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2148 TRABALHO NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA: CONCEPÇÕES TEÓRICAS DOS CLÁSSICOS ADAM SMITH E KARL MARX Luiza Pimenta Guimarães 1 Gilmar Ribeiro dos Santos 2 Raimara Gonçalves Pereira 3 Samira de Alkimim Bastos Miranda 4 RESUMO Os clássicos Adam Smith (1723-1790) e Karl Marx (1818-1883), em suas épocas, realizaram amplos estudos sobre o trabalho no modo de produção capitalista e suas teorias influenciaram o pensamento de diversas áreas científicas. De um lado temos os postulados liberais, trazidos por Smith, e do outro, a perspectiva materialista-histórica trazida por Marx. Com o objetivo de analisar e confrontar os elementos conceituais que cada um concebe em relação a categoria trabalho, principalmente sobre a divisão do trabalho no capitalismo, este estudo utilizou-se do método de análise comparada. Para Smith a divisão do trabalho é um fator positivo, poderoso e necessário para propulsionar a economia, na medida em que a relação harmônica entre as duas principais classes da sociedade, trabalhadores e capitalistas, favorece a acumulação da riqueza. Já Marx, ao contrário, afirma que a divisão do trabalho assumiu no capitalismo um caráter nega- tivo, pois dela decorre a exploração e a alienação do trabalhador (proletariado) - dono da força de trabalho, pelo capitalista (burguesia) - dono dos meios de produção. Sendo essa contraditória e conflituosa relação, a essência causadora da desigualdade social moderna. Assim, este estudo considera que esses dois grandes clássicos expressaram divergentes e, muitas vezes, antagôni- cas ideias, que, ao final, deixa a convicção de que a relação trabalho é uma construção histórica do homem enquanto ser social, portanto, passível de transformação. Palavras-Chave: Trabalho; modo de produção capitalista; Smith versus Marx. 1 Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) / Programa de Pós-Graduação em Desen- volvimento Social (PPGDS) / E-mail: [email protected] 2 Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) / Programa de Pós-Graduação em Desen- volvimento Social (PPGDS) / E-mail: [email protected] 3 Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) / Programa de Pós-Graduação em Desen- volvimento Social (PPGDS) / E-mail: [email protected] 4 Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) / Programa de Pós-Graduação em Desen- volvimento Social (PPGDS) / E-mail: [email protected]

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TRABALHO NO MODO DE PRODUÇÃO CAPITALISTA: CONCEPÇÕES TEÓRICAS DOS CLÁSSICOS ADAM SMITH

E KARL MARX

Luiza Pimenta Guimarães1

Gilmar Ribeiro dos Santos2

Raimara Gonçalves Pereira3

Samira de Alkimim Bastos Miranda4

RESUMO

Os clássicos Adam Smith (1723-1790) e Karl Marx (1818-1883), em suas épocas, realizaram amplos estudos sobre o trabalho no modo de produção capitalista e suas teorias infl uenciaram o pensamento de diversas áreas científi cas. De um lado temos os postulados liberais, trazidos por Smith, e do outro, a perspectiva materialista-histórica trazida por Marx. Com o objetivo de analisar e confrontar os elementos conceituais que cada um concebe em relação a categoria trabalho, principalmente sobre a divisão do trabalho no capitalismo, este estudo utilizou-se do método de análise comparada. Para Smith a divisão do trabalho é um fator positivo, poderoso e necessário para propulsionar a economia, na medida em que a relação harmônica entre as duas principais classes da sociedade, trabalhadores e capitalistas, favorece a acumulação da riqueza. Já Marx, ao contrário, afi rma que a divisão do trabalho assumiu no capitalismo um caráter nega-tivo, pois dela decorre a exploração e a alienação do trabalhador (proletariado) - dono da força de trabalho, pelo capitalista (burguesia) - dono dos meios de produção. Sendo essa contraditória e confl ituosa relação, a essência causadora da desigualdade social moderna. Assim, este estudo considera que esses dois grandes clássicos expressaram divergentes e, muitas vezes, antagôni-cas ideias, que, ao fi nal, deixa a convicção de que a relação trabalho é uma construção histórica do homem enquanto ser social, portanto, passível de transformação.

Palavras-Chave: Trabalho; modo de produção capitalista; Smith versus Marx.

1 Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) / Programa de Pós-Graduação em Desen-volvimento Social (PPGDS) / E-mail: [email protected] Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) / Programa de Pós-Graduação em Desen-volvimento Social (PPGDS) / E-mail: [email protected] 3 Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) / Programa de Pós-Graduação em Desen-volvimento Social (PPGDS) / E-mail: [email protected] Universidade Estadual de Montes Claros (UNIMONTES) / Programa de Pós-Graduação em Desen-volvimento Social (PPGDS) / E-mail: [email protected]

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INTRODUÇÃO

Este estudo tem como objetivo refl etir sobre o trabalho no modo de produção capitalista, numa sociedade marcada por interesses antagônicos, a partir das concepções teóricas dos clás-sicos Adam Smith e Karl Marx.

Adam Smith (1723 — 1790) foi um fi lósofo e economista britânico nascido na Escó-cia. Teve como cenário o atribulado século das Luzes, o século XVIII. Considerado o pai da economia moderna, é o mais importante teórico do liberalismo econômico. Em sua obra mais conhecida, “Riqueza das Nações”, procurou demonstrar que a riqueza resulta da atuação de indivíduos que, movidos pelo seu próprio interesse, promovem o crescimento econômico, a riqueza da sociedade como um todo. “Assim, o mercador ou comerciante, movido apenas pelo seu próprio interesse (self-interest), é levado por uma mão invisível a promover algo que nunca fez parte do interesse dele: o bem-estar da sociedade.”

Smith analisou a divisão do trabalho como um fator positivo, poderoso e necessário para propulsionar a economia. Suas ideias levava à crença de que a economia e a sociedade, ao mesmo modo da natureza, tendiam ao equilíbrio e à harmonia, cada qual à maneira como construíram seu edifício teórico. Nesse sentido, para o clássico, a divisão do trabalho e o apri-moramento das forças produtivas favoreciam a acumulação de capital, o crescimento econômi-co e a expansão da riqueza de maneira a envolver positivamente as duas principais classes da sociedade: trabalhadores e capitalistas. Assim, os postulados de Smith exerceram uma grande infl uência na burguesia (comerciantes, industriais e fi nancistas), pois queriam acabar com os direitos feudais e com o mercantilismo.

Já Karl Marx (1818 – 1883), foi um fi lósofo, sociólogo, jornalista e revolucionário so-cialista. Nascido na Prússia, ele mais tarde se tornou apátrida e passou grande parte de sua vida em Londres, no Reino Unido. Fundador do materialismo histórico, defende que a evolução histórica, desde as sociedades mais remotas até a atual, se dá pelos confrontos entre diferentes classes sociais decorrentes da “exploração do homem pelo homem”. Assim, como exemplos apontados por Marx, temos durante o feudalismo os servos que teriam sido oprimidos pelos senhores, enquanto que no capitalismo seria a classe proletária pela burguesia.

O pensamento de Marx estabeleceu a base para muito do entendimento atual sobre o trabalho e sua relação com o capital. Segundo Marx, a relação capital, trabalho e alienação promovem a coisifi cação ou reifi cação do mundo. Em razão da divisão social do trabalho e dos meios, a sociedade se extrema entre os detentores (burguesia) e os não detentores dos meios de produção (proletariado). Surgem, então, a classe burguesa e a classe proletária, sendo a classe burguesa aquela que detém e mantém poder sobre os meios de produção e a classe proletária a que se vê obrigada a se submeter a burguesia, através da sua força de trabalho, para sobrevi-ver.

Dado a amplitude das ideias e teorias dos grandes clássicos Adam Smith (1723-1790) e Karl Marx (1818-1883), este estudo se centrou em apontar, analisar e confrontar os elemen-tos conceituais que cada um traz em relação a categoria trabalho, especifi camente no modo de produção capitalista.

Vale destacar, que segundo Marx (1985, p. 260),

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O modo de produção é a forma como os homens produzem e reproduzem a vida, em um determinado momento histórico, em dadas condições e circunstância. Os elemen-tos que compõem a vida humana não são naturais, mas sociais e os homens se fazem homens à medida que se diferenciam da natureza e na relação que estabelecem entre si, enquanto ser social.

Nesse sentido, através do método de análise comparada, a partir da visão liberal de Smi-th e materialista-histórica de Marx, este estudo aproxima-se do objeto de análise e expõe o de-sencadeamento e especifi cidades da divisão do trabalho no modo de produção capitalista. Dois grandes clássicos, que viveram em épocas distintas, expressam divergentes e, muitas vezes antagônicas, concepções sobre o trabalho; a divisão do trabalho: causas e consequências; o ho-mem; o trabalhador; os meio de produção; e a riqueza social que resulta do trabalho humano.

Assim, este dispõe de algumas considerações provisórias e relativas às apropriações teóricas, com pleno esclarecimento de que a relação trabalho é historicamente construída, não é neutra, nem despida de interesses. Mas certamente é resultado do que determina o homem, ao mesmo tempo em que o homem determina algo, portanto, a transformação é possível.

“TRABALHO”: UM CONFRONTO DE IDEIAS ENTRE SMITH E MARX

Os clássicos Adam Smith e Karl Marx, em suas épocas, realizaram amplos estudos sobre o trabalho no modo de produção capitalista e fundamentaram concepções divergentes, que infl uenciaram o pensamento e a prática de diversas áreas científi cas. De um lado temos os postulados liberais, trazidos por Smith, e do outro, a perspectiva materialista-histórica trazida por Marx.

O pensamento liberal teve sua origem no século XVII, através das investigações sobre política publicadas pelo fi lósofo inglês John Locke. Mas no século XVIII, o liberalismo eco-nômico ganhou força com as ideias de Adam Smith, tendo como princípios básicos a defesa da propriedade privada; a liberdade econômica (livre mercado); a mínima intervenção do Estado nos assuntos econômicos da nação; e a igualdade perante a lei (estado de direito). Nesse senti-do, a característica principal do liberalismo econômico é a defesa da emancipação da economia de qualquer dogma externo a ela mesma, ou seja, a eliminação de interferências provenientes de qualquer outro meio “externo” na economia.

Já o materialismo histórico é uma abordagem metodológica que busca as causas de de-senvolvimentos e mudanças na sociedade, através dos meios que os serem humanos produzem e reproduzem coletivamente suas necessidades. Dessa forma, pela perspectiva materialista his-tórica de Marx, o regime capitalista de produção,

(...)constitui um regime de tipo especial, e que corresponde a uma condicionalidade histórica específi ca; que, como qualquer outro regime de produção concreto, pressu-põe, como condição histórica, uma determinada fase das forças sociais produtivas e de suas formas de desenvolvimento, condição que, é, por sua vez, resultado e produto histórico de um processo anterior; e do qual parte o novo tipo de produção como de sua base dada; que as relações de produção que correspondem a este regime de pro-

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dução específi co, historicamente determinado – relações que os homens contraem em seu processo social de vida, na criação de sua vida social -, apresentam um caráter específi co, histórico e transitório; e fi nalmente, que as relações de distribuição são essencialmente idênticas a estas relações de produção, o seu reverso, pois ambas apre-sentam o mesmo caráter histórico transitório. (MARX, 1988, p. 75)

Nesse sentido, as classes sociais e a relação entre elas, além das estruturas políticas e formas de pensar de uma dada sociedade, são fundamentais na análise da atividade econômica, pois, a história sempre está ligada ao mundo dos homens enquanto produtores de suas condições concretas de vida e, portanto, tem sua base fi ncada nas raízes do mundo material, organizado por todos aqueles que compõem a sociedade.

A partir dessas opostas correntes, a categoria trabalho é analisada de um modo por Adam Smith e de outro por Karl Marx. Para uma melhor compreensão, abordaremos primeiramente as ideias de Smith e, em seguida, as de Marx.

Para Smith (1979), o trabalho fornece a nação tudo que é necessário e útil a sobrevivência do homem. Através da destreza, discernimento e engenho, o trabalho leva a abundância de produção, e caso feito de forma contrária, leva a insufi ciência de produção. Em especial, a economia do tempo, através da subdivisão do número de tarefas particulares, possibilita que cada indivíduo saiba mais sobre sua tarefa particular, o que leva a maior produtividade.

Nesse sentido, a enorme variedade de trabalho utilizadas nas fábricas, não seria possível “sem o esforço e a cooperação de milhares de pessoas, o homem mais insignifi cante de um país civilizado não poderia ser abastecido com aquilo de que necessita mesmo que sua vida se resuma à simplicidade que, aliás falsamente, se lhe atribui”, portanto, o trabalho é cooperado, pois “o homem necessita permanentemente da cooperação e assistência de muitos outros homens” (SMITH, 1979, p. 12).

Na concepção de Smith (1983), em um primeiro estágio da humanidade que antecede a propriedade e a existência do capital privado, o trabalhador fi ca com todo o fruto do seu trabalho. Porém, em decorrência do surgimento da apropriação da terra e da propriedade do capital por alguns, resta ao trabalhador apenas uma parte do resultado de seu trabalho, pago na forma de salário, de maneira que a outra parte do “seu” trabalho passa a ser absorvida na forma de lucro pelo capitalista, uma espécie de remuneração do capital por ter este adiantado uma soma em dinheiro para que a produção e seu respectivo aumento fossem possíveis.

Neste sistema, segundo Smith, os capitalistas, detentores dos meios de produção, sempre agem no intuito exclusivo de reduzir ou impedir aumentos de salários para, dessa forma, baixarem os seus custos de produção e, consequentemente, manterem ou aumentarem seus lucros. Entretanto, há um limite para essa redução salarial, os capitalistas reduzem o salário até chegar ao mínimo para cobrir os bens necessários à subsistência do trabalhador e sua família, ou seja, o valor ou preço natural do trabalho. De qualquer forma, devido a extrema necessidade dos trabalhadores, os “patrões” tiram proveito da situação e colocam os salários a níveis baixíssimos.

Assim, para Smith, o mecanismo regulador do nível de salário é a relação entre oferta e demanda no mercado de trabalho. Enquanto o valor do salário, teoricamente, é determinado pelo valor dos meios de subsistência necessário à manutenção e reprodução do trabalhador e sua família. Como este clássico é um liberal, ele tem a concepção de que o estado de equilíbrio e harmonia do mercado, propiciada pela mão-invisível, viabiliza a longo prazo a coincidência entre preço de mercado e preço natural, e que as situações instáveis não são proveitosas nem para os capitalistas nem para os trabalhadores.

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Em relação à divisão do trabalho, Smith (1979) considera que esta é uma divisão puramente técnica, o desenvolvimento técnico tende, em verdade, a dividir o trabalho. Para o autor, a divisão do trabalho está relacionada com a propensão humana para a troca de acordo com o interesse pessoal. “Pela troca os homens estabelecem relações de necessidade e tornam-se dependentes uns dos outros”.

Esse clássico considera que o leva um homem a se dedicar-se a uma única tarefa e a aperfeiçoar-se é a certeza da troca que produz o excedente. Ou seja, se não houvesse essa tendência natural de troca cada um produziria “todas as coisas necessárias e úteis para a sua vida. Todos teriam os mesmos deveres e realizariam o mesmo trabalho. Nessa condição, nunca poderia existir a enorme diferença de ocupações que, por si só, dá origem à diversidade das aptidões” (SMITH, 1979, p. 15).

Segundo a análise de Zuck (2013), Smith tem em mente que são as habilidades que fazem com que os homens produzam, se especializem e troquem e, ao passo que ampliam a produção, podem buscar tudo o que necessitam. E nesse sentido, o contrato, a compra e a troca tornam-se essenciais. Contudo, devido a extensão do mercado, só é possível falar na tão enfatizada troca porque há divisão do trabalho.

Entretanto, os autores Lima, Santos & Gondim (2012) interpretam que há um impasse teórico na obra de Smith “A Riqueza das Nações” (1983) em relação a divisão do trabalho, quando ele afi rma que esta divisão leva ao desenvolvimento das forças produtivas, nas quais permitem uma expansão geral da produção e de mercadorias, que se torna acessível a todos e, consequentemente, promove o bem-estar geral e, em sentido amplo, a riqueza de uma nação. Para uma melhor compreensão, os autores trazem a afi rmativa de Smith de que a elevação dos salários depende, num contexto macroeconômico, da riqueza nacional, através do aumento da renda e do capital de um país. E a nação que se mantém em progresso contínuo tende a apresentar melhores salários para os seus cidadãos. Porém, eles questionam: “como é possível ao trabalhador, que recebe um salário de subsistência, almejar a melhoria de suas condições de vida?”

Smith responderia que à medida que aumenta o acúmulo de capital, cresce a demanda por trabalhadores, pressionando o aumento dos salários, permitindo ganhos reais de salários e alternativas de consumo. Mas, o próprio clássico afi rma que essa situação é momentânea, então o impasse permanece.

Vale destacar que a sua concepção de riqueza apresenta duas versões, por assim dizer:

Todo homem é rico ou pobre, de acordo com o grau em que consegue desfrutar das coisas necessárias, das coisas convenientes e dos prazeres da vida. [...] um homem será então rico ou pobre, conforme a quantidade de serviço alheio que está em condi-ções de encomendar ou comprar. (SMITH, 1983, p. 63)

Ou seja, para desfrutar de riqueza o homem tem que está em condição de troca. E essa condição de troca, na sua visão, só é possível com a divisão do trabalho. Voltando para a interpretação de Zuck (2013), Smith entende que é esta divisão que leva ao aumento proporcional da produtividade, ela é a base do sistema produtivo. Assim, quanto mais evoluída for a sociedade, maior é a divisão do trabalho nela presente. A nação industrializada é mais rica, porque nela há maior divisão de trabalho.

A autora ainda enfatiza que esse clássico defende que quanto mais simples for o trabalho, menos movimentos forem necessários, mais aprimorado o será, e consequentemente, maior será a produção. Portanto, como já dito, ele tem a concepção de que o desenvolvimento da destreza

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do trabalhador naquela função específi ca, economiza tempo, aumenta a quantidade de trabalho realizado, e em decorrência, eleva a produtividade e os lucros.

Para Smith, a grande multiplicação da produção de diferentes atividades humanas, originada pela divisão do trabalho fabril é “que cria, numa sociedade bem governada, a possibilidade de estender o bem-estar até as camadas mais baixas do povo” e que o desenvolvimento dessa forma de produzir abundância gera abundância geral, pois “Cada trabalhador fornece às outras pessoas aquilo de que necessitam e estas pagam-lhe do mesmo modo” (SMITH, 1979, p. 11). Com essa afi rmativa, fi ca nítido o impasse citado por Lima, Santos & Gondim (2012), pois o grande clássico acaba colocando em iguais condições trabalhadores e capitalistas.

A nítida concepção de que o acesso a riqueza deve-se à difusão da divisão do trabalho, é explicado por ele próprio:

É a grande multiplicação das produções de todos os diversos ofícios – multiplicação esta decorrente da divisão do trabalho – que gera, em uma sociedade bem dirigida, aquela riqueza universal que se estende até às camadas mais baixas do povo. Cada trabalhador tem para vender uma grande quantidade do seu próprio trabalho, além daquela de que ele mesmo necessita, e pelo fato de todos os outros trabalhadores estarem exatamente na mesma situação, pode ele trocar grande parte de seus próprios bens por uma grande quantidade, ou – o que é a mesma coisa – pelo preço de grande quantidade de bens desses outros. Fornece-lhes em abundância aquilo de que care-cem, e estes, por sua vez, com a mesma abundância, lhe fornecem aquilo de que ele necessita; assim é que em todas as camadas da sociedade se difunde uma abundância geral de bens. (1983, p. 45-46)

Nessa afi rmação, segundo Lima, Santos & Gondim (2012), mais uma vez fi ca claro que não há distinção entre as classes e a possibilidade de acesso aos bens, a “riqueza”, pois cada trabalhador, de posse de seu trabalho, poderá trocar o excedente por uma grande quantidade de trabalho (na forma de bens) de outros trabalhadores. Dessa forma, fi ca explícito que o trabalha-dor é possuidor do seu próprio trabalho e não há alienação.

Os autores ainda afi rmam que, em Smith, a apropriação de trabalho alheio se dar nas relações de troca, no mercado, “mistifi ca a exploração do trabalho”, isso porque parte do pres-suposto de que as relações ocorrem entre equivalentes, e “o poder de um indivíduo em relação a outro está na capacidade de sua mercadoria demandar mais ou menos trabalho na troca, de forma que é uma vantagem natural”.

Esse clássico raciona o poder sobre o trabalho, colocando que a forma de obtenção de mercadorias na troca subtende o poder sobre o trabalho incorporado nessas mercadorias. Segundo Smith (1983), “o empregador compra o trabalho do operário ora por uma quantidade maior de bens, ora por uma quantidade menor, a depender do preço dessas mercadorias”.

Nesse ponto, vale ressaltar a afi rmação de Zuck (2013), de que a concepção de homem e de trabalhador corresponde e só faz sentido se inserida a uma visão de sociedade. Assim, Smith (1979) vê a sociedade como um processo progressivo, fala sempre “no progresso da sociedade” e em evolução. Nesse sentido, o trabalho de um único homem num estado primitivo da socie-dade passa a ser realizado por diversos numa sociedade mais evoluída, que se estende, como de uma nação mais desenvolvida e central para as demais regiões do interior.

Ou seja, as diferenças sociais são consideras por Smith como naturais, e o que faz um

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país ser mais ou menos rico é a utilização da técnica. A partir dessa perspectiva, os países mais desenvolvidos são os industriais, pois empregam mais técnicas. E se a nação é rica sua popula-ção também é, em amplo sentido, pois, como já explanado, o autor compreende que a abundân-cia geral que leva riqueza (bens) a todos.

A partir dessas colocações, verifi ca-se que o clássico tem a concepção de que a riqueza social é resultado do trabalho naturalmente distribuído entre as diferentes camadas sociais, cuja divisão permite que se produza muita riqueza. Segundo Zuck (2013), para Smith “as pessoas trocam os resultados de seus trabalhos e a necessidade de muitos pode ser suprida pelo trabalho de poucos, sendo que até os mais pobres tem acesso à riqueza, se a sociedade for bem gover-nada”. Dessa forma, para ele não há problema algum em uns terem mais bens e outros menos, porque “isso é natural”, depende da capacidade e atributo de cada um no seu fazer. Como tam-bém, o trabalhador sempre produz mais que aquilo que precisa e troca por igual quantidade de produto (mercadoria) ou pelo preço do produto (dinheiro). “Logo, iguala produto e capital”. Porém, a autora ressalta que Smith só não disse para quem o trabalho produz riqueza, “visto que inúmeras pessoas trabalham, arduamente, a vida inteira, e não saem da miséria, sem se referir a lógica constitutiva de reprodução desigual e combinada do capital”.

Em relação especifi camente ao trabalhador, Smith (1979) concebe que todos nascem com igual capacidade, mas cada um tem uma aptidão diferente do outro, que depende do ta-lento e do esforço para se ter sucesso em alguma tarefa. No entanto, ele enfatiza que todos tem as mesmas condições de disputar a propriedade que é “tão valiosa quanto a vida”. Além disso, o homem é um ser competitivo e somente se aproxima do outro para a satisfação de alguma necessidade, movido pelo seu próprio interesse. Para o clássico, o que o difere dos animais é trocar, barganhar e trabalhar cooperavelmente.

Numa passagem da “Riqueza da Nações” (1983) ele afi rma: “o trabalhador é rico ou pobre, é bem ou mal remunerado, em proporção ao preço real do seu trabalho, e não em pro-porção ao respectivo preço nominal”. Porém, Lima, Santos & Gondim (2012) questiona essa passagem dizendo que devido o salário do trabalhador ser um montante fi xo, ou seja, um salário de subsistência, a possibilidade deste sujeito tornar-se rico é bastante remota, pois, como disse o próprio Smith, sua riqueza depende do poder de compra do salário.

Nesse sentido, pensando no estágio primitivo em que o produto do trabalho pertence ao trabalhador, a melhoria da sua condição de vida realmente dependeria da sua capacidade e do poder do seu trabalho na obtenção de uma quantidade maior de bens, de “riqueza”. Entretanto, o modo de produção capitalista mudou a lógica da distribuição do produto do trabalho, conforme a afi rmativa abaixo.

No momento em que o patrimônio ou capital se acumulou nas mãos de pessoas par-ticulares, algumas delas naturalmente empregarão esse capital para contratar pessoas laboriosas, fornecendo-lhes matérias-primas e subsistência a fi m de auferir lucro com a venda do trabalho dessas pessoas ou com aquilo que este trabalho acrescenta ao valor desses materiais. (SMITH, 1983 p. 77-78)

Ou seja, Smith deixa claro que o lucro, a obtenção da riqueza do dono do capital, pro-vém da apropriação do trabalho. Isso porque, segundo o clássico, o valor produzido pelos traba-

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lhadores, no modo de produção capitalista, se desdobra em duas partes: uma paga o salário e a outra o lucro dos empresários, deixando de lado a renda da terra. Assim, Smith reconhece que, “nessa situação, o produto total do trabalho nem sempre pertence ao trabalhador. Na maioria dos casos, este deve reparti-lo com o dono do capital que lhe dá emprego” (SMITH, 1983).

Na visão de Lima, Santos & Gondim (2012), isso é claramente a apropriação de parte do trabalho do trabalhador, ou melhor, a mais-valia convertida em lucro, que Marx posteriormente se debouçou. Apesar de Smith ter, em certa medida, ciência disso, para ele não há exploração do trabalhador, porque considera justo a remuneração do capital como fator de produção necessá-rio. Segundo o clássico, a divisão do trabalho depende da participação do capital e vice-versa, e seu proprietário requer uma renda, que se diferencia do salário, “pelo trabalho de inspecionar e dirigir”. Smith enfatiza que todas as rendas, seja salário, lucro ou renda da terra, provém do trabalho. “O trabalho mede o valor não somente daquela parte do preço que se desdobra em tra-balho efetivo, mas também daquela representada pela renda da terra, e daquela que se desdobra no lucro devido ao empresário.” (SMITH, 1983).

Finalmente, quanto às ferramentas e máquinas utilizadas para a realização do trabalho, Smith (1979) concebe que a construção destes instrumentos, em grande parte, vem do conhe-cimento e envolvimento dos próprios trabalhadores. Além disso, para ele a máquina é um im-portante mecanismo facilitador do trabalho que se realiza, reduz tempo e “deixa o homem mais livre para fazer outras coisas”.

Assim, a origem das ferramentas também está relacionada com a divisão do trabalho. Grande parte delas foram “inventadas pelos próprios trabalhadores que, tendo sido empregados em tarefas muito simples, dirigiam naturalmente os seus pensamentos para a tentativa de as simplifi car e facilitar ainda mais”. Entretanto, Smith ressalta que, principalmente em se tratan-do de desenvolvimento de maquinaria, “muitas modifi cações foram desenvolvidas pelo enge-nho dos fabricantes de máquinas e outras foram pensadas por fi lósofos que sabem combinar as potencialidades dos objetos mais díspares”. (SMITH, 1979).

Outro importante concepção de Smith em relação à divisão do trabalho, é a correlação “conveniente e mantedora” entre demanda por trabalho, preço nominal do trabalho e a acumu-lação do capital na forma de lucro. Para ele, a renda vai além do necessário para a manutenção da produção, ou melhor, além do necessário para os patrões manterem seus “negócios”. Nesse sentido, do lucro se tira o salário, e do restante uma parcela vai para o consumo do capitalista e a outra para seu investimento. Entretanto essa última deve ser ampla o sufi ciente para se investir viavelmente em máquinas, trabalhadores, matérias-primas, etc. E assim, as forças do mercado de trabalho serão desfavoráveis aos trabalhadores, permitindo que “os salários nominais caiam abaixo do salário real.” (SIMITH, 1983).

Ou seja, os salários são mantidos baixos e os preços controlados, permitindo os super-lucros. Segundo o clássico, em momento algum os comerciantes e empresários permitem abai-xarem suas taxas de lucro, já o salário que pagam aos trabalhadores tentam abaixar o quanto possível.

Os patrões estão sempre e em toda parte em conluio tácito, mas constante e uniforme para não elevar os salários do trabalho acima de sua taxa em vigor. E, mais que isso, os patrões fazem conchavos destinados a baixar os salários do trabalho, mesmo aquém

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de sua taxa em vigor. (SMITH, 1983, p. 93).

Contudo, Smith considera que essa é a maneira favorável e necessária a existência da classe capitalista. Em momento algum descorda e critica à utilização da maquinaria, a explo-ração do trabalhador, a propriedade privada e a acumulação capitalista. Pelo contrário, ele em certa medida, comi visto, “naturaliza” esse modo de produção em sociedade.

Em contrapartida, o teórica Karl Marx, através da corrente de pensamento considerada a mais revolucionária da teoria social moderna, o materialismo histórico, tem a concepção de que qualquer sociedade pressupõe como ponto de partida as relações sociais que os homens estabelecem entre si para utilizar os meios de produção e transformar a natureza. A partir dessa perspectiva, segundo Caetado (2009), o pensamento de Marx veio denunciar as contradições básicas da sociedade capitalista, embasadas em um ideal revolucionário e numa proposta de ação política prática.

No que diz respeito ao trabalho, Marx primeiramente parte de uma visão ontológica, e nos diz que a reprodução da vida humana se dá através do trabalho e a forma como se organiza o trabalho provoca uma forma de produzir a própria sociedade. Segundo o clássico, a base de todo trabalho é a natureza, porque através desta se origina os meios de subsistência do trabalho. No entanto, o capitalismo transformou o trabalho em mercadoria, assim, pode se vender e com-prar a “força de trabalho” como qualquer outra mercadoria (MARX, 1985).

Para Marx, no modo de produção capitalista, o trabalhador recebe um salário, mas este não corresponde, em termos de valor, ao resultado de sua produção total, pois há uma apropria-ção do tempo de trabalho excedente por parte dos donos dos meios de produção, os capitalis-tas. Esse tempo de trabalho excedente, denominada pelo clássico de “mais-valia”, que gera o “lucro” para o capitalista e constitui-se em uma fi nalidade direta e determinante neste regime de produção. Segundo o autor, “o capital produz essencialmente capital, e, para poder fazê-lo, não tem outro caminho a não ser produzir mais-valia” (Marx, 1988, p. 78). Nesse sentido, o capitalismo tende a reduzir ao máximo o tempo de trabalho necessário para a produção de uma mercadoria e consonantemente os custos envolvidos, principalmente o salário.

Ou seja, Marx traz a concepção de que no capitalismo o trabalho assume a forma de tra-balho assalariado e os meios de produção a forma de capital, sendo estes dois agentes essenciais para a produção. Mas nesta, uma parte do valor (produto) aparece como mais-valia e a mais-valia como lucro (renda do solo) que gera a riqueza adicional ao capitalista, ou “novo capital”, que amplia o processo de reprodução e acumulação capitalista.

Os diferentes trabalhos assalariados que existem no modo de produção capitalista, estão relacionados às diferentes formas de reproduzir a força de trabalho. A manufatura trouxe uma hierarquia ou escala de salários, conforme a complexidade, o tempo e a resistência das forças de trabalho, que somente o trabalhador se dispõe. Entretanto, segundo o clássico, qualquer que seja o trabalho no capitalismo, haverá a separação do trabalhador dos meios de produção, a separação entre pensar e executar, entre trabalho intelectual e manual, pois esse modo de produção “se apodera da força individual de trabalho em suas raízes [...] aleija o trabalhador convertendo-o numa anomalia, ao fomentar artifi cialmente sua habilidade no pormenor me-diante a repressão de um mundo de impulsos e capacidades produtivas” (MARX, 1985, p. 283).

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Portanto, o trabalho no capitalismo obstaculiza o pleno desenvolvimento dos homens, deixa de ser essencialmente humano e torna-se um trabalho alienado, com um único objetivo: satisfazer as necessidades criadas para a reprodução e acumulação do capital.

No Manifesto do Partido Comunista, uma das primeiras obras de Marx, já denunciava o modo de produção capitalista, ao afi rmar que os operários concorriam entre si pelo trabalho assalariado, um trabalho ínfamo, sem atração, simples, monótomo, em que o operário tornava-se um apêndice da máquina fabril para garantir sua sobrevivência. Cada um com sua função bem defi nida, limitada e mecânica ocupando quase todas as horas do dia, trouxe o que clássico chama de divisão social do trabalho, que traz como consequência a alienação. (MARX, 1999).

Assim, para uma melhor compreensão dessa chamada alienação do trabalho trazida por Marx, torna-se fundamental abordar a análise que o autor fez da divisão do trabalho. Na sua concepção, esta é uma divisão social e técnica constituída como base para a produção de mer-cadorias na sociedade capitalista. Segundo a qual, mediada pelo intercambio de mercadorias, separa cidade e campo, e toda a história econômica da sociedade parte desse movimento antí-doto. Portanto o capitalismo partiu da determinação da divisão social do trabalho, que separa o produto do trabalho (que pertence a outrem) do próprio ato de produzir (força de trabalho). Separa os meios de produção, a técnica e o produto, do próprio trabalhador. Assim, “A divisão manufatureira do trabalho pressupõe a concentração dos meios de produção nas mãos de um capitalista, a divisão social do trabalho, fracionamento dos meios de produção entre muitos produtores de mercadorias independentes entre si” (MARX, 1985, p. 280).

De acordo com Zuck (2013), na divisão social do trabalho os trabalhadores, que são a maioria da população, estão sob a lógica da compra e venda de sua força de trabalho conforme a autoridade da concorrência e da coerção, como qualquer outra mercadoria no sistema capita-lista. Mas, especifi camente a “divisão manufatureira do trabalho” desenvolveu o crescimento de trabalhadores empregados em uma determinada técnica.

O mínimo de trabalhadores, que um capitalista individual tem de empregar, é-lhe agora prescrito pela divisão do trabalho estabelecida. [...] O incremento progressivo do volume mínimo de capital em mãos de capitalistas individuais ou a transformação crescente dos meios sociais de subsistência e dos meios de produção em capital é por-tanto uma lei que decorre do caráter técnico da manufatura. (p. 282).

A cooperação baseada na divisão do trabalho adquire, portanto, sua forma clássica na manufatura tendo dupla origem:

(1) [...] combinação de ofícios autônomos de diferentes espécies, que são despidos de sua autonomia e tornados unilaterais até o ponto em que constituem apenas operações parciais que se complementam mutuamente no processo de produção de uma única e mesma mercadoria. [...] (2) parte da cooperação de artífi ces da mesma espécie, de-compõe o mesmo ofício individual em suas diversas operações particulares e as isola e as torna autônomas até o ponto em que cada uma delas torna-se função exclusiva de um trabalhador específi co (MARX, 1985, p. 268).

Assim, vê-se claramente que Marx associa a divisão do trabalho ao início da manufa-

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tura, mas salienta que esta divisão ganha consistência e se torna um modo planejado e siste-mático de produção capitalista. Dessa forma, a divisão social e técnica do trabalho é um “meio de produzir com o mesmo quantum de trabalho mais mercadorias, portanto para baratear as mercadorias e acelerar a acumulação do capital” (MARX, 1985). O que se transforma são os instrumentos e as técnicas de trabalho, mas a condição de alienação e exploração do trabalhador sempre está presente.

A partir dessa perspectiva, Caetano (2009) afi rma que o clássico Marx identifi ca em seus estudos da sociedade capitalista que é na expansão das forças produtivas que se dá as relações de propriedade, a distribuição da renda entre os indivíduos e a formação das classes sociais. E que pelas classes sociais (Burguesia X Proletariado), os homens estabelecem uma relação so-cial de exploração, antagonismos sociais e alienação, sob a forma da apropriação dos meios de produção. “A expressão desta contradição entre as forças produtivas e as relações de produção é a luta de classes”.

Para Marx a sociedade está dividida em classes, cada uma com suas regras e condutas apropriadas, mas que estão inseridas em um único sistema que, como dito, é o Modo de Pro-dução Capitalista. Nesse sentido, considera a divisão do trabalho não só como um meio para se alcançar a produção de mercadorias, como também, a divisão de tarefas entre os indivíduos e ainda nas relações de propriedade. Ou seja, “a divisão do trabalho e a especialização das atividades em classes, é basicamente a divisão dos meios de produção e da força de trabalho” (CAETANO, 2009).

Vale ressaltar que, para Marx, a divisão social do trabalho sempre existiu em todas as sociedades. Esta divisão é inerente ao trabalho humano e ocorre em relação a tarefas econômi-cas, políticas e culturais. Desde as sociedades tradicionais a divisão do trabalho correspondia à divisão de papéis por gênero sendo sucedidas mais tarde, pela divisão das atividades como a agricultura, o artesanato e o comércio. No entanto, ainda na visão do clássico, a divisão do trabalho no modo de produção capitalista assumiu um caráter negativo, pois dela decorre a ex-ploração e a alienação do trabalhador (proletariado) - dono da força de trabalho, pelo capitalista (burguesia) - dono dos meios de produção. Sendo essa relação antagônica, a essência causadora da desigualdade social moderna, a segmentação da sociedade. Essa concepção desmonta com-pletamente a tese de Smith, pois a produção em abundância não gera abundância “riqueza” para todos.

Relembrando, o trabalhador se vê obrigado a vender sua força de trabalho ao capitalista, que por sua vez, se apropria do produto do trabalho do proletário. Neste contexto a força de trabalho se torna uma mercadoria, vendida ao empresário capitalista por um salário baixo, o mí-nimo possível para a sobrevivência do proletariado. Toda essa relação de exploração, de acordo com Marx, acontece sob a forma legal da propriedade privada dos meios de produção.

Segundo Caetano, 2009, p.27,

o estado de alienação do proletariado, resultado da divisão do trabalho, se refl ete nas formas de dominação da burguesia. Marx afi rma que o Estado é um instrumento cria-do pela burguesia para garantir seu domínio econômico sobre o proletariado, preser-vando e protegendo a propriedade privada dos meios de produção. O aparato jurídico, por sua vez, seria o responsável por garantir a igualdade entre os homens, camufl an-

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do a divisão da sociedade entre classes sociais distintas e com interesses opostos. A ideologia seria a encarregada de difundir a visão de mundo e os valores burgueses, legitimando e consolidando seu poder.

Mas o que seria exatamente esse estado de alienação do proletariado que Smith em momento algum tratou e Marx trouxe como algo extremamente negativo ao teorizar acerca da categoria trabalho?

Giannotti (2010) nos ajuda a esclarecer esse questionamento, quando trata sobre o tra-balho alienado. Segundo o autor, Marx afi rma que:

através do trabalho alienado o homem não só engendra suas relações com o objeto e com o ato de produção como poderes estranhos e hostis a ele mesmo, mas também engendra a relação na qual os outros homens se situam diante de sua produção e seu produto, e a relação em que se encontram com os outros homens (p. 92).

Nesse sentido, o clássico está nos dizendo que a alienação do trabalho corrompe as demais relações sociais e o status de cada pessoa refl ete sua situação em face do trabalho. Isso porque o trabalho se fi xa no objeto, no produto que alcança sua materialidade e sua objetivi-dade, sem considerar o produtor; o sujeito não se realiza na produção, e no fi nal, o produto lhe aparece como uma coisa estranha e hostil a fugir de seu controle.

Assim, para o clássico, a existência objetiva do mundo material ergue-se como um po-der autônomo e ameaçador. O processo de objetivação do trabalho é corrompedor e desnaturali-zador, no sentido de que perde a sua substância e sujeita o trabalhador ao mundo que ele próprio criou. Essa dessubtancialização alcança um ponto tal no modo de produção capitalista que o priva dos objetos indispensáveis ao seu trabalho e ao seu auto sustento.

Além disso, Giannotti (2010) vem salientar, com base nos estudos de Marx, que se há a alienação do produto, em paralelo, certamente corre a alienação do ato de produzir, ou seja, a ação de produzir também é alienada. Portanto, na chama “autoalienação do sujeito” (Selbsten-frendung), o trabalhador se encontra duplamente dependente com a natureza:

de um lado, esta lhe fornece o objeto de seu trabalho e, de outro, os meios necessários à sua sobrevivência não mais como trabalhador, momento de um processo mais am-plo de trabalho, mas enquanto indivíduo em geral. Além do mais, já que seu trabalho tem como resultado exacerbar a hostilidade das coisas, quanto mais se aplica em suas funções tanto mais fi ca na triste contingência de subsistir como indivíduo somente quando encontrar emprego (p.93).

Com isso, o trabalho passa a ser exterior ao trabalhador; há sempre um capitalista dis-posto a se apropriar da “força de trabalho” de outrem, do labor alheio. Nesse condição, o traba-lho torna-se forçado, totalmente desvinculado das necessidades e pretensões de quem produz. Sob sacrifício, mortifi cação e embrutecimento o trabalhador cai num caminho que o exterioriza e o objetiva. A ele nada mais resta senão a sobrevivência; Comer, beber, dormir e outras ações básicas deixam de ser humanas e passam a integrar o mundo do trabalho, e não podem ser mais separadas ou abstraídas desse contexto. Assim, no modo de produção capitalista, o trabalho desvincula-se brutalmente das formas de manifestação e realização do homem.

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Marx chega a expor que há nitidamente o desvirtuamento das relações vigentes entre o indivíduo e a espécie. Isso porque o operário de uma fábrica, por exemplo, perde o sentido social de sua ação, deixa sua qualidade de ser genérico e passa a executar sua limitada função isoladamente, “escravo das vicissitudes naturais e sociais”. Portanto, com o capitalismo, a di-mensão consciente da produção humana foi apagada; o trabalho alienado inverteu o sentido da atividade vital: “transforma-a num instrumento de garantia da existência de cada um, seja ela qual for, ao invés de fazer dela a manifestação de sua essência”.

Zuck (2013) traz a concepção de que Marx vê a acumulação, característica própria do capitalismo, decorrente do caráter técnico de produção de lucro à custa da expropriação e ex-ploração dos trabalhadores, mutilando-o, desapropriando seus saberes, aleijando-o. Diferen-temente de Smith, que toma o aumento da produtividade do trabalhador como próprio do de-senvolvimento das forças produtivas, em que a divisão do trabalho é positiva no aumento da destreza do trabalhador, na economia do tempo, no uso e aprimoramento de máquinas, por meio das quais um só homem faz o trabalho de muitos. Certamente, para Marx (1985), o aumento da produtividade está relacionada à concorrência, a necessidade de acumulação e reprodução de capital. Com a divisão do trabalho, há sim um signifi cativo aumento da produção, mas esta ocorre às custas da exploração humana.

Na sociedade capitalista, a mais-valia resulta do trabalho dos trabalhadores. A riqueza social, produzida pelos trabalhadores, é resultado da exploração material, civilizada e refi nada, exercida pelo capital sobre o trabalho, que produz novas condições de domi-nação. É a forma especifi camente capitalista do processo de produção social, é apenas um método especial de produzir mais-valia relativa ou aumentar a autovalorização do capital [...] à custa dos trabalhadores (MARX, 1985, p. 286)

O clássico veemente concebe que, no modo de produção capitalista, o homem passa a ser dividido, transforma-se “em motor de um trabalho parcial”, como um fragmento de seu pró-prio corpo. No capitalismo, o trabalhador é segregado do potencial humano, que lhe é negado e relegado a pequena parcela favorecida pela apropriação da riqueza produzida, os capitalistas. Em verdade, o trabalhador se distancia da condição de humano, pois não possui alternativas ou formas de trabalhar menos, para na maior parte do dia está liberto para realizar outras dimen-sões da vida humana. A concepção de homem enquanto ser que produz conforme suas neces-sidades e prazeres, dá literalmente lugar ao trabalhador que produz para o mercado, de acordo com os ditames capitalistas, e ao mesmo tempo que ele próprio se transforma em mercadoria. Nesse sentido, o desenvolvimento capitalista não potencializa a vida, mas é preciso estar vivo para trabalhar para outrem, gerar riqueza para outrem.

Essa concepção de Marx também diverge da de Smith, conforme visto. Para Smith (1979), o homem terá acesso aos bens materiais, a riqueza, se “for sóbrio e trabalhador”, desde que se habitue à indústria, às máquinas, aprimore suas técnicas e realize com destreza sua tarefa específi ca. Para ele, mesmo os mais pobres, através de máquinas úteis e esforço contínuo, con-seguem atingir boas condições de vida.

Diferentemente, Marx (1985, p. 283) afi rma:

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A divisão do trabalho pressupõe a autoridade incondicional do capitalista que concen-tra os meios de produção sobre os seres humanos, submete ao comando e à disciplina do capital o trabalhador antes autônomo e cria [...] uma graduação hierárquica entre os próprios trabalhadores. Os trabalhadores são transformados em simples membros de um mecanismo global ao qual pertence, estão anexados por toda a vida a uma operação parcial e subordinados ao capital. Enquanto na sociedade comunal o artesão realizava todas as operações pertinentes ao seu ofício, de maneira tradicional, mas independente e sem reconhecer nenhuma autoridade em sua ofi cina, na manufatura o trabalhador incapacitado em sua qualidade natural de fazer algo autônomo [...] só desenvolve atividade produtiva como acessório da ofi cina capitalista.

Nos estudos de Marx, segundo Zuck (2013), fi ca claro que quanto mais se trabalha no capitalismo, menos vida se tem. Primeiramente o ser é trabalhador e depois homem. Contudo, todo o desenvolvimento do capital se efetua de forma antagônica e todos os seus produtos, for-ças produtivas, riqueza, ciência, entre outros, aparecem sob a forma de alienação do trabalhador diante do que ele produz, “frente uma riqueza alheia e causadora de sua pobreza”.

Vale ressaltar, como visto, que Marx (1985) entende que a sociedade e suas relações são determinadas pelo modo de produção e, na perspectiva de classe, que distingue capitalistas (classe burguesa), detentores dos meios de produção, e trabalhadores (classe proletária), que vendem sua força de trabalho. Ou seja, os capitalistas precisam “das mãos” dos trabalhadores para produzir valor e, em contrapartida, os trabalhadores necessitam dos capitalistas para ven-derem sua força de trabalho e sobreviver. Assim, Marx desmonta a tese de Smith, pois eviden-cia que entre as classes antagônicas não há igualdade material. Também, o Estado não é para todos, mas de classe, da classe social que detêm o poder econômico, logo temos no capitalismo o Estado burguês, expresso como violência concentrada e organizada (MARX, 1985).

Para Marx, a divisão do trabalho se estende para além da produção material e exerce uma função de dominação da classe burguesa sobre a classe proletariada. Esta dominação se expressa nas formas de segmentação da sociedade. A partir dessa perspectiva, segundo Caetano (2009), promover a emancipação da classe trabalhadora (proletariada) de seu estado de aliena-ção é a preocupação central de todos os postulados de Marx. Isto, entretanto, na perspectiva do clássico, só seria possível a partir do momento em que o proletariado deixasse de ser “classe em si” e se tornasse uma “classe para si”, construindo a sua consciência de classe. A partir deste momento, o proletário estaria apto a promover uma revolução social que derrubaria a burguesia, extinguindo as classes sociais, no sentido de que superaria a ordem social capitalista e construi-ria a sociedade comunista.

No Manifesto do Partido Comunista, Marx (1999) postula que o comunismo abolirá a liberdade de comércio, a liberdade de comprar e vender, que em si é a liberdade burguesa. Irá suprir o poder de uma minoria (indivíduos burgueses), que por meio da apropriação, que escravizam e exploram o trabalho da maioria. Desaparecerá a cultura, a educação, o direito e a família burguesa. Porque todas essas concepções decorrem das ideias e noções burguesas de apropriação e acumulação, das suas condições materiais de existência. O objetivo do comunis-mo é a supremacia do proletariado, suprimindo a exploração do homem pelo homem. Isso ocor-rerá com uma ação comum, desaparecendo os antagonismos de classes e consequentemente entre as nações. Para o clássico, a revolução comunista é a ruptura mais radical com as relações

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tradicionais de propriedade, ou seja, com o capitalismo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os elementos teóricos apresentados acerca da categoria “trabalho” no modo de produ-ção capitalista permitem depreender que os clássicos Adam Smith e Karl Marx concebem a realidade de maneira distinta. O primeiro parte da corrente liberal e do idealismo para analisar a sociedade capitalista e seus elementos, enquanto o segundo confronta essa corrente através do materialismo histórico.

Verifi ca-se que Smith não considera o antagonismo de classe, a contradição, ao analisar o trabalho no capitalismo. Para o clássico, é natural uns terem mais e outros menos riqueza, pois a capacidade, o talento e o esforço de cada um para alcança-la, depende única e exclusivamente do indivíduo. Nesse sentido, o pensamento de Smith integra a lógica do funcionamento do ca-pital e sustenta a visão de um mundo liberal, no qual os interesses egoístas caminhariam ao lado dos interesses coletivos, por meio da livre atuação dos indivíduos no mercado, de maneira que a abundância de bens materiais, a acumulação da riqueza material, benefi ciaria a sociedade como um todo. “O liberalismo é o ideário que sustenta o modo de produção capitalista é, portanto, a expressão do pensamento burguês”.

Em seus postulados, Smith considera a divisão do trabalho como uma técnica positiva e necessária para a acumulação de capital, para a construção da riqueza, por ser capaz de pro-mover a profusão das mercadorias, através do trabalho bem defi nido, simples, com máquinas utilitárias e conduzido por indivíduos esforçados. Além disso, segundo sua teoria, o trabalho contido e incorporado no valor das mercadorias, se distribui entre salários, lucros e renda da terra. Mas pelo fato dos lucros depender diretamente do comportamento dos salários, considera natural os ricos, donos dos meios de produção, deixarem estes os mais baixos possíveis. Assim, o clássico teoriza esse sistema capitalista de produção como um modo benéfi co a sociedade em geral, trazendo a divisão do trabalho como fundamental para o acesso de todos às mercadorias, à riqueza material, sem considerar a exploração do trabalhador.

Já para o clássico Marx, a unidade entre egoísmo e fi ns coletivos não poderiam resultar naquele benefício material para toda sociedade. Isso porque a propriedade privada capitalista é um pressuposto que carrega em si o princípio da desigualdade social, de forma que o capital é uma relação social de produção, antes de se tornar mercadoria. Como também, não se produz mercadorias no modo de produção capitalista para atender as necessidades das pessoas, e sim para a valorização e acumulação do capital.

A acumulação do capital, segundo Marx, contrariando Smith, não se desdobrar em em-prego e aumento de salários e riqueza para todos, mas, ao contrário, na maior concentração da propriedade privada, na reprodução do capital, através da exploração do trabalho. Além disso, há permanente repulsão dos trabalhadores do processo produtivo, formando o exército indus-trial de reserva, necessário à constante valorização do capital e a permanente pauperização da classe trabalhadora. O clássico, diferente de Smith, deixa claro que a riqueza social é resultado da exploração do trabalhador, ela é produzida coletivamente e apropriada privadamente.

Como visto, para Marx, a divisão do trabalho no modo de produção capitalista é negati-

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va, causa alienação, distancia o homem da condição humana, o escraviza, o condena ao trabalho sacrifi cado, mortifi cado e embrutecido, e o despis da capacidade de realizar outras dimensões da vida. Nesse sentido, o teórico revela que, no capitalismo, o trabalho limita o desenvolvimen-to das qualidades essencialmente humanas.

Portanto, para Marx, diferentemente de Smith, as relações sociais nesse sistema são contraditórias, não são naturais, neutras ou desprovidas de interesses. Além do mais, com o modo de produção capitalista, a sociedade é “ideal” para poucos e não pode ser “arrumada”, “melhorada” nem tampouco ser “justa” para todos. Contudo, o clássico afi rma que somente uma revolução social radical, somente a derrubada da burguesia pela revolução do proletariado, extinguindo a sociedade de classes de ordem capitalista, e instaurando-se a sociedade comunis-ta, poderia mudar os rumos da história.

REFERÊNCIAS

CAETANO, Érika de Cássia Oliveira. A divisão do trabalho: uma análise comparativa das teorias de Karl Marx e Emile Dürkheim. PUC Minas, 2009.

GIANNOTTI, JA. Origens da dialética do trabalho: estudo sobre a lógica do jovem Marx. Rio de Janeiro: Centro Edelstein, 2010.

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MARX, Karl. O Capital: crítica da Economia Política. São Paulo: Nova Cultural, 1985.

MARX, Karl. Sociologia. IN: IANNI, Octavio (org.). São Paulo, Ática, 1988.

SMITH, Adam. Investigação sobre a natureza e a causa da riqueza das nações. 2 ed. São Paulo: Abril Cultural, 1979; Livro I. p. 3-20.

SMITH, Adam. A riqueza das nações. Coleção Os Economistas. Abril Cultural: São Paulo, 1983.

ZUCK, Débora Villetti. Trabalho e educação: apropriações teóricas a partir de Marx e Smi-th. Paraná, 2013.