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1 TRABALHO ESCRAVO NO AGRONEGÓCIO DA SOJA NO CERRADO BRASILEIRO Vitor de Moura Lima Universidade Federal Fluminense - UFF [email protected] José Victor Juliboni Cosandey Universidade Federal Fluminense - UFF [email protected] Resumo A proposta de estudo em tela visa demonstrar as diferentes formas de violência existentes no cenário da soja, envolvendo o trabalho escravo em fazendas no Cerrado, com o objetivo de desmistificar seu uso e abordagem. O conceito de violência, no que tange a prática escravista, se encontra no contexto do agronegócio e de sua necessidade de uma produção em larga escala e com custos trabalhistas reduzidos. A prática da violência, exercida no trabalho escravo, é móvel e marcada por uma coleta de trabalhadores em escala nacional, dificultando assim ações mais incisivas de auditores do MTE. Podem-se apontar dois tipos de violência existente no cenário atual, são elas a violência direta e indireta, todas elas atuando diretamente na condição de sobrevivência do trabalhador escravo. O objetivo dessa pesquisa é realizar apontamentos quanto à prática do trabalho escravo no agronegócio da soja, marcando os principais atores envolvidos. Palavras-chave: Violência. Soja. trabalho escravo. agronegócio. Introdução Há violência não se enquadra apenas como um tipo direto de ataque físico e/ou agressivo, mas como uma forma de estratégia, principalmente psicológica, praticada por diferentes atores e a partir de diferentes interesses. Assim como aponta Barata (1995, pág. 15): violência abrange um conceito muito maior do que a simples coerção física... Pode passar por uma simples pressão até o uso da força policial (pelas autoridades); o uso de pistoleiros (pelos proprietários); pela concessão irregular de mandatos de despejo (pela justiça) até a omissão e/ou comprometimento dos órgãos estatais encarregados das políticas agrária e fundiária. O conceito de violência no campo, no que tange o trabalho escravo, se encontra no contexto do agronegócio e de sua necessidade de uma produção em larga escala e com custos trabalhistas reduzidos. É Importante ressaltarmos a diferença entre dois conceitos que são usualmente confundidos e tidos como semelhantes, são eles o conceito de violência e conflito. O conflito se remete a um embate mais direto, onde duas forças antagônicas se chocam e

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TRABALHO ESCRAVO NO AGRONEGÓCIO DA SOJA NO CERRADO BRASILEIRO

Vitor de Moura Lima

Universidade Federal Fluminense - UFF [email protected]

José Victor Juliboni Cosandey Universidade Federal Fluminense - UFF

[email protected]

Resumo A proposta de estudo em tela visa demonstrar as diferentes formas de violência existentes no cenário da soja, envolvendo o trabalho escravo em fazendas no Cerrado, com o objetivo de desmistificar seu uso e abordagem. O conceito de violência, no que tange a prática escravista, se encontra no contexto do agronegócio e de sua necessidade de uma produção em larga escala e com custos trabalhistas reduzidos. A prática da violência, exercida no trabalho escravo, é móvel e marcada por uma coleta de trabalhadores em escala nacional, dificultando assim ações mais incisivas de auditores do MTE. Podem-se apontar dois tipos de violência existente no cenário atual, são elas a violência direta e indireta, todas elas atuando diretamente na condição de sobrevivência do trabalhador escravo. O objetivo dessa pesquisa é realizar apontamentos quanto à prática do trabalho escravo no agronegócio da soja, marcando os principais atores envolvidos. Palavras-chave: Violência. Soja. trabalho escravo. agronegócio.

Introdução

Há violência não se enquadra apenas como um tipo direto de ataque físico e/ou

agressivo, mas como uma forma de estratégia, principalmente psicológica, praticada por

diferentes atores e a partir de diferentes interesses. Assim como aponta Barata (1995,

pág. 15):

violência abrange um conceito muito maior do que a simples coerção física... Pode passar por uma simples pressão até o uso da força policial (pelas autoridades); o uso de pistoleiros (pelos proprietários); pela concessão irregular de mandatos de despejo (pela justiça) até a omissão e/ou comprometimento dos órgãos estatais encarregados das políticas agrária e fundiária.

O conceito de violência no campo, no que tange o trabalho escravo, se encontra no

contexto do agronegócio e de sua necessidade de uma produção em larga escala e com

custos trabalhistas reduzidos.

É Importante ressaltarmos a diferença entre dois conceitos que são usualmente

confundidos e tidos como semelhantes, são eles o conceito de violência e conflito. O

conflito se remete a um embate mais direto, onde duas forças antagônicas se chocam e

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disputam diferentes interesses. Podemos observar como exemplo o constante confronto,

muitas vezes armado, entre trabalhadores sem terra contra jagunços, pistoleiros e até

mesmo contra a força do Estado representada pela policia. Segundo Caram (1997, pág

50):

A agressão legitimada pelas instituições não é combatida, mas aceita como tal. Justificada e aceita dissimula-se e desaparece atrás das estruturas que de seu lado mudam o seu nome. Ela passa a ser chamada de “legitima defesa”, “defesa do bem comum”, “luta para salvar os interesses da pátria”, etc.

A agressividade envolvida no conflito parece ser um efeito e não uma causa para a

violência.

O conceito de violência no campo, no que tange o trabalho escravo, se encontra no

contexto do agronegócio e de sua necessidade de uma produção em larga escala e com

custos trabalhistas reduzidos. Outro ponto à ser levantado, como justificativa para a

violência encontrada no campo, é uma engendrada cultura político hegemônica,

marcada por uma intensa violência gerada pela escandalosa concentração fundiária

encontrada no Brasil. A impunidade das autoridades competentes por crimes ocorridos

no campo brasileiro é outro importante fator justificatório. Melo (2006, pág. 64) aponta

que “São diversas as faces da violência no campo, que vão desde o trabalho escravo ao

assassinato de trabalhadores rurais, de religiosos, ativistas, advogados e lideranças

sindicais e populares.”

Pode-se apontar dois tipos de violência existente no cenário atual, são elas a violência

direta e indireta.

A violência dita direta, assim como aborda Barata (1995, pág. 17), é a violência em ato,

que utiliza a força física contra o trabalhador rural. São caracterizados por assassinatos,

expulsões e despejos. O Estado atua no cumprimento de ordens judiciais e no uso de um

aparato violento legal através de forças policiais. O controle de manifestantes e

movimentos de resistência são as práticas mais utilizadas pelo governo contra esses

grupos. O resultado desse choque de poder em muitos casos resulta em mortes.

A violência indireta pode ser caracterizada como aquela que produz alterações nas

condições de sobrevivência da vitima. São marcadas por uma atmosfera de intimidação

e ameaças. Assim como aponta Caram (1977, pág. 89) onde a violência indireta é

utilizada contra grupos ou massas através da criação de um clima de insegurança,

pânico, medo e por vezes terror.

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A violência praticada no campo tem um caráter extremamente político, pois ela seria a

resposta à luta de movimentos de resistência pela desconcentração fundiária, contra os

grandes grupos nacionais e internacionais que possuem historicamente a posse e a

propriedade de terra no país.

A prática da violência que é exercida no trabalho escravo é móvel e marcada por uma

coleta de trabalhadores em escala nacional. A maioria dos trabalhadores escravos são

provenientes de estados do Norte e Nordeste do país. Dados do Ministério de

Desenvolvimento Agrário (MDA) apontam que 40% dos trabalhadores escravizados no

Brasil são maranhenses, liderando o ranking nacional de exportação de mão de obra

escrava, seguido do estado do Piauí.

Os trabalhadores maranhenses vão em sua maioria para os estados do Pará, Mato

Grosso e Tocantins. Grande parte desses trabalhadores que são aliciados atuam na

pecuária, carvoarias e nas fazendas de soja.

O consultor jurídico do MDA Carlos Henrique Kaipper aponta que o estado do

Maranhão passa por um processo complicado, pois ao mesmo tempo em que fornece

mão de obra para outros estados também utiliza da mesma fonte para sua produção.

No Maranhão, nós encontramos essas três situações. O trabalhador estava na pecuária, nas fazendas de soja ou nas carvoarias. A situação do Maranhão é complicada, pois, além de fornecer a mão-de-obra, também passou a se utilizar da mão-de-obra escrava, e as novas fronteiras agrícolas são propícias para esse tipo de crime.

A violência no trabalho escravo não é evidente em sim mesma em todas as suas

manifestações, não é possível observar no espaço ações claras e diretas da efetivação

desse tipo de atividade. Como já discutido anteriormente, a violência observada no

campo, a partir das relações de trabalho análogo a escravidão, são encontradas de forma

indireta, através da privação do direito de ir e vir do trabalhador, realizadas por jagunços

e pistoleiros, através de intensas ameaças.

As redes de articulação para o recolhimento de trabalhadores para a prática escravista

são enormes e móveis. A violência moral praticada por produtores rurais só poderão ser

observadas por denuncias, normalmente por trabalhadores que conseguem fugir da

fazenda em que estão sendo submetidos ao trabalho forçado. Os interesses políticos,

nesse tipo de atividade, são extremos e circunstanciais, sendo assim, é muito difícil a

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ruptura desse tipo de violência sobre o trabalhador rural. A partir do momento em que a

violência impossibilita o diálogo ela passa a ser uma base corruptível da liberdade.

Existe no trabalho escravo no campo brasileiro um território não visível marcado por

redes de circulação de trabalhadores, envolvendo diferentes municípios e Estados e de

difícil percepção, onde todos os agentes envolvidos estão em constante mudança e

movimento, dificultando assim as ações do MTE (Ministério do Trabalho e Emprego).

O produtor rural, através de uma organização estrutural formada por pistoleiros e

jagunços, organiza sua fazenda como um território marcado por um cerceamento ao

trabalhador, em que sua capacidade de ir e vir ficam submetidos a supervisões e

restrições.

O território do trabalho escravo é desenhado pelo poder e pelo controle, onde os

trabalhadores rurais são vigiados constantemente e os limites das culturas de plantio são

os limites dos territórios desenvolvidos pelo produtor rural, delimitando assim o

controle de qualquer tipo de fluxo. O medo, a coação ou até mesmo o conformismo são

as principais armas dos agricultores para que o trabalhador rural não saia do perímetro

territorial estabelecido pelo produtor.

Quando um trabalhador em condição análoga a escravidão tenta fugir da área do

perímetro de cultivo do agronegócio são duramente castigados, desmoralizados,

ameaçados ou até mortos para que essa situação não volte a se repetir.

O principal objetivo dos contratantes de mão de obra escrava é de disciplinar o

trabalhador, para que ele se enquadre à ideologia escravista de trabalho e pouco

questione sua situação. A vigilância é o principal instrumento para o exercício da

disciplina.

Na escravidão contemporânea, onde a forma mais usualmente percebida é a “servidão

por divida”, os trabalhadores são coagidos, física e psicologicamente, por meio de

ameaças, a permanecer nas fazendas até que consigam saldar os débitos exorbitantes a

que foram submetidos, por meio fraudulento ou por condições contratuais de trabalho.

Em termos práticos, na escravidão por divida, quando os trabalhadores são aliciados,

suas famílias recebem um adiantamento juntamente com a promessa de um bom salário

e com o acordo da quantidade de trabalho já estabelecida. Porém quando chegam ao

local, constatam uma realidade bastante diferente, onde comida, os custos da vigem, e

materiais de segurança são debitados do salário que supostamente iriam receber.

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O agente responsável pelo aliciamento dos trabalhadores rurais é chamado de “gato”.

Sua conversa bonita seduz o peão para o trabalho escravo, criando uma imagem atraente

de uma proposta tentadora de trabalho. Não é muito difícil embutir na cabeça dos peões

as ilusões e fantasias plantadas pelo “gato”. O trabalhador necessitado e com enorme

dificuldade de conseguir um trabalho é facilmente seduzido diante das condições de

dependência econômica que enfrenta.

O “gato” busca seduzir em sua caça homens adultos e jovens menores de idade. O mais

importante para o gato não é a idade do trabalhador, mas sim sua força de trabalho para

a fazenda. Ele chega a viajar milhares de quilômetros para exercer o aliciamento, pois

quanto maior a distância em que os trabalhadores são aliciados, mais difícil será a fuga e

seu retorno para casa.

Diante da enorme dificuldade de encontrar uma definição clara da prática do trabalho

escravo contemporâneo e como e quais são as leis específicas para tal prática

trabalhista, a OIT (Organização Internacional do Trabalho) e a legislação brasileira

definem observações que caracterizam o exercício do trabalho análogo à de escravo.

Trabalho escravo: definições e legislação brasileira

A OIT definiu trabalho forçado ou obrigatório como “todo o trabalho ou serviço exigido

de uma pessoa sob ameaça de sanção e para o qual não se tenha oferecido

espontaneamente”. Não são consideradas as condições degradantes a que os

trabalhadores são obrigados a se submeter. Com o passar dos anos esse conceito foi se

abrangendo, incorporando várias formas de coerção para a realização de um trabalho

sob ameaça de penalidade. A característica mais clara e explicita do trabalho forçado é a

ausência de liberdade.

A legislação adotou critérios para definir o conceito de trabalho escravo. O Artigo 149,

do Código Penal Brasileiro (CPB), segundo a redação da lei nº. 10.883, de 11 de

novembro de 2003, considera trabalho escravo não só a privação da liberdade, mas

inclui também em sua abordagem, o trabalho em condições degradantes, submissão do

trabalhador a trabalhos forçados ou jornadas exaustivas. Sancionada em dezembro de

2003, a lei nº. 10.803 altera o código penal Brasileiro e estabelece pena de dois anos,

além de multa para pessoas que mantenham trabalhadores em condição análoga à de

escravo em propriedades:

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[...] reduzi alguém à condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto. (CPB, artigo 149)1

A nova lei em seu parágrafo 1º, que estabelece as mesmas penas à quem:

I. Cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, como fim de retê-lo no local de trabalho;

II. Mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido contra criança ou adolescente ou por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (CPB, artigo 149, § 2º, incisos I e II)

Com o objetivo de diminuir a prática do trabalho escravo, o MTE (Ministério do

Trabalho e Emprego) cria, pela portaria nº. 540 de 15 de outubro de 2004, “o cadastro

de Empregadores, formado por pessoas físicas e jurídicas flagradas pela fiscalização do

trabalho escravo ou análogo à escravidão”. O cadastro de Empregadores ficou

conhecido como “Lista Suja”.

O infrator é incluído no cadastro somente após a conclusão do processo administrativo

originário dos autores da infração lavrados no decorrer das inspeções. A exclusão do

infrator vai depender de sua conduta, através de monitoramento pela inspeção do

trabalho, ao longo de dois anos. Não ocorrendo reincidência, pagas todas as dividas e

quitados os débitos trabalhistas e previdenciários, o nome é retirado do cadastro.

Uma das funções do cadastro é impedir o acesso de empregadores e empresas a linhas

de crédito e incentivos fiscais de bancos oficiais, públicos e privados, e agencias

regionais de desenvolvimento. Outro aparato adotado pelo MDA/Incra (Ministério do

Desenvolvimento Agrário) com o intuito da erradicação do trabalho escravo é a

desapropriação de imóveis por descumprimento da “função social trabalhista”, para fins

de reforma agrária, conforme proposta da Ementa Constitucional (PEC) nº. 438/01. A

matéria foi aprovada em dois turnos no Senado e em primeiro turno na Câmara, onde

aguarda desde 2004, a apreciação pelo plenário no segundo turno.

A aprovação da PEC tramita em ritmo lento na Câmara, onde sofre uma severa

resistência da bancada ruralista.

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Outro ato para inibição de empresas contra as práticas escravistas é o pagamento da

indenização por danos morais coletivos, imposta pela Justiça do Trabalho, onde a

empresa é obrigada a pagar altos valores das penalidades aplicadas, tornando

economicamente desvantajosa a prática do trabalho escravo.

O Pacto nacional pela erradicação do trabalho escravo foi fruto de uma articulação entre

o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, a OIT e a ONG Repórter

Brasil, resultando no pacto empresarial antiescravista, onde são articuladas restrições

comerciais e financeiras às pessoas físicas e jurídicas que fizerem uso de condições de

trabalho escravo. O pacto reúne mais de oitenta contribuintes, dentre eles grandes redes

de supermercados, grandes grupos industriais e financeiros. Em agosto de 2004 as 12

maiores empresas siderúrgicas do país assinaram o compromisso pela erradicação do

trabalho escravo na cadeia produtiva de carvão vegetal. Em dezembro de 2005, o Grupo

André Maggi², maior exportador individual de soja do mundo, decidiu assinar o pacto.

Apesar dos avanços na legislação brasileira, existe uma grande dificuldade para a

condenação de um proprietário rural em fazendas que utilizam a mão de obra escrava.

É bastante incomum que donos de grandes fazendas sejam pegos e condenados pela

prática do trabalho escravo, pois para ocorrer a condenação é necessário demonstrar a

vontade e a consciência de tratar as pessoas como escravos, sendo assim, é muito mais

fácil auditores do MTE autuarem “gatos”, capatazes e gerentes à grandes fazendeiros,

pois os mesmos não residem nas fazendas.

A impunidade ganha força por vozes no cenário político que negam a existência do

trabalho escravo no Brasil. Severino Cavalcanti (PP/PE), então segundo secretário da

Câmara dos Deputados, e hoje ex-presidente da mesma, afirmou em um discurso

realizado no dia 2 de março de 2004 que:

Ora, senhoras e senhores deputados. Vamos parar de hipocrisia, de fingir que somos a França, os Estados Unidos ou a Alemanha e que podemos copiar as suas avançadas legislações trabalhistas.” (...) “Não vamos resolver os problemas do campo e do desemprego ameaçando produtores e fazendeiros com o confisco de terras no caso das muitas e controversas versões de trabalho escravo.”. Em outra ocasião o mesmo deputado afirmou: “O Brasil não é Primeiro Mundo para exigirem privadas e outros privilégios para seus bóias-frias.

O ex-vice-presidente da República e então ministro da Defesa, José Alencar, declarou

publicamente no VI Congresso de Agonegócio da Sociedade Nacional da Agricultura,

no dia 26 de agosto de 2004, que não tem certeza da existência de escravidão

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contemporânea no Brasil. “Não posso dizer que haja trabalho escravo. Há trabalho

degradante. Escravo é quem não tem liberdade e tem dono. É preciso não haver

condenação contra o setor agrícola moderno sem apuração”.

Alencar possuía fazendas de algodão e foi proprietário da Companhia de Tecidos do

Norte de Minas (Coteminas)

A teia de redes políticas que envolvem o agronegócio da soja é composta por

instituições de pesquisas privada e pública, partidos políticos, corporações

agroindustriais nacionais e multinacionais, produtores, ONGs, sindicatos, empresários,

banqueiros, etc. O principal ponto acordante entre as entidades relacionadas está na

manutenção de privilégios do agronegócio da soja e nas ações, cada vez mais radicais e

incisivas, contra movimentos de resistência ligados a luta pela propriedade da terra. A

rede política que sustenta o agronegócio atua de forma territorial valorizando a grande

propriedade e atuando diretamente contra conflitos agrários, resultantes do avanço do

agronegócio.

A rede política é temporária, pois os interesses em jogo podem ser alterados, e dessa

forma, novos atores e um novo arranjo político poderão ser formados.

O agronegócio da soja ganha um novo valor no cenário econômico através de incentivos

fiscais e políticos, onde o cerrado é incorporado como uma das principais áreas de

infiltração e abrangência dessa cultura de produção.

Agronegócio da soja no cerrado

O agronegócio, ou agribusiness, representa a modernidade no campo, trazendo consigo

ideais e representações simbólicas de um desenvolvimento ligado à ideia da

globalização. Sua importância está centrada no desenvolvimento de operações de

distribuição de suprimentos e insumos agrícolas. Todo esse novo arranjo organizacional

elaborado pelo CAI (Complexo Agroindustrial), com uma menor presença do setor

público, com uma maior infiltração de corporações multinacionais, com maquinário e a

biotecnologia na produção de transgênicos e com destinação do produto agrícola no

mercado interno e externo (principalmente no mercado externo) formam uma nova rede

territorial do trabalho.

O Produto Interno Bruto (PIB) do agronegócio brasileiro cresceu 6,12 % em 2011,

alcançando R$ 822,9 bilhões. Apesar das incertezas para 2012, a Confederação da

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Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) prevê para o próximo ano um faturamento de

R$ 318 bilhões, com crescimento de 7,98% em relação a 2011.

As transformações estruturais que o agronegócio incorpora e seus efeitos são

devastadores e imensuráveis. O processo de ocupação da expansão da soja no cerrado se

deu através de alguns fatores, tais como, a grilagem, o intenso desmatamento, ocupação

de áreas antes usadas pela pecuária, criação de novos espaços urbanos, grandes

financiamentos do capital público e privado e fortes conflitos entre grupos de resistência

contra a concentração fundiária desenvolvida pelo agronegócio.

O cerrado brasileiro ocupa um novo viés nas políticas econômicas e sociais do país. A

agricultura moderna, ou os fronts agrícolas, obtém uma forte ligação com todas essas

transformações originárias das infiltrações do agronegócio, a partir da década de 70.

Esse novo tipo de agricultura ocorre de maneira quase que inteiramente industrial, de

forma intensiva e em uma escala muito superior a outros tipos de produção da indústria

de alimentos. Com uma nova forma moderna e sistêmica de produção, grandes

empresas começam a fazer parte desse cenário.

Gigantescas corporações nacionais e internacionais integram as maiores companhias no

agronegócio. Nas internacionais pode-se destacar a Cargill, Bunge, Archer Daniels

Midland Co. (ADM) e a Dreyfus. Integrando o grupo das corporações nacionais, pode-

se destacar a Amaggi e o grupo Caramuru alimentos.

Hoje as empresas dominam o CAI por inteiro, o que antes era inserido somente na

agroindústria. Um exemplo que se pode citar são os financiamentos feitos pelas grandes

corporações a pequenos produtores, esses financiamentos eram feitos anteriormente

pelo Banco do Brasil, mas por possuir mais recursos e um corpo estrutural bem

articulado, as empresas privadas passam à conceder empréstimos com muito menos

burocracia e juros, dessa forma, a dependência do pequeno produtor de soja em relação

as grandes empresas se torna enorme.

As grandes corporações sojicultoras têm influenciado a economia e todo seu processo

estrutural. Hoje o Brasil se comporta como o principal exportador de soja do mundo.

Podemos destacar no gráfico 1, que os maiores mercados para a exportação da soja

brasileira é dirigida a China, com 54%, seguido da União Européia com 30%. Se

tornando esses, dois grandes mercados consumidores se comparados com outros países

como a Tailândia (3%) e o Japão, Taiwan e Coreia do Sul, todos com 2%.

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Gráfico 1 - Principais destinos da soja brasileira – 2009

Fonte: SECEX/Conab

Distribuição espacial da soja

A BR-163 (Cuiabá-Santarém) funciona, no Estado de Mato Grosso, como uma forte via

de aglomeração e transporte de empresas multinacionais do complexo agroindustrial. Os

municípios de Rondonópolis (MT), onde até bem pouco tempo situava a sede do grupo

Amaggi, e Cuiabá (MT), onde hoje abriga o grupo, ganham importâncias com a

construção da rodovia, em direção ao norte e nordeste do Estado. A rodovia também

fortaleceu núcleo urbanos, como os de Rondonópolis e Campo Grande, e permitiu a

criação de outros cidades como Sinop, Sorriso, Alta Floresta e Juína.

A BR-163 possui cerca de 3467 km de extensão, sendo quase 1000 km não asfaltados.

Integra o Centro Norte do Brasil ao Centro Oeste e Sul, até o Estado do Paraná. A

rodovia conta com várias empresas nacionais e multinacionais, como a Bunge,

importantes frigoríficos, a empresa Nortox, maior empresa nacional de fertilizantes,

cervejaria Crystal e aeroportos.

Em virtude do crescimento em enormes proporções da cultura de produção da soja, o

nordeste, através de planos de financiamento governamentais, como o

POLONORDESTE, entra no cenário do agronegócio brasileiro. O PRODECER

estimula a ocupação dos Cerrados do nordeste, principalmente através de incentivos

empresárias de financiamento, voltando-se especificamente para a produção da soja. O

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FINOR (Fundo de Investimento do Nordeste) e FISET (Fundo de Investimento Setorial)

são outros planos estratégicos para a penetração e ocupação do cerrado nordestino.

Nos cerrados nordestinos, foram asfaltadas rodovias a partir de Brasília, fundamental

para a construção de uma rede urbana. No oeste da Bahia surgem as rodovias BR-242 e

BR-020 que ligavam as cidades de Salvador e Brasília, facilitando o transporte da

cidade de Barreiras. BR-153 (Belém-Brasília) e a BR-135 (Brasília-Barreiras-Picos). No

Mato Grosso surgem à rodovia Transamazônica (BR-230), Perimetral Norte (BR-210) e

Cuiabá-Porto Velho (BR-164) são outras importantes vias de integração e escoação de

produção.

Com a área superior a 63,4 mil hectares plantados com soja, o Piauí confirma a segunda

posição na produção da oleaginosa no Nordeste, ficando o Estado da Bahia, com 69,2

mil hectares, em primeiro lugar.

Como exemplo de processo evolutivo da produção de soja pode-se apontar o

Maranhão, cujos principais produtores são Balsas (90%) e Chapadinha (10%). Em 1990

o Estado produziu cerca de 4.176 toneladas e em 2006 a produção disparou para

931.142 mil toneladas.

A produção da soja no oeste da Bahia, Piauí e Maranhão representa 75% do total

produzido no Nordeste, dos dez maiores municípios produtores, seis estão localizados

no oeste da Bahia, três no Maranhão e um no Piauí.

A relação soja e trabalho escravo

As grandes capitais brasileiras da soja são as grandes contratantes da mão de obra

escrava rural, envolvendo modestos atores oriundos de zonas miseráveis e sem nenhum

tipo de infraestrutura básica de sobrevivência. Os produtores rurais utilizam da

exploração de imigrantes clandestinos e de seus sonhos de uma vida melhor para si e

para sua família.

A imagem de um sistema moderno, elaborado pelo agronegócio da soja, nem sempre

corresponde à realidade. Apesar dessa cultura de produção possuir maquinários e

sistemas de colheita de ultima geração, o trabalho braçal ainda é bastante utilizado pelo

produtor rural. Como aponta Xavier Plassat, membro da coordenação nacional da

Campanha de Combate ao Trabalho Escravo da Comissão Pastoral da Terra (CPT):

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Esquecemos que antes da colheita e da aplicação dos venenos, antes mesmo

do plantio, é preciso preparar o solo. Como muitas vezes se trata de terras

onde o Cerrado e a floresta foram arrancados, há necessidade de catar as

raízes que sobram. É nessa atividade, que até hoje continua sendo feita à

mão, que encontramos com frequência grandes turmas de trabalhadores

aliciados no Piauí, Tocantins ou Maranhão e explorados na Bahia, Mato

Grosso, Goiás, ou mesmo no mesmo estado, como acontece no Maranhão,

Piauí e Tocantins.

Podemos observar então que os trabalhadores envolvidos com a cultura da soja atuam

no inicio do processo de produção. A principal função do trabalhador escravo é a

limpeza do terreno através do corte da juquira, de diversas raízes e arbustos que só as

mãos conseguem alcançar, limpeza de antigos pastos e derrubada de mata nativa.

Pelo fato do trabalhador rural não se fazer presente em todo o processo de produção da

soja, o rodízio de escravos é muito maior que em outros tipos de cultura como a cana de

açúcar, por exemplo, onde o trabalhador se faz presente em todo o processo, desde a

limpeza do terreno até a colheita do produto. Dessa forma a captura desse trabalhador e

a prisão dos responsáveis por esse tipo de atividade se torna muito mais difícil.

A questão do trabalhador escravo no campo brasileiro

O desmatamento concentra grande parte da utilização de mão de obra escrava. Os

principais motivos que apontam a ligação desse tipo de prática trabalhista ao

desmatamento é a grande abrangência territorial utilizada por esse tipo de atividade,

principalmente na abertura de grandes áreas de pasto para a pecuária e o uso deste tipo

de trabalhador na fase inicial do processo de desmatamento (retirada de raízes, limpeza

do terreno, retirada de floresta nativa, abertura de picadas etc.).

No caso da soja, o desmatamento ocorreu em grande proporção em áreas do cerrado

com a coleta de áreas antes usadas em pastos. Como a soja é uma atividade

extremamente mecanizada, o trabalhador escravo não se encontra no centro do sistema

produtivo e sim em áreas mais à margem e de difícil acesso.

Como descrito anteriormente, o Estado do Maranhão aponta alguns dados interessantes.

Apesar de se encontrar em 7º lugar no ranking de libertados por estado, o Maranhão

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lidera outro ranking, o de exportação de mão de obra escrava. , Carlos Henrique

Kaipper afirma que,

o maranhão apresenta, com o Piauí, a peculiaridade de ter trabalhadores que migram em busca de trabalho, tornando o estado um fornecedor de mão de obra escrava. Três são responsáveis por esse fato: pobreza, ganância dos escravagistas e impunidade. Isso faz com que os trabalhadores estejam muito vulneráveis, avalia

Os trabalhadores escravos maranhenses foram encontrados em propriedades com

atividade na pecuária, na cultura da soja e em carvoarias. Nos últimos quatro anos 1.300

trabalhadores foram libertos em condições análogas ao trabalho escravo, segundo dados

do MDA3.

Estima-se que dos 40 mil trabalhadores em condição de escravidão, 38% estejam em

território maranhense, o que dá em média 15.000 trabalhadores.

No mapa 1, verificamos os Estados, na área do cerrado brasileiro, que utilizam a prática

da mão de obra escrava em seu processo de cultivo. As regiões onde a agricultura

encontra um processo de “modernidade rural” de mercado é onde se observa grande

quantidade de trabalhadores escravos.

São apontados no mapa 1 os sete Estados onde a prática de mão de obra escrava foi

observada no plantio da soja segundo dados da CPT4, MTE e da ONG Repórter Brasil.

Mapa 1 – Denúncias de Trabalho Escravo (2000 – 2010)

Dados: CPT (Comissão Pastoral da Terra)

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Foi encontrado um total de 2.390 trabalhadores em situação análogo à de escravo no

cerrado brasileiro. Mato Grosso é o Estado que possuí a maior quantidade de pessoas

ligadas a pratica do trabalho escravo, no período de 2000/2010, com 1629

trabalhadores, seguido de Bahia 246 (trabalhadores), Goiás 181 (trabalhadores),

Tocantins 129 (trabalhadores), Maranhão 99 (trabalhadores), Piauí 69 (trabalhadores) e

Mato Grosso do Sul com 37 trabalhadores escravos.

Observamos na tabela 7, que a soja representa 10,7% do total de trabalhadores libertos

no período de 2000/2010 nas regiões do cerrado.

Tabela 1 - Total das Atividades de Trabalho Escravo no Cerrado

(2000 – 2010)

Estado Total de denúncias

de trabalho

escravo

Denúncias de

trabalho escravo

na soja

Valor referente a

soja (%)

Bahia 3.289 246 7,5%

Goiás 3.319 181 5,5%

Maranhão 5.497 99 1,8%

Mato Grosso 7.605 1629 21,4%

Mato Grosso do

Sul

2.197 37 1,7%

Piauí 562 69 12,2%

Tocantins 4.824 129 2,7%

Total 26.800 2.883 10,7% Dados: CPT (Comissão Pastoral da Terra)

O Estado do Mato Grosso possuí a maior porcentagem de trabalhadores escravos

atuantes em lavouras de soja com 21,4% e o Mato Grosso do Sul possuí a menor taxa

com 1,7%. A principal atividade observada em terras sul mato-grossense, com uso de

mão de obra escrava, é a pecuária. O Piauí apresenta uma taxa significativa de mão de

obra escrava ligada a soja, evidenciando a abertura cada vez maior de novas fronteiras

agrícolas fora do eixo Mato Grosso e Paraná, maiores produtores nacionais de grãos.

Conforme ultima atualização da “lista suja” de trabalhadores escravos, os Estados com

mais inclusões nesta atualização estão Pará e Mato Grosso com nove e oito nomes

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inseridos, respectivamente. Outro dado assustador foi número recorde de flagrante na

exploração de trabalhadores em condições análogas à escravidão, onde, no ano de 2011,

foram alcançados 52 novos registros e com 294 nomes no total.

Na prática escravista envolvendo a cultura da soja observamos um total de 46

municípios em sete Estados investigados.

O Maranhão possuí o segundo maior número no total de trabalhadores escravos,

perdendo apenas o para Mato Grosso. Das atividades observadas em terras maranhenses

com uso de mão de obra escrava, além da soja, observa-se a criação de bovinos para

corte e leite, produção de carvão vegetal, cultivo de milho, mandioca e arroz.

O Estado do Mato Grosso abriga os dados mais alarmantes e preocupantes sobre

trabalhadores escravos na cultura da soja. Ao todo, no período de 2000 a 2010, estão

abarcados 82 municípios, onde, por volta de 7.667 trabalhadores foram resgatados no

território mato-grossense através de denúncias aos auditores do MTE, envolvendo todas

as culturas de produções.

Nas lavouras de soja, no período de 2000 a 2010, 1.629 trabalhadores foram resgatados

em 24 municípios, representando 21,2% do total de escravos encontrados na região.

Nova Ubiratã detém os maiores valores referentes a prática escravista na soja com um

total de 344 trabalhadores escravos. Outras localidades em Mato Grosso onde foram

encontrados trabalhadores em situação análoga à de escravo são: Alta Floresta, Bom

Jesus do Araguaia, Brasnorte, Campo Novo do Paracis, Campo Verde, Campos de Júlio,

Comodoro, Gaúcha do Norte, Ipiranga do Norte, Lucas do Rio Verde, Nova Canaã do

Norte, Nova Monte Verde, Nova Mutum, Novo São Joaquim, Poxoréo, Ribeirão

Cascalheira, Santo Antônio do Leste, São José do Rio Claro, Sapezal, Sinop, Sorriso,

Tangará da Serra e Tapurah.

Com um total de 246 trabalhadores em situação de escravidão, o Estado da Bahia possui

o segundo maior valor de denúncias de trabalho escravo na soja no cerrado brasileiro.

Contam com cinco municípios envolvidos nessa prática trabalhista, onde Barreiras

detém os maiores valores referente ao trabalho escravo na região com um total de 129

trabalhadores. Outros municípios onde foram encontrados trabalhadores em situação de

escravidão são: Correntina, Formosa do Rio Preto, Luis Eduardo Magalhães e São

Desidério.

O Estado de Goiás apresenta 181 trabalhadores escravos divididos em sete municípios:

Campo Alegre de Goiás, Cristalina, Santa Rita do Aragauia, Formoso, Jataí, Mineiros e

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Portelândia. O município de Cristalina apresenta os maiores valores no uso da mão de

obra escrava, com números que chegam a 78 trabalhadores em suas produções de soja.

Também é um dos municípios da região com maior produção de grãos, cerca de

552.000 toneladas no ano de 2010 (IBGE).

Tocantins apresenta dois municípios que receberam denúncias referentes a prática do

trabalho escravo na soja, são eles: Campos Lindos e Presidente Kennedy, com um total

de 129 trabalhadores escravos. Despondo de uma massa de 123 trabalhadores escravos,

seguido de Presidente Kennedy com 6 trabalhadores denunciados à auditores do MTE, o

município de Campos Lindos situa-se na divisa com o Maranhão, facilitando o

escoamento de trabalhadores escravos para a região.

O Estado do Piauí possuí a segunda posição na produção de oleaginosas no Nordeste,

perdendo apenas para a Bahia. A região conta com 528.459 toneladas de soja em grãos

produzidos. No município de Baixa Grande do Ribeiro foram encontrados os maiores

valores da região sob o regime escravista, 23 trabalhadores. Em Monte Alegre do Piauí

17 (trabalhadores), em Ribeiro Gonçalves 21 (trabalhadores) e em Uruçuí 8

(trabalhadores), somando um total de 69 trabalhadores escravos.

O trabalho escravo da soja no Maranhão encontra-se em duas cidades (Balsas e Matões

do Norte), sendo elas também as maiores produtoras da região. Foram encontrados um

total de 99 trabalhadores escravos no Estado do Maranhão, sendo 93 (trabalhadores) no

município de Balsas e 6 (trabalhadores) em Matões do Norte, valores relativamente

baixos comparados se comparados a Mato Grosso. Porém, como já descrito

anteriormente, tanto o Estado do Maranhão como Piauí, fornecem uma grande

quantidade de trabalhadores escravos para outras regiões do país.

A produção de soja em Mato Grosso do Sul gira em torno de 5,340 milhões de

toneladas, onde se destacam os municípios de Dourados com 436.800 toneladas e

Maracaju com 583.440 toneladas de soja produzida em 2010. O município de São

Gabriel conta com uma produção de 356.400 toneladas e com 17 trabalhadores escravos

em suas lavouras de soja. Dourados utiliza 20 escravos em suas produções.

Dos sete Estados do Cerrado brasileiro analisados, foram encontrados 42 municípios

exercendo a prática do trabalho escravo, onde, Mato Grosso possui as maiores

incidências.

Dentre os dez municípios com as maiores práticas escravistas na soja, encontramos 5

(municípios) em Mato Grosso, 2 (municípios) na Bahia, 1 (município) em Goiás, 1

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(município) no Maranhão e 1 (município) em Tocantins. São eles Nova Ubitatã (MT),

Campo Novo do Paracis (MT), Barreiras (BA), Sorriso (MT), Campos Lindos (TO),

Sinop (MT), Comodoro (MT), Balsas (MA), São Desidério (BA) e Cristalina (GO).

Com um total de 1.629 trabalhadores denunciados, Mato Grosso atinge valores

expressivos frente aos outros Estados (gráfico 2). Com 246 denuncias, Bahia possui os

valores mais próximos a Mato Grosso no resgate de trabalhadores Escravos.

Gráfico 2 – Trabalho Escravo da Soja no Cerrado (2000 – 2010)

Fonte: CPT (Comissão Pastoral da Terra)

Conclusões

A violência trabalhista encontrada no campo, no contexto do agronegócio da soja,

assume uma face perversa e mascarada, através do uso indiscriminado de trabalhadores

em situação análoga à de escravo.

O Estado brasileiro não tem conseguido garantir ao GEFM (Grupo Especial de

Fiscalização Móvel), da área de repressão ao trabalho escravo, a estrutura que ele

realmente necessita. Não existe uma política social que evite que o trabalhador saia do

seu local de origem para aqueles onde há exploração do trabalhador escravo.

Os valores de diárias pagos aos auditores do MTE não cobrem todos os gastos

necessários, em muitos casos não conseguem locais para se hospedar e fazem despesas

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que extrapolam o valor que recebem. Os maiores motivos são as restrições

orçamentárias do Ministério.

A miséria, uma política governamental precária e insuficiente, ganancia de proprietários

rurais e o apoio de uma força política ruralista são os maiores responsáveis pela

crescente utilização e exportação de mão de obra escrava nas regiões.

As redes políticas de suporte e proteção ao agronegócio atuam de maneira articulada e

com sustentação política bem forte. Podemos constatar esse quadro através da enorme

dificuldade de tornar legitimo a proposta de emenda à Constituição 438 (PEC 438), que

permite a expropriação das terras onde sejam encontrados trabalhadores em condições

de escravidão para fins de reforma agrária e programas de habitação popular. A bancada

ruralista no senado manifestou-se contrário a ementa alegando que é necessário ter uma

definição mais clara de trabalho escravo.

Não é necessária apenas a intenção, mas sim uma verdadeira efetivação de políticas

públicas de fiscalização de real qualidade. Hoje os efetivos para a realização desse tipo

de inspeção são realizados sem a quantidade de homens necessária. O senado, ou no

caso a bancada ruralista, não reconhece de maneira integral a utilização da mão de obra

escrava, ou seja, não acredita que ocorra esse tipo de atividade, fortalecendo assim o

agronegócio e toda sua exploração provocada.

Notas

1 Informações sobre o Código Penal Brasileiro, na página da web: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm Acessado em: (22/12/2011). 2 Blairo Maggi, fundador do Grupo André Maggi e governador de Mato Grosso, assinou o pacto depois de declarações polemicas na campanha estadual Cidadania sim, trabalho escravo não, onde afirmou: “Não conheço trabalho escravo no Mato Grosso, mais já vi trabalhadores em situação degradante”. A Amaggi, responsável pela exportação e importação, comercializava soja com duas fazendas que integravam o Cadastro de Empregadores. A Barão e a Vó Gercy em Mato Grosso. 3 Dados do MDA encontrados no site: http://www.mda.gov.br/portal/noticias/item?item_id=3567989 (acessado dia 02 abril. 2012) 4 Os dados fornecidos pela CPT são dinâmicos, sendo assim, alguns números e valores podem ser alterados, modificados e atualizados pela ONG. Os valores aqui expostos podem, dessa forma, ser diferentes dos apresentados em outras publicações.

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Referências

BARATA, Ronaldo. Inventário da Violência: Crime e Impunidade no Campo Paraense, Cejup, Belém: 1995. CARAM, Dalto. Violência na Sociedade Contemporânea, Rio de janeiro: Vozes, 1977. MELO, J.A.T. (org). Reforma Agrária quando? CPI mostra as causas da luta pela terra no Brasil, Brasília: Gráfica do Congresso Nacional, 2006. Vários Autores. Trabalho Escravo no Brasil Contemporâneo, São Paulo: Edições Loyola e CPT, 1999. Organização Internacional do Trabalho; SAKAMOTO, Leonardo (ORG). Trabalho Escravo no Brasil no Século XXI, Brasília: OIT, 2006. Disponível In: http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/forced_labour/pub/trabalho_escravo_no_brasil_do_%20seculo_%20xxi_315.pdf (acessado dia 20/10/2011) As boa práticas de inspeção do trabalho no Brasil: a erradicação do trabalho análogo ao de escravo / Organização Internacional do Trabalho, Brasília: OIT, 2010. Disponível In: http://www.oitbrasil.org.br/sites/default/files/topic/labour_inspection/pub/trabalho_escravo_inspecao_279.pdf (acessado dia 15/10/2011)