Trabalho de Saúde Ocupacional I

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BAGAÇOSE Açucar é um nutriente de fundamental importância à saúde. O nosso organismo produz úc ar tran sf or mando carboidratos em monômeros, de nominad os de monossacarídeos que, de pronto, são absorvidos pelo corpo humano. Do ponto de vista industrial o açúcar é produzido pelo processamento da beterraba, algumas frutas e mais comumente da cana de açúcar, originária da China, Índia e NovaGuiné há mais de 8000 anos. Atualmente, cerca de 127 países cultivam a cana de açúcar e o Brasil é o líder dos produtores mundiais. Os números estampam uma atividade agroindustrial geradora de muita riqueza para o país, porém, apresenta também suas mazelas na forma de acidentes do trabalho e doenças ocupacionais. As doe as res pir atórias, de ori gem oc upa cional tendem a ser ign ora das na medida que os sintomas se confundem com os de enfermidade comuns, tais como asma, bronquite, pneumonia. A ca rac ter izaçã o dos riscos ambientais que agridem as via s respiratórias requerem estudos ambientais apurados e equipamentos sofisticados além, obviamente, de pessoal técnico especializado. Bagaçose é uma do ea ocupacional associada às poeira s vegetais, especialmente as do bagaço de cana de açúcar, mas que também pode ocorrer entre agricultores de cogumelos e em certas atividades das indústrias produtoras de papel e celulose. A bagaç ose tem sid o descri ta como uma pneumoni a de hipersensibilidade e caracterizada por inflamações mononucleares dos brônquios e alvéolos, originada pela ação bacterial das endotoxinas. Não há inf orm açõ es téc nicas abundantes nem tão pouco dados estatí sti cos suficientes sobre a bagaçose, mas sabe-se que a doença já provocou a morte de inúmeros trabalhadores do setor. Esse vazio pode ser parcialmente atribuído à baixa produção de açúcar nos países ricos, onde se concentram o maior números de agências de pesquisa no mundo. Fica difícil justificar ao contribuinte norte americano ou europeu que uma parcela dos impostos es sendo aplicada em es tudos de problemas relacionados à sa úde de tr abalha dore s es trange ir os. Por ou tro lado, os ma ior es produtores mundiais, incluindo o Brasil, pouco têm evoluído cientificamente na área de saúde ocupacional, embora tenham obtido ava nços notáve is na te cnologi a suc roalcooleira. Mas, isso é um problema que revela a histórica desvaloriz açã o do trabalhador rural. Bagaçose tem sido descrita como uma pneumonia de hipersensibilidade e caracterizada por inflamações mononucleares dos brônquios e alvéolos, originada pela ação bacterial das endotoxinas. O primeiro relato da bagaçose como doença ocupacional data de 1941, mostrando que se tr at a de uma descober ta rece nt e comp ar ad a à silicose, bissinose e outros problemas respiratórios. Dados de 1958 mostram que quatro trabalhadores morreram em um grupo de 53 pacientes diagnosticados com essa doença, enquanto que em 1969 uma revisão de literatura sobre a matéria apontou 600 casos, sendo 500 de Louisiana (EUA), onde se concentra a segunda maior produção norte americana de cana-de-açúcar. Já em 1986, a produ ção exp osta ao ri sco de bag aços e nos EUA, era de 50 00 trabalhadores. Até no Japão, país não produtor de cana de açúcar , foram identificados 1 1casos suspeitos de bagaçose em refinarias de açúcar. Há também registros de pessoas indiretamente expostas às poeiras, tais como esp os as de tra balhadore s, além de agricultores de cogumelos, criadores de bicho da seda, operários de fábrica de papel, etc. Mais de 50 mil trabalhadores americanos morreram entre 1987 e 1996, vitimados por pneumonia de

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BAGAÇOSE

Açucar é um nutriente de fundamental importância à saúde. O nosso organismoproduz açúcar transformando carboidratos em monômeros, denominados demonossacarídeos que, de pronto, são absorvidos pelo corpo humano. Do ponto de vistaindustrial o açúcar é produzido pelo processamento da beterraba, algumas frutas e maiscomumente da cana de açúcar, originária da China, Índia e NovaGuiné há mais de 8000anos. Atualmente, cerca de 127 países cultivam a cana de açúcar e o Brasil é o líder dosprodutores mundiais.

Os números estampam uma atividade agroindustrial geradora de muita riquezapara o país, porém, apresenta também suas mazelas na forma de acidentes do trabalho edoenças ocupacionais.

As doenças respiratórias, de origem ocupacional tendem a ser ignoradas namedida que os sintomas se confundem com os de enfermidade comuns, tais como asma,bronquite, pneumonia. A caracterização dos riscos ambientais que agridem as viasrespiratórias requerem estudos ambientais apurados e equipamentos sofisticados além,obviamente, de pessoal técnico especializado.

Bagaçose é uma doença ocupacional associada às poeiras vegetais,especialmente as do bagaço de cana de açúcar, mas que também pode ocorrer entreagricultores de cogumelos e em certas atividades das indústrias produtoras de papel ecelulose.

A bagaçose tem sido descrita como uma pneumonia de hipersensibilidade ecaracterizada por inflamações mononucleares dos brônquios e alvéolos, originada pelaação bacterial das endotoxinas.

Não há informações técnicas abundantes nem tão pouco dados estatísticos

suficientes sobre a bagaçose, mas sabe-se que a doença já provocou a morte deinúmeros trabalhadores do setor. Esse vazio pode ser parcialmente atribuído à baixaprodução de açúcar nos países ricos, onde se concentram o maior números de agênciasde pesquisa no mundo. Fica difícil justificar ao contribuinte norte americano ou europeuque uma parcela dos impostos está sendo aplicada em estudos de problemasrelacionados à saúde de trabalhadores estrangeiros. Por outro lado, os maioresprodutores mundiais, incluindo o Brasil, pouco têm evoluído cientificamente na área desaúde ocupacional, embora tenham obtido avanços notáveis na tecnologiasucroalcooleira. Mas, isso é um problema que revela a histórica desvalorização dotrabalhador rural. Bagaçose tem sido descrita como uma pneumonia de hipersensibilidadee caracterizada por inflamações mononucleares dos brônquios e alvéolos, originada pelaação bacterial das endotoxinas.

O primeiro relato da bagaçose como doença ocupacional data de 1941, mostrandoque se trata de uma descoberta recente comparada à silicose, bissinose e outrosproblemas respiratórios. Dados de 1958 mostram que quatro trabalhadores morreram emum grupo de 53 pacientes diagnosticados com essa doença, enquanto que em 1969 umarevisão de literatura sobre a matéria apontou 600 casos, sendo 500 de Louisiana (EUA),onde se concentra a segunda maior produção norte americana de cana-de-açúcar. Já em1986, a produção exposta ao risco de bagaçose nos EUA, era de 5000 trabalhadores.Até no Japão, país não produtor de cana de açúcar, foram identificados 11casos suspeitosde bagaçose em refinarias de açúcar. Há também registros de pessoas indiretamenteexpostas às poeiras, tais como esposas de trabalhadores, além de agricultores decogumelos, criadores de bicho da seda, operários de fábrica de papel, etc. Mais de 50 miltrabalhadores americanos morreram entre 1987 e 1996, vitimados por pneumonia de

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hipersensibilidade e doenças crônicas obstrutivas dos pulmões, o que significa exposiçãoocupacional às poeiras vegetais contendo bactérias, fungos etc.

Para entender melhor a bagaçose no contexto da agroindústria sucroalcooleira,segue adiante uma descrição sucinta do processo industrial, baseada em vários artigosnacionais e internacionais divulgados na Internet:

PROCESSO INDUSTRIALO cultivo da cana-de-açúcar é planejado visando permitir colheitas em três

diferentes períodos, conforme o estágio de maturidade da planta e, historicamente, após autilização de fogo para queimar a folhagem, vegetação de pequeno porte e espantar cobras. A queimada é uma paisagem típica na agricultura e tem sido objeto depermanente debate nos meios de comunicação. Leis mais recentes têm forçado amecanização da lavoura para evitar que fumaça, fuligem e gases tóxicos causemproblemas à saúde pública, acidentes rodoviários e danos ao meio ambiente.A canacortada é transportada imediatamente para usinas de açúcar e álcool por caminhões degrande porte que circulam dia e noite. Já nas usinas, a cana é primeiramente levada ecortada em segmentos menores, seguindo, então, para os desfibradores e moendas. Asmoendas geralmente são formadas por ternos que significam conjuntos de 3 rolos.Umprocesso de moagem pode abrigar de 4 a 7 ternos para assegurar excelente extração desuco de cana-de-açúcar, estimada entre 94 e 97% e deixando o bagaço com cerca de50%de umidade.O rendimento da cana de açúcar depende muito da espécie cultivada,porém, os números mostram que no caldo misto (obtido esmagamento e embebição deágua) há cerca de 15% de açúcar e 1 ou 2% na fibra residual (bagaço). De um lote de 100toneladas de cana , podem ser extraídas 10 toneladas de açúcar e 25 a 30 toneladas debagaço.O suco da cana-de-açúcar é a parte nobre da matéria-prima na produção deaçúcar,álcool e aguardente (pinga), e por isso, um trabalho de filtragem deve ser feito comoobjetivo de reter impurezas tais como terra, fibras menores e extratos verdes de outrasplantas.

AÇÚCAR

Na produção do açúcar, o suco é misturado com hidróxido de cálcio, enxofre eaquecido até o ponto de ebulição. Essa técnica elimina compostos de ácidosorgânicos,sendo que o enxofre permite clarear o produto. Filtragem, evaporação eaquecimento permitem obter um xarope que é cristalizado depois de algumas horas. Oaçúcar, como é vendido ao consumidor, passa ainda por etapas de “acabamento” taiscomo centrifugação,refinamento, descolorização e recristalização.

ÁLCOOL

Para produzir álcool combustível ou etanol, o suco da cana passa por um processo defermentação, normalmente induzido por substâncias químicas e tecnologia sofisticada que reduzem otempo de espera. Usinas de grande porte possuem pré-fermentadores funcionando em série. Umtanque de fermentação pode ter um volume de 400 mil litros e depois de 6 a 8 horas reação pode-seobter de 9,5 a 12% de álcool por volume. A parte final do processo é a destilaria que reduz a quantidadede água.

AGUARDENTE

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A cachaça, ainda pouco conhecida no exterior, é uma bebida com maior teor de álcool e deconsumo bem brasileiro, já que 99% da produção são destinados ao mercado interno. Háaproximadamente quatro mil marcas diferentes de pinga e juntas representam 1 bilhão de litros deaguardente por ano. O processo de fabricaçãoé similar ao do etanol, mas a fermentação écuidadosamente para dar à bebida um gosto peculiar. Cada fabricante desenvolve a sua própria receita

e isso pode incluir adição defrutas, ervas e outros elementos.A fase final é a destilação, feitas emdestiladores de coluna, construídos de cobre ou aço inox. O suco fermentado é aquecido até aevaporação, porém a primeira porção (cabeça) é geralmente descartada por conter elementosindesejáveis tais como metanol, assim como a terceira e última (cauda) por ter baixo teor alcoólico. Aparte aproveitada para consumo é chamada de “coração” e corresponde a 80% do total destilado.Algumas indústrias de bebidas engarrafam a pinga imediatamente, outras preferem deixar a cachaçaem recipiente de madeira para envelhecimento.

O BAGAÇO

O bagaço da cana-de-açúcar é considerado o maior resíduo da agriculturabrasileira,gerando um volume estimado entre 5 a 12 milhões de toneladas por ano e quecorresponde a 30% de toda a cana moída. Desse montante, boa parte (60 a 90%) éaproveitada como combustível em caldeiras para geração de energia elétrica, emsubstituição à queima de madeira.O bagaço pode ainda ser consumido em fábricas depapel, indústrias químicas, construção, alimentação de animais, etc. Mesmo sendo umresíduo bem aproveitável, calcula-se que cerca de 10 a 30% do volume gerado sãoperdidos.

ENDOTOXINAS

Durante o processamento da safra da cana-de-açúcar o bagaço fica empilhado emgrande quantidade, enquanto aguarda ser consumido nas caldeiras geradoras de energiaou retirado para algum outro destino. No interior dessa massa a temperatura e umidadese mantem em níveis relativamente elevados, proporcionando um ambiente favorável àproliferação de microorganismos, neste caso os Thermoactinomyces Sacchari,provedores de endotoxinas. As endotoxinas são complexos termicamente estáveisformados por proteínas e liposacarídeos, substâncias tóxicas liberadas das paredescelulares de bactérias mortas, principalmente as denominadas de Gram-negativas (30 a50 nm de diâmetro). A geração de endotoxinas se dá por diferentes espécies demicroorganismos, os quais são encontrados em várias atividades da agroindústria.

Os principais sintomas da Bagaçose são calafrios, febre, tosse seca, mal-estar e,após repetidas exposições, o trabalhador apresenta respiração ofegante e perda de peso.Por não serem sinais peculiares nos diagnósticos médicos, principalmente quando aatividade profissional do paciente é ignorada, resultando também em registros estatísticosfalsos sobre o assunto.

Prevenção

Medidas importantes devem ser adotadas conhecendo-se ou não aconcentração doscontaminantes.

Uma das grandes dificuldades na prática da Higiene Ocupacional é a adoção de medidas decontrole com base em dados quantitativos dos contaminantes atmosféricos.Normalmente, as técnicas de medição são onerosas, exigem pessoal especializado e

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tomam certo tempo. São os “ossos do ofício”, mas não servem como justificativas paradescartar a avaliação ambiental dos locais de trabalho.O bom senso, porém deve orientar o prevencionista na adoção de medidas de controle que são óbvias e eficazes emqualquer tempo, mesmo quando são desconhecidas as concentrações dos contaminantesatmosféricos.

Abaixo são dados alguns exemplos de prevenção para a poeira da cana-de-açúcar e outros, sujeitos à proliferação das endotoxinas poderem ser minimizados:

Redução do Volume Estocado – o tempo de estocagem do bagaço de cana-de-açúcar,amontoado durante o período de moagem deve ser bem reduzido aomáximo possívelpara evitar a proliferação de microorganismos.

Melhoria das condições de armazenamento – se bagaço, cereais e outros tipos devegetais são estocados em depósitos, armazéns ou silos, a ventilação nesses locais devecontribuir para redução da umidade e temperatura do ar, pois são fatores críticos naproliferação de fungos e bactérias.

Radiação – com graves efeitos secundários o uso de radiação gama,como meio deesterilização de produtos vegetais, merece ser estudado e adotado com todas as reservaspossíveis.

Proteção respiratória – o uso de máscaras contra pó é sempre uma medidacomplementar recomendável, desde que adequadamente recomendada e aprovada parapartículas inferiores a 0.3m de diâmetro aerodinâmico.

Educação – treinamento é sempre uma regra prioritária na adoção de medidas decontrole. Trabalhadores bem informados e consciente dos riscos existentes nos locais detrabalho são os que apresentam menor índice de acidentes e doenças ocupacionais.

Máquinas de transporte – De preferência devem estar equipaas com cabines e ar condicionado, assim o operador não será afetado com as partículas do bagaço.

A problemática da exposição ocupacional às poeiras vegetais é uma matéria poucoexplorada pelos prevencionistas, mesmo em países historicamente avançados nasquestões de Segurança e Saúde do trabalhador. Poucos têm-se dado conta dos

microorganismos aero transportados pelas partículas em suspensão no ar que podem ser alojadas nos sistemas respiratórios.O Brasil é um dos maiores exportadores de grãos do mundo e sua agroindústria

tem apresentado excelentes índices de prosperidade. Isso significa que o contingente detrabalhadores nesse setor deve ser cada dia maior e haverá um conseqüente aumento nonúmero de expostos às poeiras vegetais. Isso permite estimar o desencadeamento demuitos problemas respiratórios e até fatalidades, com base nas estatísticas citadasanteriormente, mostrando milhares de mortes de trabalhadores causadas por pneumoniade hipersensibilidade e doenças crônicas obstrutivas dos pulmões.

A comunidade prevencionista brasileira deve também se preparar paradesenvolver técnicas médicas, normas de procedimentos, etc que permitam o

reconhecimento, avaliação e controle dos riscos ambientais associados aosmicroorganismos.Para os profissionais que têm se deparado com riscos da exposição ocupacional às

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poeiras vegetais, não só bagaço de cana-de-açúcar mas de grãos, fibras de algodão etc,recomenda-se uma revisão das técnicas de avaliação ambiental, incluindo metodologiasde identificação e quantificação das endotoxinas, sob pena de subestimarem os riscos àsaúde dos trabalhadores.