRAVO; MATOS, 2006). O Brasil incorpora esse conceito no artigo
terceiro do SUS que afirma:
Art. 3º. A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da população expressam a organização social e econômica de um país. Parágrafo Único. Dizem respeito também à saúde as ações que, por força do disposto no artigo anterior, se destinam a garantir às pessoas e à coletividade condições de bem-estar físico, mental e social. (BRASIL, 1990)
37
Podemos afirmar que a saúde é alcançada em sua plenitude, não tão
somente com o acesso aos serviços que compõe a rede de saúde, mas sim quando
os sujeitos podem acessar os básicos necessários para a manutenção de sua
existência. Como já vimos é inconcebível pensar saúde sem o acesso a saneamento
básico, alimentação adequada, direito a renda, espaços de lazer, transporte coletivo
etc.
Desde 2006, o Brasil incorporou em suas ações de saúde a Comissão
Nacional Sobre Determinantes Sociais da Saúde – CNDSS. A comissão surge a
partir do reconhecimento das iniqüidades em saúde existentes no país e da saúde
enquanto bem público e de dever do Estado garanti-la. Realizam ações nas linhas
de produção e divulgação de conhecimento acerca dos Determinantes Sociais da
Saúde – DSS, apoio e elaboração de políticas e programas que intervenham nas
iniqüidades em saúde, mobilização da sociedade civil através de materiais que
divulgam o trabalho da comissão e acerca dos determinantes sociais da saúde bem
como um trabalho de cooperação internacional entre instâncias de diversos países.
(COMISSÃO NACIONAL SOBRE DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE, [2010]).
Cabe ressaltar que a existência da CNDSS não é um fato isolado. Sua
formulação está intimamente ligada à criação, em 2005, da Comissão para os
Determinantes Sociais da Saúde da OMS. O objetivo dessa comissão é a
organização de textos científicos e documentações que sirvam para a orientação
das ações que devem ser desenvolvidas para o alcance da igualdade na área da
saúde (COMISSÃO PARA OS DETERMINANTES SOCIAIS DA SAÚDE, 2010).
Podemos observar então duas iniciativas, uma em nível nacional e outra em nível
global, que admitem a existência de graves desigualdades vivenciadas pelos
sujeitos que acessam os serviços de saúde e os demais serviços essenciais para a
sua promoção e recuperação.
Embora se trate de um conceito bastante amplo, é importante não sermos
levados a pensar que os determinantes sociais da saúde ou que a própria saúde é
composta por “tudo”. O entendimento que temos de determinantes sociais da saúde
é que “são os fatores sociais, econômicos, culturais, étnico/raciais, psicológicos e
comportamentais que influenciam a ocorrência de problemas de saúde e seus
fatores de risco a população” (BUSS; PELLEGRINI FILHO, 2007, p. 78). Ou seja, os
38
determinantes sociais da saúde irão compor todos os aspectos que de alguma forma
possam tornar-se fomentadores das desigualdades em saúde. Da mesma maneira,
os determinantes sociais da saúde são os aspectos que se tornam dificultadores
para o acesso da população aos serviços de saúde.
A intervenção nesses aspectos, com vistas à diminuição das desigualdades
em saúde requer, dos níveis estratégico e operacional, uma leitura plena da
realidade. Essa leitura deverá considerar particularidades regionais, institucionais,
populacionais e financeiras, uma vez que o grande número de fatores influencia as
ações a serem tomadas. Nogueira e Mioto detalham esses fatores:
Dentre os diversos fatores determinantes das condições de saúde incluem-se os condicionantes biológicos (idade, sexo, características herdadas pela herança genética), o meio físico (que inclui condições geográficas, características da ocupação humana, disponibilidade e qualidade de alimento, condições de habitação), assim como os meios sócio-econômicos e culturais, que expressam os níveis de ocupação, renda, acesso à educação formal e ao lazer, os graus de liberdade, hábitos e formas de relacionamentos interpessoais, a possibilidade de acesso aos serviços voltados para a promoção e recuperação da saúde e a qualidade de atenção pelo sistema prestado. (NOGUEIRA; MIOTO, 2009a, p. 229).
Segundo as autoras, o pensar saúde requer uma percepção ampliada de
diversos fatores, que não se colocam acima dos aspectos biológicos, mas que vão
para além deles. Esses aspectos devem ser levados em consideração na história
individual de cada sujeito e nos aspectos coletivos em que se inserem (gênero, faixa
etária, classe social etc.) Os níveis de saúde de determinados grupos da sociedade
variam, de acordo com seu acesso aos serviços e bens que são produzidos por essa
mesma sociedade. Sendo assim, como pensar saúde e determinantes sociais da
saúde na sociedade capitalista, fundamentada pela exploração do homem pelo
homem, com vistas ao lucro e a mais valia?
A concepção de trabalho se mostra essencial para desvendar esse
questionamento. Segundo Iamamoto
O trabalho é uma atividade fundamental do homem, pois mediatiza a satisfação de suas necessidades diante da natureza e de outros homens. Pelo trabalho o homem se afirma como um ser social e, portanto, distinto da
39
natureza [...]. É por meio do trabalho que o homem se afirma como um ser que dá respostas prático-conscientes aos seus carecimentos, às suas necessidades. (IAMAMOTO, 2007, p. 60)
Sendo assim, é através do trabalho que o ser humano passa a solucionar
suas necessidades. A partir de sua racionalidade, identifica meios e instrumentos
capazes de garantir a sua sobrevivência. A satisfação dessas necessidades não
ocorre de forma individualizada, uma vez que o trabalho se configura enquanto
atividade coletiva. Contudo, com as transformações ocorridas ao longo dos séculos
e com a incorporação da sociedade capitalista, o trabalho se mantém coletivo, mas
passa a ser um trabalho explorado. Aquele que detém os meios de produção
compra a força de trabalho daquele que, não possuindo meios de produção, vende
sua força de trabalho. Surge assim a divisão de classes. Iamamoto destaca que
Nessa sociedade, a mercadoria é o caráter predominante e determinante do produto: o caráter do produto como mercadoria e a mercadoria como produto do capital. O próprio trabalhador aparece como um mero vendedor de mercadorias: trabalhador “livre” que vende a sua força de trabalho [...] Assim, os agentes principais dessa sociedade – o capitalista e o trabalhador assalariado – aparecem como “personificações do capital e do trabalho”, isto é, portadores de determinados caracteres sociais que o processo social de produção imprime aos indivíduos sociais, produtos dessas relações no âmbito das quais afirmam seu protagonismo. (IAMAMOTO, 2008, 58).
Temos assim, uma clara contradição. Ao mesmo tempo em que o trabalho
surge como meio para responder as necessidades dos seres humanos, a exploração
do trabalho na sociedade capitalista objetiva a produção de mercadorias, que se
tornarão lucro e mais valia para o detentor dos meios de produção. Dessa forma o
lucro tem o primeiro lugar nessa sociedade, deixando de lado as necessidades dos
sujeitos. Apesar de continuar coletivo, o trabalho na sociedade capitalista é
dominado por uma parcela pequena da população, os únicos que desfrutam do
produto do trabalho. Para Iamamoto essa
Contradição fundamental da sociedade capitalista - entre o trabalho coletivo e a apropriação privada da atividade, das condições e frutos do trabalho – está na origem do fato de que o desenvolvimento nesta sociedade redunda, de um lado, em uma enorme possibilidade de o homem ter acesso à natureza, à cultura, à ciência, enfim, desenvolver as forças produtivas do trabalho social; porém, de outro lado na sua contraface, faz crescer a
40
distância entre a concentração/acumulação de capital e a produção crescente da miséria, da pauperização que atinge a maioria da população nos vários países, inclusive naqueles considerados “primeiro mundo”. (IAMAMOTO, 2007, p. 28)
Temos, assim, a raiz dos processos de desigualdade. Enquanto um grande
número de sujeitos encontra-se alheio aos produtos do seu trabalho, recebendo em
troca de suas atividades remunerações, muitas vezes incompatíveis com suas
necessidades, uma parcela minoritária da sociedade lucra com o trabalho da
maioria. Esse processo de produção da desigualdade rebate diretamente na saúde.
Podemos, inclusive, afirmar que um dos primeiros fatores determinantes da saúde é
a classe social em que o sujeito está inserido.
As desigualdades econômicas e sociais geradas por esse modo de produção
são muitas. A pobreza econômica, fator esse que rebate diretamente na saúde, pois
expõe os sujeitos a formas precarizadas de moradia, alimentação inadequada e
insuficiente, à falta de saneamento básico nos bairros e comunidades mais
pauperizados. Para além da pobreza econômica, pensemos na exclusão de
informação, na exclusão de conhecimento, sobre os mais diversos assuntos, entre
eles a saúde. Informações básicas sobre auto cuidado, sobre como agir em
determinada situação de doença, onde acessar medicações e serviços de saúde,
sobre os instrumentos de participação podem ser utilizados para a reivindicação de
direitos e de serviços.
Sendo o modo de produção capitalista entendido como a raiz dos processos
de desigualdade, temos também no modo de produção capitalista a raiz dos
determinantes sociais da saúde. Tendo o assistente social a “opção por um projeto
profissional vinculado ao processo de construção de uma nova ordem societária,
sem dominação-exploração de classe, etnia e gênero” (CFESS, 1993), é de suma
importância que o assistente social reconheça nos determinantes sociais da saúde
processos de desigualdade e de exclusão advindos do modelo explorador da
sociedade capitalista. Entendemos que a intervenção do assistente social nos
determinantes sociais da saúde, para além da contribuição do acesso dos sujeitos
ao direito pleno a saúde, é também um posicionamento em favor da construção de
uma nova ordem societária, livre da exploração e, de fato, com saúde para todos.
41
Podemos afirmar também que as desigualdades produzidas pelo modo de
produção capitalista, agravado pela conjuntura Neoliberal em que nos encontramos,
afrontam diretamente os ideários propostos pelo Movimento de Reforma Sanitária
(universalidade, integralidade e equidade), uma vez que acabam sendo criados dois
modelos de saúde. O primeiro modelo, conforme vimos no capítulo dois, é o modelo
privatista da saúde, configurado pelos atendimentos privados da saúde, onde quem
possui condições financeiras compra esses serviços e o modelo preconizado pelo
Movimento da Reforma Sanitária que entende a saúde como direito de todos e dever
do Estado garanti - lá.
Temos assim uma apartação da saúde, que se divide acompanhando a luta
de classes: de um lado a saúde pública destinada à classe trabalhadora, cada vez
mais explorada e pauperizada, que não pode arcar com os altos valores da saúde
privada e de outro a saúde privada destinada à classe dominante, que não vê
motivos para lutar por uma saúde pública de qualidade, uma vez que pode acessar
esses serviços pagando por eles. Essa separação, equivocada, da saúde em dois
modelos só re-intera o processo de mercantilização dos direitos sociais em nossa
sociedade. Para além da saúde, direitos como a educação, habitação, cultura e
lazer, entre outros, cada vez mais são compreendidos enquanto produto. Entretanto,
entendemos que não se tratam de produtos, mas sim serviços essenciais para a
manutenção e proteção da vida humana. De fato, Marx e Engels já afirmavam:
o primeiro pressuposto de toda a existência humana e, portanto, de toda a história, é que todos os homens devem estar em condições de viver para poder “fazer história”. Mas, para viver, é preciso antes de tudo comer, beber, ter moradia, vestir-se e algumas coisas mais. O primeiro fato histórico é, portanto, a produção dos meios que permitam que haja a satisfação dessas necessidades, a produção da própria vida material, e de fato esse é um ato histórico, uma exigência fundamental de toda a história, que tanto hoje como há milênios deve ser cumprido cotidianamente e a toda hora, para manter os homens com vida. (MARX; ENGELS, 2004, p. 53)
Podemos afirmar, então, que para que os homens sejam capazes de fazer
história, a suas próprias histórias e a história da sociedade, é necessário que
possam acessar os básicos sociais a fim de suprir suas necessidades. E que
necessidade é tão básica quanto à saúde? E para que possam acessar de fato o
direito a saúde é necessário que os sujeitos possam acessar uma renda,
42
alimentação, moradia etc. para que a partir disso possam ser autores de suas
histórias de luta e superação.
Pensando no transplante renal, a questão dos determinantes sociais da saúde
deve ser vista com muita atenção. Considerando os aspectos sócio-econômicos que
compõe esses determinantes, conforme apontado por Nogueira e Mioto
anteriormente, o trabalho e a renda são de extrema importância. Como visto no
capítulo dois, a questão do trabalho fica seriamente comprometida para a pessoa
que possui doença renal, uma vez que as seções de hemodiálise (realizadas três
vezes por semana durante quatro horas) tornam-se um dificultador para inserção no
mercado de trabalho uma vez que, dificilmente, os empregadores se dispõem em
contratar um sujeito que constantemente terá que se ausentar de sua função para
dar continuidade ao seu tratamento.
No caso das pessoas que já estão inseridas no mercado formal de trabalho, é
importante que possuam conhecimento acerca dos benefícios previdenciários de
que tem direito, uma vez que possivelmente é essa renda que irá passar a contribuir
para a manutenção da família e auxiliará nos gastos advindos do tratamento. Um
dos benefícios previdenciários mais comumente acessados pelos sujeitos, inclusive
pelos usuários atendidos pela autora no período de estágio, é o auxílio doença.
Segundo a lei 8.213 de 1991, que dispõe sobre a Previdência Social, o auxílio
doença será concedido quando o usuário, que estiver inserido dentro do regime da
previdência social, ficar incapacitado para continuar exercendo sua função em um
período maior de quinze dias (BRASIL, 1991). Geralmente, após a realização do
transplante renal, o usuário que possuía doença renal está novamente habilitado
para continuar exercendo suas atividades cotidianas normalmente, entre elas o
trabalho. Quando constatado, através de realizações de pericias pelo Instituto
Nacional do Seguro Social – INSS, que o sujeito não pode continuar exercendo sua
função anterior, inicia-se um processo de remanejamento das atividades, adequadas
a nova condição física do sujeito.
No caso de pessoas que não estão inseridas no mercado formal de trabalho
e/ou não possuem nenhuma renda, comumente passam a acessar o BPC, benefício
concedido pela Política de Assistência Social. Contudo, temos aqui uma contradição.
Segundo a Lei 8.742 de 1993 que dispõe sobre a organização da Assistência Social
43
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de 1 (um) salário mínimo mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais e que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção e nem de tê-la provida por sua família (BRASIL, 1993).
Embora as pessoas que possuem doença renal ou que são transplantadas
não possuam propriamente algum tipo de deficiência, nem são necessariamente
idosos, muito comumente esse direito tem sido garantido a elas. Isso ocorre pela
interpretação de que a pessoa com doença renal torna-se incapacitada para o
trabalho devido, como dito anteriormente, pelo longo período em que fica no hospital
realizando as seções de hemodiálise. Infelizmente a Política Nacional de Atenção ao
Portador de Doença Renal (BRASIL, 2004), não faz nenhuma especificação acerca
de possíveis benefícios para esses sujeitos, sendo o acesso por parte destes a
renda através do BPC, passível de interpretação. Possivelmente com maior pressão
popular, tendo em vista o grande número de pessoas que são acometidas pelas
doenças renais na atualidade, futuramente possa ser previsto algum direito a renda
especifico para esses sujeitos.
Em relação aos aspectos determinantes que envolvem o meio físico, a
questão das condições de habitação é essencial. O transplante renal é um
procedimento bastante complexo, onde pode ocorrer um processo de rejeição do
órgão transplantado se não houver os cuidados necessários de higiene, por
exemplo, o que perpassa diretamente a residência dos sujeitos. Isso porque “a falta
de saneamento básico e luz elétrica comprometem a adesão ao tratamento e
ameaçam o resultado satisfatório do procedimento, considerando-se a
imunossupressão a qual os pacientes são submetidos” (GROSSINI, 2009, p. 34).
Mais uma vez ressalta-se a importância da intersetorialidade entre as
políticas. Embora a política de saúde não possa intervir diretamente em questões
como o saneamento básico, esses aspectos são essenciais para a manutenção
plena da saúde. Contudo, a intervenção dos profissionais da saúde nesses aspectos
pode ser de orientação (esclarecimento sobre como ferver a água para o consumo,
por exemplo) e de trabalho articulado com outras secretárias para a resolução dessa
demanda.
Atualmente existe um debate em relação aos transplantes que propõe que os
sujeitos que não possuem as condições materiais necessárias para a realização de
44
um transplante sejam impedidos de realizar o procedimento. As condições de
moradia geralmente é o aspecto mais apontado como contra indicador para a
realização da cirurgia, uma vez que alegam que o órgão transplantado será
“desperdiçado” caso venha ocorrer uma rejeição. Esse é um debate que inclusive
envolve bioética, bastante complexo e delicado. Contudo, acreditamos que as
equipes de saúde não podem restringir o acesso à saúde dos usuários unicamente
por suas condições financeiras e materiais. É necessário sim que, como dito
anteriormente, se proponham a pensar juntamente com os usuários e de forma
interdisciplinar e intersetorial estratégias de superação das adversidades
vivenciadas por esses sujeitos com vistas ao sucesso do transplante.
Em relação aos condicionantes biológicos, certamente torna-se impossível
que os profissionais da saúde modifiquem as características físicas dos sujeitos.
Contudo, é a partir do conhecimento das particularidades dos usuários e de cada
região é que se podemos propor ações de saúde que coincidam com aquela
realidade. Em relação aos usuários que realizam hemodiálise e que
conseqüentemente irão necessitar de um transplante renal, algumas características
são bastante predominantes. Segundo o Censo da Sociedade Brasileira de
Nefrologia de 2008, desses usuários, em todo o Brasil, 57% deles são homens,
47,3% estão na faixa etária dos 40 aos 59 anos e 50,6% são brancos. Com base
nesses dados, para além das práticas curativas, pode-se pensar também em
estratégias de prevenção.
Interessante também, tendo em vista a grande parcela de homens
acometidos pelas doenças renais, estabelecer relação com a recente Política
Nacional de Atenção Integral de Saúde do Homem de 2009 que se propõe a
compreender as particularidades da saúde masculina com vistas à integralidade.
Inclusive um documento elaborado pelo Ministério da Saúde referente a essa
política, afirma que “vários estudos comparativos entre homens e mulheres têm
comprovado o fato de que os homens são mais vulneráveis às doenças, sobretudo
às enfermidades graves e crônicas” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2008, p.05). Dessa
maneira, temos um exemplo de legislação que considera os determinantes sociais
da saúde para a intervenção, uma vez que através desse recorte de gênero se
propõe a garantir ações com vistas à proteção, recuperação e promoção da saúde
desse segmento populacional.
45
O Sistema Único de Saúde em si, contraditoriamente, também pode se tornar
fomentador das desigualdades em saúde. O insuficiente número de leitos e
consultas, a dificuldade de acesso a medicamentos, o desconhecimento do direito a
saúde garantido constitucionalmente (o que ainda da margem para possíveis
práticas caritativas), o não entendimento pleno da universalização do sistema (uma
vez que o SUS ainda é compreendido como “serviço para quem não pode pagar
pela saúde privada”) entre diversos outros fatores se apresentam para a população
como determinantes do processo de saúde-adoecimento. É necessário um repensar
constante sobre o processo de promoção da saúde, bem como de sua gestão, a fim
de superar as adversidades do sistema que tanto impactam na saúde dos sujeitos.
A atuação do assistente social na área da saúde, assim como em qualquer
outra área, pressupõe intervenção no objeto profissional, compreendido como a
questão social. Questão social que, analisando a partir do movimento dialético da
realidade, sendo desigualdade é também resistência e superação. A identificação
dessas manifestações de desigualdade e resistência
demanda uma atuação profissional em uma perspectiva totalizante, baseada na identificação dos determinantes sociais, econômicos e culturais das desigualdades sociais. A intervenção orientada por esta perspectiva crítica pressupõe: leitura crítica da realidade e capacidade de identificação das condições materiais de vida, identificação das respostas existentes no âmbito do Estado e da sociedade civil, reconhecimento e fortalecimento dos espaços e formas de luta e organização dos(as) trabalhadores(as) em defesa de seus direitos; formulação e construção coletiva, em conjunto com os trabalhadores, de estratégias políticas e técnicas para modificação da realidade e formulação de formas de pressão sobre o Estado, com vistas a garantir os recursos financeiros, materiais, técnicos e humanos necessários à garantia e ampliação dos direitos.(CFESS, 2009, p.17)
O assistente social adquire em sua formação, competência para realizar uma
leitura da realidade ampla, que não se limita às necessidades imediatas apontadas
pelos sujeitos ou que se apresentam em um primeiro momento para sua
intervenção. O profissional alia o conhecimento teórico particular da profissão com
conhecimentos específicos do lócus em que está atuando, para fomentar as
estratégias de intervenção que irá adotar. Na área da saúde quando, de fato,
trabalhamos norteados por um conceito ampliado de saúde, damo-nos conta que o
conhecimento produzido por uma disciplina (ou categoria profissional) não é
suficiente para compreender os diversos aspectos que se manifestam no cotidiano.
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Aceitamos, então, o desafio de compreender aspectos da biologia, medicina,
enfermagem, psicologia, nutrição e muitas outras, mas tendo sempre nosso objeto e
nossos objetivos profissionais como fio condutor. Não tão somente com o
conhecimento de outras categorias profissionais é que o assistente social amplia sua
leitura da realidade. Isso ocorre também quando nos propomos a realizar um
trabalho articulado com usuários, movimentos sociais2, serviços que integram a
rede, interlocução com a universidade e centros de ensino etc. sempre objetivando a
ampliação dos direitos sociais executados, preferencialmente, pelo Estado.
Apoiada pela apropriação de diferentes conhecimentos, a intervenção do
assistente social nos determinantes sociais da saúde pode ocorrer através dos
processos sócio-assistenciais. Esses
correspondem ao conjunto de ações profissionais desenvolvidas no âmbito da ação direta com os usuários nos diferentes níveis de complexidade nos serviços de saúde, a partir de demandas singulares. Sua lógica reside em atender o usuário como sujeito, visando responder as demandas/necessidades particulares, numa perspectiva de construção de sua autonomia no âmbito das relações institucionais e sociais ao remetê-lo para a participação política em diferentes espaços [...] (MIOTO; NOGUEIRA, 2009b, 284)
Nesse sentido, a intervenção nas diferentes formas de manifestação dos
determinantes sociais da saúde ocorre a partir de um trabalho conjunto entre
profissional e usuário, que envolve uma escuta sensível de suas necessidades e
demandas. Essa escuta possibilitará a compreensão da realidade vivida pelo sujeito,
bem como a formulação conjunta de estratégias de enfrentamento, que vão para
muito além de uma necessidade individual, mas que na verdade envolve toda a
população usuária dos serviços de saúde. Isso bem se exemplifica no seguinte
trecho de um diário de campo elaborado pela autora durante o período de estágio
2 Em todo Brasil, existem grupos, associações e Organizações Não Governamentais - ONGs que
trabalham com o intuito de promover ações e disseminar informações acerca da importância da
doação de órgãos e da prevenção de doenças que podem levar a realização de um transplante. Em
nível nacional destacamos a Associação Brasileira de Transplante de Órgãos - ABTO, Aliança
Brasileira pela Doação de Órgãos e Tecidos, Fundação Pró-Rim e a Sociedade Brasileira de
Nefrologia - SBN. Em nível local, Porto Alegre possui a Via Pró doações e Transplantes – VIAVIDA.
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Informou-me [o usuário] que teve dificuldades para adquirir alguns medicamentos que estava utilizando anteriormente: “Muito caro, quase setenta reais” (SIC). Depois me disse que se ele precisasse da medicação ele iria comprar que não gostava de ficar pedindo para assistente social, nem para médico. Procurei informá-lo que não era uma doação de ninguém, que ele enquanto usuário do SUS tinha direito a medicação necessária para realizar seu tratamento, que existia a farmácia do Estado onde são distribuídos os medicamentos especiais e que ele poderia acessar essa medicação. (RAMON, 2009)
Temos assim, em um pequeno trecho de entrevista, manifestação de alguns
determinantes sociais da saúde: baixa renda, desinformação acerca dos direitos
sociais e da rede de serviços e dificuldade de acesso aos serviços do SUS. A partir
da fala do usuário, o profissional se utiliza de suas competências (teórico-
metodológica, técnico-operativa e ético-política) para esclarecer o sujeito de um
direito seu garantido por uma legislação específica e essencial para a manutenção
de seu tratamento e de sua saúde. Ressaltamos mais uma vez a importância de
uma leitura ampla da realidade. A dificuldade de acesso à medicação não é
especifica de um usuário, mas sim de um dos maiores desafios enfrentados pelo
sistema de saúde como um todo, resultado de um grave processo de desmonte da
política de saúde.
O conhecimento e a informação por parte dos sujeitos também são
fundamentais para a superação dos determinantes sociais da saúde. Apenas
munidos de conhecimento e informação de como proceder é que os usuários podem
buscar respostas de como superar as mais variadas adversidades. Contudo, esse é
um processo de troca entre profissional e usuário, não sendo o primeiro detentor da
verdade nem do destino do segundo, e que tem por perspectiva “as ações sócio-
educativas que consistem em um movimento de reflexão entre profissionais e
usuários que, através da informação e do diálogo, buscam alternativas e
resolutividade para a demanda/necessidade do usuário” (MIOTO; NOGUEIRA,
2009b, p. 285). Durante a realização do estágio, procuramos trabalhar sempre nessa
perspectiva, uma vez que informamos e orientamos com base no que era
apresentado pelo usuário.
Isso se exemplifica no seguinte extrato de entrevista de um Relatório
Descritivo Processual – RDP:
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Estagiária: Eu queria saber da sra. um pouco da sua casa. É própria,
alugada, de madeira, alvenaria...
Usuária: É própria. O terreno a casa tudo é nosso. Ela é assim, de alvenaria né, mas não está acabada. Ela é de tijolo tudo, mas ainda não foi rebocada.
E: E água, luz, esgoto isso tudo tem?
U: Tem. Água, eletricidade, saneamento. Tudo tem.
E: Eu pergunto essas coisas da casa, pra sra. porque todas essas condições da sua casa podem influenciar no seu transplante, positivamente ou não. Todos esses cuidados que tem que ter, com higiene, não ter animais, todos esses cuidados passaram pra sra. antes da alta?
U: Falaram. Falaram em higiene, nos cuidados, nos animais, da gente
cuidar quando pega ônibus essas coisas. (RAMON, 2009)
Esta entrevista ocorreu no ambulatório de nefrologia/transplante com usuária
que já havia realizado transplante renal e que retornava ao hospital para um
atendimento de acompanhamento do transplante. Como o serviço social não havia
realizado atendimento com a usuária anteriormente, propomo-nos a entrevistá-la
para nos aproximarmos de sua realidade e sua recuperação pós-cirurgia. A partir de
sua fala, esclarecemos aspectos centrais para a recuperação de um transplante, que
envolve condições adequadas de higiene e de moradia.
Quando o usuário não está acessando serviços e/ou direitos sociais, o que
pode se tornar um fomentador para o surgimento de determinantes sociais da
saúde, é realizado um trabalho de articulação das redes de serviço, tanto da política
de saúde quanto intersetorialmente, com vistas ao acesso e superação das
adversidades por parte desses sujeitos. Tudo isso objetivando um atendimento que
considere a integralidade. No próximo subitem, realizamos um debate acerca da
importância do conceito de integralidade e intersetorialidade para a política de saúde
compreendendo esses dois processos como fundamentais para a intervenção nos
determinantes sociais da saúde.
49
3.2. A INTERSETORIALIDADE E A INTEGRALIDADE COMO ESTRATÉGIA DE
ENFRENTAMENTO DOS DETERMINANTES SOCIAIS DE SAÚDE.
Ao longo dessa monografia fomos ressaltando a importância da integralidade
e da intersetorialidade para a promoção, prevenção e recuperação da saúde. Mas
de fato o que são esses conceitos? E ainda, como podemos efetivá-los?
Começando pela integralidade, esse é um conceito bastante amplo, que se refere
não tão somente aos sujeitos, mas também as redes de serviço. Por ser um dos
princípios fundamentais do SUS a integralidade
garante ao usuário uma atenção que abrange as ações de promoção, prevenção, tratamento e reabilitação, com garantia de acesso a todos os níveis de complexidade do Sistema de Saúde. A integralidade também pressupõe a atenção focada no indivíduo, na família e na comunidade (inserção social) e não num recorte de ações ou enfermidades. (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009, p. 192)
Ou seja, a realização de práticas integrais na saúde pressupõe o
entendimento que a vida dos sujeitos vai para além dos seus aspectos biológicos e
das doenças que possuem ou que podem vir a possuir. A perspectiva integral de
saúde tem como pressuposto o entendimento do conceito de determinante social da
saúde que, como já foi explorado, considera os aspectos sociais, econômicos e
culturais no processo de saúde-adoecimento. Além do sujeito, o atendimento integral
na saúde pressupõe uma vasta articulação entre as diferentes políticas e serviços.
Dessa forma, políticas e serviços como habitação, assistência, transporte público,
educação, segurança pública etc., devem articular seus serviços tendo em vista não
tão somente o atendimento pleno de seus próprios serviços, mas sim a execução de
todos os serviços das diversas políticas com vistas à garantia de melhores
condições de vida para a população.
Para a materialização plena da integralidade temos como um dos
pressupostos o entendimento de intersetorialidade. A intersetorialidade
[...] tem como desafio articular diferentes setores na resolução de problemas no cotidiano da gestão e torna-se estratégica para a garantia do direito à saúde, já que saúde é produção resultante de múltiplas políticas sociais de promoção de qualidade de vida. A intersetorialidade como prática de gestão na saúde, permite o estabelecimento de espaços compartilhados de decisões entre instituições e diferentes setores do governo que atuam na produção da saúde na formulação, implementação e acompanhamento de
50
políticas públicas que possam ter impacto positivo sobre a saúde da população [...] (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009, p. 193)
Sendo assim, as práticas intersetoriais na área da saúde se mostram de
grande relevância, uma vez que tendo em vista o conceito ampliado de saúde,
sabemos que está determinada por uma série de fatores que lhe condicionam e
determinam. Como bem aponta o Ministério da Saúde, a concretização da
intersetorialidade entre as políticas de fato é um desafio. Mesmo entre as políticas
que compõe o tripé da Seguridade Social brasileira, existe uma grande dificuldade
de conexão, existindo até mesmo certa disputa entre as três políticas (Previdência,
Assistência e Saúde) pelo recebimento de recursos e financiamento ao invés de
uma interlocução com vistas ao fortalecimento da seguridade social (SENNA;
MONNERAT, 2008).
Se as barreiras se evidenciam mesmo dentro da seguridade social, a
interlocução entre as diferentes políticas torna-se ainda mais distante, o que
evidencia o aspecto focalista ainda presente nas políticas sociais, que se propõe a
resolver “problemas” imediatos sem de fato incidir em suas raízes. Sabemos que a
dificuldade de efetivação da intersetorialidade não está deslocada da conjuntura
neoliberal que vivenciamos e que vimos no capítulo dois. A primazia do mercado em
detrimento do Estado resulta no sucateamento das políticas sociais e públicas,
tornando difícil a manutenção das políticas individualmente e articuladamente.
Embora difícil, a promoção de práticas intersetoriais, não é impossível. Requer uma
maior abertura das equipes profissionais para sua efetivação, bem como um olhar
dos gestores voltado para essa perspectiva, ainda no processo de elaboração de
programas que interconectem as diversas políticas.
Ressaltamos também a importância da intersetorialidade entre os serviços
que compõe o próprio sistema único de saúde. Os processos de referência e contra-
referência são fundamentais para que os usuários possam dar continuidade aos
seus tratamentos. Torna-se fundamental, por exemplo, ao usuário transplantado
contar com o suporte do posto de saúde da sua comunidade, inclusive na orientação
sobre condições adequadas de higiene de sua residência ou orientações acerca de
medicações.
51
Para isso, é necessário que, principalmente, a rede básica e de alta
complexidade estabeleçam uma constante troca de informações, uma vez que a
rede básica pode fornecer informações primordiais à alta complexidade sobre
condições e modo de vida dos usuários e a alta complexidade pode fornecer
informações sobre modificações, muitas vezes irreversíveis, sobre o quadro de
saúde dos usuários e a maneira de manter esse quadro em suas residências.
Durante a realização do estágio, o contato com as Unidades Básicas de Saúde –
UBS sempre foi essencial para realização do trabalho. Apresentamos o seguinte
trecho de um diário temático para exemplificar essa articulação:
Após a entrevista tendo em vista os dados coletados avaliamos que a situação apresentava certa vulnerabilidade, principalmente no que se refere à rede social de serviços da usuária, uma vez que a família mostrava-se presente durante o período de internação. Consideramos que seria importante contatar a Secretária de Saúde do Município para que uma equipe de saúde da unidade básica realizasse uma visita domiciliar com objetivo de avaliar as condições da residência e prestar orientações necessárias para a família antes que a usuária tivesse alta do hospital. (RAMON, 2010)
A intersetorialidade pressupõe muito mais do que encaminhamentos para os
serviços que compõe a rede social. É necessário que os profissionais que compõe
os serviços mantenham um diálogo constante, com repasse de informações
detalhadas, informação dos desfechos de situações, as resoluções obtidas ou os
serviços e direitos que ainda não foram acessados pelos usuários. Isso garante que
os sujeitos não sejam forçados a passar por uma constante “romaria”, contando a
mesma situação diversas vezes ou buscando serviços em locais incorretos. Isso se
reflete enquanto respeito aos usuários e práticas humanizadas, tanto na saúde
quanto em outras políticas.
Na situação apresentada acima, acerca do contato com a Secretária de
Saúde de um município do interior do Rio Grande do Sul possibilitou a visita
domiciliar, de uma assistente social e de uma enfermeira na residência da usuária.
Após a realização da visita domiciliar, as profissionais informaram a equipe do HSL,
que prestaram orientações para a família da usuária acerca dos cuidados
necessários no período pós-transplante, bem como maiores esclarecimentos acerca
52
das medicações que a usuária deveria passar a utilizar. Temos assim um exemplo
bastante simples de uma prática intersetorial entre dois serviços de saúde.
Além da intersetorialidade, a interdisciplinaridade também se apresenta como
um pressuposto para a materialização da integralidade. Se entendemos que os
sujeitos devam ser compreendidos em suas múltiplas demandas e nas mais
variadas esferas de suas vidas, entendemos também que uma única disciplina não é
capaz de sozinha realizar uma leitura plena de todos os aspectos que compõe a
realidade dos sujeitos. Para isso é necessário o constante diálogo entre as diversas
áreas de atuação que estão inseridas na política de saúde. Dessa maneira
compreendemos que
a interdisciplinaridade vai além de uma justaposição ou adição de diferentes ângulos sobre determinados objetos de análise. As disciplinas se comunicam umas com as outras, confrontam e discutem as suas perspectivas, estabelecendo entre si uma interação mais forte. A sua complexidade consiste justamente na sua própria construção, que é impregnada por trocas e articulações mais profundas entre os diferentes elementos participantes. (MENDES; LEWGOY; SILVEIRA, 2008, p.30)
Embora a interdisciplinaridade se mostre fundamental para o alcance da
integralidade efetivar essa prática nas organizações não é tarefa fácil. Hierarquias
entre profissionais, ritmo de trabalho intenso, desconhecimento do trabalho realizado
por outras áreas, dificuldade de estabelecer objetivos comuns se apresentam como
fatores que dificultam a construção de uma prática interdisciplinar.
Mesmo que os diversos profissionais atuem em uma mesma organização e
com os mesmos sujeitos, suas práticas não se caracterizam como uma construção
de saberes visando à resolução de demandas. A interlocução das diferentes áreas
ocorre somente na realização de encaminhamento sem de fato ocorrer uma troca de
conhecimentos e de experiências, o que poderia promover um enriquecimento no
conhecimento das diferentes áreas, se caracterizando como prática multidisciplinar
(SILVEIRA; MENDES, 2009). Embora não seja o ideal, a multidisciplinaridade é
prática comum entre as equipes de saúde. Para além de criticar as equipes que se
apresentam como multidisciplinares podemos ver aí a “porta de entrada” para a
realização de práticas interdisciplinares.
53
Durante a realização do estágio, um dos desafios vivenciados, conforme visto
no capítulo dois, foi a realização de trabalho integrado com a equipe profissional. A
equipe do HSL caracterizava-se como multidisciplinar, uma vez que o contato entre
os profissionais se dava principalmente através de encaminhamentos.
Constantemente as informações chegavam fragmentadas ou após longos períodos
de tempo, o que em algumas situações dificultava ou até mesmo inviabilizava a
intervenção.
As assistentes sociais que atuam na instituição, apesar das dificuldades,
sempre demonstraram uma postura pró-ativa, buscando obter e contribuir com
informações relevantes junto à equipe. Na unidade de nefrologia/transplante, os dois
principais espaços de interação entre a equipe eram os ambulatórios, onde inclusive
ao final do estágio o serviço social e a medicina começaram a desenvolver
atendimentos conjuntos com os usuários e reuniões semanais onde eram discutidas
situações de usuários. Durante a realização do estágio, conseguimos estabelecer
uma boa interlocução com o serviço de psicologia, que até então quase não
participava da intervenção junto a usuários candidatos a transplante e
transplantados. A importância dessa interação com a psicologia pode ser vista no
seguinte extrato de um diário de campo:
De duas semanas pra cá estou fazendo um trabalho multidisciplinar muito interessante com a estagiária da Psicologia, em relação às demandas do usuário. Pudemos trocar informações, ela me relatou a questão do passe livre, o que ele nem o filho haviam me mencionado e eu trouxe algumas informações sobre a família e as relações familiares que ela considerou importante, mas que não haviam lhe mencionado. (RAMON, 2009)
Como podemos ver, a interação com os diferentes saberes da equipe
ampliam os olhares possibilitando o surgimento de informações que sempre se
tornam úteis para os diferentes serviços na saúde. A interdisciplinaridade é
indispensável para pensarmos saúde de forma ampliada. Sabemos que a
construção de práticas interdisciplinares não é fácil, mas se dá de forma gradual,
requerendo uma postura receptiva dos vários profissionais. Entendemos como
primordial o estimulo do Assistente Social para a concretização da
interdisciplinaridade, uma vez que, segundo o Código de Ética Profissional, é dever
54
“incentivar, sempre que possível, a prática profissional interdisciplinar” (CFESS,
1993).
A integralidade, a intersetorialidade e a interdisciplinaridade se apresentam
como estratégias de enfrentamento que podem ser utilizadas e promovidas pelos
assistentes sociais que atuam na área da saúde. Os três conceitos interligam-se e
se mostram fundamentais para a promoção e real efetivação do conceito ampliado
de saúde. Principalmente a intersetorialidade e a interdisciplinaridade requerem dos
serviços e dos profissionais que os compõe a capacidade de admitir sua
incompletude, suas limitações e a importância dos diferentes conhecimentos,
visando sempre à garantia da qualidade dos serviços prestados aos usuários dos
serviços de saúde.
No próximo capítulo, apresentaremos mais detalhadamente como foi nossa
experiência de estágio em serviço social na unidade de nefrologia/transplante e
como se deu nossa intervenção nessa realidade. Apresentaremos também como foi
se dando nossa reflexão, a partir da realidade e problematizada com a teoria, até
chegarmos à temática que permeia todo essa monografia de conclusão de curso: os
determinantes sociais da saúde.
55
4. A ATUAÇÃO DO ASSISTENTE SOCIAL EM UMA UNIDADE DE
TRANSPLANTE RENAL.
Nesse capítulo, fazemos uma sistematização teórico-prática de como se
desenvolveu a experiência profissional da autora, enquanto estagiária em serviço
social em uma unidade de Nefrologia/Transplante. Abordamos como se deu o
processo de desvelamento da realidade em que nos inserimos, bem como o
processo que culminou com a elaboração do projeto de intervenção de estágio.
Apresentamos também a intervenção da autora nos determinantes sociais da
saúde que foram apresentados pelos usuários durante a realização do estágio, bem
como as estratégias utilizadas pela autora e pelos sujeitos para a superação dos
mesmos. O capítulo também apresenta os resumos das intervenções e os objetivos
e produtos alcançados com a prática realizada.
4.1. O PROCESSO DE REFLEXÃO TEÓRICO-PRÁTICO.
O projeto de intervenção intitulado “Acompanhamento dos receptores e
doadores candidatos a transplante renal junto a Unidade de Nefrologia: Uma
proposta de intervenção do Serviço Social” foi elaborado, como já dito
anteriormente, a partir da experiência de estágio em serviço social no HSL, na
Unidade de Nefrologia/Transplante. A elaboração dessa proposta de intervenção
requereu um processo continuo e dialético de aproximação da realidade,
aprofundamento teórico e retorno a realidade para realizar a intervenção. Conforme
aponta Prates (2003, p. 87)
O método de investigação, portanto, pressupõe uma pesquisa profunda sobre o fenômeno, trabalha com todos os dados empíricos possíveis de serem obtidos, mas não se contenta com o “dado” isolado, necessita de análise para remontá-lo no seu movimento constitutivo, para captar conexões, contradições, a unidade, superando assim, a pseudoconcreticidade (totalidade abstrata) e chegando a totalidade concreta.
56
Sendo assim, podemos afirmar que o que está posto inicialmente na realidade
não é suficiente para que possamos compreender e desvelar todo o movimento que
a constitui. Os dados ou as situações iniciais são apenas o ponto de partida para a
intervenção na realidade. É necessário ir além para alcançarmos a totalidade
concreta. O ponto de partida para a elaboração do projeto de intervenção se deu na
própria demanda institucional. O HSL tinha como demanda para o serviço social da
instituição o atendimento dos usuários candidatos a transplante renal, que
apresentassem como necessidade medicamentos, transporte, fossem oriundos de
outros estados, do interior ou que seus familiares não tivessem onde ficar em Porto
Alegre, apresentassem baixa renda e/ou baixa escolaridade. Baptista irá dizer que
constantemente o profissional se vê perante um falso dilema:
Atender a demanda tal como ela se coloca, o que para ele, significa colocar-se ao lado do empregador; ou desenvolver trabalhos em sintonia com os reclamos da população demandatária dos serviços, de costas para a instituição, o que caracterizaria seu posicionamento ao lado da população usuária. Esse é um falso dilema na medida em que aponta para a negação pura e simples da contradição inerente a prática profissional, dicotomizando-a. Com essa posição o profissional estará simplificando o enfrentamento de algo que é complexo (BAPTISTA, 2007, p. 33).
Ou seja, não cabe ao profissional apenas optar entre ficar do lado da
instituição que o emprega ou da população usuária que ele atende, mas sim
interpretar essa realidade a fim de superar as contradições e “re-estrutrar essa
demanda, mediando interesses diversos” (BAPTISTA, 2007, p. 33). Como visto ao
longo de toda essa monografia, o assistente social é o profissional que atua
diretamente com as políticas sociais e que tem no seu código de ética e no seu
projeto ético-político compromisso com a classe trabalhadora no que tange ao
acesso a bens, serviços e direitos sociais. Entendemos que, para garantir os
interesses reais dos usuários, é necessário garantir e ir para além da demanda
organizacional, propondo novas possibilidades de intervenção, que são fomentadas
pelas competências investigativa, propositiva e interventiva construídas ao longo da
formação profissional.
A observação e posteriormente os primeiros atendimentos aos usuários foram
essenciais para a elaboração do projeto de intervenção. Notamos um alto índice de
57
re-internações de usuários que já haviam realizado transplante devido a
intercorrências pós-cirurgicas e rejeições do órgão transplantado. A partir do
atendimento aos sujeitos começamos a observar que muitos deles possuíam
condições que se tornavam adversas para a realização do transplante renal como
condições inadequadas de moradia, desconhecimento dos cuidados pós-cirurgicos,
baixa escolaridade e dificuldade de acesso aos serviços de saúde necessários para
a manutenção do tratamento entre outros.
Pensamos então que uma proposta de intervenção que se mostrava
adequada ao local de estágio, e que poderia ter continuidade após o desligamento
da estagiária, seria a intervenção com vistas à superação das possíveis condições
sociais adversas para a realização do transplante renal que eram vivenciadas pelos
sujeitos desde o momento em que estes entravam no hospital para realizar a
cirurgia, visando à diminuição dessas adversidades durante o período de internação
até a alta. Da mesma maneira, realizamos essa intervenção com usuários que
estavam re-internando no hospital a fim de avaliar se algum aspecto social estava
levando as re-internações. Cabe ressaltar que nem todas as re-internações de
usuários se deram por motivos sociais. Muitos retornaram ao hospital por aspectos
biológicos que, em alguns casos, até mesmo inviabilizaram seus transplantes.
A partir da reflexão teórico-prática, iniciamos um processo incansável de
busca de novos conhecimentos que auxiliassem na compreensão e na intervenção
da realidade que vivenciávamos. Ainda é pequeno o número de produções teóricas
do serviço social que abordem as particularidades de uma unidade de transplante.
Utilizamo-nos de produções de conhecimento de outras áreas do saber, como
medicina, enfermagem e psicologia para aprofundar o entendimento dessa
realidade.
Começamos a compreender que nossa proposta de prática interventiva vinha
ao encontro do conceito ampliado da saúde, presente no SUS, que considera uma
série de fatores biopsicossociais para a promoção e proteção da saúde. Por fim,
começamos a nos aprofundar na temática dos determinantes sociais da saúde e
entendemos que nossa proposta de intervenção se pautava na criação de
estratégias, juntamente com os sujeitos, para superação desses determinantes
sociais que promoviam seu adoecimento. A produção teórica que problematiza os
58
determinantes sociais da saúde também não é muito vasta, nem muito discutida
durante a realização da graduação em Serviço Social. O reconhecimento da
importância do aprofundamento dessa temática e o desafio de encontrar textos e
materiais sobre ela nos instigou a colocar essa temática como objeto central de
estudo nessa monografia.
No processo de desvelamento da realidade, é essencial que tenhamos
compreensão de quem são os sujeitos que são atendidos por determinada política,
programa ou projeto. Com isso, elaboramos uma caracterização dos usuários que
estavam sendo atendidos pelo Serviço Social da unidade de Nefrologia /
Transplante. Essa sistematização dos dados mostrou-se essencial para o
entendimento de alguns aspectos da realidade desses usuários. A partir do
levantamento desses dados foram elaborados os seguintes gráficos:
Gráfico 01: Idade dos usuários do serviço social da unidade de
Nefrologia/ Transplante.
Fonte: Dados sistematizados pela autora.
Gráfico 02: Origem dos usuários do serviço social da unidade de
Nefrologia / Transplante.
Fonte: Dados sistematizados pela autora.
N: 15
N: 15
59
Em relação ao gênero, os sujeitos apresentaram uma maciça predominância
masculina, 67%, contra apenas 33% de usuárias mulheres. A partir da análise dos
gráficos, foi possível apreender que os usuários do serviço social da unidade de
Nefrologia / Transplante caracterizam-se pela predominância masculina, com idade
entre 46 e 59 anos e poderiam ser oriundos de diversas partes do Rio Grande do Sul
ou de Santa Catarina. Com base nesses dados, foi possível também estabelecer as
ações para a intervenção. A questão da idade nos foi um indicativo que esses
usuários ainda se encontravam em uma fase da vida em que se trabalha o que nos
fez ficar atentos para a possibilidade de não acessarem algum tipo de renda, através
de benefícios previdenciários a que tem direito, por exemplo.
Em relação à procedência, apesar de existir um equilíbrio entre o número de
usuários do interior do Estado, Santa Catarina e Porto Alegre e Região
Metropolitana entendemos que o número de usuários de fora de Porto Alegre é
bastante elevado. Isso demonstra a necessidade apresentada por esses sujeitos de
buscarem atendimento fora dos seus municípios de origem, uma vez que não estão
conseguindo acessar neles os serviços de alta complexidade dos quais necessitam.
Esse ainda é um grande desafio para o SUS: garantir que os sujeitos não precisem
se deslocar muito para garantir seus atendimentos.
Estabelecendo relação com uma realidade mais ampla, visto que a análise do
real deve ser feita estabelecendo conexões com a totalidade, as características
apresentadas pelos usuários do serviço social da unidade de transplante em muito
se assemelham com os dados do levantamento realizado pela Sociedade Brasileira
de Nefrologia e que foram apresentados no capítulo anterior (vide página 44).
Aspectos referentes à idade e gênero mostraram-se bastante semelhantes. Dessa
maneira, podemos afirmar que o cotidiano vivenciado no HSL é um recorte de uma
realidade vivenciada em todo o território nacional que na atualidade apresenta um
aumento crescente das doenças renais no Brasil.
Legislações importantes já foram asseguradas para regular o atendimento
desses sujeitos pelo SUS, como é o caso da Política Nacional de Atenção ao
Portador de Doença Renal e as legislações referentes ao transplante de órgãos. É
necessário, contudo, que se ampliem os direitos sociais desses sujeitos que se
60
encontram em uma situação peculiar a outros sujeitos que acessam a política de
saúde.
A partir de um aprofundamento na realidade vivenciada e tendo clareza em
qual recorte dessa realidade pretendíamos intervir (superação dos determinantes
sociais da saúde por parte dos candidatos a transplante e dos usuários já
transplantados), partimos para a elaboração dos objetivos geral e específicos do
projeto. Entendendo que “a atuação profissional deve estar pautada em uma
proposta que vise o enfrentamento das expressões da questão social nos diversos
níveis de complexidade da saúde” (CFESS, 2009, p. 20) ousamos ir para além dos
muros da instituição e intervir em situações que, apesar de estarem ligadas
indiretamente aos serviços de saúde, impactam diretamente no processo de saúde e
adoecimento. Elaboramos então o seguinte objetivo geral para nortear nossa
intervenção:
Acompanhar o candidato a transplante renal, o familiar doador (quando for transplante inter-vivos) e demais membros da família, identificando aspectos relacionados à habitação, alimentação, condições de higiene e renda que possam ser impeditivos para o transplante e para os resultados pós-cirúrgicos a fim de criar formas de superá-los. (RAMON, 2009, p. 6)
Ou seja, o núcleo central deste projeto é a avaliação das condições sócio-
econômicas dos candidatos a transplante renal a fim de identificar possíveis
determinantes sociais da saúde que possam se tornar uma contra-indicação para a
realização da cirurgia ou que posteriormente possam levar a rejeição desse órgão.
Tal objetivo mostra-se de acordo com as atribuições profissionais, uma vez que se
propõe a identificar aspectos de desigualdade vivenciados pelos sujeitos a fim de
procurar formas e estratégias de superá-las.
Para o desmembramento do objetivo geral foram criados quatro objetivos
específicos. O primeiro objetivo refere-se à articulação da rede social dos sujeitos.
Entendemos que para a superação dos determinantes sociais da saúde que podem
interferir na recuperação pós-transplante é necessário acionar a rede social para que
estes usuários e seus familiares possam ter acesso a serviços e direitos
necessários. No segundo objetivo, que se refere à superação de outras
vulnerabilidades dos usuários e seus familiares que podem não estar ligadas ao
61
transplante, a intencionalidade era o acompanhamento destes usuários durante o
seu período de internação, trabalhando juntamente com estes pensando
possibilidades de enfrentamento para superação dessas adversidades.
Com o terceiro objetivo, referente à problematização com os sujeitos acerca
dos direitos dos usuários dos serviços de saúde, entendemos que para haver
reivindicação e acesso por parte desses é necessário que conheçam e
compreendam quais são esses direitos e como podem acessá-los. Esse objetivo
está de acordo com a Lei de Regulamentação da Profissão, onde no artigo 4º inciso
V, é competência do assistente social orientar indivíduos e grupos acerca de
recursos e serviços com vistas à defesa dos direitos dos mesmos (CFESS, 1993).
Com o quarto objetivo específico da intervenção entendemos que era
importante avaliar as condições sócio-econômicas de usuários que estavam re-
internando no hospital devido à intercorrências pós-transplante. Objetivávamos
saber se essas re-internações eram causadas por motivos sociais com vistas a
superar os possíveis aspectos sociais que constantemente levam o sujeito a re-
internar ou por aspectos biológicos.
O principal instrumento utilizado para o alcance dos objetivos propostos foi a
entrevista. Parte integrada da competência técnico-operativa, a realização de
entrevistas não é tarefa das mais simples. Requer do profissional uma escuta
sensível e um olhar atento para gestos, expressões, maneiras, enfim, para a
linguagem corporal como um todo. A entrevista “é um dos instrumentos que
possibilita a tomada de consciência pelos assistentes sociais das relações e
interações que se estabelecem entre a realidade e os sujeitos, sendo eles
individuais ou coletivos” (LEWGOY; SILVEIRA, 2007, p. 3). A realização de uma
entrevista pressupõe do profissional uma postura respeitosa, sem julgamentos nem
interpretações pessoais. Requer também que o profissional realize as questões de
forma que o usuário reflita sobre suas necessidades e condições de vida. A
superação e resistência sempre parte dos próprios sujeitos, sendo o profissional
colaborador paro o fomento desse processo reflexivo. Conforme aponta
Vasconcelos, o assistente social
cria espaços, possibilidades e condições para que elas se voltem sobre as questões que envolvem seu cotidiano, no sentido de desvendá-las a partir das possibilidades que já detêm para dar unidade aos conhecimentos e
62
informações acumulados na experiência de vida em articulação com novas informações / conhecimentos que possam vir dos seus iguais e/ou dos profissionais (VASCONCELOS, 1997, p. 150).
Na área da saúde, muito comumente, os usuários não recebem
esclarecimento ou até mesmo não compreendem suas reais condições de saúde
nem as implicações de suas condições e modos de vida em sua saúde. É dever dos
profissionais da saúde, entre eles o assistente social, esclarecer aos sujeitos os
limites e os impeditivos que vão encontrar a partir de sua nova condição de saúde
bem como pensar possibilidades de superação. A entrevista, para além do
conhecimento da realidade dos sujeitos, é um espaço fundamental para esse
processo de esclarecimento de dúvidas e de informação acerca de direitos sociais.
Como já dito, com a realização de um transplante, mesmo que possibilite um
elevado aumento na autonomia e na qualidade de vida dos sujeitos, alguns cuidados
tornam-se necessários para o resto da vida dos usuários, sendo necessário que
esses tenham conhecimento e consciência de como proceder após a realização da
cirurgia.
O processo interventivo na realidade pressupõe uma constante reflexão
teórico-prática. Conforme íamos adentrando e desvelando a realidade,
aprofundávamos o conhecimento teórico acerca do serviço social, a atuação
profissional em uma unidade de transplante, cuidados éticos para o desenvolvimento
do trabalho, determinantes sociais da saúde e outras temáticas. A intervenção plena
na realidade só ocorre quando nos propomos a realizar um adensamento teórico
que contemple a realidade vivida. Acreditamos também ser dever do Assistente
Social sistematizar sua prática cotidiana, objetivando a produção de conhecimento
teórico sobre a experiência vivenciada. Aceitamos esse desafio e apresentamos
nossa experiência de estágio na 30ª Semana Científica do Hospital de Clínicas de
Porto Alegre em 2010, no formato de pôster3, onde tivemos a oportunidade de
socializar os resultados obtidos com a intervenção e a obtenção de um certificado de
apresentação4 referente à produção bibliográfica produzida.
3 Conforme anexo A.
4 Conforme anexo B.
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Cabe ressaltar que o assistente social, assim como todos os demais
profissionais, trabalha intervindo em uma realidade concreta, que nem sempre
corresponde aos ideais que projetamos para ela. A proposta de intervenção foi
modificada diversas vezes, uma vez que a realidade exigiu novas demandas e
suprimiu outras. No próximo subitem, apresentamos detalhadamente o alcance dos
objetivos propostos para a intervenção, bem como o produto alcançado com a
realização do nosso trabalho.
4.2 INTERVINDO NOS DETERMINANTES SOCIAIS A FIM DE CONTRIBUIR NO
ACESSO A SAÚDE.
Antes de apresentarmos os resultados alcançados com os objetivos
propostos e os produtos advindos de nossa intervenção, acreditamos ser importante
pensar no que representa um objetivo de trabalho. Campos salienta que:
O ser humano é um ser social teleológico, começa a trabalhar pensando no final, na finalidade de seu esforço sistematizado; ou seja, no “objetivo” do trabalho individual ou coletivo. Não obstante, o “resultado do trabalho”, o produto do seu labor, nunca será equivalente ao objetivo imaginado ou declarado. Essa limitação é da ordem do humano, incapaz de realizar uma análise integral e acabada de um contexto e também incapaz de articular todos os meios de maneira perfeita para atingir o objetivo almejado. (CAMPOS, 2007, p. 60)
O ser humano, enquanto ser que planeja suas ações, constantemente
esquece que é incapaz de planejar tudo, dar conta de tudo e analisar toda a
realidade. Embora pareça algo muito claro, quando nos propomos a alcançar um
objetivo, quando nos engajamos em uma causa, a frustração quando algo não sai
como esperávamos é grande. A realização do estágio nos dá essa possibilidade de
amadurecermos e aceitarmos nossas limitações enquanto profissionais. Esse é um
exercício que se dá durante toda a vida profissional, mas que certamente se inicia
no estágio. Damo-nos conta que o “messianismo profissional” IAMAMOTO (2007, p.
22) não é possível, mas sim a constante superação do que está posto e o alcance
das vitórias cotidianas.
64
Destacamos que quando o projeto de intervenção, anteriormente citado, foi
pensado, não havia como prever uma série de entraves que atrasaram a execução
do mesmo. O surgimento da gripe H1N1 no ano de 2009, fez com que as cirurgias
de transplante nos hospitais se tornassem eletivas, e não de urgência, inviabilizou o
atendimento de um grande número de novos candidatos a transplante no segundo
semestre do referido ano. Como alternativa a isso e visando contemplar a realidade
da organização, foram incluídos no projeto os usuários que constantemente re-
internavam no HSL devido a intercorrências pós-transplante. Deparamo-nos com
outros entraves como a já citada dificuldade de articulação e fomento de ações
interdisciplinares entre os membros da equipe.
Na primeira versão desse projeto pretendíamos que a intervenção do Serviço
Social tivesse inicio já nos ambulatórios de nefrologia, ou seja, antes da realização
do transplante para que pudéssemos, juntamente com os usuários, prevenir desde
antes da cirurgia possíveis determinantes sociais da saúde que fossem prejudiciais
para a realização do transplante. O processo de participação do serviço social
nesses ambulatórios ocorreu de forma bastante lenta, principalmente porque o
Serviço Social iniciou seu trabalho na unidade de Nefrologia somente em 2008, o
que demandou aproximações sucessivas para introdução da profissão na equipe,
devido a hierarquias e correlações de força.
A partir da constante manifestação do interesse do serviço social de ocupar
esse espaço, bem como do gradual entendimento da equipe acerca do trabalho do
Assistente Social e dos objetivos que tínhamos atuando nos ambulatórios, fomos
percebendo maior receptividade da equipe médica. Próximo ao período de
conclusão do estágio, conseguimos a ampliação da participação nos ambulatórios
de nefrologia, inclusive realizando atendimentos conjuntos, de avaliação de usuários
candidatos a transplante, com a equipe médica. Entendemos que inserção da
profissão nos diferentes espaços não se dá de forma automática, requerendo que o
profissional realize mediações constantes até que de fato possa ocupar locais
essenciais para a realização de sua intervenção.
No período de tempo em que o serviço social não se encontrava totalmente
inserido no ambulatório, conseguimos desenvolver nosso projeto com o atendimento
de usuários que recentemente haviam realizado o transplante e encontravam-se no
65
período de internação no HSL. Embora não fosse o que havíamos planejado em um
primeiro momento, foi a possibilidade que encontramos para intervir e prevenir os
determinantes sociais da saúde vivenciados por aqueles sujeitos antes que eles
recebessem a alta.
Posteriormente devido aos empecilhos para a realização das cirurgias
(principalmente a gripe H1N1), voltamos a nossa atenção para os usuários
transplantados que constantemente re-internavam no hospital. Objetivamos então
compreender que causas levavam esses sujeitos a sofrerem re-internações.
Entendíamos que por trás dos aspectos biológicos que constavam em seus
prontuários, poderiam existir uma série de desigualdades sociais que os faziam não
ter o alcance pleno à saúde o que fomentava o processo de adoecimento.
A realização de um projeto de intervenção e o alcance dos objetivos ocorre
pautado em uma metodologia. De forma bastante sucinta, a metodologia empregada
para a execução do projeto de intervenção se deu da seguinte maneira: elaboração
do Projeto de Intervenção; participação no atendimento multidisciplinar do
ambulatório de nefrologia; realização de um primeiro atendimento e entrevista ao
candidato de transplante renal e ao familiar doador no ambulatório de nefrologia;
identificação de vulnerabilidades e não acesso a bens materiais que são
determinantes para a realização do transplante (condições de moradia, higiene,
renda, alimentação etc.); acompanhamento do usuário receptor, do familiar doador e
demais familiares durante o período de internação; articulação da rede social dos
usuários e seus familiares conforme suas necessidades e demandas; identificação
de usuários que realizaram re-internação por complicações pós-transplante;
entrevista com usuários e/ ou familiares para identificação de possíveis motivos
sociais ou não acesso a serviços necessários que podem ter levado à re-internação;
preparação dos usuários (receptor e doador) e seus familiares para processo de alta
hospitalar, visando à adesão ao tratamento e as condições necessárias para o pós-
transplante (RAMON, 2009).
Conforme apresentado na metodologia durante todo o processo de estágio,
procuramos fazer um trabalho conjunto, pautado no tripé usuário-família-profissional.
Como já exposto anteriormente, consideramos fundamental a participação da
família, principalmente no que diz respeito no auxílio com os cuidados dos usuários
66
e como fomentadora do acesso desses sujeitos aos serviços necessários. Na
grande maioria das vezes são os familiares que buscam medicamentos, dão
abertura em processos de BPC, de auxílio doença, ou TFD tornando-se parceiros
fundamentais para o auxílio na realização do trabalho e o acesso a direitos.
O processo de articulação da rede de apoio também é base fundamental para
a realização desse projeto. O continuo contato com instituições e serviços de
diferentes políticas que compõe a rede, foram essenciais para a superação de
determinantes sociais da saúde apresentados pelos sujeitos. Embora o trabalho
realizado tenha se dado principalmente com serviços da área da saúde, a
interlocução com a previdência social, com o transporte, instituições de auxilio ao
transplantado foram de grande importância para a promoção dos direitos sociais e
principalmente do direito à saúde.
Com relação à alta, infelizmente na prática grande parte dos serviços de
saúde ainda são norteados por um modelo focado na doença. Se os aspectos
biológicos dos sujeitos estão em perfeito funcionamento, não é mais necessário que
esses permaneçam no hospital, independente de suas condições de moradia ou se
terão acesso à medicação necessária para o pós-alta. A alta hospitalar é um
processo bastante complicado, que já foi abordado anteriormente, e procurou ser
pensado com os sujeitos durante a intervenção desde o início do período de
internação, visando o acesso aos bens e serviços que são necessários para o pós-
transplante, o que possibilitou, em algumas situações, a concomitância entre alta
social e alta médica.
Durante a execução do projeto de intervenção, obtivemos o alcance de
resultados bastante consideráveis. No período de oito meses de execução do
projeto de intervenção podemos afirmar que houve uma intervenção efetiva nos
determinantes sociais da saúde de quinze (15) usuários. Dez desses usuários foram
atendidos no período em que estavam internados para a realização do transplante
renal, sendo que o primeiro contato com alguns se deu no ambulatório de nefrologia,
e cinco participaram do projeto de intervenção por estarem re-internando no hospital.
Cabe ressaltar que um número maior de sujeitos foi atendido durante o
período de realização do estágio. Entretanto, para a realização dessa monografia
damos maior enfoque nos atendimentos com os usuários que ocorreram durante um
67
maior período de tempo, possibilitando dar maior visibilidade para a intervenção.
Como os atendimentos se deram de forma individual, cada intervenção se deu de
forma particular, com demandas diferentes, determinantes sociais da saúde
diferentes e resultados diversos. Como seria impossível contar a história completa
de cada sujeito, elaboramos quadros com as características de cada um e resumos
das intervenções realizadas. Entendemos que dessa maneira damos maior
visibilidade para o trabalho realizado. Salientando também que os nomes dos
usuários foram preservados por motivos éticos. A cada usuário atribuímos um nome
fictício que contempla algum personagem da literatura brasileira.
Quadro 01: Usuários5 Transplantados que foram Acompanhados Durante o
Período de Internação.
5 Nomes fictícios.
Usuário Idade Gênero Procedência Resumo da Intervenção
1 Rodrigo 54 anos Masc. Santana do
Livramento - RS
Intervenção relativa ao acesso da familiar
acompanhante a um local para ficar durante a
internação do usuário, auxiliando no
fortalecimento dos vínculos entre usuário e
familiar.
2 Sérgio 34 anos Masc. Pelotas - RS Intervenção relativa a orientações e
encaminhamentos do usuário para acesso
beneficio previdenciário auxílio doença, bem
como orientações ao direito a medicação pelo
SUS. A familiar do usuário também conseguiu
acessar um local para permanecer em POA
durante a internação do mesmo.
3 Gabriela 54 anos Fem. Palmeira das
Missões - RS
Intervenção relativa ao fortalecimento de
vínculos entre a usuária e a família, além de
concessão de auxílio que contribuiu para os
familiares permanecerem no leito auxiliando a
usuária nos cuidados.
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Fonte: A autora. Dados sistematizados a partir da análise dos Diários de Estágio.
4 Policarpo 54 anos Masc. Criciuma - SC Intervenção relativa à orientação ao direito ao
TFD – Tratamento Fora de Domicílio e
encaminhamento para abertura do processo do
mesmo, além de trabalho de fortalecimento dos
vínculos familiares.
5 Fabiano 62 anos Masc. Criciuma - SC Intervenção relativa à orientação e
encaminhamento acerca do direito ao TFD.
6 José 64 anos Masc. Porto Alegre - RS Intervenção relativa principalmente a orientação
dos cuidados pós- transplante.
7 Bentinho 29 anos Masc. Cachoeirinha - RS Intervenção relativa a orientações e
encaminhamentos do usuário para acesso
beneficio previdenciário auxílio doença (não
estava recebendo).
8 Iracema 53 anos Fem. Navegantes - SC Intervenção relativa às condições de moradia da
usuária que se mostravam inadequadas;
Fortalecimento dos vínculos familiares e
responsabilização da família nos cuidados da
usuária (foi morar com o filho), melhorando suas
condições de moradia. Orientações sobre
abertura do processo de TFD.
9 João 58 anos Masc. Sangão - SC Intervenção relativa às dificuldades financeiras
enfrentadas pela familiar do usuário para se
manter em POA; Orientação e encaminhamento
para abertura do processo de TFD.
10 Clarissa 62 anos Fem. São Gabriel - RS Intervenção relativa às condições de moradia da
usuária que se mostravam inadequadas;
articulação da rede de apoio da usuária bem
como fortalecimento dos vínculos familiares.
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Quadro 02: Usuários6 que sofreram re-internação após a realização do
transplante e foram acompanhados no período de internação.
6 Nomes fictícios.
Usuário Idade Gênero Procedência Resumo da Intervenção
1 Quincas
Borba
17 anos Masc. Porto Alegre Usuário sofreu rejeição em dois transplantes.
Intervenção relativa ao encaminhamento para
a rede de apoio. Encaminhamentos para a
UBS de referência para continuar atendimento
com o Serviço Social e com a Psicologia
(Intervenção realizada de forma multidisciplinar
com a psiquiatria) e encaminhamento para
utilizar o transporte social para dar
continuidade às seções de hemodiálise.
Trabalho de fortalecimento de vínculos entre
usuário e a familiar (mãe).
2 Basílio 43 anos Masc. Porto Alegre Usuário sofreu diversas re-internações ao longo
de 2009. Não sofreu rejeição do órgão. Trabalho
de fortalecimento de vínculos entre usuário e
familiares, principalmente com o filho.
Encaminhamentos para a rede de apoio a
confecção de passe livre gratuito (usuário é
deficiente visual) além de orientação a usuário e
familiar sobre as medicações necessárias.
Trabalho multidisciplinar com a psicologia.
3 Brás
Cubas
13 anos Masc. Teutonia - RS Usuário sofreu algumas re-internações no
período de 2009 e 2010. Realizou-se um
trabalho de orientação acerca dos cuidados pós-
transplante e planejamos uma interlocução com
a secretária da saúde do município para uma
visita domiciliar e maiores orientações, mas
usuário teve alta antes.
4 Carolina 57 anos Fem. Porto Alegre - RS Usuária sofreu re-internação no ano de 2009.
Constatou-se que a usuária residia em local com
condições inadequadas de higiene e que não
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Fonte: A autora. Dados sistematizados a partir da análise dos Diários de Estágio.
Com base nos quadros, podemos afirmar que os principais determinantes
sociais da saúde apresentados pelos sujeitos referiam-se à renda, às condições de
habitação inadequadas, à desinformação sobre direitos dos usuários da saúde,
dificuldade de acesso a medicamentos e a fragilidade de vínculos entre usuários e
seus familiares. A intervenção nos aspectos relativos à renda se deu principalmente
na orientação e encaminhamento de usuários e familiares aos serviços da rede de
apoio da previdência e assistência social. No caso de usuários advindos de Santa
Catarina, muitos desconheciam o direito ao TFD – Tratamento Fora de Domicilio.
Esse benefício é garantido pelo SUS aos usuários que realizam tratamento fora do
seu estado de origem e que garante o recebimento de passagens áreas ou de
ônibus e o recebimento de um valor referente às diárias dos usuários e seus
familiares. Foi necessário, em algumas situações, que encaminhássemos já no
período de internação dos sujeitos a documentação necessária para que pudessem
receber o beneficio.
Em relação às condições inadequadas de moradia, o trabalho de interlocução
com as secretárias de saúde dos municípios e com as unidades básicas de saúde
foi de grande importância. Obtivemos bons resultados com os contatos realizados
com essas instâncias que auxiliaram na avaliação da moradia e orientação sobre
cuidados de higiene diretamente na casa dos sujeitos. As secretárias realizaram
estava realizando o tratamento de forma correta.
Trabalho de fortalecimento de vínculos entre
usuária e os familiares. Após esse trabalho a
filha responsabilizou-se pela mãe levando-a para
morar em sua casa. Trabalho de orientação
sobre os cuidados pós-transplante.
5 Emília 54 anos Fem. Tubarão - SC Intervenção relativa à orientação da usuária
acerca do direito ao TFD – Tratamento Fora de
Domicílio. Além disso, procuramos fortalecer os
vínculos entre usuária e familiares, uma vez que
não se encontrava acompanhada no hospital.
71
encaminhamento de profissionais que orientaram diretamente os usuários ou seus
familiares. Um bom exemplo dessa interlocução é a situação de Emília, apresentado
no quadro um.
Os determinantes sociais da saúde referentes à dificuldade de acesso a
medicações e o desconhecimento dos direitos dos usuários do SUS geralmente se
apresentavam juntas. Grande parte dos usuários desconhecia os procedimentos
necessários para retirada de medicações na farmácia de medicamentos especiais
do Estado ou como retirar os medicamentos necessários em seus municípios de
origem. Realizamos então um trabalho de orientação, começando sempre pela
perspectiva de saúde enquanto direito social e depois esclarecendo como os
sujeitos poderiam acessar os mais diferentes serviços.
O fortalecimento de vínculos entre os sujeitos e seus familiares não é uma
situação fácil de intervir. Mas, como dito anteriormente, entendemos a família como
peça fundamental para o auxilio na continuidade do tratamento dos sujeitos. Em
nossa intervenção procuramos convidar a família, na medida de suas possibilidades,
para acompanhar o período de internação dos usuários, bem como prestar
orientações a eles sobre os cuidados necessários dos sujeitos no período de alta.
Medidas simples auxiliaram no processo de participação da família como, por
exemplo, informar e encaminhar os sujeitos de um local para ficarem em Porto
Alegre durante o período de internação de seus familiares. Isso bem se exemplifica
na situação do usuário Sérgio, apresentada no primeiro quadro.
O processo de conhecimento e reenvindicação dos direitos dos usuários do
SUS é um dos objetivos específicos propostos para a intervenção. Compreendemos
que, para que os usuários identifiquem e reivindiquem seus direitos, é necessário
que primeiramente conheçam que direitos são esses. Durante todo o processo de
realização de estágio procuramos informar os usuários e seus familiares sobre os
direitos que possuíam tanto no âmbito da saúde, através do Sistema Único de
Saúde, quanto direitos referentes a outras políticas públicas e sociais. Isso pode ser
evidenciado a partir do seguinte fragmento de um Relatório Descritivo Processual:
[...] Estagiária: Então dona R. M. como eu havia falado eu sou estagiária do serviço social, eu vou estar fazendo algumas perguntas pra Sra. sobre o
72
seu marido, sobre como vocês estão se organizando pra ficar aqui, sobre o TFD...
Familiar do Usuário: O que é TFD? Eu até já ouvi falar, mas sempre era ele (referindo-se ao marido) que via todas essas coisas e antes da gente vir ele disse que não dava...
Estagiária: TFD é o Tratamento Fora de Domicilio. O SUS garante que quando vocês vão realizar o tratamento fora do município de origem de vocês, vocês recebam um valor de diárias para que vocês possam se manter aqui [...] (RAMON, 23 / 09 / 2009).
Embora tenhamos tido um esforço incansável na orientação dos usuários
acerca dos direitos dos usuários do SUS e das demais políticas sociais, apenas um
sujeito manifestou verbalmente que possuía o entendimento de seus direitos.
Bentinho manifestou grande indignação por não estar conseguindo acessar o direito
ao beneficio previdenciário auxílio doença durante o período de internação,
reiterando inclusive que estava com um direito seu sendo negado (RAMON, 2009).
Entendemos que o processo de verbalização e de reivindicação de direitos requer
que tenhamos “paciência histórica”. Como esperar que a saúde, compreendida
como direito a pouco mais de vinte anos, rompa tão facilmente com décadas de
perspectiva de benesse? É necessário que continuemos trabalhando com os
sujeitos a partir de uma perspectiva educativa e informativa que reforça o
entendimento de saúde enquanto direito social primordial para a manutenção da
vida humana.
Outros dois objetivos elaborados para a intervenção se referiam ao acesso
por parte dos usuários e dos familiares aos bens, serviços e direitos que compõe a
rede social. Esses bens, serviços e direitos poderiam estar ou não diretamente
ligados ao transplante. Dos quinze usuários acompanhados oito (Rodrigo, Sérgio,
Policarpo, Bentinho, Iracema, Clarissa, Quincas Borba e Basílio) acessaram os
serviços da rede de apoio. Dos sete usuários que não realizaram esse acesso, três
(José, João e Emília) foram orientados sobre o direito que tinham (nas três
situações direito ao TFD) e informaram que, quando voltassem ao município de
origem procurariam acessá-lo. Os outros quatro (Gabriela, Fabiano, Brás Cubas e
Carolina) não acessaram, pois em suas demandas essa solicitação não estava
presente.
73
Com relação aos usuários que sofreram re-internações, um dos objetivos
propostos para intervenção, indicava que os sujeitos deveriam acessar os serviços
da rede de apoio com vistas à superação dos determinantes sociais da saúde que
os levavam a retornam ao hospital. Entendemos que Quincas Borba e Basílio, os
dois usuários que acessaram a rede de apoio ainda no período de desenvolvimento
do projeto, conseguiram superar algumas das adversidades que se tornavam
dificultadores para a continuidade de seus tratamentos e acesso a saúde. Embora
ambos apresentassem outras vulnerabilidades, durante a realização do estágio
conseguimos que estes continuassem comparecendo ao hospital, após a alta, para
darem continuidade aos seus tratamentos.
Com Quincas Borba, enfrentamos as particularidades de se trabalhar com
um adolescente que, por constantemente passar por situações de internação
hospitalar, se encontra em uma condição diferenciada da maior parte dos sujeitos
que estão nessa idade. Foi possível trabalhar com esse jovem novas perspectivas
de futuro, ideais, a possibilidade de continuar estudando, enfim, pensar com ele
aspectos que vão para além das quatro paredes de um leito de hospital e que
permeia o cotidiano de todo adolescente. Durante o estágio orientamos que ele e
sua mãe a procurarem, após a alta, um curso gratuito de informática, que foi
solicitado pelo próprio adolescente.
O acesso dos sujeitos a rede social foi essencial para a superação dos
diferentes determinantes sociais da saúde que os mesmos apresentavam.
Conforme refletimos ao longo de toda essa monografia, somente a partir do fomento
de práticas intersetoriais é possível que os usuários acessem os diversos serviços à
que tem direito e conseqüentemente possam diminuir as iniqüidades em saúde.
Cabe salientar, contudo, que conforme afirma Vasconcelos a existência de direitos
não é suficiente para garanti-los:
A existência de um direito social não determina que se tenha acesso a ele como tal. O direito existe formalmente mas, dependendo da forma como se usufrui dele, transforma-se num objeto de favor, doação, constrangimento, troca... O acesso a um recurso por um cidadão – um sujeito social – crítico, consciente é o que transforma o direito formal em direito real (VASCONCELOS, 1997, p. 134).
74
Dessa maneira temos assim um ciclo que se forma: não basta somente que
os sujeitos acessem os serviços e as políticas sociais. É necessário que estes
sujeitos tenham o pleno entendimento do que são os direitos sociais. É preciso que
fiscalizem, cobrem, opinem, reclamem-nos seus direitos nas diferentes locais em
que eles são executados. É dever dos profissionais, dos movimentos sociais, dos
diferentes grupos de defesa de direitos se tornarem co-participes nesse processo de
disseminação do conhecimento, enquanto “arma” fundamental para o processo
reivindicatório. Em nossa proposta de intervenção, nos propomos a isso. Não tão
somente encaminhar os sujeitos para o acesso dos serviços a que tinham direito,
mas, principalmente, esclarecer a elas os direitos dos usuários do SUS acreditando
na informação como ferramenta para a garantia de direitos.
Entendemos que o produto que alcançamos com a prática realizada nada
mais é que o objeto de intervenção transformado. Quando iniciamos a intervenção,
tínhamos como norte o seguinte objeto reelaborado: identificação do não acesso a
pressupostos materiais que possam se tornar impeditivos ou levar ao adiamento do
transplante e/ou favorecer o processo de rejeição do órgão transplantado, exigindo
para isso o fomento de ações que garantam o acesso desses sujeitos a esses
pressupostos.
Tendo por base os dados e as intervenções com os sujeitos aqui expostas e
estabelecendo relação entre o objeto que nos propormos transformar pode-se dizer
que o produto do nosso trabalho foi a diminuição de algumas das adversidades
vivenciadas pelos sujeitos em seus cotidianos e que se tornavam impeditivos ou
contra indicações para o transplante ou que os levavam a re-internar. A diminuição
dessas adversidades se deu a partir do acesso desses sujeitos aos serviços da rede
de apoio e do fortalecimento de vínculos familiares. Dessa forma é possível afirmar
que os objetivos específicos um e dois do projeto de intervenção, citados
anteriormente, foram alcançados o que resultou no alcance parcial do objetivo geral
proposto.
Entendemos que para o alcance pleno do objetivo geral do projeto de
intervenção seria necessário um maior tempo para sua execução, além de uma
maior ênfase para o alcance do objetivo especifico que se refere a problematização
junto aos sujeitos sobre os direitos dos usuários do SUS. Ressaltamos que o projeto
75
de intervenção teve outros produtos não esperados como, por exemplo, uma maior
visibilidade da atuação do Serviço Social na unidade de Nefrologia / Transplante e
uma maior participação do serviço social em locais onde antes não se inseria como
os ambulatórios de nefrologia. Por fim, entendemos que o trabalho que foi realizado
pode e deve ter continuidade, pois, apesar das adversidades enfrentadas, o projeto
de intervenção, ao nosso ver, foi totalmente ao encontro da realidade dos sujeitos
atendidos e contemplou a demanda da organização.
76
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
As considerações finais de uma monografia de conclusão de curso vão para
além do fechamento das idéias do trabalho em si. Esse é um momento de síntese
de uma trajetória de formação profissional de quatro anos que nos permitiu
constantemente modificar nossos ideais, nossos conhecimentos e nosso
entendimento de mundo. Foi possível apreender a raiz dos processos de
desigualdade dessa sociedade e para, além disso, propomo-nos a intervir nessa
realidade, porque entendemos que ela pode ser diferente e deve ser transformada.
O entendimento de saúde e a maneira como esse direito se operacionaliza
tem sofrido constantes transformações na sociedade brasileira. O SUS
constitucional certamente não está sendo executado em sua plenitude, contudo é
inegavelmente um avanço que exige dos profissionais e dos níveis de gestão, o
compromisso com seus princípios e com sua operacionalização, procurando assim
superar os desmontes sofridos por essa política devido ao projeto neoliberal.
Quando iniciamos nossa execução do projeto de intervenção de estágio
fundamentamos nossa proposta na defesa dessa política e no entendimento
ampliado de saúde. Entendemos ser fundamental que os sujeitos acessam bens e
serviços que tenham como direito e principalmente que esse acesso contribua para
o não adoecimento desses sujeitos. Em nossa intervenção e com a produção desse
trabalho de conclusão de curso, contribuímos com a política de saúde no processo
de promoção do conceito ampliado e na importância da superação dos
determinantes sociais da saúde, para o alcance pleno da saúde.
Entendemos que o assistente social deve reconhecer os determinantes
sociais da saúde enquanto manifestações de desigualdade e conseqüentemente
expressões da questão social quando realiza seu processo interventivo. Embora
essa temática já conte com algumas produções teóricas e até mesmo com uma
comissão nacional para sua discussão é necessário ainda que os profissionais da
saúde, entre eles, o Assistente Social, aprofunde a produção de conhecimento sobre
esse tema, principalmente através da sistematização de suas práticas de atuação
cotidianas, que servem de subsidio para a atuação de outros profissionais.
77
O fomento de práticas interdisciplinares e intersetoriais mostram-se, como
vimos essenciais para a superação dos determinantes sociais da saúde. Quando
ampliamos o olhar sobre os sujeitos, começamos a compreendê-los em suas
múltiplas demandas e necessidades. Reiteramos assim que apenas uma área do
saber ou apenas uma política nunca poderá dar conta de todos os aspectos que
implicam na existência dos usuários dos serviços. É necessário que os profissionais
e os serviços reconheçam suas limitações e acionem os serviços da rede que a
compõe com vistas à garantia dos interesses e direitos dos sujeitos atendidos.
O principal produto alcançado com o trabalho que realizamos na unidade de
nefrologia / transplante foi a diminuição das adversidades vivenciadas pelos sujeitos
em seus cotidianos e que se tornavam impeditivos ou contra indicações para o
transplante a partir do acesso desses sujeitos aos serviços da rede de apoio e o
fortalecimento de vínculos familiares. Entendemos que essa intervenção e
superação nos determinantes sociais da saúde, por parte dos sujeitos, auxiliou
positivamente no alcance pleno ao direito à saúde pelos sujeitos atendidos.
Nossa intervenção possibilitou também o alcance de produtos não esperados
como, por exemplo, a maior inserção do serviço social da organização em espaços
que antes não ocupava tanto como os ambulatórios de nefrologia. A ampliação do
trabalho multidisciplinar desenvolvido e a realização de algumas ações
interdisciplinares também são compreendidos por nós como um produto não
esperado e que vem para fortalecer a interação entre a equipe, algo que beneficia
plenamente os serviços prestados aos usuários.
A realização do estágio e o aprofundamento teórico sobre essa temática
representou grande crescimento e amadurecimento profissional para a autora. Essa
experiência nos exigiu que constantemente criássemos estratégias que nos
possibilitaram realizar nosso trabalho de forma compromissada com a classe
trabalhadora, sem fugir dos objetivos da instituição, tendo como norte o projeto ético-
político da profissão. Foi necessário também desenvolver um olhar atento às
possibilidades presentes na realidade com vistas à superação das dificuldades e a
execução dos nossos objetivos. Para isso, foi necessário que reuníssemos o
conhecimento adquirido ao longo da graduação e o aprimoramento das
competências técnico-operativa, ético-politica e teórico-metodológica.
78
Entendemos, a partir da perspectiva dialética, que tudo é um eterno
recomeço. Apresentamos aqui uma síntese do nosso processo de formação
profissional, enfocando as particularidades de se atuar na área da saúde, em uma
organização hospitalar, em uma unidade de nefrologia/transplante e intervindo nos
determinantes sociais da saúde. Esse é o primeiro recorte de realidade que
ousamos transformar. Atuaremos em outros recortes da realidade, com outros
sujeitos, em outras políticas sempre, tendo em vista nossos compromissos
profissionais. Esse foi só o primeiro passo de uma estrada repleta de desafios onde
o desafio final, de todos nós, é contribuir para a construção de uma sociedade
menos desigual.
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86
ANEXOS
87
ANEXO A
PÔSTER COM OS RESULTADOS DO PROJETO DE INTERVENÇÃO
ACOMPANHAMENTO DOS RECEPTORES E DOADORES CANDIDATOS A
TRANSPLANTE RENAL JUNTO A UNIDADE DE NEFROLOGIA: UMA
PROPOSTA DE INTERVENÇÃO DO SERVIÇO SOCIAL.
88
89
ANEXO B
CERTIFICADO DE APRESENTAÇÃO DO PROJETO DE INTERVENÇÃO
90