DA-RIN, Silvio. Espelho Partido - Tradicao e Transformacao Documentário
Tradicao e Ruptura a Tragicidade Na Cena de Roberto Alvim
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7/27/2019 Tradicao e Ruptura a Tragicidade Na Cena de Roberto Alvim
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TRADIO E RUPTURA: A TRAGICIDADE NA CENA DE ROBERTO
ALVIM
Nat Lamego
Orientao: Carmem Gadelha
Este artigo levanta questes sobre os limites do teatro e aborda a tragicidade na cenacontempornea. Partindo das leituras de Jaa Torrano acerca da Teogonia e da trilogiaOrestia, situa-se o conflito entre a cidade grega e o mito, no contexto de surgimento datragdia, para falar de uma condio trgica que atravessa o tempo. Baseados em
Nietzsche, somaremos nossa leitura o prisma apolneo-dionisaco da msica em tensocom a imagem e o conceito, no trgico. Assim, agregando o livro Dramticas doTransumano, partiremos para uma anlise do espetculo Peep Classicsquilo, do
diretor carioca Roberto Alvim, para estabelecer quais so os conflitos trgicos quepulsam na obra e em que medida esses conflitos nos afetam enquanto espectadores deteatro, hoje.
Palavras-chave: tragicidade; ruptura; entrelugar.
Para pensarmos o trgico, devemos remontar ao prprio contexto de
acontecimento das tragdias napolis grega. O mito, enquanto fora fundamentadora dos
convvios, choca-se com a nova praxis histrica da cidade. Isso quer dizer que dois
campos de conhecimento e relaes poltico-religiosas entram em conflito. Pensamento
mtico versus pensamento racional. Hesodo possibilita o contato com o conhecimento
arcaico e assim expe a contradio. O homem desse tempo est atravessado pela tenso
entre religio e poltica; os tragedigrafos que conhecemos, enquanto pensadores
religiosos e polticos, remetem a esse dilogo que se impe vida tica, fazendo
experimentar o conflito entre homens, olmpicos e tits.
Entendendo esse paradigma trgico como prprio de um conflito de foras,
nossa pesquisa prope pensar possveis formas de presena da tragicidade nos diasatuais. Para isso, o foco o espetculo Peep Classic squilo todas as tragdias de
squilo, menosEumnides, em trs dias e seis atos , dirigido por Roberto Alvim.
O diretor, em seu livro Dramticas do Transumano (ALVIM, 2012), faz
apontamentos acerca de uma pesquisa sobre dramaturgia da fala. Ele pretende investigar
novos modos de habitao da cena (e, portanto, do mundo) a partir da maneira de
falar.
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O ponto essencial no a palavra: como na magia, tudo s acontece se amaneira de falar ativar as palavras. a fala, no as palavras; preciso que osdramaturgos compreendam e lidem com isso, escrevendo uma dramaturgia da fala.(ALVIM, 2012, p.17.)
Em Peep Classic, o espao um cubo vazado, feito s das arestas, onde, aolongo da encenao, os atores estaro posicionados. Durante todo o tempo, a sala est
imersa em escurido quase total e os atores esto imveis no espao. Ocasionalmente e
propositalmente, podemos vislumbrar os rostos dessas figuras em imobilidade, porm
nunca com muita clareza. Sobre o espao, interessante lanar o olhar sobre o que
possa significar reproduzir um cubo, dentro de uma caixa cnica. Pergunto-me se no
seria uma tentativa de aludir a determinada lgica perspctica tradicional do teatro para
dialogar com rompimentos nos nveis da fala e da visibilidade.
Observamos aquilo que est constantemente se tornando visvel, que se revela e
se esconde ao mesmo tempo. Nesse sentido, somos devolvidos a certo arcasmo (arkh)
do ato de ver, expostos brutalidade daquelas foras de irrupo da imagem. E, nesse
movimento, a fala trabalha para tornar presente o que ela diz, para se fazer presente. Ela
performtica. O conflito se pe entre o ver e o ouvir.
Nietzsche, em seu estudo sobre a tragdia, discerne o apolneo do dionisaco,
estabelecendo uma tenso vontade-aparncia, que pode ser traduzida como a tenso
entre msica e imagem-conceito. Da mesma forma que isso est proposto para uma
anlise das tragdias, convido a pensarmos a fala em conflito de foras com a imagem
no espao, nessa encenao. O filosfo questiona
que efeito esttico surge quando aqueles poderes estticos, em si separados1, doapolneo e do dionisaco, entram lado a lado em atividade? Ou de forma maissucinta: como se comporta a msica para com a imagem e o conceito?(NIETZSCHE, 2007, p. 96)
Em uma conversa em roda com o elenco, aps a apresentao do dia 08/06/2013
no SESC de Copacabana, alguns espectadores disseram ter experimentado momentos do
espetculo de olhos fechados. Relatos como este podem conduzir, dentre muitas, a
algumas indagaes essenciais. Nessa experincia radical, poderamos dizer que a
palavra recobra uma lgica hesidica, em que elas so presenas presentificadoras das
coisas? E, caso concordssemos que sim, as imagens propostas pelo nosso olhar,
1 Aqui sugiro que encaremos esta separao como permanente passagem de umao outro, numa tenso que distingue sem excluir.
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imersas em penumbra, seriam dispensveis? Parece-me que, diante dessas perguntas, o
que est em jogo o limite do prprio teatro que fundado no ver.
Assim, habituados a uma certa tradio do olhar, somos bruscamente
mergulhados nesse ver-no-ver. O choque desse deslocamento em si a experincia, um
trnsito que nos conduz a um novo campo de representao e, consequentemente,
espectao.
Da mesma maneira que o grego teve que colocar sua relao com o mito em
xeque no contexto de surgimento da polis, a relao palco-platia, hoje, tem que se
reconfigurar diante dePeep classic squilo.
Portanto, estamos falando de uma experincia que se prope a questionar novos
modos de fazer e assistir ao teatro. No interessa a Alvim um conhecimento que
estratifique uma tradio. Essa quebra de paradigmas, para o espectador, dialoga
diretamente com a ideia de um ouvinte esttico, como Nietzsche o pensa (NIETZSCHE,
2007). Entra em cena uma desterritorializao/reorganizao de modos de espectar e de
expectativas o movimento desestrutura e reconcilia. Essa qualidade de experincia
propositora de outras dimenses do pensar e do viver.
Porm, julgo ser, de alguma forma, necessrio desconfiar da dicotomia que o
diretor carioca estabelece entre descoberta e inveno: "... um teatro de inveno, no de
descoberta: no algo que existe, algo que se inventa (ALVIM, 2012, p.17). Essa
relao me parece altamente excludente e contraditria dentro do prprio discurso de
reinveno. Pode ser o caso de conduzirmos nossas reflexes pelo vis de uma relao
tensionadora e alimentadora entre o que j existe e o que se cria, pois, quando
afirmamos categoricamente essa separao, deixamos de ver o trnsito entre uma coisa
e outra. As encenaes de Alvim (ou qualquer outra) precisam se apoiar em algo que
legitimamos como teatro para assim serem reconhecidas. No espetculo em questo,
existe a relao de espelho frontal e os espectadores esto em constante ato de ver(mesmo que levado ao seu limite) e ouvir elementos indispensveis que nos situam na
esfera prpria do teatro. A descoberta uma redescoberta, criar recriar. Sendo assim, o
processo de rupturas e continuidades.
Por isso, quando, em sua arte, Alvim pretende (re)criar uma habitao diferente
de uma ideia hegemnica acerca do que seja a condio humana (ALVIM, 2012, p.
22), atravs de seu uso da luz e da fala, ele instaura de novo a cena em um lugar onde o
teatro teatro, apesar de estranho. o entrelugar tradio/ ruptura. O entrelugar,pensado atravs do devir,
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no um termo que se torna outro, mas cada um encontra o outro, um nico devirque no comum aos dois, j que eles no tm nada a ver um com o outro, mas queest entre os dois, que tem sua prpria direo, um bloco de devir, uma evoluo a-
paralela. isso a dupla captura (DELEUZE, 1998, p. 15).
Assim, nesses devires dionisaco-apolneo, Atenas-Olimpo e tradio-ruptura
mora o trgico. Ele s se faz possvel na crise, na tenso, no dilogo. A experincia de
se reorganizar enquanto espectador para comungar com uma obra proposta o prprio
devir tradio-ruptura, na medida em que ela uma resposta a um conflito memria-
atualidade que se impe. A tragicidade no uma condio passiva, mas um ativo que
trafega por uma incerteza radical.
BIBLIOGRAFIA
ALVIM, R.. Dramticas do transumano e outros escritos seguidos de Pinokio. Rio deJaneiro: 7 letras, 2012.
DELEUZE, Gilles; PARNET, Claire.Dilogos. So Paulo: Escuta, 1998
SQUILO. Agammnon. Estudo e traduo Jaa Torrano. So Paulo: IluminurasFAPESP, 2004.
SQUILO. Coforas. Estudo e traduo Jaa Torrano. So Paulo: Iluminuras FAPESP,2004.
SQUILO.Eumnides. Estudo e traduo Jaa Torrano. So Paulo: Iluminuras FAPESP,2004.
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HESODO. Teogonia. So Paulo: Iluminuras, 1991.
MOTTA, Gilson. O espao da tragdia. So Paulo: Perspectiva, 2011.
NIETZSCHE, F.. O Nascimento da tragdia ou Helenismo e pessimismo. Traduo,notas e posfcio: J. Guinsburg. So Paulo: Companhia das Letras, 2007.
TORRANO, Jaa. Teogonia: a origem dos deuses (estudo e traduo). So Paulo:Iluminuras, 1991.