Trabalho - Educação

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3

Agradecimentos

Pela confiança, ajuda, amizade e orientação, devo agradecer a Maria Isabel D‟Agostino

Fleming: pessoa sensível que me apoiou em momentos difíceis durante todo o trabalho e teve

paciência em fazer as inúmeras correções dos erros que um aprendiz, como eu, sempre comete.

Para minha família, que soube conviver comigo, com minhas insônias e com minhas pilhas

de livros e papéis espalhados pela casa, e por sempre me apoiarem, mesmo não sendo conhecedores

profundos dos meus estudos.

Para meu amigo Carlos Eduardo, pelas horas de discussão sobre este trabalho, pela amizade

de duas décadas, e pelo incentivo sempre presente.

Para o meu “bardo” amigo Ivan Luís que sempre me apoiou com seus palavrões carinhosos.

Para aqueles que, de alguma forma, tiveram contato com meu trabalho em seu processo de

formação, ouvindo minhas reclamações e minhas ansiedades. Obrigado, pois, especialmente, ao

Antônio Vieira, pelos vários cafés bebidos em conversas acadêmicas, à Daniela La Chioma, amiga

arqueóloga com quem tive o prazer de trabalhar junto, ao Danilo Demarque por sempre me ouvir

em muitas ocasiões, ao Denny Yang por me mostrar que a literatura muda vidas e ao Marcelo

Cândido pelo crédito e incentivos dados a minha pessoa.

Por fim, devo agradecer aos sorridentes olhos de Gláucia. Pelos momentos ótimos ao seu

lado: grande parte deste trabalho é culpa de seu incentivo.

A todos vocês, muito obrigado.

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4

SUMÁRIO

Apresentação

5

Introdução

6

I – A) Patrícios x Plebeus

8

I – B) Segunda Guerra Púnica: causas, conseqüências e questão agrária

11

I – C) A Cidade Romana

16

II – A) A Plebe

22

II – B) Plebs Urbana: livres, libertos (e escravos)

24

II – C) Política e Alimentação

28

III – A) Alguns materiais e algumas técnicas

33

III – B) Moradias: Domus e Insula

36

IV – A) O artesão

43

IV – B) O artesanato

45

V – A) A extração e o tratamento dos minérios

52

V – B) O trabalho em metais

57

VI – O trabalho em vidros

77

Conclusão

82

Fontes e Bibliografia

85

Figuras

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5

Apresentação

Antes mesmo de entrar na faculdade queria estudar História Antiga e Arqueologia: a paixão

por Roma me acompanha desde a infância. A oportunidade surgiu logo após ter concluído a

disciplina da arqueóloga Maria Isabel D‟Agostino Fleming no Museu de Arqueologia e Etnologia

da Universidade de São Paulo, em 2004. Na ocasião, procurei a professora e pedi orientação para

estudar a moradia da plebe urbana romana. Muito solícita, indicou-me livros sobre a temática e

passei a fazer o levantamento bibliográfico necessário para a formulação de um projeto de Iniciação

Científica. O tema mostrou que poderia ser mais bem abordado se fossem ampliados seus

horizontes, por isso, decidimos que o estudo do artesanato seria profícuo, uma vez que possui

ligação direta com as moradias romanas e a plebe que tanto desejava estudar. A elaboração do

projeto findou em 2006, ano que consegui o financiamento da minha pesquisa pela FAPESP. A

partir daí, redigi quatro relatórios (um por semestre) até o fim do meu trabalho em Junho de 2008.

O que se segue é a totalidade de minha Iniciação Científica. Com o título original de Plebs

Urbana na Roma Antiga (II a.C. – I d.C.): heterogeneidade, vida e trabalho, este trabalho tem

como objetivo caracterizar as diferentes camadas da plebe urbana romana e seus ofícios, bem como

indicar como os serviços dessa plebe chegavam à aristocracia por meio do estudo dos vestígios

materiais que a Arqueologia nos fornece. Com base nas fontes de época e na bibliografia

interpretativa dessas fontes são buscados recursos que esclareçam a relação entre ricos e pobres na

Roma Antiga, tendo como referência a vida de uma categoria plebéia em particular, os artesãos –

seu cotidiano, sua moradia e sua inserção política e econômica na sociedade romana – além da

explicação das principais técnicas empregadas no fabrico dos artesanatos (cerâmicas, metais e

vidros).

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Introdução

“Que beleza é essa que o artista luta por exprimir nas

lâmpadas de terracota?”

Em 1916, James Joyce publicou o livro do

qual essa frase foi retirada. Proferida por Stephen

Dedalus em Retrato do artista quando jovem, a oração

oriunda do espírito inquieto do rapaz irlandês para o

deão que atiça o fogo da lareira cabe perfeitamente ao

trabalho que se segue. Se a Idade Moderna trouxe a

separação nítida entre artesão e artista, cá não a

tomaremos. Estaremos mais preocupados em lidar com

a visão dos romanos sobre os próprios romanos. Visão

esta que não distingue trabalhos manuais: todos são

inferiores, embora, reconheça-se, são passíveis de

expressar agradabilidade aos olhos do homem. O

artesanato é feito pelo artesão, a arte é feita pelo artista;

o artesão trabalha a arte e o artista fabrica o artesanato

– aqui, são sinônimos, tal como eram na Antiguidade

Clássica. Admitindo a beleza existente em fragmentos

de terracota, devemos, pois, deixar de lado, por ora,

apenas o aspecto estético com o qual está preocupado o

jovem Dedalus (e o senso comum da população):

busquemos, agora, entender os porquês existentes na

ação de o artesão fabricar a lamparina de argila: por

que ele a fabrica? por que usa determinado material?

por que a técnica empregada é esta e não aquela? E

dentro dessas questões precisamos incluir o advérbio

onde: onde moravam os artesãos? onde trabalhavam?

onde comercializavam seus produtos?

O texto que redigimos tenta, em grande parte,

responder a essas indagações, mostrando a todo

instante a beleza advinda do vestígio material nem

sempre formoso com o qual o arqueólogo trabalha: na

maioria dos casos são fragmentos de cerâmica, metais

oxidados e vidros quebrados. Há, também, o concreto

inventado pelos romanos que perdura por séculos,

auxiliando-nos no estudo de suas moradias. Mais: por

se tratar de uma sociedade que possuía escrita

alfabética, acreditamos ser obrigatório o diálogo entre

suas fontes textuais e suas fontes materiais. O leitor

reparará que a dialética por nós estabelecida, por vezes,

tenderá à dicotomia. Textos e cultura material nem

sempre são compatíveis inteiramente entre si. Mas

temos de reconhecer a importância dos dois e saber que

cada conjunto carrega suas características próprias. A

escrita está imersa em ideologias e obedece a

propósitos claros. Talvez o melhor exemplo nesse

momento seja a redação que se lhe apresenta: o nosso

objetivo central é estudar a vida da plebe urbana

romana e o seu trabalho manual. O papel que tem agora

em mãos é a materialidade também fabricada com um

intento, o da venda por parte das indústrias. Ambos

atuam juntos: redigimos sobre o papel para um fim

comum, embora os dois tenham origens distintas.

Sendo assim, é notória a presença de obras de

autores antigos gregos e romanos. Sua importância

reside no fato de fornecerem rastros para o

entendimento do olhar romano sobre o seu mundo,

além de serem os testemunhos escritos mais próximos

que temos dos vestígios materiais escavados pela

Arqueologia. As fontes textuais foram responsáveis por

grande parte da atenção dada a este trabalho:

atentamente, lemos os autores que, de alguma maneira,

pudessem contribuir para o nosso objetivo. Separamos

os excertos e os analisamos, ajudados, também, pelo

levantamento bibliográfico realizado sobre a temática

abordada. Temos, então, formado o nosso arcabouço

para traçarmos o panorama da Parte I e da Parte II, a

preocupação com as origens da plebe romana em

contraposição ao patriciado, seus embates políticos, sua

atuação na política e na economia do mundo romano,

além do papel da alimentação como elemento

regulador dessa grande massa populacional sempre

pronta a reclamar os seus direitos. Ao optarmos por

recuar tanto no tempo, deixamos claro que, para se

entender o auge da produção artesanal – séculos I a.C.

a I d.C. – é necessário estudar o desenvolvimento da

camada social plebéia, ao invés de apenas elencarmos

breves tópicos que dariam conta do porquê de a plebe

urbana possuir determinada particularidade em um

determinado balizamento temporal. A forma como essa

plebe se distribuiu espacialmente em Roma aliou-se à

preocupação de se tentar delinear a figura do plebeu

frente ao liberto e ao escravo para estabelecer o

conjunto, um tanto heterogêneo, ao qual pertencia a

plebs urbana.

Da Parte III em diante, adentramos a cultura

material em si. Primeiramente, enfatizamos as

moradias. Distinguimos a domus da insula a fim de

ressaltar a diferença entre as casas dos ricos e as dos

menos abastados, pormenorizando os locais onde os

trabalhos eram realizados, transformados em oficinas.

A partir das residências, estabelecemos um contato

mais próximo com outras profissões, como a do

arquiteto – uma pessoa que necessitava de um

conhecimento mais abrangente do mundo ao seu redor

– e dos construtores de edifícios, ou seja, os

proletários, os “artesãos de casas” – trabalhadores que

possuíam a sabedoria e a habilidade próprias para erigir

de maneira correta e enfrentar qualquer desafio que se

lhes apresentasse. As diferenças entre as casas das

pessoas mais abastadas e daqueles que pouco tinham

eram um reflexo do quanto de artesanato existiria

dentro de cada tipo de moradia: os que podiam,

compravam artesanatos dos mais variados tipos para

ornamentar a casa e dar maior conforto para a família

que ali habitava; os mais pobres eram obrigados a se

contentar com parcos objetos de – na maioria dos casos

– cerâmica. Num segundo momento (Parte IV), após a

explanação da figura do artesão romano em sua

sociedade, começamos a longa dissertação acerca do

produto artesanal. Sabendo que os produtos fabricados

pelos artesãos ceramistas tinham como destino,

geralmente, o interior das moradias e dos templos,

optamos por fazer desta parte um elo entre o

comprador e o vendedor, o freguês e o fabricante. No

caso do nosso estudo, especificamente, centramo-nos

na descrição pormenorizada dos métodos de fabricação

dos objetos mais comuns em cerâmica – material

abundante em sítios arqueológicos graças ao seu baixo

valor de manufatura e facilidade de ser manuseado – e

percebemos que as trocas de mercadorias e de técnicas

eram abundantes no mundo romano.

A extensa Parte V pretendeu buscar as

minúcias que os artesãos plebeus romanos utilizavam

para construir os objetos em metais. Foi preciso,

inicialmente, centrar em um aspecto que quase não é

mencionado na bibliografia especializada em

metalurgia antiga: a extração mineral. Relacionando

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7

fontes textuais, como a de Plínio, o Velho, com os

vestígios arqueológicos, traçamos um panorama

sobre as dificuldades e soluções encontradas pelos

romanos ao adentrarem poços e minas em busca de

material valioso. Depois, a atenção voltou-se ao

modo como os artesãos transformavam a matéria

prima em mercadoria. Separando-se as técnicas

conforme os minérios empregados, discorremos

sobre os principais métodos usados para o fabrico de

peças em ferro, bronze, prata e ouro (incluindo, entre

os produtos fabricados a partir dessas matérias, as

moedas). Nessa parte também fizemos um breve

exercício reflexivo sobre o diálogo existente entre a

Antiguidade e a Idade Moderna; para tanto,

buscamos as releituras, em pinturas do

Renascimento, das obras literárias antigas como as

de Homero e Ovídio sobre a visão do trabalhador de

metais. Por fim, na Parte VI, pormenorizamos a

vidraria romana, que alcançou enormes quantidades

de peças a partir do século I d.C. com a invenção do

vidro soprado.

Dessa maneira, buscaremos mostrar ao leitor

quão rico culturalmente e complexo tecnologicamente

era o mundo romano quando se tratava dos seus

artesãos. Caberá ao julgamento de quem lê se

conseguimos, então, responder à questão formulada por

James Joyce através de sua personagem Stephen

Dedalus.

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Parte I

A) Patrícios x Plebeus

A distinção entre patrícios e plebeus ficou mais

nitidamente sublinhada durante o período da

Monarquia em Roma (754-510 a.C.). Embora a origem

da diferenciação seja desconhecida, sabemos que

recebeu melhores contornos na época em que Roma foi

governada pelos três reis etruscos (Tarquínio Prisco,

616-578 a.C.; Sérvio Túlio, 578-534 a.C.; Tarquínio o

Soberbo, 534-509 a.C.)1 : a sociedade, a exemplo da

Etrúria, dividiu-se, basicamente, em dois segmentos: a

nobreza de um lado, e o restante da população de outro;

porém, como aponta Géza Alföldy: “A plebe, como

grupo independente, não era (...) uma criação etrusca

mas especificamente romana, uma vez que a

organização social dos etruscos apenas reconhecia na

sociedade, por um lado, os senhores e, por outro, os

seus clientes, criados e escravos”2.

As reformas empreendidas por Sérvio Túlio no

século VI a.C. nublaram os arcaicos agrupamentos

gentílicos: agora a ordem social não dependia tão

somente de laços sangüíneos, era preciso, doravante,

ser classificado em uma das duas categorias, com base

na fortuna pessoal: classis (de calare, “convocar”) –

aqueles que possuíam meios de adquirir os próprios

armamentos e, por isso, passíveis de convocação para o

exército; e a infra classem – os demais, não capazes de

prover os meios necessários. Esse novo ordenamento

envolveu todos os cidadãos, tanto os ligados às

dezesseis tribos rústicas (do campo) como os

pertencentes às quatro tribos urbanas3. Uma vez na

classis, o soldado4 tinha como recompensa maior, pela

participação nas campanhas de guerra, o butim, que era

distribuído de acordo com a contribuição pessoal no

armamento e equipamento. Do butim vieram os

aumentos nas fortunas pessoais, e, devido ao

enriquecimento das famílias, desenvolveram-se mais as

atividades comerciais não ligadas ao campo, ou seja,

1 Os quatro reis anteriores foram: Rômulo (reinou até 715 a.C.);

Numa Pompílio (715-672 a.C.); Tulo Hostílio (672-640 a.C.);

Anco Márcio (640-616 a.C.). Excetuando-se Rômulo, que possuí

caráter mítico, os demais reis eram sabinos. Assim sendo,

nenhum dos reis de Roma foi, de fato, romano. Os reis podiam

ser estrangeiros, sendo escolhidos pela aristocracia local (a quem

deviam reinar conforme seus interesses) e legitimados por meio

do suffragium (“aplauso”) – no caso dos sabinos – e de auspícios

– no caso etrusco. 2 A história social de Roma, p. 25.

3 Os proprietários de terra (capazes de se equipar) inscritos nas

tribos rústicas eram denominados assidui, já os comerciantes,

artesãos ou homens sem posses eram os proletari (os que

possuíam filhos, ou seja, a prole). Maria Luiza Corassin, A

reforma agrária na Roma antiga, pp. 32-33. 4 A partir de Sérvio Túlio, em Roma se estabelece a tática de

combate hoplita, herança helênica, na qual o combatente é

munido de um pesado equipamento: couraça, capacete, gládio,

lança e escudo. A formação hoplítica consistia em um bloco

(falange) composto por fileiras e colunas de combatentes que ia

de encontro ao inimigo (Philippe Masson, “A batalha de Egos-

Pótamos: um desastre para o exército ateniense”, in: Revista

História Viva Grandes Temas, nº 3, 2004, pp. 61-62). Importante

ressaltar que a reforma serviana é a introdução hoplítica na

sociedade romana, pois, somente era hoplita, quem pudesse

prover o próprio equipamento e armamento, como foi dito acima.

aqueles da infra classem (ou até mesmo alguns

pertencentes à classis) agora tinham mais

oportunidades para trabalhar, produzir e vender seus

artesanatos, tocar seus comércios. A atividade

comercial teve tanta importância na época de Sérvio

Túlio que o rei equipou o porto fluvial de Roma e

reforçou o sistema pré-monetário derivado do aes rude

(bronze informe sem cunho que pesava 330g ou 1

libra).

O aumento da importância econômica dos

patrícios levou ao choque direto com a monarquia:

desejavam gozar de mais poderes políticos. Em 510

a.C., é banida de Roma a monarquia e restrito o termo

rex5. Passa, então, a política a ser exercida por uma

oligarquia aristocrática, no entanto, a “organização

social estabelecida manteve-se em grande parte após a

abolição da realeza, com diferença de a nobreza passar

a desempenhar todas as funções do rei que, como se

sabe, era o chefe militar, o juiz e o pontífice máximo”6.

Por outro lado, como já mencionado, uma

parcela da plebs urbana conseguiu acumular riquezas

devido ao artesanato e ao comércio, embora ainda não

usufruísse os mesmos direitos que os patrícios. Nas

palavras de Pedro Paulo Funari: “Os plebeus urbanos

preocupavam-se, portanto, com os direitos políticos e

sociais: queriam ocupar cargos, votar no Senado e até

mesmo casar-se com patrícios, o que lhes era vedado.

Em um movimento paralelo, parte da plebe rural teve

as terras confiscadas pelo endividamento e lutava pelo

fim da escravidão por dívida e pelo direito a parte da

terra conquistada de outros povos. Apesar dos

interesses diversos, os plebeus não tiveram dificuldades

em unir-se contra o patriciado na luta pela cidadania”7.

Junto ao desejo da plebe, Roma, durante o século V

a.C. (até cerca do século III a.C.), enfrentou diversas

guerras com as cidades da Itália8 e viu-se cada vez mais

dependente do contingente plebeu em suas fileiras do

exército9. Essa condição sensível em que se encontrava

Roma foi a principal aliada dos plebeus em sua luta

pelos direitos de cidadania: em duas grandes Secessões

feitas em 494 e 449 a.C., a plebe conseguiu,

respectivamente: que fosse instituído o Tribunado da

Plebe e que o conjunto de leis fosse publicado –

conhecido como Leis das Doze Tábuas (leges

duodecim tabularum)10

.

5 Somente é aceito no campo sacerdotal.

6 Géza Alföldy, A história social de Roma, p. 20.

7 “A cidadania entre os romanos”, in: Jaime & Carla Pinsky

(org.), História da cidadania, p. 52. 8 Desta vez, sem o apoio militar etrusco.

9 Segundo Alföldy, op. cit., p. 30: “A força militar da plebe,

patente na formação das hoplitenpoliteia, reforçou a sua

consciência de grupo social e estimulou a sua actividade política

(...)”. 10

Acerca da Segunda Secessão, Tito Lívio (III, 54) empresta

palavras aos legados que foram buscar os plebeus, afastados, até

então, no Monte Sacro:

Para o bem-estar, a felicidade e a prosperidade vossa e da

república, voltai à vossa pátria, para junto de vossos penates, de

vossas mulheres e de vossos filhos. E a moderação, com que

agistes aqui, onde nenhuma propriedade foi violada, apesar de

todas as necessidades de tão grande multidão, trazei-a também

para a cidade. Ide para o Aventino de onde saístes. Naquele local

propício, onde lançastes os primeiros fundamentos de vossa

liberdade, elegereis os tribunos da plebe. Estará presente o sumo

pontífice que presidirá as eleições.

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9

Sobre a instituição do Tribunado da Plebe (que

tanto movimentou a política romana), o verbete

homônimo escrito pelo filólogo Luciano Canfora é

realmente esclarecedor11

: “(...) Os poderes dos tribunos

foram selados com um juramento sagrado (a lex

sacrata). Eram eleitos pelas assembléias curiatas;

desde 471 foram eleitos pelos concilia plebis

(chamados também comitia plebis tributa), ou seja,

pela assembléia popular. Na origem eram em número

de cinco, depois dez (já em 449); não eram magistrados

porque não podiam consultar os auspícios; os

sucessores deviam ser designados antes que os atuais

ocupantes deixassem o cargo. Exerciam o ius auxilii

(ou seja, auxilium tribunicium), isto é, tinham a função

de defender pessoas e propriedades da plebe. O poder

deles deriva do fato de serem invioláveis (sacrosancti,

sacrosancta potestas). São precedidos pelos uiatores12

.

Exerciam seu poder dentro do pomério13

. Valiam-se da

intercessio14

, da obnuntiatio15

, da coercitio (direito de

impor decretos da plebe e os próprios direitos). O

reconhecimento dos tribunos ocorreu por meio de

plebiscita e de leis (como a Lex Hortensia de 287 a.C.,

que reconhecia validade jurídica nos plebiscita, mesmo

sem a aprovação do Senado). Foram admitidos nas

sessões do Senado e, a seguir, obtiveram o direito de

convocar o Senado e decretar senatusconsulta;

lograram o ius cum plebe agendi (de convocar e

presidir às assembléias populares). Podiam acusar os

magistrados nas reuniões da plebe e perseguir em

segunda instância os condenados nos comícios tributos

(substituíram os questores16

como acusadores

públicos)”.

Com o tribunado plebeu e a redação das leis,

abriu-se o caminho para os diversos embates políticos

que permearam Roma17

entre os séculos IV a III a.C..

Cabe aqui, destacar as principais leis decorrentes desse

período:

▪ leges Licinae Sextiae (Leis Licínias Séxtias),

367 a.C.: anulou parcialmente as dívidas da plebe mais

pobre, e contribuiu para a conquista da igualdade

política da plebe, permitindo o acesso dos líderes do

povo aos cargos mais altos, determinou também que

ninguém podia dispor de mais de 500 jeiras (±1, 25

Km²) de terras estatais (que puderam ser divididas

entre os pobres18

).

Note a importância da propriedade e o fato de apenas os homens,

ou seja, cidadãos, terem saído do Centro. 11

Júlio César: o ditador democrático, pp. 493-494. 12

Encarregados de seguirem pelas vias anunciando a passagem

posterior dos tribunos. 13

Limite sagrado imaginário que circundava a cidade de Roma,

onde nada poderia ser construído. 14

Direito de veto de um magistrado a um outro magistrado igual

ou inferior. 15

Quando a assembléia era adiada por iniciativa do áugure

(sacerdote responsável por consultar os auspícios, ou seja, os

sinais da natureza), devido a um mau presságio. 16

Magistrados públicos encarregados do erário (aerarium). 17

Apiano, I, 1. 18

“Mas essa política que previa a atribuição de terras aos pobres

só pôde ser aplicada plenamente depois de 340 a.C., devido ao

rápido crescimento do ager publicus que se verificou em

consequência da expansão de Roma”. Géza Alföldy, A história

social de Roma, p.39. Também ver: Tito Lívio, VI, 35-42.

▪ lex Publilia (Lei Publília), 339 a.C.: restringiu

o direito de veto do Senado sobre as decisões tomadas

na assembléia popular.19

▪ lex Poetelia Papiria (Lei Poetélia Papíria), 326

a.C.: aboliu a servidão por dívidas, como nos conta

Tito Lívio (VIII, 28)20

:

Naquele ano a plebe romana teve sua liberdade de

certo modo restabelecida, com a supressão da escravidão por

dívidas. Essa modificação no Direito foi devida à infame

paixão e à crueldade de um usurário chamado Lúcio Papírio.

Caio Públio se havia entregado a Papírio como

escravo para resgatar as dívidas de seu pai. A idade e a beleza

do jovem, que deveriam ter provocado a piedade de Papírio,

despertaram nele uma paixão viciosa. Considerando a beleza

do jovem como um acréscimo de suas riquezas, tratou

primeiramente de seduzi-lo com propostas obscenas. Como

Públio permanecesse surdo e desprezasse aquela indignidade,

passou a amedrontá-lo com ameaças, relembrando-lhe

constantemente sua atual condição. Finalmente, ao ver que

ele pensava mais em sua qualidade de homem livre do que

em sua situação presente, mandou que o desnudassem e

trouxessem as varas. Dilacerado pelos golpes, o jovem

conseguiu escapar e correu pelas ruas da cidade, bradando

contra a infâmia e crueldade do usurário. Uma grande

multidão, comovida pela idade do jovem e indignada com o

ultraje, lembrando-se também de sua própria condição e da

de seus filhos, acorreu ao Fórum e de lá partiu em colunas

para a cúria. Forçados por aquele tumulto imprevisto, os

cônsules convocaram o Senado. À medida que os senadores

entravam, o povo se arrojava a seus pés, mostrando-lhes o

dorso dilacerado do rapaz.

Naquele dia, em virtude da violência de um só

homem, desfez-se um dos mais fortes vínculos do crédito. Os

cônsules receberam ordem de propor ao povo que, no futuro,

nenhum cidadão ficasse sujeito à cadeia ou aos grilhões

enquanto aguardasse o castigo, a menos que tivesse cometido

algum crime. Os bens do devedor, e não seu corpo,

responderiam pelas dívidas. Assim, libertaram-se todos os

escravos por dívidas e tomaram-se providências para que, daí

por diante, nenhum devedor fosse preso.

Lembremos que, até então, uma vez

escravizados, mesmo por um curto período de tempo,

os cidadãos perdiam todos os direitos civis.

Funari aponta mais uma questão que se

desenrolou após a aprovação da lei Poetélia Papíria21

.

O censor Ápio Cláudio tomou medidas para que os

libertos fossem distribuídos não unicamente entre as

quatro tribos urbanas, mas, também, entre uma das

dezesseis tribos rurais. Essa distribuição feita por Ápio

Cláudio teve dois efeitos positivos concomitantes:

diminuiu as dificuldades de inserção social enfrentadas

pelos libertos na cidade (entenda-se aqui: o preconceito

quase inerente do homem livre pelos escravos ou já

escravizados e, talvez principalmente, a disputa

econômica que colocava frente a frente livres, libertos

e escravos pelas ruas de Roma, cada qual querendo

comerciar sua produção); e incluiu os libertos na

divisão de terras provenientes das conquistas romanas,

integrando-lhes à vida política camponesa. Ter

partidários políticos libertos foi praticamente uma

19

Pedro Paulo Funari, “A cidadania entre os romanos”, in: Jaime

& Carla Pinsky (org.), História da cidadania, p. 54. 20

Grifos meus. 21

“A cidadania entre os romanos”, in: Jaime & Carla Pinsky

(org.), História da cidadania, p. 55.

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10

constante na vida de Roma: quanto mais eleitores do

campo existissem, melhor seria na Capital, pois as

tribos rurais representavam a maioria na hora da

votação.

▪ lex Ualeria de prouocatione (Lei Valéria de

Apelação), 300 a.C.: de acordo com essa lei, o cidadão

condenado à pena máxima pelos magistrados tinha o

direito de apelar (prouocatio) para a assembléia do

povo, a qual decidiria o caso em um processo

especial22

.

▪ lex Ogulnia (Lei Ogúlnia), 300 a.C.: abriu aos

representantes da plebe os cargos políticos e também

os cargos superiores sacerdotais (pontífices e augures).

▪ lex Ouinia (Lei Ovínia), (± 312 a.C.): de

acordo com Géza Alföldy23

, essa lei “determinava que

o Senado devia ser completado periodicamente pelos

censores, o que significava que o Senado podia ser

renovado durante cada censura através da nomeação de

plebeus ricos e influentes. Ao mesmo tempo, essa lei

equiparava os senadores plebeus aos patrícios,

atribuindo aos conscripti o direito de voto pleno que

até aí estivera reservado aos patres24

. (...) O Senado

deixou de ser o reduto exclusivo de uma nobreza de

sangue e fundiária privilegiada, como fora até aí”.

▪ lex Hortensia (Lei Hortênsia), 287 a.C.:

doravante, os decretos dos plebiscitos (plebiscita)

passaram a ser válidos mesmo sem o acordo do

Senado. Citando o historiador do século II d.C. Lúcio

Floro (I, 26):

Em meio a essas sedições, esse povo valoroso merece

admiração. Lutou por sua liberdade, por sua honestidade, por

sua dignidade de nascimento e também pelos cargos e honras,

mas, acima de tudo, bateu-se de forma mais valente pela

salvaguarda da liberdade.25

No entanto, Géza Alföldy oferece-nos um

contrapeso que tira um pouco o brilho do entusiasmo

da conclusão de Floro: “Na base dessa reforma

encontrava-se obviamente a convicção de que os

interesses representados pelo Senado e pela assembléia

do povo eram, em grande medida, os mesmos, pois os

chefes do povo e os da assembléia do povo eram agora,

simultaneamente, os representantes e os elementos de

uma nova aristocracia senatorial”26

.

As leis acima mencionadas não foram casos

isolados de brigas entre patrícios e plebeus. Mais uma

22

Tito Lívio, X, 9. 23

A história social de Roma, p. 41. 24

O conselho dos anciãos, o Senado, era composto, em sua

origem, apenas pelos pais de família patrícios (patres, “pais”),

sendo os únicos que podiam exercer as magistraturas. Após o

século VI a.C., com a modificação do ordenamento social

(baseado na riqueza) e a passagem para a República, plebeus

ricos puderam juntar-se ao Senado, embora não tivessem o

direito de votar até a Lei Ovínia, sendo denominados, então, de

conscritos (conscripti, “inscritos” – nas tribos). 25

Apud Pedro Paulo Funari, “A cidadania entre os romanos”, in:

Jaime & Carla Pinsky (org.), História da cidadania, p. 55. 26

Op. cit., p. 41.

vez devemos atentar para a influência militar nas

questões políticas: as causas das secessões do século V

a.C. tiveram por pano de fundo as guerras com as

cidades vizinhas de Roma, e a reforma do sistema

social por meio da legislação nos séculos subseqüentes

não ocorreu por motivo diferente. A extensão do

domínio de Roma por toda a Itália (sécs. IV e III a.C.)

está ligada intrinsecamente ao processo legislativo: a

necessidade de aumento do território (ager publicus)

para assentamento dos plebeus mais pobres (e,

obviamente, o alargamento das propriedades dos

cidadãos mais ricos). As Leis Licínias Séxtias vieram

após um dos maiores golpes que Roma recebeu durante

sua história, a invasão e a ocupação gaulesa, por um

breve período, da Cidade em 387 a.C.:

Mas parece que nem todos os gauleses

desejavam incendiar a cidade. Talvez seus chefes

tivessem decidido apenas semear o pânico ao atear

fogo em algumas casas, na esperança de que o apego

dos sitiados a seus lares os levasse a render-se, e a

conservar intacto certo número de residências, ao invés

de queimá-las todas, para que pudessem ter um penhor

suscetível de quebrantar a coragem do inimigo.

Realmente o fogo não se propagou logo no primeiro

dia com a rapidez e a extensão com que costuma atingir

as cidades capturadas.

Embora o incêndio não tenha sido devastador,

como nos explica Tito Lívio (VIII, 28), foi o suficiente

para traumatizar os romanos a ponto de, no século I

a.C., ainda ter destaque dentro da obra do historiador

latino. Ricos e pobres sofreram com o sítio imposto

pelos gauleses, mas, certamente, os que possuíam

menos tiveram as maiores desgraças, aumentando suas

dívidas contraídas com o intento de refazer a vida. A

situação atingiu tal grau, que foi necessário decretar a

lei para a redução das quantias devidas e distribuir

parte do ager publicus entre os mais lastimados – isso,

vinte anos depois do saque gaulês (não podemos nos

esquecer, entretanto, que as situações de dívidas apenas

pioraram após a invasão, pois, a escravidão por dívidas,

já existia há muito tempo, sendo abolida apenas em

326 a.C. com a Lei Poetélia Papíria).

Uma característica marcante para Roma a partir

do século III a.C. foi a formação, no interior da elite

dominante, da nobilitas (“nobreza”): um grupo restrito

consolidado como uma “aristocracia de patrícios e

plebeus, com privilégios, propriedades fundiárias e

fortuna”27

. A ligação entre as famílias patrícias e

plebéias teve um início bem anterior ao século III a.C.,

quando da lex Canuleia (Lei Canuléia) de 445 a.C. que

aboliu oficialmente a proibição dos casamentos entre

membros patrícios e do povo28

, embora tenha havido

certa resistência por parte de alguns patrícios, como

narra Tito Lívio (IV, 1):

Logo no início do ano o tribuno da plebe Caio

Canuléio apresentou ao Senado um projeto de lei que instituía

o casamento entre patrícios e plebeus, o qual, segundo os

27

Pedro Paulo Funari, “A cidadania entre os romanos”, in: Jaime

& Carla Pinsky (org.), História da cidadania, p. 55. 28

Géza Alföldy, A história social de Roma, p. 35.

Page 11: Trabalho - Educação

11

patrícios, iria contaminar-lhes o sangue e confundir o direito

das famílias.

Ao lado dessa nobilitas (as famílias mais antigas

senatoriais) – e também fazendo parte da elite

dominante da sociedade romana – formou-se, graças ao

ordenamento censitário, um novo grupo dentro da ordo

senatorius (“ordem senatorial”), o dos homines noui

(“homens novos”): novos ricos provenientes da ordo

equestre (“ordem eqüestre”) que, apesar de recém-

pertencerem à ordem senatorial, raramente alcançavam

um cargo mais elevado por causa de sua origem

humilde. Somando-se agora os escravos e os novos

cidadãos romanos advindos das conquistas militares

dos séculos anteriores, o arcaico sistema de,

basicamente, duas ordens, patres e plebs29

, cedeu lugar

a um novo modelo social, onde os grandes conflitos

sociais deslocaram-se dessa bipartição para confrontos

entre nobres e homens novos, “dominantes e

subalternos, romanos e não romanos aliados, senhores

e escravos”30

.

B) Segunda Guerra Púnica: causas, conseqüências e

questão agrária

Políbio diz em seu Livro III:

[6] Alguns autores que escreveram sobre Aníbal e seu

tempo, querendo apontar as causas dessa guerra entre os

romanos e os cartagineses apresentam como a primeira delas

o cerco de Zacânton31 pelos cartagineses, e como a segunda a

travessia por estes do rio chamado Íber pelos habitantes da

região, contrariamente aos tratados em vigor. Eu admitiria até

que esses eventos marcaram o início da guerra, mas de forma

alguma que tenham sido as suas causas, a não ser que

chamemos a travessia de Alexandre o Grande para a Ásia de

causa de sua guerra contra Pérsia, e o desembarque de

Antíocos em Demetriás a causa de sua guerra contra Roma,

pois nenhuma dessas asserções é razoável ou verdadeira.

Com efeito, quem poderia considerar esses eventos causa de

guerras, tendo eles sido simples planos e preparativos que, no

caso da guerra contra os persas, haviam sido feitos com

antecedência, muitos por Alexandre mas alguns até por Filipe

enquanto vivo, e no caso da guerra dos etólios contra Roma

muito tempo antes da chegada de Antíocos? Essas afirmações

são de pessoas incapazes de distinguir a grande e substancial

diferença existente entre o início, de um lado, e a causa e as

intenções do outro lado; estas constituem a origem de tudo,

enquanto o início vem depois. Por início de qualquer evento

quero dizer a primeira tentativa no sentido de executar e

acionar planos já decididos, e por suas causas aquilo que há

de mais recuado em nossos julgamentos e opiniões, ou seja,

nossas noções das coisas, nosso estado de espírito e as

reflexões provocadas por tudo isso, e tudo que nos leva a

tomar decisões e fazer planos.

[9] Mas, voltando à guerra entre Roma e Cartago, (...)

devemos ver como sua causa primeira a indignação de

Amílcar, cognominado Barca, o verdadeiro pai de Aníbal.

29

Géza Alföldy, A história social de Roma, p. 43. 30

Pedro Paulo Funari, “A cidadania entre os romanos”, in: Jaime

& Carla Pinsky (org.), História da cidadania, p. 55. 31

Também conhecida como Sagunto. Ver Figura 1.

Com o espírito em nada abatido pela guerra da Sicília32,

sentindo que havia mantido o exército sob seu comando em

Êrix combativo e resoluto até o fim, e que havia concordado

com a paz premido pelas circunstâncias após a derrota dos

cartagineses na batalha naval, ele permaneceu decidido e

ficou na expectativa de uma oportunidade para atacar. Se não

houvesse ocorrido a sublevação dos mercenários, tanto

quanto estava em seu poder Amílcar teria criado sem demora

outros meios e outros recursos para reiniciar a luta, mas foi

impedido de fazê-lo pelos distúrbios intestinos que lhe

absorveram toda a atenção.

[10] (...) diante da recusa dos romanos a negociar, os

cartagineses tiveram de ceder em face das circunstâncias, e

embora profundamente humilhados eles estavam impotentes,

e tiveram ainda de evacuar Sardó, além de concordar com o

pagamento de mil e duzentos talentos adicionais à soma

exigida anteriormente, para não serem forçados a aceitar a

guerra naquele momento. Esta, então, deve ser considerada a

segunda e principal causa da guerra subseqüente; de fato,

Amílcar, acrescentando ao seu antigo rancor a indignação

sentida por todos os seus compatriotas diante desse novo

ultraje, logo após haver finalmente esmagado a sublevação

dos mercenários e garantido a segurança de sua pátria

concentrou imediatamente todos os seus esforços na

conquista da Ibéria, com o objetivo de usar os recursos assim

obtidos para empreender a guerra contra Roma. O sucesso

dos cartagineses em seus planos na Ibéria deve ser visto

como a terceira causa da guerra, pois contando com esse

aumento de poderio eles entraram confiantemente nela.

O autor grego do século II a.C., Políbio, nos

aponta a causa maior da segunda guerra travada entre

romanos e cartagineses: não foi tanto pela humilhação

e o sabor da derrota conhecidos na Primeira Guerra

Púnica que Cartago aceitou bater-se contra Roma,

tampouco foi apenas o desejo de vingança do general

Amílcar Barca, o que, de fato, fez com que os

cartagineses combatessem situa-se na pesadíssima

multa exigida por Roma ao tomar posse da Sicília, os

1.200 talentos. A única maneira que Cartago – uma

cidade-estado arrasada economicamente pela primeira

guerra, despendendo ainda mais dinheiro para livrar-se

dos mercenários contratados – encontrou para

conseguir tal montante, foi a de explorar suas

conquistas no território Ibérico.

Para tanto, as tropas comandadas por Aníbal

Barca recolheram tributos das suas cidades aliadas na

Península Ibérica até chegarem a Sagunto (Zacânton,

no texto de Políbio). Essa cidade era aliada dos

romanos e grande possuidora de minérios de cobre,

ferro e prata (como uma parte significativa da

Espanha), além de ter um terreno formado por

derramamento basáltico, o que, nas palavras do mesmo

historiador antigo, “é propício a qualquer espécie de

cultivo e é o mais fértil de toda a Ibéria”33

; por fim,

Sagunto era muito bem localizada para o comércio

marítimo na orla mediterrânica. A intenção de Aníbal

era “dispor de fundos e suprimentos abundantes para a

expedição planejada [contra Roma]”, elevar “o moral

de suas tropas graças aos despojos de guerra

distribuídos entre elas” e apaziguar “o ânimo de seus

concidadãos em Cartago enviando-lhes outros

32

A Sicília havia sido tomada pelos romanos na Primeira Guerra

Púnica, 264 a 241 a.C. 33

III, 17.

Page 12: Trabalho - Educação

12

despojos”34

. Aníbal sitiou e tomou Sagunto; ainda

mais: infringiu a última cláusula do tratado feito ao fim

da primeira guerra, em 241 a.C., atravessando o rio

Íber (atual Ebro), adentrando no território das

possessões de Roma. Em 218 a.C., houve, então, o

início da Segunda Guerra Púnica, que duraria dezesseis

anos.

O segundo ato das Guerras Púnicas representou

um profundo marco na História Romana: a partir dela,

mudanças econômicas e sociais foram inevitáveis.

Roma aprendeu, combatendo, a conquistar os

territórios fora da Península Itálica. Uma vez findada a

batalha contra Aníbal na cidade africana de Zama (em

202 a.C.), os romanos tiveram o Mare Nostrum livre

para navegar e submeter a orla do Mediterrâneo ao seu

domínio. Segundo Pedro Paulo Funari, ao “saírem da

Península, no entanto, os romanos criaram um novo

conceito: a província, um território administrado pelos

romanos para seu benefício, sujeito a tributação”35

.

Entre as províncias criadas no século II a.C. estão:

Hispânia Citerior e Ulterior, 197 a.C.; Macedônia, 148

a.C.; África, após a destruição de Cartago na Terceira

Guerra Púnica em 146 a.C.; Ásia, 133 a.C.

Para fazer a guerra eram necessários soldados

que pudessem prover o próprio armamento e

equipamento, e os que possuíam essas características

pertenciam ao campo; durante toda a história de Roma

o “ideal” de soldado era o camponês, como nos mostra

Vegécio, escrevendo sua Arte Militar no século IV d.C.

(I, 3):

Creio estar fora de dúvida a melhor disposição, para

as armas, da gente rústica, crescida sob as intempéries e

habituada aos trabalhos grosseiros, capaz de suportar a

ardência do sol sem buscar o alívio da sombra, ignorante dos

banhos, desafeita à preguiça, de alma chã, contente com o

pouco que come, de corpo coriáceo mercê das fadigas, que na

labuta do campo tenha aprendido a manejar o ferro, a escavar

fossos e a transportar fardos pesados.

Embora o soldado-camponês deixe de ser o

único a ir para a peleja a partir do século I a.C. (como

veremos), durante as Guerras Púnicas o exército era

formado essencialmente por pequenos, médios e

grandes proprietários de terra. Segundo a historiadora

Maria Luiza Corassin: “As enormes perdas durante a

segunda guerra púnica (o número de cidadãos

mobilizáveis passou de 270.713 em 233 para 214.000

em 204) afetaram sobretudo os médios e pequenos

proprietários, cujas viúvas e órfãos, arruinados pela

perda do pai de família, eram de uma ou de outra forma

levados a se desfazerem de suas propriedades”36

. Os

cidadãos mais ricos foram os que mais se beneficiaram

com as conseqüências da guerra: as terras cultiváveis

abandonadas durante as operações militares eram

vendidas a preço baixo pela família do cidadão morto

em batalha ou até mesmo pelos camponeses que

voltavam da guerra e não possuíam mais meios de

cultivá-las, ou então, simplesmente, as terras eram

usurpadas por um grande proprietário. Nas palavras de

Apiano (Guerras Civis, I, 7):

34

Idem. 35

“A cidadania entre os romanos”, in: Jaime & Carla Pinsky

(org.), História da cidadania, p. 56. 36

A reforma agrária na Roma antiga, p. 14.

Os romanos, à medida em que submetiam pela força

da guerra as diferentes regiões da Itália, apoderavam-se de

parte de seu território e nele fundavam cidades, ou, no mais,

recrutavam seus próprios colonos para enviá-los às cidades já

existentes. Consideravam estas colônias como fortificações e,

da terra por eles conquistada em cada oportunidade,

distribuíam, proporcionalmente, a parte cultivada entre os

colonos, ou a vendiam, ou a arrendavam; entretanto, a parcela

não cultivada devido ao advento da guerra, e que era

precisamente a mais extensa, como não havia tempo para

distribuí-la em lotes, permitiram, por meio de um edital, que

fosse cultivada por aquele que se interessasse em troca do

pagamento de um cânon [modelo, quantia] pela colheita

anual, a décima parte dos produtos da semeadura e a quinta

parte dos cultivos da plantação. Também se fixou um cânon

para os criadores de gado, tanto para as criações maiores

como para as menores. Estas medidas foram adotadas com o

objetivo de multiplicar a raça itálica, considerada por eles a

mais trabalhadora, a fim de ter aliados na pátria. No entanto,

ocorreu o contrário do que se esperava. Pois os ricos,

monopolizando a maior parte da terra não distribuída,

aumentaram com o tempo a sua confiança no sentido de que

já não mais se veriam desapossados dela e comprando, em

parte por métodos persuasivos, em parte se apossando a força

das propriedades vizinhas e de todas as demais pequenas

propriedades pertencentes a camponeses humildes,

cultivavam grandes latifúndios ao invés de pequenos lotes e

empregavam neles escravos como agricultores e pastores,

prevendo que os trabalhadores livres seriam transferidos à

agricultura ou à milícia. Ao mesmo tempo, a posse de

escravos lhes rendeu grandes benefícios dada a sua abundante

descendência, tendo em vista que se incrementavam sem

nenhum risco por estarem isentos do serviço militar. Por estas

razões os ricos se enriqueciam ao máximo e a prática

escravista aumentava muitíssimo nas campinas; tanto que a

escassez e a falta de população afligiam aos povos itálicos,

dizimados pela pobreza, pelos tributos e pela milícia. E,

quando se viram livres destas calamidades, encontraram-se

em uma ociosidade forçada na medida em que a terra estava

nas mãos dos ricos, que empregavam os escravos como

agricultores em lugar de homens livres.

Esse excerto confirma o que dissemos acima

sobre a expropriação de terras. Contudo, devemos ter

em conta que uma enorme parte das terras cultiváveis

adquiridas na expansão militar contra Cartago foram

usadas como meio de pagamento aos cidadãos mais

ricos de Roma, ou seja, senadores e cavaleiros: os quais

haviam emprestado enormes quantias de dinheiro ao

Estado, principalmente, de 216 a 210 a.C., quando a

campanha frente aos cartagineses foi mais acirrada37

.

O mesmo trecho de Apiano é significativo em

outra questão: o aumento populacional da plebe urbana

na cidade de Roma, devido ao fato de parte do

campesinato livre transformar-se em proletários. Esse

aumento teve por causa dois motivos principais: a já

referida perda das terras e a entrada de um enorme

contingente de escravos provenientes da guerra.

Os escravos, até então, eram utilizados

geralmente dentro das casas de seus senhores, fazendo

parte das posses, pertencendo à família38

. A partir das

37

Maria Luiza Corassin, A reforma agrária na Roma antiga, p.

15. 38

“Família” deve ser entendida como o conjunto composto pela

mulher, filhos, bens e escravos; o pater familias (“pai da

família”) tinha absoluto controle esse conjunto. O pater não

necessariamente tinha de ser o pai, como compreendemos hoje:

havia a possibilidade de um dos filhos assumir o papel de pater

Page 13: Trabalho - Educação

13

conquistas fora da Itália, o acréscimo no número de

escravos fez com que fossem utilizados com maior

freqüência nas grandes propriedades rurais e também

em empreendimentos manufatureiros. “Esse novo

escravo é tratado como mercadoria, equiparado a

objetos e animais. Em termos jurídicos, houve a

passagem da escravidão de concidadãos para a de

estrangeiros”39

; como nos lembra o jurisconsulto do

século II d.C. Gaio (Institutas, 1, 3, 9-12):

A principal divisão no direito das pessoas é esta:

todos os homens são livres ou escravos. Entre os livres,

alguns são nascidos livres, outros são libertos. Nascidos

livres são aqueles que nasceram em liberdade; os libertos são

aqueles que foram libertados de uma escravidão legal. Há três

tipos de libertos: cidadãos romanos, latinos ou submetidos.40

Ao contrário do que se pode supor a partir da

leitura de Apiano – “... cultivavan grandes latifúndios

ao invés de pequenos lotes...” – o latifúndio41

não foi a

propriedade imperante em Roma. O século II a.C.

observou a difusão de uma nova forma de propriedade,

a uilla (“vila”, “casa de campo”, “quinta”): propriedade

rural com cerca de 500 jeiras calcada na mão-de-obra

escrava e voltada para a comercialização (Figura 2). A

respeito do comércio visado pelas uillae, Maria Luiza

Corassin escreve: “Uma das características

significativas é que a produção do azeite ou vinho era

dirigida para a comercialização. O trigo e outros

cereais cujos preços eram pouco remuneradores eram

cultivados apenas para atender as necessidades de

consumo do pessoal; se houvesse um excedente, no

entanto, este também seria encaminhado para a

venda”42

. A venda de azeite e vinho era a responsável

pelos grandes lucros, porém, colocava Roma em uma

situação delicada: a maioria das propriedades não

cultivava em larga escala os alimentos básicos da

(fraca)43

dieta romana, os cereais; as províncias

romanas eram obrigadas a pagar parte dos tributos em

trigo, mas, quando havia crises, seja por guerra, seja

por problemas de causas naturais, a fome grassava por

todo o Império e afetava profundamente a Capital, que

tanto dependia de importações.

▪ Os Gracos.

[41] O costume dos partidos e facções, daí de todas as

más atitudes, surgira pouco antes em Roma do ócio e da

abundância, gênero de vida mais estimado pelos homens.

Pois antes da destruição de Cartago, o povo e o Senado

romanos administravam a República entre si com placidez e

moderação. A glória e o poder não eram causas de disputas

entre os concidadãos. A ameaça inimiga mantinha o Estado

bem dirigido. Mas quando essa ameaça desapareceu da

memória, a lascívia e a ostentação, conseqüências da

tranqüilidade, vieram à plena luz. Assim, durante a

adversidade, desejava-se o descanso, mas após consegui-lo,

quando do falecimento deste. Importante ressaltar, no entanto,

que o pater familias deveria ser obrigatoriamente um cidadão, ou

seja, maior de idade e do sexo masculino. 39

Pedro Paulo Funari, “A cidadania entre os romanos”, in: Jaime

& Carla Pinsky (org.), História da cidadania, p. 57. 40

Apud Pedro Paulo Funari, ibidem. 41

Propriedade com 1.000 ou mais jeiras de tamanho. 42

A reforma agrária na Roma antiga, pp. 19-20. 43

Peter Garnsey, Alimentação e sociedade na antiguidade

clássica, pp. 20, 42-43.

tornou-se mais áspero e azedo que o próprio infortúnio. Na

verdade, a dignidade da nobreza e a liberdade do povo

tornaram-se luxúria, cada qual buscando o domínio, o poder e

o saque. Dividiu-se, assim, o todo em dois partidos e a

República, antes governada pelas duas partes igualmente,

agora se dilacerava. Por outro lado, a nobreza era mais

poderosa por sua coesão, enquanto que a plebe, dispersa em

grande número, pouco podia. Pela decisão de uns poucos

eram geridos os negócios internos e externos, em suas mãos

estavam os erários, as províncias, as magistraturas, as glórias

e os triunfos, enquanto o povo sofria o serviço militar e a

pobreza, a presa de guerra era monopolizada pelo general e

alguns poucos.

Enquanto isso, os pais e filhos dos soldados,

conforme tivessem suas terras confinantes às de homens

poderosos, eram expulsos de seus lares. Assim, a cupidez

associada a um poder sem medida ou moderação invadiu,

maculou e devastou tudo, nada respeitando até gerar sua

própria destruição. Quando pela primeira vez surgiu dentre a

nobreza alguns que deram precedência à glória e ao poder

iníquo, o Estado abalou-se e a disputa civil ergueu-se como

um tremor de terra.

[42] Depois que Tibério e Caio Graco, cujos

ancestrais muito engrandeceram a República durante a guerra

púnica e em outras, começaram a exigir a liberdade da plebe

e a denunciar os crimes de uns poucos, a nobreza, culpada, e

por isso abatida, através de aliados latinos e de cavaleiros

romanos - os quais atraíra para si e distanciara da plebe pela

esperança de uma aliança - investiu contra a ação dos Gracos.

Assassinaram primeiro Tibério e após alguns anos Caio

(juntamente com M. Fúlvio Flaco), que seguia os passos do

irmão, o primeiro tribuno, o segundo triúnviro para a

fundação de colônias. É certo que o desejo de vitória dos

Gracos não foi suficientemente moderado. Mas é preferível

ser derrotado praticando o bem do que vencer a injustiça por

maus meios. Com esta vitória a nobreza, por sua ardente

paixão, livrou-se de muitos pela morte ou pelo exílio, o que

no futuro lhe causaria menos segurança no poder e maior

temor. Desta forma, a maioria dos grandes Estados fez sua

própria ruína. Vencer a qualquer custo gera, nos vencidos,

um desejo ainda mais forte de vingança.

Os excertos acima, ambos de Salústio (Guerra

de Jugurta), resumem o contexto em que Roma vivia

no século II a.C. e o assassínio dos irmãos Gracos. É

claro que Salústio comete alguns deslizes em seu

capítulo 41: diz que a República era governada

“igualmente” pela nobreza e o povo, quando, por tudo

o que foi mostrado até aqui, percebe-se que não; no

entanto, a afirmação de que “a nobreza era mais

poderosa por sua coesão, enquanto que a plebe,

dispersa em grande número, pouco podia” é bastante

verossímil: a heterogeneidade da plebe (urbana ou

rústica) foi um dos principais fatores que fizeram com

que Roma jamais sofresse um sísmico abalo em seu

interior, a possibilidade (mesmo que pequena) de

enriquecer e inscrever-se no censo da ordem eqüestre

permeava a existência da plebe44

. Por outro lado, a

“coesão” da nobreza a que se refere Salústio é

paradoxal: desde o século III a.C., como já vimos, a

ordem senatorial se bipartiu em nobilitas e homines

noui, e, no período em que viveu o autor, século I a.C.,

houve uma nova bipartição dentro da já existente

(motivo de amargura para Salústio logo no início de

44

Assim como não havia uma união entre livres, libertos e

escravos por uma causa comum, mesmo tendo as três categorias

um grau de sobrevivência parecido.

Page 14: Trabalho - Educação

14

sua frase), formando os seguintes partidos: optimates

(“aristocratas”) – os magistrados mais conservadores –

e os populares – magistrados que buscavam apoio no

povo. Os dois partidos não diferiam muito entre si no

plano político, somente na metodologia empregada

para alcançar seus intentos. O próprio Salústio,

partidário de Júlio César, era um popular.

Na época dos Gracos, segunda metade do século

II a.C., começavam a se concretizar esses partidos

políticos. Tibério Graco, nascido em 163 a.C., propôs a

votação de uma lei referente à questão agrária quando

foi eleito tribuno da plebe em 134 a.C.. Ao viajar pela

Península Itálica, Tibério reparou nas conseqüências

oriundas das guerras de conquistas, e percebeu que o

número de assidui – camponeses com condições de se

armamentar – diminuíra drasticamente na Itália frente

às expropriações de terras e o incremento da mão-de-

obra escrava no campo. Com isso, o número de

cidadãos mobilizáveis caiu, aumentando a preocupação

de Tibério sobre a segurança de Roma. O projeto que

Tibério Graco propôs “limitava o direito de possessio

sobre as terras públicas. Estabelecia que cada indivíduo

poderia ocupar no máximo 500 jeiras (125 hectares) do

ager publicus. Cada pai de família poderia receber

mais 250 jeiras por cada filho; a extensão total

permitida seria no máximo de 1.000 jeiras (250

hectares)”45

. As terras que ultrapassassem as 1.000

jeiras estabelecidas seriam divididas em pequenos lotes

e distribuídas aos cidadãos pobres (sendo inalienáveis),

que pagariam anualmente um pequeno imposto. Assim

sendo, havia garantias para os proprietários ricos, que

continuariam detentores de grandes áreas, e para os não

proprietários, que ficariam impedidos de vender suas

parcelas de terras. Também se deve destacar que a lei

agrária de Tibério beneficiava exclusivamente a

população rural, pois, aqueles “que habitavam a cidade

há muito tempo já não tinham mais interesse nem

aptidão pelo trabalho no campo”46

.

O grupo que fazia frente à proposta de Tibério

Graco era formado por aqueles que possuíam terras do

ager publicus de forma ilegal. Entre os que iam contra

a lei, estava o outro tribuno da plebe, Otávio. No dia da

votação, Otávio vetou a proposta de Tibério; bastava

um veto de algum dos tribunos para anular todo o

processo. Inconformado, Graco passou por cima da

inviolabilidade de seu colega e fez votar a Lei

Semprônia que, pela primeira vez na história romana,

demitia um tribuno do exercício de seu poder.

Encontramos na obra de Apiano os detalhes do apelo

de Tibério a Otávio para que este desistisse de sua

função antes de ser votado:

Graco se voltou a ele e pediu para que desistisse,

mas, fazendo pouco caso do pedido, colheu o voto das tribos

restantes. Havia nesta época trinta e cinco tribos e, como as

dezessete primeiras votaram no mesmo sentido, de forma

apaixonada, a décima-oitava iria consignar pela aprovação da

proposta, mas Graco, novamente, pressionou Otávio com

firmeza diante do povo, tendo em vista a sua posição de

máximo perigo, para que não conduzisse ao fracasso a obra

de maior nobreza e utilidade de toda Itália, nem frustrasse um

afã tão grande do povo, com cujos desejos convinha que, na

45

Maria Luiza Corassin, A reforma agrária na Roma antiga, p.

46. 46

Ibidem, p. 47.

posição de tribuno, fosse condescendente, e não consentir em

ser exonerado de seu cargo por condenação pública. Depois

de dizer isto, jurou, tendo por testemunhas os deuses, que não

era a sua vontade causar desonra alguma a seu colega e,

como não conseguiu convencê-lo, requisitou o voto. Otávio

se converteu de imediato em um cidadão privado e foi

embora da assembléia sem ser visto.47

Algumas palavras trarão o entendimento sobre o

sistema de votação por tribos mencionado no excerto.

Em Roma havia, além da assembléia popular48

, a

assembléia formada por todos os cidadãos, os comitia

tributa (“comícios por tribos”). Os cidadãos eram

inscritos, pelos censores, em uma das 35 tribos

romanas, sendo 31 rurais e 4 urbanas. Cada tribo

possuía uma votação interna sobre um determinado

assunto onde todos os cidadãos votavam, porém, a

decisão final era tomada como um único voto, e este

apresentado durante o comício. A eleição findava

quando a maioria dos votos pendia a um dos lados, ou

seja, quando se alcançava o número de 18 tribos

votantes favoráveis. Foi o que aconteceu no caso da

deposição de Otávio.

A lei agrária de Tibério Graco foi aprovada e, no

decorrer do ano, uma comissão de três membros

(formada por Tibério, seu sogro Ápio Cláudio e seu

irmão Caio) ficou encarregada de julgar os litígios

acerca da possessão de terras. Ao término do período

de seu exercício, Tibério Graco tentou se reeleger para

dar continuidade ao seu trabalho. O ato de ter dois

mandatos seguidos ia contra o costume romano, pois

temiam que um homem no poder continuamente

desejasse proclamar-se rei. O grupo contrário a Tibério

aumentou depois de ele se apresentar como candidato.

Um outro fator atrapalhou o tribuno na votação:

Era já verão e as eleições para os tribunos estavam na

iminência de ocorrer. Ao se aproximar o dia da votação, era

evidente que os ricos haviam apoiado com afinco para o

cargo os mais intransigentes inimigos de Graco. E este, por

temor à desgraça que se aproximaria caso não fosse eleito

novamente tribuno para o ano seguinte, convocou à votação

seus partidários do campo. Contudo, por ser verão, estes não

teriam tempo livre para lhe acudir, e obrigado pelo exíguo

tempo que restava para o dia marcado para a votação,

recorreu à plebe urbana e, indo de um lugar a outro, pediu a

cada um em separado para que lhe elegessem tribuno para o

ano seguinte como compensação ao risco que por eles

corria.49

A época da colheita desgraçou o intento de

Tibério: não havia tempo nem condições de reunir o

voto de suas tribos rurais aliadas, e a votação das tribos

urbanas era ínfima, apenas quatro votos possíveis

dentro do total de trinta e cinco. Por fim, Tibério Graco

teve de valer-se de partidários (grupos armados) para

tentar propor a votação. Houve, então, uma escaramuça

no centro da cidade, segundo Apiano (Guerras Civis, I,

15):

Graco se recobrou de seu abatimento, reuniu ainda de

noite os seus partidários e, depois de lhes instruir que daria

um sinal caso houvesse necessidade de luta, ocupou o templo

47

I, 12. 48

Organizada por centúrias. 49

Apiano, Guerras Civis, I, 14.

Page 15: Trabalho - Educação

15

do Capitólio, onde teria lugar o centro da assembléia e a

votação. Impedido pelos tribunos e pelos ricos, que não

permitiam que se celebrasse a votação, deu o sinal.

Despontou de repente um grito por parte dos conjurados e,

em seguida, chegou-se às vias de fato. Alguns de seus

partidários protegeram Graco como guarda-costas, e outros,

depois de apertar as suas indumentárias e tomar os bastões

das mãos dos guardas, destruíram-nos em muitos pedaços e

expulsaram os ricos da assembléia com tamanha desordem e

tantas feridas que até mesmo os tribunos fugiram cheios de

temor do centro da assembléia, e os sacerdotes trancaram as

portas do templo.

Pouco tempo depois, Tibério e grande parte de

seus partidários foi assassinado (133 a.C.)

publicamente, em confronto com os grupos armados

opositores.

Em 124 a.C., Caio Graco se elegeu tribuno da

plebe. As medidas de suas primeiras leis votadas

foram, justamente, a abolição à proibição da reeleição

dos tribunos, e a proibição à condenação à morte de

algum cidadão sem a ordem popular. Outras de suas

leis podem ser lidas no trecho abaixo, do historiador

grego do século I-II d.C., Plutarco:

Das leis que propôs para favorecer o povo e refrear o

senado, uma exigia a partilha das terras públicas entre os

pobres. Outra dizia respeito ao serviço militar e prescrevia

que os soldados fossem vestidos à custa do Estado, sem

desconto no soldo dos que estivessem em campanha; essa

mesma lei proibia o recrutamento de menores de dezessete

anos. Uma terceira concedia aos italiotas o mesmo direito de

voto dos cidadãos. Uma quarta, sobre os cereais, tornava a

compra de trigo menos onerosa para os pobres50. Uma quinta,

relativa à justiça, roubava ao senado a maior parte de suas

prerrogativas judiciárias: como os senadores fossem os

únicos juízes e por isso mesmo se mostrassem temíveis ao

povo e aos cavaleiros, Caio acrescentou aos trezentos

membros do senado igual número de cavaleiros, passando

então os processos a serem julgados pelos seiscentos. Quando

propôs a lei, parece ter tomado disposições cuidadosas,

sobretudo esta: ao passo que antes todos os oradores se

voltavam para o senado e o chamado Comício, foi ele o

primeiro a falar olhando na direção do Fórum, conforme

depois se tornou costume. Graças a essa alteração mínima de

atitude conseguiu fazer uma gigantesca revolução, pois, de

certa forma, transformou o regime político de aristocracia em

democracia ao mostrar que os oradores deveriam ter em vista

o povo e não o senado.

As mudanças feitas por Caio Graco agradaram a

todos, excetuando-se os senadores conservadores.

Serviu à plebe rural ao continuar com a política de

redistribuição das terras e ao prescrever que os

soldados fossem desobrigados a custear o próprio

equipamento e armamento, passando essa função ao

Estado. Quanto aos cavaleiros (equites)51

, conseguiu

50

Sobre a distribuição de grãos, encontramos em Apiano (I, 21)

o seguinte:

E, uma vez que se elegeu da maneira mais contundente,

urdiu insídias contra o senado, estabelecendo uma quantidade

mensal de trigo para cada cidadão às expensas do erário público,

partilha que nunca antes se havia tido por costume fazer. 51

Cavaleiros: os ricos não senadores; a ordem imediatamente

abaixo da ordo senatorius. Ao contrário dos senadores, que

estavam proibidos por lei de fazerem negócios públicos, os

cavaleiros não tinham restrição nenhuma em relação ao comércio

um imenso apoio de sua parte ao conceder-lhes o poder

sobre os tribunais, opondo-se aos senadores, até então,

únicos juízes. Caio, ao conceder aos aliados itálicos o

direito de voto, diminuiu as barreiras contra a reforma

agrária em compensação às vantagens políticas52

.

Entretanto, o tribuno da plebe recebeu maior apoio da

plebe urbana com a lei acerca da distribuição de cereais

sob as expensas do Estado: “aliviava a miséria da plebe

urbana, habituada até então a depender de subsídios e

doações das grandes famílias nobres”53

. Com essas

medidas favoráveis à plebe, Roma observava a

transferência da clientela, que tradicionalmente

dependia das famílias nobres, para as mãos de um

popularis (“popular”)54

.

Das leis de Graco, a que foi utilizada pelos

senadores contra a sua pessoa reside na concessão de

cidadania aos italiotas. Argumentando que os mais

pobres teriam seus direitos ofuscados, o Senado

conseguiu barrar a reeleição de Caio para o tribunado

em 121 a.C., e o acusou de enriquecimento: fato que o

levou a mudar-se de sua residência no Palatino55

. Uma

outra lei que pretendia criar uma colônia em Cartago –

local considerado amaldiçoado – foi posta em votação

pelo Senado para a sua revogação. Os partidários de

Graco recorreram às armas, e o Senado fez instituir,

pela primeira vez, o senatus-consultum ultimum:

concedia plenos poderes ao cônsul para tomar

quaisquer atitudes, suspendendo as garantias dos

cidadãos frente ao poder militar do magistrado. Caio

Graco e todos os seus partidários foram assassinados.

Com a morte de Caio Graco, a reforma agrária

enfraqueceu-se perante as modificações legislativas. A

historiadora Maria Luiza Corassin resume as leis

descritas em Apiano: “Os lotes distribuídos eram

inalienáveis; esta precaução destinava-se a proteger a

pequena propriedade. O primeiro passo contra a

reforma foi abolir esse vínculo; os ricos puderam então

expulsar os camponeses comprando seus pequenos

lotes. Uma segunda lei proibiu novas distribuições de

terras; a maior parte do ager publicus consistia de

terras ocupadas e estas eram deixadas aos que detinham

sua posse desde a lei de Tibério; mas os ocupantes

ficavam obrigados a pagar um imposto cujo

ou empréstimos (que cabiam ao Estado romano). Os cavaleiros

poderiam ser também publicanos (publicani), ou seja, detentores

dos contratos públicos (para construções de ruas e pontes,

reparações de edifícios, abastecimento dos exércitos,

arrendamentos das minas do Estado, cobrança de taxas

alfandegárias e impostos). Porém, deve-se ter em mente que,

apesar da proibição legal do Estado, muitos senadores atuavam

como publicanos.

Tanto a ordem senatorial como a ordem eqüestre eram

responsáveis pelas compras de grandes lotes de terras dos

territórios recém-conquistados no pós-Segunda Guerra Púnica;

territórios que poderiam ter caráter privado (ager priuatus) ou

público (ager publicus). 52

Maria Luiza Corassin, A reforma agrária na Roma antiga, p.

69. 53

Ibidem, p. 58. O dinheiro para financiar as despesas vinha da

exploração das províncias. 54

Também membro de origem aristocrática. 55

Plutarco, Vida de Caio Graco, 12:

De regresso [de Cartago, onde pretendia fundar uma

colônia] mudou-se de sua casa do Palatino para um bairro mais

popular, abaixo do Fórum, onde vivia a maior parte dos pobres.

Page 16: Trabalho - Educação

16

rendimento seria destinado às distribuições de trigo à

plebe. Finalmente, o último passo: este imposto foi

suprimido, declarando-se propriedade privada as terras

já distribuídas e as ocupadas. Apenas as terras que não

estavam ocupadas continuavam sendo consideradas

ager publicus; este foi liberado para o uso como

pastagem; com o tempo, provavelmente terminou

sendo ilegalmente cercado e apropriado pelos ricos”56

.

Ao fim, os pobres perderam tudo e foram

obrigados a migrar para a cidade.

C) A Cidade Romana.

Embora a tradição textual antiga relate o ano de

754-3 a.C. como o da fundação de Roma, uma possível

data de uma provável fundação está muito aquém do

que a historiografia dos antigos nos diz.

Existiu na área que viria a ser Roma uma

ocupação contínua desde o século XIV a.C. (Idade do

Bronze Médio), mais precisamente instalada no

Capitólio. A ocupação também se estendeu

primeiramente pelo vale do Fórum, seguindo pelo

Palatino, Esquilino e, por fim, o Quirinal (Figura 3).

Essas ocupações tiveram um processo de assentamento

derivado das exigências de segurança e controle

estratégico do território.

Porém, a urbs somente tomaria seu contorno

com o advento da 1ª Idade do Ferro (séculos X-IX

a.C.). Diferentemente da região etrusca onde nasceram

centros proto-urbanos gerados por um processo de

agrupamento das ocupações chamado sinecismo57

, o

Lácio tem em seu ventre ocupações proto-urbanas que

não precisaram ser fecundadas por novos centros, ao

contrário, as ocupações cresceram progressivamente,

sem nenhum indício catalisador. Roma observou na 1ª

Idade do Ferro o já mencionado assentamento no

Palatino. Junto a esse movimento, vemos o vale do

Fórum – que era uma necrópole – passar a constituir

também a malha habitacional das ocupações ao seu

redor (a então necrópole do Fórum foi transferida para

o Esquilino). Todavia, a ocupação proto-urbana

romana durante meados do século IX e todo o século

VIII a.C. adquiriu extensão semelhante aos grandes

centros vilanovianos58

da Etrúria. O arqueólogo Filippo

Coarelli59

nos explica acerca do tema da formação

proto-urbana: é provável que as primeiras tentativas de

urbanização tenham coincidido com o incremento da

produção agrícola, tornando possível, a partir da

acumulação de excedentes, a concentração da

população que antes estava esparsa e o início de

atividades que ultrapassam o grau da simples

subsistência. Não podemos esquecer, entretanto, que,

antes desse incremento da produtividade agrícola,

56

A reforma agrária na Roma antiga, p. 73. 57

Do grego, sinoikismós (“morar junto”). 58

A cultura vilanoviana deve seu nome à localidade de Vilanova,

próxima a Bolonha, onde foram encontrados os primeiros

vestígios de uma cultura material que mais tarde se revelaria

como típica de toda a Etrúria. 59

Guida archeologica di Roma, pp. 9ss.

Roma era caracterizada pelo pastoreio60

, como se pode

presumir da existência de grandes bosques, e

corroborar esse fato com o número de cultos e

personagens mitológicos que denotam a figura do

pastor, seu gado e o bosque.

O arqueólogo Massimo Pallotino afirma serem

os contatos com o Oriente e com a Grécia os

responsáveis pela introdução das estruturas de

civilização em Roma61

. Em meados do século VIII a.C.

é fundada a ocupação helênica em Cumas na costa

tirrênica, dando início às relações comerciais entre

Roma e a primeiras colônias gregas, como demonstra a

cerâmica grega do século VIII a.C. descoberta nas

últimas décadas no Fórum Boário62

. O fato de Cumas

ser um empório facilitou, e muito, a “absorção” da

cultura grega pelos latinos (e etruscos): além do

alfabeto, a arqueologia atesta a importação de

tecnologia, na figura dos artesãos, para as cidades que

rodeavam o empório (não se importavam artefatos,

mas, sim, quem os fabricava). O historiador alemão

Frank Kolb diz sobre o contato de culturas e sua

influência na materialidade: “[Em Roma] cresceu

consideravelmente a importação e a imitação local de

cerâmica etrusca e grega. Afora uma classe dominante

etrusca, estabeleceram-se em Roma artesãos,

comerciantes, construtores e artistas etruscos e

possivelmente também alguns gregos. O „bairro

etrusco‟ (vicus etruscus), que se estendia desde o

Fórum romano até o Fórum Boario, ao pé do Capitólio,

era seguramente o centro de produção artesã do

assentamento em expansão. Roma tinha a função de

mercado com relação a um certo entorno e, ao mesmo

tempo, seria já um ponto de apoio do comércio com

zonas distantes; o Fórum boário e não o romano era o

lugar das transações”.63

.

Uma fase deveras importante para o

desenvolvimento de Roma veio no século VII a.C. sob

o reinado de Anco Márcio (640-616 a.C.): o momento

em que Roma controlou a passagem para a margem

oposta do Tibre. Aproveitando-se da localização

afortunada de Roma, Anco Márcio fez erigir sobre o

vau do Tibre a Ponte Sublícia. Essa ponte constituiu a

ligação entre as duas mais antigas – e contemporâneas

– vias da Roma arcaica: a Via Campana e a Via Salária,

encarregadas de transportar o sal da foz do Tibre até o

território romano (o ponto de encontro dessas duas vias

era a Ponte Sublícia, localizada na região do Fórum

Boário). A área do Fórum tornou-se adequada para

troca de produtos tais como sal, gado e produção

agrícola64

; além, é claro, de que os contatos entre as

diversas etnias renderam aprendizados culturais

importantes e recíprocos65

.

60

Frank Kolb afirma sobre o pastoreio (La ciudad en la

Antigüedad, p. 142): “Com efeito, o solo pobre do Lácio era mais

adequado à pasticultura do que para a agricultura, e Roma se

estendia sobre colinas em torno de uma profundeza junto ao

Tíber, ensandecida pela malária. Ao princípio teve um escasso

papel a fácil comunicação com o mar através do Tíber, que

destacam Lívio [V, 54] e outros autores modernos”. 61

Origini e Storia Primitiva di Roma, pp. 325-343. 62

Filippo Coarelli, Guida archeologica di Roma, pp. 9ss. 63

La ciudad en la antigüedad, pp. 145-146. 64

O Fórum era, pois, o “empório romano”. 65

Foi na 1ª Idade do Ferro que ocorreram as diferenciações

culturais e o surgimento de grupos étnico-lingüisticos na

Península Itálica. Esses agrupamentos tinham em sua origem as

Page 17: Trabalho - Educação

17

Contudo, uma parte dos estudiosos da

Antiguidade marca no século VI a.C. o período em que

Roma se firmou como cidade. Para Géza Alföldy: “O

processo evolutivo de Roma como cidade só viria a

completar-se no século VI a.C., quando estas

comunidades primitivas se organizam em cidade-

Estado. É então que Roma se alarga para o sul, para o

leste e para o norte do monte Palatino, absorvendo os

pequenos núcleos populacionais que aí se encontravam

e delimitando-se claramente em relação à regiões

circundantes (pomerium)”66

. Também Frank Kolb

compartilha dessa idéia, ao responder o porquê de

Roma ser considerada uma cidade no século VI a.C.:

“Sem embargo, a existência de um centro urbano, que

compreendia o Foro romano, a Assembléia, o Fórum

Boário e o Capitólio, e suas funções de lugar central

político-administrativo e econômico de uma região,

justificavam a consideração de Roma como pequena

cidade a fins do século VI, o mais tardar. (...) As razões

político-militares foram também decisivas para o

nascimento da cidade de Roma, e precisamente estes

fatores determinariam igualmente o crescimento

posterior do assentamento junto ao Tíber”67

. Ou seja,

como foi dito no início deste item, a cidade de Roma

não foi “fundada”, ela não teve um “nascimento”, mas,

sim, é o resultado de um processo de assentamento que

seguiu constante desde, pelo menos, o século XIV a.C.

O arqueólogo Paul Zanker em seu ótimo texto

“The city as symbol: Rome and the creation of an

urban image” investiga as características externas de

uma “típica” cidade romana, concentrando-se na

análise dos espaços públicos68

. Inicialmente, é

necessário distinguir os dois agentes influenciadores

das mudanças físicas do espaço público: as alterações

anônimas e o planejamento estatal. As alterações

anônimas são aquelas mudanças proporcionadas de

modo individual, independentes umas das outras e do

plano geral da cidade; construções de casas, a difusão

de habitações comuns num determinado distrito, a

adição de tabernas ou outro local arrendável em

algumas casas, são alguns exemplos de alterações deste

tipo. Já o planejamento estatal é a mudança física

refletida na fundação de colônias, na construção de

edifícios públicos (por determinadas comunidades e

patronos), ruas, estradas e muros69

.

Antes de centrarmos o foco na “típica” cidade

romana, devemos deixar claro que essa tipicidade não

partiu da Capital, ou seja, Roma, nas palavras do

historiador Martin W. Frederiksen: “A preferência

romana pelos projetos que tivessem simetria e seu

gosto pela simplicidade diagramática é mais evidente

nas novas cidades criadas. Nisso contrastavam

diversas homogeneidades próprias de cada grupo (produção,

relação social, relação de troca) juntamente com ideologias que

expressam a preocupação cada vez maior nos quesitos: segurança

e prestígio econômico. Essas diferenciações culturais formarão

as grandes estruturas étnicas conhecidas do período histórico:

etruscos com sua cultura “vilanoviana”, e os latinos, com sua

formação cultural própria (denominada “cultura lacial”). 66

A história social de Roma, p. 18. 67

La ciudad en la antigüedad, p. 147. 68

A análise do espaço privado, ou seja, as residências, será feita

mais à frente. 69

Paul Zanker, JRA: 38, p. 25.

grandemente com a própria Roma; a capital crescera,

cedo demais para que recebesse qualquer

planejamento, numa complexa localização de sete

colinas e um rio. A maior parte da cidade era um caos

de casas altas e raquíticas, bem como ruas tortuosas e

estreitas, e somente a grandes penas impôs-se ordem

em relação às construções centrais de finalidade

política, para recompensar o gosto romano pela

simetria. (...) Embora, entretanto, os Imperadores

trouxessem muitos melhoramentos e construíssem

suntuosos edifícios, a maior parte de Roma continuava

a apresentar os agudos problemas de seu crescimento

tumultuário”70

.

Voltando agora a Paul Zanker, o arqueólogo

afirma que as cidades romanas tiveram seu típico

planejamento urbano calcado, primeiramente, nas

coloniae maritimae (“colônias marítimas”) da costa do

Lácio, fundadas a partir do século IV a.C.: Ostia, 380

a.C.; Antium, 338 a.C.; Tarracina, 329 a.C.;

Minturnae, 296 a.C; Pyrgi, 264 a.C (Figura 4). Essas

cidades tinham uma proporção pequena, acomodando

cerca de trezentos cidadãos romanos71

. As colônias

marítimas prosperaram, embora Cícero, no século I

a.C., maldissesse as cidades litorâneas, elogiando o

local de fundação de Roma (Da República, II, 3,4):

[3] [Cipião disse] “Compreendeu com admirável

prudência aquele excelente varão [Rômulo] que os pontos

próximos às costas não são mais apropriados para fundar

cidades que pretendem alcançar estabilidade e poderio,

porque as cidades marítimas estão expostas, não só a

freqüentes perigos, mas a desditas e acontecimentos

imprevistos. A terra firme denuncia, por meio de mil indícios,

a marcha prevista e até as surpresas do inimigo, que se

descobre pelo ruído de seus passos; e não é atacada tão

rapidamente como se pode supor, sabendo-se por outra parte,

quem é o agressor e de onde vem; por mar, pode desembarcar

uma esquadra antes que se possa advertir a sua proximidade;

sua marcha não denuncia nem sua personalidade, nem sua

nação, nem seu objetivo; não se pode, enfim, distinguir com

sinal algum se é ou não amiga”.

[4] “São também freqüentes, nas cidades marítimas, a

mudança e a corrupção dos costumes, pois os idiomas e

comércios estranhos não importam unicamente mercadorias e

palavras, mas também costumes, que tiram estabilidade às

instituições dessas cidades”.

Zanker aponta três principais características que

diferenciam as cidades romanas das cidades helênicas

(que se equiparam apenas no traçado axial-simétrico

das ruas)72

, e que, segundo ele: “Este princípio básico

do planejamento de cidades seria repetido nas

fundações tardias, com muitas variações, mas sempre

aderindo rigorosamente a mesma idéia básica”73

.

▪ A cidade não apenas se encontra ao longo das

estradas, como essas estradas formam o seu eixo

70

“Cidades e Habitações”, in: J.P.V.D. Balsdon, O mundo

romano, pp. 152-153. 71

Como dito, os cidadãos eram os homens maiores de idade,

logo, acrescentando-se o número de esposas, filhos e escravos, o

número de habitantes deveria ficar em torno de mil. 72

Embora nem todas as cidades gregas tivessem traçado axial-

simétrico. 73

Paul Zanker, JRA: 38, p. 27.

Page 18: Trabalho - Educação

18

principal74

, seja o cardo75

, seja o decumanus76

. As vias

– tão distintas por suas qualidades e durabilidade –

foram, ao longo da história da Roma Antiga,

comissionadas primeiro pelo Senado e, mais tarde, pelo

imperador. As estradas, além de deixarem visível um

senso de segurança e interligarem o mundo romano,

eram também, a concretização da legitimação romana

sobre as terras conquistadas pelo exército, como diz

Paul Zanker: “Elas [as estradas] eram antes de tudo um

símbolo da conquista e organização de um território

recentemente ganho. Sua estrita linearidade,

estendendo-se para o horizonte e parecendo conter as

irregularidades de uma terra natural com um grande

gesto de subjugação, firmou o caráter militar da nova

rede de estradas”77

. Ao longo das vias havia os marcos

– pedras que lembravam ao viajante a todo instante a

distância de Roma e a distância entre as cidades; os

santuários – com as frentes voltadas para a estrada, a

fim de o viajante impressionar-se com a arquitetura

mesmo à distância; as tumbas monumentais – também

voltadas ao viajante, que refletiam as particularidades

sociais e econômicas de quem mandava construir; as

uillae – construídas às margens das cidades, antes ou

depois dos muros78

(as melhores evidências

arqueológicas situam-se em Pompéia)79

. Por fim,

Zanker aponta os três fenômenos que marcavam uma

cidade na República Tardia: “novos grandes edifícios

públicos nas cidades da Itália central, monumentos

funerários sobre grandes estradas e vilas no topo de

cidade, de novo, preferencialmente, na direção das

estradas”80

.

▪ A estrada principal atravessa a área do

Capitólio, situado na interseção do cardo com o

decumanus (Figura 7). Essa interseção forma a região

onde está o principal templo, o Capitolium, e o local de

encontro dos moradores da cidade para a discussão

política e econômica, o Forum. A subordinação desse

espaço ao templo é atestada pelo fato de o Capitólio ser

erigido sobre um podium (“pódio”), ficando acima das

demais construções na região. Paul Zanker afirma ser o

complexo Forum-Capitolium uma especificidade

romana: “Esta ligação próxima, ou interligação, do

espaço sagrado e político é indubitavelmente um

conceito especificamente romano, expressando uma

noção ideológica de importância central. Precisamos

somente relembrar que a Cúria foi inaugurada como

um templum (Varrão, apud, Gell. 14.7.7) e que o

senado costumava se reunir em uma variedade de

templos”81

. A maioria das cidades romanas são

imediatamente reconhecidas graças ao complexo

Fórum-Capitólio situado no centro da cidade.

74

Na Figura 5 há o exemplo de uma estrada que passa pelas

cidades. 75

Eixo de sentido Norte-Sul. 76

Eixo de sentido Leste-Oeste. 77

Paul Zanker, Op. cit., p. 29. 78

Os muros, durante o Principado, passaram a ser custeados pela

família imperial, que ornava esse tipo de construção com relevos

narrativos das principais conquistas da família. 79

Paul Zanker, Op. cit., pp. 29-32. Para o exemplo de uillae

construídas próximas aos muros da cidade, ver Figura 6. 80

Paul Zanker, Op. cit., p. 30. 81

Paul Zanker, JRA: 38, p. 33.

▪ O local de encontro da comunidade situa-se em

frente ao Capitólio. Além do complexo já mencionado,

outros dois importantes edifícios marcavam a vida

pública dos romanos: a Cúria, espaço de encontro e

discussão das ordines (“ordens”) – que, com a ascensão

o Principado, perdeu sua importância política,

ocupando um local anexo atrás do pórtico do Fórum ou

estando integrado às basílicas; e a Basílica, um edifício

que se tornou extremamente marcante na urbanização

romana a partir do século II a.C., sendo um local de

negociações políticas e comerciais82

. Embora não tão

suntuosos, os horrea (“armazéns de grãos”) também

datam do século II a.C., em decorrência direta da

Segunda Guerra Púnica e as leis dos Gracos, e estão

principalmente localizados nas cidades portuárias, que

recebiam o abastecimento das províncias83

.

Afora as três características das “típicas” cidades

fundadas por romanos, durante o Principado (a partir

de 27 a.C.) houve um incremento dos edifícios

públicos de lazer por todo o mundo romano, entre os

mais destacados estão: teatros, anfiteatros e banhos. Os

(anfi)teatros tiveram uma grande difusão devido às

técnicas utilizadas pelos engenheiros na construção de

arcos e abóbadas, e representavam também a

demarcação social existente em Roma, como nos

explica Zanker: “O surgimento da arena como local de

significado social e político também reflete numa

necessidade elementar na sociedade romana. Estudos

recentes têm enfatizado o papel do anfiteatro na

socialização dos romanos da velha República e o

Principado dentro do novo mundo do império e

monarquia. Anfiteatros eram lugares onde a população

inteira de uma cidade, incluindo escravos, mulheres e

estrangeiros, vinham juntos, e , como no teatro, cada

um recebia seu lugar marcado: um microcosmo da sua

extensa sociedade e sua dinâmica social. Enquanto

entretidos, as pessoas estavam inconscientemente se

tornando admiradoras de tudo imbuído pela palavra

uirtus: coragem, iniciativa, falta de medo diante da

morte, e mais. Ao mesmo tempo, pela sua presença em

tamanho número e na sua unidade de exultação no

destrinchar dos inimigos do estado, a audiência

participava na „restauração da ordem‟”84

. Os banhos, a

exemplo dos (anfi)teatros, tiveram uma importância

significativa na cidade imperial, sendo financiados, a

maioria das vezes, pelos patronos, e representando para

os habitantes da cidade uma significativa qualidade da

vida urbana85

. O historiador C.R. Whittaker escreveu

82

Ibidem, p. 36. 83

Ainda acerca das conseqüências da Segunda Guerra Púnica,

Frank Kolb afirma (La ciudad en la antigüedad, p. 156): “Um

historiador estaria disposto a concluir das fontes que a crise

instaurada com o programa de reforma dos Gracos foi,

sobretudo, uma crise da cidade de Roma: a carência de atividade

construtora levou a uma considerável falta de ocupação.

Contudo, um arqueólogo observa uma padronização do material

de construção no século II e deduz disso, com razão, um

considerável aumento da atividade construtora, que se financiou

à custa das províncias. É evidente que desde o século II se

pavimentam as ruas na cidade; temos notícia disto, pela primeira

vez, para o ano 174 [a.C.]”. 84

Paul Zanker, JRA: 38, p. 38. 85

Também Lewis Mumford, sobre os banhos (A cidade na

história, p. 249): “O banho, tal como era conhecido por Cipião, o

Africano, era um tanque de água num lugar abrigado, onde o

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19

sobre a insalubridade dos banhos e banheiros em

Roma: “Os banhos que ricos e pobres costumavam

freqüentar deviam propagar doenças terríveis, que não

atendiam ao estatuto social ou à riqueza pessoal. As

pessoas da época não pensavam, naturalmente, do

mesmo modo. Os ricos podiam sempre dispor do seu

banho privado e de água depurada (Séneca, Cartas, 86,

11). Os menos pobres podiam isolar-se dos mais

pobres, que estavam doentes, e das prostitutas,

utilizando os banhos em horários reservados (Marcial,

3, 93), e o preço módico das entradas conseguia manter

afastados os deserdados. Os ricos podiam extrair água

dos aquedutos para seu consumo privado, enquanto o

pobre habitante de uma insula tinha de ir buscar água

ao lacus, as fontes públicas, que podiam facilmente

inquinar-se. Uma domus rica podia ter as suas latrinas,

mas os pobres tinham de pagar para utilizar as latrinas

públicas. Todavia, também se serviam de bacios e de

outros recipientes, que eram colocados nas esquinas

das ruas à disposição de todos. Não há dúvida de que

os mais miseráveis deixavam os seus dejectos onde

podiam, já que os excrementos de muitos eram

lançados directamente para as ruas e os recipientes para

as urinas se quebravam (Marcial, 6, 93). Nada prova

que as casas, mesmo as que pertenciam aos ricos,

estivessem ligadas às fossas principais, as cloacae.

Assim, em muitos aspectos, os ricos corriam tanto risco

de infecção como os pobres. Mas quando – como

acontecia amiúde – grassavam epidemias ou

pandemias, os ricos tinham duas vantagens: em

primeiro lugar, dispunham de mais comida e por isso

eram mais resistentes às doenças; em segundo lugar,

podiam evitar o contágio refugiando-se nas suas casas

de campo. Em 189 d.C., enquanto duas mil pessoas

morriam diariamente em Roma – trespassadas por

criminosos com agulhas envenenadas, como se julgava

(tratar-se-ia de malária?) – o imperador e a sua corte

residiam fora da cidade, na casa de Laurentum”86

.

É interessante notar que, contrastando com o

complexo Fórum-Capitólio, essas enormes construções

públicas não possuíam lugar fixo para serem instaladas.

Tudo dependia do valor que o patrono iria expender e,

principalmente, do espaço disponível para a construção

do edifício e das necessidades locais onde seria erigido;

por isso, é muito comum encontrar banhos, teatros e

anfiteatros afastados do centro da cidade e também,

algumas vezes, mesmo fora dos muros da cidade

(Figuras 7 e 8). Porém, devemos lembrar que a

construção de edifícios em locais aleatórios é reflexo

do fato de esses ambientes não existirem quando da

fundação da cidade.

fazendeiro molhado de suor ia limpar-se. Sêneca evoca com

saudade aquele momento, antes que o banho de sol e o

amaciamento geral da carne se tornassem elegantes. Mas, já no

século II a.C., o hábito de ir aos banhos públicos estava

implantado em Roma; e, em 33 a.C., Agripa introduziu banhos

públicos gratuitos, na forma pela qual essa instituição acabaria

por tomar: um vasto recinto fechado, capaz de conter grande

quantidade de pessoas, um salão monumental contíguo a outro,

com banhos quentes, banhos tépidos, banhos frios, salas para

massagens e salas para passar tempo e dividir os alimentos,

anexo aos ginásios e campos de esportes, para servir àqueles que

procuravam exercícios ativos, e também bibliotecas, para os mais

reflexivos ou mais indolentes”. 86

“O pobre”, in: Andrea Giardina, O homem romano, pp. 234-

235.

Auxiliando no trabalho arqueológico, temos as

fontes antigas, que são ricas ao fornecer dados sobre os

aspectos físicos da cidade de Roma, tendo-se em conta

os agentes modificadores expostos por Paul Zanker:

alterações anônimas e o planejamento estatal. Entre

elas, podemos citar a Vida de Caio Graco escrita por

Plutarco, relatando a expansão das vias, sua

pavimentação e a colocação dos marcos no século II

a.C.:

[7] [Caio Graco] Empenhou-se especialmente na

abertura de estradas87, tendo sempre em vista a utilidade, a

funcionalidade e a beleza. Fê-las todas retas e pavimentadas

com pedras polidas, solidamente implantadas em areia.

Mandou atulhar ou atravessar de pontes as depressões

formadas por ravinas ou torrentes, e obteve assim uma altura

igual e paralela dos dois lados, de forma que a obra,

perfeitamente equilibrada, apresentava bonito aspecto por

todos os ângulos. Além disso, mediu as estradas por milhas (a

milha equivale a mais ou menos oito estádios) e erigiu

colunas de pedra indicando as distâncias. Também mandou

cravar dos dois lados pedras menos afastadas umas das

outras, para permitir que os cavaleiros montassem mais

comodamente, sem necessidade de escudeiro.

Os excertos a seguir, retirados de Suetônio,

corroboram o que acima já foi dito: a influência do

imperador e de patronos nas construções públicas das

cidades visando realizar os intentos na política. Eis as

realizações urbanas de Augusto, princeps (“primeiro”)

do Senado, que governou de 31 a.C. a 14 d.C.:

[28] A Cidade, do ponto de vista ornamental, não

correspondia, em absoluto, à majestade do Império e, além

disso, estava exposta às inundações e aos incêndios. Tornou-a

tão bela que se pôde envaidecer, justamente, de ter deixado

uma cidade de mármore onde encontrara uma de tijolos88

.

87

Lembremos que uma das leis de Caio Graco fez instituir a

distribuição de grãos à plebe urbana a preço baixo. Paralelamente

a esse fato, Roma cada vez mais recebia tributos em forma de

alimentos de suas províncias recém-conquistadas. Tudo isso

levou ao imprescindível melhoramento das vias de transporte

terrestre, embora não tenha resolvido o problema de transporte

definitivamente, como aponta o historiador Moses I. Finley (A

economia antiga, p. 177): “A acumulação e a especulação

desempenharam o seu papel, sem dúvida, mas o frequente

fenómeno das fomes, quando havia abundância nas

proximidades, não se pode atribuir apenas à cupidez [já que as

vias e os meios de transporte eram precários]”. 88

A “cidade de mármore” referida no trecho restringe-se aos

monumentos públicos. Roma contrastava sua beleza marmórea

com ruas sujas e depósitos de lixos em quaisquer lugares. Sobre

a insalubridade romana, as palavras ácidas de Lewis Mumford (A

cidade na história, p. 238): “Embora a massa da população

pudesse, durante o dia, freqüentar, por pequena taxa, as

instalações públicas da vizinhança, depositavam seus dejetos

domésticos em buracos cobertos ao pé das escalas de suas

habitações apinhadas, de onde eram periodicamente removidos

pelos estercoreiros e rapinantes. Nem mesmo a remoção noturna

pontual haveria de reduzir muito o mau odor que deveria

impregnar tais edifícios. (A urina, recolhida em vasos especiais,

era empregada, pelos tecelões no preparo de tecidos.) Em

contraste com a remoção de água, aquele recolhimento de esterco

tinha a vantagem de vivificar o solo das fazendas próximas com

um útil composto nitrogenado, pois, então como agora, as

privadas de descarga ao mesmo tempo desperdiçavam

fertilizantes em potencial e poluíam os rios. Contudo, a carga de

excrementos daquela vasta população de cortiço deve ter sido

Page 20: Trabalho - Educação

20

[30] Dividiu o perímetro da Cidade em distritos e

bairros. Estabeleceu que os distritos seriam administrados por

magistrados anuais, por meio de sorteio, e os bairros por

inspetores escolhidos entre a população local. Criou postos e

sentinelas noturnas contra os incêndios. Para evitar as

inundações alargou e dragou o leito do Tibre, que desde

muito estava obstruído pelos resíduos e estreitado pelo

desabamento de edifícios. Procurando facilitar o acesso à

Cidade por todos os lados, encarregou-se de cortar a Via

Flamínia até Arimino e entregar as outras a cidadãos

enobrecidos por triunfos, a fim de que as nivelassem com o

dinheiro das suas presas de guerra. Reconstruiu edifícios

sagrados arruinados pela velhice ou consumidos pelo fogo.

Enriqueceu-os, da mesma forma que outros, com caras

oferendas. Assim, de uma só vez, mandou levar ao santuário

de Júpiter Capitolino dezesseis mil libras de ouro e pedras

preciosas no valor de cinqüenta milhões de sestércios.

[37] Para que um maior número de cidadãos pudesse

tomar parte na administração do Estado, imaginou a criação

de novos cargos: a curadoria dos monumentos públicos, das

estradas, das águas, do leito do Tibre e da distribuição do

trigo ao povo; a prefeitura da Cidade; um triunvirato para a

eleição do Senado e outro para quando fosse necessária a

revista dos cavaleiros. Nomeou censores que havia muito

tempo não eram nomeados. Aumentou o número de pretores.

[39] Organizou o recenseamento do povo por bairros,

e para que os plebeus não se afastassem dos seus negócios

com a distribuição de trigo, decidiu que o fornecimento seria

feito em quatro partes, a cada três meses. Ao ver, porém, que

o povo clamava pelo antigo costume, consentiu em

restabelecer as distribuições mensais para cada indivíduo.

Ou nas palavras do próprio Augusto (Res

Gestae, 20):

Mandei restaurar o Capitólio e o teatro de Pompeu

com ingente despesa e sem que fosse gravado em lugar

algum o meu nome. Mandei consertar os aquedutos, em

muitas partes desmoronados, e redobrei a carga da água

Marcia, fazendo entrar no seu curso uma nova fonte. Mandei

completar o foro Júlio e a basílica entre o templo de Cástor e

o de Saturno, obras iniciadas e quase completadas por meu

pai [Júlio César]; e quando esta basílica foi destruída por um

incêndio mandei construí-la novamente sobre um terreno

mais amplo, em nome dos meus filhos; e dispus que, se

durante a minha vida não tivesse sido acabada, fosse

completada pelos meus herdeiros [14 a.C.]. Quando fui

cônsul pela sexta vez [29 a.C.], mandei restaurar oitenta e

dois templos dos deuses em Roma por vontade do senado,

não descuidando de algum que naquele tempo precisasse de

reparo. Durante o meu sétimo consulado [27 a.C.], mandei

restaurar a Via Flaminia, da cidade até Rímini e todas as

pontes, salvo a Mílvia e a Minúcia.

Contudo, as fontes mais críticas do modo de

vida, costumes e cotidiano público, encontram-se nas

obras dos poetas satíricos dos séculos I-II d.C. Juvenal

(55-138 d.C.) é um dos melhores exemplos, nesse

sentido. O que se segue é um típico dia numa

conturbada Roma, onde os barulhos e as correrias pelas

ruas estreitas atormentam o autor (Sátiras, III, 319-

333). O excerto é significativo: aflora a lembrança da

maior do que podia suportar o campo vizinho, pois há registros

de fossas abertas e valas de detritos em bairros residenciais, que

acabaram sendo cobertas, embora não removidas, numa época

posterior”.

lei de Júlio César sobre a proibição do tráfego, durante

o dia, dos veículos que traziam carregamentos

comerciais (tornando a cidade barulhenta à noite);

menciona as ruas da cidade – que mal comportavam a

passagem de um carro, obstruindo, muitas vezes, a via

nos dois sentidos, quando não disputavam espaço com

as liteiras dos nobres; também nos dá idéia de como era

o comércio nas ruas, com vendedores passando de um

lado para o outro carregando madeira ou vasos com

azeite, tentando se manter em pé no chão enlameado:

De sono a falta aqui mata os doentes,

Indigestões causando tais moléstias,

Pois não digere o estômago inflamado.

Das estalagens nossas, foge o sono:

Cara uma alcova retirada custa -

Das moléstias, escuta agora as causas.

Dos carros o motim, quando não podem

À vontade virar n'alguma esquina;

A de arrieiros gritaria enorme,

Despertaria um Druso, e as Focas mesmo;

Se preciso é sair, topa-se um rico,

Que na liteira, sobranceiro ao Povo,

Que passagem lhe dá, súbito corre,

De Liburnos escravos sobre os ombros:

Lê de caminho, escreve, e dorme dentro,

A liteira cerrada o sono chama,

E sentado anda mais, que a pé andamos.

Do Povo a onda nos suspende os passos;

Pelas costas a turba nos empurra.

Cotovelada de um, bordoada de outro;

Com a tábua a cabeça outro me fere;

De azeite com a talha este me suja;

Cheias de lama vejo as pernas minhas,

Do sapato uma tacha de um soldado,

Com dores mil num dedo se me encrava.

Para terminar o assunto sobre a cidade de Roma,

cabem algumas palavras sobre as cifras populacionais,

ou melhor, os dados de que dispomos para enumerar

essa população. Para tanto, Frank Kolb diz que são três

categorias de dados89

:

▪ A quantidade dos que tinham direito a receber

grãos a baixo preço ou gratuitamente. Os cereais eram

distribuídos apenas para os cidadãos – homens com

mais de dez anos de idade. O número dos beneficiados

variou no tempo: Júlio César reduziu o número de

320.000 para 150.000 (Suetônio, César, 41); em 44

a.C., Augusto distribuiu donativos a 250.00090

e, no

ano 8 d.C., a pouco mais de 200.000. Kolb fixa a cifra

média em 250.000 cidadãos o que, enumerando-se

também mulheres, filhos, escravos, soldados e

estrangeiros, deveria ficar em torno de 700.000

habitantes.

▪ A superfície da cidade. Os muros construídos

pelo imperador Aureliano entre 271 e 282 d.C.

abrangiam 1.373 ha. (13,73 Km²), que, depois de

excetuar-se o espaço para os edifícios públicos, poderia

abrigar cerca de 1.000.000 de pessoas91

.

89

La ciudad en la antigüedad, p. 164. 90

Augusto, Res Gestae, 15. 91

Segundo Frank Kolb, se levarmos em conta que a densidade da

população fosse a mesma encontrada em Roma no final do

século XIX, ou seja, 800 pessoas por hectare.

Page 21: Trabalho - Educação

21

▪ O número de moradias que constam nos

Regionários da Antiguidade Tardia: Curiosum e

Notitia, ambos compilados no século IV d.C. Essas

listas citam 1.800 domus e 44.200 ou 46.602 insulae92

,

assim sendo, o número de habitantes de Roma situa-se

entre 600.000 a 1.000.000 de pessoas.

92

Domus: casa única; insula: bloco de casas (apartamentos).

Esses termos serão discutidos e analisados mais à frente.

Page 22: Trabalho - Educação

22

Parte II

A) A Plebe

“A propriedade não é uma condição necessária

para se ser camponês: a par dos camponeses livres, que

cultivam a sua própria terra, existem grupos muito

consistentes de indivíduos que trabalham terras

pertencentes a outros, a quem estão ligados por

relações mais ou menos estáveis, ou a quem emprestam

eventualmente a sua força de trabalho”93

. O historiador

Jerzy Kolendo continua sua exposição mencionando a

terminologia romana para “camponês”: o termo

fundamental era rusticus (derivado de rus – “campo”),

porém também podia ser utilizado como conotação de

“simples”, “modesto”, e até mesmo no sentido de

“grosseiro”, “incivilizado”; todavia, existiam mais dois

termos: agricola (“agricultor”), que designa o

camponês que trabalha a sua parcela de terra e o rico

proprietário; e colonus (“colono”), que, além de ser

sinônimo de agricola, aplica-se ao pequeno agricultor,

ao habitante de uma colônia que recebe terras para

cultivar, e ao camponês arrendatário94

. Ou seja, os três

termos diferenciavam-se apenas no contexto em que

eram empregados, pois todos significavam “lavrador”,

“cultivador”95

.

Esse grupo de camponeses, homens livres, não

pertencentes à ordem senatorial ou à ordem eqüestre,

formava a plebs rustica (“plebe rural”).

Como foi visto na Parte I deste trabalho, os

embates político-militares internos de Roma tiveram

como causa comum, ao menos desde o século IV a.C.,

a distribuição/possessão das terras de caráter público

(ager publicus) com vistas a aumentar o número de

cidadãos aptos a serem recrutados pelo exército. O

ápice da questão agrária ocorreu no século II a.C. sob o

nome dos irmãos Graco. Contudo, a aristocracia logo

secou as nódoas de sangue deixadas pelos tribunos da

plebe, e interferiu nas leis em voga, abolindo o vínculo

fundamental da inalienabilidade dos lotes de terras

entregues até então.

A partir do século I a.C., as reformas agrárias

tiveram um caráter diferente, segundo o autor acima

citado: “Visavam entregar terras aos veteranos, na

medida em que a maioria dos soldados provinha das

camadas mais pobres da população. Essas entregas

tinham mesmo por objectivo garantir a sobrevivência

dos ex-soldados depois de terminado o serviço militar:

constituíam uma espécie de reforma”96

. Não foi por

mera coincidência que as principais guerras civis de

Roma ocorreram nesse período: o legionário passa a

93

“O camponês”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano,

p. 169. 94

Os contratos de arrendamento eram, em geral, de cinco anos,

mas se prolongavam na maioria dos casos, beneficiando, assim,

colonos e proprietários – que recebiam o pagamento pelo

arrendamento da terra de duas formas principais: dinheiro (pago

anualmente) e em espécie (uma parte da colheita). 95

Havia também um outro tipo de camponês, o assalariado. Era o

camponês mais pobre que não conseguia sobreviver apenas com

o cultivo de sua terra, passando, então, a ser empregado em

massa com outros assalariados durante as épocas de maior

produção agrícola. Esses assalariados formavam grupos dirigidos

por mancipes (“empresários”, “arrematadores”). 96

“O camponês”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano,

p. 175.

apoiar seu general até o fim (ou até que o outro general

ofereça mais garantias), acreditando encontrar nele

uma chance de melhoria de vida depois que se

afastasse dos combates.

Sob os consulados desempenhados por Caio

Mário (107, 104-100 a.C.), o exército romano passou a

ser recrutado, também, entre os que nada possuíam

além da própria força de trabalho, os que não tinham

meios de se armamentar, ou seja, os proletários. Como

podemos observar nos dois excertos abaixo, escritos

por Salústio (Guerra de Jugurta), quando Mário foi

encarregado de comandar o exército na África, no lugar

de Metelo, contra o rei Jugurta:

[84] Convencera, à força de encômios, veteranos a

partirem consigo. O Senado, ainda que lhe fizesse oposição,

não ousava negar-lhe qualquer requisição. Ao contrário,

decretara, de bom grado, uma força suplementar, pois se

considerava que a plebe não desejava servir o exército.

Assim, Mário perderia o que necessitava para a guerra ou

então o favor do povo. Esta esperança, contudo, frustrou-se,

pois uma grande vontade de acompanhar Mário tomara conta

da maioria. Punham-se a pensar que ficariam ricos com os

despojos da guerra, que voltariam para casa vitoriosos e

coisas do gênero. Mário excitava-os muito com sua

eloqüência. Assim, depois que viu decretado o que desejava,

querendo alistar os soldados, convocou uma assembléia do

povo, para encorajá-los e, ao mesmo tempo, criticar a

nobreza, como era de seu costume.

[86] Tendo feito tal discurso, Mário percebeu que o

ânimo da plebe estava fortalecido e de imediato carregou os

navios de mantimentos, com o soldo, armas e outras coisas

úteis. Ordenou a partida do legado A. Mânlio com a frota. No

meio tempo ele próprio alistou os soldados, não segundo o

antigo costume, nem pelas ordens, mas conforme o desejo de

cada um, em sua maioria proletários. Esta sua atitude

atribuída por alguns à falta de homens aptos, por outros, à

ambição do cônsul, já que era apoiado e bem quisto pelos

proletários e para quem busca o poder, o maior apoio vem de

quem nada possui pois, como nada têm, nada estimam e tudo

lhes parece honesto quando envolve dinheiro. Mário partiu

para a África com um número maior de soldados do que lhe

fora decretado e em poucos dias chegou à Útica.

Isso, no entanto, não quer dizer que os soldados

fossem, doravante, necessariamente urbanos; como

dissemos acima, os que trocavam o trabalho por

dinheiro também pertenciam à plebe rural. Porém, seria

difícil imaginarmos que não houvesse

desentendimentos entre os recrutados, mesmo levando

em consideração a rígida disciplina nos acampamentos

romanos. A plebe rural e a plebe urbana raras vezes se

uniram por algo em comum, no mais, as rixas entre

essas camadas tiveram como plano de fundo a questão

política: ora favorecendo os camponeses, ora

beneficiando os urbanos. Um exemplo desses

desentendimentos, que podiam terminar em violência,

ocorreu em meados do ano 100 a.C., quando o tribuno

da plebe Lúcio Apuleio Saturnino, amigo de Mário,

(...) propôs uma lei para que fosse repartido todo o

território tomado dos címbrios, uma tribo celta, no país que

os romanos chamavam agora de Gália e que Mário, depois de

expulsá-los recentemente, havia incorporado aos romanos

como não pertencente já aos gauleses. Propôs-se, ademais,

Page 23: Trabalho - Educação

23

que se o povo ratificasse a lei, o Senado prestaria juramento

de obediência dentro do prazo de cinco dias, ou que aquele

que não jurasse fosse expulso do Senado e pagasse ao povo

uma multa de vinte talentos. Deste modo pretendiam se

vingar daqueles que se opusessem à lei e de Metelo, que, pela

sua arrogância, não iria aquiescer ao juramento. Desta

natureza era a lei. Apuleio ficou o dia para a sua votação e

enviou emissários aos que estavam em campo, nos quais

precisamente depositava maior confiança porque haviam

servido às ordens de Mário. Em consideração, como na lei

saíam ganhando os itálicos, a plebe urbana estava

descontente.97

Aqui vemos três temáticas importantes. A

primeira, diz respeito à expropriação de terras na Gália;

a tomada das propriedades gerava nas conquistas

romanas o mesmo problema que permeava Roma: a

proletarização do campesinato, e a migração de uma

grande parte deste para os centros urbanos. A segunda

temática é a que foi analisada quando mencionamos as

propostas de leis por Tibério e Caio Graco, ou seja,

buscar nas tribos os seus partidários e fazer com que

votassem favoravelmente nos comícios (nesse caso,

Saturnino apela às tribos rurais, mais numerosas,

embora, obviamente, mais distantes do local de

votação). A terceira corrobora o que foi falado sobre a

influência dos legionários veteranos: Apuleio busca

sustentação naqueles que serviram sob ordens do

general Mário. O apoio dos veteranos deve ter

preocupado deveras a ala conservadora do Senado (os

optimates) no início, pois o governo romano teve de,

rapidamente, se adaptar a essa nova realidade,

apoiando, por sua parte, no século I a.C., os generais

conservadores em detrimentos dos generais populares.

Continuando com a votação da lei proposta por

Saturnino, a disputa política acabou em pancadaria

pública, segundo Apiano:

[30] No dia da votação se produziu um distúrbio, já

que todos aqueles tribunos que tratavam de se opor à lei, ao

ser objeto de violência por parte de Apuleio, abandonavam o

tribunal. A plebe da cidade gritou que se havia ouvido um

estrondo na Assembléia – caso no qual não estaria permitido

aos romanos tomar nenhuma decisão – mas como, inclusive

nesta circunstância, os sequazes de Apuleio mantinham a sua

coação, os habitantes da cidade apertaram as suas roupas,

empunharam os paus que encontraram à mão e dispersaram a

plebe camponesa. Sem embargo, estes últimos, convocados

de novo por Apuleio, atacaram, a seu turno, com porretes aos

plebeus da cidade e, depois de subjugá-los, aprovaram a lei.

Após a discussão sobre o juramento da lei,

Mário convenceu todos os senadores a jurarem, exceto

Metelo, que teve apoio dos urbanos.

[31] A cólera da plebe urbana era terrível e

escoltavam continuamente Metelo, levando punhaladas, mas

este, depois de lhes agradecer e louvar a sua intenção, disse

que não permitiria que por sua causa sobreviesse perigo

algum à sua pátria. Dito isto, foi embora discretamente da

cidade. Assim sucedeu que o decreto de Apuleio foi

ratificado e Mário proclamou as suas cláusulas.

Metelo foi desterrado para Rodes, e a plebe urbana

encontrou nas eleições para cônsules um meio de coibir as

ações de Saturnino. Apresentaram-se naquele ano Marco

97

Apiano, Guerras Civis, 29.

Antônio (o orador, não o triunviro), apoiado pelos urbanos, S.

Gláucia e C. Memmio. Este candidato, também apoiado pela

plebe urbana, foi assassinado à vista de todos por homens a

mando de S. Gláucia e Saturnino no dia da eleição.

[32] A Assembléia se dissolveu presa do medo, pois

já não havia nem leis, nem tribunais, nem o menor sentido de

pudor. O povo, no dia seguinte, acudiu a se reunir, repleto de

cólera, com a intenção de matar Apuleio. Mas este, depois de

reunir uma massa de gente oriunda do campo, apoderou-se do

Capitólio junto a Gláucia e o qüestor Caio Saufeio.

O Senado decretou imediatamente outro

senatus-consultum ultimum (usado já contra Caio

Graco), declarando Saturnino e seus partidários

inimigos públicos, dando poder a Mário para executá-

los.

Caio Mário, cônsul ainda, conseguiu aprisionar

seu colega dentro da Cúria, mas a plebe urbana fez

valer o decreto do Senado e, retirando e atirando as

telhas do edifício, matou Saturnino e seus homens.

Pouco depois da morte de Lúcio Apuleio

Saturnino, Roma enfrentou sua maior guerra desde as

batalhas com os cartagineses: de 91 a 89 a.C. a

Península Itálica combateu Roma, na chamada Guerra

Social. Um grande número de socii (“aliados”,

“sócios”) itálicos, inflamados pelo tribuno da plebe

Lívio Druso a desejarem o direito de cidadania romana,

e aguçados devido ao assassínio do tribuno, tomaram

armas em mãos contra os romanos. Nas palavras de

Pedro Paulo Funari: “A extensão da cidadania romana

para as comunidades itálicas era uma demanda corrente

no segundo século a.C. e, como resultado, eclodiu uma

revolta armada dos itálicos contra os dominadores pela

cidadania. Druso, um nobre romano partidário dos

populares, propôs, em 92 a.C., que a cidadania fosse

concedida a todos os itálicos. Houve oposição de

diversos setores, a começar por algumas das próprias

elites itálicas, como a etrusca, que tinham já a

cidadania romana e que não estavam interessadas que

camponeses e artesãos obtivessem iguais direitos.

Druso, desaprovado pelo Senado, foi assassinado, o

que desencadeou a guerra entre os aliados itálicos de

Roma contra a República romana, em defesa dos

direitos de cidadania e da manutenção dos costumes

tradicionais de cada comunidade itálica. Ao final do

conflito, em 89 a.C., todos os insurgentes que se

rendessem podiam obter a cidadania romana, o que

significou um grande aumento do número de cidadãos

romanos, agora todos os homens livres na Península

Itálica”98

.

Vimos, pelos exemplos citados neste item, que a

plebe urbana e a plebe rural estavam, ambas, sujeitas à

política romana, e que os interesses particulares de

cada segmento foram o suficiente para que não

existisse uma união por causa comum – entenda-se, por

“causa comum”, o enfraquecimento do poder

aristocrático (pois, é óbvio, as diferenças entre a vida

no campo e na cidade eram o bastante para que os

desejos fossem antagônicos).

98

“A cidadania entre os romanos”, in: Jaime & Carla Pinsky

(org.), História da cidadania, p. 61.

Page 24: Trabalho - Educação

24

A seguir, adentraremos a questão da composição

heterogênica da plebs (em particular, a urbana).

B) Plebs Urbana: livres e libertos (e escravos).

Os parênteses na palavra “escravos” denotam a

dificuldade que é – para o historiador da Antigüidade

mais atento – tentar, ao mesmo tempo, separar e

aproximar os escravos de libertos e de livres. Existem

dois coletivos para “população romana” que devem ser

aqui mencionados, de acordo com as idéias de Nicholas

Purcell99

: o primeiro, a plebs urbana, designa um

subconjunto da população urbana, compreendendo os

cidadãos romanos residentes na cidade que não

pertencem à ordem senatorial ou eqüestre, excetuando-

se os escravos e os estrangeiros (peregrini); o segundo,

populus Romanus, é o conjunto de todos os cidadãos

romanos (plebeus, cavaleiros e senadores).

A barreira entre cidadãos e não cidadãos, neste

caso, entre plebeus urbanos e o resto da população, era

tênue e constantemente ultrapassada por ambas as

categorias: o homem livre convivia com um grande

número de escravos manumissos e uma parcela de

estrangeiros que conseguiam privilégios frente às

ordens; mas esse homem livre também podia, de uma

hora para outra, ver-se na condição de estrangeiro

quando viajasse para outras cidades (no caso de não

possuir cidadania romana)100

ou quando, numa guerra,

caísse presa dos inimigos, sendo vendido como

escravo. Outra característica dessa delicada barreira

entre cidadãos e não cidadãos encontrava-se calcada na

distribuição geográfica das pessoas pela cidade:

embora houvesse determinados “bairros de ricos” e

“bairros de pobres”, com o crescimento da cidade e seu

planejamento adaptado às circunstâncias reais –

principalmente em fins da República –, as fronteiras

existentes entre as construções de moradias de uns e de

outros diminuiu drasticamente: um liberto, por

exemplo, poderia morar e trabalhar em uma taberna

instalada no piso superior de uma grande casa, por

vezes, bastante luxuosa, a domus. Assim, podemos

concordar com o que diz Nicholas Purcell: “Os

problemas de Roma eram os problemas do sucesso”101

.

Entre as atividades, ofícios exercidos pela plebe

urbana (homens e mulheres), pelos libertos e também

pelos escravos urbanos, encontram-se os seguintes,

baseados no estudo das inscrições parietais e nas fontes

de época: argenteiros, artesãos de couro, artesãos de

esteiras, artesãos fabricantes de armas, artesãos de

mármore, carpinteiros, ensacadores, escultores,

fiandeiras, lapidadores, lavradores, oleiros, tecelãs,

tintureiros, sapateiros, padeiros, servidores de bebidas,

taberneiros (as), vendedores de cebola, entre outros102

.

A venda de produtos manufaturados ou alimentos foi a

99

“The city of Rome and the plebs urbana in the late Republic”,

in: C.A.H., vol. 9, p. 640. 100

Tratando-se, é claro, de um itálico livre antes da concessão

dos direitos no fim da Guerra Social. 101

Op. cit., p. 647. 102

Pedro Paulo Funari, A vida cotidiana na Roma antiga, pp.

81-82.

ocupação de uma parte significativa dos que habitavam

as cidades romanas.

A circulação de mercadorias pelo mundo

romano foi tamanha, que o historiador Nicholas Purcell

denomina o dinamismo da orla do Mediterrâneo a

partir do século II a.C. de “taberna-world”103

. Essas

tabernas eram lojas de tamanhos variados104

,

geralmente alugadas. As tabernas estavam intimamente

ligadas com a questão dos alimentos, e dependentes do

trabalho no campo: “Economicamente, é claro, a

proeminência da taberna necessitava somente significar

que uma grande proporção da população (e incluímos

mulheres tais como homens neste estado; alguns

collegia de Minturnae são de mulheres) estavam

envolvidos na redistribuição de produtos de atividades

primárias, abaixo de toda a agricultura”105

. A difusão

das tabernas pós-Segunda Guerra Púnica foi paralela a

todos os problemas de ordem agrária a que nos

referimos anteriormente, o que nos leva à constatação

de que, embora muitos pequenos proprietários tenham

perdido suas terras e migrado para a cidade, a produção

agrícola romana não decaiu, tendo, até mesmo, sofrido

um aumento por causa da demanda – proveniente

desses urbanos – por alimentos106

. Houve mais

necessidade de trigo para a feitura de pães e,

conseqüentemente, também foi preciso expandir a

vinicultura ao redor das cidades para dar conta do

vinho bebido pela população; essa necessidade foi

responsável por gerar trabalho para muitos camponeses

assalariados, a quem já nos referimos no item A desta

segunda parte.

Sobre os efeitos das tabernas na agricultura (e no

cotidiano da população urbana), Purcell diz que: “a

taberna era a unidade constituinte de uma nova

agricultura, não somente de uma nova revendedora e de

uma rede de produção: é em muitas maneiras quase um

termo para um tipo de relação entre labor e produção,

mais ou menos envolvido com agricultura. Com os

mercados-jardins [market gardens107

] também: as

pessoas que os contratavam ou os possuíam e que

vendiam a produção nas tabernae dos macella108

e

outros pontos de venda, viviam muito como aqueles

que eles alimentavam, mas que estavam envolvidos em

atividades ou serviços que vão além do seu tempo”.

Precisamos mencionar que, além disso, as tabernas

também tiveram importância para a elite romana. Sem

a existência do macellum, das officinae (“oficinas”) e

das tabernae, os ricos não poderiam ter, por exemplo,

os seus suntuosos banquetes. Também a renda dos

aluguéis das tabernas e dos apartamentos das insulae

(“ilhas”) onde a plebe urbana morava ia para os ricos,

os quais eram os responsáveis pelas construções na

cidade. Os mais abastados poderiam patrocinar, dentro

da cidade, um conjunto de tabernas ou oficinas

voltadas para a venda de algum produto específico, os

103

“Taberna-mundo”. “The city of Rome and the plebs urbana in

the late Republic”, in: C.A.H., vol. 9, p. 663. 104

Na maior parte dos casos, possuíam formato retangular. 105

Nicholas Purcell, Op. cit., p. 660. 106

Lembremos que os escravos vindos das guerras se tornaram a

principal mão-de-obra na uillae. 107

Esses “mercados-jardins”, segundo Purcell, eram as zonas de

agricultura ao redor da periferia urbana. 108

O macellum (“mercado”), um centro de vendas de alimentos,

foi mais característico na Itália central e meridional.

Page 25: Trabalho - Educação

25

collegia (“colégios”): associações de ofícios

semelhantes, com regras internas próprias e cultos

particulares das divindades109

. Segundo a tradição

romana, esses colégios foram estabelecidos, pela

primeira vez, pelo rei Numa Pompílio (715-672 a.C.),

como observamos no excerto abaixo, de Plutarco

(Numa, 17):

De todas as suas instituições sociais, a mais admirada

foi a divisão do povo segundo as profissões. (...) Numa,

considerando que, quando os corpos são duros e por natureza

difíceis de misturar-se, é preciso quebrá-los em pedaços para

amalgamá-los, pois que assim reduzidos a fragmentos

combinam melhor entre si, resolveu fazer o mesmo e praticar

numerosas secções na massa do povo. Instaurando entre os

grupos novas diferenças, esperava anular a diferença original

e maior pulverizando-a entre as menores. Assim, repartiu o

povo em diversos ofícios, flautistas, ourives, carpinteiros,

tintureiros, sapateiros, curtidores, ferreiros e oleiros. Quanto

às demais profissões, reuniu-as todas num bloco único e

formou com elas uma corporação [collegium]. A seguir

instituiu reuniões e assembléias, bem como cerimônias

religiosas próprias a cada grupo. E foi assim que começou a

banir da cidade aquele espírito partidário em virtude do qual

uns se diziam sabinos e súditos de Tácio, outros romanos e

filhos de Rômulo. A nova divisão teve como conseqüência

uma mescla harmoniosa de todos com todos.

O mais interessante nesses collegia é o seu

caráter plural: havia colégios de homens livres, de

libertos, de escravos, e de livres com libertos e com

escravos trabalhando lado a lado, todos unidos pelo

fator econômico de sua atividade. Esse seria um

exemplo de “subdivisão” dentro da população romana,

mostrando a interação da plebs urbana com os

escravos.

▪ Homens Livres.

“Pobre é uma noção, antes de tudo, relativa.

Alguém pode ser pobre do ponto de vista de um agente

social, mas não para um outro, colocado em ponto

diverso da escala social. Faz parte do próprio jogo de

manutenção da ordem social esta relatividade e

permissividade do conceito de pobre. (...) O pobre é

aquele que ocupa uma posição de inferioridade num

109

C.R. Whittaker discorre sobre os collegia: “Essas associações

excluíam os mais pobres, dado que exigiam uma quota de

inscrição (que podia montar a cem sestércios mais uma ânfora de

vinho) e uma subscrição mensal de alguns asses. Por outro lado,

em muitas delas eram admitidos os escravos, o que demonstra –

mais uma vez – que a pobreza não era classificada de acordo

com o estatuto social. Notemos, por fim, que os collegia eram

controlados pelos ricos. Havia patrões abastados que eram

incluídos na lista dos seus membros e podiam exercer a sua

influência mediante donativos (...); no entanto, em teoria mas

nem sempre na prática, os collegia também eram rigorosamente

regulados pela lei. Lendo Cícero, qualquer romano instruído

podia saber que Roma estava à beira de uma perigosa revolução

proletária no último decénio da República, quando Públio Clódio

organizou os criminosos da cidade em collegia – incluindo

escravos e libertos, que tinham um poder de voto mínimo ou

nulo, mas que podiam pegar em armas – a quem ofereceu a sua

solidariedade servindo-se de suas organizações para distribuições

gratuitas de trigo”. “O pobre”, in: Andrea Giardina (dir.), O

homem romano, p. 237.

quadro de relações diretas de poder, sem que essa

posição seja resultante de uma constituição jurídica,

como é o caso do escravo”110

. Homens livres e libertos

estavam reunidos da categoria plebs, justamente por

não possuírem dinheiro suficiente para, no

recenseamento, ascender à categoria de cavaleiro ou

senador. Todavia, havia entre a plebe urbana os

“plebeus pobres” e os “plebeus ricos”. A riqueza, neste

caso, é relativa: um plebeu poderia ser considerado

“pobre” por possuir dentro de casa artefatos em menor

quantidade/qualidade ou ter a roupa do corpo fabricada

com elementos mais baratos, por exemplo.

O historiador Charles R. Whittaker ressalta que

o “problema do vocabulário ligado à pobreza é

conhecer os verdadeiros significados. Normalmente

esse vocabulário refere-se à maioria que não vive na

abastança dos ricos, mas sem ter em conta os seus

ganhos. Palavras como inopes (desprovidos de

recursos), egentes (necessitados), pauperes (pobres),

humiles (humildes), abiecti (rejeitados), eram usadas

com bastante imprecisão e eram-lhes atribuídos

significados políticos e sociais associando-as aos vários

sinónimos de „plebe‟, como vulgus, turba, multitudo,

ochlos (em grego) ou simplesmente plebs. Estes termos

assumiram conotações diversas conforme o povo se

comportava de modo violento ou de acordo com a

lei”111

. Do ponto de vista dos ricos, a pobreza estava

intimamente ligada ao status social, devido às riquezas

mínimas que mantinham a ordem senatorial e eqüestre

separadas das multidões; a partir do século II d.C., no

Império, esse status vai se institucionalizar

juridicamente com a bipartição entre honestiores

(“honrados”), os proprietários, e os humiliores

(“humildes”), trabalhadores em geral. A desaprovação

moral da pobreza, tão latente nas obras de Sêneca, não

necessariamente era apenas de um rico para um pobre;

como mostra o grafite112

a seguir, de Pompéia, é bem

provável que o desprezo também ocorresse entre os

pobres, pois essa frase parece poder ser atribuída a

algum comerciante reclamando dos que pedem fiado:

Odeio os pobres. Se alguém quer alguma coisa de

graça, é louco. Tem que pagar por ela.113

A pobreza também fazia parte da vida da

maioria dos escravos, contudo, existiam aqueles que

moravam e trabalhavam na casa de seus senhores, onde

podiam se considerar bem alojados e alimentados em

relação com os níveis de vida dos indigentes; havia

também os escravos que trabalhavam na cidade como

pequenos artesãos, independentes de seus senhores e

com o seu próprio peculium (“pecúlio”). Juntamente

com os escravos, outro grupo que não gozava de

direitos políticos, mas que poderia viver na mesma

pobreza, era formado pelos estrangeiros (peregrini);

nas palavras de Whittaker: “No entanto, não há

motivos para se acreditar que os estrangeiros fossem

uma classe particularmente subdesenvolvida: é certo

110

Fábio Faversani, A pobreza no Satyricon de Petrônio, pp.

105-107. 111

“O pobre”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, p.

230. 112

Escrita parietal, feita à tinta ou com um canivete. 113

CIL 4, 9839b apud C. R. Whittaker, “O pobre”, in: Andrea

Giardina (dir.), O homem romano, p. 226.

Page 26: Trabalho - Educação

26

que não usufruíam das distribuições públicas de trigo e

de dinheiro de que usufruía a plebe registada em Roma,

mas também é verdade que muitos estrangeiros só

residiam temporariamente em Roma e muitos deles

pertenciam a associações religiosas e comerciais que

tinham bens financeiros no exterior”114

. Assim sendo,

percebemos que o único fator diferenciador entre livres

(ingenui), libertos (libertini), escravos (serui) e

estrangeiros (peregrini) é o estatuto jurídico, pois todos

estavam sujeitos à pobreza e às mesmas mazelas que o

centro urbano oferecia.

Por causa da insalubridade, da má alimentação e

das péssimas condições de moradia, a morte era algo

corriqueiro na vida de um habitante de Roma (a

expectativa de vida do romano era de 35 anos quando

ultrapassada a infância): os doentes eram deixados para

morrer ao ar livre, os cadáveres eram jogados na rua, e

os recém-nascidos eram abandonados em montes de

stercus (“esterco”) onde, por vezes, eram salvos e

vendidos como escravos. O alto índice de mortandade

refletia na demografia: cada vez mais, valia-se o

romano de métodos contraceptivos e de um casamento

mais tardio por parte dos homens; isto nos mostra que

“a população de Roma não se reproduzia e tinha de ser

constantemente renovada do exterior [entenda-se,

renovada por escravos e estrangeiros]. Por outras

palavras, a maior parte dos pobres não conseguia

manter os cinco ou seis filhos que eram necessários

para atingir o nível de estabilidade reprodutiva”115

.

▪ Libertos.

A principal categoria da plebe urbana identifica-

se socialmente com os libertini. O seu elevado número

é resultado das conquistas romanas do século II a.C.,

pelas quais os escravos vieram a se tornar a principal

mão-de-obra no mundo romano116

.

A manumissão para o escravo poderia vir de três

formas principais: sua liberdade deixada em testamento

114

“O pobre”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, p.

229. Cícero, no século I a.C., demonstrou seu desprezo (ou seria

receio?) pelos peregrini ao escrever em sua obra Dos Deveres,

I,34:

Para estrangeiros e peregrinos, seu dever é tratarem seus

negócios sem se imiscuírem nos dos outros, muito menos num

país que não é o seu.

Ou ainda (III, 11):

Fizeram ainda muito mal afastando ou expulsando os

estrangeiros nas suas cidades; foi o que fez Pennus, ao tempo de

nossos antepassados, e o que Papius fez ultimamente. Que não se

queira dar aos estrangeiros o direito do cidadão, nada mais certo,

e temos sobre esse assunto lei expressa feita por dois dos nossos

maiores e sábios cônsules, Crassus e Savola, mas impedir

estrangeiros de habitarem a cidade é ferir os direitos da

humanidade. 115

C.R. Whittaker, “O pobre”, in: Andrea Giardina (dir.), O

homem romano, p. 237. 116

O número de escravos era tamanho, que Sêneca escreveu no

século I d.C. (Da Clemência, 24):

Outrora, decidiu-se por um parecer do senado que um

sinal na roupa distinguiria os escravos dos homens livres. Em

seguida, ficou evidente quanto perigo nos ameaçaria se os nossos

escravos começassem a nos enumerar.

por seu senhor (dominus) ao morrer; a vontade do

senhor em libertar seu escravo, seja por

reconhecimento das capacidades, seja por interesse em

ter um liberto apoiando-o na política, seja pelo custo

que o escravo acarretava (as distribuições de trigo a

partir do século I a.C. ajudaram na manumissão); e a

compra da própria liberdade pelo escravo, através do

seu pecúlio. Sobre este último aspecto da manumissão,

tão complexo, o historiador Yvon Thébert nos diz:

“Para o escravo, o fim último era o resgate da sua

liberdade. No entanto, tratava-se sobretudo de uma

operação de integração, como revela a prática, cada vez

mais corrente, de deixar o escravo, uma vez libertado,

usufruir do seu património. É o que demonstram

também as disposições legais – bastante surpreendentes

– que têm por fim proteger o pecúlio da omnipotência

do patrão, com o objectivo de não lhe fazer perder

nenhum dos seus atractivos: é o caso das medidas que

impunham ao dominus o pagamento dos objectos

produzidos ou vendidos nas oficinas geridas pelo seu

escravo. O património deste era avidamente constituído

a expensas do património do patrão, condição

indispensável para a integração eficaz dos

subordinados. Aliás, passou a ser habitual incluir no

pecúlio dos escravos a empresa gerida ou a terra

cultivada por eles. Ainda com o mesmo objectivo, as

leis do século III [d.C.] distinguiam claramente o

escravo que se tinha resgatado – ainda que em certos

casos a operação fosse apenas fictícia, na medida em

que muitas vezes ele conservava seu pecúlio – do

escravo que devia a libertação à bondade do seu

senhor. Aquele só deve respeito ao seu ex-proprietário,

ao passo que este permanece sujeito a várias prestações

e obrigações, como a de lhe deixar em herança uma

parte dos seus bens”117

.

Uma vez libertado, esse escravo passa a gozar

de todas as características de um homem livre, exceto

pelo estatuto jurídico118

; esse fato faz com que o liberto

viva sempre na condição de um “quase”: flutuando

entre a possibilidade de enriquecer igual a um homem

livre (mas nunca podendo ser cavaleiro ou senador) –

como o famigerado caso de Trimalquião no Satyricon

de Petrônio119

, escrito no século I d.C. – porém, sempre

impregnado pela mácula de seu passado. Nos dizeres

do historiador Jean Andreau: “[O liberto] não tem a

coerência do aristocrata, seguro da sua superioridade e

protegido por valores que o fortificam, ainda que não

os ponha em prática na vida cotidiana. Não tem a

simplicidade rústica do verdadeiro camponês indígena,

nem a irreverência bem controlada do escravo

doméstico. O liberto encontra-se na encruzilhada de

várias forças divergentes ou mesmo opostas. Por um

117

“O escravo”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, p.

135. Interessante ressaltar que, os escravos da época imperial

principalmente, por sua vez, poderiam possuir escravos, os

chamados uicarii (“substitutos”), que, pelo o que o próprio nome

diz, eram usados para desempenhar as funções de seus escravos-

patrões. O direito de um escravo sobre o outro não poderia ser

deturpado pelo dominus. 118

Também politicamente, o liberto está sempre excluído das

magistraturas romanas e do Senado. Com a lex Uisellia de 24

d.C., também foi excluído das magistraturas municipais e dos

conselhos dos decuriões. 119

Do que foi escrito acerca dessa personagem, o trabalho mais

lido é o de Paul Veyne, “A vida de Trimalquião”, em sua obra A

sociedade romana.

Page 27: Trabalho - Educação

27

lado, foi escravo, coisa que nem ele nem os outros

podem esquecer. Por outro, o seu estatuto de liberto é

parcialmente contraditório, porque a libertação confere-

lhe a mesma cidadania do seu patrono, mas sujeita-o a

uma série de obrigações e de costumes que o separam

dos „ingénuos‟. Cada liberto tem ainda uma situação

económica e social determinada e origens geográficas e

culturais que lhe são próprias”120

. No entanto, o filho

do liberto já era considerado um romano livre de

nascimento, por isso, a plebe urbana era

constantemente renovada a cada geração de libertos,

embora, devido a sua descendência esse homem livre

sofresse preconceitos, como podemos observar nas

ressentidas palavras do poeta Horácio, do século I a.C.

(Sátiras, VI, 1):

Nem por seres, Mecenas, o mais nobre de quantos

Lídios colonizaram outrora os campos da Etrúria e terem a

teus avós obedecido grandes legiões, olhas com desprezo,

como fazem tantos, obscuros como eu, filho de pai liberto,

tendo antes em conta o mérito pessoal que o nascimento de

cada um. Bem sabes que antes de Túlio, de baixa origem

alçado à realeza, muitos homens sem antepassados viveram

com honra e atingiram as mais altas dignidades, ao passo que

Levínio, descendente de Valério, um dos que expulsaram

Tarquínio Soberbo, não vale um ceitil na opinião pública, a

qual, entretanto, costuma honrar aos indignos, embaída pela

fama e pelo fulgor de títulos e efígies de família.

(...)

Volto, porém, a mim, filho de pai liberto, alvo por

isso da malevolência de muitos, hoje por ser teu comensal,

ontem por ter comandado uma legião romana.

(...)

Muito honrado me julguei por não te haver

desagradado, a ti que escolhes amigos, não pela nobreza do

nascimento, mas pelos costumes e pureza d‟alma.

(...)

Ainda que pobre, vivendo de magra propriedade, não

quis [meu pai] mandar-me para a escola de Flávio, aonde iam

os filhos dos ilustres centuriões, levando ao braço esquerdo a

pasta e a tabuinha e no meado de cada mês o salário do

mestre. Teve antes a coragem de trazer-me a Roma, para

aprender as artes que qualquer cavaleiro ou senador manda

ensinar a seus filhos; e quem me notasse o trajo e a seqüela

de servos, em tão populosa cidade, teria por certo que de boa

herança eram custeadas tais despesas. Ele mesmo com severa

vigilância me acompanhava à casa dos mestres. Em resumo,

protegeu-me a inocência, adorno principal da virtude, não só

de qualquer ação, mas de todo reproche ignominioso, não

temendo ser acusado de não ter feito de mim um pregoeiro ou

exator, como ele fora, do que aliás eu não me queixaria.

Também encontramos na desavença entre

Otávio Augusto e Marco Antônio, narrada por

Suetônio, a desaprovação moral de um liberto, ou de

seu descendente:

O próprio Augusto escreveu que é simplesmente

oriundo de uma família de cavaleiros, antiga e rica, e

na qual seu pai foi o primeiro senador. Marco Antônio

lhe reprova por ser bisneto de um liberto, cordoeiro do

bairro de Túrio, e neto de um argentário. Além disso,

nada mais encontrei a respeito dos antepassados

paternos de Augusto.121

120

“O liberto”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, p.

151. 121

Augusto, 2.

Manumisso (e a libertação, segundo a lei, era

impossível de ser anulada), esse libertus (“liberto”)

passava a dever ao seu ex-senhor uma série de

obrigações morais e/ou jurídicas. Entre elas: o

obsequium (“obediência”), ou seja, o respeito que o

filho deve a seu pai, impedindo o liberto de levar seu

patrono a julgamento (civil ou penal); e as operae

(“trabalhos”), que consistiam num certo número de

dias de trabalho por ano que o liberto devia a seu

patrono. Os ex-senhores também influenciavam na

questão dos casamentos. Os libertos podiam usufruir o

conubium (“casamento”), o direito de contrair um

matrimônio legal, contudo, só o senhor é que poderia

consentir o casamento de sua liberta, pois cabia a ele,

no ato da manumissão, a tutela sobre sua pessoa; já o

homem liberto, quando casado, “não podia defender a

sua honra conjugal, nem contra o seu patrono, nem

contra a mulher, mesmo em caso de flagrante delito; o

patrono, porém, estava autorizado a matar o liberto que

fosse surpreendido em flagrante delito de adultério com

a sua mulher”122

. O casamento entre libertos e livres

passou a ser autorizado a partir do principado de

Augusto, mas uma liberta não poderia casar-se com um

senador ou filho de senador (embora nada a impedisse

de ser sua concubina)123

. A sucessão por morte também

foi um tema principal na sociedade romana, sobre o

qual Jean Andreau discorre: “O liberto – como todos os

outros – tem o direito de possuir terras, escravos, casas,

rebanhos, ouro, prata, objectos artísticos. Tem o direito

de ter filhos e de lhes transmitir os seus bens. (...)

Antes do último século da República, o liberto do

cidadão romano podia não transmitir nenhum de seus

bens ao patrono, ou aos seus filhos ou netos. A mulher

(desposada cum manu) ou os filhos adoptivos podiam

receber toda a herança do liberto em prejuízo do

patrono. Provavelmente em finais do século II a.C., o

édito do pretor, texto que, anualmente, fixava as

normas segundo as quais era administrada a justiça,

voltou a estipular que o patrono deveria receber metade

dos bens se o liberto, por morte, não deixasse

descendentes directos do seu sangue. Na época de

Augusto, uma lei aumentou ainda mais os direitos dos

patronos, pelo menos no respeitante aos libertos mais

abastados. Todos os libertos que possuíssem pelo

menos cem mil sestércios, e que não tivessem gerado

três ou mais filhos, tinham de deixar uma parte ao

patrono. Se deixavam dois filhos, o patrono recebia um

terço dos bens; se deixavam só um, recebia metade. O

122

Jean Andreau, “O liberto”, in: Andrea Giardina (dir.), O

homem romano, p. 154. 123

O imperador Augusto não foi um dos governantes que tiveram

grande simpatia por parte dos libertos, como podemos deduzir

deste excerto de Suetônio (Augusto, 40):

Acreditando ser muito importante conservar o povo

romano puro de qualquer mistura de sangue estrangeiro ou servil,

foi extremamente parcimonioso na concessão de direitos da

cidadania, restringindo as libertações de escravos.

(...)

Não contente em ter colocado mil obstáculos à alforria

dos escravos e dificultado ainda mais a plena liberdade,

organizou cuidadosamente o número de candidatos, a condição e

a diferença dos que se libertariam e estipulou que nenhuma

espécie de liberdade poderia conferir o direito de cidadania

àqueles que tivessem sido presos ou submetidos a tortura.

Page 28: Trabalho - Educação

28

que era mais grave, porém, é que, se o patrono morria

antes do liberto, os filhos do patrono e os filhos e netos

dos seus filhos conservavam direitos sucessórios iguais

ao do patrono”124

.

O libertus também poderia, em raros casos,

servir ao exército romano; como aconteceu durante o

principado de Augusto, quando o príncipe teve de

mandar os ricos comprarem e libertarem um

determinado contingente de escravos. Repare na

preocupação da ordem: Augusto não iguala os libertos

aos cidadãos romanos.

Apenas duas vezes ocupou libertos como

soldados (combatendo incêndios ou revoltas

provocadas em Roma pela falta de víveres): a primeira,

na defesa das colônias limítrofes com a Ilíria; a

segunda, para guardar a margem do Reno. Eram

escravos que pessoas – homens ou mulheres –, entre os

mais ricos, tiveram ordem de comprar e libertar

rapidamente. Colocou-os na primeira linha sem os

misturar com os homens livres, nem os armar da

mesma forma.125

Por fim, alguns libertos mereceram até mesmo o

reconhecimento de Cícero ao velarem por Roma

(Catilinárias, IV, 8):

É preciso, Padres Conscritos, indagar os cuidados dos

homens libertos, que, tendo por sua fortuna conseguido

direito nesta cidade, julgam ser ela sua verdadeira pátria; à

qual alguns aqui nascidos, e nascidos em lugar eminente, não

tiveram por sua pátria, mas por cidade inimiga.

C) Política e Alimentação

A visão da plebe urbana através dos olhos dos

nobres nunca foi positiva.

Ainda creio que, por ter decidido afastar-me da vida

pública, alguns darão a pecha de ociosidade ao trabalho tão

importante e útil ao qual me dedico. Certamente o farão

aqueles que consideram sua maior tarefa curvar-se diante da

plebe e obter suas boas graças através do patrocínio de

banquetes. (Salústio, Guerra de Jugurta, 4).

Pois, ainda que o verdadeiro proveito das ações esteja

em tê-las realizado corretamente e nenhuma recompensa

digna das virtudes seja nada além das próprias virtudes, é

bom inspecionar e andar às voltas com a boa consciência e,

depois, lançar os olhos sobre esta imensa multidão

discordante, sediciosa e descontrolada – pronta para se

precipitar igualmente para a sua perdição como para a alheia,

se romper o seu jugo (...). (Sêneca, Da Clemência, I, 1).

Nos jogos cênicos, intencionando suscitar um motivo

de discórdia entre o povo e os cavaleiros, começou as

distribuições mais cedo do que de costume, para que os

bancos dos cavaleiros fossem ocupados por gente da mais

baixa condição. (Suetônio, Calígula, 26).

124

“O liberto”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, p.

154. 125

Suetônio, Augusto, 25.

Os três trechos acima, o primeiro do século I

a.C. e os demais do século I d.C., têm em comum a

visão da plebe como um bloco homogêneo, que

somente deseja saciar seus desejos materiais e divertir-

se nos melhores locais do teatro. Contudo, a elite

romana utilizou-se dessa plebs sordida (“plebe

miserável”) para alcançar seus intentos políticos. Desde

o século II a.C., segundo a leitura das fontes antigas, é

comum os patronos valerem-se de seus clientes ou

partidários, formando verdadeiros grupos dentro da

cidade de Roma, cada qual querendo impor a vontade

de seu líder, mesmo que por meio da violência.

Embora no Principado de Augusto as guerras

civis tenham cessado, os conflitos entre grupos de

clientes continuaram ocorrendo, pondo em risco a vida

de muitos com os incêndios comuns praticados por

esse tipo de clientela. Fato que levou o princeps

(“primeiro”) Augusto a pôr à disposição dentro da

cidade de Roma um contingente com cerca de 7.000

soldados, que exerciam, simultaneamente, as funções

de “bombeiros”, para apagar os incêndios, e de

guardiões das ruas (policiais, nos dias de hoje), esses

homens eram denominados uigiles (“vigias”)126

.

Contudo, segundo o historiador Peter Brunt, esse

número de soldados não dava conta da imensa cidade

romana e, um dos meios usados pela nobreza para

conseguir manter controlada (em parte) a plebe, era

proibir o uso de armas para essa camada da sociedade:

“A plebe geralmente estava desarmada e se valia de

pedras e de bastões. Portar armas era um delito capital

e, de qualquer forma, os pobres não podiam ter

nenhuma, exceto facas. (...) Os abastados podiam ter

seu próprio equipamento, incluída a armadura, e a

maioria havia feito o serviço militar; e o senado podia

autorizar os seus seguidores a se armarem. Em

determinadas ocasiões os líderes populares distribuíram

ilegalmente armas à plebe, mas, nestes casos, seus

seguidores provavelmente estavam em disparidade com

relação a seus oponentes”127

.

Do que foi falado até aqui sobre os grupos de

clientes armados e incêndios provocados por essas

pessoas, a primeira oração das Catilinárias de Cícero é

deveras ilustrativa, mostrando alguns acontecimentos

que se deram no ano 63 a.C., quando da sedição de

Catilina; eis o que Cícero pronuncia:

[2] Enquanto houver quem se atreva a defender-te

[Catilina], viverás, e viverás como agora vives, cercado de

muitas minhas fortes guardas, para que te não possas levantar

contra a República; também os olhos e ouvidos de muitos,

sem tu o sentires, te espreitarão, e guardarão, como até agora

fizeram.

[3] Crê-me o que te digo: muda de projeto, esquece-te

de mortandades e incêndios; por qualquer parte te haveremos

às mãos. (...) Eu mesmo disse que tu deputaras o dia vinte e

seis de Outubro para a mortandade dos nobres; e então foi

quando muitas das pessoas principais da cidade fugiram de

Roma, não tanto por se salvarem, como por atalharem teus

intentos. Poderás porventura negar-me que naquele próprio

dia, por estares rodeado de minhas guardas e das minhas

diligências, te não pudeste mover contra a República, quando,

126

Suetônio, Augusto, 30. 127

“La plebe romana”, in: Moses I. Finley (ed.), Estudios sobre

historia antigua, pp. 96-97.

Page 29: Trabalho - Educação

29

retirando-se os mais, disseste que te contentavas com a minha

morte?

[4] Estiveste pois, Catilina, naquela noite em casa de

M. Leca; repartiste as regiões da Itália, determinaste para

onde querias que cada um fosse, elegeste os que havias de

deixar em Roma e os que havias de levar contigo; designaste

os bairros da cidade para os incêndios, afirmaste que

brevemente sairias de Roma, disseste que ainda te havias

demorar um pouco, por estar eu ainda com vida; achaste dois

cavaleiros romanos que te livraram deste cuidado, e te

prometeram que pouco antes de amanhecer me matariam em

meu mesmo leito. Tudo isto soube eu, apenas se tinha

acabado o vosso congresso; fortifiquei e municionei minha

casa com maiores guardas; não recebi os que pela manhã

mandaste a saudar-me, vindo os mesmos, que eu tinha predito

a pessoas principais, que me haviam de buscar naquele

tempo.

[5] Enquanto me armaste traições, Catilina, sendo eu

cônsul destinado, não me defendi com guardas públicas, mas

com diligências particulares; quando nos próximos comícios

consulares me quiseste matar, reprimi teus perversos intentos

com o socorro dos amigos e soldadesca, sem tumulto algum;

enfim todas as vezes que me acometeste, pessoalmente te

resisti, posto que visse andar a minha ruína emparelhada com

grande calamidade da República; agora já acometes

abertamente toda a República, os templos dos deuses eternos,

as casas de Roma, as vidas dos cidadãos, e em uma palavra,

tocas a arruinar e destruir toda a Itália.

Outra característica que encontramos ao estudar

os grupos particulares dos fins da República é o uso de

escravos entre seus membros. Vejamos dois exemplos:

Durante a época de Tibério Graco, quando a

oposição da aristocracia se fazia mais latente (Plutarco,

Vida de Tibério Graco, 18):

Tibério ordenou que a multidão se afastasse. Com

muita dificuldade Flaco chegou até ele e avisou-o de que na

sessão do senado os ricos, não tendo conseguido persuadir o

cônsul, decidiram matá-lo eles próprios; para tanto,

dispunham de muitos amigos e escravos armados.

Cícero, defendendo Ânio Milão, assassino do

popular Públio Clódio (partidário de Júlio César) no

ano de 52 a.C. (Oração por A. Milão):

[14] Pois que, Juízes, quando eu me apartei da cidade,

ficando vós submergidos em luto, temi o rigor das leis ou

seus escravos, armas e violência? Que causa justa teríeis para

me restituir a Roma, se não fosse injusta a de me lançardes

dela? Segundo creio, [Clódio] citou-me pessoalmente,

multou-me, acusou-me de crime de lesa-majestade. Na vossa

má causa, ou na minha não muito decorosa, tive de temer o

Juízo; não quis que os meus cidadãos, resguardados com

meus conselhos e perigos, se expusessem por mim às armas

de servos pobres e facinorosos. Eu próprio vi com meus olhos

a este Q. Hortênsio, lustre e adorno desta República, ficar

quase morto às mãos dos servos a tempo que me defendia,

em cujo reboliço C. Vilieno, homem de notória bondade que

o acompanhava, recebeu tantas feridas que perdeu a vida.

[27] Nem a mim, Juízes, me causa soçobro o

homicídio de Clódio, nem estou tão insensato e falto de

conhecimento do vosso parecer que não conheça o que

entendeis desta morte. Ainda que eu não tivesse justificado a

Milão deste crime, como fiz, sempre a ele lhe seria permitido

clamar em público e mentir gloriosamente. (...) [Aqui, Cícero

empresta palavras a Milão] matei aquele (...) que pôs os

escravos em armas, para desterrar da cidade aquele cidadão

[Cícero] a quem o Senado, o povo e todas as nações

estimavam por conservador da sua cidade e da sua vida.

Também muito corrente nas fontes de época é a

promessa de manumissão aos escravos, caso

participassem dos grupos armados; como vemos na

mesma questão da briga de Cícero com Clódio

(Oração por A. Milão, 33):

De tudo se apoderaria e tomaria posse pela nova lei

que se achou entre as mais leis clodianas, pela qual dava

liberdade a nossos escravos e os fazia seus libertos; (...).

Ou então nos episódios do início do século I a.C.

narrados por Apiano (Guerras Civis, I), envolvendo

Mário e Cina, que foram declarados inimigos públicos

por sublevar os escravos, prometendo-lhes liberdade:

[60] Desta forma, as sedições; nascidas da discórdia e

da rivalidade, vieram acabar em assassinatos e, de

assassinatos, em guerras cabais, e, em seu tempo, pela

primeira vez, um exército de cidadãos invadiu a pátria como

se fosse terra inimiga. A partir de então, as sedições passaram

a ser decididas por meio de embates de exércitos e se

produziram contínuas invasões de Roma e batalhas sob seus

muros, e quantas outras circunstâncias acompanham as

guerras; pois para aqueles que utilizavam a violência não

existia mais freio algum por sentimento de respeito às leis, às

instituições, ou, ao menos, à pátria. Decretou-se de plano que

Suplício, que ainda era tribuno, junto a Mário, cônsul seis

vezes, o filho de Mário, Públio Cetego, Junio Buto, Cneo e

Quinto Granio, Públio Albinovano, Marco Letorio e quantos

outros, até o número de doze, haviam sido desterrados de

Roma, foram inimigos do povo romano por haver provocado

uma sedição e haver combatido contra os cônsules, e porque

haviam proclamado a liberdade para os escravos, a fim de

incitá-los à sublevação; e se autorizou a quem os encontrasse

que os matasse impunemente, ou os conduzisse até os

cônsules, e suas propriedades foram confiscadas. Alguns

perseguidores, que iam também em seu encalço, pegaram

Suplício e o mataram.

[65] Cina, que havia confiado em seu triunfo

arrebatado, pelo número de novos cidadãos, ao ver que,

diferentemente do que esperava, havia prevalecido a ousadia

da minoria, lançou-se pela cidade reunindo os escravos em

seu auxílio sob a promessa de liberdade. Contudo, como não

conseguiu nenhum, apressou-se em se dirigir às cidades

próximas, que, não havia muito tempo, haviam obtido a

cidadania romana: Tibur, Preneste e quantas se estendessem

até Nola, incitando-as, todas, a se sublevarem – e fazendo

reservas de dinheiro à guerra. Enquanto levava a cabo estes

preparativos e planos, retiraram-se de sua base de apoio

aqueles senadores de seu partido, Caio Milonio, Quinto

Sertorio e outro Caio Mário. O Senado decretou que Cina,

por haver abandonado em perigo a cidade, sendo cônsul, e

por haver proclamado a liberdade para os escravos, não era

há cônsul nem cidadão, e elegeram para seu lugar Lúcio

Mérula, o flamen de Júpiter.

▪ Alimentação.

A plebe, no curso da História Romana, teve

alguns fatores comuns quando falamos do plano

político de Roma. Entre as motivações de

descontentamento, achamos: distribuição de terras,

direitos (vinculados principalmente ao tribunado da

Page 30: Trabalho - Educação

30

plebe), impostos128

, recrutamento militar, moradias, e

alimentação. Este último item é tão importante, que a

maioria das fontes antigas faz menção ao tema. A

alimentação e a política caminharam juntas em Roma,

sendo que, por vezes, podemos até mesmo designar

esse processo de “política da alimentação”. Citaremos

alguns exemplos, pois os casos são muito numerosos.

Quando a Conjuração de Catilina foi desnublada

em 65-63 a.C., César teve de buscar apoio no povo,

devido a sua pessoa estar (supostamente) envolvida no

caso. A plebe apoiou Júlio César, um popular, que há

algum tempo havia caído nas graças da população mais

pobre. Temendo a agitação da plebe, Catão persuadiu o

Senado a distribuir grãos mensalmente, como narra

Plutarco, Vida de Catão o Jovem, 26:

Depois que Lêntulo e os outros conjurados foram

mortos, César, que havia sido denunciado perante o senado e

caíra em descrédito, buscou apoio no povo, sublevando e

atraindo a si os numerosos elementos indesejáveis e

corrompidos do Estado. Catão assustou-se. Recomendou ao

senado que tentasse recuperar a massa indigente e

despercebida129

mediante uma distribuição de cereais no

valor de mil duzentos e cinqüenta talentos por ano.

Comprovou-se que essa largueza, ditada pelo humanitarismo,

dissipou a ameaça de sedição.

Um pouco antes dos problemas com relação a

Catilina, Pompeu, em 67 a.C., livrou o Mediterrâneo

dos piratas: ao dificultarem o abastecimento de trigo

proveniente das províncias, fizeram o preço dos víveres

aumentarem em Roma. Plutarco escreveu (Vida de

Pompeu):

[25] Essa pirataria infestava praticamente todo o mar

de nossos países, que se tornara impraticável aos navegantes

e fechado a toda espécie de comércio. Essa circunstância,

principalmente, é que forçou os romanos, premidos pela falta

de abastecimento e ameaçados de fome, a enviar Pompeu

para recuperar as vias marítimas aos piratas.

[26] O preço dos víveres baixou imediatamente, o que

levou o povo a dizer, com alegria, que apenas o nome de

Pompeu conseguira terminar a guerra.

Apiano (Guerras Civis, V, 18) relata a dura

situação de Roma durante o período em que Augusto

teve de guerrear contra o filho de Pompeu Magno:

Desta forma, então, tudo desembocava na formação

de facções e os exércitos caíam na indisciplina até os chefes

das distintas facções, enquanto a fome oprimia Roma, já que

o mar não os trazia provisão alguma por causa de Pompeu,

128

Sobre os impostos, destacamos a passagem escrita por

Plutarco em sua Vida de Marco Antônio, 58:

César [Augusto], inteirado da rapidez e importância dos

preparativos de Antônio, receou ser obrigado a lutar naquele

verão, pois muita coisa ainda lhe faltava e o povo resmungava

contra os impostos. Uns eram forçados a entregar um quarto de

sua renda e os descendentes de libertos um oitavo de seus bens.

De sorte que todos gritavam contra ele e a Itália fervia. Por isso

se considera uma das maiores faltas de Antônio o ter adiado a

guerra, porquanto deu assim a César tempo para se preparar e

acalmar os tumultos. É que, quando cobrado, o povo se

exasperava, mas depois de pagar serenava. 129

Note, mais uma vez, o caráter parvo da plebe diante dos olhos

da elite romana.

nem a Itália era cultivada devido às guerras. E o pouco que se

produzia era consumido pelos exércitos. A maioria vadiava

de noite pela cidade e se produziam altercações ainda mais

violentas do que os roubos, que ficavam impunes e cuja

autoria era atribuída aos próprios soldados. O povo fechou as

lojas e expulsou os magistrados de suas sedes, como se já não

houvesse mais necessidade de magistraturas nem de

profissões artesanais, em uma cidade carente de tudo e

submetida à bandidagem.

A fome, somada às taxações por causa da guerra

no exterior, levaram à plebe urbana ao limite. A

violência contra o imperador foi motivo para se

aumentar o contingente de soldados dentro da cidade e,

violentamente, reprimir a manifestação, como escreveu

Apiano nesse rico excerto:

[67] A fome oprimia os romanos, pois os mercadores

do Oriente não se atreviam a navegar por temor a Pompeu e

Sicília, nem se atreviam os do Ocidente por causa de Cerdefia

e Córcega, ocupada pelos soldados de Pompeu; tampouco se

lançavam ao mar nas fronteiras da África, por mor dos

mesmos inimigos, que dominavam com as suas frotas ambos

os litorais. Assim, tudo se encareceu, e atribuíram a culpa

deste ocaso à discórdia entre os chefes, àqueles que

vituperavam e urgiam que se firmasse a paz com Pompeu.

Como nem assim cedeu Otávio, Antônio lhe pediu para que

acelerasse a guerra por causa da escassez. Contudo, ao não

existir dinheiro para ela, publicou-se um edital determinando

que os proprietários de escravos aportassem por cada um

deles a metade das vinte e cinco dracmas fixadas para a

guerra de Cássio e Bruto, e que aqueles que desfrutassem de

alguma propriedade por razão de herança contribuíssem com

uma parte proporcional. O povo destruiu o edital com fúria

selvagem, pois os infundiu de cólera que, depois de haver

exaurido o tesouro público, de haver esgotado as Províncias e

de oprimir a mesma Itália com tributos, taxas e confiscos, não

para guerras estrangeiras nem para expandir o império, mas

sim contra inimigos pessoais e em defesa do poder particular

de cada um – pelo que, precisamente, haviam acontecido as

proscrições, matanças e esta penosíssima fome –, ainda

tratavam os triúnviros de lhes pilhar, inclusive, o que lhes

restava.

Uniram-se em bandos gritando, e aos que não se

uniam a eles lhes arremessavam pedras e os ameaçavam de

saquear seus lares e lhes atear fogo. [68] Finalmente, o povo

em sua totalidade se sublevou, e Otávio, com seus amigos e

uns poucos servidores, dirigiu-se ao Fórum com a intenção de

sustentar um encontro com o populacho e expor as razões de

sua censura. Este, já farto, começou a atirar pedras sem

misericórdia, e Otávio não se deteve sequer quando viu que

persistia a enxurrada de projéteis, oferecendo-se a si mesmo,

e se encontrava ferido. Assim que Antônio se inteirou, acudiu

em seu auxílio com presteza. Neste o povo não atirou pedras

enquanto descia pela via Sacra, pois Antônio era favorável a

pactuar com Pompeu, mas pediram para que ele se retirasse e,

como não obedeceu, também lhe lançaram pedras. Ele

chamou um número maior de tropas que estavam fora das

muralhas. Mas, como nem assim lhe abriram caminho, os

soldados se dividiram em duas fileiras pelos cantos da rua do

Fórum e atacaram de sua formação estreita e mataram todos

aqueles que saíam ao corredor. Nesta ocasião, a massa do

povo já não pôde escapar com facilidade, apinhados devido

ao seu grande número, nem teve saída do Fórum, pelo que se

produziu uma matança, feridas e lamentos, e gritos dos tetos

das casas. Antônio avançou com dificuldade e resgatou

Otávio, que se achava em situação de perigo extremo, e o pôs

a salvo em sua própria casa. Uma vez que a multidão foi

dispersa, atiraram ao rio [Tíber] os cadáveres dos mortos para

evitar a sua lacerante visão. E um novo motivo de passar foi

vê-los arrastados pela corrente e os soldados os despojando,

Page 31: Trabalho - Educação

31

junto a certos mal-feitores, que se levaram suas melhores

prendas como se fossem as suas próprias. Assim, pois, essa

revolta foi sufocada à custa do medo e do ódio dos triúnviros,

a fome se tornava cada vez mais aguda, e o povo lamentava,

mas permanecia tranqüilo.

O imperador Cláudio (41-54 d.C.) sofreu

semelhante desgosto por parte da plebs urbana durante

uma época de carestia (Suetônio, Cláudio):

[18] Preocupou-se sempre, com a máxima solicitude,

com a Cidade e seu abastecimento. Durante o longo incêndio

do bairro Emiliano, ficou duas noites no local das

distribuições. E como os soldados e os escravos fossem

insuficientes, apelou para o auxílio, por intermédio dos

magistrados, do povo de todos os demais bairros. Depois,

colocou diante da população cestas cheias de dinheiro e a

incentivou a garantir os socorros, recompensando cada qual

com um salário digno do seu trabalho. Após vários anos de

esterilidade, a escassez de trigo fez com que ele fosse um dia

afrontado pela multidão no meio do Forum e coberto de

injúrias e migalhas de pão. Nesse dia, só a muito custo

conseguiu chegar ao seu palácio, por uma porta de trás.

Desde então, nunca mais deixou de providenciar para que os

gêneros não faltassem, mesmo no inverno. Garantiu,

efetivamente, aos negociantes, lucros fixos, assumindo o

compromisso dos prejuízos sofridos em virtude do mau

tempo. Concedeu ótimas vantagens àqueles que construíssem

navios para o comércio, proporcionando-lhes, [19] segundo

sua condição, algumas vantagens: dispensa da lei Pápia-

Poéia, para os latinos; privilégios das mães de quatro filhos,

para as mulheres. Essas concessões subsistem ainda hoje.

Tibério (14 -37 d.C.) teve de remediar o prejuízo

dos comerciantes para satisfazer o abastecimento de

trigo em Roma, diz-nos Tácito (Anais, II, 87):

Clamando o povo contra a carestia de víveres, taxou

Tibério o preço do trigo; e para que os negociantes não

perdessem, disse, “que lhes acrescentaria em cada alqueire

dois sestércios”.

Houve também momentos em que o próprio

imperador fez seu povo se esfomear, como Calígula

(37-41 d.C.):

Em repetidas ocasiões, fechando os celeiros, fez o

povo passar fome.130

Já Nero, distribuía não apenas trigo, mas

diversos mimos:

Distribuía ao povo, todos os dias, presentes de toda

espécie: cada dia mil pássaros de qualidades diferentes,

provisões as mais variadas, vales para aquisição de trigo,

roupas, ouro, prata, gemas, pérolas, quadros, escravos, bestas

de carga e até mesmo feras domesticadas. E, em último lugar,

sorteava navios, ilhas de casas e campos.131

A lista de passagens encontradas nas fontes

antigas que tenham algum tipo de relação

política/alimentação é imensa, por isso, nos limitamos

aqui a esses poucos exemplos.

130

Suetônio, Calígula, 26. 131

Suetônio, Nero, 11.

Porém, a alimentação do romano não era uma

das melhores no Mediterrâneo, como podem supor

algumas pessoas que estão acostumadas a ver e ouvir

notícias acerca dos extravagantes banquetes na cidade

de Roma.

Segundo o historiador Peter Garnsey, os

problemas da fome podiam ser endêmicos ou

episódicos: “No primeiro caso a fome ocorria a longo

prazo e com um carácter de estabilidade; no segundo,

surgia em períodos curtos e agudos, através de crises

alimentares individuais. Tais crises eram certamente

ocorrências freqüentes nas comunidades

mediterrânicas”132

. Essa característica contínua da

fome acarretava um estado nutricional desfavorável.

A dieta mediterrânica era formada por uma

quadríade: cereais, vinha, azeite e leguminosas. Destas

categorias, cerca de 60% da energia total é fornecida

pelos cereais; 30% pelos lipídios, provenientes,

principalmente do azeite; o restante da energia

encontra-se nas frutas e vegetais.

As culturas mais importantes de cereais eram de

trigo e cevada. Em Roma, o trigo sempre teve

importância maior do que a cevada, primeiramente,

devido ao solo propício ao plantio das sementes, em

segundo lugar, o fabrico de pão ganhou os paladares

italianos desde o século II a.C., deixando a cevada

quase que exclusivamente como forragem para animais

ou em momentos de carestia extrema, sendo também

servida em casos punitivos133

. A espécie triticum

dicoccum, um trigo com casca, era usualmente

transformada em sopa ou mingau (puls). Os trigos nus,

ou seja, grãos cujas cascas eram facilmente retiradas

durante o processamento, eram os mais empregados

para se fazer pães; entre as espécies, temos a que dava

origem ao pão de melhor qualidade, a triticum

aestiuum (“trigo estival”), e a triticum durum (“trigo

duro”), utilizada para o fabrico de pães ázimos (sem

fermento).

Quanto ao vinho, existiam variedades na

qualidade: “O vinho barato era para os pobres, o vinho

caro para os ricos. (...) O vinho era uma marca das

distinções sociais, mesmo em regiões onde faltasse

uma bebida estimulante alternativa, tal como a cerveja

ou o hidromel. Os preços nas lojas [tabernae] em

Pompeia ou Herculano revelam claramente que os

consumidores pagavam de acordo com a qualidade e a

raridade do vinho. Ainda assim, não é provável que o

melhor vinho estivesse sequer a venda nas lojas

comuns destas cidades. Inversamente, o vinho de pior

qualidade (pouco mais do que vinagre) estaria

disponível em qualquer espelunca. A região da

Campânia produzia não só vinhos excepcionais para os

epicuristas, mas também muita zurrapa de baixo preço

para os mercados freqüentados pela massa do povo. No

topo do mercado, encontravam-se ainda diversos

vinhos gregos que eram importados com certa despesa

para a região de Nápoles e para Roma. Mais uma vez,

132

Alimentação e sociedade na antiguidade clássica, p. 5. 133

Por exemplo, quando Suetônio (Augusto, 24) diz que:

[Augusto] Dizimou as coortes que tinham fugido e as

alimentou de cevada.

Page 32: Trabalho - Educação

32

tais vinhos não poderiam ser comprados pelos

pobres”134

.

A oliveira só se espalhou pela orla do

Mediterrâneo. Ela precisa de uma estação seca para os

frutos desenvolverem seu conteúdo em azeite, e um

inverno fresco para o repouso da árvore, não tolerando

geadas e plantios acima de 800 metros. Por isso, na

Itália, a oliveira cresce no sopé dos Apeninos, na região

sul da península. Isso faz com que as regiões mais

distantes da orla necessitassem importar o azeite. Já as

leguminosas, as quais Garnsey chama “carne dos

pobres”, eram muito difundidas nas dietas da

Antigüidade, tendo entre seus principais exemplos as

favas, o grão-de-bico, lentilhas e ervilhas.

As carnes eram pouco consumidas, por causa do

baixo custo/benefício da criação de animais; afirma

Peter Garnsey: “A criação de gado constitui um uso

antieconómico da terra, já que as plantas produzem

bem mais alimento por unidade de área do que os

animais. Os animais transformam os vegetais em carne;

contudo, muita energia é perdida nesse processo,

fazendo mais sentido que os humanos consumam

directamente os vegetais. Nestas condições a criação de

gado em larga escala estava posta de lado. Eram

criados bovinos, mas mais como animais de trabalho

do que pela sua carne ou produtos lácteos. As ovelhas e

cabras existiam em grande número; umas e outras eram

mantidas em primeiro lugar para a obtenção de lã (ou

pêlo) e em segundo lugar para obtenção de queijo ou

de peles”135

. O consumo de carne restringia-se à carne

de porco, e o modo habitual dos “romanos comuns

obterem carne, era através da compra de comida pré-

cozinhada, de baixa qualidade e a baixo preço, a

vendedores de rua ou em tascas e estalagens; artigos

tais como morcela, paio ou salsichas”136

.

Os cereais representam uma fonte adequada de

energia alimentar. As necessidades mínimas calóricas

para o homem são de 1.625-2.012 Kcal por dia; o trigo

brando (triticum aestiuum) fornece 3.330 Kcal por

quilograma, ou seja, a pessoa satisfar-se-ia com cerca

de 600g diários. Os cereais também fornecem a maioria

dos nutrientes essenciais, incluindo as vitaminas do

grupo B tiamina (importante para o funcionamento do

sistema nervoso, músculos e coração) e niacina

(protege o fígado, os tecidos nervosos e o aparelho

digestivo), além da vitamina E, cálcio e ferro, mas

possuem baixo conteúdo de vitamina B2 (riboflavina -

favorece o metabolismo das gorduras, açúcares e

proteínas) e são deficitários nas vitaminas A, C e D137

.

Contudo, isso não quer dizer que o romano tivesse uma

boa saúde: “Os cereais, se consumidos em quantidade,

suprirão a maioria das necessidades. Mas o modo como

são ingeridos faz diferença. (..) Assim, esperaríamos

encontrar sérios problemas nas sociedades antigas, na

medida em que, pães ázimos, chapatis, etc., feitos a

134

Peter Garnsey, Alimentação e sociedade na antiguidade

clássica, pp. 115-116. 135

Alimentação e sociedade na antiguidade clássica, p. 16. 136

Idem, p. 123. 137

A falta dessas vitaminas gera avitaminoses que causam, entre

as vitaminas mencionadas (A, C e D): má formação dos ossos,

prejudica o crescimento, é a principal causa de cegueira em

crianças, escorbuto, e raquitismo. Todas essas doenças são

tratadas por Peter Garnsey no capítulo intitulado “A

malnutrição” (pp. 42-59), no livro já mencionado.

partir de farinha de alta extração (isto é, pouco

peneirada) e sem fermento, eram consumidos em

grandes quantidades – e especialmente em locais onde

não fossem consumidas muitas outras coisas. (...)

Quanto mais pobre se fosse, menos farinha de boa

qualidade se podia comprar, e tal farinha seria

peneirada com menos eficácia. A farinha peneirada

ineficazmente teria um conteúdo elevado de fitato138

, e

quanto mais elevado o conteúdo deste, mais provável

seria que o organismo fosse privado de minerais

essenciais”139

. Como podemos notar, o convívio diário

do romano com as crises de abastecimento de

alimentos (o que poderia ocasionar, por sua vez, uma

negativa situação política), agravava sua mal-nutrição,

não importando, nesse caso, o quão rico fosse, já que a

dieta e o fabrico dos alimentos eram praticamente os

mesmos para toda a população.

138

O fitato é um composto que está naturalmente presente nos

cereais. Esse composto se liga a sais minerais como o zinco,

ferro e cálcio no intestino, impedindo que o corpo aproveite bem

estes nutrientes. 139

Peter Garnsey, Alimentação e sociedade na antiguidade

clássica, p. 20.

Page 33: Trabalho - Educação

33

Parte III

A) Alguns materiais e algumas técnicas

Tácito, historiador do século I-II d.C.,

escreveu em seus Anais (Livro XIII):

[38] [Ano de 64 d.C.] Seguiu-se logo um grande

desastre, o qual se foi casual ou obra da malícia de Nero

ainda hoje não é fato certo, porque uma e outra coisa lemos

nas histórias. Foi um fogo o mais horroroso e o mais

devastador de todos quantos nos tempos passados se tinham

visto em Roma. O incêndio começou na parte do Circo, que

está contígua aos montes Palatino e Célio; e dando nas lojas

aonde encontrou bastantes matérias combustíveis, apareceu

logo com tal violência, ajudado pelo vento, que tomou todo o

espaço do Circo, em que os palácios não tinham pátios em

roda, nem os templos muros alguns, e enfim nada havia que o

pudesse retardar. Estendendo-se depois com grande ímpeto, e

passando ora das planícies às alturas, ora destas aos baixos da

cidade, antecipou com a sua incrível rapidez todos os

remédios que se lhe poderiam aplicar; porque achava todas as

facilidades possíveis dentro de uma capital que, como a

antiga Roma, constava de ruas estreitas, e de quarteirões mui

extensos. Além disto, os alaridos das mulheres assustadas, os

muitos velhos e crianças, e a imensa gente, que corria ou para

salvar-se ou para salvar os outros, e que ou conduzia os

doentes ou esperava por eles, com as suas mesmas pressas,

ou com as suas mesmas demoras aumentavam ainda mais a

confusão e o embaraço. Muitas vezes, só enquanto olhavam

para trás, viam-se cercados por diante e pelos lados; e se

tinham a lembrança de se passarem aos bairros vizinhos já

também os achavam envolvidos nas chamas, não podendo,

ainda que quisessem, buscar os que eram mais retirados,

porque também lá encontravam o mesmo flagelo. Sem

saberem afinal nem que perigo evitassem, nem que asilo

fossem demandar, ficavam em montões pelas ruas ou

deitados pelos campos, de sorte que uns, havendo perdido

toda a sua fortuna, e não tendo já com que se poder alimentar,

e outros com a dor de terem visto morrer os seus parentes,

sem lhes poderem acudir, entregavam-se voluntàriamente à

morte ainda quando tinham meios de evitá-la. Ninguém

mesmo se atrevia a impedir tanto mal, porque ou se ouviam

os gritos ameaçadores de muitos que já estavam preparados

para estorvar quem tal intentava, ou se viam outros aumentar

o incêndio com fachos acesos que publicamente

arremessavam, clamando em altas vozes, que tinham ordem

para isto, ou fosse para assim roubarem melhor e mais à sua

vontade, ou porque realmente as ordens fossem verdadeiras.

[39] Neste mesmo tempo Nero se conservava em

Ântio, e não voltou a Roma senão quando o fogo já se ia

aproximando do edifício que ele havia feito construir para

unir o palácio com os jardins de Mecenas. Mas não se pôde

apagar; e o palácio e o edifício com tudo quanto estava em

roda ficaram abrasados. Para dar algum alívio ao povo

aterrado e fugitivo mandou então abrir o Campo de Marte, os

monumentos de Agripa, e até os seus próprios jardins.

Armaram-se barracas à pressa para recolher a gente mais

pobre; mandaram-se vir de Óstia e dos municípios vizinhos

todos os móveis precisos; e regulou-se a venda do pão pelo

preço mais baixo. Contudo, todas estas demonstrações

populares não produziram o seu efeito, porque se espalhou

um boato de que Nero no momento em que Roma estava

ardendo, fora ao teatro que tinha em sua casa, e nele cantara a

destruição de Tróia, comparando as desgraças antigas com a

calamidade presente.

[40] Afinal, passados seis dias, parou o fogo na

parte mais baixa do monte Esquilino, depois de se ter abatido

um grande número de edifícios, afim de que a sua constante

impetuosidade não pudesse achar outro alimento senão o

espaço dos campos, ou se possível fosse o imenso vácuo dos

ares. Mas ainda o susto bem se não tinha acabado quando se

tornou a atear o incêndio com não menos violência nos

lugares mais descobertos da cidade; o que assim fez que não

morresse tanta gente, porém que fossem consumidos pelas

chamas muitos mais templos dos deuses, e maior número de

pórticos destinados para recreio. Deu contudo este incêndio

ainda ocasião a maiores suspeitas, porque principiou nos

prédios Emilianos que Tigelino possuía. Parecia que Nero

aspirava à glória de edificar uma nova cidade, e de lhe dar o

seu nome. Com efeito, dos quatorze bairros de Roma só

quatro se conservaram inteiros; três ficaram completamente

arrasados; e sete apenas mostravam alguns vestígios de

edifícios abatidos, e meio devorados.

[41] Seria dificultoso enumerar as casas

particulares, os palácios, e os templos que foram destruídos;

contudo direi sempre que os mais antigos monumentos

religiosos, tais como aquele que Sérvio Túlio havia dedicado

à Lua, o grande altar e o templo que o Árcade Evandro tinha

consagrado ao poderoso Hércules, o de Júpiter Estator, obra

de um voto de Rómulo, o palácio de Numa, e o templo de

Vesta com todos os penates do povo romano acabaram neste

incêndio. Não falo das riquezas imensas, fruto das nossas

vitórias, de todos estes primores das artes da Grécia, e dos

riquíssimos manuscritos autênticos, antigos monumentos do

gênio, e que nossos velhos ainda se lembravam ter visto; esta

perda irreparável, apesar de toda a brilhante magnificência da

nova cidade, nunca se poderá esquecer. Houve quem notasse

que o incêndio principiara aos quatorze das calendas de

Agosto [19 de Julho], dia em que os Gauleses também já

tinham entrado em Roma, e lhe haviam posto o fogo. Outros

ainda mais indagadores mostraram, que entre ambos os

incêndios tinham decorrido os mesmos anos, meses, e dias.

[42] Contudo Nero serviu-se das ruínas da pátria

para sobre elas fabricar um palácio em que o ouro e as pedras

preciosas não causavam tanta maravilha, por serem já muito

vulgares, e uma ostentação ordinária do luxo, como os

campos e os lagos, e por uma parte as artificiais solidões e

desertos formados por bosques espessos, e por outra as largas

planícies, e longas perspectivas, que dentro de seu imenso

circuito se viam. Foram seus engenheiros e arquitetos Severo,

e Céler, os quais pelo seu gênio e ousadia tentaram forçar a

natureza, e nenhuma dúvida tiveram em desperdiçar os

tesouros do príncipe. Com efeito, prometeram-lhe abrir um

canal que fosse navegável desde o lago Averno até a

embocadura do Tibre, apesar da aspereza do terreno, e das

altas montanhas que era preciso romper; e de não se

encontrar em todo este longo espaço lugar algum úmido que

pudesse fornecer águas, à exceção das Lagoas Pontinas: todo

o mais terreno era escabroso e árido, de sorte que, ainda

quando fosse possível rompê-lo, não merecia tanto trabalho,

nem despesas. Assim mesmo Nero, que sempre folgava de

empreender coisas da maior dificuldade, se esforçou em

rasgar as alturas vizinhas do Averno; mas ainda hoje se

conservam os vestígios das suas esperanças baldadas.

[43] Todas as casas porém que, depois de feito este

palácio imenso, tiveram ainda espaço para se poderem

reedificar, não foram construídas sem ordem e ao acaso,

como havia acontecido depois do incêndio dos Gauleses; mas

regularam-se os quarteirões, alargaram-se as ruas,

determinou-se a altura dos edifícios, e em frente dos palácios

se fizeram grandes pátios e pórticos que lhes defendiam as

entradas. Nero prometeu construir à sua custa estes pórticos,

de entregar aos proprietários o terreno limpo de entulhos, e de

recompensar, segundo as suas qualidades e riquezas, aqueles

que dentro de um certo tempo tivessem acabado as suas casas

ou palácios. Para despejar os entulhos se destinaram as lagoas

de Óstia, e determinou-se que os navios que entrassem no

Page 34: Trabalho - Educação

34

Tibre carregados de trigo os transportassem para ali na sua

volta. Também se regulou que certas partes dos edifícios não

tivessem madeiras, e só fossem construídas de pedras de

Alba, e de Gábios, que resistem ao fogo. E para que os

particulares não se aproveitassem das águas em prejuízo do

público, e assim deixassem de correr em abundância, e em

diferentes lugares, criou-se inspetores para que cada família

pudesse ter auxílios prontos contra o fogo, e usar deles com

toda a facilidade; ordenando-se ao mesmo tempo que todas as

casas fossem sobre si, sem comunicação com os vizinhos.

Estes regulamentos de utilidade deram também formosura à

nova cidade; contudo, ainda havia alguns persuadidos de que

a antiga forma era mais saudável, porque as ruas estreitas, e

os tetos elevados não davam tanta entrada aos raios do sol, e

agora, pelo contrário, sendo largas e descobertas, ficavam

sujeitas a toda a força do calor.

[44] Tais eram as providências humanas que se

davam; e delas se passou logo às expiações para se aplacar a

cólera dos deuses. Consultaram-se os livros sibilinos, e

conforme as suas respostas se fizeram preces públicas a

Vulcano, a Ceres, e a Prosérpina; e as matronas romanas

foram em procissão implorar o auxílio de Juno,

primeiramente ao Capitólio e depois às bordas mais vizinhas

do mar. Trazendo dali água, aspergiram com ela o templo e a

estátua da deusa; e as mulheres casadas celebraram as

Selistérnias, e vigílias. Mas nem todos os socorros humanos,

nem as liberalidades do príncipe, e nem as orações e

sacrifícios aos deuses podiam desvanecer o boato infamatório

de que o incêndio não fora obra do acaso. Assim Nero, para

desviar as suspeitas, procurou achar culpados, e castigou com

as penas mais horrorosas a certos homens que, já dantes

odiados por seus crimes, o vulgo chamava cristãos. O autor

deste seu nome foi Cristo, que no governo de Tibério foi

condenado ao último suplício pelo procurador Pôncio Pilatos.

A sua perniciosa superstição, que até ali tinha estado

reprimida, já tornava de novo a grassar não só por toda a

Judeia, origem deste mal, mas até dentro de Roma, aonde

todas as atrocidades do universo, e tudo quanto há de mais

vergonhoso vem enfim acumular-se, e sempre acham

acolhimento. Em primeiro lugar se prenderam os que

confessavam ser cristãos, e depois pelas denúncias destes

uma multidão inumerável, os quais todos não tanto foram

convencidos de haverem tido parte no incêndio como de

serem os inimigos do gênero humano. O suplício destes

miseráveis foi ainda acompanhado de insultos, porque ou os

cobriram com peles de animais ferozes para serem devorados

pelos cães, ou foram crucificados, ou os queimaram de noite

para servirem como de archotes e tochas ao público. Nero

ofereceu os seus jardins para este espetáculo, e ao mesmo

tempo dava os jogos do Circo, confundido com o povo em

trajes de cocheiro, ou guiando as carroças. Desta forma, ainda

que culpados, e dignos dos últimos suplícios, mereceram

compaixão universal por se ver que não eram imolados à

publica utilidade, mas aos passatempos atrozes de um

bárbaro.

O longo excerto acima retrata um dos

episódios mais famosos da História Romana; qualquer

pessoa que ouça o nome “Nero” imediatamente se

lembrará de que “ele causou um incêndio em Roma,

enquanto tocava sua harpa”. Contudo o que nos

interessa nesse importantíssimo trecho são as menções

à materialidade romana, entre elas, as residências.

Na Parte II (item B) deste trabalho, aludimos

às tabernae, que se expandiram pelo Império após o

século II a.C.. Essas tabernas ou lojas eram as

principais responsáveis pela distribuição local de

alimentos e artefatos (também produzidos nas

oficinas), e estavam espalhadas por toda a cidade.

Como afirma Tácito, as lojas foram um verdadeiro

catalisador do incêndio de 64 d.C.: “O incêndio

começou na parte do Circo, que está contígua aos

montes Palatino e Célio; e dando nas lojas aonde

encontrou bastantes matérias combustíveis, apareceu

logo com tal violência, ajudado pelo vento, que tomou

todo o espaço do Circo”140

. Embora o autor não

mencione quais seriam os materiais combustíveis,

podemos deduzir que não fugiriam do cotidiano

romano, ou seja, eram materiais básicos, que a maioria

da população teria em casa ao comprar, tais como

tecidos, objetos de madeira (usados no mobiliário e

como instrumentos de fabricação de outros artefatos),

couro, e, principalmente, o azeite, que era o principal

combustor na Roma Antiga, utilizado para gerar calor e

luz, seja nos archotes carregados pelos cidadãos

quando saíam à noite pelas ruas, seja dentro das

próprias moradias, onde o óleo era o combustível das

imprescindíveis lamparinas141

. As ruas de Roma, como

já estudado no item C da Parte I, colaboraram para a

extensão do fogo: “porque achava todas as facilidades

possíveis dentro de uma capital que, como a antiga

Roma, constava de ruas estreitas, e de quarteirões mui

extensos”142

.

Tácito segue dizendo a respeito da utilização

das ruínas da cidade por Nero para a construção de sua

Domus Aurea (“Casa Dourada”, ver Figuras 9 e 10),

que recebeu essa denominação devido às pinturas em

cor de ouro espalhadas pela estrutura143

. Todavia, o

imperador foi responsável pela reestruturação do

planejamento urbano da Cidade, tendo, inclusive,

limitado a altura das residências, como afirma o

historiador antigo: “Todas as casas, porém que, depois

de feito este palácio imenso, tiveram ainda espaço para

se poderem reedificar, não foram construídas sem

ordem e ao acaso, como havia acontecido depois do

incêndio dos Gauleses; mas regularam-se os

quarteirões, alargaram-se as ruas, determinou-se a

altura dos edifícios, e em frente dos palácios se fizeram

grandes pátios e pórticos que lhes defendiam as

entradas”; e também estabeleceu que novos materiais

fossem usados nas construções: “Também se regulou

que certas partes dos edifícios não tivessem madeiras, e

só fossem construídas de pedras de Alba, e de Gábios,

que resistem ao fogo”144

. Mas as medidas de Nero,

obviamente, não resistiram ao tempo, e temos, em fins

do século II d.C., um poeta Juvenal um tanto ranzinza:

Que lugar desgraçado, ou solitário

Preferível não vemos à Cidade

Terrível, onde incêndios, e ruínas

De prédios são contínuos (...).145

140

Anais, 38. 141

Para maior entendimento acerca do uso e das características

das lamparinas, ver a dissertação de Mestrado da arqueóloga

Maria Isabel D‟Agostino Fleming: Lamparinas na antiguidade

clássica: problemas sociais, econômicos e tecnológicos. 142

Anais, 38. 143

A Domus Aurea foi, posteriormente, soterrada devido à

construção das Termas de Trajano. A notícia mais recente sobre

o palácio de Nero data de Fevereiro de 2007, quando partes das

escavações da estrutura foram re-abertas ao público, depois de

quase dois anos fechada para reparos por causa do risco de

desmoronamento. 144

Anais, 43. 145

Sátiras, III, 8-11.

Page 35: Trabalho - Educação

35

Os incêndios em Roma foram uma constante.

Muitas são as passagens nas fontes antigas que

mencionam o crepitar de edifícios. Em algumas delas,

os causadores do fogaréu foram políticos com seus

grupos de partidários, como a mostrada acima, na qual

Tácito fala sobre a suspeita do intento do imperador de

transformar parte da cidade em sua “Nerópolis”146

, e

Suetônio o acusa com todas as palavras (Nero, 38):

Simulando descontentamento com a feiúra dos

antigos edifícios, com a estreiteza e a tortuosidade das ruas,

incendiou a Cidade de forma tão acintosa que a maior parte

dos consulares não ousou prender os cubiculários,

surpreendidos nas suas casas com estopas e tochas.

Todavia, a cidade estava propensa a incêndios

e desmoronamentos – além da dificuldade na

distribuição de água vinda dos aquedutos – por causa

dos materiais empregados na construção dos edifícios,

das moradias.

Cabem aqui algumas palavras sobre as

matérias-primas empregadas no fabrico das residências.

Para isso, devemos recorrer ao principal tratado de

arquitetura deixado pelos romanos, a obra Da

Arquitetura de Marco Vitrúvio Polião, escrita no fim

do século I a.C. (ano 25) sob a benesse de Augusto,

constituída de dez livros que discorrem sobre a

edificação de diversas estruturas, monumentais e

residenciais. Em seu “Livro II”, Vitrúvio explana

pormenorizadamente os materiais utilizados nas

construções; vejamos o que o autor nos deixou sobre os

tijolos:

Assim, com relação aos tijolos, falarei em primeiro

lugar sobre a terra com a qual se deve produzi-los. Não

devem ser feitos com terra arenosa, nem pedregosa, nem com

lama arenosa, porque, produzidos desses materiais,

primeiramente tornam-se pesados, após o que, com a

dispersão das chuvas pelas paredes, desmancham-se e fazem-

se desabar, bem como a palha contida neles não mais se

agrega por causa de sua aspereza. Devem portanto, ser feitos

de terra argilosa branca, ou argila vermelha, ou até mesmo

saibro147. Os desse último tipo, em virtude de sua leveza,

possuem consistência e, por ocasião da obra, não se mostram

pesados, sendo facilmente assentados. Têm de ser produzidos

na primavera ou no outono para que sequem de uma única

vez. Os que são feitos no calor do verão tornam-se, pois,

defeituosos, porque ao cozer completamente a camada

exterior, o sol faz seu interior parecer ressecado apesar de

ainda não estar seco, e depois, secando, contrai-se, trincando

as partes que estavam secas. Produzidos assim fendidos,

tornam-se quebradiços. Serão muitíssimo melhores ainda se

forem produzidos a cada dois anos pelo menos, pois antes

desse tempo não podem secar completamente148

.

A leitura de Vitrúvio torna-se tão fascinante

devido ao seu caráter de manual aos arquitetos

coetâneos a ele; a visão dos antigos sobre um assunto

complexo como a arquitetura mostra-se um tanto

didática quando lemos a obra desse autor. Vitrúvio

146

Suetônio, Nero, 55. 147

Saibro: rocha resultante da decomposição química de granitos

ou gnaisses. 148

II, 3.

alude à qualidade do tijolo que é seco naturalmente nas

estações amenas do ano. Havia, também, os tijolos

queimados, muito empregados nas construções

romanas. De acordo com os arqueólogos Peter

Connolly e Hazel Dodge em seu livro The ancient city,

os tijolos queimados poderiam ser de quatro tamanhos

padrões149

(Figura 11): bipedalis (“dois pés

romanos”), 59 cm; sesquipedalis (“um pé romano mais

sua metade”), 44 cm; pedalis (“um pé romano”), 29,5

cm; e bessalis (“três quartos de pé romano”).

Sobre o tipo de areia apropriada para a

composição da argamassa, Vitrúvio diz que as espécies

de areia fóssil são as melhores porque não apresentam

características de tornarem-se terrosas com a exposição

ao calor do Sol, o que faria a argamassa não segurar os

tijolos e, conseqüentemente, ruir as estruturas150

. Um

outro gênero de argamassa poderia ter em sua

composição o pó extraído da pozolana (pumicita) – ou

a “terra de Vesúvio”, nas palavras de Vitrúvio – uma

rocha vulcânica extremamente eficaz para conferir

firmeza aos edifícios e que se solidifica, inclusive, sob

a água151

. Outro componente básico utilizado na

alvenaria das residências (e das demais construções,

geralmente) era a cal, que seria

(...) obtida do cozimento da pedra branca [calcita]

ou da pederneira [sílex]; que extraída de pedra compacta e

mais consistente será adequada à alvenaria, e de pedra porosa

aos revestimentos. (...) Ora, por que motivo a cal, ao

misturar-se à água e à areia, consolida a alvenaria? Parece

que a explicação residiria no fato de as rochas, como os

demais materiais, resultarem de uma combinação de

princípios. Assim, as que encerrassem mais ar seriam moles;

as que encerrassem mais umidade, dúcteis; mais terra, duras,

e mais calor, mais frágeis152

.

A construção de edifícios mais altos foi

possível graças ao desenvolvimento do concreto (opus

caementicium – “obra cimentada”) no século III a.C.,

que conviveu lado a lado com a antiga técnica do opus

craticum (“obra engradada; com formato de grade”). O

concreto foi aperfeiçoado na região da Campânia, e

fazia-se a partir de uma mistura de pedras e/ou tijolos

formando um agregado que era preenchido,

alternadamente, com a argamassa. Porém, a opção mais

barata de edificação era com o opus craticum (Figura

12), muito utilizado quando se desejava construir

algum andar superior: a técnica consistia em preencher

os espaços quadrados deixados pela grade de madeira

com pedregulhos e argamassa. Embora mais

econômico, o opus craticum era frágil e ruía com

freqüência, além de conter matéria inflamável

(madeira), sendo passíveis de causar incêndios153

.

149

Página 138. 150

II, 4. 151

II, 6. Já Peter Connoly e Hazel Dodge não fazem menção à

areia fóssil como elemento da argamassa, segundo eles (The

ancient city, p. 138): “A argamassa era feita com pozolana

[pozzolana], uma areia vulcânica que dá força extra e coesão ao

material e solidifica-se sob a água”. 152

Vitrúvio, Da Arquitetura, II, 5. 153

Devemos lembrar também que o teto das moradias era feito

de madeira, coberto com telhas (tegulae) produzidas com

terracota e que possuíam, segundo Peter Connolly e Hazel Dodge

(The ancient city, p. 139), geralmente, 45 cm de largura por 60

cm de comprimento (ver Figura 16). Vitrúvio (II, 9) explica

como deixar a madeira ideal para o uso na construção:

Page 36: Trabalho - Educação

36

Para as fundações dos edifícios, o concreto era

derramado em camadas entre uma estrutura de alicerce

feita de madeira, que geralmente era deixada no local

após a solidificação do concreto (Figura 13). Para a

construção de muros, os romanos usaram diversas

técnicas (além do opus craticum) que variaram no

tempo: opus quadratum (“obra quadrada”), datada do

início do século VII e século VI a.C., consistia em

colocar blocos de pedras paralelos uns aos outros; opus

incertum (“obra incerta; pouco firme”), datada do

início do século II a.C., um revestimento para o

concreto construído com pequenas e irregulares pedras;

opus quasi-reticulatum (“obra quase reticulada”),

último quartel do século II a.C., revestimento para

concreto feito com pedras quadradas, mas não muito

bem dispostas; opus reticulatum (“obra reticulada”),

início do século I a.C. até o governo de Nero, um

revestimento para concreto feito com pedras quadradas

dispostas diagonalmente, formando o traçado perfeito

de uma rede; opus testaceum (“obra conchada”), muito

usada a partir de meados do século I d.C., consistia em

um revestimento para o concreto feito com camadas de

tijolos queimados dispostos paralelamente; opus

mixtum (“obra misturada; mista”), início do século II

d.C., revestimento que usava tijolos queimados

dispostos à maneira do opus testaceum e/ou

intercalados com opus reticulatum; opus vittatum

(“obra listada”), por volta do século IV d.C., consiste

em camadas alternadas de pedras com tijolos

queimados154

(Figuras 14 e 15).

As rochas utilizadas pelos romanos em suas

edificações variavam em formas e tipos, podendo-se

destacar o tufo155

, o travertino156

e o mármore157

. As

pedreiras localizavam-se por toda a Península Itálica e

o comércio dessas rochas estendia-se também pelo

território itálico todo, como Vitrúvio atesta por meio de

seu conhecimento material: cita, no capítulo VII de seu

Livro II, as cidades de Tíbure, Anisterno, Soracte,

Fidenas, Tarquínia, e as regiões da Campânia, Úmbria,

Piceno e Venécia.

Todas essas técnicas de construção, os

materiais empregados nas edificações e como seriam

esses edifícios eram pensados e formulados pela figura

do arquiteto (architectus). Esse especialista, após os

últimos acertos com a pessoa que o contratava

(geralmente um membro da ordem eqüestre ou da

É necessário que seja cortada fazendo-se uma incisão

na espessura da árvore até a medula intermediária e que se deixe,

para que, gotejando, saia através dela toda a seiva. Desse modo,

o líquido inútil que estiver em seu interior, escorrendo pela

incisão, impedirá que a seiva se transforme em pus e que

comprometa a qualidade da madeira. Destarte, quando a árvore

estiver seca e não destilar mais gota alguma, será derrubada e

estará perfeita para ser utilizada. 154

Para melhor entendimento das técnicas descritas. Sobre a

descrição da alvenaria segundo os romanos, consultar: Vitrúvio,

Da Arquitetura, II, 8. 155

Rocha vulcânica sedimentar, também conhecida por pozolana.

Dela era extraído o pó utilizado no preparo da argamassa

mencionada por Vitrúvio. 156

Rocha calcária sedimentar. 157

Rocha calcária metamórfica.

ordem senatorial), começava o trabalho de composição

de sua obra. O arquiteto era visto realmente como um

compositor, como nos diz o historiador e arqueólogo

Robert Scranton: “O arquiteto (...) é instruído a „fazer

especificações‟. O verbo usado [no mundo grego] é

syngrapsai, do qual provém o substantivo syngraphe,

amplamente usado. O significado do substantivo pode

ser entendido como „composição escrita‟: sendo usado

para designar tanto prosas como histórias ou „escritas‟

em geral; talvez esse substantivo contenha em si uma

idéia de se juntar, na escrita, uma série de dados. De

qualquer maneira, ele é comum no vocabulário antigo

sobre as construções e parece ter sido utilizado de

forma que entendamos como „especificações‟ para uma

edificação, (..) ou „especificações‟ para um contrato

(..)”158

. O significado de “compor” também cabia

perfeitamente ao entendimento do verbo “desenhar”:

lendo Vitrúvio (I, 2), percebemos que o arquiteto

deveria de fato fazer os desenhos (das plantas,

elevações e perspectivas) da construção que seria

executada. Trabalho esse realizado também por uma

parcela da plebe urbana proletária (obviamente,

tratando-se aqui de um centro urbano), que recebia

salário em troca dos dias empregados para erigir a

construção (Figura 17), pois nenhuma edificação da

Antiguidade foi erigida por apenas um homem: os

“anônimos” tiveram um papel fundamental na

ampliação da cultura material, como nos lembra Brecht

em seu famigerado poema:

Quem construiu a Tebas de sete portas?

Nos livros estão os nomes de reis.

Arrastaram eles os blocos de pedras?

E a Babilônia várias vezes destruída.

Quem a reconstruiu tantas vezes? Em que casas

Da Lima dourada moravam os construtores?

Para onde foram os pedreiros,

Na noite em que a muralha de China ficou pronta?

A grande Roma está cheia de arcos de triunfo.

Quem os ergueu? Sobre quem

Triunfaram os Césares? A decantada Bizâncio

Tinha somente palácios para seus habitantes? (...) 159

B) Moradias: Domus e Insula

Após esta breve introdução aos materiais e

algumas técnicas utilizadas nas construções,

analisaremos a moradia romana. Mas qual seria a

importância sobre o estudo da casa e qual a relação

entre a residência dos romanos e o trabalho realizado

pelos artesãos da plebe urbana (questão central que

abordamos)?

158

“Greek building”, in: Carl Roebuck (ed.), The muses at work,

pp. 5-6. 159

Bertolt Brecht, “Perguntas de um trabalhador que lê”, in:

Poemas de Bertolt Brecht. 1913-1956. São Paulo: Brasiliense,

1986, p. 167.

Page 37: Trabalho - Educação

37

A questão mais evidente ao se estudar as

moradias romanas é que os aspectos estruturais das

casas denotam o contraste existente entre as pessoas

mais abastadas e as que possuíam menos recursos

econômicos. Como se verá, a planta de uma casa

pertencente a um rico (domus – “casa”) é geralmente

mais fácil de identificar quando comparada à de uma

insula (“ilha”), embora o problema central não seja o

do tamanho da área ou o da altura da estrutura. As

moradias ricas possuíam elementos arquitetônicos em

comum: características herdadas quando da formação

de uma aristocracia como grupo social, diferenciada

das demais pessoas que habitavam o campo ou a

cidade. Embora houvesse uma tendência ao

agrupamento de moradias de pessoas mais abastadas

em determinados bairros, mesmo assim dificilmente

era possível conter a permeação (e a difusão) das

insulae e dos tuguria pela geografia urbana romana.

A insula, por sua vez, foi reflexo do

crescimento demográfico sofrido por Roma a partir do

século III a.C.: o território urbano ficou pequeno para a

construção de moradias individuais, além do alto custo

de edificação desse tipo de residência. A solução

encontrada foi a mais prática possível: a construção de

“prédios”, com andares variados, por parte dos

membros pertencentes às ordens senatorial ou eqüestre

para fins de locação160

. Outra forma rentável era

ampliar uma domus, construindo-se um cômodo

adjacente à estrutura ou até mesmo elevando-se um

andar na casa. Voltando-nos à pergunta inicial, a

resposta está no fato de as moradias serem os locais de

fabricação e venda dos artesanatos. Uma insula (e

também uma casa com algum cômodo locado) podia

contar com várias tabernae (“tabernas”) e officinae

(“oficinas”), ou seja, essas áreas de trabalho da plebe

urbana eram as responsáveis pela distribuição de

alimentos e dos artefatos que serão aqui estudados. O

taberneiro e o artesão normalmente moravam dentro de

seus locais de trabalho, mesclando, dessa maneira, sua

vida pública e sua vida particular em um mesmo

ambiente, acomodando-o de acordo com cada ocasião.

Obviamente, esses artesanatos vendidos eram

acolhidos em inúmeros locais diferentes, por isso, o

estudo da moradia dos ricos também se faz importante:

os produtos fabricados foram, em diversas ocasiões,

encontrados em escavações arqueológicas realizadas

em domus; dessa maneira, é possível analisar quais os

artesanatos mais comuns que chegavam a essa elite da

sociedade. Far-se-á a seguir, portanto, uma breve

descrição das principais características da domus – aqui

entendida como “consumidor” – e da insula onde

160

Vitrúvio, no século I a.C., escrevia sobre a necessidade das

insulae (II, 8):

É necessário (...) produzir numerosas habitações na

majestade da Urbe, na infinita aglomeração de cidadãos. Logo,

uma vez que as áreas no rés-do-chão não poderiam conter

tamanha multidão a ocupar a Cidade, por isso mesmo, é

necessário recorrer à ajuda dos edifícios em altura. E, assim,

estruturas em altura com pilares de pedra, paredes de alvenaria,

argamassa de pedrisco e cobertas por numerosos vigamentos nos

andares superiores serão de fundamental importância para a

construção de edifícios. Por conseguinte, com a cidade

multiplicada em altura por muitos pavimentos, o povo romano

terá, sem dificuldades, habitações magníficas.

morava e trabalhava a plebe urbana – aqui entendida

como “fabricante”.

▪ Domus.

Para o arqueólogo John R. Clarke: “Duas

fontes nos ajudam a reconstruir com certa

verossimilhança a casa urabana patrícia, ou domus.

Uma das fontes é Vitrúvio (Da Arquitetura), escrita

nos anos 20 a.C.. O arquiteto cuidadosamente nomeia

as salas e prescreve as funções dessas salas. (...) Apesar

de sua grande atenção aos pormenores, Vitrúvio nunca

forneceu uma planta clara o bastante para a domus.

Esse problema é resolvido a partir de nossa segunda

fonte: as casas romanas escavadas da Itália. [Assim,

devido às escavações,] é-nos possível reconstruir a

típica planta de uma habitação patrícia descrita por

Vitrúvio”161

. Dessa maneira, o estudo das moradias

romanas é realizado com base em duas fontes

diferentes, mas complementares: as fontes textuais e as

fontes materiais.

As melhores evidências materiais – tanto em

quantidade como em qualidade – das moradias nas

cidades romanas encontram-se em Pompéia e

Herculano, graças à erupção do vulcão Vesúvio em 79

d.C., que praticamente soterrou um retrato da vida

romana do século I d.C.162

. Embora cada cidade da

Península Itálica contasse com suas particularidades, as

características básicas do que era uma domus

estenderam-se pela orla do Mediterrâneo.

Segundo A. J. Brothers em seu capítulo

“Urban housing” presente na obra Roman domestic

buildings, o desenvolvimento de casas “típicas”

romanas parece ter duas fases: A) uma forma

puramente “itálica”, na qual um conjunto de salas

rodeia um espaço aberto; B) a essa forma “itálica” foi

adicionado um pátio colunado (peristilo) cercado por

demais salas, que segundo o autor: “Esta adição chegou

sob a influência grega e era geralmente construído ao

fundo da casa original (...)”163

. A forma “itálica” a que

se refere Brothers deriva principalmente do modelo

etrusco de construção. A junção de características

arquitetônicas etruscas, laciais e helênicas dão mostra

do porquê de as diversas partes de uma casa possuírem

denominações que variam entre o latim (atrium e

tablinum, por exemplo) e o grego (peristylium e

exedra, por exemplo)164

.

Os elementos que compunham a casa patrícia

serão a seguir explicitados.

161

The houses of Roman Italy: 100 B.C. – A. D. 250, p. 2. 162

D. S. Robertson escreveu (Arquitetura grega e romana, p.

359): “No tocante às moradias romanas o volume de testemunhos

é avassalador, porém, quanto ao período pré-imperial,

dependemos principalmente de Pompéia, onde as casas eram, em

sua origem, mais oscas que romanas, embora exibam um tipo

italiano claramente definido”. A frase de Robertson é de 1929;

mais construções pré-imperiais foram escavadas até hoje,

contudo, as cidades vesuvianas ainda são as evidências mais bem

conservadas. 163

Página 34. 164

A. J. Brothers, “Urban Housing”, in: I. M. Barton (ed.),

Roman domestic buildings, pp. 34-35.

Page 38: Trabalho - Educação

38

▪ Atrium (“átrio”): principal espaço da sala.

Ao seu redor os demais cômodos da moradia eram

estabelecidos. “Existem muitas sugestões de derivação

para a palavra atrium; uma das mais plausíveis – que

embasa a teoria de um „espaço de vivência‟ – é a que

afirma a palavra vir de ater (“preto”) devido ao

escurecimento das vigas de madeira do teto causado

pela fumaça vinda do fogo sagrado da família, que

ardia no centro do espaço, sob uma pequena abertura

no teto”165

. A teoria de o átrio ser um espaço de

vivência é calcada não apenas na origem do termo

atrium, mas também nos dados que as escavações

arqueológicas trouxeram à luz: algumas casas de

Herculano não apresentam implúvio ou o apresentam

como uma adição posterior ao átrio. Uma outra teoria é

a de que o átrio era originalmente um pátio sobre o

qual o telhado era transpassado por uma extensão

gradual de beirais, o que corrobora o escurecimento das

vigas por causa da fumaça do fogo. Vitrúvio nos

apresenta cinco classificações de átrios:

Átrios toscanos são aqueles nos quais as vigas

transversais sustentam ao longo do vão modilhões e calhas,

desde os cantos das paredes até o ângulo do vigamento, bem

como, nos esteios, um escoadouro da água das chuvas para

um implúvio central. Nos átrios coríntios, segundo as

mesmas disposições, são instaladas vigas e implúvios, mas as

vigas que vêm de trás das paredes compõem-se com um

circuito de colunas a sua volta. Tetrastilos são aqueles

colocados apenas sob vigas e colunas cantoneiras que

asseguram a essas vigas utilidade e firmeza, porque elas

próprias nem são obrigadas a suportar tão grandes esforços,

nem são sobrecarregadas por modilhões. Em duas águas

[também conhecido por “despluviado”] são aqueles cujas

calhas, sustentando uma cisterna, remetem para trás a água

das chuvas. Esses átrios são da maior utilidade sobretudo nas

habitações de inverno, porque seus implúvios, uma vez

soerguidos, não prejudicam a iluminação das salas de jantar.

Apresentam, porém, o grave inconveniente de exigir

constantes reparações, porque os dutos ao redor das paredes

que escoam as águas das chuvas são formados por canaletas

que não recolhem das calhas com suficiente rapidez a água

defluente, que, acumulando-se dessa forma, transborda,

arruinando o vigamento dos edifícios nesse gênero. Átrios

abobadados [também conhecido por “testudíneo”], por sua

vez, são executados onde não há grandes vãos a serem

vencidos, e por cima dos quais, sobre um vigamento, podem

ser erguidas habitações espaçosas166

(Figuras 18 a 21).

O compluuim (“complúvio”) é a abertura na

parte central do teto do átrio, sendo o responsável pela

iluminação, pela ventilação do ambiente e por facilitar

a chegada das águas da chuva a uma bacia retangular

existente no chão do centro do átrio, o impluuium

(“implúvio”). Alguns implúvios continham uma fonte,

uma estátua ou uma cisterna, denominada puteal

(“boca do poço”), que armazenava as águas pluviais

para o uso doméstico da família, como bem explica

John R. Clarke: “O implúvio (...) é um marcador de

eixo [na casa] e um símbolo da independência da

domus em relação ao mundo exterior: no período

anterior à água vinda das ruas, a cisterna providenciava

o fornecimento de água para a família”167

(Figuras 18,

22 e 23).

165

Ibidem, p. 37. 166

Da Arquitetura, VI, 3. 167

The houses of roman Italy: 100 B.C. – A. D. 250, p. 4.

No átrio, além dos retratos168

dos ancestrais da

família, também ficava um elemento importante da

vida religiosa romana: o lararium (“larário”; local de

culto aos lares. Ver Figura 24). “Usualmente colocado

em um dos cantos do átrio ou na área da cozinha, esses

altares incluíam, em adição às estátuas ou pinturas dos

dois lares169

e do genius170

, outros símbolos de boa

fortuna [felicidade], como a serpente. Os lares

recebiam uma variedade de oferendas, incluindo

incenso, encantamento, uvas, guirlandas de grãos,

bolos de mel, favos de mel, frutas, vinho, e até mesmo

sacrifícios de sangue. No lararium, o paterfamilias171

regularmente rezava e oferecia sacrifício aos lares da

família”172

.

▪ Tablinum (“sala de recepção”): sala com a

mesma largura do átrio, construída imediatamente após

esse cômodo173

. Sua função era a de receber visitantes

e, ao mesmo tempo, a de guardar os documentos

(tabulae) referentes à casa e à família.

▪ Fauces (“garganta”): corredor que separava

o átrio da rua; às vezes, entre a ligação da fauces com o

atrium, existia um pequeno cômodo chamado

uestibulum (“vestíbulo”). A. J. Brothers aponta algo

interessante sobre a segurança nas domus: “As portas

eram fechadas por trancas e, às vezes, por fechaduras

de ferro também. À noite, a segurança na porta podia

ser reforçada com o uso de um arrimo de madeira que

era posicionado num encaixe existente na fauces e

colocado contra o centro da porta. Ocasionalmente,

como na Casa do Touro em Pompéia, existia uma

pequena porta na parede lateral do uestibulum que dava

para a fauces, não precisando abrir a porta principal a

cada pessoa sozinha que desejasse entrar. Esses

sistemas de segurança demonstram claramente os

perigos que cercavam as ruas, especialmente à

noite”174

.

O eixo fauces-atrium-tablinum era percorrido

todas as manhãs pelos clientes do paterfamilias (nesse

caso, exercendo o papel de patronus – “patrão”) no

ritual da salutatio (“saudação”): um laço não formal de

fidelidade dos clientes aos seus patrões. Para John R.

Clarke, “esse ritual estruturou a domus”175

.

▪ Cubicula (“cubículos”): eram quartos

situados ao redor do átrio. Neles, a posição da cama era

168

O retrato romano era bem diferente da noção que temos

atualmente. As famílias encomendavam o retrato de algum

artesão da cidade, e ele era esculpido na rocha; ou seja, o retrato

na Antiguidade era tridimensional, muito diferente do nosso

retrato “plano”. Para mais pormenores sobre os retratos nas

diferentes épocas romanas, ver: W. E. Mierse, Ochos ensayos

interpretativos sobre el arte romano, in: M.I.D‟A. Fleming (ed.)

Revista do Museu de Arqueologia e Etnologia. São Paulo:

Suplemento 1, 1999. 169

Espíritos tutelares da casa, ligado ao casamento também. 170

Gênio: espírito da fertilidade que garantia a continuidade do

clã (gens). 171

O pai da família; o chefe da casa e da família. 172

John R. Clarke, The houses of roman Italy: 100 B.C. – A. D.

250, p. 9. 173

Vitrúvio, VI, 3. 174

“Urban Housing”, in: I. M. Barton (ed.), Roman domestic

buildings, p. 41. 175

Op. Cit., p. 4.

Page 39: Trabalho - Educação

39

geralmente acompanhada por uma mudança no traçado

do mosaico que estava no chão, por uma mudança no

padrão de pintura do teto ou pela construção de uma

plataforma para se apoiar a cama176

.

▪ Alae (“asas”): essas alas eram áreas ou

corredores que ficavam entre o átrio e o tablinio, uma

de cada lado. A sua função, o seu uso ainda é incerto

para os pesquisadores.

▪ Peristylium (“peristilo”): cômodo da casa de

origem grega, o peristilo é um pátio ou jardim

colunado com algum dos estilos gregos (dórico, jônico,

coríntio, misto). Construído como um adendo na

moradia, esse pátio foi posicionado atrás do tablinum.

O autor A. J. Brothers chama a atenção: “A velha idéia

de que o átrio de uma casa era somente para os

negócios da família e o peristilo apenas para a família e

para comunicações puramente sociais com os amigos

mais íntimos simplesmente não corresponde ao que

sabemos sobre o modo de vida romano”177

.

▪ Triclinium (“triclínio”): sala de jantar cujo

nome é derivado do grego, correspondendo a um

conjunto de três divãs reclinados onde os convivas

deitavam-se para a ceia ou banquete.

▪ Oecus (“salão”): um salão de recepção talvez

usado para o jantar, e freqüentemente um dos cômodos

da casa mais decorados.

▪ Diaeta (“casa de recreio”): cômodo ao ar

livre, usado para lazer e relaxamento.

▪ Exedra (do grego eks – “na parte exterior

de” + hédra – “banco, assento”): pátio colunado ao ar

livre em formato circular ou semicircular que possuía

bancos para reuniões.

▪ Tabernae (“tabernas”): cômodos construídos

na domus com fins de locação para moradia e

comércio. D. S. Robertson afirma que, na casa: “Havia

aposentos superiores, exceto acima do tablino,

iluminados por janelas (Figuras 25 e 26) existentes nas

paredes externas e por vezes dotados de balcões”178

.

Alguns desses aposentos poderiam ser alugados para

plebeus, que usariam o espaço para morar e trabalhar,

seja numa taberna, seja numa oficina, porém, esses

locais não eram apenas construídos em andares

superiores (como atesta a presença de escadas ou até

mesmo de andares superiores que sobreviveram ao

tempo), edificando-se a partir da técnica do opus

craticum (bem mais econômica). Muitas tabernas eram

construídas na fachada da casa, ao lado da fauces. A

declaração de A. J. Brothers é bastante esclarecedora:

“Originalmente [esses cômodos] eram provavelmente

quartos de dormir ou quartos de serviço ou para

armazenagem, e em algumas casas eles permaneceram

com essas funções; mas uma característica comum em

176

A. J. Brothers, “Urban Housing”, in: I. M. Barton (ed.),

Roman domestic buildings, p. 43. 177

“Urban Housing”, in: I. M. Barton (ed.), Roman domestic

buildings, p. 45. 178

Arquitetura grega e romana, p. 361.

Pompéia e Herculano é achar esses cômodos

convertidos em lojas (tabernae) de frente à rua, em

ambos os lados da entrada da casa. Se essas tabernas

ficavam sob o controle do dono da casa ainda não é

uma questão totalmente esclarecida, mas o fato de

serem completamente abertas para a rua, sem qualquer

acesso de dentro da casa, parece indicar que não eram

controladas. Esse desenvolvimento tardio nas

residências é apenas uma das muitas tendências que

indicam o começo de um período de mudança

econômica e social [a partir do século II a.C.]”179

(Figura 27).

▪ Insula.

Em oposição à grande casa particular temos,

em maior número, a pequena casa alugada ou

particular, onde geralmente viviam as pessoas menos

abastadas da cidade.

No entanto, essas moradias não-domus são as

que maior trabalho dão aos pesquisadores da

antiguidade romana. Não é simples identificar o

significado de insula (“ilha”) para os romanos. Os

textos antigos muitas vezes deixam dúbia a questão de

classificar o que realmente são as insulae:

Duas vezes apenas [o imperador Tibério180

] foi

generoso, publicamente: uma quando emprestou ao povo cem

milhões de sestércios, pelo prazo de três anos, sem juros.

Outra quando indenizou alguns proprietários de “insulas”

[dominis insularum] consumidas pelo fogo, no monte Célio.

(Suetônio, Vida de Tibério, 48).

Os dicionários de latim designam insula como

“ilha”, e essa é a causa do problema. “Ilha” pode

significar tanto um único local – separado dos

circunvizinhos – como pode significar também um

conjunto de locais – novamente, separados dos

circunvizinhos. Uma família romana residente em uma

casa ou em um apartamento constituiria uma insula,

afinal, o núcleo familiar estaria separado das ruas pelas

paredes da construção, além de que uma família

fechada em si mesma também pode ser vista como uma

espécie de ilha. O arqueólogo Glenn Storey – em seu

artigo “Regionaries-type insulae 1:

architectural/residential units at Ostia” – faz a relação

entre a palavra insula e sua materialidade: “A

referência terminológica para domus parece

diretamente ligada – e seu correlato arqueológico da

mesma forma relativamente claro – a uma estrutura

sozinha, que toma espaço em um quarteirão inteiro ou

em uma discreta parte dele (especialmente como

observado nas cidades de Pompéia e Herculano). A

referência terminológica para insula não é tão

diretamente ligada às evidências arqueológicas, mas os

dois termos [domus e insula] aparecem freqüentemente

justapostos, sugerindo alguma ligação íntima entre

eles. A ligação poderia sugerir que a insula fora, em

certo sentido, também uma estrutura separada (nesse

179

“Urban Housing”, in: I. M. Barton (ed.), Roman domestic

buildings, p. 42. 180

Governou de 14 a 37 d.C.

Page 40: Trabalho - Educação

40

caso, representando uma associação arquitetural), ou

que fora uma família em singular (nesse caso, uma

associação sócio-estrutural). Qualquer que seja a razão

para o paralelo, a insula parece ser uma residência em

uma escala menor (quando comparada à domus), e seu

correspondente arqueológico está mais bem

representado na cidade de Óstia, o porto de Roma”181

.

Para os estudos sobre a definição do termo

insula, Glenn Storey comparou as evidências

arqueológicas com dois importantes documentos do

século IV d.C., o Curiosum e o Notitia, que, em

conjunto, são conhecidos por Regionários. Javier

Arce, arqueólogo, discorre acerca dos Regionários:

“Como é bem sabido, o Curiosum (e também a Notitia

Urbs Romae) são uma descrição, ou melhor, uma

enumeração, dos diversos monumentos da cidade de

Roma por regiões – as velhas XIV regiões do período

de Augusto. Depois da enumeração, o autor [anônimo]

dá conta do número de vici, aediculae, insulae, para

concluir com a referência à extensão, em pés, da região

correspondente. Como conclusão, apresenta um resumo

global: número de bibliotecas, obeliscos, pontes,

montes, campos, foros (...). Resulta evidente que a

numeração dos edifícios contidos em cada região é

completamente arbitrária (...). A seleção é caprichosa

assim como a ordem da enumeração. Ao que se refere

às cifras, possuem um valor acumulativo: sua

finalidade é demonstrar que Roma é a maior cidade de

todas e lembrar o nome de suas ruas, aquedutos, foros,

basílicas, templos. As discrepâncias entre Curiosum e

Notitia, as alterações da tradição manuscrita, não

permitem nenhuma confiabilidade”182

.

Contudo, Glenn Storey ameniza as críticas de

Arce aos Regionários. O estudo empreendido por ele

mostra que os números de edifícios não eram

“completamente arbitrários” e que, pelo contrário,

possibilitam, sim, uma verossimilhança com o que é

narrado pelo autor anônimo antigo. Para Storey, um

dos erros mais comuns por parte dos pesquisadores de

Roma Antiga é tomar como verdade os números que

aparecem nos Regionários: a cidade de Roma jamais

comportaria em seu território (mesmo em período

tardio) 1800 domus e 46000 insulas, caso essas insulae

fossem deveras um bloco de apartamentos cada uma. A

análise de Glenn Storey sobre os vestígios materiais já

escavados na região de Roma confirma sua hipótese de

trabalho, ou seja, os números dos Regionários são

daquilo que o autor denomina de “unidade

arquitetural/residencial” (ARU, no original inglês)

(Figura 28): sendo assim, cada unidade da cifra total

que aparece nos documentos é um local habitável por

uma pessoa ou uma família, o que corrobora o uso do

termo insula pelos romanos para designar quaisquer

tipos de moradias (além de domus, obviamente).

Embora a pesquisa do arqueólogo Storey seja feita com

base nas evidências do século IV d.C., os resultados de

seu estudo podem também ser recuados ao período da

República, sem que com isso caia-se em anacronismo,

pois, o que caracteriza as insulae na visão de Glenn

Storey – que retomou uma idéia proposta por Axel

181

American Journal of Archaeology (AJA), vol. 105, nº 3, 2001,

pp. 389-90. 182

“El inventario de Roma: Curiosum y Notitia”, in: Journal of

Roman Archaeology (JRA), nº 33, 1999, pp. 17-18.

Boethius183

em 1951 – é a presença de escadas que

levem ao andar superior, independentemente a que

construção estejam diretamente ligadas.

A construção de andares superiores, dando

origem às insulae, era geralmente feita a partir da

técnica do opus craticum, onde uma treliça de madeira

era preenchida com argamassa e pedras. Deixemos que

o poeta Juvenal introduza a questão da fragilidade da

construção aqui citada:

(...)Uma Cidade

Escorada habitamos quase toda

De madeira, que artífices ignaros

Lhe arrumam, e tapando alguns buracos,

Dizem à gente, que tranqüila durma,

Debaixo de impendentes tais perigos.

Quanto é melhor, daqui viver-se longe,

Onde incêndios não há, nem se receia

De noite o susto? Uma água para o fogo

Pede; de pouca monta uns velhos móveis

Ucalegon salvara; no terceiro

Andar, o incêndio lavra sem saberes,

Se de baixo os vizinhos risco correm,

Que fará quem habita, aonde as pombas

Lascivas põem, no brando ninho os ovos?184

Incêndios e desmoronamentos eram

freqüentes. A plebe ia dormir sem saber se acordaria

sobre o piso ou sob o teto caído da casa em que

morava. Uma das principais causas dos desabamentos

estava na espessura das paredes levantadas para se

fazer os cômodos. O historiador e arqueólogo Jérôme

Carcopino faz a síntese das palavras escritas pelos

próprios romanos: “A Roma de Cícero está como que

suspensa nos ares sobre os apartamentos [cenacula]

(...). A Roma de Augusto alcança alturas mais elevadas

(...), o imperador proibiu a construção de edifícios de

mais de 20 metros de altura. (...) Em vão Trajano

renovou as restrições de Augusto, tornando-as ainda

mais severas, pois limitou a 18 metros a altura dos

edifícios privados: a necessidade foi mais forte do que

a lei”185

. Porém, não é fácil para nós, hoje em dia,

assegurarmos corretamente a altura dos edifícios

antigos. Além de, com raríssimas exceções, a maioria

dos edifícios terem deixado por vestígios apenas o

térreo, os muros que continuam erguidos não ajudam a

estabelecer uma relação entre a largura da parede e a

altura alcançada pela construção, como afirma Glenn

Storey: “Os romanos provavelmente construíam

paredes espessas apenas o suficiente para suportar as

estruturas. Essa prática era razoável, dado que os

engenheiros romanos parecem não terem tido meios de

testar a resistência dos materiais antes de utilizá-los nas

estruturas”186

. Já os incêndios, geralmente eram

183

“É típico do sistema romano... que as oficinas, as típicas

tabernae... para comércio, artesanato e também como moradia

dos proletários estivessem espalhadas por toda a cidade. Além

disso, em Roma, andares superiores [armazéns] foram

construídos, acessíveis diretamente por escadarias. Essas

insulae... podem ser seguramente encontradas por volta do século

III a.C.”. A. Boethius apud Glenn R. Storey, in: AJA, vol. 106, nº

3, 2002, p. 414. 184

Sátiras, III, 254-268. 185

Roma no apogeu do Império, p. 44. 186

American Journal of Archaeology (AJA), vol. 105, nº 3, 2001,

p. 396.

Page 41: Trabalho - Educação

41

ocasionados pelo contato de lamparinas, archotes,

“fornos portáteis”, entre outras fontes de calor, com o

material inflamável existente na estrutura da casa

(quase sempre, a madeira) e no mobiliário187

(Figura

29); aliada à propensão de incêndios estava a escassez

de água: os aquedutos (uma vez construídos) forneciam

água para as termas e fontes públicas (lacus) e,

dependendo da quantia de dinheiro paga aos

responsáveis pelas construções do Estado, uma

pequena parte da água das ruas podia ser desviada para

as casas, porém, esse fornecimento nunca alcançava os

andares superiores das residências; sendo assim, era

muito difícil de algum incêndio ser controlado

rapidamente pelos moradores ou pelos “bombeiros”

criados na época de Augusto (os uigiles – “vigias)

(Figura 30).

Cabe frisar aqui, mais uma vez, o caráter de

aluguel presente nas insulae (nesse caso, tomando

insula por oposição a domus). A elite de Roma

construía as habitações e as locava, sendo responsável

também pela manutenção dessas estruturas. Ilustremos

o que foi falado com o exemplo estudado pelo

arqueólogo Felix Pirson sobre a insula Arriana

Polliana, na região VI.6 de Pompéia, datada de II a.C..

Arriana Polliana foi formada a partir de uma domus, a

qual teve acrescidos vários cômodos para locação,

transformando-se, assim, em um bloco de moradias

(insula) (Figura 31). Pirson em seu artigo menciona a

inscrição encontrada no local (CIL IV 138):

Na Insula Arriana Polliana de Cn. Alleius Nigidius

Maius tabernae com suas pergulae e cenacula equestria e

domus serão alugadas a partir de 1º de Julho. Para aluguel,

consulte Primus, escravo de Cn. Alleius Nigidius Maius188

.

A evidência arqueológica para a

habitabilidade das tabernae citadas na inscrição é

assegurada pelo fato de existirem latrinas, nichos para

camas e alguns altares consagrados às divindades

relacionadas ao trabalho e ao comércio; segundo Felix

Pirson: “A existência de tantos altares indica a

necessidade dos habitantes em definir suas moradias –

mesmo que consistam no espaço ao fundo de uma

taberna – como sendo de uma família independente”189

.

O termo pergula (“varanda”) refere-se aos mezaninos

que ficavam anexados às tabernas; também serviam à

187

Carcopino, sobre o mobiliário (Op. cit., p. 53): “Em todas as

casas romanas o mobiliário consistia essencialmente em leitos,

que serviam como cama à noite, e durante o dia como mesas de

refeições, escrivaninha, etc. Os pobres se contentavam com

catres de alvenaria presos às paredes e recobertos de palha. Toda

a economia era investida na aquisição de leitos, cada vez mais

bonitos. (...) As mesas nada tinham em comum com as que

conhecemos hoje em dia. Só bem mais tarde, por intermédio do

culto cristão, é que se tornaram as mesas maciças de quatro pés.

(...) Quanto aos assentos, seus vestígios nas escavações são ainda

mais raros, e há uma razão convincente para isso. Como as

pessoas comiam e trabalhavam deitadas [sic], constituíam um

móvel supérfluo. (...) Os romanos se contentavam com bancos

(scamna), escabelos (subsellia) ou sellae, sem braço ou encosto,

que levavam consigo para fora (...). O resto do mobiliário, o

essencial, consistia em capas de móveis, tapetes, colchas,

almofadas dispostas nas camas, aos pés das mesas, nos bancos,

nas sellae, e ainda nos adornos e nas baixelas”. 188

“Rented accommodation at Pompeii: the evidence of the

Insula Arriana Polliana VI.6”, in: JRA, nº 22, p. 168. 189

Ibid.

habitação, contudo, possuíam claramente uma

conotação negativa, imbuindo seus moradores de uma

classificação social bem inferior. Outra estrutura que

também denotava inferioridade social (e, por extensão,

econômica) era o cenaculum (“refeitório”): cômodo

acima do térreo (uma espécie de “apartamento”)190

. Por

fim, a partir da planta de Arriana Polliana, podemos

concluir que o substantivo domus está no plural, já que

aparecem outras estruturas que contêm os elementos

típicos de uma domus explicitados acima (ex: domus 7

e 10 da Figura 31).

As tabernae, tão mencionadas até aqui, são de

fundamental importância para este trabalho. A plebe

urbana romana – ao menos, a sua maioria – vivia e

trabalhava nessas tabernas. O que foi pesquisado até o

presente momento não nos afirma com exatidão a

diferença entre uma taberna e uma oficina (officina),

por isso, tomaremos ambos os termos como sinônimos:

eram locais de moradia e trabalho, independentemente

se o plebeu comercializasse alimentos (o que nos

aproximaria mais à taberna que conhecemos hoje) ou

artesanatos (algo mais parecido com uma oficina).

O historiador e arqueólogo Joseph Jay Deiss

em seu ótimo estudo sobre a cidade de Herculano

apontou algumas características que podem ser

ampliadas também à cidade de Roma e tomadas como

inerentes às tabernas. Afirma ele: “Em Herculano, as

habitações, lojas, e oficinas da baixa classe média [sic]

e artesãos – a plebs – são fáceis de se reconhecer. Os

pequenos comerciantes tendiam a residir em pequenas

casas que eram conectadas diretamente, ou próximas,

às suas lojas. Os artesãos, por sua vez, inclinavam-se a

morar no fundo do espaço onde trabalhavam, ou no

mezanino de suas oficinas; às vezes, também, o espaço

era utilizado para o trabalho e para a venda”191

. Já os

escravos, podiam trabalhar nas tabernas/oficinas

durante o dia e voltar à noite para dormir na casa de seu

senhor, geralmente em um pequeno aposento ao lado

da cozinha da casa.

O tamanho das tabernas nem sempre é

proporcional às economias de seus donos: uma loja

grande não necessariamente continha mais artesanatos

ou maior luxo do que uma pequena loja. A disputa por

fregueses era acirrada nas grandes cidades romanas: é

comum encontrar-se em um mesmo quarteirão

tabernae que ofereçam os mesmos produtos, e, como

dito, tamanho não era sinônimo de maior ou menor

qualidade de artigos oferecidos. Deiss descreve um

interior comum das tabernas: “A típica loja de vinho,

ou de refeição rápida [thermopolium], possuía um

arranjo padrão. Em quase todas as lojas, o balcão era

revestido com fragmentos de mármore. As ânforas

190

Entretanto, com o passar do tempo, muitos cenacula

adquiriram maior metragem e serviram ao gosto também das

classes mais altas da sociedade romana, embora nem sempre por

vontade própria, como foi o caso da família do imperador

Vitélio, que num momento de dificuldade financeira, teve de

alugar a própria casa e mudar-se para um cenaculum:

Sabe-se perfeitamente que [Vitélio] não tinha dinheiro

para iniciar a viagem [à Germânia]. Estava tão sem recursos que

deixou sua mulher e seus filhos em um ático alugado. (Suetônio,

Vitélio, 7). 191

Herculaneum. Italy’s buried treasure, p. 114.

Page 42: Trabalho - Educação

42

permaneciam com vinho sempre fresco devido à pedra

fria, na qual os jarros ficavam antes de serem servidos.

O balcão dispunha de uma variedade de deliciosos

alimentos: queijos, nozes, amêndoas, tâmaras, figos,

uvas-passas, bolos, e guloseimas similares. Bebidas

quentes também eram servidas, os romanos eram

apaixonados por vinhos bem aquecidos ou temperados

de diversas maneiras, adoçados com mel”192

(Figuras

32 e 33). A plebe urbana geralmente possuía uma vida

bem mais agitada, não podendo desfrutar do otium

(“ócio”) aristocrático, por isso, a maioria das refeições

do romano era feita nas ruas193

, nas tabernae, onde

compravam seu pão ou mingau, tomavam seu vinho e,

quando tivessem um pouco mais de recurso, podiam

degustar algum assado preparado com mel (para realçar

o sabor) (Figura 34). Outro ponto interessante a que

Joseph Deiss chama a atenção é: “Não sem freqüência,

lindos objetos são encontrados nas moradias dos

pobres. Nem é surpresa: os artesãos eram os criadores

dos lindos objetos encontrados [também] nas casas dos

ricos”194

.

Discorramos, então, sobre o artesanato

produzido por essa plebs urbana romana.

192

Ibidem, p. 119. 193

Uma analogia com o fast-food que conhecemos hoje não seria

um erro tão crasso. 194

Op. Cit., p. 126.

Page 43: Trabalho - Educação

43

Parte IV

A) O artesão

“Durante o dia havia intensa animação,

atropelos caóticos, um barulho infernal. As tabernae se

enchem assim que abrem as portas, além das quais

expõem as mercadorias. Os barbeiros atendem aos

fregueses no meio da rua. Os bufarinheiros do

Trastevere trocam mechas de enxofre por contas de

vidro. Os donos de botequim, roucos de tanto chamar

uma freguesia que se faz de surda, exibem salsichas

fumegantes em caçarolas. Mestres-escolas e seus

alunos esgoelam-se ao ar livre. De um lado, um

cambista tilinta numa mesa suja moedas com a efígie

de Nero; de outro, um bate-folha golpeia o ouro com o

martelo brilhante sobre a pedra gasta; na esquina, um

grupo de curiosos se maravilha com um encantador de

serpente; por toda parte retinem as marteladas dos

caldeireiros e as vozes dos mendigos que em nome de

Belona ou como lembrança de seus infortúnios se

esforçam por enternecer os transeuntes. Estes escoam

num fluxo ininterrupto que os obstáculos a sua frente

não impedem de tornar-se torrencial. Em ruelas

indignas de uma aldeia, há todo um mundo, à sombra

ou ao sol, que vai, vem, grita, se acotovela e se

empurra.”

O excerto poético acima, de Jérôme

Carcopino195

, é rico em dar dinamismo à vida das ruas

romanas. Pela quantidade de vestígios materiais

encontrados, pelo estudo da geografia urbana, pelos

documentos textuais sobreviventes, vê-se que as

cidades romanas, e principalmente a Capital, era um

vai-e-vem infindável de gentes, mercadorias,

transportes, enfim, tudo o que fosse necessário para a

sobrevivência de um grande aglomerado de pessoas.

Uma das categorias da plebe urbana que mais deixou

evidências sobre seu cotidiano é a dos artesãos.

De início, devemos chamar a atenção para o

menosprezo que os artesãos sofriam por parte da elite

da sociedade. Segundo Ivana Lopes Teixeira: “De

forma geral, o artesão era desprezado pela elite letrada

romana, como antes pela grega. Para Cícero, o artesão

não era digno da condição de homem livre e Sêneca

considerava a atividade artesanal vil e vulgar”196

. A

citação de Cícero (Dos Deveres) mencionada:

[42] A respeito das profissões e das vantagens que

trazem, eis, em geral, as que passam por liberais e as que se

consideram servis. A primeira questão a abordar é das

profissões que geram o ódio público, tais como a dos

usurários e coletores de impostos. Deve-se ter como

execrável o lucro dos mercenários e os que compram a

inteligência, porque os que vendem a si mesmos colocam-se

entre escravos. A mesma coisa se poderá dizer dos

comerciantes, que, para vender por preço mais alto, ganham

por força da calúnia, pois nada mais infame que a calúnia.

Todas as profissões de operários são baixas e servis, como a

dos peixeiros, cozinheiros, lenhadores, verdureiros,

195

Roma no apogeu do Império, p. 68. 196

O discurso narrativo nos baixos-relevos imperiais romanos: a

coluna de Trajano, 2001, p. 50.

pescadores, disse Terêncio; pode-se ainda acrescentar os

perfumistas e os dançarinos.

Quanto às profissões que demandam maior

saber, são de grande utilidade, como a medicina e a

arquitetura, e podem ser desempenhadas sem desonra. O

comércio, se é feito a varejo, é desprezível; se é feito por

atacado, traz fartura; se é vantajoso a todos e isento de fraude,

nada dele se pode dizer. Se o comerciante, quando enriquece,

ou quando se satisfaz com o que ganha, se retira do porto

para o campo, como muitas vezes se retira do mar para o

porto, trazendo sua fortuna, parece-me que tem direito a

louvores.

Mas, de todos os meios de se enriquecer, não há

nada melhor, mais útil, mais agradável nem mais digno de

um homem honesto que a agricultura. Disso já tratei

largamente quando escrevi sobre o velho Catão, e ali se

encontra tudo o que se deseja saber sobre o tema.

Para o Orador, a utilidade da profissão está

diretamente ligada ao desenvolvimento intelectual – na

opinião de Cícero – que ela exerce. O médico e o

arquiteto são valorizados, mesmo trabalhando para

outras pessoas, porque deles é exigida uma carga de

conhecimento maior por parte da pessoa; isso,

obviamente, na visão aristocrática romana.

Dificilmente um médico seria um bom lenhador e vice-

versa. A opinião de Cícero, como a da maioria dos

textos antigos romanos (e não surpreendentemente),

não é relativista. O comércio só seria louvável quando

ligado ao mar ou ao campo (em maior grau)197

. É

importante frisar que receberia reconhecimento de sua

“louvável profissão” o dono do comércio: os

trabalhadores, aqueles que realmente exerciam toda a

transformação da matéria em produto, esses

continuavam a ser vistos como trabalhadores “servis”,

com pouca capacidade cognitiva.

Embora mencionados negativamente nos

textos romanos antigos, os artesãos – e a plebe urbana,

em geral – não eram “quietos”. Além dos documentos

escritos pela elite, outras duas fontes nos auxiliam no

estudo da vida do artesão: as inscrições feitas por eles e

os vestígios de seus produtos produzidos.

Pedro Paulo Funari, em seu livro Cultura

popular na Antiguidade Clássica, analisa as inscrições

parietais da cidade de Pompéia. Diz ele: “O grafite,

enquanto manifestação artística, exprime-se,

simultaneamente, em três níveis: pelo sentido das

palavras (nível verbal), pelos seus sons (nível fônico ou

sonoro) e pelo de seu desenho na parede (nível visual

ou icônico). No que se refere ao sentido das palavras,

197

“T.P. Wiseman demosntrou que Caio Vibieno e Tito Rufreno,

proprietários de oficinas de cerâmica sigilata em Arezzo,

pertencem a família de senadores. Mas acerca disso somos

informados sobretudo pela indústria de tijolos e telhas: uma

curiosa ficção faz com que os romanos associem esta atividade, a

opus doliare, à agricultura, talvez por estar ligada à argila e,

portanto, à terra. Por isso, os aristocratas não têm dificuldade em

admitir o seu envolvimento nessa atividade e imprimem as suas

marcas nos produtos fabricados. (...) Personalidades como Cícero

ou Asínio Polião produzem tijolos com o seu nome gravado. A

própria família imperial não esconde que se dedica a essa

atividade; assim aconteceu com todos os imperadores desde

Trajano a Caracala e assim accontece, antes deles, com Lívia,

Popéia, Agripa e seu filho, Agripa Póstumo: em Pompéia, foram

encontrados tijolos com o seu nome gravado, quando tinha um

ou dois anos de idade (Pupillus Agrippa)”. Jean-Paul Morel, “O

artesão”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, pp. 187-

8.

Page 44: Trabalho - Educação

44

caberia distinguir as alterações da forma das palavras

(morfologia) do encadeamento das palavras na frase

(sintaxe). Em termos morfológicos, as palavras

possuem sentidos, origens e flexões. Os sentidos das

palavras são essenciais para que os homens ordenem e

compreendam tanto a natureza quanto a própria

sociedade em que vivem”198

. As letras latinas

maiúsculas, como as que se encontram espalhadas por

este trabalho, eram utilizadas apenas em inscrições

oficiais, sendo esculpidas na rocha ou batidas em

metal; já a plebe escrevia com caracteres cursivos,

utilizando, para tanto, estilete (graphium – ponta com

que se escrevia em superfícies duras, fazendo sulco) ou

pincel (penicillus). As inscrições pintadas (tituli picti)

eram, geralmente, feitas por grafiteiros (scriptores ou

pictores) que recebiam por seu trabalho, ornando,

assim, muitas das paredes das tabernae escavadas.

Contudo, pessoas não “profissionais” também

escreviam com seus estiletes ou pincéis, e escreviam

muito: “Para termos uma idéia do ritmo de grafitagem,

basta dizer que as inscrições eram constantemente

apagadas pelos dealbatores (literalmente: „que tornam

a parede branca‟, cf. CIL IV, 3528) que liberavam os

muros... para novas inscrições! As intervenções nas

paredes ou parietais, além de numerosíssimas,

provinham de todos os grupos populares da cidade, de

camponeses a artesãos, de gladiadores a lavradores”199

.

Entre as categorias sociais atestadas em grafites está a

dos artesãos: argenteiros, artesãos de coroas, artesãos

de couro, artesãos de esteiras, artesãos fabricantes de

armas, artesãos de marfim, artesãos de mármore,

caldeireiros, carpinteiros, cortadores de pele animal,

curtidores de couro, ensacadores, escultores, fiandeiras,

lapidadores, lavadores, moedores de azeitonas,

mosaístas, oleiros, tecelãs, tecelões, tecedores de lã,

tintureiros, torneiros, trabalhadores das vinícolas,

sapateiros200

. As inscrições parietais revelavam todos

os setores possíveis da vida de um romano, citaremos

aqui, a rivalidade de dois homens pelo amor da mesma

mulher:

Severo: o tecelão Sucesso ama a escrava taberneira

chamada Híris, a qual não quer saber dele, mas ele pede que

ela tenha dó dele. Responde, rival! Saudações.

Sucesso: intervéns porque és um invejoso! Não

queiras bancar o engraçadinho, seu mau-caráter galanteador!

Severo: disse e escrevi (a verdade): tu amas Híris,

que não quer saber de ti. De Severo para Sucesso: o que

escrevi é exatamente o que se passa. Assinado: Severo.201

Embora não seja possível identificar se algum

dos homens é escravo ou não, é interessante notar que a

adjetivação de Híris por “escrava” pode nos dizer que a

taberneira era qualificada inferiormente – Severo

ridiculariza seu rival Sucesso justamente por amar uma

escrava – ou pelo fato de sua condição social pouco

contar no cotidiano popular (ao menos, quando o

assunto é afetivo).

198

Página 35. 199

Ibidem, p. 28. 200

Ibidem, p. 29. 201

CIL IV 8258-9 apud Pedro Paulo Funari, Cultura popular na

Antiguidade Clássica, p. 19.

Dentre os artesãos, existiam aqueles que

sabiam exercer seu ofício inteiramente, ou seja, que

sabiam, por exemplo, todas as etapas de fabricação de

um sapato e que eram perfeitamente capazes de

executar uma peça inteira para depois vendê-la, e os

artesãos que acabavam se ocupando em fazer apenas

uma etapa do trabalho total, oferecendo para nós, a

visão de uma divisão do trabalho na Antiguidade

Clássica: quanto mais o produto se destinava ao

consumo das massas, maior era o número de

empregados nas oficinas e, conseqüentemente, maior a

fragmentação da produção (as officinae de cerâmica e

metalurgia são as mais expressivas nessa questão).

Porém, deve-se mencionar que, em uma sociedade na

qual o trabalho do artesão ou do artista é equilibrado na

balança do menosprezo por parte da elite, os produtos

carregam o estigma de sempre serem “crias” de quem

pagou pela sua execução, e não de seu executor.

Sobre a questão do aprendizado do ofício do

artesão, Jean-Paul Morel afirma que “a mão-de-obra

especializada também escasseava em ofícios bastante

simples. Normalmente, a aprendizagem de um artesão

fazia-se lentamente, sob a direção de um mestre.

Porém, na época das grandes conquistas de finais da

República, quando começaram a afluir a Roma

enormes multidões de escravos sem qualquer

qualificação, ou utilizados em tarefas diferentes

daquelas em que eram peritos, enquanto as oficinas

médias e grandes se multiplicavam e o contato entre

mestres e aprendizes diminuía ou acabava por

desaparecer, era inevitável que surgisse o problema da

formação da mão-de-obra”202

. As soluções encontradas

foram: grupos de artesãos itinerantes, que levavam suas

habilidades para as cidades do Império; as grandes

famílias de senadores ou eqüestres possuíam tabernas

em suas domus e contratavam artesãos para ali

trabalharem e ensinarem o ofício a quem mais fosse

necessário para o interesse familiar (geralmente,

escravos); a divisão do trabalho, quando elevada ao

máximo, requeria cada vez menos pessoas com grau de

qualificação própria para exercer determinada

atividade, assim, existiam artesãos que sabiam como

produzir pormenorizadamente cada mercadoria sendo

empregados como técnicos nas oficinas, orientando os

demais trabalhadores.

Ao falarmos acerca de os aspectos

econômicos e da vida econômica do artesão cabe

ressaltar, primeiramente, sua distribuição geográfica.

Era nos centros urbanos que os artesãos trabalhavam

para suprir a demanda local da cidade, e, também, era

nesses centros que se encontravam as principais

produções industriais da Roma Antiga: metalurgia,

têxteis, cerâmica, vidro, madeira ou corantes. Como foi

dito, as grandes propriedades possuíam seus próprios

artesãos, encarregados da fabricação e do conserto dos

equipamentos, do vestuário pessoal e da construção e

manutenção dos edifícios, ou seja, o “artesão romano é

fundamentalmente um homem da cidade”203

.

A vida econômica do artesão deve ser

examinada sob três aspectos, segundo Jean-Paul Morel,

202

“O artesão”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, p.

189. 203

Ibidem, p. 193.

Page 45: Trabalho - Educação

45

a saber: A) o que a indústria pode render a uma

comunidade e a uma cidade; B) o que os donos das

indústrias arrecadam; C) quanto ganham os artesãos.

O impacto econômico da indústria nas cidades

antigas é muito discutido. O caso romano convive com

cidades que devem sua prosperidade tanto à agricultura

como ao artesanato. O grande atrativo econômico na

Antiguidade era a agricultura e seus derivados, não a

indústria. Mas algumas cidades são reconhecidamente

pólos de artesanatos, como Cápua, Pozzuoli, Pompéia,

Aquileia, Lyon, Colônia e – na visão de Jean-Paul

Morel – Roma também.

O artesanato podia gerar enormes lucros aos

donos de oficinas. Há casos de plebeus que, devido à

fortuna advinda de suas indústrias, conseguiram

ascender à ordem eqüestre e, até mesmo, à ordem

senatorial. Por outro lado, como já dissemos, os

magistrados também se envolviam com as oficinas de

produção de tijolos, o que demonstra o quão rentável

poderia ser um grande dono de indústrias nas cidades

romanas. Com o aumento do número de escravos a

partir do século II a.C., as oficinas se multiplicaram

pela Península Itálica, e cresceu também a divisão de

trabalho, causando os problemas acima mencionados.

Tratando-se ainda de problemas, o transporte terrestre

era uma das causas do limite de comércio do artesão:

os artesanatos, quando enviados a cidades muito

distantes, encareciam demais, por isso, seus

movimentos eram de poucas dezenas de quilômetros

pelas regiões; complementa Morel: “Para quem quer

exportar, aumentar o número de operários no local de

trabalho não resolve o grave problema dos transportes.

É mais fácil deslocar os homens do que transportar os

produtos, e a verdadeira solução consiste na

mobilidade da mão-de-obra. A criação de filiais mais

próximas dos clientes potenciais do que a matriz talvez

seja um fenômeno mais importante do que se continua

a pensar”204

.

O lucro dos artesãos deve sempre ser

relacionado com o quanto despendiam para sobreviver

na cidade. O preço das matérias-primas utilizadas para

o artesanato não era dos mais baixos e, somado ao

trabalho final do artesão, o valor obtido como lucro é

muito modesto, principalmente quando o preço dos

bens essenciais, como alimentação, vestuário e

moradia, era alto se comparado ao valor de venda do

artesanato. Esse caráter “pobre” do artesão certamente

não o favorecia quando visto pela elite, e o

(relativamente) baixo número de inscrições em lápides

atesta a precariedade econômica da maioria dos

artesãos, sendo que muitos sequer possuíam condições

de pagar a um escultor ou a um lapidador a inscrição de

seu nome.

A figura do artesão era ainda mais complicada

porquanto é vista como um elemento perturbador. Sua

atividade o leva a juntar-se à aglomeração que impera

nos centros das cidades, pois o seu intento, obviamente,

é o de ter o maior número de compradores possíveis.

Atuantes também no cenário político romano, esses

artesãos eram motivo de receio e, por isso, cada vez

mais as autoridades romanas se esforçaram em afastá-

los para a periferia: foram criados macella

204

“O artesão”, in: Andrea Giardina (dir.), O homem romano, p.

194.

(“mercados”) distantes do Forum, local onde as

tabernae eram reunidas para comercializar205

. Nas

palavras do autor citado: “Portanto, de um lado, um

pequeno artesanato e um pequeno comércio

onipresentes, infinitamente fragmentados, sempre

prontos a aumentar, e muitas vezes com prejuízo do

terreno público, um espaço vital que lhes é concedido

com extrema parcimônia. Do outro lado, a tendência do

Estado, ou das municipalidades (já que esse fenômeno

é igualmente detectável em outros locais), para

canalizar, para regulamentar esse dinamismo ou essa

indisciplina, e para atribuir zonas bem delimitadas às

atividades ligadas ao artesanato”206

.

Entretanto, as maiores evidências da vida do

artesão estão materializadas na forma de seus

artesanatos. Produtos que chegaram até nós graças à

Arqueologia.

B) O artesanato

Se me pagarão, ó Ceramistas, por minha canção,

Então que venhas, Atena, e sobre o forno ponhas

Tua mão!

Que os cálices e os jarros fiquem bem enegrecidos,

Que sejam bem queimados, e alcancem os preços

pedidos...207

O Hino dos Ceramistas, composto em Atenas

em algum ponto entre 525 e 350 a.C., mostra-nos um

pouco sobre o cotidiano do artesão que trabalhava com

a cerâmica.

O artesanato dependia de uma boa matéria-

prima. Cabia ao artesão o domínio correto da queima

das peças, sua habilidade ao lidar com o forno era

essencial. Uma vez o produto acabado, restava torcer

para que os fregueses entrassem logo em sua loja e

comprassem aquela ânfora e aqueles cálices que logo

mais, ao fim da tarde, serviriam para satisfazer os

convivas com vinho durante a refeição, ou que

comprassem então alguns poucos pratos ou, quiçá,

tigelas para que a família não ficasse desamparada

durante a ceia (e que o comprador lembrasse de sua

lamparina quebrada na noite anterior, pelo filho

brincalhão, e resolvesse também levar uma), melhor

ainda seria se, a pedido de um rico, seu escravo fosse

buscar aquele vaso ornamentado, dos mais caros.

O artesanato em Roma foi abundante. Uma

vez tendo em mente o conceito de cultura material

205

A reunião de artesãos com o mesmo tipo de produção deu

origem aos collegia (“colégios”), grupos que tinham a mesma

divindade cultuada e eram possuidores de grande influência na

política romana ao tomarem partido de um ou outro magistrado. 206

Jean-Paul Morel, “O artesão”, in: Andrea Giardina (dir.), O

homem romano, p. 199. 207

Tradução livre do inglês feita pelo autor deste trabalho.

Alison Burford, Craftsmen in Greek and Roman society, p. 122.

If you will pay me for my song, O potters,

Then come, Athena, and hold your hand above the

kiln!

May the cups and cans all turn a goodly black,

May they be well fired, and fetch the price asked…

Page 46: Trabalho - Educação

46

como a concretização da vontade humana, os

artesanatos antigos adquirem proporções gigantescas,

já que praticamente quase tudo o que é “palpável” foi

construído pelas mãos de alguém.

Iremos nos deter, por hora, na categoria do

artesão ceramista, por entendermos que a cerâmica é o

elemento mais abundante nos sítios arqueológicos,

servindo, muitas vezes, como parâmetro para datação

do local escavado.

▪ Origens, mãos e tornos

Segundo Joseph Veach Noble em seu capítulo

“Pottery manufacture” na obra The muses at work: “A

origem das técnicas de modelar a argila [na

Antiguidade] parece ter ocorrido cerca de sete mil anos

atrás, no início do período da cerâmica Neolítica, com

a modelagem – feita a mão – de uma vasilha a partir de

um punhado de argila. Essa argila foi empurrada,

beliscada, e modelada até se obter a forma desejada.

Exemplos dessa técnica mais antiga de modelagem têm

sido encontrados em vários sítios da Ásia Menor”208

.

Nos tempos mais antigos da fabricação de

cerâmicas, provavelmente era a família quem produzia

e utilizava os próprios artesanatos. Nesse processo, as

mulheres talvez fossem as que ficavam encarregadas

do fabrico da cerâmica. Contudo, com o surgimento do

torno, houve também a especialização da fabricação,

fazendo com que a produção se tornasse algo rentável e

coubesse, agora, ao profissional ceramista, que se

tornou, doravante, exclusivamente homem, devido ao

fato de o serviço nas máquinas mais pesadas não ser

considerado trabalho para mulheres. (Mas devemos

recordar que em Roma, principalmente a partir do

século II a.C., haverá mulheres trabalhando nas mais

variadas áreas de artesanato, incluindo a cerâmica).

O aparecimento do torno deu-se no fim do

quarto milênio a.C., aparentemente na Ásia Menor

também. A técnica foi sendo exportada lentamente por

todo o Mediterrâneo e temos, em 2500 a.C., o mais

antigo exemplar de cerâmica produzida por torno na

cidade de Tróia209

.

Em Roma, o torno era conhecido por rota

figuralis (“forma de roda”) ou orbis (“círculo; disco”),

como aparece mencionado em Plínio, História Natural,

VII, 198. Há pouquíssimas menções textuais aos tornos

no mundo romano, e praticamente inexistem

ilustrações sobre esse objeto. Porém, devido à

proximidade com a cultura grega, podemos fazer uma

analogia com as pinturas dos vasos encontrados na

Grécia, muitos dos quais trazem informações sobre o

trabalho do artesão no torno, como reparamos na

Figura 35.

A Arqueologia já desenterrou peças que

formavam o torno, sendo esses exemplos de objetos

não-orgânicos; as matérias empregadas na fabricação

do torno poderiam ser: a própria madeira (não nos

deixando vestígios algum), ou círculos feitos de argila.

Das evidências, notamos que os tornos eram largos e

planos e giravam por impulsos que eram dados pelo

208

Página 120. 209

Joseph V. Noble, “Pottery manufacture”, in: Carl Roebuck

(ed.), The muses at work, p. 121.

próprio artesão, ou então por algum aprendiz. Com o

passar do tempo, os tornos sofreram um incremento: a

base circular do torno recebeu um eixo de madeira que

sustentava um circulo menor, assim, o artesão ganhava

mais liberdade de trabalho, uma vez que impulsionava

a base com os pés, não precisando mais de aprendizes

para realizar essa tarefa; a produção também tendia a

aumentar devido ao menor esforço físico feito pelo

artesão e porque possuía agora meios de ocupar as

mãos apenas com a modelagem da argila (Figura 36).

Com as mãos centradas unicamente na argila, a

cerâmica passou a ter mais fineza e acabamento, como

é muito comum achar em fragmentos do século I a.C.

O arqueólogo David Brown chama a atenção:

“Um detalhe sobre os tornos vem dos potes fabricados;

as marcas deixadas pelos dedos que corriam sobre a

superfície da argila quando girada, e os sulcos que

podiam aparecer dentro do pote quando o artesão

modelava a sua boca mostram que era normal o torno

ser girado em direção anti-horária, como os tornos de

hoje”210

(Figura 37).

▪ Argila

A argila era uma matéria-prima extremamente

abundante no mundo romano, e possuía algumas

características que faziam com que o artesão optasse

por essa ou por aquela determinada argila. Seu material

é formado por contínuas intempéries e erosões da

superfície da terra.

Na crosta terrestre, o feldspato é o mineral

mais encontrado; pertencente ao grupo dos silicatos de

sódio, potássio e cálcio – para citar os comuns –, o

feldspato é subdividido em dois grupos: os alcalinos211

e os plagioclásios212

. Durante a erosão há uma

desintegração do mineral feldspato; se a sua

composição alcalina é dissolvida e levada com a água,

a alumina e a sílica restantes, quando em contato com a

água, sofrem o processo de hidrólise e tornam a argila

pura, ou seja, livre de materiais orgânicos ou de outros

minerais. Uma argila que em seu movimento de erosão

entra em contato com outros minerais agregará suas

qualidades, assim, quando há mineral de ferro em sua

composição, por exemplo, essa argila terá uma

coloração avermelhada.

Citando David Brown: “Os ceramistas

romanos deviam saber que a argila é mais facilmente

trabalhada se deixada ao ar livre por um tempo, e

também que ela devia ser sovada para que as bolhas de

ar saíssem e, assim, tomasse melhor consistência”213

.

Se a argila contivesse muitas impurezas, como areia ou

pedras, ela passava por um processo de limpeza que

consistia em: A) misturar água até a sua dissolução; B)

deixar a mistura em repouso para que as impurezas

mais pesadas fiquem no fundo do recipiente, enquanto

os restos orgânicos flutuam na superfície da água; C)

210

“Pottery”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman

crafts, p. 76. 211

Na Química, a base; na Geologia, rocha ígnea que contém

maior quantidade de sódio e potássio que alumina. 212

Aluminossilicato natural de sódio e cálcio. 213

“Pottery”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman

crafts, p. 76.

Page 47: Trabalho - Educação

47

retirar as impurezas da superfície e colher a argila

limpa, preparando-a para ser drenada e trabalhada

(Figura 38).

▪ Verniz

O brilho que encontramos na cerâmica romana

também tinha um preparo especial. O verniz, ou

engobo, consiste em uma suspensão de finas partículas

derivadas da argila. Quando a argila diluída em água é

posta em descanso, a fração de argila repousa no fundo

do recipiente, sendo coberta pela água limpa. Se um

agente dispersor é adicionado à argila diluída, uma

proporção de pequenas partículas de argila restarão

suspensas. É essa suspensão que forma a base para o

verniz.

Sobre os métodos de obtenção dessa

suspensão, David Brown cita o trabalho desempenhado

por Adam Winter, um ceramista que experimentou

diversos meios de produzi-la: “Água da chuva pode

ativar a argila: lamaçais escorrendo pelos poços de

argila foram coletados e deixados para assentar, e uma

proporção de excelentes partículas restaram na

suspensão. Alternativamente, uma suspensão pode ser

preparada misturando argila com a potassa [nome

comum de diversos derivados potássicos] derivada da

água despejada sobre cinzas de madeira, ou misturando

argila com soda [uma espécie de angiosperma]. Winter

também descobriu que uma adequada suspensão pode

ser extraída de algumas areias com concentração de

ferro. Todos esses métodos, excetuando-se talvez o que

envolve a soda, parecem ter sido bem utilizados pelos

ceramistas romanos”214

. No entanto, nem toda

suspensão extraída de uma argila necessariamente

rende um bom verniz: a suspensão tem de permanecer

bem brilhante após sua drenagem e aplicação na peça

fabricada, com isso, não perderá o brilho depois do

cozimento da argila. A propriedade lustrosa do verniz

normalmente deve-se à presença de illita215

na argila e,

conseqüentemente, na suspensão adquirida desta.

Uma vez a suspensão preparada, ela deve ser

evaporada até ganhar uma consistência pastosa, aí sim

está pronta para o uso. Os romanos, ao contrário dos

gregos, não utilizavam pincéis para aplicar o verniz. As

peças eram banhadas com o verniz ou então

mergulhadas nele, segurados pelas bordas. O uso do

verniz despejado sobre a peça (ou mergulhada nele)

deixava as marcas dos dedos do artesão no produto

(Figura 39).

▪ Fornos e queima

Vestígios de fornos usados para cerâmica são

achados em todas as partes do Império romano.

H. B. Waters na obra History of Ancient

Pottery descreve-nos as principais características dos

214

“Pottery”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman

crafts, p. 83. 215

Designação geral para os minerais argilosos do grupo das

micas, de cor cinza, verde-claro ou marrom-amarelado.

fornos216

: “Os fornos eram construídos parcialmente

com tijolos não queimados, parcialmente com tijolos

queimados, o interior, o piso, e o lado externo do teto

eram cobertos com algum tipo de cimento bem

resistente. Eles eram divididos em duas importantes

porções: a câmara de queima217

com seus adjuntos, e a

abobadada câmara acima218

(Figura 40), na qual os

objetos eram postos para o cozimento. A câmara de

queima era geralmente circular, com uma projeção em

sua frente, o praefurnium [“boca do forno”], que

possuía uma forma abobadada (...) ou uma cumeeira

formada por pares de telhas (...). Através dessa boca do

forno, o combustível era introduzido, sendo usualmente

o pinho. A câmara de queima era separada da câmara

abobadada (forno) por meio de um teto interno.

Aberturas eram feitas nesse teto para que o calor fosse

dissipado para a parte superior (...). O forno onde as

peças eram postas para cozer está destruído na maioria

dos casos encontrados, mas nós sabemos que consistia

em um piso, uma parede com uma entrada, e uma

abóbada. As peças eram arranjadas parte no piso, parte

em pilares internos (...)”.

As peças, de acordo com as evidências, eram

postas para a queima de cabeça para baixo, umas sobre

as outras. A razão para isso não é muito aparente,

parece pertencer a certa tradição das oficinas.

David Brown explica sobre a queima das

peças com verniz vermelho (uma das mais famosas do

mundo romano): a queima dava-se dentro do forno sem

restrições de entrada de oxigênio, assim, a peça

permanecia com sua coloração original; a temperatura

do forno, baseando-se nas peças encontradas na Gália,

deveria ficar em torno de 1050 a 1200ºC. “Essa

descrição (...) da queima da cerâmica com verniz

vermelho é baseada principalmente na evidência das

oficinas da cidade de Arretium [atual Arezzo] e da

Gália. Dos pontos de vista técnico e artístico, essas

oficinas eram as líderes na indústria, e outras oficinas

foram derivadas dessa tradição. Inevitavelmente,

existem diferenças entre os produtos das diversas

oficinas, e até uma mesma oficina apresentava

variações internas: a resistência da cerâmica e a

quantidade de brilho do verniz, bem como sua

coloração, variaram de tempos em tempos. Deste ponto

de vista técnico, algumas das melhores peças foram

produzidas nos tempos neronianos e flavianos nas

oficinas do sul da Gália”219

.

▪ Lamparinas

Se as moradias romanas já eram parcamente

iluminadas durante o dia devido à escassez de janelas, à

noite a situação piorava. A cidade mergulhava em um

breu: excetuando-se os raros casos em que algum

imperador resolvia trazer luz às ruas queimando

216

Vol. 2, p. 446. 217

As câmaras de queima eram construídas no solo, com clara

intenção de prevenir perdas de calor e dar suporte às laterais da

estrutura. 218

Também há vestígios de fornos que não possuíam abóbadas,

sendo cobertos com algum outro material apenas na hora da

queima. 219

“Pottery”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman

crafts, p. 86.

Page 48: Trabalho - Educação

48

pessoas, as vias estavam entregues à escuridão; aqui e

acolá, transeuntes mais corajosos andavam com seus

archotes para resolver assuntos, ou mercadores

iluminavam as passagens de suas carroças, enquanto

poucos lugares de lazer permaneciam abertos,

oferecendo serviços dos mais diversos.

A necessidade de iluminação artificial por

parte dos romanos era imensa, e vital: dentro dos

cômodos para garantir o mínimo de visibilidade, e

dentro dos templos, para agradar aos mortos (e aos

vivos que lá iam ofertar)220

. Três são os objetos

utilizados pelos romanos para suprir essa necessidade:

archotes, velas e lamparinas. Os archotes eram feitos

com materiais inflamáveis e usados geralmente nas

ruas ou em ocasiões religiosas: lugares onde a fumaça

não fosse problema. As velas eram feitas com sebo ou

cera de abelha, e muito utilizadas nas partes do Império

onde o cultivo da oliva era escasso. Já as lamparinas

eram comuns em locais onde a produção do óleo de

oliva não era problema ou era importado, como no caso

da cidade de Roma.

As lamparinas (lucernae) eram, em sua

maioria, feitas de terracota e os mais antigos

exemplares encontrados na Itália datam do século III

a.C., e, como frisa a arqueóloga Maria Isabel Fleming:

“As lamparinas são achados tão constantes em quase

todas as escavações de sítios arqueológicos, a ponto de

servirem como marcos cronológicos para os níveis

estratigráficos”221

.

Segundo H. B. Waters, as partes de uma

lamparina romana são: A) o reservatório ou corpo

(infundibulum – “local para se derramar”), que contém

o óleo; B) o achatado topo circular, conhecido como

discus (“disco”), algumas vezes possuidor de uma

borda ornamentada; C) o bocal (rostrum – “bico”), com

uma abertura para a entrada do pavio (geralmente feito

com alguma matéria macia e fibrosa com capacidade

de absorver o combustível e ser facilmente inflamada;

usualmente feito de uerbascum, “verbasco” ou linho );

D) a alça (ansa), por onde a lamparina era segurada.

De acordo com as lamparinas encontradas nos

sítios arqueológicos, e para o período que nos interessa

neste trabalho, podemos estabelecer sua tipologia: A)

lamparinas com bocais arredondados, flanqueados de

cada lado por volutas; B) lamparinas com bocais

terminados em ângulos obtusos e com volutas

flanqueando; C) lamparinas com bocais sulcados; D)

lamparinas com bocais semicirculares e pequenos.

Esses tipos de lamparinas variam entre os séculos I a.C.

ao II d.C. (Figura 41).

Além da argila, as lamparinas eram feitas de

diversos materiais, tais como bronze, ferro, prata, ouro,

vidro e pedra. As técnicas de fabricação das lamparinas

mencionadas aqui servem para as produzidas a partir da

argila.

Do século II a.C. em diante as lamparinas

foram, em sua maioria, feitas com moldes. Os

220

As lamparinas eram usadas pelos romanos por três principais

motivos: A) para propósitos de iluminação em casas, edifícios

públicos, ou em momentos de confraternização; B) como

oferendas em templos; C) como mobiliário funerário. H. B.

Waters, History of Ancient Pottery, p. 395. 221

Lamparinas na antiguidade clássica: problemas sociais,

econômicos e tecnológicos, p. 130.

exemplares fabricados em torno ou modelados a mão

são muito poucos, como afirma H. B. Waters: “Os mais

antigos exemplos são feitos no torno, como os do

Esquilino e de Cartago, em que a decoração é apenas

inserida; mas decorações em relevo requeriam uma

técnica diferente. Ocasionalmente, elas eram

modeladas a mão, mas encontramos a partir do século I

a.C. em diante uma grande variedade produzida a partir

de moldes”. Para se fabricar uma lamparina, era

necessário que o artesão, primeiramente, construísse

um arquétipo, ou seja, um modelo ou padrão passível

de ser reproduzido em objetos semelhantes. Esse

arquétipo seria o modelo do molde do qual as

lamparinas viriam a ser fabricadas. O arquétipo podia

ser feito de madeira ou, como é mais comum, de argila

mesmo. Esse “molde do molde” era inteiramente

maciço e ganhava contorno quando a argila, antes de

ser queimada, encontrava-se em um estado sólido

próprio para ser escavada com as ferramentas certas.

Nessa etapa de dar formas ao arquétipo, o ceramista

podia, ou não, aplicar na peça os sulcos que formariam

os relevos das lamparinas. As figuras dos relevos eram

esculpidas a mão ou aplicadas prensando-se uma outra

peça de argila cozida – com os desenhos – ao material;

muitos artesãos optavam por deixar marcado seu nome,

ou o nome de para quem trabalhavam, na parte de

baixo do arquétipo (Figura 42). Terminado, o

arquétipo ia para o forno e estava pronto para que um

molde dele fosse tirado.

Os moldes podiam ser de gesso ou de argila.

No caso do molde de argila, o arqueólogo Donald

Bailey, em seu texto “Pottery Lamps”, explica: “(...)

uma camada de argila úmida era pressionada sobre o

arquétipo e nivelada no ponto onde as duas metades da

lamparina fazem junção. Quando a argila adquire

consistência suficiente (...), a concavidade formada

pode ser retirada do arquétipo e o mesmo processo é

feito com a outra metade do molde. Quando removida

do arquétipo, o molde de argila ainda está maleável e

pode receber as decorações feitas por incisões ou por

prensagem de outros moldes já secos (...). Terminado,

o molde de argila deve ser levado ao forno antes de ser

usado”222

(Figura 43).

Finalmente, uma lamparina, agora, já poderia

ser feita. Uma fina camada de argila era aplicada sobre

uma das metades do molde, sendo bem pressionada

para adquirir todos os contornos e relevos existentes,

deixando as extremidades da argila bem ajustadas e

niveladas. O mesmo processo era feito na outra metade

do molde e, então, ambas as partes eram sobrepostas.

Para saber se a lamparina estava perfeitamente ajustada

para a secagem, o artesão fazia, no molde, sulcos de

modo a perceber o seu alinhamento (Figura 44). Essas

marcas encontradas em praticamente todos os moldes

sobreviventes mostram que as duas metades da

lamparina eram unidas junto com os moldes, não

separadamente após a remoção do molde. “Como as

duas metades do molde eram pressionadas juntas, a

maioria do excesso de argila nas bordas entrava na

lamparina, formando uma aresta de argila ao longo da

junção e atuando como um reforço interno”223

.

222

Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 98. 223

Donald Bailey, “Pottery Lamps”, in: Donald Strong e David

Brown (eds.), Roman crafts, pp. 98-99.

Page 49: Trabalho - Educação

49

A lamparina é removida do molde assim que

está firme o suficiente para ser manuseada sem

deformações. A lamparina de argila é posta, então, para

secar, e também são feitos os orifícios no bocal e no

corpo (para a entrada do óleo) com o auxílio de uma

ferramenta tubular. Quando uma alça era necessária

para a lamparina, mas ainda não havia sido feita no

molde (como os exemplares do início do século I a.C.

na fronteira do Reno ou no sul da Rússia), ela poderia

ser moldada em argila fresca e adicionada ao corpo;

nesse mesmo estágio, o da argila maleável, o artesão

também fazia os reparos necessários, aplicava as

figuras que queria e estampava seu nome na peça caso

ainda não o tivesse feito no arquétipo.

Após a secagem, a lamparina era mergulhada

em uma solução feita de água e argila, ou engobo

(como podemos deduzir das marcas de dedos

encontradas nas peças). Esse líquido era o responsável

por selar a lamparina, deixando-a impermeável ao óleo

que seria introduzido, e também para dar coloração – a

concentração de ferro na composição da argila diluída

determinava a aparência final, após a queima.

Segundo Donald Bailey: “Normalmente as

lamparinas romanas – com ou sem a camada fina de

argila aplicada – eram queimadas apenas uma vez. Os

fornos variavam nas técnicas de construção, materiais,

tamanhos e de acordo com a demanda local e o

tamanho da própria oficina, no entanto, eram

basicamente o mesmo tipo de forno usado para a

cerâmica em geral. As lamparinas eram empilhadas

umas sobre as outras, as bases sobre os topos, como

mostram as marcas encontradas nas peças (Figuras 45

e 46). Não havia necessidade de apoios nas pilhas das

lamparinas (...), pois não esbarravam umas nas outras.

(...) A temperatura de queima provavelmente ficava

entre 800ºC e 1000ºC; indubitavelmente, a larga gama

de temperaturas dentro do forno fazia com que

lamparinas de uma mesma fornada saíssem com

aparências diferentes”224

.

As oficinas de artesãos fabricantes de

lamparinas cresciam onde houvesse demanda (embora

as lucernae mais sofisticadas ou de formatos menos

padronizados fossem comercializadas, geralmente, em

locais distantes dos centros de manufatura). Também

era muito comum que as lamparinas importadas pelos

próprios artesãos servissem de arquétipos para se fazer

moldes novos, que se espalhavam por uma determinada

região (Figura 47). Esse processo contínuo de

importação, moldagem e venda freqüentemente

resultava em modificações na peça original: quanto

mais distante a lamparina ficava de seu primeiro

arquétipo, mais fácil era de se tornar menor e alterada.

Deve-se lembrar também que era comum algumas

lamparinas em terracota serem imitações de lamparinas

trabalhadas no metal, devido ao baixo preço que

podiam ser oferecidas, mesmo com mais pormenores.

A Itália foi a grande exportadora de

lamparinas para a orla do Mediterrâneo entre os séculos

I a.C. e I d.C.. As peças foram principalmente levadas

ao oeste da Península Itálica e ao norte e oeste da costa

mediterrânica da África; embora possuidora de um

224

“Pottery Lamps”, in: Donald Strong e David Brown (eds.),

Roman crafts, p. 100.

amplo número de oficinas produtoras de lamparinas, a

África continuou importando as peças italianas mesmo

na segunda metade do século II d.C.

▪ Cerâmicas em geral

A cerâmica é uma das bases da cultura

material romana. Apesar das possibilidades em se

adquirir produtos fabricados com outras matérias-

primas, a cerâmica era a mais acessível

economicamente. Praticamente todos os romanos

possuíam objetos de cerâmica e, ao longo de tudo o que

foi discutido até aqui, também podemos questionar se

não havia entre os plebeus mais pobres, aqueles que

somente possuíam cerâmica entre seus utensílios.

Como dito acima, a cerâmica é abundante em

sociedades sedentárias, e são achadas em praticamente

todos os sítios arqueológicos escavados: a Península

Itálica, ao lado da Hélade, certamente foi um dos

maiores pólos manufatureiros de cerâmica na

Antiguidade.

O desenvolvimento da indústria cerâmica

romana como difusora de produtos começou no século

II a.C., com a cidade dominada por Roma denominada

Arretium (Arezzo). A cerâmica aretina é uma das mais

estudadas pelos arqueólogos e traça o período de

apogeu da cidade que a fabricava: esse tipo de

cerâmica é datado entre 150 a.C. até o fim do século I.

d.C. Segundo H. B. Walters, as características da

cerâmica de Arretium são: (A) a fina argila vermelha

local, cuidadosamente trabalhada e queimada em forno

com entrada de oxigênio, ganhando dessa forma uma

rica coloração; (B) brilho vermelho composto por

sílica, óxido de ferro e substâncias alcalinas; (C) a

grande variedade de formas trabalhadas; (D) as

estampas com os nomes dos ceramistas são geralmente

achadas225

.

- Torno:

Como mencionado no início deste item B, o

trabalho com a argila era calcado em três técnicas:

modelagem a mão, torno e molde. A primeira técnica é

a mais antiga de todas e a que menos possui vestígios

quando comparada às demais. O torno e o uso de

moldes foram os mais importantes meios de fabricação

de vasos na Roma Antiga.

O processo de se fazer um vaso a partir do

torno começava com a escolha da argila e a sova para a

retirada das bolhas de ar (que trincariam o vaso caso

fosse levado ao forno assim). O tamanho final de um

vaso, por exemplo, dependia do quanto de argila era

empregada. Para que vários vasos iguais fossem feitos,

bastaria separar proporções iguais de argila: a primeira

parte do dia de trabalho do artesão consistia em medir a

altura e o diâmetro de cada pedaço de argila;

provavelmente, o artesão devia voltar a medir as

proporções dos pedaços de argila a cada três ou quatro

objetos trabalhados. A quantidade necessária de argila

era então colocada no centro do torno. Por impulsos

com as mãos ou os pés, o artesão fazia girar a base do

225

History of Ancient Pottery, p. 480.

Page 50: Trabalho - Educação

50

torno em sentido anti-horário. Com a argila úmida, o

artesão modelava um cilindro e a seguir abria, com os

dedos, um orifício central nessa base, da qual,

habilmente, dava as formas pretendidas ao vaso,

alongando horizontal ou verticalmente o quanto fosse

necessário de argila (Figura 48).

David Brown explica: “Após a modelagem, a

superfície exterior era geralmente alisada com o auxílio

de uma esponja úmida ou um pedaço de graveto para

eliminar as marcas dos dedos. O pote era então cortado

do torno com um cordão que deixa uma curvatura

característica na base”226

(Figuras 49 e 50). No caso da

cerâmica aretina, os vestígios mostram que o

alisamento do pote era feito na superfície interna e

externa, com o auxílio de uma ferramenta de

torneamento. Quando estava com consistência

suficiente para manter-se de pé, o pote era então posto

de cabeça pra baixo no torno. Por meio de ferramentas

de incisão – como facas e espátulas de madeiras de

diversas formas e angulações –, o artesão, ao girar o

torno, fazia o encaixe aonde iria a base do vaso, e

acertava a borda do objeto.

Os elementos que iam ligados ao corpo – o pé,

a(s) alça(s) e o pescoço – do vaso eram feitos

separadamente e depois unidos. O pé do vaso

geralmente era feito de maneira similar ao corpo, mas,

obviamente, com uma quantidade bem menor de argila

no torno (Figura 51). As alças eram formadas a partir

de um punhado de argila puxada entre o polegar e o

indicador; com a argila úmida, o artesão dava a forma

que desejava: achatada ou oval, e deixava a alça

endurecer para depois fazer sua junção ao corpo do

objeto. O pescoço da garrafa ou do frasco era feito no

torno, ganhando aspecto cilíndrico, e o orifício por

onde deveria sair o líquido era produzido de maneira

simples, com o dedo do artesão; quando consistente –

após um tempo de secagem – o pescoço era unido ao

corpo por meio de argila úmida e a junção era, então,

alisada externamente (Figura 52).

Com todas as etapas realizadas, o objeto era

queimado no forno.

- Moldes e decorações:

Os muitos tipos de vasos fabricados pelos

romanos podem ser colocados em dois grupos: os

pintados ou não pintados sem decoração, e os pintados

ou não pintados com decoração.

Ao se tratar de decoração romana, devemos

ter em mente o significado de relevo. Algumas técnicas

de aplicação de relevo serão, agora, brevemente

explicitadas.

A decoração por meio de moldes era feita da

seguinte maneira: o artesão fabricava um punção, um

modelo de argila com o formato que desejava (Figura

53). O punção possuía um desenho ornamental de um

lado, e um apoio para a mão do outro, sendo que, às

vezes, também continham o nome do ceramista. Esse

desenho era modelado diretamente pelas mãos do

artesão na argila ou então esculpido – com o auxílio de

ferramentas – de modo a imitar alguma outra figura já

vista em outro vaso, e logo em seguida queimado.

226

“Pottery”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman

crafts, p. 77.

O artesão fabricava, no torno, o molde do vaso

em que iriam ser aplicados os relevos. Com

ferramentas de marcação, o ceramista rascunhava na

argila a disposição dos desenhos. Nesse momento, os

pequenos moldes ornamentais eram prensados contra a

superfície interna do vaso, e outros detalhes feitos a

mão-livre. Devido à pressão, o molde de argila tendia a

deformar-se, por isso, após todas as impressões, o

molde voltava ao torno e, de cabeça para baixo, era

novamente alisado. Uma vez pronto, o molde secava e

estava em condições de sofrer a queima no forno

(Figura 54).

O processo de preencher o molde queimado

com a argila úmida “apresenta um problema. É

possível colocar a argila no centro do molde e esticá-la

pelas paredes do vaso até cobrir toda a superfície

interna, mas, fazendo-se isso, bolhas de ar entrariam

nos sulcos dos desenhos dos relevos e parece não haver

meios de se livrar delas. Esta dificuldade, nos dias de

hoje, seria resolvida com a ajuda de seladores no

molde; no entanto, não parece existir evidência que

sugira o conhecimento desse método por parte dos

artesãos antigos. Fabricantes de lamparinas e de

terracotas parecem ter passado pelo mesmo problema, e

o resolviam simplesmente forçando a matéria-prima

contra o molde com os dedos. Possivelmente, esse

método também foi empregado pelos ceramistas de

potes modelados, com a argila sendo pressionada no

molde pelos dedos do artesão”227

.

O molde com a argila dentro era deixado para

secar. Com a perda de água, a argila contraía-se e

diminuía de volume, sendo dessa maneira, passível de

ser retirada do molde. Essa etapa precisava de uma

grande habilidade por parte do artesão: se não soubesse

tirar o vaso do molde com cuidado, partes dos relevos

podiam ficar grudados na superfície e danificar o

aspecto final da peça (como observamos em muitos

fragmentos que apresentam nítidas falhas nos relevos

por problemas de fabricação, Figura 55). Após sair do

molde, o vaso recebia os acabamentos finais, as

adições das peças restantes (como o pé e a alça, por

exemplo), era, então, deixado para secar, envernizado e

levado ao forno.

Além da aplicação de moldes de relevos, um

vaso podia receber outras decorações superficiais. Um

desses casos é a decoração com barbotina. A barbotina

é um termo usado para descrever a decoração feita

sobre a superfície por meio de um “creme” de argila. O

processo é bem parecido com a maneira como

decoramos nossos bolos hoje em dia. A argila era

diluída em água até obter consistência pastosa e

colocada em sacos feitos de couro com uma abertura

fina para a saída do creme, ou era esparramada

diretamente sobre a superfície do vaso através de

alguma ferramenta tubular, provavelmente uma pena.

Ela também podia ser aplicada ou manipulada com os

dedos para dar um aspecto mais rústico à superfície. A

técnica da barbotina podia trazer efeitos maravilhosos

aos objetos quando aplicada por um artesão habilidoso

(Figura 56).

227

David Brown, “Pottery”, in: Donald Strong e David Brown

(eds.), Roman crafts, p. 80.

Page 51: Trabalho - Educação

51

Outra técnica é conhecida por nós como

appliqué, termo francês que designa a aplicação de

decorações, feitas em moldes separados, diretamente ao

objeto de argila. Essas figuras ficavam na superfície

externa do pote. Alças, máscaras e rosetas decorativas

eram feitas em moldes e aplicadas em vasos aretinos,

por exemplo. As peças eram pressionadas contra o

corpo do pote e fixadas com argila úmida. Durante o

século II d.C., na Gália central, houve a combinação da

técnica de appliqué com a da barbotina (Figura 57).

Também havia a técnica dos rolos e da

estampa rolada. Os rolos eram peças de cerâmica com

desenhos ao longo de todo o seu corpo cilíndrico; o

vaso era colocado no torno e rolo segurado firmemente

pelo artesão, que fazia girar a base do torno, dando,

dessa forma, uma continuidade à rolagem do utensílio

sobre toda a superfície do vaso (Figura 58). Com a

estampa rolada, era o próprio torno quem recebia os

desenhos em sua base; o pote era segurado pelo artesão

sobre o torno enquanto ele girava; esta técnica foi

comum durante todo o tempo da fabricação de

cerâmica romana (Figura 59).

Ainda sobre os relevos estampados, cabe

frisar o que já foi mencionado: os artesãos podiam

estampar seus nomes nos vasos a partir de peças de

argila moldadas ou esculpidas; o mesmo acontecia com

figuras, que eram pressionadas diretamente sobre a

superfície do vaso antes da secagem e da queima

(Figura 60).

- Formas de vasos:

O principal uso dos vasos de cerâmica era

para o transporte e o armazenamento de vinho, óleo,

frutas, mel, grãos, cereais, entre outros, além do uso em

ritos religiosos (embora os vasos de metal fossem mais

utilizados). As formas mais usualmente empregadas

eram, segundo H. B. Waters, dolium e amphora.

O formato dolium (“tonel”) era muito usado

para a armazenagem, seja de líquidos, como o mel e o

óleo, seja de sólidos, como o milho e as frutas (Figura

61). Os dolia eram os maiores vasos romanos; seu

tamanho poderia conter um homem. Costumavam ser

enterrados no solo dos celeiros, como os vestígios

encontrados na Itália, França e Tunísia nos mostram.

Eram vasos feitos em partes separadas e depois

juntadas, fabricados com argila vermelha ou branca, e

queimados lentamente no forno. Seus fabricantes eram

os chamados doliarii, e há indícios de que o dolium

também era usado com fins ritualísticos de

sepultamento.

A amphora (“ânfora”) também servia para a

armazenagem de líquidos e sólidos, além do transporte.

Donald Brown cita o trabalho desempenhado por

Adam Winter na tentativa de entendimento do processo

de fabricação das ânforas: “Um grande cilindro de

argila era erigido ou era torneado em um torno baixo.

A parte de cima desse cilindro era trabalhada de modo

a que, alargando-a, tomasse a forma da base da ânfora;

as paredes eram afinadas o máximo possível, e o

pequeno buraco que restava no topo era então tapado

com uma rolha de argila. O pote era virado, tendo a

grande base calcada em um colar de argila, para evitar

o contato com a superfície do torno. A parte que

restava para cima era trabalhada a fim de formar-se o

pescoço do pote, e as alças eram anexadas. A

modelagem do corpo da ânfora parece ter sido feita por

uma combinação de torneamento com manipulação,

pois ambas, as marcas de rotação e as marcas de dedos,

são visivelmente vistas na superfície interna do

vaso”228

(Figura 62).

Ainda na obra de H. B. Walters229

há citação

de cerca de 50 tipos de potes de cerâmica, entre eles:

cadus – para armazenar vinho; crater – cratera usada

para misturar água ao vinho; urna – para armazenar e

carregar água; situla – balde para carregar água; cupa e

cumera – com formato tubular, para carregar grãos;

sinus – armazenar água e leite; nasiterna – pote de

água; ampulla – usada para levar o vinho ou a água à

mesa de refeição; cyathus – para despejar vinho nos

copos; poculum – taça, copo; calix – cálice, um dos

objetos mais usados comumente; lanx e patina – pratos

ou travessas para levar comida à mesa; olla – urna

funerária; peluis – bacia para se lavar; cacabus –

caldeirão.

228

“Pottery”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman

crafts, p. 89. 229

History of Ancient Pottery, pp. 463-473.

Page 52: Trabalho - Educação

52

Parte V

A) A extração e o tratamento dos minérios.

Deixemos o naturalista romano Plínio, o

Velho, que viveu de 23 a 79 d.C., discorrer sobre

alguns pontos referentes à extração de minérios no

Império Romano (História Natural, XXXIII, 21):

Entre nós, o ouro é procurado de três modos

diferentes; o primeiro deles é encontrado em forma de pó nas

correntezas de rios, como exemplos, o Tago na Hispânia, o

Pó na Itália, o Hebro na Trácia, o Pactolo na Ásia, e o Ganges

na Índia; de fato, não há ouro encontrado em mais perfeito

estado do que este, completamente polido devido ao

constante atrito na corrente de água.

Um segundo modo de obtenção de ouro consiste

em abrir poços ou buscá-lo nos escombros das montanhas;

ambos os métodos serão abordados. As pessoas em busca do

ouro, primeiramente, procuram pelo segutilum230, tal sendo o

nome da terra que dá indicação da presença de ouro. Isto

realizado, o bolsão encontrado tem sua areia lavada, e, de

acordo com o resíduo encontrado após a lavagem, uma

conjectura é formada sobre a riqueza do veio. Algumas vezes,

na verdade, o ouro é achado sobre a superfície da terra: um

sucesso, entretanto, raramente experimentado. Por exemplo,

recentemente, no reinado de Nero, um veio foi descoberto na

Dalmácia, o qual rendeu, em peso, até cinqüenta libras de

ouro diariamente. O ouro que é achado assim na crosta de

superfície é conhecido como talutium231, em casos onde há

terra aurífera sob a superfície. As montanhas da Hispânia,

sempre áridas e estéreis, produtoras de quase nada, tornam-se

férteis nas mãos do homem, provendo-os com este artigo

precioso.

O ouro extraído de poços é conhecido por algumas

pessoas como canalicium, e por outras como canaliense232; é

encontrado aderido ao mármore arenoso [ganga233], não da

maneira como brilha na safira do Leste e na pedra de Tebas e

outras gemas, mas, sim, brilhando entre as dobras do

mármore. Os canais desses veios são encontrados correndo

em várias direções de e para os poços, e daí o nome do ouro

produzido ser canalicum. Nesses poços, também, a terra

sobrecarregada é mantida no local graças a pilares de

madeira. A primeira substância extraída é quebrada e depois

lavada; depois, é submetida à ação do fogo, e se transforma

em um fino pó. Este pó é conhecido como apitascudes,

enquanto a prata que é liberada na queima recebe o nome de

sudor (“suor; esforço”). As impurezas que escapam pela

chaminé do forno, como no caso de todos os demais metais,

são conhecidas por scoria (“escória”). No caso do ouro, esta

scoria é quebrada uma segunda vez, e fundida novamente. Os

230

Também conhecido por segullo atualmente na Espanha.

Segundo o Glossário Geológico Ilustrado do Instituto de

Geociências da UnB, o termo corresponde ao inglês gossan

(“chapéu de ferro”): “Capeamento residual (laterítico) de zonas

mineralizadas com sulfetos ricos em ferro, como a pirita, e que se

originam pelo intemperismo químico dos sulfetos com oxidação

do Fe2 para Fe

3, formando-se hematita e hidróxido de ferro

limonítico que é muito resistente ao intemperismo químico.

Ocorrências de gossan são importantes pois indicam a possível

existência de minério em profundidade. Moldes limoníticos

(boxworks) de sulfetos ou outros minerais solúveis em suas

formas externas, muitas vezes com indicação de antigas

clivagens e fraturas, podem ser encontradas em certos gossans”.

In: http://www.unb.br/ig/glossario/verbete/chapeu_de_ferro.htm.

Acessado em 28/12/2007. 231

Pepita. 232

Ambos os termos significam “em forma de canal”. 233

Minerais ou rochas sem interesse econômicos associados aos

minérios. Porém, cabe aqui dizer que o “mármore arenoso”

mencionado é, na verdade, quartzo e xisto.

cadinhos usados para esse propósito são feitos de tasconium:

uma terra branca similar à argila usada para a cerâmica; não

há outra substância capaz de opor-se à forte corrente de ar, à

ação do fogo, e ao intenso calor do metal fundido.

O terceiro método de obtenção do ouro ultrapassa

até o labor dos Gigantes: por meio de galerias manejadas para

longa distância, montanhas são escavadas sob a luz de tochas,

a duração das quais forma os turnos de trabalho; os

trabalhadores nunca vêem a luz do dia por vários meses

consecutivos. Essas minas são conhecidas como arrugiae, e

não raramente fissuras são formadas de súbito, fazendo a

terra afundar, soterrando os trabalhadores. Pareceria menos

imprudente ir à procura de pérolas e púrpuras no fundo do

mar, uma vez que tornamos para nós a terra mais perigosa do

que a água! Tanto é verdade que, neste tipo de mineração,

arcos são postos em intervalos freqüentes com o intento de

suportar o peso vindo acima, da montanha. Na extração feita

em poços ou galerias, barreiras de sílex têm de ser

submetidas com a ajuda de fogo e vinagre; como esse método

acaba por encher as galerias com vapores sufocantes e

fumaça, mais freqüentemente usam-se máquinas de impacto

– algumas com peças de ferro que pesam cento e cinqüenta

libras – para quebrar as barreiras em pedaços: os fragmentos

são carregados para fora pelos trabalhadores que, noite e dia,

passam a carga de um para o outro no escuro, pois somente

os que estão na boca da mina vêem a luz. Nos casos em que o

bolsão de sílex é muito espesso para ser atravessado, o

mineiro o contorna e depois retorna. Entretanto, depois de

tudo, o trabalho causado por esse bolsão é tido como

relativamente fácil, já que existe uma terra – um tipo de

argila para cerâmica misturada com cascalho, denominada

gangadia – praticamente impossível de ser penetrada. Esta

terra precisa ser atacada com cunhas de ferro e martelos: não

há nada mais tenaz do que ela a não ser a ganância do homem

pelo ouro.

Quando todas as operações estão completas, por

fim, cortam-se os pilares de madeira no ponto em que

sustentam o teto: o desabamento causa alarme, que é

instantaneamente percebido pelo sentinela posto no pico da

montanha. Por voz e por sinais, ele ordena que os

trabalhadores sejam imediatamente dispensados de seus

afazeres, ao mesmo tempo em que desce o local. A montanha

fissura-se e cai em pedaços, arremessando seus escombros

com um estrondo que é impossível à imaginação humana

conceber; e dentre uma nuvem de poeira, de densidade

incrível, os mineiros vitoriosos contemplam esta derrota da

Natureza. Mas nem assim estão satisfeitos de ouro [...].

Outra técnica, também, muito parecida a esta – e

que requer maior despesa – é a de desviar e trazer rios da

montanha mais elevada (uma distância, talvez, maior de cem

milhas) com o propósito de lavar os escombros montanhosos.

Os canais assim formados são denominados corrugi, de nossa

palavra corrivatio, eu suponho; e até mesmo quando criados,

esses canais necessitam de mil novos trabalhadores. A queda,

por exemplo, deve ser íngreme para a água precipitar-se ao

invés de correr em fluxo – é por isso que deve vir de pontos

mais elevados. Então, vales e fendas de geleiras têm de ser

unidas com a ajuda de aquedutos e, em algum outro lugar

impraticável, pedras devem ser talhadas e forçadas a fim de

abrir espaço às calhas de madeira; a pessoa encarregada de

talhá-las fica suspensa por cordas o tempo todo, então, ao

espectador que a tudo assiste em distância, os trabalhadores

possuem uma aparência não tanto similar à bestas selvagens,

mas pássaros sobre a asa. Assim suspensos na maioria dos

casos, eles pegam os níveis e traçam com linhas o curso que a

água deve tomar, e então, onde não há espaço sequer para o

homem colocar o pé, rios são traçados por suas mãos. A água

passa a ser considerada imprópria para a lavagem caso traga

consigo qualquer lama. O tipo de terra que forma essa lama é

Page 53: Trabalho - Educação

53

conhecido como urium234; sendo encontrado fora dos canais,

os trabalhadores levam a água por sobre sílex ou seixos,

evitando cuidadosamente esse urium. Quando alcançam a

nascente da queda, no cume da montanha, reservatórios são

escavados, com cerca de cem pés de comprimento e

amplitude, e uns dez pés de profundidade. Nesses

reservatórios existem geralmente cinco comportas com cerca

de três pés quadrados; então, no momento em que o

reservatório está cheio, as comportas são retiradas e a torrente

explode à frente com violência sobre quaisquer fragmentos

que possam obstruir sua passagem.

Quando alcançam o nível do solo, outro trabalho os

espera. Trincheiras, conhecidas como agogae, devem ser

cavadas para a passagem da água; e estas, em intervalos

regulares, têm camadas de ulex235 postas na base. Essa ulex é

uma planta parecida com o alecrim, áspera e espinhosa, e

bem adaptada para prender qualquer pedaço de ouro que

surja. Os lados das trincheiras também são fechados com

tábuas, e são suportados por arcos quando passam sobre

escarpas e em locais de precipitação. A terra, levada na

correnteza, chega ao mar ao final, e assim é a esfacelada

montanha lavada; causa que tendeu a estender as costas da

Hispânia. Também é por esses canais aqui descritos que o

material – escavado na costa com grande labor pelo processo

mencionado – é lavado e transportado; do contrário, os poços

logo seriam obstruídos por isso.

O ouro escavado em galerias não precisa ser

fundido, pois é ouro puro. Nessas escavações – e também em

poços – ele é encontrado em pedaços [caroços], muitas vezes

excedendo dez libras de peso. Os nomes dados a esses

pedaços são palagae e palacurnae, enquanto o ouro achado

em pequenos grãos é conhecido como baluce. O ulex

utilizado com o propósito acima citado é secado e queimado,

sendo suas cinzas lavadas sobre uma “cama” de relva

gramínea para que o ouro seja depositado em seguida.

Astúria, Galícia e Lusitânia fornecem desta

maneira, anualmente, de acordo com algumas autoridades, o

peso de vinte mil libras de ouro, sendo o produto da Astúria a

maior parte. Realmente, não há nenhuma parte do mundo que

durante séculos mantivesse tal fertilidade contínua em ouro.

Eu já mencionei que, por um decreto antigo do Senado, o

solo da Itália foi protegido destas pesquisas; caso contrário,

não haveria terra mais fértil em metais. Também há uma lei

censória relativa às minas de ouro de Victumule, no território

de Vercellæ236, pela qual os fazendeiros foram proibidos de

empregarem mais de cinco mil homens nos trabalhos.

As palavras de Plínio denotam a problemática

apresentada na questão da extração de minérios pelos

povos “clássicos”. O estudo preliminar acerca de como

esses minérios eram extraídos e transformados é de

suma importância para o entendimento do que virá

mais adiante: a análise da metalurgia romana.

Se a produção metalúrgica de Roma cresceu

vertiginosamente no período de transição da República

para o Principado, obviamente, é devido a um grupo de

fatores. Plínio – e autores como Diodoro Sículo e

Estrabão – ao mencionar o exaustivo trabalho da

mineração, praticamente fundamenta-se na produção

provinciana. A Ásia já havia sido submetida quase um

século antes da conquista total do território hispânico.

A Hispânia, um dos palcos da Segunda Guerra Púnica,

234

Dolomita. Segundo o Glossário Geológico Ilustrado do

Instituto de Geociências da Unb: “Mineral carbonato de cálcio e

magnésio [CaMg(C03)2]”. In:

http://www.unb.br/ig/glossario/verbete/dolomita.htm. Acessado

em 28/12/2007. 235

Gênero botânico. 236

Atual província de Vercelli, na região do Piemonte, Itália.

já era famigerada por seu poder metalífero antes

mesmo da chegada dos romanos; isso pode ser notado

ao lermos, de Políbio (século II a.C.), a intenção de

Aníbal: “(...) dispor de fundos e suprimentos

abundantes para a expedição planejada [contra

Roma]”237

. Embora a Hispânia não fosse muito fértil na

visão dos romanos, como apontou Plínio, suas

montanhas “sempre áridas e estéreis, produtoras de

quase nada, tornam-se férteis nas mãos do homem, os

provendo com este artigo precioso [o ouro]”.

Lembremos também que a Hispânia só foi

completamente pacificada no governo de Augusto,

sendo um importante elo entre as terras africanas e as

do norte. O maior período de extração de minérios está,

pois, situado nesse contexto de prosperidade político e

econômico: temos a manutenção da orla do

Mediterrâneo sob as hostes dos legionários e um

intenso itinerário de povos e mercadorias pelas

províncias e a Itália. Porém, como dito acima, e

retornando ao tópico levantado, a mineração na Roma

Antiga era algo muito dispendioso e perigoso.

O arqueólogo John F. Healy, em sua obra

Mining and metallurgy in the Greek and Roman world 238

, discorre sobre a concepção geológica que os

antigos tinham do próprio mundo: “Em Plínio

encontramos alusão esparsa a uma teoria relativa à

formação de pedras transparentes e semi-transparentes,

que provavelmente já havia sido formulada por

Posidônio239

: segundo tal teoria, a matéria prima destas

pedras era a água, talvez impregnada de átomo de terra.

Este líquido se condensava seja sob efeito do frio na

atmosfera, seja por efeito de uma das duas exalações,

enquanto as cores das pedras eram geradas apenas pela

exalação seca ocorrida até o seu endurecimento. [...]

Uma outra idéia bastante estranha, recorrente em

diferentes períodos entre gregos e romanos, consistia

em deduzir que os metais cresciam espontaneamente na

terra e, do mesmo modo, regeneravam-se as jazidas que

houvessem sido exauridas pelo desfrutamento do

homem”240

. O último caso pode ser conferido nas

palavras do geógrafo grego Estrabão (64 a.C. – 24

d.C.):

Há outra circunstância notável: as exauridas minas

da ilha [de Elba] – com o passar do tempo – tornaram-se

novamente cheias [produtivas]241

.

Os romanos herdaram e aperfeiçoaram as

técnicas de mineração dos gregos e egípcios, contudo,

os métodos de prospecção de metais continuaram a ser

superficiais. A busca por ouro e outros metais em

aluviões talvez fosse um dos meios mais antigos e

simples de pesquisa. Além deste primeiro método,

segundo Plínio, os homens buscavam por sinais sobre o

solo que indicassem a presença de metais a serem

encontrados quando de uma escavação: achada a terra

denominada de segutilum, rica em óxidos de ferro,

portanto, com uma coloração típica, o próximo trabalho

237

III, 17. 238

Para este trabalho foi utilizada a tradução italiana: Miniere e

metallurgia nel mondo greco e romano. 239

Historiador e filósofo grego que viveu entre 135 a 50 a.C. 240

Página 18. 241

Geografia, V, 2.

Page 54: Trabalho - Educação

54

era lavar uma amostra dela com a intenção de observar

se os grânulos de ouro seriam proveitosos

economicamente.

Os dois elementos básicos de uma atividade

de mineração – terra e água – são uma constante no

texto de Plínio. Devemos aos romanos, principalmente,

as técnicas que foram por demais utilizadas até o

século XIX e mesmo nos dias atuais. Pelo documento,

assinalamos as duas maneiras fundamentais de

extração mineral: a céu aberto e sob a terra.

O trabalho executado sobre o solo dependia

quase necessariamente do uso de recursos hidráulicos

(pois havia casos de se encontrar os minérios na

superfície, o que era raro, nos dizeres de Plínio). A

mineração em aluviões, como dita, é a menos

dispendiosa e a que, segundo o autor antigo, traz o ouro

em sua melhor forma. Porém, com a rotina, os minérios

tendiam a desaparecer. Restava, então, aos homens,

manipular a natureza (o que causava a indignação de

Plínio). Outra técnica usada pelos romanos é a que hoje

é conhecida como hushing entre os geólogos. O termo

corresponde, grosso modo, ao método de se separar

minérios preciosos de outros com o uso da água. Nas

palavras de John Healy: “(...) consiste em fazer fluir a

água para separar e transportar o material ao nível

baixo. O controle da operação era assegurado

recorrendo-se à construção de diques e reservatórios

situados no topo e nas costas da zona interessada, a fim

de criar uma bacia de água suficientemente provida.

Depois que a água tivesse removido a camada não

aurífera, seguia-se o procedimento de lavagem dentro

do canal mediante um fluxo mais ou menos contínuo

de água. O material aluvial vinha de tal modo

transportado, e a água cheia de detritos era colhida na

base do sítio e desviada para canais de cultivo, onde se

procedia à extração do ouro utilizando-se um dentre os

numerosos métodos de trabalho”242

. Por fim, Plínio

menciona algo que causava arrepios aos que

observavam: o estrondo das águas represadas pelas

comportas. Sem dúvida, essa era a técnica mais

destrutiva da natureza, pois se usava a força da água

precipitada para encontrar e cavar as jazidas, deixando

visíveis as marcas nas montanhas; maneira de trabalho

denominada “abatimento hidráulico”243

.

Os segundo e terceiro modos de obtenção de

ouro, como dita Plínio, são realizados sob a terra, por

meio de escavações. Primeiramente, temos os poços.

Os exemplos encontrados pelos arqueólogos mostram,

como no caso do poço grego de Laurion, que

inicialmente abria-se um furo central no local desejado

e depois o alastrava aos quatro lados, sempre atacando

verticalmente, com o auxílio de uma lança (Figura 63).

Os poços romanos geralmente tinham uma seção

regular, dependentes dos materiais utilizados para o seu

revestimento: no caso de poços retangulares, a madeira

revestia as paredes; no caso de poços circulares, a

pedra. As galerias, ao contrário dos poços, tinham o

sentido transversal dentro das montanhas (embora

muitas galerias partissem dos fundos de alguns poços,

cortando horizontalmente as rochas). Como diz Plínio,

as minas adentravam lugares onde a luz do dia não

242

Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, p. 100. 243

Idem, p. 101.

chegava244

e, apesar dos pilares e arcos postos de forma

a suportar o peso da terra acima, não raramente havia

desmoronamentos e soterramentos dos trabalhadores.

Das minas estudadas pelos arqueólogos (Figura 64),

observa-se que algumas possuíam altura suficiente para

um homem permanecer em pé ao trabalhar; mais ainda,

segundo John Healy, muitas galerias não pareciam

possuir qualquer tipo de planejamento, tornando-se

verdadeiros labirintos245

.

Além dos desmoronamentos, o autor romano

menciona asfixia. A ventilação era um empecilho à

mineração. A necessidade de se usar fogo e vinagre

para vencer as barreiras de sílex colocava os

trabalhadores em constante perigo de se sufocarem

pelos gases exalados; os gases naturais encontrados em

altas profundidades eram outro problema. Lucrécio,

poeta e filósofo da primeira metade do século I a.C.,

escreveu em sua obra Da natureza das coisas os efeitos

nocivos dos vapores provenientes das minas de ouro e

prata (versos 1188-1204):

Não vê também como na mesma terra

Nasce o enxofre e o betume que exalam

Um odor penetrante? Finalmente, quando

Com o ferro na mão vão os homens

Rasgando as entranhas da terra

Procurar os veios de ouro e prata,

Que vapores não saem da mina?

Que cheiros tão mortais não se exalam

Deste rico metal que há nela?

Não vê a face e a aparência descolorida

Dos miseráveis que estão condenados

Pela a lei a trabalhos tão penosos?

Você não ouviu como em breve perecem, E

quão curto é o prazo de sua vida?

Assim, é necessário que a terra exale

Todos estes vapores esparramados.

No lado de fora, nas planícies do ar.

Deveras, o contato do ar e da umidade com o

enxofre contido nas rochas, ao oxidarem produzem: o

SO2 (dióxido de enxofre), que, ao ser inalado, gera

complicações no sistema respiratório e também no

cardiovascular; e o H2S (gás sulfídrico ou gás de ovo

podre), substância terrível que pode causar desde

simples ardência nos olhos e irritação na garganta até

mesmo à inconsciência, à parada respiratória e à morte

em menos de uma hora quando está numa concentração

igual ou superior a 500 ppm (partes por milhão). Para

detectar a presença de gases perigosos, Vitrúvio (VIII,

6, 13) alerta:

Far-se-á descer uma lamparina acesa; se ela se

mantiver a arder, poder-se-á descer sem perigo. Se,

todavia, a chama for violentamente apagada pela força

do vapor, então escavar-se-ão respiradouros à direita e

à esquerda nos lados do poço; assim os gases se

dissiparão, como através de narinas, pelas chaminés de

respiração. Dispostas assim estas coisas e uma vez

alcançada a água, então revestir-se-á em volta do poço

com pedra seca [ou seja, sem argamassa] para não

obstruir os veios.

244

A iluminação era feita por tochas, como afirma Plínio, e

também por lamparinas, como atestam os vestígios cerâmicos

encontrados nas escavações em galerias e poços. 245

Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, p. 104.

Page 55: Trabalho - Educação

55

Outra dificuldade séria enfrentada pelos

romanos mineiros era com relação aos alagamentos.

No excerto de Plínio acima mencionado, nota-se a

existência contínua de água em todos os meios de

extração; ora, é fácil imaginar que as montanhas

escavadas sofressem de infiltrações naturais ou não. No

entanto, John Healy diz que “os mineradores antigos

eram de tudo impotentes no confronto com uma

inundação imprevista na mina”246

. O fato das

inundações levava os antigos a explorarem apenas as

jazidas que estivessem ao nível do mar, ou acima dele.

Escavações abaixo desse nível eram praticamente

sinônimos de alagamentos e má sustentação das rochas.

Para tentar contornar os problemas mais freqüentes

oriundos da água, os romanos possuíam três técnicas.

A primeira, e mais simples, consistia em retirar o

excesso de água com a ajuda de baldes, para tanto,

escravos eram empregados; foram encontrados

vestígios de baldes fabricados em cobre em algumas

minas de Cartagena e Sierra de Cordoba247

. Construir

galerias transversais que escoassem o excesso de água

era o segundo sistema. Porém, os mais interessantes do

ponto de vista da engenharia eram o Parafuso de

Arquimedes e a roda hidráulica. O parafuso inventado

(ou aperfeiçoado) por Arquimedes, e utilizado pelos

romanos nas minas da Hispânia no século I d.C.,

representou uma grande economia de tempo e esforços

na drenagem de água (Figura 65). O princípio básico

de funcionamento é o de elevar líquidos com o mínimo

de esforço a partir de uma espiral ao redor de um eixo,

que deve estar inclinado (Figuras 66 e 67). Para elevar

a água, o parafuso – construído em madeira – era

apoiado com uma extremidade num reservatório e com

a outra ponta em outro reservatório, posto mais alto; a

capacidade de trabalho da máquina dependia do grau

em que estava inclinada: Em El Centilho, na Espanha,

o ângulo de inclinação era de 35º, enquanto que em

Sotiel Coronada (Portugal) oscilava entre 15º e 20º.

Geralmente, os parafusos eram colocados em série,

formando verdadeiros “elevadores de água”, que

percorriam as extensões das galerias. Seus diâmetros e

comprimentos podiam variar, sendo girados com o

auxílio dos pés248

(Figura 68). É Vitrúvio (X, 6) quem

nos legou uma descrição detalhada sobre a construção e

o funcionamento do parafuso:

[1] (...) Processa-se da seguinte maneira.

Disponibiliza-se um tronco e prepara-se de modo a ficar com

um número de pés de comprimento igual ao número de dedos

de espessura. Arredonda-se com o auxílio do compasso. Nas

pontas, dividir-se-ão por quadrantes e octantes, com o

compasso, os seus contornos circulares, em oito segmentos,

sendo as diagonais de tal modo colocadas que, apoiado o

tronco horizontalmente, as linhas de cada um dos seus topos

se correspondam no nivelamento, devendo ser divididas, no

sentido do comprimento, em segmentos com uma dimensão

igual a um oitavo do contorno circular do tronco. Então,

disposto este plano horizontal, traçar-se-ão linhas de um topo

ao outro, de acordo com o nivelamento. E assim se definirão

espaços iguais, seja à volta seja em comprimento. Deste

modo, no lugar em que forem traçadas, as linhas relacionadas

246

Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, p. 108. 247

Idem, p.109. 248

John F. Healy, Miniere e metallurgia nel mondo greco e

romano, pp. 110-111.

com o comprimento definirão intersecções e pontos nos seus

cruzamentos.

[2] Concluídas na perfeição estas marcações, toma-

se uma varinha delgada de salgueiro, ou cortada num

agnocasto, que se unta com pez líquido e se fixa no primeiro

ponto de intersecção. Depois, esta varinha será passada

obliquamente pelas restantes intersecções, no sentido do

comprimento e do contorno; progredindo e contornando

ordenadamente de ponto em ponto, ela vai sendo colocada

em cada um dos cruzamentos de linhas, deste modo chegando

e sendo fixada na ponta da linha em que começou por ser

fixada, tendo andado desde o primeiro até o oitavo ponto de

intersecção. Assim, progrediu obliquamente e através de oito

pontos num espaço igual ao que andou em comprimento até o

oitavo ponto. Pelo mesmo processo vão sendo fixadas

varinhas diagonalmente por cada espaço do comprimento e

do contorno, em cada uma das intersecções, dando origem a

canais espiralados ao longo das oito divisões da grossura do

tronco e a uma imitação precisa e natural do caracol.

[3] Fixam-se então, umas sobre as outras, varinhas

revestidas com pez líquido ao longo dessas marcas, e vão se

amontoando até uma espessura total igual a um oitavo do

comprimento. Sobre elas disponham-se e fixem-se em volta

tábuas que recubram estas espirais. Saturem-se também essas

tábuas com pez e prendam-se com lâminas de ferro, a fim de

não serem desconjuntadas pela força da água. Os espigões do

tronco deverão ser de ferro. Também à direita e à esquerda do

parafuso serão colocadas traves que tenham travessas fixadas

numa e noutra parte das extremidades. Encravam-se nestas

travessas chumaceiras de ferro, aí se introduzindo os eixos; e

assim se executam as rotações do parafuso com o peso dos

homens calcando com os pés.

[4] A sua disposição em altura deverá ser executada

com uma inclinação correspondente ao traçado do triângulo

retângulo de Pitágoras, que tenha a seguinte demonstração,

ou seja, dividindo o comprimento em cinco partes, a

extremidade superior do parafuso elevar-se-á em três partes;

assim, será de quatro destas partes a medida entre a vertical e

as aberturas da base do parafuso. Sobre a maneira

conveniente de realizar isto deixa-se no fim do livro

desenhado um gráfico, no lugar respectivo249

(...).

O mesmo autor menciona o uso de rodas

hidráulicas (X, 5):

[1] (...) Em volta das suas testeiras [das rodas] são

fixadas travessas que, avançando ao serem batidas pela

corrente do rio, obrigam a roda a girar, e assim tirando a água

através dos alcatruzes, elevando-a até cima sem a intervenção

de homens calcando, e, movimentadas pelo próprio impulso

do rio, garantem as necessidades do uso da água.

A roda era construída em madeira e usada para

soerguer grande quantidade de água (Figura 69).

Empregada nos mais diversos casos em que se

mostrasse útil, a roda hidráulica era um maquinário

pesado e necessitava de mais homens para ser

construída e operada (pois, dentro das minas, ao

contrário do que Vitrúvio acima disse, cordas eram

utilizadas para a propulsão); além de precisar que se

adaptassem fluxos de água a sua passagem. Contudo, a

quantidade de água processada pela roda hidráulica era

muito superior à do parafuso, rendendo o trabalho de

drenagem dentro das minas. Cabe aqui ressaltar que,

tanto o parafuso como a roda, eram fabricados apenas

nas minas que seguramente fossem lucrativas, uma vez

que o custo de tais máquinas era elevado.

249

Desenho perdido.

Page 56: Trabalho - Educação

56

Por fim, Plínio faz menção às ferramentas

cotidianas usadas no trabalho em minas. John Healy,

no texto já citado, nos informa acerca das ferramentas

mais comuns na extração minerária. A matéria utilizada

no fabrico da maior parte dos instrumentos era o ferro.

Os martelos encontrados nas minas da Bética mostram

que o peso variava de 2.2 Kg a 4.5 Kg, e que eram

dotados de cabos de madeira. A picareta de lâmina

curvada também era muito utilizada para o trabalho em

terra e em rochas mais macias; exemplares foram

escavados nas minas de Laurion e Rio Tinto. Para as

rochas duras, utilizava-se, como dito, lanças em ritmo

parecido ao dos martelos. A lança provoca – sendo

visível nas paredes de poços e galerias – a quebra de

pequenas lascas e muito pó oriundo das rochas. Esses

vestígios auxiliam os arqueólogos no estudo sobre os

métodos de perfuração das jazidas na Antiguidade.

Pequenas estacas de ferro completam a gama de

instrumentos fabricados em metal. Os produzidos em

pedra eram em menor número, embora haja martelos

feitos com esse material, e até mesmo instrumentos de

grandes dimensões, com revestimentos em ferro, para

alto impacto250

.

Um baixo relevo encontrado em Palazuleos

(próximo a Linares, na Espanha), é de grande valia

sobre o tema das ferramentas usadas pelos mineiros

(Figura 70). Esculpido em pedra de arenito, ele

representa um grupo de trabalhadores de mina. No

fragmento, há nove homens, quatro ao fundo e cinco

em primeiro plano. Destes cinco, o último à esquerda,

o maior, é provavelmente o chefe: em sua mão direita,

carrega uma maça, enquanto na outra parece segurar

um sino ou um recipiente de armazenamento (muito

possível que seja de óleo, para abastecer as

lamparinas). A personagem seguinte carrega uma

picareta. O homem do meio leva uma lamparina. Nos

dois últimos, não é possível identificar os objetos que

levam devido às partes que faltam, bem como não

conseguimos observar seus pés, embora John Healy

afirme que, quase certamente, estariam calçando

sandálias. As cabeças dos homens não estão cobertas,

mas seus corpos parecem vestidos com túnica e com

uma espécie de avental feito em couro, para protegê-los

em caso de queda de pedras ou dos cestos usados para

transportar os minerais251

.

Após a extração, os minérios brutos passavam

por um tratamento de separação de componentes e

transformação em matérias para serem usadas por

outros trabalhadores.

Segundo John Healy, quatro são os pré-

requisitos necessários a qualquer tipo de operação

metalífera: 1) minerais prontos para a fusão; 2)

combustível (lenha ou carvão proveniente dela); 3) um

forno com abertura natural ou, se necessário, com

entrada para um fole que sustente a temperatura

necessária ao trabalho; 4) um crisol, ou outro tipo de

recipiente resistente ao fogo, juntamente com as

ferramentas e equipamentos precisos252

. Era

primordial, portanto, preparar os minérios para que

250

John F. Healy, Miniere e metallurgia nel mondo greco e

romano, pp. 113-114. 251

Ibidem, pp. 114-115. 252

Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, p. 181.

chegassem prontos ao consumo dos artesãos. O

processo de trituração e refinamento – com fins a

separar tipos de minérios – foi descrito por Platão em

sua obra Político, e constitui um dos mais antigos

documentos referentes ao tema. Diz, pois, a

personagem do Estranho no texto:

[303d] Porque os refinadores primeiro removem

terra e pedras e todo o tipo de coisa; [303e] e depois disso, lá

permanecem as substâncias preciosas que estão misturadas

com o ouro e similares e que só podem ser removidas através

do fogo – cobre e prata e, às vezes, adamantium [também

sugerido como platina]. Estes são separados pelos difíceis

processos de fundição, deixando diante de nossos olhos

aquilo que é chamado de ouro não amalgamado, em toda a

sua pureza.

A descrição de Platão é falha ao não citar a

primeira etapa do processo: a trituração. A quebra das

rochas em pedaços menores representa uma tarefa

essencial, uma vez que o poder do fogo não era capaz

de separar os minérios presentes em nacos maiores.

Gregos e romanos utilizavam-se de equipamentos cuja

funcionalidade era calcada no impacto, na percussão;

dentre eles, o pilão e a mó. O pilão era um recipiente

em forma de dedal, em média com 40 a 60 cm de

profundidade, escavado em rocha vulcânica (K-

feldspato), fechado por uma cobertura – também em

pedra – que possuía um orifício ao centro, por onde se

passava o percutor (mão de pilão) de ferro que

quebrava as rochas em grãos menores. Sobre a mó,

Diodoro Sículo escreveu (Biblioteca Histórica, III, 13):

[...] as mulheres e os homens velhos recebem a

rocha [anteriormente já fragmentada] e a jogam no moinho, o

qual possui um número de pessoas postas em fileira; grupos

de duas ou três pessoas trabalham cada moinho, fazendo com

que as rochas adquiram um aspecto de uma fina farinha.

Triturados, os minérios passavam por uma

peneiração. As peneiras eram feitas em pedra, com

aberturas centrais e suspensas graças a um anel de ferro

que as circundavam. Vibrando-se a peneira, separava-

se o material já tido como ideal para o prosseguimento

no processo e o restante retornava à trituração.

Separados, os grãos eram então lavados, como

descreve Estrabão (III, 2):

[...] o grão de prata arrastado pelos rios é triturado e

peneirado em contra-corrente; se trituram de novo os resíduos

e os lavam novamente [...].

Porém, o método exposto por Estrabão era

ineficiente quando a monta de rochas era alta. Em

minas onde a extração era intensa, construíam-se mesas

de lavagem (Figuras 71 e 72), como a de Laurion, do

século V a.C. (anterior a 423 a.C.). John Healy aponta

os quatro elementos que constituíam essa técnica: “1)

um amplo fundo rebocado e achatado, (...) circundado

de canaletas em seus quatro lados e dotado de dois

reservatórios circulares nos dois ângulos meridionais;

2) uma “mesa” de dimensão menor, posta

imediatamente no exterior da canaleta norte (também

rebocada com gesso), e dotada de uma discreta

inclinação para o escoamento da água; 3) um grande

reservatório de água construído próximo à mesa

Page 57: Trabalho - Educação

57

inclinada (...); 4) uma grande cisterna ou reservatório

circular, cavada diretamente no declive da colina.

Todas essas quatro estruturas eram feitas em um duplo

quadrado (...)”253

. A operação da mesa de lavagem

dava-se quando a água da grande cisterna corria para o

reservatório e deste para a mesa inclinada onde

estavam dispostos os grãos triturados; a água que corria

pelas canaletas levava os fragmentos indesejáveis e

depositava nos fundos dos reservatórios meridionais os

minérios mais pesados (como a prata) que, então, eram

recolhidos e lavados manualmente pelos escravos. Os

materiais encontravam-se, agora, prontos para a fusão.

Obviamente, a fusão dependia de

combustíveis. E os antigos usaram dos mais variados

tipos. Um dos mais comuns era o lignito. Abundante e

de fácil extração, o lignito – que tem em sua

composição uma quantidade de carbono que varia de

60 a 75 % - é um combustível fácil de queimar, porém,

com baixo grau calorífico. Teofrasto, filósofo grego de

Ereso que viveu entre 322 a 287 a.C., nos fornece um

dos primeiros documentos que atestam o uso de carvão

mineral como combustível (Das Rochas):

[16] Entre as substâncias que são escavadas por

serem úteis, aquelas conhecidas simplesmente por carvão são

feitas de terra e, ao serem jogadas no fogo, queimam como

carvão vegetal. São encontradas na Ligúria, onde o âmbar

também é achado (...); e são atualmente usadas por

trabalhadores de metais.

[17] Nas minas de Scapte Hyle [na Trácia], uma

pedra encontrada tem a aparência de madeira podre. Quando

óleo é despejado sobre ela, ela queima, mas quando o óleo

acaba, a pedra pára de queimar como se não tivesse sido

afetada.

Além do lignito, a turfa (carvão fóssil) é citada

por Plínio como uma lama que, ao secar, é capaz de se

inflamar (História Natural, XVI, 1). Porém, a lenha era

um dos combustíveis de maior utilização por parte dos

romanos. Devido a sua composição de celulose e

lignina, a madeira não alcança temperaturas muito

elevadas. Por isso, recorria-se ao carvão de lenha

quando se desejava fogo para processos de fundição254

:

pode chegar aos 900ºC e ir adiante quando auxiliado

por correntes de ar (como as proporcionadas pelos

foles, nos fornos).

Tendo a matéria-prima e o combustível,

passava-se, então, ao processo de refinamento nos

fornos – onde o metal era fundido255

– e ao trabalho do

artesão em si, transformando os metais em objetos

passíveis de compra e venda.

B) O trabalho em metais.

A figura do artesão, como já falamos

anteriormente256

, era, na maioria dos casos, vista com

253

Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, pp. 184-

185. 254

John F. Healy, Miniere e metallurgia nel mondo greco e

romano, pp. 190-191. 255

Pormenores serão expostos no próximo segmento deste

trabalho. 256

Parte IV.

menosprezo e preocupação. Seu trabalho, embora

abundante – como demonstram os vestígios materiais –

, não seria “digno” na opinião da elite da sociedade

antiga. O ofício que necessitasse essencialmente do uso

das mãos para ser produzido era tido como menor, pois

as ocupações que demandassem um esforço mais

intelectual (como advogado ou médico) eram mais

valorizadas. Essa interpretação do artesão também se

refletia no caso dos sempiternos deuses, e,

especificamente, em um deus-artesão que obrava sobre

os metais. Hefesto para os gregos. Vulcano para os

romanos. Vejamos sua representação na literatura

antiga.

Na Ilíada, Homero escreveu:

(...) No meio tempo, Tétis,

a deusa pés-de-prata, ao palácio soberbo

de Hefesto chegara, ímpar entre os imortais,

imperecível, estrelado, em bronze ereto

pelo deus coxo. Ei-lo entre os foles, afanoso,

suarento. Uma vintena de trípodes bem-

-lavradas para o paço forjava, adornando-o

em torno do saguão; (...)257

(...) disforme ergueu-se, a mancar, da bigorna:

movia os tornozelos frágeis com presteza.

Apartou os petrechos e foles (lavrava

uma arca de preciosa prata). Ambas as mãos

limpou com uma esponja e as faces, o pescoço

rijo, o peito lanudo; (...)258

(...) E retirou-se em direção aos foles.

Voltou-os para o fogo e ordenou: “Ao trabalho!”

Vinte foles soprando nas fornalhas sopro

vário, atiçando as chamas, ora com vigor,

lépidos, ora lentos, a líbito do amo,

Hefesto, para, assim, levar a termo a obra;

lança o ferreiro ao fogo bronze rijo, estanho,

ouro precioso e prata. Dispõe sobre o cepo

uma enorme bigorna, soergue o macromalho,

potente, na outra mão segurando as tenazes259

.

Na Antologia Grega, encontramos o seguinte

fragmento260

:

Retirai da fornalha este martelo, estas tesouras, esta

pinça, oferenda que Polícrates dedicou a Hefesto. Foi com

redobrados golpes do seu martelo sobre a bigorna, que

arranjou para os filhos uma fortuna que deles afastará a triste

miséria.

Em um hino escrito pelo poeta grego do

século III a.C. Calímaco há a referência aos ciclopes,

ajudantes ferreiros de Vulcano:

As ninfas empalideceram à vista de tais gigantes

semelhantes a montanhas e cujo olho único, sob espessa

sobrancelha, brilhava ameaçadoramente. Uns faziam gemer

imensos foles; outros, levantando os pesados martelos,

batiam furiosamente o bronze que tiravam da fornalha. A

bigorna estremece, o Etna e a Sicília tremem, a Itália ecoa o

estrondo e a própria Córsega se sacode. Àquele terrível

espetáculo, àquele medonho fragor, as filhas do Oceano

ficam estarrecidas... e trata-se, aliás, de um estarrecimento

257

XVIII, vv. 367-374. 258

Idem, vv. 410-415. 259

XVIII, vv. 468-477. 260

Apud René Ménard, Mitologia Greco-romana, v. 2, p. 151.

Page 58: Trabalho - Educação

58

perdoável; as próprias filhas dos deuses, na sua infância, só

encaram tais gigantes com temor, e quando se recusam a

obedecer, suas mães fingem chamar Arges ou Steropes:

Mercúrio acorre com as feições de um desses ciclopes, de

rosto coberto de cinza e fumaça; imediatamente, a criança,

aterrorizada, cobre os olhos com as mãos e se atira tremendo

ao seio materno261

.

Vulcano é, então, uma figura disforme, feia.

Não só ele: os seus ajudantes, os ciclopes (ou gigantes)

também padecem dessas características. Homero retrata

o deus como um deficiente, que manca, mas que é

capaz de fazer os mais belos trabalhos em metal. Tétis

pede seu auxílio e ele fabrica, dentre as armas de

Aquiles, o seu escudo, belíssimo. Porém, o que se deve

atentar aqui é a impossibilidade de escrever algo que

fuja do aprendizado humano. As tradições orais são

calcadas naquilo que os homens viveram e

conseguiram apreender. Por isso, os deuses são tão

humanos, pois são o reflexo dos homens. Em outras

palavras, lendo Homero conseguimos conhecer o

trabalho exercido pelos ferreiros gregos desde, pelo

menos, o século VIII a.C.: data em que a Ilíada foi

redigida. Tudo o que o aedo262

narra é presente no

cotidiano do artesão. Os instrumentos básicos

utilizados para o fabrico de uma peça em metal estão

nos versos: foles, forno, bigorna, martelo

(macromalho), tenazes. Da mesma forma, há mostras

de um entendimento acerca da operação dos fornos: ora

o fogo está mais forte, ora mais ameno, obedecendo ao

ferreiro. Já no excerto da Antologia Grega, o processo

de se martelar o metal sobre uma bigorna é realçado.

Igualmente, os ciclopes (em Calímaco) – seres que

estão sujos devido às cinzas que saem do forno263

obram o bronze.

Porém, a mitologia clássica perpetuou-se e

chegou até a Época Moderna, nas produções dos

artistas. Dois exemplos importantes sobre a

representação do deus Vulcano encontram-se em

Giulio Romano e Diego Velásquez. Na primeira

metade do século XVI, o pintor e arquiteto italiano

Giulio Romano deu vida ao momento em que Vulcano

é solicitado a fazer as armas de Aquiles (canto XVIII

da Ilíada). Na obra do executor do afresco – e um dos

expoentes do maneirismo – Vulcano ganha traços mais

belos do que o narrado nas fontes antigas e, na pintura,

não vemos o forno, apenas o martelo em sua mão e um

apoio para trabalhar o elmo (Figura 73).

Coisa semelhante ocorre no quadro de

Velásquez, pintor espanhol do século XVII, um dos

pilares do barroco. No entanto, devemos, antes, citar o

excerto presente em Metamorfoses – escrita pelo poeta

romano Ovídio (43 a.C. a 17 d.C.):

Terminara; e houve breve intervalo de tempo, e

Leucónoe começou a falar. As irmãs contiveram a voz.

“Também aquele que com sua luz rege todos os astros,

O amor capturou: o Sol; do Sol os amores narraremos.

Julga-se que este deus foi o primeiro

261

Ibidem, p. 159. 262

Diz François Hartog: “Inspirado pela Musa, o aedo „vê‟ pelos

dois lados. Ele conhece e canta os feitos e os infortúnios de uns e

de outros, ciente de que nada escapa aos desígnios de Zeus”.

“Primeiras figuras do historiador na Grécia: historicidade e

história”, in: Revista de História, pp. 10-11. 263

Observe-se o trecho de Homero sobre o aspecto de Vulcano.

a ver o adultério de Vênus com Marte: este deus vê tudo

primeiro.

Condoeu-se do fato e revelou ao marido, filho de Juno,

o crime contra o casamento e o local do crime264

.

O que Velásquez buscou interpretar – em sua

obra de 1630 – foi a desgraça do filho de Juno, ou seja,

Vulcano, quando descobre que sua esposa, a bela

Vênus, o traíra com Marte. Vemos, então, a expressão

de assombro que surge no rosto de Vulcano (o homem

que segura a chapa de metal sobre a bigorna) e de seus

ajudantes ciclopes quando o deus Apolo (o Sol) vai à

oficina contar o ocorrido (Figura 74). Aqui também se

nota que o deus e seus auxiliares estão embelezados.

Mais ainda: os ciclopes ganharam feições humanas,

possuem dois olhos.

Essa breve divagação ficaria sem muito

sentido se não fosse por um fator: tanto a pintura de

Romano como a de Velásquez apresentam objetos

cotidianos a eles. A oficina retratada pelo espanhol é

certamente uma cópia bem próxima da realidade

daquilo que seria uma oficina de ferreiros no século

XVII; basta reparar nos produtos fabricados nela:

armaduras da Idade Moderna. O que se deve

depreender de ambas as pinturas é que a técnica de

fabricação metalúrgica praticamente permaneceu

inalterada em seus princípios durante os séculos

anteriores à Revolução Industrial. Observamos nos

retratos aquilo que os textos antigos nos falam: há os

mesmos martelos, as mesmas bigornas, as mesmas

tenazes e o mesmo forno. E, de acordo com os registros

arqueológicos, deparamos com uma semelhança e

funcionalidade deveras próximas entre as ferramentas

dos romanos e gregos e a dos italianos e espanhóis dos

séculos XVI e XVII. Isso serve para nos ilustrar uma

questão: o arqueólogo também trabalha com analogias

tecnológicas. Tanto no caso da cerâmica como no caso

do metal e do vidro, a experimentação, a tentativa de se

produzir algo parecido com aquilo que foi escavado, é

de muita importância para um entendimento mais

próximo da realidade das sociedades estudadas.

Não é à toa, pois, que nas leituras realizadas

sobre o tema da metalurgia romana, poucos não são os

casos de arqueólogos que tentam reconstituir um objeto

antigo a partir de seu presente. É crucial entendermos

as técnicas empregadas no fabrico de objetos de metais,

que é o foco central nesta parte de nosso trabalho.

Vejamos, agora – e dando prosseguimento ao

processo que vem após a trituração dos minérios –,

como os romanos construíam suas peças em metal.

Trabalhos em ferro

[39] [O ferro é] ao mesmo tempo o mais útil e o

mais fatal instrumento nas mãos da humanidade. Pela ajuda

do ferro nós preparamos o solo, plantamos árvores,

preparamos nossas parreiras, e forçamos nossas vinhas a

reassumirem seu aspecto juvenil a cada ano cortando seus

galhos deteriorados. É pela ajuda do ferro que construímos

casas, ligamos rochas, e fazemos tantas outras coisas úteis

para a vida. Mas também é com o ferro que guerras,

assassínios e roubos são feitos, e não com as próprias mãos: à

264

IV, vv. 167-175.

Page 59: Trabalho - Educação

59

distância, com o auxílio de projéteis e armas aéreas – agora

lançadas por máquinas, agora arremessadas pelo braço do

homem, e agora providas com plumas. Considero estas armas

como o maior artifício criminal jamais criado pela mente

humana; como uma maneira de trazer a morte mais

rapidamente ao homem, nós demos asas ao ferro e o

ensinamos a voar. Deixemos, portanto, a Natureza se

encarregar de levar o homem.

Realmente houve alguns exemplos nos quais foi

provado que o ferro poderia ser usado somente para

propósitos inocentes. No tratado que Porsena legou aos

romanos depois da expulsão dos reis, nós achamos

expressamente estipulado que aquele ferro só seria

empregado para o cultivo dos campos; e nossos autores mais

velhos nos informam que por esses dias era considerado

inseguro escrever com uma caneta férrea. Há um édito

publicado no terceiro consulado de Pompeu Magno, durante

o tumulto que resultou na morte de Clódio, proibindo

qualquer arma de ser carregada na Cidade.

[41] Minérios férreos são achados quase em todos

os lugares [...], facilmente distinguidos pela cor ferruginosa

da terra. O método de trabalhar o minério é igual ao

empregado no caso de cobre [...].

Há numerosas variedades de minério de ferro [...].

Algumas terras produzem um metal que é macio e quase

similar ao chumbo; outras, um ferro que é frágil e cobreado, o

uso do qual deve ser evitado particularmente ao construírem-

se polias ou pregos: o tipo anterior serve melhor para estes

propósitos. Há outro tipo que só é estimado quando cortado

em comprimentos curtos e usado para fazer cravos; e outro

que é mais particularmente sujeito a ferrugem. Todas estas

variedades são conhecidas pelo nome de strictura

(“estreitados”): um título que não é usado como para os

outros metais e é derivado do aço que é usado para uma

extremidade. Há uma grande diferença, também, na fundição;

alguns tipos produzem nós de metal, que são especialmente

adaptados para endurecer no aço, ou então, preparados de

outra maneira, para fazer bigornas grossas ou cabeças de

martelos. Mas a diferença principal resulta da qualidade da

água na qual o metal incandescente é mergulhado de vez em

quando. A água, que é melhor em alguns lugares para este

propósito do que em outros, enobreceu algumas localidades

para a excelência de seus ferros [...].

Mas de todos os tipos diferentes de ferro, o melhor

é aquele que é feito por Seres265, que o enviam a nós com os

seus tecidos e peles; próximo em qualidade está o férreo da

Pártia [...]. Em nossa parte do mundo, uma jazida de minério

é ocasionalmente achada para a produção de um metal desta

alta qualidade, como em Nórica266, por exemplo; mas, em

outros casos, deriva seu valor do modo em que é trabalhado,

como em Sulmo267, por exemplo: um resultado devido à

natureza de sua água, como já mencionado. Também será

observado que, dando uma extremidade ao ferro, há uma

grande diferença entre rebolos de óleo e rebolos de água: o

uso de óleo produz uma extremidade muito melhor. É um

fato notável que, quando o minério é fundido, o metal é

liquidificado como água e depois adquire uma textura

esponjosa, frágil [...].

Nesses dois capítulos do livro XXXIV de

Plínio observa-se como o uso do ferro estava

impregnado no cotidiano romano. Serve para lavrar a

terra, erigir edifícios e como arma – para citar as

utilidades que o autor nos diz. A província de Nórica,

como atestada, deveras era a maior exportadora de

ferro semi-pronto para artesanato. A têmpera do ferro

265

Localizada na Ásia Oriental, próximo à China. 266

Província romana ao sul do Danúbio. 267

Atual Sulmona, em Abruzos, Itália.

empregando-se a água também é uma notação

relevante de Plínio, mostrando-nos que, embora não

tivesse conhecimentos específicos sobre os trabalhos

manuais, ainda assim o autor sabia os seus princípios

básicos. Porém, devemos nos centrar nos pormenores

da fabricação do ferro com base na bibliografia recente

sobre o tema; para tanto, o texto do arqueólogo Henry

Cleere, “Ironmaking”, contido na obra Roman crafts é

esclarecedor nesse quesito.

A fabricação de ferro é um método de

fundição no qual se separa o material metálico do não-

metálico por meio de reações físico-químicas. “No caso

dos minérios de ferro, a fundição envolve um processo

de redução, desde que o seu composto primário ou

secundário seja um óxido: a técnica de redução envolve

a remoção dos átomos de oxigênio das moléculas de

óxido a fim de liberar o ferro”268

. Henry Cleere aponta

que somente os óxidos e os carbonatos de ferro

possuem interesse econômico, uma vez que os

sulfuretos são difíceis de reduzir, além de que, o

enxofre, quando presente no ferro, o deteriora269

.

O processo de redução, no caso do minério de

ferro, necessita de uma quantidade enorme de energia

porque os átomos de ferro e de oxigênio têm uma

grande afinidade entre si. Nesse sistema, um agente de

redução é fundamental: no caso, o monóxido de

carbono (CO) – que, durante o processo, reage com o

oxigênio e libera gás carbônico (CO2). As etapas da

redução são as seguintes:

3Fe2O3 + CO → 2Fe3O4 + CO2

Fe3O4 + CO → 3FeO + CO2

FeO + CO → Fe + CO2

A transformação de óxido férrico (Fe2O3) para

óxido ferroso (FeO) e, finalmente, para ferro (Fe)

precisa de muito calor fornecido por uma fonte. Essa

energia é essencial não só para obter-se o ferro puro,

mas, também, para separar o composto de ferro daquilo

que é indesejável, ou seja, a ganga (mencionada por

Plínio em seu capítulo XXXIII). Essa ganga é o

conjunto de materiais não-metálicos e que não possuem

valor econômico, sendo constituída, por exemplo, por

sílica (SiO2), alumina (Al2O3) e cal (CaO). Esses

compostos derretidos durante a fundição, todos juntos,

formam uma borra (mineral artificial) que se solta

fisicamente do material metálico em uma temperatura

mais baixa. Na Antiguidade, devido aos conhecimentos

da época, havia um desperdício de minérios de ferro

junto à borra, praticamente formada de faialita, cuja

fórmula química é 2FeO.SiO2. Segundo Cleere, isso

“significa que para cada molécula de sílica no minério,

duas moléculas de óxido ferroso têm de ser perdidas

para se produzir um material fluido à temperatura em

torno de 1200ºC”270

.

Para um melhor entendimento desse processo

todo, é preciso discorrer sobre cada um de seus

componentes.

268

Henry Cleere, “Ironmaking”, in: Donald Strong e David

Brown (eds.), Roman crafts, p. 127. 269

Ibidem, p. 127. 270

“Ironmaking”, in: Donald Strong e David Brown (eds.),

Roman crafts, p. 128.

Page 60: Trabalho - Educação

60

- Minério de ferro:

Os óxidos de ferro mais comuns são a

hematita (Fe2O3), a limonita (Fe2O3.H2O) e a magnetita

(Fe3O4); os carbonatos são agrupados geralmente em

sideritas. Os romanos utilizaram, principalmente, os

minérios de limonita e de carbonatos por serem os que

mais facilmente são reduzidos, necessitando de uma

fonte de calor mais baixa e apresentando melhores

resultados de fundição. Por serem minérios com uma

quantidade considerável de água em sua composição,

precisam de calor para, primeiramente, secarem e,

depois, fundirem. No entanto, essa característica úmida

faz com que sua queima se realize em fornos abertos, já

que a entrada de oxigênio é pouco influenciadora nesse

processo, pois o ponto de secagem fica entre 500 e

600ºC. Esses fornos de secagem eram geralmente

abertos no solo e revestidos com pedras e argila; os

minérios eram, então, depositados em seus fundos

juntamente com a madeira usada como combustível.

Após a lenta queima, o material era raspado e as cinzas

peneiradas. Os minérios ficavam estocados para,

posteriormente, irem aos fornos de redução e serem

fundidos. Essa etapa era realizada deixando-se o

material se consumir durante toda a noite (o auxílio de

foles não era satisfatório porque não permitia a queima

total dos minérios). Henry Cleere informa que esse

trabalho de “tostadura” era sazonal: os trabalhadores

recolhiam os minérios, os preparavam e os

armazenavam em um dado período do ano para depois

passarem à fundição271

.

- Combustível:

Para a secagem dos minérios, a madeira verde

era usada: facilmente encontrada na natureza, esse

material fornecia a caloria suficiente para os fornos de

queima. O calor necessário para a fundição provinha de

fontes variadas. Dentre elas, a turfa: embora não possua

um poder de combustão elevado, parece ter sido usada

em locais onde a madeira era escassa; o “uso da turfa

como combustível de fundição em alguns artefatos

antigos tem sido deduzido por meio dos nitridos

encontrados nos metais resultantes (...)”272

. Outra fonte

de calor, a mais utilizada, era o carvão vegetal. Tendo

carbono em estado puro, sem impurezas como enxofre,

o carvão vegetal é um ótimo combustível para a

fabricação de ferro. Os vestígios de madeiras no

distrito de Wealden, Inglaterra, mostram que os

romanos usaram uma variedade de madeiras para a

transformação em carvão, sendo o carvalho o elemento

que se destaca. O carvão mineral, por sua vez, era

utilizado apenas no processo de forja do ferro.

- Forno:

Os fornos precisavam de controle de ar

adequado, por isso, a argila era comumente usada para

revestimento das paredes do equipamento. Além de

impermeável, resiste a grandes temperaturas. Existiam

fornos feitos completamente em argila e também os

271

“Ironmaking”, in: Donald Strong e David Brown (eds.),

Roman crafts, p. 130. 272

Ibidem, p. 131.

feitos em pedra com o revestimento citado (nas paredes

interiores e/ou exteriores). A argila tinha de ser

cuidadosamente enlameada e sovada antes do uso: sua

aplicação nas paredes dos fornos também despendia

uma maior atenção – não poderia haver respiros ou

falhas que acabassem por gerar rachaduras quando o

material secasse. Argila, do mesmo modo, servia para

tapar a abertura frontal do forno; marcas de dedos dos

trabalhadores são encontradas nessas espécies de

tampas273

.

Henry Cleere classifica os fornos romanos

para derretimento de ferro em dois grupos274

:

273

Henry Cleere, “Ironmaking”, in: Donald Strong e David

Brown (eds.), Roman crafts, p. 132. 274

Ibidem, pp. 132-133.

Page 61: Trabalho - Educação

Observando as Figuras 75 e 76, fica mais

clara a tipologia estabelecida pelo autor (baseada em

vestígios de fornos encontrados na Inglaterra).

Após sua ereção, secagem e revestimento com

argila o forno sofre uma primeira queima – durante a

metade de um dia – com madeira verde (que possui

caloria mais baixa) a fim de se reparar possíveis

rachaduras. O orifício frontal do forno é tapado com

cunhas de argila e na abertura de seu topo é posto um

cilindro de argila onde se apoiará o fole. O forno é

Page 62: Trabalho - Educação

62

alimentado com carvão vegetal e a temperatura é

elevada a 1300ºC graças à ação do fole. A esta altura,

os minérios são colocados na estrutura, onde começa o

processo de redução: pequenos glóbulos de ferro

metálico são formados e gradualmente coligados; essa

massa de ferro com aspecto de esponja é coletada do

fundo do forno. Ao mesmo tempo, os materiais que se

tornaram fluidos antes do ferro (escórias) são escoados

para fora da estrutura (através de uma abertura feita na

cunha de argila que tapara a entrada frontal),

solidificando-se quando em contato com o ar (Figura

77). Depois dos florescimentos de ferro terem sido

retirados, as escórias presas no interior do forno são

raspadas e a estrutura está pronta para o uso

novamente.

Os florescimentos (lingotes) precisam ser

trabalhados. Usando a técnica de alternar calor com

marteladas, o ferreiro molda e, ao mesmo tempo, retira

possíveis escórias de dentro da massa esponjosa. Isso é

possível somente quando o pedaço de metal está

aquecido a 1100ºC: temperatura na qual a escória fica

semi-derretida e o ferro se torna maleável. Diz Henry

Cleere: “A estrutura do florescimento era,

metalurgicamente, muito heterogênea. Os últimos

metais trabalhados, ao passarem pelas seções mais

baixas da superestrutura do forno onde a temperatura

excede 1200ºC, se tornam amalgamadas com o carbono

pelo contato com o carvão quente e rapidamente são

convertidos em aço. No entanto, o processo é devagar:

em meus experimentos, levei cerca de 8 horas para

produzir algo em torno de 9 Kg de metal”275

(Figura

78).

O ferro puro é relativamente frágil para

operações cotidianas, como ferramentas e armas. Para

contornar essa situação, geralmente produzia-se aço,

como o mencionado acima pelo autor. A estrutura do

aço é alcançada quando se injeta por volta de 1% de

carbono no ferro. Na Antiguidade, o aço era obtido

diretamente do forno quando se trabalhava o restante

de metal, ou ao se deixar os lingotes de ferro fechados

na câmara do forno, entrando em contato com carbono.

Porém, grande parte do aço romano era fabricado nas

ferrarias, contando com a habilidade do artesão, que

comprava os lingotes de ferro já prontos276

.

A organização romana de produção de ferro

estava dividida em dois grupos, baseados nos sítios

escavados: os terrenos com fornos sozinhos, e os

terrenos com múltiplos fornos. Exemplos do primeiro

tipo são encontrados em Wealden, enquanto o outro

pode ser ilustrado com os vestígios de Ashwicken e

Bardown, Inglaterra277

.

- Trabalhando o ferro:

Os lingotes comercializados na cidade eram

comprados pelos artesãos trabalhadores de metal. Os

retalhos de ferro também eram fonte importante nas

oficinas, embora o preço desse metal fosse baixo em

toda a época romana.

275

“Ironmaking”, in: Donald Strong e David Brown (eds.),

Roman crafts, p. 137. 276

Henry Cleere, “Ironmaking”, in: Donald Strong e David

Brown (eds.), Roman crafts, pp. 138-139. 277

Ibidem, pp. 139-140.

A atividade do artesão diferia da do ferreiro

que transforma a matéria-prima. Enquanto o último

trabalha principalmente sobre a fundição dos minérios,

o primeiro utiliza-se da técnica da forja: martelando o

metal aquecido a fim de lhe dar formas. É bem

provável que existissem casos em que ferreiro e artesão

se confundiam, tendo uma só pessoa encarregada de

refinar e dar acabamento ao seu material, porém, a

distância das minas dos locais dos grandes fornos de

fundição, aliada ao baixo valor do ferro, faziam com

que os ofícios fossem delineados, tendo especialistas

para extração, para o refinamento e para o acabamento.

Um dos principais equipamentos de que

necessitava o artesão era o fogão, onde aqueceria o

ferro. Segundo o arqueólogo W.H. Manning, os fogões

eram construídos em pedra ou tijolos sobre uma

plataforma278

. O fogo ficava coberto por uma semi-

abóbada, atrás da qual havia abertura para se acoplar os

foles – movidos por um assistente, como podemos

notar na cena presente na catacumba de Domitila, em

Roma (Figura 79). Infelizmente, as evidências sobre

esses fogões elevados do solo praticamente se

restringem a tijolos e alvenaria, o que torna importante,

ao estudioso, a análise da iconografia presente em

pinturas e relevos. O combustível usado para alimentar

o fogo era o carvão vegetal e as ferramentas

empunhadas a fim de trabalhá-lo consistiam em

atiçadores, ancinhos e a pás (geralmente possuindo

uma haste longa e torcida) (Figura 80).

A bigorna era uma das peças fundamentais

para a execução do trabalho. Relevos como o da estela

de Aquileia nos mostram que as bigornas eram um

grande bloco quadrado maciço de ferro posto sobre um

pilar de madeira, regulando-se, assim, a altura ideal

para o artesão (Figura 81). Algumas eram encovadas

em sua base, dando aparência de pernas. Suas

extremidades eram arredondadas para evitar ferimentos

e possuíam um orifício central. Esse orifício servia para

se prender um dos lados do metal incandescido

enquanto, com outras ferramentas, o trabalhador o

puxava para dar forma ao material. O orifício também

era usado quando se pretendia furar o lingote,

apoiando-o entre vão existente e os demais lados da

bigorna, pronto para receber o impacto que causaria

uma abertura. Havia, do mesmo modo, bigornas

“bicudas”, ou seja, que tinham suas extremidades

alongadas e estreitadas, formando, no conjunto, um

formato T (Figura 82)279

.

Alicates e martelos eram outras duas

ferramentas indispensáveis ao artesão. Os alicates

surgiram na Grécia por volta do século VI a.C. e foram

muito utilizados no período de expansão romana.

Constituídos de uma longa haste e mandíbulas, os

alicates serviam para segurar o metal aquecido e, ao

mesmo tempo, evitar que o artesão se queimasse. Nas

palavras de Manning: “O ferreiro tinha uma

inestimável vantagem sobre a maioria dos outros

artesãos por serem capazes de fabricar seus próprios

instrumentos, e isso resulta mais claramente na

278

“Blacksmithing”, in: Donald Strong e David Brown (eds.),

Roman crafts, p. 143. 279

W.H. Manning, “Blacksmithing”, in: Donald Strong e David

Brown (eds.), Roman crafts, pp. 144-145.

Page 63: Trabalho - Educação

63

variedade de mandíbulas encontradas nos alicates”280

.

A forma mais comum de mandíbula era a de um arco

que terminava em garras paralelas, parecendo uma pêra

(Figura 83).

O martelo, por sua vez, era o encarregado pelo

cerne da fabricação de objetos em metal. Havia

martelos para serviços pesados (sendo usados com as

duas mãos) até aqueles que executavam com precisão

os acabamentos. A forma do malho praticamente não

mudou da época romana até agora, enquanto que os

martelos de mão sofreram pequenas modificações

(Figura 84). O processo de trabalho com o martelo é

descrito por W.H. Manning: “O metal era aquecido no

fogão e então carregado com o alicate até a bigorna,

onde era martelado para ganhar as características de

uma chapa. Se a peça era grande, dois homens a

trabalhavam: um segurando o alicate, o outro atacando

com o malho; ambas as operações necessitavam de

habilidade: para o ferro, que é movido e virado a fim de

se transformar em uma placa, e para a martelada, que

deveria sempre atacar o mesmo local, com a força

certa, ou o trabalho se perderia. Se a peça era pequena,

o ferreiro podia trabalhar sozinho, usando pequenos

alicates que tinham suas hastes postas em uma presilha

com formato de oito para facilitar o manuseio. Tão

logo o metal começasse a esfriar, deixava de ser

maleável e precisava voltar ao fogo. Um simples objeto

poderia ser feito de uma única peça de metal, mas, na

maioria dos casos, era composta de várias peças

soldadas juntas. Em alguns artefatos as linhas de solda

podem claramente ser vistas, embora seja mais comum

serem visíveis nas radiografias”281

. A soldagem mais

usual consistia em afinar as extremidades de duas

peças distintas, aquecê-las, e depois uni-las com o

auxílio do martelo – esse processo deixa como marca

uma linha diagonal que contorna o artefato.

Outras ferramentas faziam parte do rol do

artesão. O mandril de mão era uma barra de ferro que,

ao ser apoiada sobre a peça com uma extremidade e

tendo a outra martelada, podia cortar os objetos

(Figura 85). O cinzel, por sua vez, parece ter sido

raramente usado: um dos exemplos é uma ferramenta

que possuía a aparência de um machado pequeno

(Figura 86). Orifícios eram abertos nas peças com a

ajuda de um furador e depois alargados com

ferramentas semelhantes, porém, menores (Figura 87).

Rebites auxiliavam na junção de placas de metal,

especialmente quando a chapa era tão fina que, a força

necessária para soldá-la, acabaria por danificá-la.

Existiam limas de diversos tipos, sendo utilizadas no

acabamento das peças (Figura 88). Os cravos eram

necessários para muitos trabalhos, e os ferreiros

precisavam dispor de grande quantidade: devido a essa

demanda, foi inventado um suporte que moldava a

cabeça dos cravos, dois de cada vez (Figura 89)282

.

Acima já mencionamos o uso do aço pelos

romanos, contudo, W.H. Manning afirma: “[Sobre a

produção controlada de aço] deve-se enfatizar que não

há evidência de uma difundida, regular e intencional

280

Ibidem, p. 146. 281

“Blacksmithing”, in: Donald Strong e David Brown (eds.),

Roman crafts, pp. 147-148. 282

Ibidem, pp. 150-152.

produção no Império Romano (...)”283

. O processo de

formação do aço consiste, como foi dito, em deixar o

ferro em contato com um agente que possua carbono,

no caso, o carvão vegetal; porém, o ferro geralmente

permanecia pouco tempo em meio ao carvão, fazendo

com que ocorresse aquilo que é denominado de

cimentação: o artesão, ao trabalhar o metal, o aquecia e

martelava, repetidamente, até obter uma peça

homogênea; durante essa atividade, formava-se uma

verdadeira “camada de bolo”, onde se intercalava uma

faixa de ferro com uma de aço, permitindo uma maior

resistência do metal. O quão os romanos estavam

cônscios sobre esse processo ainda é incerto. Porém, a

produção de artefatos atesta que os artesãos

dominavam duas técnicas básicas da fabricação de

objetos de aço. A primeira é o arrefecimento: o metal

incandescido é mergulhado na água, fazendo com que

sua estrutura química se altere – o resultado é um metal

mais duro, mas quebradiço demais para ser usado.

Então, para contornar essa deficiência, uma segunda

técnica se apresenta, a têmpera: consiste em re-

aquecer o metal, controlando a temperatura do fogão –

quanto maior a temperatura, mais o metal amolece. Os

artesãos romanos parecem ter tido o mínimo de

conhecimento acerca desse processo, uma vez que

século II d.C. surgem armas feitas a partir de soldagens

trançadas: esse método fazia com que o metal aquecido

fosse dobrado sobre si, formando várias camadas de

ferro e aço; espadas eram comumente fabricadas com

essa soldagem e, no fim do século III d.C., sua

utilização encontrava-se tanto no nordeste da Inglaterra

como na região da atual Dinamarca284

.

Trabalhos em bronze

Além do bronze, que logo será

pormenorizado, os romanos fabricavam objetos em

duas outras ligas metálicas.

O latão é um amálgama de cobre e zinco que

se distingue do bronze por sua cor dourada e

amarelada. Devido as suas propriedades de

composição, o latão não servia para trabalhos a frio,

sendo principalmente utilizado em processos de

fundição, com o auxílio de moldes, em fabricos de

vasos e moedas. Como os romanos não possuíam a

técnica correta para a extração de um minério de zinco

puro, usavam o seu óxido. O arqueólogo David Brown

descreve em seu artigo “Bronze and Pewter”, da obra

Roman crafts: “O método de se fazer latão consistia em

fundir o minério de zinco junto ao cobre puro ou ao

minério de cobre. Quando derretido sozinho, o zinco

volatiza e se perde; com o cobre, o zinco é incorporado

a ele e resulta no latão”285

.

Outra liga era o peltre (pewter, em inglês),

formado por chumbo e estanho. Por causa de seu baixo

ponto de fusão, 300ºC, e sua característica maleável, o

peltre não era aconselhável para trabalhos frios. Sua

283

Ibidem, p. 148. 284

W.H. Manning, “Blacksmithing”, in: Donald Strong e David

Brown (eds.), Roman crafts, pp. 148-149. 285

Op.cit., p. 26.

Page 64: Trabalho - Educação

64

utilização era principalmente em soldagens e objetos

como pratos e vasos.

O bronze, por sua vez, é uma amálgama que

trabalha perfeitamente bem com técnicas que envolvam

calor ou não. O cobre representa a maior parte da liga,

porém, por ser macio e dúctil quando em estado puro, é

unido – a frio – com mais de 13,2% de estanho. Essa

proporção permite ao metal, uma vez enrijecido, ser

trabalhado por martelamento.

Quando se necessitava de caloria na

fabricação de objetos, essa liga de cobre e estanho

mostrava-se inadequada. Como diz Brown, as

propriedades de derretimento “são incrivelmente

melhoradas pela inclusão de chumbo na amálgama; ele

tem a vantagem de diminuir o ponto de fusão do metal.

Mas o chumbo afeta as propriedades mecânicas

requeridas para o trabalho a frio: então o artesão tinha

de estabelecer um balanço entre o chumbo e o estanho

de acordo com o uso que o bronze teria. Adicionando

2% de chumbo as propriedades mecânicas pouco se

alteram; de 3% em diante, a maleabilidade é

rapidamente afetada; quando a percentagem de chumbo

é acima de 30% fica difícil de manter os componentes

amalgamados e prevenir que o chumbo se separe do

cobre e do estanho. Para todos os propósitos práticos,

essa percentagem é o limite para o bronze”286

.

- Métodos de derretimento:

Os romanos possuíam processos de

derretimento para a fabricação de peças sólidas ou

ocas.

Os objetos de menor porte eram, geralmente,

sólidos; para tanto, utilizava-se a técnica da cera

perdida. Inicialmente, fabricava-se um modelo da peça

em cera de abelha. Esse moldelo era, então, revestido

com uma camada de argila e areia; quando seco, o

conjunto de barro com preenchimento de cera era

submetido ao calor: por ter um ponto de fusão baixo, a

cera logo derretia e escoava por um orifício feito

anteriormente no revestimento. O molde oco sofria

uma nova queima para ficar apto a receber o bronze

fundido sem correr o risco de fragmentar-se. O metal

fundido era derramado no espaço em que antes estava a

cera, e, quando estava frio e solidificado, o molde era

quebrado (e descartado), retirando-se a peça de bronze

sólida – que passava por um acabamento onde se

aparavam as saliências e depois ganhava polimento

(Figura 90)287

.

Os moldes, como dito, recebiam orifícios para

o escoamento da cera e, também, do bronze derretido.

Segundo David Brown, grande parte dos vestígios que

corroboram um processo de cera perdida encontra-se

nesses moldes. Primeiramente, as aberturas auxiliavam

o escape de ar quando o metal fundido era derramado,

fazendo com que não houvesse falhas na peça,

enchendo completamente o molde de argila. Esse

vazamento de bronze era descartado junto com a

quebra do molde, e poderia voltar ao fogo para uma

nova fundição; porém, nem todos eram re-

286

“Bronze and pewter”, in: Donald Strong e David Brown

(eds.), Roman crafts, pp. 25-26. 287

Idem, p. 27.

aproveitados, sendo comum encontrá-los nos sítios

arqueológicos. Por sua vez, a argila fragmentada,

devido ao seu pouco cozimento (ou seja, é frágil),

praticamente não deixa vestígios. Outra espécie de

vestígio é o resto do cadinho deixado pelos artesãos,

contendo pouquíssima quantidade de metal

solidificado288

.

De acordo com os vestígios materiais, esse

método de cera perdida parece ter sido extremamente

comum em todo o Império.

Porém, quando os artesãos necessitavam

fabricar objetos maiores do que 20 cm, ou peças com

formas bojudas, o processo da cera perdida sofria

alterações de modo a serem feitos objetos ocos pois o

alto custo do material ficaria inviável. O fabrico, como

veremos, pode ser equiparado à estrutura de um bolo

recheado ou a de um sanduíche.

A primeira etapa consistia em fazer, com

argila, a forma, com contornos rústicos, da figura

desejada, tomando o cuidado de que tivesse um

tamanho menor do que o almejado ao final do

processo289

. Depois, uma camada de cera era posta

sobre esse núcleo de argila, e os detalhes da peça feitos.

Por fim, a cera era revestida com outra camada de

argila e o conjunto todo era aquecido. A cera derretida

era escoada do molde, deixando espaço para o metal

fundido ser despejado. Quando o bronze esfriava, o

manto era quebrado, deixando aparecer a fina camada

de metal formada entre o núcleo e o revestimento de

argila.

Se a peça não apresentasse aberturas, o artesão

deixava o núcleo de argila dentro da cobertura de

bronze, como podemos notar na estátua de Hórus

Imperador, no Egito (Figura 91). Os vestígios

arqueológicos de mantos encontrados em Essex,

Inglaterra – como analisa David Brown – mostram que

duas camadas de argila formavam essa cobertura

(Figura 92). Primeiro era aplicada uma argila

finamente granulada a fim de que se adaptasse melhor

aos contornos e pormenores da cera. Sobre essa

camada, outra argila mais espessa era aplicada, dando

ao manto resistência ao fogo. No fragmento maior de

Essex, nota-se um orifício através do qual o núcleo era

sustentado: quando a cera derretia, se o núcleo não

estivesse preso ao manto, ficaria solto dentro da

cobertura, tornando o trabalho inútil. Hastes de metal

eram usadas para segurar o núcleo. Os artesãos

optavam por usar hastes feitas do mesmo metal que

logo seria despejado ali dentro; isso significa que o

metal fundido acabava por derreter a haste, não

causando maiores problemas à peça. Depois que o

objeto era removido, cortavam-se as saliências das

hastes290

.

Os antigos enfrentavam problemas técnicos na

fabricação de peças maiores, mesmo com o recurso de

objetos ocos. Diz o autor já citado: “Os fatores

limitadores no caso desse tipo de derretimento

288

Idem, p. 27. 289

David Brown cita o exemplo de uma estátua de bronze:

desejando-se 30 cm finais, a peça em argila possuía cerca de 20

cm. Op. cit., p. 27. 290

David Brown, “Bronze and pewter”, in: Donald Strong e

David Brown (eds.), Roman crafts, pp. 28-29.

Page 65: Trabalho - Educação

65

convergem com a quantidade de metal fundido que

pode ser manipulado de uma só vez. Quanto maior o

derretimento, maior a temperatura necessária para a

fundição, e mais rapidamente o metal deve ser usado

antes de esfriar; conseqüentemente, mais o metal deve

estar aquecido. Esses dois fatores combinam para

limitar o tamanho da maioria dos objetos de finas

camadas de metal a dimensões não superiores a 90 cm.

Até mesmo as dificuldades práticas de se ter grande

quantidade de metal fundido não se limita

exclusivamente aos cadinhos. O metal deve ser

derretido em um forno que esteja situado próximo – e

em um nível mais alto – ao molde que será utilizado:

assim, o metal fundido corre pelos canais, enchendo o

molde graças à ação da gravidade, sem precisar de um

transporte para os cadinhos”291

.

Além de objetos feitos inteiramente em um só

molde, os romanos fabricavam peças que continham

partes separadas. Exemplo é a estátua de bronze de

uma sacerdotisa achada em Nemi, Itália, do período

tardio etrusco. A figura é composta de oito partes: o

corpo dividido em três segmentos, dois braços e dois

pés, e o topo da cabeça (Figura 93). O artesão

fabricava um molde para cada parte da figura em cera,

argila ou gesso, e depois dava continuidade ao processo

semelhantemente ao método da peça única:

derretimento da cera interior e preenchimento com

bronze fundido. Quando todos os segmentos estavam

prontos, eram unidos por meio de rebitagem ou

soldagem. As soldas envolviam um pouco mais de

complexidade, uma vez que necessitavam de outro

molde, da seguinte maneira: as partes eram colocadas

no local certo, próximas, e um molde de argila envolvia

exterior e interiormente a junção; esse molde possuía

uma abertura por onde o metal fundido escorria, isso

era requerido para que as extremidades das peças

aquecessem-se o suficiente a ponto de unirem-se ao

metal despejado; quando estava na temperatura correta,

a abertura do molde era fechada e a junção era

preenchida com o metal fundido; quando frio, a parte

exterior do molde era retirada, restando a solda. A

soldagem deixava superfícies irregulares em ambos os

lados da peça. Exteriormente, as cicatrizes da solda

eram removidas no processo de acabamento. As marcas

internas nunca sumiam, como aparecem nos vestígios

(Figura 94)292

.

- Derretimento para fabricação de vasilhas:

As vasilhas, tal como no caso da prata, podiam

ser marteladas para tomarem forma. Esse método será

analisado quando discorremos sobre as peças em prata.

Por ora, mencionaremos como os romanos faziam

vasilhas de bronze e peltre a partir de derretimentos dos

metais.

Essa espécie de processo ocorria para dois

tipos de objetos: vasilhas abertas – pratos, travessas e

caçarolas, por exemplo – e vasilhas fechadas – garrafas

de gargalo estreito, jarros e lamparinas, entre outros. A

técnica, necessariamente, dependia de um molde. Tanto

para o bronze como para o peltre utilizavam-se moldes

291

“Bronze and pewter”, in: Donald Strong e David Brown

(eds.), Roman crafts, p. 29. 292

Idem, pp. 30-33.

feitos em pedra. Normalmente em calcário, o molde era

cavado e colocado no torno para adquirir o tamanho

correto e o acabamento; o conjunto contava com uma

parte superior e uma inferior que, juntas, constituíam a

forma para a vasilha. O metal fundido era despejado

nesse conjunto através de um orifício feito no molde,

sendo que o ar escapava pela fresta existente entre as

camadas de pedra (Figura 95). A diferença principal

entre o bronze e o peltre trabalhados centrava-se no

ponto de fusão: o último a 300ºC e o primeiro entre

1000 e 1100ºC293

. Quando enrijecida, a vasilha passava

ao torno para o acabamento e polimento.

David Brown menciona os pormenores de um

torno reconstruído pelo estudioso Alfred Mutz, a fim

de fabricar objetos em bronze tal qual os romanos

antigos o faziam; diz o autor: “(...) ele construiu um

torno em madeira, incorporando todas as características

que possam ser usadas para o fabrico de vasilhas. Esse

torno requer dois operadores: um para girar a manivela

e fazê-lo funcionar, e outro para segurar a ferramenta

de corte e guiar o trabalho. A roda do torno gera de seis

a sete revoluções a cada volta da manivela. A estrutura

do torno é construída com madeira sólida, o que dá

peso e rigidez necessários à estabilidade. O disco de

trabalho é adaptado ao objeto desejado. (...) Esse disco

é fixado no fim do mandril, sendo preso por três cravos

(...). O outro lado do objeto é suportado por uma haste

– ajustável – que termina em uma ponta estreita; então,

essa ponta de contato é pressionada contra a base do

objeto, fazendo com que sua maior área fique exposta

ao trabalho de torneamento. Um bloco de madeira

abaixo do objeto atua como um descanso para a

ferramenta do artesão” (Figura 96)294

. Esse tipo de

equipamento era usado para dar a forma final e para

acabamentos. Era muito comum os pratos, por

exemplo, saírem dos moldes com tamanhos diferentes

devido ao erro do artesão ao juntar as duas partes da

forma, não deixando-a co-axial. Decorações

envolvendo cortes no metal com o auxílio do torno são

típicas da metade do século II d.C. em diante. As

marcas encontradas nas bases e fundos das vasilhas

podem representar tanto a retirada do excesso contido

nessa parte da peça (formando algo decorativo) como

serem sinais dos desenhos feitos com compasso pelos

artesãos – círculos eram desenhados a fim de se

encontrar o ponto correto de rotação, deixando a

vasilha apta a receber cortes iguais em toda a sua

extensão (Figuras 97 e 98)295

.

Vasilhas também podiam ser fabricadas

utilizando-se núcleos. Essa técnica aplicava-se a

recipientes fechados, como jarros, garrafas e

lamparinas. Fazia-se o núcleo de argila com o formato

da peça e o revestia-se com um molde de pedra ou

argila em duas partes. Após derramar o metal e esperar

sua solidificação, tirava-se a vasilha e quebrava-se o

núcleo em seu interior. As lamparinas eram fabricadas

de modo semelhante, com um único molde, e tinham

seus núcleos retirados pelos orifícios por onde se

293

David Brown, “Bronze and pewter”, in: Donald Strong e

David Brown (eds.), Roman crafts, p. 34. 294

Ibidem, p. 34. 295

David Brown, “Bronze and pewter”, in: Donald Strong e

David Brown (eds.), Roman crafts, pp. 35-36.

Page 66: Trabalho - Educação

66

despejava o óleo combustível. Porém, em peças que

possuíam gargalos muito estreitos o molde não possuía

base: retirava-se o núcleo e depois se soldava um fundo

preparado no torno (Figura 99)296

.

Quando a peça se mostrava difícil de ser

fabricada inteiramente com moldes ou em torno, a

solução era segmentá-la. Os bronzes, assim como a

prataria, poderiam ser construídos com a união das

duas técnicas. O jarro de Lanarkshire, Inglaterra, por

exemplo, teve corpo e pescoço feitos separadamente,

por alçamento, e depois soldados (o que é visível

observando-se a linha na peça); a asa do jarro também

foi fabricada separadamente, em molde, e depois

soldada ao conjunto (Figura 100).

A vasilha pronta recebia, por fim, uma camada

de proteção. Como diz Plínio (XXXIV, 21):

O cobre se torna coberto de azinhavre297

mais

rapidamente quando limpo do que quando negligenciado, a

menos que seja esfregado com óleo. É dito que o melhor

método de preservação é estanhar o cobre.

A estanhagem de peças de bronze consistia em

se mergulhar o objeto em estanho fundido – que,

devido ao seu baixo ponto de fusão, não oferece risco

algum à vasilha de bronze298

.

- Os vasilhames de bronze romanos:

As vasilhas fabricadas pelos artesãos plebeus

podem ser classificadas de acordo com a tipologia

estabelecida pela arqueóloga Maria Isabel D‟Agostino

Fleming em sua tese de doutoramento299

:

296

Ibidem, p. 37. 297

Nome dado à oxidação do bronze, de coloração tipicamente

esverdeada. 298

Ibidem, p. 39. 299

O vasilhame de bronze romano: produção e consumo no

início do período imperial, pp. 72-88; 108.

Page 67: Trabalho - Educação
Page 68: Trabalho - Educação
Page 69: Trabalho - Educação

As formas das vasilhas podem ser vistas nos

itens da Figura 101.

A técnica de fabricação das formas abertas

simples e das fechadas simples, de acordo com a

autora, partia de uma placa de bronze fundido que era

reduzida a uma folha por martelamento; o aspecto final

das vasilhas era dado de acordo com um gabarito

existente. Esse ato de martelar o bronze, como mostra a

metalografia, era feito a frio, pois, em objetos de

paredes com espessuras inferiores a 1 mm, a

temperatura elevada logo se dissipa. “O resultado final

são vasilhas sem emendas, de paredes finas, lisas ou

com sulcos como os urceola e as formas ou moldes. Os

acessórios como alças, cabos, argolas de sustentação

das alças e pés são fundidos. Alguns deles são

submetidos a martelamento: alças móveis das sítulas,

dos lances ou de grandes vasilhas, cabos de páteras, de

sartagi, de simpula e de cola”300

.

As vasilhas de formas abertas complexas são

fabricadas a partir de um esboço fundido feito com

molde que, por martelamento, adquire sua forma final.

Esses esboços podem ter paredes grossas ou finas. Os

de paredes finas implicam em uma temperatura de

fundição mais elevada do que os de parede mais

espessas. Assim sendo, a proporção de estanho da liga

é mais alta, variando de 9 a 12 % (dando maior dureza

à matéria), além de conter chumbo (1 a 2%) para

auxiliar na fluidez do metal líquido colocado nos

moldes. O chumbo também ajuda na hora em que o

artesão leva a peça ao torno para dar o acabamento. O

trabalho de torneamento implicava em uma mudança

na composição das ligas metálicas, conforme o objeto

intentado, gerando dois tipos de esboços: a) esboço

fundido composto por estanho em quantidade de 9 a 12

%, e chumbo de 18 a 20%; b) esboço oriundo de

martelamento e aquecimento, composto apenas por

cobre e estanho (de 9 a 12% em média)301

. O

torneamento de peças com espessuras de parede

menores do que 1 mm, só era possível para objetos

com grandes aberturas (peluis, caçarola, páteras leves e

simpula); as vasilhas de abertura mais estreita tinham

suas paredes afinadas por martelamento (as sítulas). Os

esboços com paredes espessas (4 mm ou mais) não

precisavam de uma fundição tão refinada, por isso,

suas composições tinham cerca de 7% de estanho e 13

a 15% de chumbo. Após serem retiradas dos moldes, as

vasilhas sofriam o processo de afinamento no torno.

Diz Maria Isabel Fleming: “As mudanças de técnicas

apresentadas relacionam-se às necessidades impostas

pelos tipos de vasilhas (vasilhas de paredes espessas ou

finas; abertura grande ou pequena em relação à altura

do vaso) ou estão associadas à escolha do artesão

(afinamento de paredes de vasilhas abertas altas

partindo de paredes fundidas espessas ou finas). A

escolha do artesão pode também ser relacionada à

disponibilidade de matéria prima, pois a fusão de

paredes finas depende da presença do chumbo. De

qualquer forma, essas variações significam a

convivência de duas técnicas no mesmo período, talvez

associadas a oficinas diferentes: a de tradição mais

antiga (paredes espessas marteladas) e a característica

300

Maria Isabel D‟Agostino Fleming, O vasilhame de bronze...,

p. 109. 301

Ibidem, pp. 110-111.

do período romano, que é a de paredes finas

fundidas”302

.

As formas fechadas complexas basicamente se

centravam em dois tipos de esboços. Esboços

inteiramente fechados, retirados assim, completos, de

seus moldes e depois martelados para acabamento

(embora as paredes não possam ser muito finas devido

à impossibilidade física presente em um objeto

fechado). Outro tipo de esboço, já mencionado acima, é

o que tem molde sem base, deixando uma abertura na

peça que auxiliava no martelamento para se adquirir as

formas finais desejadas. Outra característica desse tipo

de vasilha era a sua segmentação: partes eram fundidas,

marteladas ou torneadas separadamente e depois

unidas, formando o conjunto complexo303

.

O período de transição da República para o

Principado assistiu a um aumento vertiginoso em

relação à produção artesanal. Não só a cerâmica se

tornou abundante: a indústria do bronze expandiu-se

significativamente pela Itália. O maior pólo produtor

foi a região da Campânia, com suas peças mais

refinadas; contudo, a partir da segunda metade do

século I d.C., sua produção de bronze entra em crise

devido à substituição de peças importadas por

fabricações locais utilizando-se as antigas vasilhas

adquiridas como moldes para novas cópias. Cabe

ressaltar que as vasilhas de bronze, nesse período

tiveram suas funções estendidas: o que antes se

limitava a serviços de mesa e da parte social das casas,

agora atende também à cozinha (fato que nunca

ocorreu para os bronzes gregos e etruscos – arcaicos e

clássicos – e os helenísticos). Por fim, o estudo das

vasilhas não é relevante apenas para o entendimento

desses tipos de peças: devem ser examinadas “como

objetos que carregam em si as técnicas aplicadas na

execução de outros objetos de bronze”304

.

Trabalhos em prata

Petrônio, em meados do século I d.C.,

escreveu em sua famigerada passagem acerca de

Trimalquião, na obra Satiricon (“A ceia de

Trimalquião”):

A prata, eis o que me agrada. Eu possuo vasos

desse metal que são, mais ou menos, de tamanho de uma

urna: neles está esculpida Cassandra no ato de matar os seus

filhos; e os pequenos cadáveres são tão bem feitos que se nos

afigura tê-los a nossa frente. Possuo ainda uma ânfora,

deixada pelo meu patrão, na qual se vê Dédalo fechando

Níobe no cavalo de Tróia, e copos com os combatentes de

Hermeros e Petraites, todos maciços. Ah! Por ouro nenhum

me privarei desses vasos, que meu bom gosto me torna tão

caros!

Objetos em prata representavam o luxo no

cotidiano romano, sendo fabricados para os mais

302

Op. cit., pp. 113-114. 303

Maria Isabel D‟Agostino Fleming, O vasilhame de bronze...,

pp. 114-115. 304

Maria Isabel D‟Agostino Fleming, “A manufatura do

vasilhame de bronze...”, in: Revista do Museu de Arqueologia e

Etnologia, p. 97.

Page 70: Trabalho - Educação

70

diferentes propósitos. No mesmo capítulo em que há o

banquete na casa do liberto Trimalquião, há várias

menções a artefatos em prata, por exemplo: um vaso

como repositório de urina; pratos; os Lares feitos em

prata; grelha; palito de dentes; pequeno esqueleto

articulado; pequeno forno portátil; coroa de prata.

Vejamos, agora, quais as principais técnicas

empregadas no trabalho com esse tipo de metal.

Plínio nos oferece um retrato sobre as jazidas

de prata da Antiguidade (XXXIII, 31):

Prata é achada em jazidas penetradas no chão

profundamente, não havendo nenhuma indicação para

aumentar as esperanças de sua existência, nenhuma centelha

esplendente, como no caso de ouro. A terra na qual é achada

às vezes é vermelha, às vezes é de uma cor cinzenta. É

impossível, também, de ser derretida, exceto em combinação

com o chumbo ou com a galena; esta última sendo o nome

dado ao veio de chumbo – que é principalmente encontrado

correndo junto aos veios do minério prateado. Quando

submetido à ação de fogo, parte do minério [da galena] se

precipita na forma de chumbo, enquanto a prata flutua na

superfície, como óleo em água.

Prata é encontrada em quase todas as nossas

províncias, mas a melhor prata de todas é a da Hispânia; onde

é achada, como o ouro, em terras não cultivadas, e nas

montanhas. Onde quer que um veio de prata seja achado,

outro será encontrado seguramente não longe do local: uma

coisa que foi observada, na realidade, é o caso de que quase

todos os metais que surjam nesta circunstância parecem ter

derivado o seu nome do grego metalla. É um fato notável que

os poços abertos por Aníbal na Hispânia ainda sejam

trabalhados; os seus nomes derivam das pessoas que foram as

primeiras a descobri-los. Uma destas minas, que atualmente

ainda é chamada de Baebelo, enriqueceu Aníbal com o peso

de trezentas libras de prata ao dia. A montanha já está

escavada com uma extensão de mil e quinhentos passos; e ao

longo de toda esta distância há os “portadores de água”

parados noite e dia, jogando fora a água em turnos, auxiliados

pela luz de tochas, e assim formando um tranqüilo rio.

O veio de prata que é achado próximo à superfície é

conhecido pelo nome de crudaria. [...] As exalações as minas

de prata são perigosas a todos os animais, mais

particularmente aos cachorros [...].

A Hispânia e a Britânia foram as principais

fontes de prata do Império romano; a Península Ibérica

já era grande extratora desse minério desde os tempos

das Guerras Púnicas, enquanto que a Britânia tornou-se

importante na economia romana poucos anos após a

invasão feita pelo imperador Cláudio.

Plínio menciona a galena e a prata nela

contida. O arqueólogo David Sherlock em seu texto

“Silver and silversmithing”, da obra Roman crafts,

explica que os romanos utilizavam a cupelação para

separar a prata (e o ouro) dos demais metais presentes

na galena: aquecia-se no forno a galena que, ao chegar

à temperatura de 1000ºC, dividia-se em óxido de

chumbo (litargírio – PbO) e prata.

A prata pura extraída pelos romanos era muito

macia para ser trabalhada sozinha, portanto,

adicionava-se a ela uma pequena percentagem de

cobre, ouro ou chumbo. Amostras de vasilhas de prata

apresentam uma taxa de 92 a 98% de prata pura

misturada aos demais metais. A quantidade de cobre

acrescida, por exemplo, não mudava em nada a

coloração da prata, embora auxiliasse na maleabilidade

da amálgama.

- Modelagem:

O artesão contava, basicamente, com uma

bancada de trabalho para as atividades que

necessitassem maior pormenorização, um grande bloco

de madeira para o martelamento da prata, e martelos

feitos em ferro e madeira.

O primeiro passo era, cuidadosamente,

martelar a placa de prata, evitando ao máximo os

arranhões em sua superfície. Na fabricação de uma

tigela feita por Sherlock, o autor começou por martelar

uma placa circular sobre a depressão existente no bloco

de madeira, fazendo com que se tornasse côncavo: o

processo partia das bordas da placa para o seu centro,

em movimentos circulares (Figura 102). Porém, a

prata martelada a frio pode sofrer mudanças em sua

estrutura; por isso, a placa de metal era sempre

aquecida antes do martelamento.

Depois de tomada a forma final, o objeto era,

então, trabalhado em sua outra superfície, a convexa,

num processo denominado alisamento (planishing, em

inglês). Diz David Sherlock: “Este é um processo

básico no trabalho com prata e fundamental ao

artesanato. O martelo de alisamento é plano e é usado

com batidas leves para trabalhar em torno da tigela, em

espirais da borda até o centro; cada pancada deve

justamente ser dada após a antecessora e entre as

batidas da linha anterior, assim, formam-se faces quase

hexagonais em toda a extensão do objeto”305

. Essa

técnica exige uma habilidade grande do artesão, e

também certa quantidade de paciência, já que são

centenas de batidas com o martelo no objeto que

repousa sobre uma estaca de ferro com ponta

arredondada (Figura 103).

As marcas deixadas pelo martelo podem ser

completamente removidas durante o polimento. Esse

acabamento era feito com limas de ferro de pequena

aspereza e depois com uma pedra abrasiva lubrificada

com água – removiam-se, assim, as marcas das limas e

arranhões acidentais. O polimento também podia ser

feito com a ajuda de um torno.

Quando as peças eram segmentadas, a

soldagem tornava-se necessária. Limavam-se ambas as

extremidades dos objetos separados para melhor

aderência da solda – feita com uma liga de duas partes

de prata para uma de cobre. Então se aplicava uma

camada de bórax (borato de sódio) que atuava de modo

a impedir a oxidação das peças quando fossem

aquecidas. A prata e a solda eram levadas juntas ao

fogo em uma temperatura suficiente para fundir a solda

e deixá-la escorrer pela junção da peça. Uma soldagem

bem feita, praticamente não deixava rastros de sua

feitura. O romano Plínio escreveu em sua História

Natural sobre a soldagem (XXXIII, 29):

Os ourives também empregavam a chrysocolla

[malaquita] em seu trabalho, com o propósito de soldar o

ouro; e é desta chrysocolla, dizem, que todas as demais

substâncias que apresentam coloração esverdeada receberam

seu nome. Sua preparação é feita a partir do azinhavre do

cobre, da urina de um jovem que não chegou à puberdade

ainda, e de uma porção de óxido nitroso (N2O). Essa mistura

305

“Silver and silversmithing”, in: Donald Strong e David Brown

(eds.), Roman crafts, p. 13.

Page 71: Trabalho - Educação

71

é amassada junto a cobre cipriota, e o nome dessa mistura é

santerna. É desta maneira que o ouro conhecido como

“prateado” é soldado [...]. Se, por outro lado, o ouro é

impregnado com cobre, ele se contrai, se ofusca e torna-se

difícil de ser soldado; de fato, para este tipo de ouro existe

uma solda particularmente empregada, feita de ouro e uma

sétima parte de prata [...].

Uma vez fria, a peça unida tinha as sobras de

solda removidas, estando pronta para o polimento.

- Alçamento:

Essa técnica consiste em alçar uma placa de

prata de acordo com o intento do artesão; vasos,

garrafas e tigelas podiam ser feitos dessa maneira. Para

tanto, o artesão utilizava um martelo próprio, com sua

cabeça em formato retangular (tendo seus cantos

arredondados para prevenir arranhões no metal).

Um objeto com forma de copo, por exemplo,

começava a ser trabalhado a partir de uma placa

circular de prata; o artesão, com a ajuda do martelo e

do bloco de madeira como apoio, dava a concavidade

que desejava à placa. Depois marcava o fundo do

artefato e o levava à estaca de ferro arredondada para

criar a base. Isso feito, o objeto tinha sua circunferência

martelada contra a estaca de ferro ou na parte bicuda da

bigorna, girando-o a cada batida, para deixar uniforme

e alçar as paredes sem maiores erros (Figura 104).

O artesanato era levado ao torno, para receber

o polimento: assim, as marcas oriundas do alçamento

desapareciam, num processo similar ao aplicado aos

vasilhames de bronze acima mencionados. Para

produções em larga escala, e com rapidez, os artesãos

mais habilidosos poderiam fazer suas peças

diretamente no torno, com martelamento306

.

- Derretimento:

A arqueóloga Lucia Stefanelli aponta uma

técnica de fabricação de peças em prata por meio da

fusão do metal307

: “Outro procedimento consistia no

uso de matrizes nas quais o metal fundido estava

despejado. Tal método não só era aplicado para o

vasilhame enfeitado, mas também para cálices, taças e

pratos lisos. De acordo com o tipo de vaso a ser

fabricado, a técnica de matrizes variava ligeiramente.

No caso de formas abertas como taças e pratos, o metal

era despejado dentro um orifício especial entre duas

matrizes de pedra, uma para a superfície exterior, outra

para a interior; no caso de formas fechadas como os

jarros e ânforas, as matrizes eram postas entre um

núcleo de argila [...]. Os objetos assim finalizados iam

até o torno mecânico, removendo da superfície o metal

em excesso”. Após a forma final, a peça recebia suas

decorações.

- Decoração com repoussé:

Essa técnica denominada repoussé

(“empurrado”, em francês) consistia em um dos mais

difundidos meios de se aplicar relevos em vasilhas de

306

David Sherlock, “Silver and silversmithing”, in: Donald

Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, pp. 16-17. 307

L’argento dei romani, pp. 30-31.

prata. O trabalho era feito pelo avesso, ou seja, o

artesão cuidadosamente batia um pequeno martelo no

interior da vasilha para que as figuras se formassem.

De tempos em tempos, a decoração tinha de ser

suspensa para que o objeto sofresse uma nova seção de

martelamento a fim de conservar a forma original da

peça, sem deformações provenientes do repoussé. Esse

tipo de decoração “foi especialmente popular na

decoração de taças com florais e cenas figuradas, mas

deixa uma superfície desigual no interior do objeto,

sendo uma prática normal fixar um revestimento por

dentro da peça, soldado ao restante do corpo na

borda”308

(Figura 105).

- Decoração com entalhamento:

Ao contrário do repoussé, o entalhamento era

feito a partir da superfície do objeto que se desejava

decorar, por isso, o entalhamento pode ser entendido

como a técnica do “apertar”. Esse baixo-relevo era

aplicado com martelo e formão, desenhando

ornamentos sobre a peça. Um dos melhores exemplos

de entalhamento pode ser observado na travessa

Oceanus, do tesouro de Mildenhall, Inglaterra (Figura

106).

- Decoração com estampas e carimbos:

Por vezes, o artesão utilizava um molde já

pronto da figura que desejava, bastando apenas calcá-lo

sobre a prata. A tigela do imperador Licínio nos mostra

que cada uma das letras estampadas foi feita com

formões que possuíam o contorno desejado (Figura

107)309

.

No período romano, era muito comum achar

carimbos nas bases dos objetos de prata que

informassem o peso do produto. Nos séculos V e VI

d.C., algumas peças eram carimbadas com um selo

imperial, como garantia de qualidade (Figura 108).

- Nielo, incrustação e brilho:

O nielo foi uma técnica muito difundida a

partir do século I d.C.. Era um sulfureto de prata, sendo

obtido da escaldadura da prata com enxofre. Esse

material era deixado para secar e logo após

transformado em pó. Aplicava-se nielo sobre a

superfície da peça de prata e o aquecia: sua

consistência tornava-se plástica, deixando uma fina e

brilhante camada negra sobre o objeto (Figura 109)310

.

A prata também servia como adorno. Era

incrustada em peças de madeira, mobiliário, encaixes

de marfim e de bronze e em estátuas. Segundo David

Sherlock: “Em particular, no primeiro século, foi muito

comum estatuetas de bronze serem embelezadas com

pequenas peças de incrustações; os olhos e os lábios

eram os lugares favoritos, assim como os detalhes das

vestimentas (botões e tiras de sandálias). Incrustações

308

David Sherlock, “Silver and silversmithing”, in: Donald

Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 19. 309

David Sherlock, “Silver and silversmithing”, in: Donald

Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 21. 310

Lucia Stefanelli, L’argento dei romani, p. 30.

Page 72: Trabalho - Educação

72

desse tipo fixavam-se nos sulcos a elas reservados por

martelamento.

Os objetos em prata podiam receber dois tipos

de brilho. O primeiro utilizava uma fina camada de

ouro que era colada à peça com algum tipo de adesivo

especial. Já no segundo método, o mercúrio atuava

como o responsável para o brilho: ouro e mercúrio

eram amalgamados e aplicados sobre a superfície; a

peça era aquecida, fazendo com que o mercúrio

evaporasse, restando apenas o ouro no local311

.

Joalheria

A criação da identidade dos cavaleiros

(equites) frente ao resto da população romana, segundo

a tradição, deu-se no reinado de Tarquínio Prisco, ao

presentear com um anel de ouro. Diz Plínio, o Velho

(História Natural, XXXIII, 4):

Tarquínio Prisco, no entanto, sendo bem conhecido,

foi o primeiro que presenteou seu filho com uma bulla312 de

ouro na ocasião em que assassinou um inimigo que não havia

ainda vestido a pretexta; período do qual o costume de se

portar a bulla continuou: uma distinção limitada às crianças

daqueles que haviam servido à cavalaria (as outras pessoas

portavam simplesmente uma tira de couro).

Durante a República, o anel de ouro foi

utilizado somente em missões diplomáticas, tomando-

se a preocupação de apenas usá-lo em público

(História Natural, XXXIII, 4):

Aqueles que receberam anéis de ouro na ocasião de

embaixada, só podiam o portar em público: em suas casas

carregaram o anel de ferro. É desse costume que, hoje em dia,

um anel de ferro é mandado como presente a uma mulher

quando pedida em noivado, sem pedra alguma nele.

Ainda é Plínio quem discorre sobre alguns

usos dos anéis (XXXIII, 6):

Era o costume, no princípio, só usar anéis em um

único dedo, o “um”, isto é, aquele que está próximo ao dedo

mindinho; e isto nós vemos no caso das estátuas de Numa e

Sérvio Túlio. Em tempos posteriores, se tornou a prática de

pôr anéis no dedo próximo ao polegar, até mesmo no caso

das estátuas dos deuses; e mais recentemente, novamente, foi

a moda de usá-los no dedo mindinho. Entre os povos de Gália

e Britânia, o dedo médio, é dito, é usado para este propósito.

Porém, entre nós, este é o único dedo que é excluído hoje em

dia, todos os outros estão carregados com anéis; até mesmo

anéis menores foram adaptados separadamente para as juntas

menores dos dedos. Há alguns que amontoam vários anéis só

no dedo mindinho; enquanto outros, novamente, usam

somente um anel neste dedo, o anel sigilar, sendo mantido

cuidadosamente como um objeto de raridade, muito precioso

ser usado comumente (...).

Alguns, também, fazem uma ostentação do peso de

seus anéis, enquanto outros labutam para usar mais que um

de cada vez: alguns, para a segurança de suas pedras

preciosas, fazem o arco de ouro enfeitado e o enchem com

um material mais claro do que o ouro, pensando diminuir os

riscos de uma queda. Outros, por sua vez, têm o hábito de

311

David Sherlock, Op. cit., p. 20. 312

“Bolha; botão”, em latim.

incluir venenos embaixo das pedras dos anéis e assim os

usam como instrumentos de morte (...). Quantos dos crimes

que, estimulados por cobiça, fazem-se com o auxílio de

anéis! Como eram felizes os tempos em que nenhum selo era

posto em qualquer coisa! (...).

De fato, as transações mais importantes da vida são

agora feitas de maneira a depender deste instrumento (...).

Nós podemos, então, muito seguramente, concluir que tão

logo foi introduzido o dinheiro entre nós, o uso de anéis foi

estabelecido logo após.

Com um uso tão difundido na sociedade

romana, sorte dos artesãos que fabricavam esses anéis.

Lucia Stefanelli em sua obra L’oro dei romani

explica a terminologia aplicada aos artesãos do ouro313

:

“Aurifex é, na realidade, um termo genérico já que a

epigrafia romana atesta outras figuras que têm funções

especializadas no trabalho com o ouro (...): há

testemunhado o brattiarius – artesão especializado no

martelamento do ouro; o barbaricarius – decorador de

ouro e, em época tardia, de armas também; o inaurator,

dourador. (...) Outros artesãos são especializados na

fabricação de determinadas jóias, como o anularius,

para os anéis, e o armillarius para os braceletes”. As

pedras preciosas e as pérolas eram comerciadas e

trabalhadas pelo gemmarius e o margaritarius,

respectivamente.

O arqueólogo Reynold Higgins em seu

capítulo “Jewellery” no livro Roman crafts aponta as

evidências da produção joalheira romana314

: “fontes

escritas, que são, no entanto, raramente

compreensíveis; representações em esculturas e

pinturas de artesãos no trabalho315

; ferramentas

sobreviventes; evidência similar de civilizações

relacionadas, como a minoana, a micênica e a grega; e

tecnologia comparativa. Essa última fonte tem se

mostrado a mais produtiva (...)” 316

.

Os maiores centros de produção joalheira do

Império romano foram Alexandria e Antioquia (atual

Antaquia, na Turquia), embora oficinas de trabalho em

ouro sejam encontradas por toda a Roma.

O trabalho do artesão começava com o

recebimento dos lingotes de ouro, geralmente vindos

dos Balcãs, Gália, Hispânia ou Britânia. Todo o metal

usado quente era aquecido em fornos abertos à base de

carvão; sendo o fogo alimentado por foles. Além do

forno, os artesãos usavam diversas outras ferramentas

para o manuseio dos produtos, sendo as principais,

segundo Higgins: bigorna; martelos variados;

estampas; cunhos e modelos; punções; marcadores;

cinzéis e ferramentas de entalhamento; formas;

alicates; balanças e pedras de polimento; abrasivos;

cadinhos de terracota; e tigelas de resina317

.

As técnicas aplicadas na ourivesaria eram

semelhantes, em grande parte, às da prata. Acima já

313

Página 39. 314

Página 53. 315

Ver Figura 110. 316

Para um entendimento da tecnologia empregada no século XX

para o fabrico de jóias, ver o manual de William T. Baxter,

Jewelry, gem cutting and metalcraft. 317

“Jewellery”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman

crafts, p. 54.

Page 73: Trabalho - Educação

73

foram mencionados os modos de se aplicar repoussé,

entalhamento e estampagem, além do derretimento

(despejado em moldes ou por meio da “cera perdida”),

e por isso não serão agora repetidos; contudo, as

Figuras 111 a 113 auxiliam no esclarecimento sobre o

que foi explicado.

Devemos, pois, nos centrar nas decorações e

métodos de fabrico específicos da joalheria, ou seja, a

granulação, a filigrana, as correntes e a aplicação de

gemas.

François de Callataÿ explica as hipóteses

existentes para a fabricação dos grânulos de ouro318

: A)

método no qual o metal derretido é derramado, a uma

determinada altura, sobre uma superfície lisa; B) a

descrição de Agricola, em De re metallica (1556),

dizendo sobre a necessidade de se derramar o metal

fundido sobre uma tábua debaixo de água corrente,

para acelerar o esfriamento; C) grânulos formados a

partir do despejamento do metal em um pote com água,

passando por uma peneira; D) aquecimento da

extremidade de um fio de ouro até seu gotejamento; E)

verter o metal sobre um pote com pó de carvão; F)

colocar pedaços de ouro entre camadas de cinzas em

um cadinho e aquecer o conjunto até o derretimento do

metal; G) Cortar pedaços de fios de ouro em tamanhos

parecidos e aquecê-los. O método, porém, que obtém

grânulos mais satisfatórios, ou seja, produzidos com

certa uniformidade de tamanho e peso, é o que se

assemelha ao “F”. Callataÿ cita o trabalho empírico do

autor Thouvenin 319

para se fabricar o material: “o ouro

é martelado em finas folhas; estas são cortadas de

modo a formar delgadas lâminas e depois lascas. As

lascas são postas no fogo e se contraem. Por essa

reação metálica, pequenos erros na hora do corte

desaparecem e os grânulos adquirem o mesmo

tamanho. Thouvenin atesta que produziu milhares de

grânulos dessa maneira. Isso condiz com os antigos

grânulos, que eram feitos aos milhares por hora. Ele

atenta para demonstrar que o uso de carvão é inútil

[assim como qualquer outro combustível]”320

.

Com os grânulos prontos, era necessário fixá-

los na peça antes de soldá-los. Uma das maneiras de

colá-los é descrita pelo monge germânico Teófilo, no

século XII, em sua obra Schedula Diversarum Artum

(III, 53):

Você irá ter, também, farinha de trigo ou centeio,

com a qual você irá misturar água em uma pequena taça, e

colocá-la sobre carvões, aquecendo-a um pouco: nisto, você

mergulha [os grânulos] levemente, um a um, em sua parte

mais baixa, e depois os fixa em seus lugares. Tudo deve ser

feito rápido (...) antes de a mistura de farinha secar.

Postos em seus lugares, os grânulos estão

aptos à soldadura. É justamente nesse ponto em que os

estudiosos da granulação mais divergem. Soldar os

grânulos é extremamente difícil, e torna-se penosa a

318

“Granulation”, in: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold

jewelry, p. 185. 319

A. Thouvenin, “La sodure dans la construction des oeuvres

d‟orfèvrerie antique et ancienne”, in: Revue Archéologique de

l’Est et du Centre Est, 24, 1973, p. 45. 320

“Granulation”, in: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold

jewelry, p. 186.

tarefa de tentar distinguir quais métodos de soldagem

foram aplicados em um artefato (Figura 114). Callataÿ

aponta possíveis respostas à questão321

: A) grânulos

fixados em, no máximo, 13 unidades por centímetro

podem ser soldados com uma fina tira de liga metálica

(formada por cobre, prata e ouro); porém, essa hipótese

não dá conta de peças que possuem, por exemplo, 70

grânulos por centímetro; B) o ouro possui duas

temperaturas de fundição, sendo a mais baixa

conseguida em objetos pequenos, como os grânulos; no

entanto, essa técnica só funciona em ouros

extremamente puros, e sabemos que, na Antiguidade,

os minérios não eram livres totalmente de impurezas;

C) finalmente, o método que talvez mais se aproxime

do original, seja um híbrido dos descritos

anteriormente: utiliza-se um preparo não-metálico à

base de propriedades do cobre – essa amálgama é

aplicada nos grânulos, tendo seu ponto de fusão mais

baixo do que o do ouro (graças ao cobre). Callataÿ

menciona cinco tipos de substâncias que contêm cobre

em sua fórmula e que poderiam ser utilizadas para a

soldadura: a chrysokolla, também conhecida por

malaquita (CuCO3.CuOH3), a azurita

[2CuCO3.Cu(OH)2], o azinhavre [Cu(OH3Co2.5H2O)],

o vitríolo (CuSO4.5H2O), e santerna – palavra de

origem etrusca –, um composto de chrysokolla,

azinhavre, urina e nitra.

A filigrana, por sua vez, é usada na joalheria

para designar ornamentos feitos de fios de metal

preparados por várias técnicas (Figura 115). Esses fios

poderiam ser fabricados por: martelamento – método

mais simples, onde o lingote é martelado até a

obtenção do fio; e torcedura – martela-se o lingote até

adquirir a forma de um caniço com secção quadrada, e

depois se torce e rola-se o material entre duas peças de

madeira; a torcedura também podia ser obtida ao

enrolar-se uma tira de metal em uma haste cilíndrica322

.

Essas técnicas eram adaptadas a diferentes usos, de

acordo com a necessidade do artesão (Figura 116).

O ouro, comparado com os demais metais, é o

que possui maior ductibilidade. Graças a essa

característica, os artesãos podiam conseguir fios de

ouro muito longos, garantindo uma produção de

filigrana mais eficiente. O instrumento usado para

tanto, era uma placa de puxar, descrita por Teófilo

como (III, 8):

Dois utensílios de ferro de três dedos de largura,

com topo e base estreitos, possuindo uma espessura

constante, e perfurados com três ou quatro buracos através

dos quais os fios são puxados.

Os diâmetros dos buracos são graduais, como

podemos notar no instrumento do período viking

achado em Estocolmo (Figura 117).

Para puxar os fios, fazia-se uso de resistentes

alicates. Dessa maneira, o conjunto era formado: do

cabestrante, uma corda era presa ao alicate que

segurava o fio de ouro; ao girar o cabestrante, o alicate

puxava o fio através dos buracos da placa acima

mencionada (Figura 118).

321

Ibidem, pp. 187-188. 322

Frédérique De Cuyper, “Filigree”, in: Tony Hackens e Rolf

Winkes (eds.), Gold jewelry, pp. 197-199.

Page 74: Trabalho - Educação

74

Correntes e colares era feitos a partir da

habilidade dos artesãos em entrelaçar aros de metal.

Primeiramente, o fio de ouro era enrolado na haste

cilíndrica até tomar a espessura e a forma desejada.

Então os aros eram tirados do cilindro com a ajuda de

uma serra e estavam prontos para serem trabalhados

(Figura 119).

As correntes se formavam por diferentes

técnicas de junção dos aros, destacando-se, de acordo

com Anne Catherine Lemaigre323

: A) corrente simples

– aros com formas circulares, ovais ou retangulares,

cada qual inserido no próximo e soldados juntos

(Figura 120); B) aro-no-aro simples – laços de fio que

ganham forma elíptica, e depois são dobrados ao meio,

enlaçando-se um aro no meio do outro (Figura 121), e

que também poderiam ser laços com forma semelhante

ao oito (Figura 122); C) aro-no-aro duplo – cada aro é

passado através de outros dois; D) corrente serpente –

um misto de aro-no-aro simples com o duplo (Figura

123); E) corrente de faixa – composto de aro-no-aro

duplo com o simples, unidos pelo lado, formando uma

faixa. Assim sendo, finalizava-se a corrente de ouro

(Figura 124).

Para decorar os trabalhos em ouro com pedras

preciosas os artesãos, em primeiro lugar, tinham de

selecionar e preparar a gema. Cortar e polir as pedras

poderia ser um processo executado de duas maneiras

diferentes: chips (“lasca”) – sem superfícies planas, as

pedras recebiam polimento por meio de um abrasivo

acoplado em um torno; cabochão – gemas polidas que

possuem a parte superior convexa e a parte inferior

plana324

.

As ferramentas utilizadas na colocação de

gemas consistiam em cinzéis de variadas espessuras,

pinças para alargar buracos e posicionar pedras,

tenazes, furadores e malhos.

O modo mais simples de se fixar as gemas às

jóias era trespassar a pedra com um buraco e nele

adentrar com um fio de metal cuja extremidade

terminaria em protuberância a fim de segurar a gema

no lugar (Figura 125). Para as pedras sem faces planas

a melhor maneira de firmá-las era estabelecer uma fina

coroa de metal em seu contorno e soldá-lo à peça

(Figura 126). Cabochões eram mais fáceis de fixar:

bastava prendê-los aos engastes feitos nas jóias325

.

Terminadas, as jóias passavam por um

acabamento e polimento antes de serem

comercializadas pelos artesãos (Figura 127).

Moedas

As moedas são as evidências que talvez

melhor orientem os arqueólogos para a confirmação de

uma datação absoluta. Muitas foram as oferendas na

Antiguidade e, do mesmo modo, muitas foram as

323

“Chains and Necklaces”, in: Tony Hackens e Rolf Winkes

(eds.), Gold jewelry, pp. 206-208. 324

Christiane Larock, “Stone setting”, in: Tony Hackens e Rolf

Winkes (eds.), Gold jewelry, p. 193. 325

Ibidem, p. 194.

guerras que obrigaram as pessoas a enterrarem seus

pertences com o intento de se livrarem de pilhagem;

assim, a descoberta de “tesouros” em sítios

arqueológicos representa grande expectativa por parte

dos estudiosos.

As moedas carregam consigo não apenas um

valor monetário, mas, também, simbologias complexas

que permitem a nós estabelecer um diálogo com o

passado. Como bem aponta Christopher Howgego –

curador responsável pelas moedas romanas do

Ashmolean Museum (Oxford) – em seu artigo presente

na obra Coinage and identity in the Roman provinces:

“As moedas são o mais proposital de todos os símbolos

de identidade pública (...). [No entanto] essa identidade

não é uma qualidade inata, mas é constituída na

representação: as identidades nas moedas são, por

definição, aquelas pertencentes à elite. As explícitas

representações nas moedas – e as identidades implícitas

na decoração da iconografia e na estrutura da moeda –

pertencem a aqueles que controlam a cunhagem” 326

.

As moedas, portanto, podem representar seis

grandes grupos, de acordo com a tipologia feita por

Howgego. A religião foi o meio mais comum de

representação de identidade nas moedas. No Império, a

iconografia religiosa foi enormemente diversificada nas

províncias, tendo moedas cunhadas com deuses “pré-

romanos”, sendo a recíproca verdadeira, como

podemos reparar na moeda do período de Domiciano

(81-96 d.C.), a qual representa Zeus Laodiceo (ou seja,

da cidade helena de Laodicea) entre a antiga tríade

capitolina (Figura 128). As decorações com edifícios

romanos, a monumentalidade, é outra característica

presente nas moedas: a representação de monumentos

em moedas pode sugerir, pela visão romana, que suas

moedas faziam parte de seus próprios monumenta

(“monumentos”) – exemplo pode ser visto na Figura

129. O passado possui a vantagem de representar, ao

mesmo tempo, tanto uma especificidade de um local

como localizar algum lugar dentro da universalidade do

mito/história – a Figura 130 celebra o aniversário de

número 900 de Roma, estabelecendo, assim, um local

no passado. A estrutura do tempo também serve como

marco de identidade; Laodicea, por exemplo,

estabeleceu nova contagem de tempo a partir da

visitação e refundação da cidade feita pelo imperador

Adriano na primeira metade do século II d.C. (Figura

131). Por sua vez, a geografia é utilizada como

representação administrativa do poder imperial

romano, delineando a divisão entre capital e províncias

– figuradas nas moedas de acordo com as suas

características locais (Figura 132, representação da

Dácia). A territorialidade romana abarcava uma gama

muito grande de línguas; essa linguagem representava

um conjunto de identidades comuns a um determinado

povo e continuou a ser expressa em algumas moedas

(Figura 133, inscrição feita em linguagem céltica, na

Gália), embora a administração romana possuísse dois

idiomas “oficiais”, o latim no Oeste e o grego no Leste

do Império327

.

A temática da iconografia das moedas é

extensa e pormenorizá-la não é o objetivo deste

326

“Coinage and identity in the Roman Provinces”, p.16. 327

Op. Cit., pp. 02-13.

Page 75: Trabalho - Educação

75

trabalho. O que devemos, agora, atentar é para quem as

produzia e como eram fabricadas essas moedas.

A cunhagem se dava nas casas da moeda

espalhadas pelo mundo Antigo. As maiores casas,

aquelas que cunhavam com mais regularidade,

certamente possuíam edifícios erigidos para esse

propósito, como é o exemplo da casa da moeda de

Atenas: foi identificada, entre os séculos V e I a.C., ao

leste do lado sul da agora; vestígios de metais usados

para cunhagem foram ali encontrados e o edifício

possuía 27m x 38m, com fundações de espessuras de

1m (consistindo em um conjunto de salas de diversos

tamanhos ao redor de um pátio aberto); sua produção

era executada por escravos públicos328

. Já em “Roma a

casa da moeda estava no Capitolino durante a

República. A casa foi movida, provavelmente após o

incêndio de 80 d.C., para uma parte da Domus Aurea

de Nero, que foi devolvida ao poder público sob a

dinastia Flaviana. Um fragmento da Forma Urbis – um

mapa de Roma feito em mármore – nos dá alguma

idéia de sua planta. Sobrevivências do edifício foram

localizadas sob a igreja de S. Clemente, cerca de 400m

ao leste do Coliseu. Era uma longa construção

retangular com uma largura de aproximadamente 30m

e de comprimento desconhecido. Possuía duas lojas

principais, sendo a mais baixa dividida em dois pisos

na fase mais antiga do edifício. O exterior do conjunto

era formado por um muro substancial, provavelmente

com uma única entrada, sem outras aberturas. O piso

mais baixo era composto de um grande número de

salas dispostas ao redor de um pátio com peristílo. O

complexo exerceu sua função como casa da moeda até

o fim do século IV d.C.”329

.

As menores casas da moeda pulverizaram-se

no território do Império romano. Embora não tão

opulentas, essas casas tinham papel fundamental na

economia antiga uma vez que a centralização da

fabricação de moedas causava um sério incômodo:

durante guerras ou até mesmo assaltos cotidianos uma

única casa de produção saqueada poderia significar um

grave golpe ao conjunto da cidade; portanto, cunhagem

em diversos pontos era uma estratégia de segurança.

Outra questão relevante é o fato de não

necessariamente a casa da moeda de uma determinada

cidade produzir o seu objeto apenas para a localidade:

cunhos de diferentes motivos foram encontrados em

uma mesma casa ou, então, moedas semelhantes foram

achadas em duas ou mais cidades330

.

Mencionemos, então, como as moedas em si

eram produzidas.

David Sellwood em seu capítulo “Minting” na

obra Roman crafts afirma que a maioria das técnicas

utilizadas no fabrico de moedas foi desenvolvida na

Mesopotâmia, refinada na Grécia e então adaptada à

produção em massa pelos romanos331

. Três são os

elementos presentes na cunhagem de moedas: disco de

metal a ser amoedado; cunhos; martelamento.

328

Christopher Howgego, Ancient history from coins, pp. 26-27. 329

Christopher Howgego, Ancient history from coins, p. 27. 330

Ibidem, pp. 28-30. 331

Página 63.

O primeiro passo era fazer o disco de metal.

Na Antiguidade, os metais mais usados eram o ouro, a

prata, o cobre, o estanho, o zinco, e o chumbo (além do

níquel e do antimônio, que aparecem ocasionalmente).

Devido ao alto valor do ouro e da prata, seu uso estava

intimamente ligado à preparação de ligas metálicas –

que diminuem o ponto de fusão, ganhando, assim, em

economia de energia, e tornavam desnecessária a

aplicação de grandes porcentagens de metais mais

nobres para a cunhagem.

As peças poderiam ser feitas por derretimento:

despejava-se o metal fundido dentro de um molde de

duas partes produzido em argila cozida; o problema de

moldes era que a entrada na qual o metal era derramado

acabava, do mesmo modo, por deixar o ar entrar no

conjunto, causando imperfeições na peça (as variações

de temperatura durante o esfriamento do molde

também culminavam no mesmo incômodo). Os discos

de metal também poderiam ser fabricados a partir de

moldes singulares como os da Idade do Ferro

encontrados na Inglaterra– que, por sua irregularidade,

geravam discos com forma de cogumelo (Figura 134)

– ou então em moldes abertos, com suas depressões

interligadas por pequenos canais (Figura 135):

vestígios das hastes produzidas por essa técnica são

visíveis nas moedas (Figura 136) 332

. Além dos

moldes, os discos de metal podiam ser obtidos

derramando o líquido sobre uma superfície lisa, como a

de uma chapa de metal. O contato do quente com o frio

faz com que o estado fluido concentre-se em cadinhos

sólidos (Figura 137). Esse disco era então martelado

para adquirir uma espessura homogênea. Por fim,

devido às impurezas que surgiam na superfície do

disco durante o processo de esfriamento, o artesão

necessitava mergulhar a peça em algum ácido

removedor dessas partículas ou utilizar um instrumento

que cortava a superfície por igual ao ser girado (Figura

138); esse instrumento, no entanto, deixava um buraco

no centro peça que, mesmo após a cunhagem,

continuava visível (Figura 139).

Os discos de metal eram submetidos ao brilho

da prata, para disfarçar a aparência do cobre puro (que

era um empecilho à circulação porque o público não

gostava de seu aspecto). O brilho era obtido de três

maneiras principais: 1) colocando-se o disco num ácido

que removia o cobre, deixando apenas o que

interessava; 2) derramando-se prata derretida sobre a

peça; 3) espalhando-se prata sobre a peça e levando-a

ao forno para o seu derretimento e conseqüente

enraizamento.

Outra característica marcante é o fato de

muitas moedas que deveriam ser de prata, na realidade,

não o serem. Casas da moeda que passavam por

dificuldades (ou necessitavam obter maior lucro)

costumavam colocar uma cobertura de prata em

núcleos originais de cobre (Figura 140). A oferta

dessas moedas era tamanha, que foi preciso começar a

fazer uma série de cortes radiais nos discos de metal

antes da cunhagem para atestar a autenticidade de uma

moeda (Figura 141). Ainda sobre a falsificação,

encontram-se moedas toscas feitas a partir de moldes

332

David Sellwood, “Minting”, in: Donald Strong e David

Brown (eds.), Roman crafts, pp. 64-66.

Page 76: Trabalho - Educação

76

de argilas advindos de material original (Figura 142) 333

.

Os discos de metal tinham de ser colocados

entre cunhos e depois martelados para adquirirem a

forma final de moeda. Os cunhos, por sua vez, eram

fabricados com um bronze bem enrijecido, que

continha em sua fórmula: 75,1% de cobre, 23,1% de

estanho, 0,9% de antimônio, 0,3% de bismuto, e 0,2%

de ferro. Quando frio, o cunho sofria em sua face a

aplicação de um trabalho. O problema, porém, para os

artesãos era como trabalhar um metal duro com um

outro mais macio. A solução encontrava-se no uso de

abrasivos como o corindo (ou corundum), um mineral à

base de óxido de alumínio com grau nove na escala de

Mohz: as partículas desse mineral, quando

pressionadas, agrupam-se de modo a formar “dentes” –

os artesãos aplicavam corindo sobre uma base e, com o

auxílio de um furador, friccionavam a superfície a fim

de obter uma área escavada (Figura 143). Essa

depressão estava, então, apta a receber a gravação das

figuras que iriam compor a moeda (processo realizado

a partir do entalhe feito com ferramentas pontiagudas).

O cunho inferior era o mais pesado e geralmente estava

preso a uma base de madeira ou bigorna. Já o cunho

superior deveria ser manuseado e, por isso, suas

dimensões eram menores; no entanto, o cunho superior

tinha de ser fabricado com metais que pudessem

suportar o impacto do martelo e o contato com o disco

de metal quente – comumente o cunho de bronze era

protegido por uma cobertura de ferro (Figura 144) 334

.

Para se ter uma moeda completa, restava

apenas martelar o disco entre os cunhos. Com o tenaz

manipulava-se o disco de metal – que era aquecido no

forno para tornar-se maleável ao trabalho –, colocando-

o sobre o cunho inferior. Posicionava-se o cunho

superior sobre o conjunto e martelava-se sua base. Não

havia muito cuidado com a centralização dos cunhos,

sendo comum encontrarem-se moedas com anverso e

reverso gravados fora do espaço destinado à imagem.

As moedas eram produzidas aos milhares e isso

implicava em uma distribuição no processo. David

Sellwood aponta que uma equipe de quatro

trabalhadores (escravos, muitas vezes) era o suficiente

para uma grande produção em massa: “O primeiro

operador transferia o disco de metal do forno (para um

martelamento quente) ou de algum receptáculo

(martelamento a frio) para o cunho inferior. O segundo

agora segurava o cunho superior na posição correta

para que o terceiro posicionasse o martelo sobre o

conjunto e o martelasse. O quarto removia a moeda

completa e o ciclo recomeçava” 335

. Assim, a moeda

estava pronta para o seu uso (Figura 145).

333

Ibidem, pp. 68-69. 334

David Sellwood, “Minting”, in: Donald Strong e David

Brown (eds.), Roman crafts, pp. 69-71. 335

Ibidem, p. 71.

Page 77: Trabalho - Educação

Parte VI

O trabalho em vidros.

Plínio, o Velho, é o autor que mais detalha a

fabricação de vidro durante sua época (século I d.C.).

Diz o naturalista (XXXVI, 65-67):

A costa na qual esta areia é juntada não tem mais

que meia milha de extensão, e ainda, para muitas eras, este

foi a único local que proveu o material para se fazer vidro.

A história é que os comerciantes de um navio

carregado com soda atracado nesse local, enquanto

preparavam sua refeição na praia, não achando nenhuma

pedra à mão para apoiar seus caldeirões, empregaram para

esse propósito alguns pedaços de soda que eles haviam

levado do navio. Ao ser sujeitado à ação do fogo, em

combinação com a areia da praia, observaram jorros

transparentes de um líquido desconhecido: isto, é dito, foi a

origem do vidro.

No decorrer do tempo, como o gênio humano é

inventivo, não estava contente apenas com a soda: calcário

começou a ser adicionado devido à crença de que ele atrai

vidro liquidificado como o faz com o ferro336. De uma

maneira semelhante, também, pedras brilhantes de vários

tipos chegaram a ser somadas ao derretimento, e, por fim,

conchas e areia fóssil. Alguns autores nos falam, que o vidro

da Índia é feito de cristal de pedra quebrado, e que, por

conseguinte, não há nenhum que possa ser comparado a este.

Cobre e soda, especialmente a egípcia, são

adicionados a essa mistura que é fundida por um fogo obtido

de madeira leve e seca. É derretida, como o cobre, em uma

série de fornos e forma pedaços escurecidos. O vidro

derretido é tão afiado que, antes que se possa sentir alguma

dor, já terá atravessado até o osso qualquer parte do corpo em

que tenha esbarrado337. Estes pedaços de vidro são fundidos

novamente nas oficinas e coloridos; depois, o vidro é soprado

em várias formas, trabalhado em torno, ou entalhado como a

prata (...).

Tal era o método antigo de fazer vidro: mas, hoje

em dia, é achada uma areia muito branca para esse propósito

na foz do rio Volturno, na Itália. Ela é encontrada ao longo

das seis milhas de costa entre Cumas e Literno. A areia é

depositada em um pilão; então é misturada com três quartos

(tres partes; III partibus) de soda (...), e, após a fusão, a

mistura, em seu estado fundido, é levada a outros fornos.

Neles, forma-se uma massa denominada hammonitrum

(“areia-soda”); que é submetida novamente à fusão e se torna

uma massa de puro vidro. Atualmente, nas províncias da

Gália e da Hispânia encontramos a areia sendo trabalhada

desse mesmo modo. Durante o principado de Tibério, conta-

se, uma combinação foi inventada e produziu um vidro

flexível; mas a oficina do artesão foi totalmente destruída

pelo medo de que isso diminuísse o valor do cobre, da prata e

do ouro. Porém, esta história foi, por muito tempo, mais

amplamente difundida do que bem autenticada. (...) No

tempo do imperador Nero, um processo foi descoberto em

que duas pequenas taças de vidro, chamadas petroti, valiam

6000 sestércios!

(…)

Mas, embora o vidro tenha substituído o ouro e a

prata como material para o fabrico de vasilhas para bebidas,

ele não pode conter líquidos quentes antes de ter sido

resfriado com água gelada. Aqueles recipientes de vidro

globulares, cheios com água, quando em contato com os raios

do sol, são aquecidos de tal maneira que chegam a queimar

336

Aqui Plínio comete um engano ao igualar o calcário à

magnetita (magnes lapis). 337

Obviamente, essa passagem não é verdadeira. Mas lascas de

vidro podem adentrar a pele sem causar dor imediata.

vestimentas. Quando aquecidos a uma temperatura moderada,

pedaços de vidro quebrado podem ser unidos, mas não

fundidos completamente (...). Se o vidro for fundido com

enxofre, ficará tão duro quanto pedra.

O local que, por muitas eras, segundo Plínio,

foi o único produtor de vidro é a cidade de Sidon, na

antiga Pérsia. Porém, essa lembrança pertence a uma

tradição no mundo clássico, e o romano a repetiu. É

improvável que Sidon tenha sido, isoladamente, o

maior centro de vidraria da Antiguidade. Os egípcios,

cerca de 6000 a.C., já produziam vidros338

.

Outra característica do texto de Plínio é a

simples descrição dos materiais empregados na

fabricação. Parece desconhecer a importância da cal na

produção dos vidros, mencionando o uso de conchas

(fontes calcárias) sem maior relevância, deixando claro

que apenas a areia e a soda eram constituintes centrais

do processo. Uma confusão aparece no documento com

as “séries de fornos”: Plínio não faz a distinção entre

eles, aparentando, nesse caso, a expressão se referir a

uma combinação de processos, quando, na verdade,

como veremos, há três tipos diferentes de etapas com

uso de forno.

Os “pedaços escurecidos” a que se refere o

romano dão-nos a certeza da fabricação de vidros

soprados durante a sua época: os glóbulos de vidro

derretido, quando retirados do forno enrolados na

cana339

, primeiro têm uma aparência amarelo-

avermelhada e, ao esfriarem, adquirem a coloração

escura (vermelho opaco).

As petroti a que se refere Plínio são

conhecidas, hoje, por grês (stoneware, em inglês), uma

mistura de cerâmica com vidro, possuindo a aparência

final de rocha; ainda é debatido entre os estudiosos

qual seria o grau de conhecimentos dos romanos sobre

essa técnica. Já a menção ao fato de fragmentos de

vidro não poderem ser unidos, mostra o

desconhecimento do autor. Vidros são completamente

fundidos, sem falhas, quando aquecidos à temperatura

correta de trabalho340

.

A composição básica de um vidro, da

Antiguidade até hoje, baseia-se na sílica (cerca de

75%), na soda (18%) e na cal (7%)341

. Diferentemente

dos metais, que ao serem trabalhados sofrem

principalmente mudanças em seus estados físicos, o

vidro é essencialmente a transformação de seus

constituintes em outra matéria.

Quando sólidos, os átomos dos materiais

tendem a se arranjar de maneira bastante regular,

formando uma espécie de rede ou treliça repetitiva. Ao

passarem para o estado líquido, os átomos se arranjam

de modo aleatório e fluido. Os vidros representam um

curioso estágio intermediário nesses processos de

mudanças de estados físicos: são sólidos que têm, em

sua estrutura, um arranjo aleatório típico dos líquidos,

338

John F. Healy, Pliny the Elder on science and technology, pp.

353-354. 339

Haste de ferro pela a qual o artesão sopra o vidro. 340

John F. Healy, Pliny the Elder on science and technology, pp.

352-358. 341

Ver Figura 146.

Page 78: Trabalho - Educação

78

sendo considerados, então, como líquidos

“superesfriados”. A arqueóloga Mônica Ieda Bertelle

em sua dissertação Vidro soprado no Império Romano

pormenoriza essa transformação342

: “Quando a sílica

[dióxido de silício] é aquecida a temperaturas entre

750ºC e 800ºC, na presença de cal e soda ou potassa,

são introduzidos no sistema mais átomos de oxigênio,

rompendo o equilíbrio rígido em que cada átomo de

oxigênio está ligado a dois de silício, que é observado

nas estruturas cristalinas de sílica pura. Os átomos de

oxigênio podem, então, ligar-se a apenas um de silício,

em ligações chamadas não-pontes, que são

estabilizadas eletronicamente pela presença de íons dos

óxidos metálicos de sódio (Na2O) ou óxido de cálcio

(CaO). A continuidade da rede é, desta forma,

quebrada, resultando uma estrutura que é menos fixa,

tornando mais fácil a quebra das ligações, e,

conseqüentemente provocando o abaixamento da

temperatura necessária para liquefazer o sistema de

1500ºC (sílica pura) para aceitáveis 750ºC – 800ºC

(vidro), o que torna a produção de artigos mais

acessível”. Porém, para que não haja problemas como

rachaduras ou tensões interatômicas muito elevadas, a

peça de vidro deve esfriar lentamente, deixando as

moléculas arranjarem-se aleatoriamente, onde

estiverem; a isso se dá o nome de têmpera.

A temperatura de trabalho é fundamental na

fabricação de vidro, pois é ela que rege a viscosidade

do material. A viscosidade é a resistência interna que as

partículas de uma substância oferecem ao

escorregamento de uma sobre as outras; ou seja,

viscosidade é o oposto de fluidez. Quanto mais quente

estiver o vidro, menor será sua viscosidade; quanto

mais frio, maior a viscosidade (Figura 147). Os

artesãos antigos baseavam-se na coloração do vidro

para reconhecer a temperatura e, em conseqüência, o

grau de viscosidade do material: incandescência

vermelha; incandescência laranja; e incandescência

dourada (a temperatura mais elevada). Birgit Schlick-

Nolte e E. Marianne Stern, ao fazerem o estudo da

coleção de vidros antigos de Ernesto Wolf na obra

Early glass of the Ancient world, explicitam os

diversos estágios de temperatura e suas relações com o

trabalho em vidro: dobradura – por volta de 650ºC ou

mais, o vidro consegue ser dobrado com o seu próprio

peso; fusão – vidro consegue se fundir a outro em

735ºC; achatamento – aquecido entre 830ºC e 875ºC, o

vidro começa a perder sua forma original e passa a

sofrer um processo de achatamento, o qual o deixa com

cerca de 70 mm de espessura; amolecimento – em

930ºC, o vidro se torna mole o bastante para ser

puxado e empurrado, ou trabalhado com outras

ferramentas; inflação – o vidro pode ser inflado na

temperatura entre 970ºC e 1020ºC, se o vidro está frio,

mais força será despendida para inflá-lo, se estiver

muito quente, torna-se difícil controlar a bolha;

derretimento – dependendo da composição, a

temperatura para fundição fica em torno de 1050ºC e

1150ºC343

(Figura 148).

342

Página 15. 343

Páginas 22 e 23.

- Coloração:

A coloração do vidro, quando em estado

natural, é verde água, devido à presença de impurezas

de ferro nas substâncias trabalhadas. O artesão, para

conseguir variações nos tons, podia atuar de duas

maneiras: controlar a queima das peças ou acrescentar

minérios triturados à fornada. As impurezas reagem de

formas diferentes de acordo com o oxigênio presente

na queima do vidro: colocar o forno em estado de

redução, ou seja, com pouca entrada de oxigênio,

juntamente com combustível oriundo da madeira verde

estimula a formação dos componentes de ferro e

enxofre contidos nas impurezas344

. A adição de

minérios na frita auxiliava a obtenção de outras

colorações: “Cobre produzia azuis, verdes e vermelhos;

manganês produzia rosas e púrpuras; e cobalto (usado

ocasionalmente no Egito, obtido do Irã ou Ásia Menor)

produzia azuis-escuros. (...) Antimônio combinado com

chumbo produzia amarelo opaco; antimônio mais

cálcio produzia branco opaco. (...) Para obter

colorações claras, as impurezas de ferro tinham de ser

neutralizadas. Os agentes para descolorir mais comuns

na Antiguidade eram o antimônio e o manganês,

adicionados em pequenas quantidades” 345

(Figura

149).

- Fornos:

Segundo a arqueóloga Jennifer Price em seu

capítulo “Glass” da obra Roman crafts, pouco é

conhecido sobre os fornos vidreiros da Antiguidade.

Contudo, acredita-se que os fornos fechados tenham

sido inventados antes do desenvolvimento da técnica

do vidro soprado (século I d.C.), uma vez que, para

esse procedimento, era necessário atingir alta

temperatura.

Os vestígios arqueológicos dos fornos não são

completos, portanto, encontram-se apenas as bases da

estrutura, porém, a decoração de duas lamparinas

iguais, uma descoberta em Ferrara, Itália, e a outra em

Asseria, Dalmácia (região da atual Croácia)346

, nos

mostram o conjunto completo dos fornos romanos e

indicam a existência de uma câmara de recozimento –

tão importante para o resfriamento gradual da peça a

fim de se evitar problemas de tensão e rachaduras

(Figura 150).

A estrutura dos fornos pouco variou do

passado até hoje: uma das representações mais antigas

é a ilustração do monge franco beneditino Rábano

Mauro em sua obra De rerum naturis347

, redigida no

século IX d.C. (Figura 151). O combustível usado

pelos romanos era a madeira principalmente, embora a

destruição das florestas já no fim do século I d.C.

344

Mônica Bertelle, Vidro soprado no Império Romano, p. 13. 345

Birgit Schlick-Nolte e E. Marianne Stern, Early glass of the

Ancient world, pp. 20-21. 346

Importante lembrar o que já foi dito sobre a dinamicidade do

comércio no mundo romano e, principalmente, as explanações

sobre as produções de artigos semelhantes a partir de um mesmo

molde que poderia ser exportado por todas as regiões do Império

(Parte IV). 347

Também conhecida por De universo.

Page 79: Trabalho - Educação

79

obrigasse os artesãos a utilizarem carvão vegetal

quando preciso, como afirma Jennifer Price348

.

Com o forno bem aquecido – para evitar os

inconvenientes já mencionados – iniciava-se o trabalho

de modificação da matéria-prima.

- Trabalhos a quente e a frio:

Retomando as “séries de fornos” mencionadas

por Plínio, a arqueóloga E. Marianne Stern em Roman

mold-blown glass explica os seus usos para fazer a frita

e a fundição: “Durante toda a Antiguidade e Idade

Média, a fabricação de vidro foi um processo de dois

estágios que requeria um forno diferente para cada um.

Primeiro, uma reação de estado sólido entre a sílica e

os álcalis (soda ou potassa) era necessária, mas essa

reação não permitia à massa sofrer derretimento por

causa dos gases que poderiam existir no vidro fundido.

Esse processo é também denominado frita. Após

esfriar, a frita era peneirada e misturada a outros

ingredientes como corantes, descorantes e outros; o

segundo estágio consistia em derreter essa mistura” 349

.

Essa etapa de trabalho não necessariamente tinha de ser

feita pelo artesão que daria à matéria-prima o seu

aspecto final. Era comum o comércio de lingotes e

pedaços grossos de vidro entre produtores e

transformadores. Sendo assim, o vidro passava por um

último forno antes de ser comercializado: o forno

presente na oficina do artesão vidreiro.

Com o vidro em mãos, os artesãos utilizavam

diversas técnicas para o fabrico de objetos. Uma das

mais antigas e populares – embora o vidro soprado

tenha sido o carro-chefe da produção após o século I

d.C. no Império – era a do ajuntamento de nacos de

vidro. O fragmento de um papiro egípcio do século III

d.C. relata350

:

Primeiro, [o vidreiro] aquecia a extremidade do

pontil, então apanhava um pedaço (bolos, em grego) de vidro

brilhante e o posicionava habilmente na abertura do forno. E

o cristal ao provar o calor do fogo era amaciado por batidas

como as de Hefesto... De sua boca partia um rápido sopro...

como um homem ensaiando a mais deliciosa arte da flauta. O

vidro recebia a força de seu sopro a se tornava inchado como

uma esfera (...).

Além do aquecimento do pontil351

para

conseguir apanhar o vidro, este também deveria ser

pré-aquecido na câmara de recozimento a fim de evitar

rachaduras provenientes de seu contato frio com a

haste. À temperatura de amolecimento conseguida por

meio do forno, o vidro podia, então, ser trabalhado com

ferramentas, enrolado e esticado para formar caniços

ou ser soprado (Figura 152).

Outra maneira de se prender os nacos de vidro

ao pontil consistia em segurá-lo sobre o fogo e, com o

auxílio de tenazes, apanhar os pedaços derretidos e

grudá-los à extremidade, como afirmou o poeta da

348

“Glass”, in: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman

crafts, p. 115. 349

Página 23. 350

Apud E. Marianne Stern, Roman mold-blown glass, pp. 36-37. 351

Haste de ferro semelhante à cana.

primeira metade do século II d.C. Mesomedes de

Creta:

O trabalhador corta o vidro e o traz. Ele coloca o

pedaço – duro como ferro – no fogo e o vidro, incandescendo

nas chamas devoradoras, começa a derreter como cera. Para

as pessoas era uma maravilha observar o rastro fluindo do

fogo e o artesão temendo deixá-lo cair e quebrar. Então ele

coloca o naco de vidro sobre as pontas da tenaz.352

As vantagens dessa técnica são: 1) não há

desperdício de vidros que ficam grudados ao cadinho;

2) a temperatura não precisa ser constante, variando de

acordo com a operação realizada; 3) a temperatura

máxima necessitada gira em torno de 940ºC a 970ºC;

ou seja, o trabalho requer menos energia e,

conseqüentemente, menos combustível, trazendo

economia ao artesão.

A modelação sobre o núcleo foi uma técnica

amplamente difundida na Mesopotâmia e no Egito,

tendo exemplares datados desde o século XV a.C.. O

conceito é simples, embora exija a habilidade do

artesão: um núcleo feito com materiais orgânicos353

tais

como grama, folhas e sementes e misturado à argila era

envolvido com panos ou vidros e tinha sua superfície

coberta por vidro fundido. Logo após, o vidro era posto

sobre o núcleo, podendo esse processo se dar das

seguintes maneiras: 1) fragmentos de vidro frio eram

presos ao núcleo e depois o conjunto era aquecido para

derreter a camada superficial; 2) mergulhava-se o

pontil com o núcleo em sua extremidade em vidro

fundido; 3) enrolavam-se fios de vidro sobre o núcleo.

“O núcleo era mantido em rotação pelos movimentos

para frente e para trás do pontil (tubo de ferro no

interior do núcleo) apoiado em uma superfície lisa.

Novas faixas de vidro amolecido podiam ser enroladas,

uma após outra, até se obter a espessura desejada,

sendo seguras pela rotação do núcleo. Quando toda a

superfície já tinha sido recoberta, era consolidada

através de fusão e alisada por rotação sobre uma

superfície lisa” 354

.

A decoração era aplicada com ferramentas

variadas e a peça era deixada para esfriar. Com a

contração do metal, a haste se soltava do gargalo do

objeto e o núcleo era despejado (Figuras 153 e 154).

Outra técnica muito famosa na Antiguidade

era a da modelagem. Utilizando argila principalmente,

o artesão fabricava uma peça escavada no bloco com o

formato do objeto desejado, o molde. Quando seco,

esse molde era queimado para criar rigidez e, antes de

servir ao vidro derretido, era aquecido novamente.

Objetos menores poderiam ser feitos com essa

técnica normalmente. Contudo, quando o artesão

queria fabricar utensílios como jarros e tigelas, deveria

352

Apud Birgit Schlick-Nolte e E. Marianne Stern, Early glass of

the Ancient world, p. 28. 353

A adição de materiais orgânicos permitia certa elasticidade ao

núcleo, evitando tensões entre ele e o vidro durante a

manipulação. 354

Mônica Bertelle, Vidro soprado no Império Romano, pp. 24-

25.

Page 80: Trabalho - Educação

80

trabalhar um pouco mais em seu molde. Quando

vasilhas eram feitas, por exemplo, despejava-se vidro

quebrado no molde de argila pré-escavado e depois se

levava tudo ao forno; quando esfriado, o artesão

quebrava o molde e, com a ajuda de um furador,

tornava oco o interior sólido da peça (Figura 155).

Porém, para contornar o problema de se criar peças

ocas e com paredes finas, os artesãos tiveram de

recorrer ao método empregado na metalurgia: a cera

perdida – derretia-se o vidro e despejava-o no espaço

existente entre as duas paredes do molde. A principal

característica dessa técnica é a ausência de brilho na

superfície do artefato.

Os moldes também eram usados com a pasta

vítrea: o vidro “opaco azulado ou esverdeado era

triturado e pulverizado, sendo então misturado a

líquido adesivo formando uma pasta grossa que podia

ser modelada como argila, e depois queimada” 355

. Os

moldes serviam, pois, como base de apoio ao objeto:

pressionava-se a pasta vítrea contra sua superfície para

que adquirisse forma356

. A pasta também podia ser

modelada livremente, para se fabricar contas e

amuletos, por exemplo.

Graças à maleabilidade do vidro quando

aquecido, facilmente se obtinham fios de sua

estrutura357

. Esses caniços eram muito usados para a

fabricação de mosaicos dos mais diversos tipos. A base

do processo é juntar duas ou mais cores em um mesmo

fio que, ao ser seccionado, apresenta um mosaico já

pronto. Para tanto, os artesãos aplicavam pequenos fios

de vidro sobre a superfície de uma massa de vidro que

serviria como núcleo (Figura 156), ou então, acontecia

a sobreposição de um pontil com vidro em forma de

cone sobre outro, de cor diferente, sendo o conjunto,

depois, rolado sobre alguma superfície lisa para melhor

junção das camadas (Figura 157) 358

. Igualmente, o

mosaico era obtido enrolando-se um núcleo sobre uma

placa de vidro, como um rocambole; o desenho desse

tipo de mosaico seria espiralado (Figura 158). Por fim,

formando um cilindro a partir da união de outros

cilindros menores conseguia-se um composto de

caniços, similar a alguns trabalhos feitos com biscuit

atualmente, onde o estreitamento das extremidades do

conjunto dita o tamanho da secção a ser trabalhada

(Figura 159).

- Vidro soprado:

A maioria das técnicas acima descritas foi

suplantada no século I d.C. com o surgimento do vidro

soprado. O uso da cana para inflar vidros chegou ao

Império Romano através do Oriente Próximo, mais

precisamente na região da Síria e da Palestina. As

evidências arqueológicas demonstram que os primeiros

tubos de sopro eram feitos em argila e, somente com o

355

Ibidem, p. 40. 356

Do mesmo modo, podia colocar-se um disco de vidro

aquecido sobre um molde e torneá-lo, com a ajuda de

ferramentas para darem o desenho e o acabamento à peça. 357

Conhecidos por millefiori. 358

Birgit Schlick-Nolte e E. Marianne Stern, Early glass of the

Ancient world, pp. 55-57.

aperfeiçoamento do fabrico em ferro, este material

passou a ser utilizado também em larga escala. Birgit

Schlick-Nolte e E. Marianne Stern pormenorizam

muito bem a fabricação e a utilização das canas359

:

“Tubos de argila queimados em altas temperaturas são

mais propensos a quebraduras do que os cozidos em

baixa temperatura, porque estes têm maior elasticidade

e, por conseguinte, respondem melhor às altas

temperaturas necessárias para inflar o vidro.

Diferentemente dos tubos de metal, os de argila tinham

de ser curtos, cerca de 30 a 60 cm, a fim de haver força

elástica o suficiente para agüentar o peso do vidro na

extremidade. (...) Há muitas diferenças entre inflação

com canas de metal e com canas de cerâmica. A mais

significativa reside na fricção do conjunto tubo-vidro

contra a superfície lisa: a pressão pode quebrar a cana

de cerâmica”.

Restava, pois, ao artesão, manejar habilmente

a cana com o pedaço de vidro em sua ponta, soprando e

trabalhando a força centrífuga do tubo a fim de se obter

a forma do vidro desejada (Figura 160).

A técnica do vidro soprado se aperfeiçoou

muito no mundo romano, mas a produção em massa,

como a ocorrida no século I d.C. nos diversos setores

artesanais, obrigou os artesãos a adaptarem o molde à

fabricação de vidro soprado. Os moldes, porém,

apresentavam um problema: ao contrário da cerâmica,

o vidro costumava grudar nas paredes do molde

fechado, pois não se contraía quando seco, o que o

impedia de soltar-se. Evita-se esse inconveniente se se

retirar o vidro rapidamente do molde, logo após inflá-lo

(ação feita verticalmente pelo artesão com o auxílio da

cana)360

.

Foi o que os artesãos romanos fizeram.

Contudo, o molde passou a ser fabricado especialmente

para essa tarefa, sendo dividido em duas ou mais partes

que, juntas, formavam o quebra-cabeça do molde da

peça. O molde deveria ser resistente o bastante à

temperatura do vidro quente, por isso, geralmente era

feito em argila cozida, embora existam exemplares em

gesso, rocha, madeira e metal. Dois pontos devem ser

ressaltados sobre a produção e o uso de moldes, como

diz E. Marianne Stern: “O primeiro é fechar muito bem

o molde ao redor da bolha soprada antes de ela se

expandir e o segundo é abrir o molde rapidamente após

o vidro ser soprado. Esses pontos afetam o número e o

posicionamento das secções e requer a construção de

travas para prevenir que o vidro extravase o molde com

a pressão do sopro. (...) As partes dos moldes deveriam

ter alças para facilitar a sua remoção depois de o vidro

estar expandido” 361

.

Os arqueólogos, ao examinarem séries de

vidros do mesmo formato, deparam com a sutil

mudança no tamanho das peças: elas ficam menores.

Isso é explicado pelo uso constante dos moldes:

pequenas porções de vidro iam se acumulando nas

paredes e nas bases dos moldes e, quando estes

quebravam, um novo era confeccionado a partir de uma

das peças feitas, diminuindo seu tamanho. Outra

característica que se nota é a deformidade em muitos

359

Ibidem, p. 83. 360

Ver Figura 161. 361

Roman mold-blown glass, p.47.

Page 81: Trabalho - Educação

81

objetos advinda da concentração de cristais de vidro

presos às junções das partes do molde362

(Figura 162).

O vidro depois de soprado – em molde ou não

– estava apto a receber a decoração e/ou o restante de

seu conjunto (alças, pescoços, bordas e bases).

Comumente, os vidros soprados em moldes já saíam da

forma com a decoração desejada, bastando apenas fazer

as bordas (Figura 163).

Segundo Robert James Forbes em seu quinto

volume da coleção Studies in the Ancient technology,

há três técnicas principais de decoração em vidros363

:

1) uso de ferramentas enquanto o vidro está quente; 2)

entalhamento e pintura em vidros frios; 3) aplicação de

traçados de vidro quando está quente. As ferramentas

utilizadas pelos artesãos sobre os vidros ainda em

temperaturas altas consistiam em pinças para puxões e

mandris para cortes, empurrões e alisamentos; com elas

se aplicavam bordas, puxadores e arestas por meio de

pressionamento da superfície do vidro364

. Pescoços e

alças poderiam ser feitos com ferramentas, puxando-se,

porém, é mais provável que peças feitas em moldes

separados dominassem a produção em massa: a junção

das partes distintas se dava com todas elas aquecidas.

Isso também valia para a aplicação de relevos e

adornos na superfície do vidro.

A decoração em vidros que não estivessem

quentes era praticamente a mesma usada com trabalhos

a frio. Como já foi dito, trabalhadores podiam fabricar

lingotes de vidro e vendê-los aos artesãos que os

transformariam; no caso do vidro frio, o artesão

comprava um bloco de vidro do tamanho que desejava

e trabalhava sobre ele, com ferramentas de corte e

entalhe, em uma operação muito semelhante à dos

escultores de rochas. Toda a obra era fabricada de uma

única peça original, deixando claro o quão hábil

deveria ser a pessoa que o manipulasse. Para a

decoração em objetos já frios, as técnicas eram as

mesmas: perfuração, corte, desgaste e polimento.

Perfurava-se o interior da peça a fim de se criar o local

de armazenamento do recipiente; o furador era usado

verticalmente, atacando o bloco maciço. Com a ajuda

de entalhadores e cinzéis, a superfície do vidro ganhava

gravuras. Também poderia receber os adornos quando

posto sobre um torno: cortes e enfeites contínuos como

listras tornam-se mais fáceis de serem feitos dessa

maneira, e deixam marcas visíveis da rotação do torno

em sua superfície. O polimento ocorria, igualmente, no

torno, com uso de abrasivos.

Terminada, a peça de vidro estava pronta para

ser comercializada (Figura 164).

362

Mônica Bertelle, Vidro soprado no Império Romano, pp.66-

67. 363

Página 175. 364

Jennifer Price, “Glass”, in: Donald Strong e David Brown

(eds.), Roman crafts, p. 122.

Page 82: Trabalho - Educação

82

Conclusão

Como o próprio título explicita, o tema central

de nosso trabalho foi a plebe romana, mais

especificamente, a urbana. Pensou-se na abordagem

panorâmica sobre essa questão, tratando de alguns

aspectos que achamos serem profícuos para o estudo

dessa categoria da sociedade romana. Antes de nos

atermos aos produtos, focamos os produtores.

A importância de se analisar quem eram os

plebeus, suas origens, seus embates políticos, suas

moradias e seus ofícios é crucial para o entendimento

do planejamento – ou adaptação – das cidades antigas.

Vimos de que maneira Roma teve de se “reformular

internamente” durante e após a Segunda Guerra

Púnica: o inchaço populacional, aliado às políticas

populares para melhoria da condição de vida em troca

de alistamento militar, estabeleceu a necessidade de

resolução sobre a distribuição espacial. Os bairros de

Roma tornaram-se, com o decorrer dos anos,

amontoados de gentes trabalhando e sobrevivendo. Por

maior que tenha sido a preocupação do Senado em

tentar manter seu domínio sobre a população, foi

inevitável o surgimento de forças paralelas entre os

plebeus, que acabaram por atuar significativamente na

política e economia romanas: grupos de partidários se

faziam presentes em épocas de eleições e

salvaguardavam – por vezes, fisicamente – as figuras

de seus contratantes, pertencentes à elite da sociedade.

Também cabia a essas administrações locais a

repartição dos alimentos; contudo, em momentos de

carência, a alimentação – deficiente do ponto de vista

nutricional – era passível de manipulação política e

aqueles que, de alguma maneira, conseguiam sanar a

plebe, caíam nas graças da população.

População essa que possuía sua maior

porcentagem constituída de plebeus, libertos e escravos

e que foram os grandes responsáveis pela produção

material que hoje a Arqueologia escava. Depois de

traçar as características mais humanas da camada

social, objeto de nossa análise, iniciamos o trabalho

pormenorizado de explicitar as técnicas empregadas na

fabricação de moradias e artefatos diversos. Se

havíamos discorrido sobre a distribuição espacial

urbana em um primeiro momento, fez-se necessário,

agora, observar como eram formadas as unidades de

moradia, as suas superestruturas e seu conteúdo

interno. O porquê do estudo foi mostrar as

possibilidades de residir e trabalhar em um mesmo

local e como isso poderia gerar renda aos que locavam

cômodos em sua domus, por exemplo. Aqueles que não

possuíam meios de arcar com o aluguel de um pequeno

anexo na casa de um rico, deviam labutar em suas

próprias moradias, as insulae, transformando-as, ao

mesmo tempo, em uma oficina para confecção de

artesanatos ou uma taberna para venda de alimentos e,

ao cair da noite, em um espaço familiar comum, onde

conviviam e descansavam.

Seguindo nossa tentativa de adentrar o

máximo possível na categoria dos artesãos plebeus

romanos, buscamos entender quem eram os artesãos e

como as fontes textuais legadas até nós os tratavam.

Para tanto, um amplo levantamento dos textos

redigidos pelos romanos antigos foi realizado a fim de

nos trazer melhor compreensão sobre os temas

analisados. A sociedade romana foi extremamente

frutífera no campo da escrita e essa característica

jamais deve ser esquecida, sem hierarquizar, então, o

documento material sobre o textual. Temos de estar

cientes das especificidades de cada uma, fontes textuais

e materiais.

Os textos são essencialmente subjetivos.

Escritos sempre com algum propósito – mesmo que

esse não seja o de deixar para a posteridade as palavras

redigidas (como é o caso de documentos quantitativos,

fiscais) –, os textos estão imersos em uma carga

ideológica que, por sua vez, está atrelada ao contexto

histórico de quem os escreveu; ou seja, as fontes

textuais possuem um objetivo claro do porquê de serem

feitas, são interpretações, pontos de vistas. Devido a

esse caráter, o trabalho literário é representativo de sua

cultura produtora, refletindo aspectos sociais, políticos

e econômicos. As fontes textuais antigas não são

indiferentes a isso: os autores romanos, pertencentes à

elite, redigiram com o claro propósito de defesa de um

argumento. Porém, o principal problema está na

maneira em que esses documentos chegaram até nós:

diversos foram os filtros pelos quais passaram, desde

fragmentação física a interpolações oriundas dos

séculos posteriores. Os estudiosos se debruçam sobre

essa problemática a fim de estabelecer a autenticidade

dos textos à qual devemos sempre estar atentos. No

entanto, o historiador e arqueólogo precisa saber lidar

com essa questão, trabalhando com parcimônia,

justamente para não permitir a valorização de uma

fonte documental em detrimento de outra por causa de

sua característica ideológica ou filtros seculares. O

arqueólogo que estuda sociedades possuidoras de

escrita alfabética deve, também, se ater aos textos

existentes produzidos pelo seu objeto de análise,

buscando entender sua cultura, na concepção mais

ampla do termo (política, social e economicamente).

As fontes materiais, por sua vez, estão menos

sujeitas aos filtros do tempo, sofrendo mais

modificações graças aos processos de formação

arqueológicos (geológicos ou de trabalho humano

sobre a terra) do que modificações claramente físicas.

Assim como os textos, a cultura material está inserida

em um contexto histórico que sempre irá ditar as

normas de sua produção: importações, exportações,

motivos, decorações, matérias-primas, moldes, técnicas

de produção, tudo faz parte das características de um

determinado período em uma determinada localidade.

Os homens produzem sua materialidade com

propósitos claros, indo de objetos utilizados para a

alimentação até a elevação de altos edifícios. E

também, como no caso dos textos, utilizam a cultura

material com valor ideológico, muitas vezes

distinguidor entre as camadas de uma sociedade, sendo

o uso de alguns objetos exclusivos a apenas um seleto

grupo de pessoas, por exemplo. Semelhantemente às

fontes textuais, caberá ao pesquisador a escolha dos

documentos materiais com os quais irá trabalhar;

estando ele próprio inserido no contexto histórico de

sua contemporaneidade.

Tendo precaução, então, com a carga

ideológica presente em autores romanos antigos como

Cícero, Tito Lívio, Sêneca e Suetônio, por exemplo,

Page 83: Trabalho - Educação

83

utilizamo-nos de seus escritos para esclarecer o

contexto histórico da população de Roma. A leitura das

entrelinhas, por assim dizer, é fundamental para

ressaltar as particularidades que desejamos, ou seja,

muitas propriedades da plebe romana e a sua relação

com a elite dominante podem ser obtidas a partir da

leitura das fontes: é o caso dos embates políticos entre

as classes (Apiano), dos conflitos armados entre grupos

de partidários (Salústio e Plutarco), e do uso político da

distribuição de alimentos (Suetônio e Augusto), para

mencionar alguns casos. Quando explanamos o

cotidiano da cidade de Roma é imprescindível ler as

obras daqueles que viveram todos os problemas

advindos de uma falta de planejamento urbano mais

cuidadoso; assim, temos os valiosos relatos de Juvenal

e Marcial, poetas satíricos que tão bem nos passaram a

imagem caótica do dia-a-dia romano, com suas ruas

estreitas e insalubres, com artesãos vendendo seus

produtos entre carros de transporte de mercadorias.

Ao tratar das técnicas de construções romanas,

entendemos a fragilidade dos materiais utilizados na

elevação de moradias a partir de Tácito, narrando o

grande incêndio no governo de Nero, devastador de

residências construídas com materiais inflamáveis.

Também foi possível confrontar os vestígios materiais

com o tratado de arquitetura redigido por Vitrúvio. Sua

obra tem tamanha influência que, ainda hoje, é base

para os estudiosos dessa área de conhecimento. O

arquiteto de Augusto explicitou as características

necessárias para se erigir monumentos e moradias,

deixando claro em sua obra a urgência da construção

de edifícios em altura para tentar solucionar os

problemas do aumento demográfico ocorrido na urbe

em sua época.

No campo do artesanato em si, o autor de

maior destaque é Plínio, o Velho. Sua contribuição é de

leitura obrigatória para quem pretende entender o

conhecimento que os romanos tinham da natureza ao

seu redor, dos seus usos diversos. A influência de

Plínio marcou toda a Idade Média, como podemos

notar no texto do monge Teófilo do século XII d.C., o

qual mantém a descrição da fabricação de vidro muito

semelhante à do romano antigo, mostrando-nos que

Plínio relatou de maneira verossímil o conjunto de

produção tecnológica de sua época. Contudo, se a

superestrutura das fabricações é correta, deve-se ter

precaução com a leitura mais específica, quando o

autor narra pormenores da composição dos materiais

feitos. Obviamente, muitos dos conhecimentos sobre

metais, por exemplo, só foram conhecidos tardiamente,

com o aperfeiçoamento das técnicas laboratoriais e não

podemos negar que Plínio comete deslizes ao afirmar

determinadas proporções de minérios utilizados em

amálgamas: por meio das fontes materiais, constata-se

que os artesãos possuíam, dentro do possível a sua

contemporaneidade, entendimentos muito específicos

que diferem daquilo escrito por Plínio.

Dessa forma, ressaltamos a importância da

leitura atenta das fontes textuais antigas e a riqueza de

informações que nos apresentam. Sendo que esses

entendimentos oriundos dos escritos devem sempre ser

confrontados com a Arqueologia, tão rica de

informações materiais sobre o mundo do artesanato

(foco de nosso trabalho). Ao fazermos isso, reparamos

nitidamente que os dados literários espelham as visões

da elite, que não são as melhores sobre a figura do

artesão e menosprezam qualquer trabalho manual

(principalmente o que não esteja ligado à terra), por

isso, a arqueologia preenche as lacunas deixadas sobre

o cotidiano dessa plebe. E os vestígios são abundantes.

Felizmente, a cultura popular romana era forte o

suficiente na sociedade para sobreviver ao desprezo

senatorial e eqüestre, permitindo aos arqueólogos

encontrarem muitas inscrições parietais e testemunhos

do dia-a-dia, desde placas com preços de alimentos a

declarações de amor.

Mas o maior número de vestígios do mundo

romano e de sua plebe advém da cultura material

produzida nas oficinas de artesanato. Assim sendo,

centramos a maior parte de nosso trabalho sobre a

questão de como foram fabricados esses objetos. Uma

indagação que se mostrou mais ampla do que o simples

fabrico manual de um vaso, no entanto: o mundo

material romano era extremamente dinâmico, refletindo

exportações, importações e adaptações das mais

variadas. Um artefato da região palestina poderia muito

bem cair no gosto dos italianos e, assim, serem

copiados os seus modelos; solução criativa, também,

era o artesão vender cópias, em argila, de objetos mais

caros, feitos em metal ou vidro, tornando viável um

plebeu pobre ter uma imitação de um artesanato

esteticamente desejado. Tendo em mente o complexo

sistema de produção artesanal da Antiguidade romana,

optamos por separar a explanação das técnicas a partir

das matérias-primas principais empregadas em cada

uma.

Começamos pela argila, cujo artesanato,

especialmente o vasilhame cerâmico, é abundante nos

registros arqueológicos. A análise dos vestígios

esclarece o grau de conhecimento técnico que os

artesãos romanos tinham sobre o longo e trabalhoso

preparo da argila, a modelagem livre ou em tornos, o

uso de moldes, a construção de fornos, a queima das

peças e a utilização de verniz.

Inserida no contexto de aumento demográfico

na orla do Mediterrâneo entre os séculos I a.C. e I d.C.,

a metalurgia também alcançou quantidades expressivas

de objetos fabricados. Chamou-nos a atenção o

cotidiano dos mineiros descrito por Plínio e Vitrúvio,

fazendo com que dedicássemos algumas palavras sobre

os perigos das minas e, principalmente, os meios de

extração e refinamento dos minerais, parte tão essencial

para o trabalho correto com metais. Esse estudo dá

mostras da rede de comércio na Antiguidade Clássica,

uma vez que as minas, geralmente, ficavam distantes

dos centros manufatureiros, obrigando a transformação

de minerais em lingotes ali mesmo, no campo de

extração. O artesão, na cidade, comprava essa matéria

bruta e realizava uma segunda transformação, dando

forma a objetos de ferro, bronze, prata e ouro, por meio

de fusões, moldes e modelagens a frio. Os artesanatos

serviam de base à vida dos romanos e podiam ser desde

simples utensílios de cozinha até ornamentos luxuosos

que a elite poderia carregar consigo sempre. Os vidros

também se popularizaram no período citado, sendo,

muitas vezes, alternativas aos objetos de cerâmica e

metal; tendo sido enorme a contribuição dos romanos,

especialmente nas técnicas de fabricação com o

aperfeiçoamento do uso da pasta vítrea e o

desenvolvimento do vidro soprado em moldes, fato que

Page 84: Trabalho - Educação

84

tornou a produção em série mais eficiente, tendo em

vista a enorme demanda desse vasilhame.

Assim, pode-se notar que a estruturação de

nosso trabalho foi pensada para ser uma via dupla de

entendimento sobre a plebe urbana romana. Pode-se

partir do macro, ou seja, da pessoa do plebeu (com

todas as características explanadas ao longo da

análise), para o micro, a produção de uma simples

taça em cerâmica, metal ou vidro. A recíproca é

verdadeira, indo-se do micro, daquilo que é

encontrado em campo escavado pelo arqueólogo, ao

macro, o grupo dos produtores desses vestígios. Desse

modo, intentamos contribuir para um conhecimento

em conjunto da heterogeneidade, vida e trabalho da

plebe urbana. Se conseguimos deixar o mais claro

possível o dinamismo existente no mundo da

produção artesanal romana, ou seja, a vida e as

instalações dos plebeus pela orla do Mediterrâneo,

além das técnicas que continuamente eram absorvidas

e exportadas pelas diversas regiões do Império,

movimentando suas economias, cremos ter alcançado

nosso objetivo inicial.

Page 85: Trabalho - Educação

85

Fontes e Bibliografia

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Figuras

Figura 1

Hispânia e África.

In: H. H. Scullard, A History of the Roman World: from 753 to 146 B.C.. London : Methuen, 1951.

Page 92: Trabalho - Educação

92

Figura 2

Uilla.

In: Maria Luzia Corassin, A reforma agrária na Roma antiga, p. 19.

Figura 3

Roma Arcaica.

In: Frank Kolb, La ciudad en la antigüedad, p. 143.

Page 93: Trabalho - Educação

93

Figura 4

Colônias Marítimas.

In: Paul Zanker, “The City as symbol: Rome and the creation of an urban image”, JRA: 38, p. 26.

O perímetro retangular é típico das cidades fundadas por Roma. Note também a simetria no traçado das ruas, característica hipodamiana herdada

dos gregos.

Figura 5

Estrada atravessando as cidades.

In: Paul Zanker, “The City as symbol: Rome and the creation of an urban image”, JRA: 38, p. 27.

O destaque da Via Emilia na figura foi feito pelo autor deste trabalho.

Page 94: Trabalho - Educação

94

Figura 6

Uillae ao longo das vias.

In: Paul Zanker, “The City as symbol: Rome and the creation of an urban image”, JRA: 38, p. 32.

Figura 7

Estrada principal atravessa a área do Capitólio.

In: Paul Zanker, “The City as symbol: Rome and the creation of an urban image”, JRA: 38, p. 28.

Page 95: Trabalho - Educação

95

Figura 8

Anfiteatro adaptado à cidade.

In: Paul Zanker, “The City as symbol: Rome and the creation of an urban image”, JRA: 38

Figura 9

Entrada da Domus Aurea.

In: Wiki Classical Dictionary: http://www.ancientlibrary.com/wcd/Domus_Aurea

Page 96: Trabalho - Educação

96

Figura 10

Estátua de uma Musa no interior da recém re-aberta Domus Aurea, em Roma.

In: Wikipedia, foto por Howard Hudson (Fev. de 2007): http://en.wikipedia.org/wiki/Image:Da_statue_hh.jpg

Figura 11

Comparação de tamanhos dos tijolos romanos.

In: Peter Connolly & Hazel Dodge, The ancient city, p.138.

Figura 12

Opus craticum (“obra engradada”): uma estrutura de madeira preenchida com pedregulhos e argamassa. Uma solução barata, mas

notoriamente inflamável.

In: Peter Connolly & Hazel Dodge, The ancient city, p.138.

Page 97: Trabalho - Educação

97

Figura 13

Fundação de um edifício. Camadas de concreto entre alicerce de madeira.

In: Peter Connolly & Hazel Dodge, The ancient city, p.139.

(A) (B)

(C)

Figura 14

(A) Opus incertum; (B) Opus reticulatum; (C) Opus testaceum.

In: Peter Connolly & Hazel Dodge, The ancient city, p.139.

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98

Opus reticulatum Opus testaceum

Opus mixtum Opus vittatum

Figura 15

Técnicas de construções de muros romanos.

In: Ostia: harbour city of ancient rome, http://www.ostia-antica.org/dict/topics/glossary.htm

Figura 16

Frente e costa de uma telha (tegula) e uma telha semi-cilíndrica (imbrex), usada para cobrir a junção entre as tegulae (“telhas”).

In: Peter Connolly & Hazel Dodge, The ancient city, p.139.

Page 99: Trabalho - Educação

99

Figura 17

Hipogeu de Trebius Justus, século IV d.C., Roma.

Embora de um período tardio, esse mural nos apresenta uma cena cotidiana do trabalho nas construções de monumentos e/ou

residências, exibindo as técnicas da época para a construção de andaimes (em madeira) e de alvenaria (provavelmente opus

testaceum), além das ferramentas de mão (espátula) e o transporte de tijolos em cesta, sobre o ombro.

In: Peter Connolly & Hazel Dodge, The ancient city, p.139.

Figura 18

Átrio Toscano,Casa de Salústio II a.C., Pompéia.

In: Virtual Roma, http://www.vroma.org

Figura 19

Átrio Tetraslito, Casa das Bodas de Prata, II a.C., Pompéia.

In: Dartmouth College, http:// www.dartmouth.edu/~classics/rome2005

Page 100: Trabalho - Educação

100

Figura 20

Átrio Coríntio. Casa de Epidius Rufus, II-Ia.C., Pompéia.

In: Virtual Roma, http://www.vroma.org

Figura 21

Átrio Duas Águas (Despluviado), modelo encontrado em Clusium.

In: I. M. Barton (ed.), Roman domestic buildings, p. 40.

Figura 22

Implúvio e cisterna (puteal). Casa de Júlio Políbio, II a.C., Pompéia.

In: The Stoa Consortium, http:// www.stoa.org

Figura 23

Sistema de drenagem da água do implúvio para a cisterna.

In: Peter Connolly & Hazel Dodge, The ancient city, p.137.

Page 101: Trabalho - Educação

101

Figura 24

Lararium no canto do átrio. Casa de Menandro, III a.C., Pompéia.

In: John R. Clarke, The houses of roman Italy: 100 B.C. – A. D. 250, p. 11.

Figura 25

Janela com grade de ferro, Herculano.

In: Simon P. Ellis, Roman Housing, lâmina.

Page 102: Trabalho - Educação

102

(A)

(B)

Figura 26

Casa de Treliça, I d.C., Herculano. (A) Vista externa; (B) Detalhe do opus craticum.

In: Virtual Roma, http://www.vroma.org

Page 103: Trabalho - Educação

103

Figura 27

Planta de uma domus. 1) fauces; 2) taberna; 3) atrium; 4) impluuium; 5) tablinum; 6) hortus (“jardim”); 7) triclinium; 8) ala; 9)

cubiculum.

In: http://home.att.net/~b.b.major/itdomus3.jpg

(A)

(B)

Figura 28

Mapa de Óstia imperial mostrando os quarteirões estudados (A). Em (B), o detalhe do quarteirão 3, no qual aparecem as unidades

arquiteturais/residenciais, as insulae, indicadas na figura pelos números menores.

In: American Journal of Archaeology (AJA), vol. 105, nº 3, 2001, pp. 391 e 394.

Page 104: Trabalho - Educação

104

Mesa de bronze e mármore Mesa de mármore com apoios decorados.

com uma perna. Pompéia. Pompéia.

Mesa circular de madeira. Divã de madeira (carbonizado).

Herculano. Herculano.

a) pote de bronze e base de ferro a; b; c) jarros de vidro coloridos

b) pote de bronze c) grelha de ferro d) porta-ovo de prata e) copo de prata

d; e) potes de terracota f) panela de bronze f) panela de bronze g) prato de prata

g) concha de bronze h) coador de bronze h) colheres de prata i) vasilha de prata

Figura 29

Artesanatos utilizados em casas romanas.

In: Peter Connolly & Hazel Dodge, The ancient city, pp. 145; 147; 148.

Page 105: Trabalho - Educação

105

Figura 30

Cena cotidiana da plebe moradora das insulae. No térreo, as tabernae, e a fonte de água (lacus).

In: Peter Connolly & Hazel Dodge, The ancient city, p.135.

Figura 31

Planta da insula Arriana Polliana. É possível perceber claramente o acréscimo de cômodos ao redor da domus, que ocupa o eixo

central da estrutura.

In: Journal of Roman Archaeology (JRA), nº 22, 1997, p. 167.

Page 106: Trabalho - Educação

106

(A)

(B)

(C)

Figura 32

(A) Alimentos encontrados em Herculano, intactos; (B) Forno de Sextus Patulcus Felix e seu detalhe (C).

In: Joseph Jay Deiss, Herculaneum. Italy’s buried treasure, pp. 122; 124-125.

Page 107: Trabalho - Educação

107

Figura 33

Lanchonete.

In: Joseph Jay Deiss, Herculaneum. Italy’s buried treasure, p. 121.

Figura 34

Pormenorização de um conjunto de insulae. Tabernae no térreo.

In: Peter Connolly & Hazel Dodge, The ancient city, p.142.

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108

Figura 35

Figura em vaso ático de um torno sendo girado manualmente por um aprendiz.

In: Carl Roebuck (ed.), The muses at work, p. 123.

Figura 36

Dois tipos de tornos usados pelos romanos.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 76.

Figura 37

Marcas internas no pote denotam o sentido anti-horário de rotação do torno.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 76.

Page 109: Trabalho - Educação

109

Figura 38

Método de limpeza da argila.

Figura 39

Marcas de dedos no pote, mostrando onde foi segurado quando mergulhado no verniz.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 83.

(A)

(B)

Figura 40

(A) Vista completa de um forno com câmara de queima oval, século IV d.C. (B) Fornos experimentais feitos por Geoffrey Bryant

após a queima.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, pp. 84 e 90.

Page 110: Trabalho - Educação

110

Figura 41

Tipos de lamparinas.

In: H. B. Waters, History of Ancient Pottery, pp. 25-26.

(A) (B) (C)

(D)

Figura 42

(A) Duas visões de um arquétipo básico. (B) Escrita cursiva em arquétipo de argila, séc. II d.C, Cnido. (C) Estampa do nome do

artesão em um arquétipo italiano de argila, séc. II d.C. (D) Arquétipo de argila ateniense, séc. I a.C.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, pp. 94-95.

Page 111: Trabalho - Educação

111

(A)

(B)

Figura 43

(A) Molde de argila da parte de baixo de uma lamparina ateniense, I-II d.C. (B) Molde prensado da parte superior de uma

lamparina de Éfeso, séc. I a.C.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, pp. 97-98.

Figura 44

Marcas no molde mostram a maneira correta de se unir as duas partes da lamparina.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 98.

Figura 45

Marca de forno na base de uma lamparina.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 100.

Page 112: Trabalho - Educação

112

Figura 46

Lamparinas descartadas de Éfeso, I-II d.C.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 101.

Figura 47

À esquerda, lamparina italiana; à direita, cópia cipriota. Ambas da segunda metade do século I d.C.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 102.

(A) (B)

(C) (D)

Figura 48

(A) Cunhagem da argila.

(B) Centralizando a argila no torno em movimento.

(C) Buraco central é feito.

(D) O objeto toma seu contorno final.

In: Carl Roebuck (ed.), The muses at work, pp. 126-127.

Page 113: Trabalho - Educação

113

Figura 49

Cordão corta o objeto da base do torno.

In: Carl Roebuck (ed.), The muses at work, p. 130.

Figura 50

Detalhe da curvatura em espiral deixada pelo cordão.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 77.

Figura 51

Colocação do pé e da alça do vaso.

In: Carl Roebuck (ed.), The muses at work, p. 128.

Page 114: Trabalho - Educação

114

(A)

(B)

Figura 52

(A) Exterior e interior da junção de um pescoço com duas asas a um corpo de garrafa.

(B) Garrafas e um frasco de Chipre. Os pescoços finos são feitos separadamente e adicionados ao corpo.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 88.

Figura 53

Duas visões de um punção de argila com figura feminina, de Arezzo. À direita, a alça para segurar o molde.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 78.

Page 115: Trabalho - Educação

115

Figura 54

Visão externa e interna de um molde de argila com relevos prensados.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 79.

Figura 55

Fragmento de uma cerâmica aretina com a cabeça da figura deformada por má secagem no molde.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 80.

Figura 56

Potes cerâmicos coloridos e com decoração em barbotina, sécs. I-IV d.C.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, lâmina VI.

Page 116: Trabalho - Educação

116

Figura 57

Appliqué de cabeça de leão em pote cerâmico, Gália central, II d.C.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 81.

Figura 58

Marcas de rolo estampadas na superfície da tigela do leste gaulês.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 81.

Figura 59

Estampa rolada em uma tigela de Trier, IV d.C.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 82.

Page 117: Trabalho - Educação

117

Figura 60

Estampa da figura de um monograma Chi-Rho, Egito.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 82.

Figura 61

Dolia enterradas, Óstia.

In: http://www.leicatime.com/OstiaAnticaDoliumInterrSevSmall.jpg

Figura 62

Etapas de fabricação de uma ânfora.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 89.

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118

(A)

(B)

Figura 63

Poço de Laurion, Grécia.

In: John F. Healy, Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, p. 92.

Galeria superior

Galeria inferior

Figura 64

Galeria situada em Carmarthen, País de Gales. Sua extração minerária começou no século I d.C.

In: John F. Healy, Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, pp. 104-105.

Page 119: Trabalho - Educação

119

Figura 65

Parafuso de Arquimedes, séc. I d.C., encontrado em Sotiel Coronada, Portugal.

In: John F. Healy, Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, p. 109.

Figura 66

Seção do Parafuso de Arquimedes. El Centenillo, Espanha.

In: John F. Healy, Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, p. 110.

Figura 67

Pormenor do Parafuso de Arquimedes.

In: John F. Healy, Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, p. 110.

Page 120: Trabalho - Educação

120

Figura 68

Terracota alexandrina da época ptolomaica. O escravo faz o parafuso girar com os pés; o fato de não estar inclinado é

provavelmente devido ao desconhecimento da técnica por parte do artesão. Londres, Museu Britânico.

In: John F. Healy, Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, p. 16.

(A)

(B)

Figura 69

Roda hidráulica. (A) Reconstrução da roda da mina de ouro de Dolaucothi, no País de Gales. (B) Planta da roda encontrada em Rio

Tinto, Portugal.

In: John F. Healy, Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, pp. 112-113.

Page 121: Trabalho - Educação

121

Figura 70

Baixo relevo de Palazuelos. Grupo de mineiros.

In: Site da Universidad de Granada. www.ugr.es/~arqueol/docencia/doctorado/ArqyT/Imagenes/Imags2/cArboled/Arboled4.jpg.

Acessado em 28/12/2007.

(A)

(B)

Figura 71

(A) Mesa de lavagem, em parte restaurada, de Agrileza, Laurion; (B) Cisterna próxima à mesa de lavagem.

In: John F. Healy, Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, pp. 184-185.

Page 122: Trabalho - Educação

122

Figura 72

Aparelhagem de lavagem de Laurion (planta).

In: John F. Healy, Miniere e metallurgia nel mondo greco e romano, p. 187.

Figura 73

Vulcano forjando a armadura de Aquiles. Afresco, Palazzo Ducale, Mantua.

In: http://www.kunstkopie.de/a/romano-giulio/vulcan-forging-the-armour.html.

Acessado em 28/12/2007.

Page 123: Trabalho - Educação

123

Figura 74

A forja de Vulcano. Óleo sobre tela, Museu do Prado, Madri.

In: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/9/9d/La_fragua_de_Vulcano_1630_Vel%C3%A1zquez.jpg

Acessado em 28/12/2007.

Figura 75

Fornos sem escoamento da escória.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p.133.

Figura 76

Fornos com escoamento da escória.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p.133.

Page 124: Trabalho - Educação

124

(A)

(B)

Figura 77

(A) Vista da parte de baixo da câmara mais o arco de entrada frontal do forno. (B) Plano das escavações mostrando fornos com

evidências de sucessivas reconstruções sinais de escória foram encontrados em frente a muitos deles (II-III d.C.). Sussex, Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 135.

Figura 78

Florescimento de ferro. Cranbrook, Kent, Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 137.

Figura 79

Assistente trabalhando no fole atrás do fogo (protegendo-o do calor).

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 144.

Page 125: Trabalho - Educação

125

Figura 80

Pá de ferro com haste torcida; 70 cm. Newstead, Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 144.

(A)

(B)

Figura 81

(A) Estela de Aquileia representando as ferramentas e os artesãos trabalhando no fogão e na bigorna.

In: http://www.uni-tuebingen.de/uni/ymu/sqhm/werkzeug/bilder/werka00.jpg

(B) Desenho da estela.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 144.

Figura 82

Vista lateral e do topo de uma bigorna “bicuda”; 32,5 cm. Silchester, Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 145.

Page 126: Trabalho - Educação

126

Figura 83

Tipos de alicates. Londres, Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 146.

(A)

(B)

Figura 84

(A) Malho; 21 cm. (B) Martelos de mão; 17,5 e 15 cm. Silchester, Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 147.

Figura 85

Mandril. Silchester; , Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 150.

Page 127: Trabalho - Educação

127

Figura 86

Cinzel com aparência de machado; 21cm. Caistor, Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 150.

Figura 87

Furador; 21cm. Newstead, Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 150.

Figura 88

Lima; 20 cm. Newstead, Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 151.

Figura 89

Utensílio para fazer cabeças de cravos. Silchester, Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 152.

Page 128: Trabalho - Educação

128

Figura 90

Etapas do processo de cera perdida. Um modelo de cera é preparado e coberto com argila; a cera é derretida e o bronze preenche o

vazio; por fim, o manto é quebrado, revelando a peça sólida.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 27.

Figura 91

Núcleo de argila da estátua de Hórus Imperador. Século II d.C. Egito.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 28.

Page 129: Trabalho - Educação

129

Figura 92

Fragmentos de duas camadas de argila sobrepostas, de uma figura nua. Gestingthorpe, Essex, Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 28.

Figura 93

Estátua de bronze de sacerdotisa. Nemi, Itália.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 30.

Figura 94

Marcas internas de solda em um braço de estátua.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 31.

Page 130: Trabalho - Educação

130

Figura 95

As duas pedras de um molde para fabricação de uma tigela em peltre; 12,5 cm de diâmetro. Leswyn St. Just, Cornualha, Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 34

. Figura 96

Torno construído por Alfred Mutz.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 34.

Figura 97 Sulcos circulares na base de uma caçarola; séculos I-II d.C.; 11 cm de diâmetro.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 34.

Page 131: Trabalho - Educação

131

Figura 98 Marcas de compasso nas costas de um prato de peltre; século IV d.C. Tesouro de Appleford, Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 35.

Figura 99 Fabricação de uma vasilha com molde em duas partes e sem base para o núcleo.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 37.

Figura 100 Junção entre corpo e pescoço de jarro; 26,25 cm de altura. Lesmahagow, Lanarkshire, Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 37.

Page 132: Trabalho - Educação

132

Figura 101 De cima para baixo, esquerda para direita: ahenum; ânfora; caçarola; caccabus; catinus; colum; enócoa; fôrma ou molde; jarra;

lanx; pátera; peluis; sartago; simpulum; sítula; urceus; vasilha elíptica.

In: Maria Isabel D‟Agostino Fleming, O vasilhame de bronze..., pp. 38-63.

Page 133: Trabalho - Educação

133

Figura 102 Artesão “afundando” a placa de prata na depressão do bloco de madeira.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 13.

Figura 103 Alisamento do objeto.

In: Wikipédia: http://en.wikipedia.org/wiki/Image:Planishing.svg

(A)

(B)

Figura 104

(A) Artesão alçando as paredes do objeto. (B) Martelando as bordas do objeto em sua forma final.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 15.

Page 134: Trabalho - Educação

134

(A)

(B)

Figura 105

(A) Vista interna de cálice com decoração repoussé. (B) A vista interna após a soldagem do revestimento.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 19.

Figura 106 Travessa Oceanus com figures em baixo-relevo feitas por entalhamento; século IV d.C.. Mildenhall, Inglaterra.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, lâmina colorida I.

Page 135: Trabalho - Educação

135

Figura 107

Tigela estampada com letras do imperador Licínio; 317 d.C.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 21.

Figura 108

Carimbo de controle de Heráclio (613-630 d.C.) na base de uma tigela. Lampsacus, Grécia.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 21.

Figura 109

Suástica em nielo pertencente a prato de prata do século I d.C.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 20.

Page 136: Trabalho - Educação

136

Figura 110

Relevo de um aurifex brattiarus martelando uma lâmina de ouro; à sua direita, outras chapas empilhadas esperando o

martelamento. Museu do Vaticano, Roma.

In: Lucia Stefanelli, L’oro dei romani, p. 40.

Figura 111

Punção para estampamento.

In: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold jewelry, p. 176.

Figura 112

A) Gravação em relevo; B) Entalhamento com cinzel; C) Perfil do traço de gravação; D) Perfil do traço de entalhamento.

In: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold jewelry, p. 177.

Page 137: Trabalho - Educação

137

Figura 113

Tipos de punções.

In: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold jewelry, p. 179.

Figura 114

Detalhe da granulação de um brinco romano dos séculos I-II d.C.. Museu da RISD.

In: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold jewelry, p. 179.

Figura 115

Detalhes de diferentes filigranas aplicadas em brincos. Museu da RISD.

In: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold jewelry, p. 196.

Figura 116

Diferentes tipos de filigrana.

In: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold jewelry, p. 198.

Page 138: Trabalho - Educação

138

Figura 117

Placa de puxar fios da Era Viking. Estocolmo, Suécia.

In: ArkeoDok: http://www.arkeodok.com/News1.html

Acessado em 17/05/2008.

Figura 118

Conjunto de placa de puxar fios, alicate e cabestrante.

In: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold jewelry, p. 202.

Figura 119

Manufaturando aros.

In: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold jewelry, p. 205.

Figura 120

Corrente simples.

In: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold jewelry, p. 206.

Page 139: Trabalho - Educação

139

Figura 121

Aro-no-aro duplo.

In: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold jewelry, p. 206.

Figura 122

Aro-no-aro duplo em forma de oito.

In: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold jewelry, p. 208.

Figura 123

Corrente serpente.

In: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold jewelry, p. 207.

Figura 124

Colar do século I d.C., Pompéia. Nápoles, Museu Arqueológico Nacional.

In: Lucia Stefanelli, L’oro dei romani, p. 107.

Page 140: Trabalho - Educação

140

Figura 125

Detalhe de um brinco helenístico: reparar no fio que prende a gema pelo centro. Museu da RISD.

In: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold jewelry, p. 192.

Figura 126

Detalhe de um brinco romano: reparar no engaste que prende o cabochão. Museu da RISD.

In: Tony Hackens e Rolf Winkes (eds.), Gold jewelry, p. 192.

(A)

(B)

Figura 127

A) Brincos de ouro em formato esférico com granadas; B) Anel de ouro com adorno em gema; século I d.C., Pompéia.

Nápoles, Museu Arqueológico Nacional.

In: Lucia Stefanelli, L’oro dei romani, pp. 134 e 136.

Page 141: Trabalho - Educação

141

Figura 128 Figura 129 Figura 130

Figura 131 Figura 132 Figura 133

Moedas. Ashmolean Museum, Oxford.

In: Christopher Howgego (ed.), Coinage and identity in the Roman provinces, lâminas.

Page 142: Trabalho - Educação

142

Figura 134 Figura 135 Figura 136

Figura 137 Figura 138 Figura 139

Figura 140

Figura 141

Figura 142

Técnicas de fabricação de discos de metal e moedas.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, pp. 65-67.

Page 143: Trabalho - Educação

143

Figura 143

Fricção das partículas de corindo.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 70.

Figura 144

Conjunto formado por cunho inferior, disco de metal e cunho superior.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 71.

Figura 145

Denarius de Júlio César martelado a frio.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, lâmina colorida 4.

Figura 146

Composição padrão do vidro romano.

Page 144: Trabalho - Educação

144

Figura 147

Viscosidade e temperaturas do vidro antigo de soda e cal.

In: E. M. Stern, Roman mold-blown glass, p. 34.

A

B

Figura 148

A) Viscosidades de trabalho em vidro; B) Temperaturas de trabalho em vidro de sílica-soda-cal.

In: Birgit Schlick-Nolte e E. Marianne Stern, Early glass of the Ancient world, p. 23.

Page 145: Trabalho - Educação

145

Figura 149

In: Mônica Bertelle, Vidro soprado no Império Romano, p. 13.

Figura 150

Decoração em lamparina mostrando dois artesãos vidraceiros e forno. Século I d.C., Dalmácia.

In: Donald Strong e David Brown (eds.), Roman crafts, p. 115.

Figura 151 Forno para produção de vidro; ilustração de Rábano Mauro no século IX d.C.

In: http://www.hebrewhistory.info/factpapers/fp005_robles.htm

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146

A B

C D

Figura 152

Pega-se o naco de vidro (A) e o aquece na abertura do forno (B); depois dá-se a forma ao vidro aquecido manipulando a cana (C)

ou friccionando o material sobre uma superfície lisa (D).

In: E. Marianne Stern, Roman mold-blown glass, p. 36.

Figura 153

Enrolando fios de vidro em um núcleo.

In: Birgit Schlick-Nolte e E. Marianne Stern, Early glass of the Ancient world, p. 40.

Figura 154

Técnica de núcleo.

In: Mônica Bertelle, Vidro soprado no Império Romano, p. 25.

Page 147: Trabalho - Educação

147

Figura 155

Técnica de uso de molde para a fabricação de peças sólidas em vidro.

In: Birgit Schlick-Nolte e E. Marianne Stern, Early glass of the Ancient world, p. 51.

Figura 156

Caniços colocados sobre um núcleo de vidro.

In: Birgit Schlick-Nolte e E. Marianne Stern, Early glass of the Ancient world, p. 57.

Page 148: Trabalho - Educação

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Figura 157

Mosaico feito a partir de sobreposição de camadas de vidro.

In: Birgit Schlick-Nolte e E. Marianne Stern, Early glass of the Ancient world, p. 57.

Figura 158

Técnica para fazer mosaico espiralado.

In: Birgit Schlick-Nolte e E. Marianne Stern, Early glass of the Ancient world, p. 58.

Figura 159

Mosaico composto de cilindros.

In: Birgit Schlick-Nolte e E. Marianne Stern, Early glass of the Ancient world, p. 60.

Page 149: Trabalho - Educação

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Figura 160

Etapas de fabricação de vidro soprado com cana de argila.

In: Birgit Schlick-Nolte e E. Marianne Stern, Early glass of the Ancient world, pp. 84-85.

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Figura 161

Vidro soprado em molde.

In: E. Marianne Stern, Roman mold-blown glass, p. 46.

Figura 162

Problemas do molde.

In: Mônica Bertelle, Vidro soprado no Império Romano, p. 67.

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Figura 163

Caneca do período romano feita com vidro soprado em molde.

In: E. Marianne Stern, Roman mold-blown glass, p. 51.

Figura 164

Jarro cilíndrico do período romano.

In: E. Marianne Stern, Roman mold-blown glass, p. 55.

Page 152: Trabalho - Educação

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